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2578 DIÁRIO DE CAMPO E POSSÍVEIS COLABORAÇÕES PARA O DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL DAS PROFESSORAS INICIANTES Márcia Roza Lorenzzon- PPGEdu/UFMT/CUR Simone Albuquerque da Rocha -PPGEdu/UFMT/CUR Eixo 02 Agência Financiadora OBEDUC/CAPES/INEP/SECADI [email protected] Introdução Entre os muitos projetos aprovados pelo Observatório da Educação/CAPES/INEP/SECADI, esta pesquisa situa-se nos estudos de formação continuada desenvolvida com os professores iniciantes da educação básica, em projeto aprovado pelo PPGEDU/UFMT/OBEDUC. O objetivo da pesquisa é investigar de que forma esta formação vem sendo sentida pelos professores e se evidenciam reflexões e contribuições capazes de provocar o revisitar de sua prática a partir de seus registros, possibilitando uma reflexão sobre os estudos e referenciais teóricos que pautaram os estudos nos encontros de formação. As questões que movimentaram as buscas foram: O que pensam os professores sobre a adoção do caderno de campo na formação específica para o seu desenvolvimento profissional? O que registram sem seus cadernos? Que formação mais tocou os professores e de que forma influenciou suas práticas? O caderno de campo mobiliza reflexões após sua escrita e promove o repensar, revisitar das práticas destes professores? Para melhor compreensão, apresenta-se um pouco da origem desta pesquisa, que está ancorada ao projeto aprovado pela UFMT no Observatório da Educação/CAPES/INEP/SECADI, que investiga sobre o professor iniciante e seu desenvolvimento profissional, dificuldades e necessidades inserindo neste contexto, com a participação de seis escolas da Educação Básica, com seus professores iniciantes egressos da licenciatura, mais um professor experiente por escola, que tem a função de acompanhar, assessorar e atender as necessidades dos professores iniciantes. Este é o propósito primordial deste projeto, atender os professores em início de carreira, já que os mesmos se sentem desafiados em suas necessidades de aprendizagem e a desenvolver os respectivos planejamentos pedagógicos. Para o professor iniciante, cada dia de formação é um momento de superação, pois ele ainda

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DIÁRIO DE CAMPO E POSSÍVEIS COLABORAÇÕES PARA O DESENVOLVIMENTO

PROFISSIONAL DAS PROFESSORAS INICIANTES

Márcia Roza Lorenzzon- PPGEdu/UFMT/CURSimone Albuquerque da Rocha -PPGEdu/UFMT/CUR

Eixo 02 Agência Financiadora – OBEDUC/CAPES/INEP/SECADI

[email protected]

Introdução

Entre os muitos projetos aprovados pelo Observatório da

Educação/CAPES/INEP/SECADI, esta pesquisa situa-se nos estudos de formação

continuada desenvolvida com os professores iniciantes da educação básica, em projeto

aprovado pelo PPGEDU/UFMT/OBEDUC. O objetivo da pesquisa é investigar de que

forma esta formação vem sendo sentida pelos professores e se evidenciam reflexões e

contribuições capazes de provocar o revisitar de sua prática a partir de seus registros,

possibilitando uma reflexão sobre os estudos e referenciais teóricos que pautaram os

estudos nos encontros de formação.

As questões que movimentaram as buscas foram: O que pensam os professores

sobre a adoção do caderno de campo na formação específica para o seu

desenvolvimento profissional? O que registram sem seus cadernos? Que formação mais

tocou os professores e de que forma influenciou suas práticas? O caderno de campo

mobiliza reflexões após sua escrita e promove o repensar, revisitar das práticas destes

professores?

Para melhor compreensão, apresenta-se um pouco da origem desta pesquisa,

que está ancorada ao projeto aprovado pela UFMT no Observatório da

Educação/CAPES/INEP/SECADI, que investiga sobre o professor iniciante e seu

desenvolvimento profissional, dificuldades e necessidades inserindo neste contexto, com

a participação de seis escolas da Educação Básica, com seus professores iniciantes

egressos da licenciatura, mais um professor experiente por escola, que tem a função de

acompanhar, assessorar e atender as necessidades dos professores iniciantes.

