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FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES DE EDUCAÇÃO FÍSICA:
ESTRATÉGIAS PARA O DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL À LUZ DOS SABERES
DOCENTES
Luiz Gustavo BONATTO RUFINO, Larissa CERIGNONI BENITES, Samuel deSOUZA NETO, Universidade Estadual Paulista – Unesp Campus Rio Claro
Eixo 02: Formação continuada e desenvolvimento profissional de Professores daEducação Básica
CAPES/[email protected]
1. Introdução
Historicamente, a formação continuada de professores no Brasil pode ser
compreendida como um momento de “aquisição de saberes”, por meio de cursos,
reciclagens, atualizações, etc. Do mesmo modo, como ressalta Caldeira (2001) ao
abordar a Educação Física, tais processos formativos tendem a seguir a mesma dinâmica
da formação inicial, concretizada por meio de aulas, conferências e seminários que
objetivam reproduzir as características da formação acadêmica inicial de professores.
Perspectiva ainda mais tênue, e atualmente muito em voga com a expansão do
ensino superior, é compreender os processos de formação continuada como forma de
suprir possíveis defasagens oriundas dos cursos de formação inicial. Ou seja, alocar à
formação continuada a função de se “reparar” fundamentações equivocadas ou não
abordadas na formação inicial docente, práticas não vivenciadas, conceitos não
apreendidos, reflexões não proporcionadas, entre outras inúmeras ações que os
professores necessitam diariamente ao longo de suas práticas profissionais e sentem-se
desamparados após a conclusão de seus cursos de formação inicial.
Para Pimenta (1997), a formação continuada de professores tende com maior
frequência a se inserir na realização de cursos de suplência e na atualização dos
conteúdos. No entanto, esse modelo tem se mostrado pouco eficiente para se alterar o
trabalho docente uma vez que não costuma tomar a prática nem como ponto de partida
nem como de chegada, redundando em proposições individualizadas e não permitindo
articulação e tradução de novos saberes em novas práticas.
Em linhas gerais, esse modelo formativo tem a tendência de estar inserido na
ótica da racionalidade técnica a qual, por sua vez, propõe que a base da formação
docente esteja na aprendizagem de um amplo espectro de teorias científicas que devem
ser assimiladas para serem posteriormente “aplicadas” nas situações reais de ensino.
Essa perspectiva compreende a formação como algo passivo e estanque para os
professores, caracterizado por Pérez Gómez (1995) como sendo um modelo
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instrumental, dirigido em prol da resolução de problemas por meio da aplicação dos
conhecimentos científicos.
Para Schön (2000) o modelo da racionalidade técnica incorpora a concepção de
que é o conhecimento científico sistematizado que permite ao profissional solucionar os
problemas oriundos de sua prática. O autor aponta que esse modo de compreender a
formação, muitas vezes, ocasiona constantes insucessos na resolução dos problemas
complexos, instáveis, incertos e conflituosos da prática. Ele ressalta ainda que a prática
também reconhece a importância de produzir conhecimentos, de modo que os processos
formativos em serviço deveriam consolidar essa visão para articular iniciativas que
contribuam para este processo, tomando como compreensão uma epistemologia da
prática profissional. Dessa forma, a prática seria valorizada como espaço de construção e
mobilização de saberes engendrados e oriundos de diferentes fontes (TARDIF, 2012).
Rossi e Hunger (2012) assinalam que no cenário atual da formação continuada de
professores de todas as áreas e, particularmente, na Educação Física, evidenciam-se
que essas formas de intervenção têm contribuído pouco para a transformação da prática,
tornando-a preocupante na medida que o desenvolvimento do trabalho docente
apresenta a necessidade da realização de formações em serviço que possam corroborar
com a ressignificação de perspectivas e com o advento de alicerces reflexivos que
contribuam com a melhoria da prática profissional. Na Educação Física, devido ao seu
caráter dinâmico em termos de procedimentos e conteúdos é fundamental que se amplie
as compreensões acerca dos processos formativos, repercutindo efetivamente em
contribuições para a prática pedagógica dos professores desse componente curricular.
