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3528 FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES DE EDUCAÇÃO FÍSICA: ESTRATÉGIAS PARA O DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL À LUZ DOS SABERES DOCENTES Luiz Gustavo BONATTO RUFINO, Larissa CERIGNONI BENITES, Samuel de SOUZA NETO, Universidade Estadual Paulista – Unesp Campus Rio Claro Eixo 02: Formação continuada e desenvolvimento profissional de Professores da Educação Básica CAPES/CNPq [email protected] 1. Introdução Historicamente, a formação continuada de professores no Brasil pode ser compreendida como um momento de “aquisição de saberes”, por meio de cursos, reciclagens, atualizações, etc. Do mesmo modo, como ressalta Caldeira (2001) ao abordar a Educação Física, tais processos formativos tendem a seguir a mesma dinâmica da formação inicial, concretizada por meio de aulas, conferências e seminários que objetivam reproduzir as características da formação acadêmica inicial de professores. Perspectiva ainda mais tênue, e atualmente muito em voga com a expansão do ensino superior, é compreender os processos de formação continuada como forma de suprir possíveis defasagens oriundas dos cursos de formação inicial. Ou seja, alocar à formação continuada a função de se “reparar” fundamentações equivocadas ou não abordadas na formação inicial docente, práticas não vivenciadas, conceitos não apreendidos, reflexões não proporcionadas, entre outras inúmeras ações que os professores necessitam diariamente ao longo de suas práticas profissionais e sentem-se desamparados após a conclusão de seus cursos de formação inicial. Para Pimenta (1997), a formação continuada de professores tende com maior frequência a se inserir na realização de cursos de suplência e na atualização dos conteúdos. No entanto, esse modelo tem se mostrado pouco eficiente para se alterar o trabalho docente uma vez que não costuma tomar a prática nem como ponto de partida nem como de chegada, redundando em proposições individualizadas e não permitindo articulação e tradução de novos saberes em novas práticas. Em linhas gerais, esse modelo formativo tem a tendência de estar inserido na ótica da racionalidade técnica a qual, por sua vez, propõe que a base da formação docente esteja na aprendizagem de um amplo espectro de teorias científicas que devem ser assimiladas para serem posteriormente “aplicadas” nas situações reais de ensino. Essa perspectiva compreende a formação como algo passivo e estanque para os professores, caracterizado por Pérez Gómez (1995) como sendo um modelo

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FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES DE EDUCAÇÃO FÍSICA:

ESTRATÉGIAS PARA O DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL À LUZ DOS SABERES

DOCENTES

Luiz Gustavo BONATTO RUFINO, Larissa CERIGNONI BENITES, Samuel deSOUZA NETO, Universidade Estadual Paulista – Unesp Campus Rio Claro

Eixo 02: Formação continuada e desenvolvimento profissional de Professores daEducação Básica

CAPES/[email protected]

1. Introdução

Historicamente, a formação continuada de professores no Brasil pode ser

compreendida como um momento de “aquisição de saberes”, por meio de cursos,

reciclagens, atualizações, etc. Do mesmo modo, como ressalta Caldeira (2001) ao

abordar a Educação Física, tais processos formativos tendem a seguir a mesma dinâmica

da formação inicial, concretizada por meio de aulas, conferências e seminários que

objetivam reproduzir as características da formação acadêmica inicial de professores.

Perspectiva ainda mais tênue, e atualmente muito em voga com a expansão do

ensino superior, é compreender os processos de formação continuada como forma de

suprir possíveis defasagens oriundas dos cursos de formação inicial. Ou seja, alocar à

formação continuada a função de se “reparar” fundamentações equivocadas ou não

abordadas na formação inicial docente, práticas não vivenciadas, conceitos não

apreendidos, reflexões não proporcionadas, entre outras inúmeras ações que os

professores necessitam diariamente ao longo de suas práticas profissionais e sentem-se

desamparados após a conclusão de seus cursos de formação inicial.

