saÚde do professor: a compreensÃo dos...
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SAÚDE DO PROFESSOR: A COMPREENSÃO DOS DOCENTES SOBRE ASCAUSAS DE SEU ADOECIMENTO PROFISSIONAL
Emerson Santana; Thais de Souza Ramos; Natália Pithon Fernandes;Julia Simoni Pasquali; Daniela Trindade da França; Rinaldo Molina
Psicologia/CCBS/Universidade Presbiteriana MackenzieEixo temático: Políticas de formação de professores
E-mail: [email protected]
Esse artigo tem como objetivo central apresentar os resultados de uma
pesquisa que objetivou identificar e analisar qual a compreensão que professores
possuem acerca do atual cenário de adoecimento por que passa um grande número
de profissionais da categoria, se tinham ciência das suas reais condições de trabalho e
as consequências destas para a sua saúde física e mental.
Para tal, foi realizada entrevista semiestruturada com dezoito professores
atuantes em cinco diferentes escolas da rede pública de ensino do Estado de São
Paulo (capital e grande São Paulo). Para manter o anonimato, os entrevistados estão
denominados como Colaboradores 1, 2, 3, etc. (designados por Colab. ou Colabs.).
Os professores sujeitos da pesquisa se distribuem entre os vários tempos da carreira
docente: Colabs. 3, 7 e 20: 0 a 5 anos de experiência; Colabs. 1, 2, 4, 10 e 12: 6 a 10
anos; Colabs. 11, 13 e 15: 11 a 15 anos; Colabs. 14: 16 a 20 anos; Colabs. 6, 8 e 9: 21
a 25 anos; Colabs. 16 e 17: 26 a 30 anos.
Para a organização e análise dos dados utilizamos a análise de conteúdo
(GOBBI, 2005; BARDIN, 2009).
O texto que segue está organizado em três partes. Na primeira desenvolve o
referencial teórico. A segunda apresenta a análise dos dados coletados. O texto
encerra com reflexões sobre a problemática estudada.
REFLETINDO SOBRE ADOECIMENTO PROFISSIONAL
A partir da Revolução Industrial iniciaram-se ações de saúde preventiva do
trabalhador, com a tentativa de regulamentar a higiene das condições de trabalho, a
fim de evitar doenças tidas como “concretas”. Os agentes responsáveis por essas
doenças são reconhecidos, atualmente, pelas leis trabalhistas como produtores das
doenças ocupacionais.
Segundo o sociólogo Gilberto Freire,[...] o ser humano é um todo biológico, ecológico e socialmente determinado. Eseu bem-estar – além de físico, psicossocial – está dependente e relacionado asituações que o envolve, como membro de um grupo em particular, e de umacomunidade, e mais do que isto, de um sistema sociocultural em geral, não
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apenas de sua herança biológica ou de fatores ecológicos (apud FRANÇA,RODRIGUES, 1999, p. 22).
Com a citação de Gilberto Freire, pode-se perceber que a saúde do indivíduo é
afetada diretamente pelas relações com o grupo e com o ambiente em que está
inserido. Nota-se que desde a Revolução Industrial, até os dias de hoje, não é difícil
compreender que existe uma relação intrínseca entre a saúde do trabalhador e as
condições de trabalho; como consequência, quanto mais saudáveis e favoráveis forem
as condições no ambiente de trabalho, maiores serão as chances de se preservar a
integridade da saúde física e mental dos trabalhadores.
A organização do trabalho, definida como “A divisão do trabalho, o conteúdo da
tarefa e as relações de poder que envolvem o sistema hierárquico, as modalidades de
comando e as questões de responsabilidade” (FERREIRA, 2011, p. 55) é o fator a ser
considerado no processo de saúde e adoecimento do trabalhador. Partindo dessas
relações, há sempre a pauta sobre o que é necessário para que um indivíduo trabalhe
com competência, prazer e dedicação.
Com relação à educação não se pode levar essa condição em consideração,
porque comprometimento, satisfação, atitudes, carga mental e o relacionamento com a
hierarquia no trabalho não são levados em conta quando se discute a crise da
educação brasileira.