Essas concepções proporcionam inúmeras dúvidas a respeito das opiniões de
professores que estão em exercício profissional com relação aos processos de formação
continuada, como: quais são as principais expectativas e objetivos dos professores com
relação aos processos de formação continuada? De que modo tais procedimentos tem
repercutido efetivamente em mudanças na prática pedagógica, ressignificando
pressupostos previamente estabelecidos? De que forma esses processos podem se
enquadrar em delineamentos epistemológicos que proporcionem claramente o
estabelecimento de atitudes reflexivas?
De difícil resolução, esses questionamentos precisam ser criteriosamente
analisados para que seja possível compreender possibilidades concretas no que
corresponde ao desenvolvimento da formação continuada na Educação Física. Além
disso, os desdobramentos pautados pela visão dos professores podem proporcionar uma
ancoragem para novas proposições e reflexões, indicando possíveis caminhos para os
percursos vivenciados e que estejam adequados com o que de fato acontece na prática
cotidiana, articulados com o trabalho docente nesse componente curricular.
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Sendo assim, o presente estudo tem como objetivo analisar as opiniões de 20
professores de Educação Física da rede municipal de uma cidade do interior do Estado
de São Paulo acerca do desenvolvimento dos processos de formação continuada.
2. Procedimentos Metodológicos
Opta-se pela pesquisa qualitativa, a partir de um estudo descritivo, tendo como
perspectiva investigar de forma diagnóstica uma dada realidade específica. Em nosso
caso, buscamos analisar a opinião de um grupo de docentes de Educação Física sobre
seus processos de formação continuada (THOMAS; NELSON; SILVERMAN, 2007).
Participaram 20 professores de Educação Física da rede municipal de uma cidade
de grande porte do Estado de São Paulo, sendo 12 mulheres e 8 homens. A média de
idade foi de 44,6 anos, porém com certa discrepância de faixas etárias (o professor mais
novo tinha 24 anos e o mais velho 59). Com relação ao tempo de docência, o grupo
apresentou-se heterogêneo, com média de 18,5 anos, com uma variação de 1 a 34 anos,
podendo ser classificados no curso de diferentes ciclos da vida profissional da carreira
docente em termos de entrada na carreira, fase de estabilização, diversificação e
serenidade na tipologia apresentada por Huberman (1995).
Para a obtenção dos dados foi utilizado como instrumento um questionário,
contendo questões dissertativas e alternativas que buscaram averiguar as opiniões dos
participantes sobre os seus processos formativos, bem como suas expectativas, críticas e
sugestões para futuras formações. O instrumento constou de 12 questões, incluindo as
de fórum geral (tempo de docência, idade, etc.). A sua aplicação ocorreu em um dia no
qual os professores se reuniram para uma formação continuada oferecido pela prefeitura.
Para a análise dos dados, optamos por transcrever as respostas dos
questionários e categorizar as informações decorrentes das mesmas em temáticas – a
partir da frequência de aparição. A análise foi descritiva.
Os procedimentos foram aprovados pelo Comitê de Ética em Pesquisa da
instituição de origem dos autores. Os participantes tiveram suas identidades mantidas em
sigilo e autorizaram a participação no estudo por meio da assinatura do Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido.
3. Resultados e Discussão
Os resultados coletados foram organizados em categorias e posteriormente
discutidos nos seguintes eixos: (a) importância da atualização para a prática pedagógica
na Educação Física; (b) desenvolvimento de saberes não ensinados nos cursos de
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formação inicial; (c) importância do saber da experiência. Passemos, agora a
apresentação e discussão dos dados.
3.1- Importância da atualização para a prática pedagógica na Educação
Física
Os participantes, de modo geral, ilustraram aspectos relacionados à importância
da atualização para o desenvolvimento da prática pedagógica da Educação Física
escolar, com destaque para quatro elementos.
1) Diversidade de conteúdos a serem ensinados na Educação Física
Houve o reconhecimento de que a Educação Física apresenta uma série de
conteúdos curriculares a serem ensinados, denominados comumente como pertencentes
à esfera da cultura corporal de movimento. Sendo assim, os processos formativos em
serviço podem viabilizar um tratamento pedagógico adequado às diferentes
manifestações corporais que devem ser ensinadas durante as aulas. Um exemplo
representativo foi apresentado pela professora 10: “acho importante também o diálogo
com especialistas em determinadas práticas e é muito interessante suprir a demanda dos
próprios professores da rede com relação aos conteúdos da área”.