Para Pimenta (1997), a formação continuada de professores tende com maior

frequência a se inserir na realização de cursos de suplência e na atualização dos

conteúdos. No entanto, esse modelo tem se mostrado pouco eficiente para se alterar o

trabalho docente uma vez que não costuma tomar a prática nem como ponto de partida

nem como de chegada, redundando em proposições individualizadas e não permitindo

articulação e tradução de novos saberes em novas práticas.

Em linhas gerais, esse modelo formativo tem a tendência de estar inserido na

ótica da racionalidade técnica a qual, por sua vez, propõe que a base da formação

docente esteja na aprendizagem de um amplo espectro de teorias científicas que devem

ser assimiladas para serem posteriormente “aplicadas” nas situações reais de ensino.

Essa perspectiva compreende a formação como algo passivo e estanque para os

professores, caracterizado por Pérez Gómez (1995) como sendo um modelo

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instrumental, dirigido em prol da resolução de problemas por meio da aplicação dos

conhecimentos científicos.

Para Schön (2000) o modelo da racionalidade técnica incorpora a concepção de

que é o conhecimento científico sistematizado que permite ao profissional solucionar os

problemas oriundos de sua prática. O autor aponta que esse modo de compreender a

formação, muitas vezes, ocasiona constantes insucessos na resolução dos problemas

complexos, instáveis, incertos e conflituosos da prática. Ele ressalta ainda que a prática

também reconhece a importância de produzir conhecimentos, de modo que os processos

formativos em serviço deveriam consolidar essa visão para articular iniciativas que

contribuam para este processo, tomando como compreensão uma epistemologia da

prática profissional. Dessa forma, a prática seria valorizada como espaço de construção e

mobilização de saberes engendrados e oriundos de diferentes fontes (TARDIF, 2012).

Rossi e Hunger (2012) assinalam que no cenário atual da formação continuada de

professores de todas as áreas e, particularmente, na Educação Física, evidenciam-se

que essas formas de intervenção têm contribuído pouco para a transformação da prática,

tornando-a preocupante na medida que o desenvolvimento do trabalho docente

apresenta a necessidade da realização de formações em serviço que possam corroborar

com a ressignificação de perspectivas e com o advento de alicerces reflexivos que

contribuam com a melhoria da prática profissional. Na Educação Física, devido ao seu

caráter dinâmico em termos de procedimentos e conteúdos é fundamental que se amplie

as compreensões acerca dos processos formativos, repercutindo efetivamente em

contribuições para a prática pedagógica dos professores desse componente curricular.

Essas concepções proporcionam inúmeras dúvidas a respeito das opiniões de

professores que estão em exercício profissional com relação aos processos de formação

continuada, como: quais são as principais expectativas e objetivos dos professores com

relação aos processos de formação continuada? De que modo tais procedimentos tem

repercutido efetivamente em mudanças na prática pedagógica, ressignificando

pressupostos previamente estabelecidos? De que forma esses processos podem se

enquadrar em delineamentos epistemológicos que proporcionem claramente o

estabelecimento de atitudes reflexivas?

De difícil resolução, esses questionamentos precisam ser criteriosamente

analisados para que seja possível compreender possibilidades concretas no que

corresponde ao desenvolvimento da formação continuada na Educação Física. Além

disso, os desdobramentos pautados pela visão dos professores podem proporcionar uma

ancoragem para novas proposições e reflexões, indicando possíveis caminhos para os

percursos vivenciados e que estejam adequados com o que de fato acontece na prática

cotidiana, articulados com o trabalho docente nesse componente curricular.

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Sendo assim, o presente estudo tem como objetivo analisar as opiniões de 20

professores de Educação Física da rede municipal de uma cidade do interior do Estado

de São Paulo acerca do desenvolvimento dos processos de formação continuada.

2. Procedimentos Metodológicos

Opta-se pela pesquisa qualitativa, a partir de um estudo descritivo, tendo como

perspectiva investigar de forma diagnóstica uma dada realidade específica. Em nosso

caso, buscamos analisar a opinião de um grupo de docentes de Educação Física sobre

seus processos de formação continuada (THOMAS; NELSON; SILVERMAN, 2007).