Este é o propósito primordial deste projeto, atender os professores em início de

carreira, já que os mesmos se sentem desafiados em suas necessidades de

aprendizagem e a desenvolver os respectivos planejamentos pedagógicos. Para o

professor iniciante, cada dia de formação é um momento de superação, pois ele ainda

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não conta com uma prática suficiente que possa dar suporte e colaborar nas iniciativas,

decisões e esses momentos de estudos ocorrem para fortalecer no seu dia a dia escolar,

principalmente quando se depara com temas polêmicos, como a sexualidade na infância.

Para melhor compreender sobre o uso do caderno de campo e suas contribuições

com pesquisas sobre formação de professores, desenvolveu-se um mapeamento no site

da Capes e da Anped, com um total de 19 produções analisadas e de interesse da

pesquisa somente na página da Capes. Neste contexto e apoiado em Zabalza (1994),

Yinger e Clark (1981), Esteves (1995), Marcelo Garcia (2007) e outros citados, buscou

compreender e caracterizar o desenvolvimento profissional destas professoras e os

acontecimentos pautados nos diários descritos.

Adotou-se também na pesquisa qualitativa, as análises dos diários de campo dos

sujeitos cujos pseudônimos por elas escolhidos, são Mari e Rose.

Professor iniciante e seus desafios em início de carreira

Esteves (1995), relata sobre estes profissionais quando chegam à escola, passam

por “choque de realidade”, que representa as dificuldades nesta fase profissional. Este

impacto se não for bem acompanhado, poderá provocar danos à construção do perfil do

docente.

O professor iniciante é considerado como o profissional que passa por momento

tão delicado que é a inserção na carreira docente e muitas vezes sem ter com quem

partilhar, reproduz os exemplos dos seus professores da graduação, isso reduz sua

capacidade de transformação, inovação.

Marcelo Garcia (2007) enfatiza a idéia de que o período de inserção é um período

distinto no caminho de se tornar um professor. Não é um salto no vazio entre formação

inicial e formação contínua, mas tem um distintivo e crucial para um desenvolvimento

profissional coerente e carácter evolutivo. O período de inserção e as atividades que o

acompanham variam muito de país para país.

No final dos anos 90, Cornejo, 1999 apud Almeida; Calil, (2012, p. 4), identificou

três experiências. Uma localizada na Argentina com uma proposta para a residência de

professores; no México, onde o desenvolvimento de recursos didáticos foi promovido na

escola e no Chile, com a proposta de inclusão recém-formados profissional. O estudo

mais recente de Marcelo Garcia (2007) mencionado, mostra que a situação não mudou

muito nos últimos anos.

No Brasil, este trabalho de acompanhamento ao professor em início de carreira

não tem grande expressão. Sousa (2015, p.55) afirma que “[...] só temos no Brasil alguns

programas de secretarias estaduais e municipais como, por exemplo em: São Paulo,

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Ceará (Sobral), Espírito Santo, Mato Grosso do Sul e Rio de Janeiro”, recentemente em

2015 a Secretaria Municipal de Educação de Rondonópolis/MT – SEMED - iniciou uma

política de formação ao professor iniciante, ainda pontual.

Também tem o projeto aprovado pela UFMT no Observatório da Educação

OBEDUC/CAPES/INEP/SECADI, aprovado em projeto submetido ao edital 049/2012, o

qual intitula-se “Egressos da Licenciatura em Pedagogia e os Desafios da Prática em

Narrativas: a Universidade e a Escola em um processo interdisciplinar de inserção do

professor iniciante na carreira docente.” O projeto objetiva investigar as dificuldades,

entraves, desafios e necessidades manifestadas pelos professores egressos em início de

carreira, tendo como principal sujeitos os licenciados da UFMT e tem a duração de quatro

anos, Tal projeto, tem em uma das ações, a colaboração do sujeito desta pesquisa.

França (2015) em pesquisa, na cidade de Rondonópolis, MT em busca na

Secretaria Municipal de Educação constatou que somente em 2015, no mês de abril,

deu-se início ao projeto de Formação Continuada para atender os professores em início

de carreira, cujo tema é: Professores iniciantes: Dialogando acerca dos conceitos, dos

métodos e das práticas docentes. (SEMED, 2015).