2) Mudanças teóricas e curriculares muito rápidas
De acordo com parte dos professores, a Educação Física tem passado por
diversas transformações no que corresponde às suas bases teóricas, fundamentações e
perspectivas de ensino e aprendizagem escolar. Essa assertiva gera uma necessidade
de atualização tendo em vista renovar os paradigmas a serem desenvolvidos na escola,
fato que as formações em serviço podem auxiliar, como ilustra a professora 12: “quero
aprender coisas novas que possam me auxiliar no ensino de Educação Física. Diversas
atividades estão surgindo dentro da área e nós precisamos conhecer, como lutas,
atividades circenses e de aventura, etc.”.
3) Dinamismo desse componente curricular na escola
Na mesma direção do apontamento anterior, alguns professores salientaram que
a área da Educação Física é muito dinâmica e, frequentemente, novas práticas corporais,
bem como diferentes procedimentos didáticos vão sendo incorporados e, por isso, devem
ser ensinados pela formação continuada. De acordo com a professora 7: “acho
fundamental que o professor se mantenha atento às produções acadêmicas e sobretudo,
acredito que a troca de experiências bem-sucedidas entre os pares é muito positiva”.
4) Necessidade de inserção de novas perspectivas às práticas já consolidadas
Parte dos professores destacou que uma das atribuições da formação continuada
deve ser inserir novas perspectivas que possam complementar práticas que já são
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desenvolvidas, não necessariamente no sentido de reinventar o cotidiano docente, mas
de introduzir elementos que contribuam com o aperfeiçoamento de suas ações, como
destacou o professor 19: “Acho que o objetivo é sempre entender esse mundo em
transformação no qual estamos inseridos (com nossos alunos) e buscar metodologias
que funcionem ou que nos tragam ‘luz’ para continuarmos educando”.
De modo geral, as assertivas convergem para o mesmo ponto: a necessidade de
compreensão da prática, entendendo a formação como um processo dinâmico e não
estaque e nem solidificado apenas com a conclusão do curso inicial, havendo a
necessidade de atualizações constantes. Caldeira (2001) critica as formas como a
formação continuada de professores tem sido elaborada, admitindo que, muitas vezes,
essas propostas são concretizadas por meio de cursos, conferências e seminários de
forma a reproduzir a formação anterior do professor. Assim, se torna importante iniciativas
que visem discutir e contextualizar as crenças, compreensões, problemas e ações
oriundas da prática pedagógica do professor, focalizando o seu saber para ressignificá-lo.
Dessa forma, concebendo o saber docente como um processo, e nãocomo algo estático, acabado e definitivo, sua renovação precisa estarconstantemente penetrando a prática e vice-versa. Somente por meio deuma reavaliação crítica da prática docente, realizada de forma contínua,coletiva e pelo intercâmbio constante de conhecimentos e práticas podeo professorado formar-se e aperfeiçoar-se no seu trabalho (CALDEIRA,2001, p. 92).
Na Educação Física, Cristino e Krug (2008) apontam que as estratégias e
concepções de formação continuada não costumam ser bem compreendidas por
instituições e professores. Os autores afirmam que essas incompreensões
comprometem, muitas vezes, a mudança das práticas, enfatizando que “a formação
continuada para os docentes de Educação Física, e de outras áreas também, passa pela
mesma angústia de verticalização dos modelos formativos, crise de identidade e dos
saberes docentes na busca do seu espaço” (p. 64). Os autores salientam que a formação
continuada não é a única responsável pela melhoria do ensino. Contudo, eles
reconhecem que “a intensificação e a continuidade dos estudos sobre sua atividade e das
suas relações com as biografias de cada ator é o que torna o professor, conhecedor da
sua profissão” (CRISTINO; KRUG, 2008, p. 80).
Sendo assim, é importante que os processos formativos estejam alicerçados em
modelos que possam considerar o trabalho docente como elemento orientador mais
importante. Ainda, o elemento “novidade” ou “atualização” é de fato primordial de acordo
com os professores de Educação Física. Entretanto, é preciso que as estruturas
formativas considerem tais elementos sem terem a pretensão de “reinventar a roda” na
área da Educação Física, levando-se em consideração possibilidades concretas de
acordo com a realidade e conjecturas sociais apresentadas pelas escolas brasileiras.