Participaram 20 professores de Educação Física da rede municipal de uma cidade

de grande porte do Estado de São Paulo, sendo 12 mulheres e 8 homens. A média de

idade foi de 44,6 anos, porém com certa discrepância de faixas etárias (o professor mais

novo tinha 24 anos e o mais velho 59). Com relação ao tempo de docência, o grupo

apresentou-se heterogêneo, com média de 18,5 anos, com uma variação de 1 a 34 anos,

podendo ser classificados no curso de diferentes ciclos da vida profissional da carreira

docente em termos de entrada na carreira, fase de estabilização, diversificação e

serenidade na tipologia apresentada por Huberman (1995).

Para a obtenção dos dados foi utilizado como instrumento um questionário,

contendo questões dissertativas e alternativas que buscaram averiguar as opiniões dos

participantes sobre os seus processos formativos, bem como suas expectativas, críticas e

sugestões para futuras formações. O instrumento constou de 12 questões, incluindo as

de fórum geral (tempo de docência, idade, etc.). A sua aplicação ocorreu em um dia no

qual os professores se reuniram para uma formação continuada oferecido pela prefeitura.

Para a análise dos dados, optamos por transcrever as respostas dos

questionários e categorizar as informações decorrentes das mesmas em temáticas – a

partir da frequência de aparição. A análise foi descritiva.

Os procedimentos foram aprovados pelo Comitê de Ética em Pesquisa da

instituição de origem dos autores. Os participantes tiveram suas identidades mantidas em

sigilo e autorizaram a participação no estudo por meio da assinatura do Termo de

Consentimento Livre e Esclarecido.

3. Resultados e Discussão

Os resultados coletados foram organizados em categorias e posteriormente

discutidos nos seguintes eixos: (a) importância da atualização para a prática pedagógica

na Educação Física; (b) desenvolvimento de saberes não ensinados nos cursos de

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formação inicial; (c) importância do saber da experiência. Passemos, agora a

apresentação e discussão dos dados.

3.1- Importância da atualização para a prática pedagógica na Educação

Física

Os participantes, de modo geral, ilustraram aspectos relacionados à importância

da atualização para o desenvolvimento da prática pedagógica da Educação Física

escolar, com destaque para quatro elementos.

1) Diversidade de conteúdos a serem ensinados na Educação Física

Houve o reconhecimento de que a Educação Física apresenta uma série de

conteúdos curriculares a serem ensinados, denominados comumente como pertencentes

à esfera da cultura corporal de movimento. Sendo assim, os processos formativos em

serviço podem viabilizar um tratamento pedagógico adequado às diferentes

manifestações corporais que devem ser ensinadas durante as aulas. Um exemplo

representativo foi apresentado pela professora 10: “acho importante também o diálogo

com especialistas em determinadas práticas e é muito interessante suprir a demanda dos

próprios professores da rede com relação aos conteúdos da área”.

2) Mudanças teóricas e curriculares muito rápidas

De acordo com parte dos professores, a Educação Física tem passado por

diversas transformações no que corresponde às suas bases teóricas, fundamentações e

perspectivas de ensino e aprendizagem escolar. Essa assertiva gera uma necessidade

de atualização tendo em vista renovar os paradigmas a serem desenvolvidos na escola,

fato que as formações em serviço podem auxiliar, como ilustra a professora 12: “quero

aprender coisas novas que possam me auxiliar no ensino de Educação Física. Diversas

atividades estão surgindo dentro da área e nós precisamos conhecer, como lutas,

atividades circenses e de aventura, etc.”.

3) Dinamismo desse componente curricular na escola

Na mesma direção do apontamento anterior, alguns professores salientaram que

a área da Educação Física é muito dinâmica e, frequentemente, novas práticas corporais,

bem como diferentes procedimentos didáticos vão sendo incorporados e, por isso, devem

ser ensinados pela formação continuada. De acordo com a professora 7: “acho

fundamental que o professor se mantenha atento às produções acadêmicas e sobretudo,

acredito que a troca de experiências bem-sucedidas entre os pares é muito positiva”.