Mesmo com estas iniciativas percebemos que são poucas se consideramos a

extensão do país. Chamando a atenção para este cenário de ausência de políticas de

atendimento ao professor iniciante, André (2012, p.3) afirma ser importante “[...] os

órgãos gestores da educação inserir os programas de inserção à docência num plano

mais amplo de desenvolvimento profissional para que as ações formativas tenham

continuidade após o período probatório.”

Diante deste cenário, deu-se o interesse de investigar as duas professoras

iniciantes que participam do OBEDUC e através do diário de campo poder analisar como

este tem colaborado para o aprimoramento profissional, porém ao tratar sobre esta

ferramenta que é a prática do diário de campo, constatou-se que não é tão comum em

pesquisa na educação, teve sua origem tanto na Europa quanto no Japão por volta do

século X.

Quando o uso da escrita e os meios técnicos se expandiram, os depoimentos

escritos regularmente com caráter pessoal também se ampliaram. Assim, por volta do

século XVII, inúmeros documentos desse tipo foram criados, não apenas por religiosos e

nobres, mas por cientistas, arquitetos e outros. Tornam-se presentes, também, no ensino

de algumas áreas (por exemplo, a enfermagem) e na literatura, com a publicação de

diários de viagens, testemunhos autobiográficos e outros (ALASZEWSKI, 2006). Em

educação, foca especialmente o desenvolvimento de professores (ZABALZA, 2004).

Para auxiliar neste entendimento, realizou-se o mapeamento através do estado

do conhecimento, com a possibilidade de desenvolver a pesquisa com mais dados sobre

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o tema, as buscas então, foram feitas nos sites da Capes e da Anped, com os

descritores: diário de campo, diário reflexivo e registro de campo, para subsidiar no

entendimento sobre o diário de campo, as narrativas nele apresentado e as

potencialidades da escrita nos mesmos.

Fez-se, ainda, uma breve descrição das estratégias metodológicas que, em razão

da natureza qualitativa e quantitativa da pesquisa, baseadas nos teóricos: Ghedin e

Franco (2006), pois segundo os autores a Educação e as Ciências Humanas têm

avançado quando reinventam metodologias que dão conta da complexidade que exigem

os objetos hoje. Para eles, pesquisar é navegar com direção.

A pesquisa quantitativa/qualitativa foi escolhida e é compreendida como

abordagem da realidade, visto que em educação, não podemos nos deter apenas em

aspectos quantitativos, baseando-nos somente em números e dados, sem uma análise

profunda da realidade qualitativa.

A seguir apresentaremos os passos da pesquisa e os dados encontrados

referentes ao tema em evidência que permitiram investigar essa temática. Por fim,

apresentaremos as análises e os resultados que nos possibilitaram compreender as

características do processo de elaboração do diário das professoras, Mari e Rose, assim

como as contribuições e as implicações para a formação docente.

Os caminhos da pesquisa sobre diário de campo

O passo inicial desta pesquisa, foi realizar um levantamento sobre as produções

existentes sobre diário de campo, um procedimento de estado do conhecimento e para

compreender sobre esta busca, encontramos em Ferreira (2002) um referencial, ao

observar que:

Estado do Conhecimento “é de caráter bibliográfico e tem o desafio demapear e discutir “uma certa produção acadêmica em diferentes camposdo conhecimento, tentando responder que aspectos e dimensões vêmsendo destacados e privilegiados em diferentes épocas e lugares.Segundo a autora, usualmente essas pesquisas incidem sobredissertações e teses, artigos publicados em periódicos especializados ecomunicações apresentadas em eventos, porque estes são os principaiscanais para divulgação do que se faz em pesquisa num determinadocampo (FERREIRA, 2002, p. 258).

A autora ressalta que este trabalho mostra as formas e condições em que têm

sido produzidas as dissertações de mestrado, teses de doutorado, publicações em

periódicos e comunicações em anais de congressos e de seminários.