O trabalhador procura uma empresa que lhe ofereça boas condições detrabalho, salários adequados, segurança, estabilidade, possibilidade decrescimento profissional, progressão na carreira, recompensa apropriada paraseu esforço e reconhecimento social, para listar apenas algumas. Nem sempre,em função das condições do mercado e do valor que este trabalhadorconseguiu agregar à sua força de trabalho, o mesmo pode alcançar tudo quealmeja, mas pode, ao menos, evitar as piores condições (CODO, 1999, p. 91).
Essas condições tão desejadas não são muitas vezes alcançadas pelos
professores. Podem-se ressaltar as questões salariais, que não são compensadores e
estão em desacordo com o nível de exigência que lhes é cobrado, assim como as
condições de trabalho precárias, proporcionando um desgaste do trabalhador e do
trabalho que é realizado por ele. O trabalho do professor é marcado por baixos
salários, inflexibilidade de recursos, impossibilidade de ascensão na carreira,
precariedade do ambiente, falta de reconhecimento (LIBÂNEO, 2002).
Esse conjunto de precariedades torna a escola uma das piores organizações
para se trabalhar, gerando grande potencialidade de adoecimento para os professores,
dado que:
As condições de trabalho, ou seja, as circunstâncias sob as quais os docentesmobilizam as suas capacidades físicas, cognitivas e afetivas para atingir osobjetivos da produção escolar podem gerar sobre-esforço ou hipersolicitaçãode suas funções psicofisiológicas (GASPARINI; BARRETO; ASSUNÇÃO, 2005,p. 192).
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É fato que na atualidade presenciamos um momento de crise na educação,
caracterizada pelo descrédito na educação, desvalorização da profissão, falta de
políticas públicas de valorização da carreira, longas jornada de trabalho, salas com
superlotação, além de violência − esses são fatores determinantes da saúde mental
dos professores. De acordo com a Organização Internacional do Trabalho (OIT), a
profissão docente é considerada a mais estressante, uma profissão de risco (SOUZA;
LEITE, 2011).
O sofrimento psíquico dos professores está muito relacionado à baixa
remuneração, que afeta diretamente a saúde mental desses profissionais, por
inúmeros motivos, pelo significado do dinheiro, pela necessidade de sobrevivência
numa sociedade capitalista, pela felicidade fornecida por alguns elementos a que se
pode ter acesso, pelo comprometimento de pagar contas, entre outros diversos fatores
subjetivos individuais. Tudo isso acarreta preocupações e consequentemente estresse
e sobrecarga mental (LEOPOLDO, 2015).
Além disso, outro fator que tem efeito comprometedor para subjetividade do
professor seria a iniquidade salarial, não apenas comparando-se o salário com de
outras categorias profissionais de mesmo nível de exigência, responsabilidade e
esforço, mas também quando se compara com outros profissionais da mesma área de
atuação. Não há uma relação justa entre trabalho e esforço, reconhecimento social,
valorização da profissão e um “reconhecimento financeiro” adequado.
Tal quadro acaba por produzir o que Esteves (1999) chamou de “mal-estar
docente”, ou seja, desconfortos, dificuldades e constrangimentos que os professores
experimentam em sua prática profissional.
Para muitos seria uma profissão promissora e prazerosa a seguir, porém com
as condições concretas hoje vivenciadas isso se torna difícil e “[...] estamos falando de
sobrevivência, de conforto, de dignidade, que quando ferida, estressa, cansa, faz
sofrer” (CODO, 1999, p. 387). Algumas atitudes podem ser tomadas perante essa
iniquidade: agir, pedir para o outro agir, abandonar a situação e desistir, não fazer
nada. “[...] alguns pesquisadores consideram que quanto maior o sofrimento causado
por uma situação de iniquidade, mais ele irá se engajar em ações para restaurar a
equidade” (CODO, 1999, p. 387).