4) Necessidade de inserção de novas perspectivas às práticas já consolidadas

Parte dos professores destacou que uma das atribuições da formação continuada

deve ser inserir novas perspectivas que possam complementar práticas que já são

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desenvolvidas, não necessariamente no sentido de reinventar o cotidiano docente, mas

de introduzir elementos que contribuam com o aperfeiçoamento de suas ações, como

destacou o professor 19: “Acho que o objetivo é sempre entender esse mundo em

transformação no qual estamos inseridos (com nossos alunos) e buscar metodologias

que funcionem ou que nos tragam ‘luz’ para continuarmos educando”.

De modo geral, as assertivas convergem para o mesmo ponto: a necessidade de

compreensão da prática, entendendo a formação como um processo dinâmico e não

estaque e nem solidificado apenas com a conclusão do curso inicial, havendo a

necessidade de atualizações constantes. Caldeira (2001) critica as formas como a

formação continuada de professores tem sido elaborada, admitindo que, muitas vezes,

essas propostas são concretizadas por meio de cursos, conferências e seminários de

forma a reproduzir a formação anterior do professor. Assim, se torna importante iniciativas

que visem discutir e contextualizar as crenças, compreensões, problemas e ações

oriundas da prática pedagógica do professor, focalizando o seu saber para ressignificá-lo.

Dessa forma, concebendo o saber docente como um processo, e nãocomo algo estático, acabado e definitivo, sua renovação precisa estarconstantemente penetrando a prática e vice-versa. Somente por meio deuma reavaliação crítica da prática docente, realizada de forma contínua,coletiva e pelo intercâmbio constante de conhecimentos e práticas podeo professorado formar-se e aperfeiçoar-se no seu trabalho (CALDEIRA,2001, p. 92).

Na Educação Física, Cristino e Krug (2008) apontam que as estratégias e

concepções de formação continuada não costumam ser bem compreendidas por

instituições e professores. Os autores afirmam que essas incompreensões

comprometem, muitas vezes, a mudança das práticas, enfatizando que “a formação

continuada para os docentes de Educação Física, e de outras áreas também, passa pela

mesma angústia de verticalização dos modelos formativos, crise de identidade e dos

saberes docentes na busca do seu espaço” (p. 64). Os autores salientam que a formação

continuada não é a única responsável pela melhoria do ensino. Contudo, eles

reconhecem que “a intensificação e a continuidade dos estudos sobre sua atividade e das

suas relações com as biografias de cada ator é o que torna o professor, conhecedor da

sua profissão” (CRISTINO; KRUG, 2008, p. 80).

Sendo assim, é importante que os processos formativos estejam alicerçados em

modelos que possam considerar o trabalho docente como elemento orientador mais

importante. Ainda, o elemento “novidade” ou “atualização” é de fato primordial de acordo

com os professores de Educação Física. Entretanto, é preciso que as estruturas

formativas considerem tais elementos sem terem a pretensão de “reinventar a roda” na

área da Educação Física, levando-se em consideração possibilidades concretas de

acordo com a realidade e conjecturas sociais apresentadas pelas escolas brasileiras.

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3.2- Desenvolvimento de saberes não ensinados nos cursos de formação

inicial

As representações docentes, especificamente as relacionadas com a questão do

desenvolvimento de saberes não devidamente ensinados durante os cursos de formação

inicial, foram organização em quatro eixos, enumerados abaixo.

1) Deficiências nos cursos de formação inicial

Os participantes reconheceram possíveis falhas ou deficiências em seus cursos

de formação inicial. Alguns desses percalços, de acordo com os participantes, se deve ao

contexto histórico de formação, oriundo de outros momentos no qual algumas discussões

ainda não haviam sido consolidadas. Assim, o professor 4 aponta: “pretendo melhorar

meu repertório de entendimento e de conteúdos não aprendidos na graduação. Falta

uma formação que me permita trabalhar junto com meus colegas, somando as

experiências para esclarecer situações problemas vivenciadas no dia a dia”.