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Na análise das produções no site da Capes, de um total de que 235 produções, 8

% trazem os descritores de interesse da pesquisa, com o descritor diário de campo, foi

analisados oito (08) produções, com o descritor diário reflexivo, nove (09) e com o

descritor, registro de campo, duas (02) produções, total de 19, no período de 2005 a

2014, como pode-se visualizar no gráfico abaixo:

Gráfico 1: Resultado das buscas com os descritores de 2005/2014

Fonte: Dados organizados pela autora, com base no site da Capes.

Com o descritor diário de campo, observou-se que a metodologia de estratégias

de pesquisa apresentam caminhos diversos, porém todas utilizavam em comum o diário

de campo, como mostra a tabela abaixo:

Tabela 1- Estratégias de pesquisa com o descritor diário de campo

Número Estratégia de pesquisa1 Questionário e escritas de diários2 Diário de campo, constitutivo do ofício etnográfico3 Produção de escritas, entrevistas, diário de campo

4Pesquisa qualitativa de abordagem sócio-histórico em

escritas de diário5 Conversas informais, filmagens e diário de campo6 Entrevista semi-estruturada e diário e campo

7 Entrevista, observação, diário e campo

8 Memoriais, fragmentos de falas e diário e campoFonte: Dados elaborados pelo autor das buscas realizadas no site da Capes

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Das produções analisadas, com o descritor diário de campo, 33,3% utilizaram a

entrevista como estratégia de pesquisa, o que permite fazer a integração de todo o

material coletado, seja entrevista, conversas informais, narrativas escritas ou

observações.

Zabalza (1994), relata que os diários permitem focar as análises nos fatos

ocorridos a partir da integração das dimensões referencial e expressiva. Também destaca

quatro aspectos do diário que dão a esse tipo de documento uma potencialidade

expressiva: exige o registro escrito, implica reflexão, integra o expressivo e o referencial,

possui caráter histórico e longitudinal, pois permite observar a evolução dos

acontecimentos; a forma como eles ocorrem; os condicionantes que estão intrínsecos; as

mudanças que perpassam esses acontecimentos.

A partir dessas considerações, verifica-se que as potencialidades formativas da

escrita de diários só são possíveis se eles não se organizarem somente por descrições e

relatos de experiências vividas, mas que contemple o registro das reflexões sobre as

vivências e os caminhos a serem traçados para lidar com os dilemas docentes.

Yinger e Clark (1981) afirmam que a escrita é pessoal e ativa. Pessoal, pois é o

autor quem seleciona as informações apresentadas, os fatos narrados e também decide

a forma de apresentação do relato; e ativa porque se refere a um processo que envolve

estruturação, organização, releitura, reflexão e modificação do texto.

Neste contexto encontramos poucas produções que contemplaram o instrumento

de pesquisa, diário reflexivo, porém analisamos nove (09) trabalhos no campo da

educação, com seus descritores respectivos.

Observou-se nas análises sobre o descritor diário reflexivo, uma quantidade

maior, com o instrumento de pesquisa, diário de aula, com 33,3%, o que chamou a

atenção sobre caracterização deste instrumento, por ser um documento pessoal,

apresentado no artigo, tanto do professor quanto do aluno, mostrando o que é uma aula

para os dois.

Também apareceram a entrevista e o diário reflexivo, com 22,2%, instrumentos

relevantes para a pesquisa, com um caráter reflexivo e análise da escrita de um sujeito-

escrevente com análise das ressonâncias discursivas e com 11,1% o diário de classe e

diário de campo.

Pode-se observar que as produções trazem estratégias variadas, considerando

que o diário é um instrumento que vem colaborar para entender melhor as narrativas dos

pesquisados, que se inicia com entrevista, relatos, questionário ou mesmo observação e

o diário fornece o que é de mais pessoal e importante para a análise, muitas vezes o que

se encontra implícito do decorrer dos discursos.

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Para Zabalza (1994:83) os diários usados em contextos distintos teriam em

comum a capacidade de responder à dupla exigência metodológica de “centrar as

análises em situações concretas, integrando a dupla dimensão referencial e expressiva

dos fatos”. Em outras palavras, os diários trabalhariam a objetividade da situação através

da versão subjetiva que os sujeitos dão a ela e subjetividade da situação através dos

dados objetivos que o próprio documento pessoal proporciona.