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3.2- Desenvolvimento de saberes não ensinados nos cursos de formação
inicial
As representações docentes, especificamente as relacionadas com a questão do
desenvolvimento de saberes não devidamente ensinados durante os cursos de formação
inicial, foram organização em quatro eixos, enumerados abaixo.
1) Deficiências nos cursos de formação inicial
Os participantes reconheceram possíveis falhas ou deficiências em seus cursos
de formação inicial. Alguns desses percalços, de acordo com os participantes, se deve ao
contexto histórico de formação, oriundo de outros momentos no qual algumas discussões
ainda não haviam sido consolidadas. Assim, o professor 4 aponta: “pretendo melhorar
meu repertório de entendimento e de conteúdos não aprendidos na graduação. Falta
uma formação que me permita trabalhar junto com meus colegas, somando as
experiências para esclarecer situações problemas vivenciadas no dia a dia”.
2) Grande amplitude de conteúdos a serem ensinados e não abordados na
formação inicial
Como parte dos problemas oriundos da formação inicial, alguns docentes
enfatizaram que muitos conteúdos que atualmente se tornaram consolidados como
manifestações da cultura corporal – alguns dos quais estão inclusive assegurados por
currículos e propostas didáticas – não foram minimamente aprendidos nos cursos de
graduação. Desse modo, são criadas contradições entre aquilo que é preconizado como
necessário para a prática pedagógica com o que de fato é tratado adequadamente pelos
cursos de graduação, provocando incongruências que a formação continuada pode
auxiliar a apaziguar. De acordo com a professora 15: “ao longo da minha atuação
profissional fui sentindo diferentes necessidades, como: conhecimentos pedagógicos da
educação, história da educação e da educação física, formação técnica específica
(dança, ginástica, esporte, primeiros socorros, educação física inclusiva), etc.”.
3) Importância de renovação das práticas aprendidas na formação inicial
Houve também um destaque específico para se pensar a importância de se
renovar práticas que foram inicialmente aprendidas nos cursos de graduação, mas que
passaram por modificações que precisam ser novamente ressignificadas pelos docentes.
Nesse sentido, ganhou destaque a utilização do termo “reciclar” como forma de
demonstrar a importância dessa renovação do que outrora já havia sido compreendido. A
professora 16 ressaltou: “Sempre participo de cursos de formação, com o objetivo de me
reciclar e aprender coisas novas. Alguns cursos atendem minhas necessidades, outros
não, por estarem longe da realidade do cotidiano escolar”.
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4) Necessidade de superação de defasagens conceituais
Houve, ainda, o destaque para a importância de se superar, de forma mais
específica, possíveis defasagens conceituais oriundas dos cursos de graduação cursados
pelos participantes. Nesse sentido, os processos formativos desenvolvidos durante as
ações profissionais poderiam auxiliar nessa empreitada. Assim, na fala da professora 20
fica registrado que: “durante a minha graduação eu não aprendi muitas coisas que hoje
são fundamentais na área. A Educação Física passou por muitas transformações, por
causa disso eu tenho procurado a atualização dos conhecimentos, através de cursos de
formação profissional”.
Dessa forma, ao considerarmos a multiplicidade e dinamismo dos saberes dos
professores, provenientes de diversas fontes e fortemente atrelados com suas
experiências práticas, emerge a formação continuada como condição fundamental de
investigação e melhoria da prática. Porém, como indica Pimenta (1997), os saberes da
profissão docente não são únicos e nem compõem um corpo acabado de conhecimentos,
uma vez que os problemas da prática profissional não são somente instrumentais, mas
requerem tomadas de decisão de questões complexas, incertas, singulares e
relacionadas a conflitos de valores.
Como constatado, os professores valorizaram os processos de formação
continuada, muitas vezes, dotando-os de grande importância e expectativa, sobretudo a
partir da comparação com possíveis defasagens oriundas dos cursos de formação inicial.
De fato, a graduação não deve ser compreendida como única fonte de saberes na qual o
profissional deve se basear. Ela deve ser capaz de subsidiar o futuro profissional com um
amplo espectro de saberes, metodologias, possibilidades didáticas e conjunto de
conhecimentos das mais diversas áreas que o possibilite a conhecer sua área de
formação, bem como aspectos gerais relacionados à esfera da educação e, além disso,
sendo capaz de continuar na busca por melhoria de sua prática, seja por meio de
formações continuadas ou não. Na atual conjuntura brasileira, compreende-se que nem
sempre essa perspectiva tem sido preconizada pelos cursos de formação de professores.