2) Grande amplitude de conteúdos a serem ensinados e não abordados na

formação inicial

Como parte dos problemas oriundos da formação inicial, alguns docentes

enfatizaram que muitos conteúdos que atualmente se tornaram consolidados como

manifestações da cultura corporal – alguns dos quais estão inclusive assegurados por

currículos e propostas didáticas – não foram minimamente aprendidos nos cursos de

graduação. Desse modo, são criadas contradições entre aquilo que é preconizado como

necessário para a prática pedagógica com o que de fato é tratado adequadamente pelos

cursos de graduação, provocando incongruências que a formação continuada pode

auxiliar a apaziguar. De acordo com a professora 15: “ao longo da minha atuação

profissional fui sentindo diferentes necessidades, como: conhecimentos pedagógicos da

educação, história da educação e da educação física, formação técnica específica

(dança, ginástica, esporte, primeiros socorros, educação física inclusiva), etc.”.

3) Importância de renovação das práticas aprendidas na formação inicial

Houve também um destaque específico para se pensar a importância de se

renovar práticas que foram inicialmente aprendidas nos cursos de graduação, mas que

passaram por modificações que precisam ser novamente ressignificadas pelos docentes.

Nesse sentido, ganhou destaque a utilização do termo “reciclar” como forma de

demonstrar a importância dessa renovação do que outrora já havia sido compreendido. A

professora 16 ressaltou: “Sempre participo de cursos de formação, com o objetivo de me

reciclar e aprender coisas novas. Alguns cursos atendem minhas necessidades, outros

não, por estarem longe da realidade do cotidiano escolar”.

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4) Necessidade de superação de defasagens conceituais

Houve, ainda, o destaque para a importância de se superar, de forma mais

específica, possíveis defasagens conceituais oriundas dos cursos de graduação cursados

pelos participantes. Nesse sentido, os processos formativos desenvolvidos durante as

ações profissionais poderiam auxiliar nessa empreitada. Assim, na fala da professora 20

fica registrado que: “durante a minha graduação eu não aprendi muitas coisas que hoje

são fundamentais na área. A Educação Física passou por muitas transformações, por

causa disso eu tenho procurado a atualização dos conhecimentos, através de cursos de

formação profissional”.

Dessa forma, ao considerarmos a multiplicidade e dinamismo dos saberes dos

professores, provenientes de diversas fontes e fortemente atrelados com suas

experiências práticas, emerge a formação continuada como condição fundamental de

investigação e melhoria da prática. Porém, como indica Pimenta (1997), os saberes da

profissão docente não são únicos e nem compõem um corpo acabado de conhecimentos,

uma vez que os problemas da prática profissional não são somente instrumentais, mas

requerem tomadas de decisão de questões complexas, incertas, singulares e

relacionadas a conflitos de valores.

Como constatado, os professores valorizaram os processos de formação

continuada, muitas vezes, dotando-os de grande importância e expectativa, sobretudo a

partir da comparação com possíveis defasagens oriundas dos cursos de formação inicial.

De fato, a graduação não deve ser compreendida como única fonte de saberes na qual o

profissional deve se basear. Ela deve ser capaz de subsidiar o futuro profissional com um

amplo espectro de saberes, metodologias, possibilidades didáticas e conjunto de

conhecimentos das mais diversas áreas que o possibilite a conhecer sua área de

formação, bem como aspectos gerais relacionados à esfera da educação e, além disso,

sendo capaz de continuar na busca por melhoria de sua prática, seja por meio de

formações continuadas ou não. Na atual conjuntura brasileira, compreende-se que nem

sempre essa perspectiva tem sido preconizada pelos cursos de formação de professores.