Em publicação do Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado a
saúde do professor vêm se agravando ao longo dos anos. Em 1999, um estudo
realizado pela Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) e a
Universidade de Brasília (UNB) constatou que dentre os 52 mil professores ouvidos,
48% deles apresentavam sintomas da síndrome de burnout (cf. KELCHTERMANS,
1999). Em 2004, a CNTE verificou que dentre as causas de afastamentos por licenças
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médicas do país, por volta de 22,6% tiveram como causa distúrbios vocais, estresse,
dor nas costas e esgotamento mental e físico. No ano de 2008, um estudo realizado
pela UNB com oito mil professores indicou que 15 em cada 100 professores da rede
pública básica da região centro-oeste do país estão acometidos pela síndrome de
burnout. Em São Paulo, um estudo publicado pelo jornal Folha de São Paulo em 2010
indicou que no período de janeiro a julho desse ano foram concedidas 92 licenças
médicas diárias por motivos de saúde, prioritariamente por questões relacionadas a
problemas emocionais. Em pesquisa realizada pela APEOESP, em 2010 envolvendo
1615 professores, sobre saúde e condições de trabalho dos professores contatou-se
que o estresse (cf. FRANÇA; RODRIGUES, 1996) é a doença que mais acomete os
docentes (48,5%).
Tais dados indicaram que o educador pode se sentir sobrecarregado, pois o
que se produz depende principalmente dele, os meios de trabalho são ele mesmo e o
produto é o outro.
Trabalhar não é só aplicar uma série de conhecimentos e habilidades para
atingir a satisfação das próprias necessidades; trabalhar é fundamentalmente fazer-se
a si mesmo transformando a realidade (MARTÍN-BARÓ, 1998).
O professor é responsável pelo processo produtivo, tem liberdade para definir
sua dinâmica, tem um papel ativo do começo ao fim do processo de ensino.
Atualmente os educadores estão experimentando uma crise de identidade. Deforma mais ou menos direta, o conjunto de fatores que ingressam naconfiguração dessa crise apontam a um questionamento do saber e saber-fazer dos educadores, da sua competência para lidar com as exigênciascrescentes do mundo atual em matéria educativa, e com uma realidade socialcada vez mais deteriorada que impõe impasses constantes à atividade dosprofissionais (CODO, 1999, p. 52).
A crise de identidade desestabiliza a “crença de si” e o “sentido de si” desses
profissionais e sua saúde mental no trabalho neste final de século.
Atualmente, com as variadas mudanças na sociedade, aspectos que fazem
parte da estrutura de identidade profissional dos educadores (sua formação, papel
social da educação e da escola) estão sendo questionados (IMBERNÓN, 2002). Há
dúvidas constantes sobre como preparar estes profissionais, o papel da educação e
das instituições. (GOMES, 2002).
Consequentemente, esses fatores sociais afetam a “realidade do trabalho” nas
escolas e sua relação com ele.
A competência profissional muitas vezes é colocada em xeque, a competência
na condução do processo de ensino-aprendizagem, graças a falta de controle que o
educador pode ter sobre seu aluno, e uma não realização completa do vínculo afetivo
e emocional, vindo à tona em situações concretas (MACEDO; CHOR; ANDREOZZI;
FAERSTEIN; WERNECK, G.L LOPES, 2007).
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É no cotidiano que esses fatores sofrerão interdições pela realidade do
trabalho.
O sofrimento psíquico poderá resultar desse “jogo de interdições” que arealidade do trabalho nas escolas impõe à realização do afeto e emoção que otrabalho demanda dos educadores. É nessa realidade, em última instância, queos educadores terão que provar sua competência profissional, ou seja, produzirum sentido para o esforço e sofrimento que normalmente as atividades detrabalho lhes exigem (CODO, 1999, p. 53).
Essas são as condições para o aparecimento do sofrimento psíquico no
trabalho, pois toda atividade de trabalho demanda esforço e quando este carece de
sentido há um sofrimento. O trabalho tem sentido quando há um retorno positivo das
realizações. No processo “negativo”, de um sofrimento, o que veio à tona foi o saber e
o saber-fazer do trabalhador, a sua competência. Quando esse profissional observa
que o produto, o aluno, não aprendeu o que ou quanto deveria, sua identidade será
atingida (VIEIRA, 2013).
Diante de tal situação o educador pode procurar meios para aliviar esses
sentimentos, porém ainda persiste em seu íntimo todo um sofrimento; ele teve sua
subjetividade atingida. Entretanto, há uma estratégia de fuga: o indivíduo procura
esquecer a experiência vivida, esse sofrimento no trabalho.
Por outro lado, o trabalho pode ser prazeroso a partir do momento em que tiver
sentido e significado. Quando houver reconhecimento do outro pelo esforço do
trabalho realizado, a valorização da entrega subjetiva do sujeito pode-se dar sentido
ao trabalho, tornando-o prazeroso.