Com o descritor registro de campo, foram analisadas duas (02) produções, a

primeira trouxe como estratégia de pesquisa, além do registro em diário de campo a partir

das observações do cotidiano do grupo, a realização de entrevistas coletivas com grupos

de crianças e a segunda produção também utilizou registro de campo e entrevistas.

Além do diário, a entrevista é um instrumento que auxilia na pesquisa. A grande

vantagem da entrevista sobre outras técnicas é que ela permite a captação imediata e

corrente da informação desejada, praticamente com qualquer tipo de informante e sobre

os mais variados tópicos. (LÜDKE; ANDRÉ, 1986: 33-34).

Na sequência foi analisado produções na página da Anped, porém não foram

encontrados os descritores de interesse, visualizamos produções somente na área da

saúde, mas não é o foco da pesquisa.

Analisando as narrativas

Para entender melhor este instrumento, apresenta-se a seguir a análise das

narrativas do diário de campo de cinco (05) encontros de formação em que as

professoras iniciantes, participantes do Projeto de Investigação, OBEDUC, narram os

acontecimentos de cada dia analisado e seus saberes adquiridos em cada encontro.

Iniciemos com a narrativa da professora Mari:

Primeiro dia que estive nos estudos do OBEDUC como professorainiciante – sujeito de pesquisa – disponível ao grupo coordenado pelaprof. Dr Simone Albuquerque da Rocha. Foi um dia incrível, experiênciagratificante quando passo de bolsista a docente iniciante e continuartendo a oportunidade de estar com o grupo e participar dos estudos.(Diário de campo, encontro - 17/03/2015, Professora Mari)

É notável em sua narrativa a subjetividade, a sua satisfação em fazer parte deste

projeto como professora iniciante, esta é uma das características marcantes do diário de

campo, como relata Zabalza, (1994:91), [...] os diários são ‘o espaço narrativo de

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pensamento dos professores’, ou seja, seriam vistos como documentos da expressão e

elaboração do pensamento e dilemas desses professores.”

Neste contexto e para compreender a formação da professora, apresenta a seguir

a narrativa que traz sobre o tema Ciclo de Formação Humana, discutido no mesmo dia

analisado acima:

A fala foi relacionada ao contexto Educação Infantil, ainda prioridadepara o atendimento nas unidades de Educação Infantil, segundo aprofessora é a situação de vulnerabilidade (criança). [...] ainda sobrevivência, observei nas discussões que esta estava relacionada na vidado profissional da escola como aquela vivência que se teve com os filhospara experienciar as atividades com as crianças na escola,principalmente na Educação Infantil. (Diário de campo, encontro -17/03/2015 com o tema: Relações ciclos de formação humana, Mari).

A professora iniciante Mari relata sobre o tema de maneira sucinta, porém significa

um relato pessoal e subjetivo. Para Zabalza (1994), o caráter pessoal do diário é

multidimensional e refere-se ao registro dos saberes, dos sentimentos, das ações, das

tomadas de decisões do professor; remete também ao próprio sentido do diário: esse

documento tem sentido pleno para o seu autor, que também é destinatário do relato.

É nesta vertente que como pesquisador pode-se primar pela veracidade e

subjetividade dos relatos do diário de campo, valendo-se de experiência formativa tanto

para o pesquisador como para o sujeito em evidência, porém percebe-se que no diário da

professora iniciante Rose, suas narrativas na maior parte são descritas através de tópicos

e bem resumidas. O que mostra sua narrativa a seguir:

[...] importância dos objetos pedagógicos, metodologia (conteúdo).Prática, utilização e desenvolvimento. (Diário de campo, encontro -17/03/2015 com o tema: Relações ciclos de formação humana,Professora Rose)

Embora narradas no mesmo dia de formação, cada professora tem uma

característica específica de escrita, a professora Mari traz mais detalhes com uma certa

subjetividade, o que difere da escrita da professora Rose que descreve com objetividade,

mais sucinta.