Tardif (2012) alerta que a formação profissional acadêmica, seja ela inicial ou

continuada, não é a única forma de proporcionar saberes aos professores e, muitas

vezes, não são esses saberes de ordem curricular, disciplinar ou mesmo da formação

profissional os quais os professores irão fundamentar sua prática pedagógica, que fica

muito mais alicerçada em seus saberes experienciais. O autor salienta:

Se admitirmos que o saber dos professores não provém de uma fonteúnica, mas de várias fontes e de diferentes momentos da história de vidae da carreira profissional, essa própria diversidade levanta o problema daunificação e da recomposição dos saberes no e pelo trabalho (TARDIF,2012, p. 21).

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Ou seja, a formação continuada não deve ser encarada como um produto que

visa instrumentalizar o professor com conhecimentos de ordem técnica instrumental,

baseada na racionalidade técnica (PÉRÉZ GÓMES, 1995). De forma não deliberada, ao

trazer à tona comparações com as dificuldades da formação inicial, os professores

passam a incorrer ao risco de gerar uma perspectiva “utilitarista” à formação continuada

somente de subterfúgio aos problemas cotidianos, bem como passam a não

compreender o processo formativo como oriundo de diferentes e inúmeras fontes que vão

além do ensino formal.

Essa reflexão não tem como objetivo dirimir a importância da formação inicial,

uma vez ser ela fundamental, mas alocá-la historicamente na conjuntura formativa

biográfica de cada professor. O reconhecimento dos processos formativos em serviço são

um indicativo de que os professores têm buscado desenvolver suas práticas de modo

mais reflexivo.

De forma correlata, Rossi e Hunger (2012) apontam que os professores

reconheceram a importância de processos de formação continuada na perspectiva

reflexiva, ao ressaltarem as influências positivas desses momentos para suas vidas, tanto

em termos pessoais quanto profissionais. Esse fato assegura a formação continuada

como tendo importância ímpar e, por isso, deve ser incentivada tendo em vista o

desenvolvimento profissional dos professores de Educação Física.

3.3- Importância do saber da experiência

Nessa categoria foi abordada a importância de se considerar os saberes da

experiência durante os processos formativos. Compreende-se a experiência a partir de

um sentido amplo de aspectos que engloba tanto aquilo que foi sendo desenvolvimento

significativamente pelos professores ao longo de sua vida pessoal e profissional, quanto

as trocas de conhecimentos e as vivências práticas, muito preconizadas no caso da

formação continuada na Educação Física, por exemplo.

De modo geral, os participantes ressaltaram a importância na participação de

formações que sejam realmente significativas, a partir de estruturações diferenciadas da

lógica tradicional comumente empregada e que tenha forte relação com a prática

profissional, como destacou o professor 3: “buscou me manter em constante

aprendizado, pois o conhecimento ajuda nas dificuldades encontradas. Os cursos

contribuem quando ocorre a ressonância no dia a dia. Sugestão seria a aproximação

com o cotidiano”. Nessa questão, organizamos os dados também em quatro eixos.

1) Processos formativos devem desenvolver experiências significativas

Os participantes, em sua maioria, ressaltaram a importância dos processos

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formativos propiciarem experiências de fato significativas, compreendida como forma de

gerar implicação direta no desenvolvimento da prática profissional. Da mesma maneira,

muitos professores teceram críticas aos modelos formativos dito tradicionais, pautados

em uma hierarquização do processo de ensino e aprendizagem, sendo realizado de

forma muito teórica ou com pouca participação ativa dos envolvidos. Para o professor 18:

“Meu objetivo é refletir sobre a prática pedagógica com meus pares e formadores;

estabelecer relações com fundamentações teóricas e formação acadêmica”. Já a

professora 14 ressaltou: “minha intenção é sempre melhorar minha prática como

professora. Por isso, que a formação precisa ser prática e falar a nossa língua da sala de

aula e do dia-a-dia”.