Se isso não ocorre há uma estratégia da procura por um prazer que compense
esse desprazer, o que pode gerar consequências sobre a atividade do trabalho. Sendo
assim, se persiste esse sofrimento no ambiente de trabalho, fica claro que o
investimento afetivo, emocional e cognitivo não será o mesmo.
Acreditamos que: quanto maior a defasagem entre o “trabalho como deve ser”e a “realidade do trabalho” nas escolas, maior será o investimento afetivo ecognitivo exigido ao professor, maior será o esforço realizado, e por isso maiorserá seu sofrimento no cotidiano do trabalho. Esse sofrimento tem sentido parao trabalhador quando seu saber e saber-fazer, que foi constantementeinterpelado durante a atividade de trabalho, deu lugar a um reconhecimento eautorreconhecimento da sua competência profissional. Inclusive, além dosresultados alcançados, quando seu esforço foi reconhecido, significando queseu trabalho foi pleno de sentido. Como já foi dito, o que está posto em jogonesse embate cotidiano com a “realidade do trabalho” escolar são os suportesda identidade do trabalhador (CODO, 1999, p. 82).
ADOECIMENTO DOCENTE: A VISÃO DOS PROFESSORES
“[...] às vezes da vontade de você levantar catar a bolsa e ir embora, mas você nãopode fazer isso. Primeiro porque você tem um compromisso com aquilo que você sepropôs a fazer. O comprometimento é muito grande, tem que respirar fundo contar atédez [...]. Você vai pra casa às vezes angustiada, xinga, grita, quer socar a parede, masno dia seguinte você repensa e volta. Às vezes tenho muita dor de cabeça, uma
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angústia muito grande, aquela vontade de chorar, de desistir, de xingar, de olhar assime soltar aquele palavrão [...] é uma vontade de dormir muito grande, sem vontade delevantar, aquela vontade de ir para algum lugar e passar uma semana longe de tudo ede todos, só você e seu cachorro, sou bem assim! Eu acho. Meu ponto de vista éassim, as dores de cabeça são muito intensas, parece que vai te dar uma coisa. Dor nocorpo que trava, não deixa você andar, aí você toma um Advil e bola pra frente.”(Colab. 17)
As ideias acima expressadas pela professora indicam para o quanto está difícil
aos docentes vencer as adversidades presentes em seu trabalho. Porém, a análise
dos dados indicou que os professores, com base no cotidiano que vivenciam, têm
consciência das reias condições de trabalho e identificam e compreendem os aspectos
que favorecem para o aumento do adoecimento dos profissionais da área.
Nesse sentido, os sujeitos da pesquisa indicaram oito aspectos vivenciados em
suas rotinas de trabalho que contribuem para que enfrentem alguma situação que
pode desencadear algum mal estar e, por consequência, um problema saúde. Foram
eles:
1) Excesso de alunos: “Tem salas com 30, 35 alunos, é complicado para você manter
o foco, manter a concentração de todos ao mesmo tempo” (Colab. 9). A grande
quantidade de alunos por sala de aula dificulta que o professor ensine e isso
compromete a aprendizagem dos alunos. Favorecer a desconcentração do aluno e
exige, entre outras cosias, que o professor fale mais alto, muitas vezes concorrendo
com a conversa dos alunos.
2) Cobrança social e do estado: “[...]todos os problemas da sociedade recaem sobre
nós educadores [...]” (Colab. 18). “[...] eles (governo/estado) cobram principalmente
do professor de português e de matemática, cobra que o aluno vá bem, no Sistema
de Avaliação do Rendimento Escolar do Estado de São Paulo (SARESP), e no Índice
de Desenvolvimento da Educação do Estado de São Paulo (IDESP) as quando o
professor precisa de algum material não tem” (Colab. 13, professor de português). A
cobrança tanto do estado, quanto da sociedade é um incômodo para essa classe
trabalhadora, via de regra é fala corrente que quando um jovem, por exemplo, não
tem bom rendimento por algum motivo e sente dificuldades, a culpa é depositada no
professor que recebe críticas que não sabe ensinar direito, que está com má vontade
para ensinar o aluno. Como afirma Gomes (2002), ao mesmo tempo em que a
sociedade e as instâncias superiores do sistema educacional exigem “bons
resultados” não são disponibilizados aos professores os recursos necessários para
desenvolvê-lo. Além desta cobrança citada pela pesquisa, pode-se relatar que, de
acordo com Líbâneo (2002), há uma desvalorização dos professores frente esta
mesma sociedade que cobra por resultados, o que acarreta diretamente na
insatisfação profissional. Esta desvalorização se deve também aos baixos salários, a
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precária formação teórica-prática, as precariedades do trabalho e falta de uma
carreira docente.