Tardif (2012) alerta que a formação profissional acadêmica, seja ela inicial ou
continuada, não é a única forma de proporcionar saberes aos professores e, muitas
vezes, não são esses saberes de ordem curricular, disciplinar ou mesmo da formação
profissional os quais os professores irão fundamentar sua prática pedagógica, que fica
muito mais alicerçada em seus saberes experienciais. O autor salienta:
Se admitirmos que o saber dos professores não provém de uma fonteúnica, mas de várias fontes e de diferentes momentos da história de vidae da carreira profissional, essa própria diversidade levanta o problema daunificação e da recomposição dos saberes no e pelo trabalho (TARDIF,2012, p. 21).
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Ou seja, a formação continuada não deve ser encarada como um produto que
visa instrumentalizar o professor com conhecimentos de ordem técnica instrumental,
baseada na racionalidade técnica (PÉRÉZ GÓMES, 1995). De forma não deliberada, ao
trazer à tona comparações com as dificuldades da formação inicial, os professores
passam a incorrer ao risco de gerar uma perspectiva “utilitarista” à formação continuada
somente de subterfúgio aos problemas cotidianos, bem como passam a não
compreender o processo formativo como oriundo de diferentes e inúmeras fontes que vão
além do ensino formal.
Essa reflexão não tem como objetivo dirimir a importância da formação inicial,
uma vez ser ela fundamental, mas alocá-la historicamente na conjuntura formativa
biográfica de cada professor. O reconhecimento dos processos formativos em serviço são
um indicativo de que os professores têm buscado desenvolver suas práticas de modo
mais reflexivo.
De forma correlata, Rossi e Hunger (2012) apontam que os professores
reconheceram a importância de processos de formação continuada na perspectiva
reflexiva, ao ressaltarem as influências positivas desses momentos para suas vidas, tanto
em termos pessoais quanto profissionais. Esse fato assegura a formação continuada
como tendo importância ímpar e, por isso, deve ser incentivada tendo em vista o
desenvolvimento profissional dos professores de Educação Física.
3.3- Importância do saber da experiência
Nessa categoria foi abordada a importância de se considerar os saberes da
experiência durante os processos formativos. Compreende-se a experiência a partir de
um sentido amplo de aspectos que engloba tanto aquilo que foi sendo desenvolvimento
significativamente pelos professores ao longo de sua vida pessoal e profissional, quanto
as trocas de conhecimentos e as vivências práticas, muito preconizadas no caso da
formação continuada na Educação Física, por exemplo.
De modo geral, os participantes ressaltaram a importância na participação de
formações que sejam realmente significativas, a partir de estruturações diferenciadas da
lógica tradicional comumente empregada e que tenha forte relação com a prática
profissional, como destacou o professor 3: “buscou me manter em constante
aprendizado, pois o conhecimento ajuda nas dificuldades encontradas. Os cursos
contribuem quando ocorre a ressonância no dia a dia. Sugestão seria a aproximação
com o cotidiano”. Nessa questão, organizamos os dados também em quatro eixos.
1) Processos formativos devem desenvolver experiências significativas
Os participantes, em sua maioria, ressaltaram a importância dos processos
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formativos propiciarem experiências de fato significativas, compreendida como forma de
gerar implicação direta no desenvolvimento da prática profissional. Da mesma maneira,
muitos professores teceram críticas aos modelos formativos dito tradicionais, pautados
em uma hierarquização do processo de ensino e aprendizagem, sendo realizado de
forma muito teórica ou com pouca participação ativa dos envolvidos. Para o professor 18:
“Meu objetivo é refletir sobre a prática pedagógica com meus pares e formadores;
estabelecer relações com fundamentações teóricas e formação acadêmica”. Já a
professora 14 ressaltou: “minha intenção é sempre melhorar minha prática como
professora. Por isso, que a formação precisa ser prática e falar a nossa língua da sala de
aula e do dia-a-dia”.