Numa outra análise, evidencia-se que a escolha dos temas feito pelos próprios

participantes, vem ao encontro de suas necessidades formativas, que como professora

iniciante tem seus desafios e dificuldades em abordar tais assuntos em sala de aula,

como por exemplo o tema Sexualidade na Infância:

A sexualidade tem a ver com nossas práticas sociais, culturais, desejos,prazeres, etc. Para Foucault, a sexualidade passa a ser discutida comoalgo normal, porém com o intuito controlador. A ideia de discurso está

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centrada na representação por meio das culturas. (Encontro, 07/04/2015com o tema: Sexualidade na infância, Professora Mari)

[...] sexualidade tem a ver com a cultura. Sexualidade, criança – prazer.Sexualidade, adulto – prazer para reprodução. (Encontro, 07/04/2015com o tema: Sexualidade na infância, Professora Mari)

O que fez-se perceber que os relatos são individuais e únicos, há para cada

professora uma compreensão sobre o que realmente a formação traz para seu

crescimento pessoal e profissional, como a responsabilidade em narrar cada dia de

formação. Assim Zabalza (1994) fala de como o diário "vai estabelecendo a sequência

dos fatos a partir da proximidade dos próprios fatos" (p. 96).

A seguir traz-se o relato da continuidade da formação sobre sexualidade e

infância:

[...] assistimos o filme, Minha vida em cor-de-rosa. Por que fazemos ooutro sofrer para preservar nossas convicções? (reflexão). Comotrabalhar nossos educadores com situações relacionadas a sexualidade?(reflexão). Questões levantadas pelos docentes como por exemplo:como lidar com questionamentos dos alunos na escola sobresexualidade? (Encontro 28/04/2015, tema: Filme Minha vida em cor-de-rosa, Professora Mari).

As crianças percebem o outro, são atraídas. A psicologia trouxe umaquestão que me intrigou. Como? Qual foi o desejo? ...fazemos o outrosofrer por causa de nossas concepções. [...] outro ponto, reconhecer ooutro. (Encontro 28/04/2015, tema: Filme Minha vida em cor-de-rosa,Professora Rose).

Nesta narrativa, fica evidenciado que os temas não se esgotam em um dia de

formação, mas apresentam uma sequência de fatos, de estudos e como destacou a

professora Mari em seu diário de campo, a relevância do estudo e da reflexão e já a

professora Rose descreve algumas angustias de encarar este assunto que é tão

polêmico nas escolas. Tem-se como exemplo o tema avaliação a seguir relatado e

também escolhido pelo grupo, com a perspectiva de entender com mais propriedade

sobre o que é avaliar:

[...] geralmente ocorre o exame e não a avaliação, pois avalia o momentosem levar em consideração o currículo de vida e aprendizado do aluno.[..] não visa valorização e sim uma maneira de exclusão. É preciso sermediadora para ser considerada avaliativa. (Formação 12/05/2015 com otema: Avaliação, Professora Mari).

[...] ato de avaliar é diagnosticar. Aprendizagem que está ocorrendo,propor atividade para se ter melhor resultado. Equívoco: Dificuldade daprofessora, examinar: pontuar, classificar. Avaliação: Diagnóstica,formativa, mediadora, dinâmica, inclusiva. Papel do educador, atoamoroso. (Formação 12/05/2015 com o tema: Avaliação, ProfessoraRose).

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As duas professoras narram sobre o que realmente são relevantes refletir e

pensar sobre a aprendizagem da docência na perspectiva de desenvolvimento

profissional, de saber lidar com este tema que é avaliação. Para tanto a formação

continuada deve ser permanente, contínua e de acordo com Mizukami et al. (2003, p. 16),

a ideia de processo – e, de continuum – obriga a considerar a necessidade de

“estabelecimento de um fio condutor que vá produzindo os sentidos e explicitando os

significados ao longo de toda a vida do professor, garantindo, ao mesmo tempo, os nexos

entre a formação inicial, a continuada e as experiências vividas”.

As escritas constituem-se pela elaboração do pensamento do docente, ouve,

interpreta e a seguir escreve como um investigador de si próprio e, consequentemente,

poderá melhorar em sua prática na sala de aula, este é o objetivo do projeto investigação.