3) Falta de interesse dos professores: “[...] Já dos professores eu sinto que alguns vão
pelo dinheiro, mesmo sendo pouco, mas é garantido. Não vão pelo gosto de estar
ali.” (Colab. 11). “Infelizmente nem todos (professores) vêm trabalhar por amor.
Muitos vêm só pela parte do dinheiro, e isso aí é triste porque às vezes a gente tem
um projeto, a gente tem até uma atividade diferenciada e muitos não aceitam porque
muitos só querem sentar, dar sua lição, fazer o aluno ser copista e pronto” (Colab. 4).
Esse interesse, que foge aos objetivos inerentes a profissão, acaba por desestimular
profissionais interessados que procuram parcerias, se preocupam com os alunos e,
muitas vezes encontram colegas despreocupados, preconceituosos, que,
interessantemente, afirmam trabalhar pelo salário, que se torna uma grande
contradição se tomarmos os baixos salários recebidos.
4) Falta de apoio da equipe gestora: alguns professores ressaltaram que equipe
gestora, algumas vezes, não cooperam como seu trabalho. “[...] aspecto negativo é a
convivência com alguns profissionais que não estão nem aí com a educação, não
estou falando dos professores e, sim, da equipe gestora” (Colab. 16). O Colab. 12
relata um caso em que ele propôs um passeio à Bienal do Livro, mas sua proposta
foi “barrada” pela direção e na semana seguinte, havia um aviso informando que iria
acontecer um passeio a um parque de diversões, ou seja, eles não são apoiados por
“instâncias superiores.” Aos gestores escolares cabe a responsabilidade de
coordenar o funcionamento da escola nos aspectos pedagógicos e administrativo,
com base no projeto político-pedagógico, que deve ser elaborado com a participação
dos profissionais da escola. Ou seja, o docente deveria possuir uma “voz mais ativa”
em relação a algumas decisões, principalmente aquelas relacionadas diretamente
com a sala de aula, seu ambiente de trabalho.
5) Falta de material e suporte técnico: a falta de material e suporte técnico para
realização do trabalho docente enfatizado pelos cols. 7, 12 e 14. Um dos
colaboradores, professor de Educação Física, aponta: “o governo até manda
(materiais), mas não são aquelas bolas de qualidade, não tem nem como ficar
cobrando muita coisa dos alunos com uma bola de péssima qualidade” (Col. 14).
Muitas vezes esses materiais são comprados pelos próprios professores, como
aponta o Col. 14: “Quando eu vou para a minha cidade natal. Eu passo em frente à
loja da Penalty e lá tem um “gaiolão” de bolas que foram usadas para teste, e como
foram usadas para teste não dá para vender na loja como novas, então eles vendem
por um preço especial, por exemplo, se uma bola custa R$ 100,00, lá eu compro por
mais ou menos R$ 30,00 [...] eu compro e trago para a escola”. Ao mesmo tempo
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em que há uma cobrança da sociedade e do Estado por melhor qualidade, não são
oferecidos materiais adequados e necessários o que dificulta e limita o
desenvolvimento da prática docente. Fator também gerador do mal estar docente
(ESTEVE, 1999
6) Educação familiar: Outro ponto ressaltado é a educação familiar oferecida a esses
jovens, pois alguns pais enxergam a escola como sendo a principal responsável pela
educação de seus filhos, e se esquivam dessa responsabilidade que é deles. “A
questão é que os alunos vêm mal educados da casa deles, e acham que aqui é uma
continuidade da casa. Então tem uma falta de educação [...] questão até de não
respeitar o próprio ambiente, que é a sala de aula” (Colab. 11).