2) Aprimorar o que os professores fazem
Na tendência de se valorizar as experiências significativas, parte dos docentes
destacou a importância do desenvolvimento de conhecimentos e práticas partindo da
realidade concreta, aprimorando o que os professores costumam fazer, inserindo novas
perspectivas e, sobretudo, ressignificando ações que os auxiliem na condução do seu
trabalho, conforme o professor 17 demonstrou: “meu objetivo é conhecer coisas novas,
melhorar meus conhecimentos, aprimoramento. As formações têm atendido em parte as
necessidades de professor e de sala de aula porque algumas ficam muito distantes
daquilo que a gente realmente faz na escola”.
3) As formações em serviço precisam ter relação com as experiências docentes
No mote da discussão sobre a experiência, foi ressaltado que tais processos
formativos precisam necessariamente estar relacionados com as experiências dos
professores. É preciso possibilitar tanto a realização de propostas que considerem aquilo
que os professores realmente desenvolvem na prática profissional, quanto fomentar
espaços de troca de experiências dos participantes entre si e com os formadores.
Nesse ensejo, Cochran-Smith (2012) nos propõe a “desprivatização das práticas”,
visando trazer ao âmbito público aquilo que normalmente fica alocado à esfera privada de
cada docente. A professora 13 elucida essa questão: “o objetivo é promover trocas de
experiências e aprender atividades diferentes com os colegas”. Ainda nessa perspectiva
de empoderamento docente a professora 10 salienta: “é preciso dar vez e voz às práticas
docentes que vem sendo realizadas no próprio município, nós precisamos ser ouvidos”.
4) É fundamental levar em consideração as vivências práticas durante as
formações continuadas
Os professores destacaram a importância crucial das vivências práticas ao longo
das formações, fato este que também tem sido ressaltado pelos autores da Educação
Física (ROSSI; HUNGER, 2012; CRISTINO; KRUG, 2008). De acordo com a professora
16: “falta para o professor formação continuada que leve em consideração o material que
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se tem nas escolas, a quadra que tem sol, o número de alunos, e possibilite vivências
práticas para nós”. Portanto, destaca-se a importância da existência de um espaço
consolidado para a articulação entre processos teóricos e reflexivos, com propostas de
atividades práticas que gerem, entre outros fatores, uma ampliação do repertório de
procedimentos utilizados cotidianamente pelos professores ao ensinar os conteúdos da
cultura corporal na escola, durante as aulas de Educação Física.
Nesse contexto, a principal crítica ao abordar a importância da consideração da
experiência durante as formações continuadas se deu sobre o modo como tais processos
têm sido realizados. Isso remete à importância do fomento de formações sob a lógica da
racionalidade prática, valorizando a dimensão profissional do trabalho docente. Os
professores reconheceram a importância da formação continuada. Contudo, destacaram
que ela não deve estar baseada em formatos técnico-instrumentais que estabelecem
uma ordem hierárquica de relação entre os responsáveis por estas formações
continuadas e os professores inseridos na prática pedagógica. Como critica Cristino e
Kurg (2008):
No entanto, parece que as propostas de formação continuada no Brasilainda privilegiam a formação profissional desconhecendo, por vezes, apessoa ou o cidadão em formação e suas biografias. Comumente, asestratégias privilegiam a formação técnica – treinamento com efeitomultiplicador e/ ou vivências pontuais localizadas na socialização deexperiências vividas (CRISTINO; KRUG, 2008, p. 67).
É preciso considerar como são elaboradas e desenvolvidas estas formações
continuadas que não devem ser encaradas de forma hierárquica que impõe ao professor
o trato pedagógico totalmente descontextualizado de sua prática pedagógica, além de
exigir dele conhecimentos que ele não possui. Para isso, não há modelos estabelecidos a
priori considerados “infalíveis” ou mesmo que devem ser seguidos arbitrariamente. Como
destaca Tardif (2012, p. 291), a formação continuada deve concentrar-se nas
necessidades e situações vividas pelos professores, podendo ocorrer em uma
diversidade de formas, tais como “formação através dos pares, formação sob medida, no
ambiente de trabalho, integrada numa atividade de pesquisa colaborativa, etc.”.