Assim analisou-se as narrativas das professoras sobre o tema também de

importante significação para elas, os Descritores.

Ao trabalharmos um texto é necessário insistir na compreensão demaneira que nossos alunos possam saber detalhes referente ao: nomedo autor, contexto histórico, datas de publicação, etc. (Formação10/11/2015, com o tema Descritores da Provinha Brasil e ANA,Professora Mari).

Descritor 1, localizar informação em um texto lido. Descritor 2, trabalha arepetição. Descritor 3, inferir o sentido de uma palavra ou expressão.Descritor 9/12, identificar a finalidade de textos de diferentes gêneros.(Formação 10/11/2015, com o tema Descritores da Provinha Brasil eANA, Professora Rose).

Percebe-se com muita clareza que este tema veio colaborar para o

enriquecimento teórico e pedagógico destas profissionais, subsidiando para sua prática,

pois são rodeadas de desafios e de constantes cobranças, sejam pela escola ou pela

secretaria de educação.

No entanto, os estudos que se pautaram em suas necessidades, foram narrados

de uma maneira pessoal e profissional, trouxeram marcas de individualidades de escritas

e expressões. O que chamou a atenção também é o comprometimento em anotar as

falas, os tópicos, contendo também, mesmo que timidamente algumas narrações

subjetivas.

Considerações

O presente artigo buscou investigar, na perspectiva das professoras iniciantes da

rede municipal de Rondonópolis e participantes do OBEDUC, as contribuições da escrita

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de seus diários de campo para sua formação docente. No decorrer da escrita, buscou-se

entender sobre o professor iniciante, suas dificuldades em enfrentar seu início de carreira

e sobre o diário de campo, como um instrumento formativo que possibilita a análise das

experiências vividas na formação continuada.

Relacionamos este relato a Zabalza (1994), que colabora no entendimento sobre

o diário ser um recurso penoso: é difícil escrever após um dia de trabalho e em meio às

tarefas cotidianas. No entanto, relata que mesmo sendo um processo penoso, é

prazeroso, pois, ao escrever o diário, o professor encontra sentido e utilidade na escrita.

As participantes da pesquisa apresentaram no decorrer das narrativas, uma

escrita ponderável, clara e subsidiada pelo o entendimento individual de cada dia

relatado, porém não possibilitou atingir o objetivo de forma satisfatória e também algumas

questões ficaram sem responder, podendo sim ser retomado em produção futura e em

outras investigações, tendo em vista que os sujeitos continuarão suas narrativas no diário

de campo neste ano de 2016. Desse modo, aqueles que escrevem diários podem tornar-

se investigadores de si próprios e, consequentemente, da prática que desenvolvem na

escola.

Referências

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ANDRÉ, M. Políticas e programas de apoio aos professores iniciantes no Brasil. Caderno de Pesquisa, São Paulo, vol.42, no.145, Jan./Apr.2012. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php> Acesso em: 10 nov. 2015.

ANPED. http://www.anped.org.br/grupos-de-trabalho-comite-cientifico/grupos-de-trabalho/grupos-de-trabalho. Disponível em: <http:// http://www.anped.org.br//>. Acesso em: 20 nov. de 2015.

CAPES. Banco de Teses e Dissertações. Disponível em: <http://bancodeteses.capes.gov.br/>. Acesso em: 20 Jul. de 2015.

ESTEVES, M. RODRIGUES, A. A formação de professores: especificidades e problemas.In: ___. Análise de necessidades na formação de professores. Lisboa: Porto, 1995, p.39-42.

FRANCO, F. C. O coordenador pedagógico e o professor iniciante. In: __ALMEIDA, L.R. BRUNO, E. B. C; CHRISTOV, L.H. da S. O coordenador pedagógico e a formação docente. São Paulo: Loyola, 2000, p.33-36.

FRANÇA, Márcia Socorro dos Santos. O desenvolvimento profissional dos professores iniciantes egressos da Pedagogia: um estudo de caso. Rondonópolis, MT: UFMT/CUR, 2015.

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