7) Falta de interesse dos alunos: [...] você esta no seu local de trabalho e é obrigado a
escutar aluno xingando palavrões, agredindo, às vezes, os outros [...].” (Colab. 13)
“[...] eles têm muita preguiça, não tem entusiasmo, eles não tem força de vontade”.
(Col. 11). As mudanças sociais acontecidas nas últimas décadas tem colocado a
escola como um espaço obrigatório na vida das crianças e adolescentes. Por não
conseguir entender o objetivo da escola em suas vidas os alunos acabam por
frequenta-la sem terem clareza do para que. Alem disso há a concorrência com as
novas tecnologias muito mais atrativas a eles e sem espaço nas escolas.
8) Adolescência de hoje: “Os jovens de hoje, com toda sua peculiaridade [...] eu acho
que essa adolescência de hoje é muito frágil, mas ao mesmo tempo eles, que eu
acho que é próprio da adolescência, a questão de se defender, de ser atrevido”
(Colab. 9). “Esses jovens imediatistas têm pouco ou nenhum interesse no
conhecimento que a escola tem a oferecer. Eles querem saber para que esse
conhecimento irá servir no momento. Não pensam a longo prazo. [...] quando eu
apresento determinadas propostas de ensino e explico para eles a utilização e
mesmo assim eles não se interessam – isso ocorre – porque eles dirão: ‘Onde que
eles irão usar isso? “Pra que está aprendendo isso?” (Colab. 1). “[...] A gente tenta
convencer, tenta ajudar de todas as maneiras para que ele valorize o estudo que
aquilo vai ser importante para o dia a dia, para a vida dele e a gente não consegue
atingir esse objetivo” (Colab. 15).
Frente a essas questões, quais estratégias os professores utilizam para
encarar e lidar com elas?
Os professores indicaram para variadas formas de gerenciar essas situações
comoo, por exemplo, pedir ajuda a amigos ou a gestão da escola; lutar por seus
direitos e por melhorias; se doar para ajudar o outro; se dispor a fazer o melhor
trabalho; levar de sua casa materiais não fornecidos pela escola; insistir e persistir
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para a gestão da escola tomar iniciativa e, se preciso, até punir os alunos com alertas
aos pais; chamar os pais na escola; sair do ambiente e; levar a angústia para casa.
Os Colabs. 10 e 16 afirmaram conversar para tentar resolver dilemas. “Tento
conversar e não arrumar confusão. Estamos sempre tentando melhorar o dia a dia e a
convivência” (Colab. 16).
O Colab. 15 relatou que estimula o aluno “o máximo possível [...] o ano inteiro
[...]” e, para que ele se interesse pelo que é ensinado trabalha no sentido de mostrar a
o aluno a “[...] necessidade dele procurar entender [o conteúdo] e se ele está com
dificuldade eu digo que é fazendo o exercício que ele vai poder sanar essas
dificuldades e se ele cruzar os braços e disser que não sabe ele nunca vai saber.”.
O Colab. 6 tenta resolver de várias formas, porém, ineficazes devido à
impotência que tem diante dos problemas de ordem governamental: “A única coisa
que a gente faz é reclamar [...] reclama, pede, se rebela, faz greve, é o único jeito,
mas não temos um retorno [...] O sindicato luta pra ver se o governo tem um olhar
diferente [...]”;
O Colab. 10 relata uma oscilação entre lidar de uma forma mais calma e perder
o controle: “às vezes eu tento pelo diálogo, às vezes eu grito feito louca [...]
Geralmente eu mantenho a calma, as vezes eu grito um pouco, mas tento me segurar.
É muito difícil eu fazer isso [levar o aluno para a diretoria] e estender toda a situação.
Mas às vezes é inevitável. Você percebe que é todo tempo esse embate [...].”
Percebemos assim que mesmo lidando de maneiras diferentes, a angústia de
não conseguir lidar da forma que deseja é o que acarreta um mal estar na grande
maioria dos docentes, sendo assim, o adoecimento se torna algo sem solução, o
sujeito se vê como impotente e inabilitado para mudar a situação, agravando-a cada
vez mais.
A partir do depoimento dos colaboradores verifica-se que muitos estão sendo
seriamente atingidos física e psiquicamente pelas condições de trabalho. É possível
defender que alguns deles já estão sofrendo os efeitos da Síndrome de Burnout
ocasionado pelo estresse crônico, falta de respeito e falta de sentido no trabalho
(CODO, 1999, p. 386).