2) Aprimorar o que os professores fazem

Na tendência de se valorizar as experiências significativas, parte dos docentes

destacou a importância do desenvolvimento de conhecimentos e práticas partindo da

realidade concreta, aprimorando o que os professores costumam fazer, inserindo novas

perspectivas e, sobretudo, ressignificando ações que os auxiliem na condução do seu

trabalho, conforme o professor 17 demonstrou: “meu objetivo é conhecer coisas novas,

melhorar meus conhecimentos, aprimoramento. As formações têm atendido em parte as

necessidades de professor e de sala de aula porque algumas ficam muito distantes

daquilo que a gente realmente faz na escola”.

3) As formações em serviço precisam ter relação com as experiências docentes

No mote da discussão sobre a experiência, foi ressaltado que tais processos

formativos precisam necessariamente estar relacionados com as experiências dos

professores. É preciso possibilitar tanto a realização de propostas que considerem aquilo

que os professores realmente desenvolvem na prática profissional, quanto fomentar

espaços de troca de experiências dos participantes entre si e com os formadores.

Nesse ensejo, Cochran-Smith (2012) nos propõe a “desprivatização das práticas”,

visando trazer ao âmbito público aquilo que normalmente fica alocado à esfera privada de

cada docente. A professora 13 elucida essa questão: “o objetivo é promover trocas de

experiências e aprender atividades diferentes com os colegas”. Ainda nessa perspectiva

de empoderamento docente a professora 10 salienta: “é preciso dar vez e voz às práticas

docentes que vem sendo realizadas no próprio município, nós precisamos ser ouvidos”.

4) É fundamental levar em consideração as vivências práticas durante as

formações continuadas

Os professores destacaram a importância crucial das vivências práticas ao longo

das formações, fato este que também tem sido ressaltado pelos autores da Educação

Física (ROSSI; HUNGER, 2012; CRISTINO; KRUG, 2008). De acordo com a professora

16: “falta para o professor formação continuada que leve em consideração o material que

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se tem nas escolas, a quadra que tem sol, o número de alunos, e possibilite vivências

práticas para nós”. Portanto, destaca-se a importância da existência de um espaço

consolidado para a articulação entre processos teóricos e reflexivos, com propostas de

atividades práticas que gerem, entre outros fatores, uma ampliação do repertório de

procedimentos utilizados cotidianamente pelos professores ao ensinar os conteúdos da

cultura corporal na escola, durante as aulas de Educação Física.

Nesse contexto, a principal crítica ao abordar a importância da consideração da

experiência durante as formações continuadas se deu sobre o modo como tais processos

têm sido realizados. Isso remete à importância do fomento de formações sob a lógica da

racionalidade prática, valorizando a dimensão profissional do trabalho docente. Os

professores reconheceram a importância da formação continuada. Contudo, destacaram

que ela não deve estar baseada em formatos técnico-instrumentais que estabelecem

uma ordem hierárquica de relação entre os responsáveis por estas formações

continuadas e os professores inseridos na prática pedagógica. Como critica Cristino e

Kurg (2008):

No entanto, parece que as propostas de formação continuada no Brasilainda privilegiam a formação profissional desconhecendo, por vezes, apessoa ou o cidadão em formação e suas biografias. Comumente, asestratégias privilegiam a formação técnica – treinamento com efeitomultiplicador e/ ou vivências pontuais localizadas na socialização deexperiências vividas (CRISTINO; KRUG, 2008, p. 67).

É preciso considerar como são elaboradas e desenvolvidas estas formações

continuadas que não devem ser encaradas de forma hierárquica que impõe ao professor

o trato pedagógico totalmente descontextualizado de sua prática pedagógica, além de

exigir dele conhecimentos que ele não possui. Para isso, não há modelos estabelecidos a

priori considerados “infalíveis” ou mesmo que devem ser seguidos arbitrariamente. Como

destaca Tardif (2012, p. 291), a formação continuada deve concentrar-se nas

necessidades e situações vividas pelos professores, podendo ocorrer em uma

diversidade de formas, tais como “formação através dos pares, formação sob medida, no

ambiente de trabalho, integrada numa atividade de pesquisa colaborativa, etc.”.