Schön (2000) afirma que as incertezas, singularidades e conflitos de valores
presentes nas ações práticas dos profissionais escapam dos cânones da ciência. Para
isso, a formação do profissional reflexivo deve pautar-se, sobretudo, na racionalidade
prática, a qual apresenta as reflexões sobre os problemas, dilemas e atitudes da prática
pedagógica como ponto de início e de chegada dos processos de formação profissional
(SCHÖN, 2000). Tal qual propõe Pimenta (1997, p. 10): “considerar a prática social como
o ponto de partida e como ponto de chegada possibilitará uma ressignificação dos
saberes na formação de professores”. Desse modo, valorizar a experiência parece ser
condição sine qua non para a efetividade dos processos formativos continuados.
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4. Conclusões
Retomando o objetivo central do presente estudo, buscamos analisar as opiniões
de 20 professores de Educação Física da rede municipal de uma cidade do interior do
Estado de São Paulo acerca do desenvolvimento dos processos de formação continuada.
Como apontamentos, destacamos que os participantes apresentaram uma tríade de
perspectivas fortemente atreladas entre si, ao ressaltar a importância da atualização
constante, o desenvolvimento de saberes que não foram aprendidos nos cursos de
graduação e o destaque para as vivências práticas que propiciem experiências
significativas nas formações em serviço. Assim, eles apresentaram um reconhecimento
consolidado sobre a importância que as formações continuadas possuem para o
desenvolvimento profissional, questionando, entre outras coisas, as formas e modelos
nos quais tais processos costumam estar fundamentados.
Várias são as motivações para participação em formações continuadas tais como
o aprimoramento de conhecimentos, a troca de experiências, a possibilidade de aquisição
de saberes, a progressão na carreira, certificação institucional, contabilização de horas
realizadas fora da sala de aula, etc. Uma vez que o desenvolvimento profissional pode
ser compreendido como dinâmico, contínuo e diversificado, reconhece-se a importância
da formação continuada como momento de reflexão e aprimoramento do trabalho
docente. Porém, como apresentado pela literatura, muitas vezes tais processos estão
relacionados com perspectivas que pouco auxiliam na profissionalização docente, ficando
restrito ao âmbito burocrático de certificação institucional, ou pragmático, promovedor de
um amplo repertório de atividades, sem necessariamente estar articulado com a
perspectiva reflexiva.
Sendo assim, a partir dos resultados encontrados destacamos três aspectos que
parecem ser importantes na consideração dos processos de formação continuada e
precisam ser ressignificados, particularmente no campo da Educação Física. São eles:
1) Verticalização exacerbada na relação entre formador e professores em
formação. Nesse sentido, muitas vezes, a formação continuada se estrutura seguindo o
viés do status científico que é detido pelos formadores. Às pessoas em formação cabe
apenas assimilar passivamente o que é ensinado e que muitas vezes se apresenta pouco
articulado com as contingências e imprevisibilidade da prática profissional.
2) Falta de conexão entre teorias científicas transmitidas nesses processos de
formação com a realidade prática encontrada pelos professores. Esse aspecto pode
contribuir com e até provocar desmotivação e lacunas de sentido e significado na
realização de tais encontros.
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3) A racionalidade técnica não é capaz de atender as demandas e
imprevisibilidades da prática por desconsiderar sua subjetividade e complexidade. Esse
fato sugere o desenvolvimento de processos formativos que valorizem a prática
profissional dos professores.
Dessa forma, os processos de formação continuada podem basear-se em
concepções pautadas na racionalidade prática, compreendendo o professor como sujeito
reflexivo. Sendo assim, sugere-se que novos estudos procurem investigar as
potencialidades e limites da formação continuada à luz da perspectiva da racionalidade
prática para o desenvolvimento profissional do trabalho docente na Educação Física.
Referências Bibliográficas
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HUBERMAN, M. O ciclo de vida profissional dos professores. In: NÓVOA, A. (Org.).Vidas de professores. Porto: Porto, p. 31-61, 1995.
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ROSSI, F.; HUNGER, D. As etapas da carreira docente e o processo de formaçãocontinuada de professores de Educação Física. Revista Brasileira de Educação Física eEsporte, São Paulo, v. 26, n. 2, p. 323-338, abr./jun. 2012.
SCHÖN, D. A. Educando o profissional reflexivo: um novo design para o ensino e aaprendizagem. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 2000.
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