Além disso, vale a pena mencionar o que é defendido por Imbernón (2002)
sobre as mudanças do século XXI, que exigem que a profissão docente seja
transformada para que seja possível atender às novas demandas. Entretanto, verifica-
se que os cursos formadores de docentes, preserva uma característica muito
tradicional, que não satisfaz as atuais exigências impostas a todos que atuam no
espaço escolar.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Pôde-se constatar que os docentes tem consciência de que estão adoecendo,
e sobre seu ponto de vista, o que produz seu adoecimento, são as más condições de
trabalho devido, também, a implantação inadequada das políticas públicas
relacionadas à educação, e a própria lógica que tem se implementado em relação ao
trabalho, como, a extensa jornada de trabalho, o aumento das tarefas que lhes são
atribuídas, os baixos salários, entre outros fatores que influenciam diretamente sua
saúde física e mental.
Partindo, tanto dos pressupostos teóricos nos quais nos fundamentamos,
quanto dos obtidos pela realização das entrevistas, verificamos que os docentes se
deparam com muitos impasses advindos de vários campos, como das políticas
públicas educacionais (p.e., progressão continuada), das práticas pedagógicas que os
profissionais da escola utilizam, da formação pessoal e profissional como professor, o
que desta forma, caracteriza seu trabalho e faz referência a sua identidade pessoal e
profissional, além da distância entre a legislação vigente e do mundo real no qual
realizam seu trabalho.
Perante os temas abordados, em sua grande maioria, os docentes relatam ter
a mesma experiência e considerações equivalentes, como as condições precárias no
contexto geral, além da exigência e da pressão emocional sobre o trabalho exercido
por eles, mesmo porque, a essência das condições as quais estão submetidos não
sofrem alterações substantivas, mesmo em razão desse fato.
Demonstram que, muito da força de trabalho empreendida em sua jornada
laboral não está diretamente vinculada às atividades fins do ofício docente, o que gera
uma permanente sensação de incapacidade, insatisfação, ineficácia e fracasso,
culminando em situações de adoecimento, que não se restringem a situações
psicológicas ou emocionais, mas também físicas.
Os resultados obtidos permitem apontar que os aspectos negativos se
sobrepõem aos positivos na rotina de trabalho quanto ao exercício da profissão, além
de alta carga de trabalho relatada por eles.
Há um choque, cada vez maior e mais intenso, entre o que os professores
consideram e reconhecem como quantidade de esforço para a rotina de trabalho, e os
resultados alcançados com o mesmo à luz de suas finalidades, e consequentemente o
seu reconhecimento social, envolvendo situações de formação inicial ou continuada
para o exercício, as condições para sua profissionalidade, e a própria valorização de
carreira, pouco relevante, e que incide na pouca motivação para o trabalho.
Além disso, os professores relatam que apesar das circunstâncias e das
experiências negativas que a profissão pode proporcionar, eles gostam de exercer a
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profissão, e que se identificam com as atividades próprias da docência, ou seja,
aquelas que deveriam ser de fato praticadas no cotidiano docente, e que poderiam
atrair maior valor sociocultural para o ofício.
Os dados ratificam o que se observa na escola, e tem sido divulgado tanto por
algumas pesquisas, como por várias entidades de classe do magistério: os
professores têm cada vez mais encontrado situações que favorecem seu
adoecimento.
Tal situação, entretanto, nos colocada diante de muitos dilemas, pois embora
os mesmos precisem aprender a lidar com as novas demandas educativas, o
adoecimento dos professores não pode ser visto apenas como provocado por causas
endógenas e pedagógicas, mas também precisa ser enfrentado por mudanças que
implicam alterações em fatores exógenos ao exercício da profissão, sobretudo aquelas
que se referem à organização da instituição escolar, a ampliação das exigências
impostas pelo sistema educativo e as possibilidades efetivas de serem alcançadas, e a
deterioração das condições de trabalho sob as quais os professores têm sido
submetidos, e que os levam a uma condição de subprofissão, uma vez que se sentem
expropriados dos elementos e requisitos para o controle e regulação da mesma, pelos
próprios profissionais que a exercem.
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