Schön (2000) afirma que as incertezas, singularidades e conflitos de valores

presentes nas ações práticas dos profissionais escapam dos cânones da ciência. Para

isso, a formação do profissional reflexivo deve pautar-se, sobretudo, na racionalidade

prática, a qual apresenta as reflexões sobre os problemas, dilemas e atitudes da prática

pedagógica como ponto de início e de chegada dos processos de formação profissional

(SCHÖN, 2000). Tal qual propõe Pimenta (1997, p. 10): “considerar a prática social como

o ponto de partida e como ponto de chegada possibilitará uma ressignificação dos

saberes na formação de professores”. Desse modo, valorizar a experiência parece ser

condição sine qua non para a efetividade dos processos formativos continuados.

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4. Conclusões

Retomando o objetivo central do presente estudo, buscamos analisar as opiniões

de 20 professores de Educação Física da rede municipal de uma cidade do interior do

Estado de São Paulo acerca do desenvolvimento dos processos de formação continuada.

Como apontamentos, destacamos que os participantes apresentaram uma tríade de

perspectivas fortemente atreladas entre si, ao ressaltar a importância da atualização

constante, o desenvolvimento de saberes que não foram aprendidos nos cursos de

graduação e o destaque para as vivências práticas que propiciem experiências

significativas nas formações em serviço. Assim, eles apresentaram um reconhecimento

consolidado sobre a importância que as formações continuadas possuem para o

desenvolvimento profissional, questionando, entre outras coisas, as formas e modelos

nos quais tais processos costumam estar fundamentados.

Várias são as motivações para participação em formações continuadas tais como

o aprimoramento de conhecimentos, a troca de experiências, a possibilidade de aquisição

de saberes, a progressão na carreira, certificação institucional, contabilização de horas

realizadas fora da sala de aula, etc. Uma vez que o desenvolvimento profissional pode

ser compreendido como dinâmico, contínuo e diversificado, reconhece-se a importância

da formação continuada como momento de reflexão e aprimoramento do trabalho

docente. Porém, como apresentado pela literatura, muitas vezes tais processos estão

relacionados com perspectivas que pouco auxiliam na profissionalização docente, ficando

restrito ao âmbito burocrático de certificação institucional, ou pragmático, promovedor de

um amplo repertório de atividades, sem necessariamente estar articulado com a

perspectiva reflexiva.

Sendo assim, a partir dos resultados encontrados destacamos três aspectos que

parecem ser importantes na consideração dos processos de formação continuada e

precisam ser ressignificados, particularmente no campo da Educação Física. São eles:

1) Verticalização exacerbada na relação entre formador e professores em

formação. Nesse sentido, muitas vezes, a formação continuada se estrutura seguindo o

viés do status científico que é detido pelos formadores. Às pessoas em formação cabe

apenas assimilar passivamente o que é ensinado e que muitas vezes se apresenta pouco

articulado com as contingências e imprevisibilidade da prática profissional.

2) Falta de conexão entre teorias científicas transmitidas nesses processos de

formação com a realidade prática encontrada pelos professores. Esse aspecto pode

contribuir com e até provocar desmotivação e lacunas de sentido e significado na

realização de tais encontros.

Page 12: FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES DE …200.145.6.217/proceedings_arquivos/ArtigosCongressoEducadores/5844.pdf · 3528 formaÇÃo continuada de professores de educaÇÃo fÍsica:

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3) A racionalidade técnica não é capaz de atender as demandas e

imprevisibilidades da prática por desconsiderar sua subjetividade e complexidade. Esse

fato sugere o desenvolvimento de processos formativos que valorizem a prática

profissional dos professores.

Dessa forma, os processos de formação continuada podem basear-se em

concepções pautadas na racionalidade prática, compreendendo o professor como sujeito

reflexivo. Sendo assim, sugere-se que novos estudos procurem investigar as

potencialidades e limites da formação continuada à luz da perspectiva da racionalidade

prática para o desenvolvimento profissional do trabalho docente na Educação Física.

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