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II Congresso Nacional de Formação de Professores XII Congresso Estadual Paulista sobre Formação de Educadores HTPC SOB A PERSPECTIVA DE FORMAÇÃO NA ESCOLA: A ARTICULAÇÃO ENTRE TEORIA E PRÁTICA. Valéria Duarte Coelho França, Maria Auxiliadora De Resende Braga Marques, Noeli Prestes Padilha Rivas Eixo 2 - Projetos e práticas de formação continuada - Relato de Pesquisa - Apresentação Oral Elucidar de que forma as HTPCs (Horas de Trabalho Pedagógico Coletivo) configuram momentos adequados para a realização de formação continuada, aproximando as relações teoria e prática. Por meio de pesquisa-ação crítica de abordagem qualitativa, buscou-se compreender como se dá o processo de formação continuada dos professores no espaço da HTPC. Verificamos que este espaço é concreto, onde acontecem encontros semanais que podem contribuir para a reflexão coletiva, para o diálogo entre a teoria e a prática, podendo ser consideradas como um dos pilares de sustentação para as ações desenvolvidas na escola, pelos professores, com o objetivo primordial de oferecer um ensino de qualidade nas escolas públicas estaduais. De acordo com as percepções dos professores que participaram da pesquisa, alguns fatores se expressam de modo mais acentuado, entre outros, a indisciplina e a desmotivação dos alunos em relação aos conteúdos escolares, os quais são os principais fatores dificultadores da ação docente. Esses temas são levados à discussão coletiva como forma de encontrar soluções e apontar novos desafios de superação de dicotomias que atendam às necessidades de todos e que possam ser tratadas tanto no cotidiano da escola, como na prática do professor, na perspectiva da ação coletiva. No entanto, muito ainda precisa ser feito na perspectiva da formação continuada da docência, e por isso, esses espaços de discussão e reflexão representam no interior da escola, um papel importante. A definição de políticas públicas de apoio a formação continuada de professores no ambiente escolar, deve nascer no cotidiano escolar. Palavras-chave: Formação continuada, HTPC, teoria e prática 5651

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II Congresso Nacional de Formação de Professores XII Congresso Estadual Paulista sobre Formação de Educadores

HTPC SOB A PERSPECTIVA DE FORMAÇÃO NA ESCOLA: A ARTICULAÇÃO ENTRE TEORIA E PRÁTICA.

Valéria Duarte Coelho França, Maria Auxiliadora De Resende Braga Marques, Noeli Prestes Padilha Rivas

Eixo 2 - Projetos e práticas de formação continuada

- Relato de Pesquisa - Apresentação Oral

Elucidar de que forma as HTPCs (Horas de Trabalho Pedagógico Coletivo) configuram momentos adequados para a realização de formação continuada, aproximando as relações teoria e prática. Por meio de pesquisa-ação crítica de abordagem qualitativa, buscou-se compreender como se dá o processo de formação continuada dos professores no espaço da HTPC. Verificamos que este espaço é concreto, onde acontecem encontros semanais que podem contribuir para a reflexão coletiva, para o diálogo entre a teoria e a prática, podendo ser consideradas como um dos pilares de sustentação para as ações desenvolvidas na escola, pelos professores, com o objetivo primordial de oferecer um ensino de qualidade nas escolas públicas estaduais. De acordo com as percepções dos professores que participaram da pesquisa, alguns fatores se expressam de modo mais acentuado, entre outros, a indisciplina e a desmotivação dos alunos em relação aos conteúdos escolares, os quais são os principais fatores dificultadores da ação docente. Esses temas são levados à discussão coletiva como forma de encontrar soluções e apontar novos desafios de superação de dicotomias que atendam às necessidades de todos e que possam ser tratadas tanto no cotidiano da escola, como na prática do professor, na perspectiva da ação coletiva. No entanto, muito ainda precisa ser feito na perspectiva da formação continuada da docência, e por isso, esses espaços de discussão e reflexão representam no interior da escola, um papel importante. A definição de políticas públicas de apoio a formação continuada de professores no ambiente escolar, deve nascer no cotidiano escolar. Palavras-chave: Formação continuada, HTPC, teoria e prática

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HTPC SOB A PERSPECTIVA DE FORMAÇÃO NA ESCOLA: A ARTICULAÇÃO ENTRE TEORIA E PRÁTICA.

Prof. Ms.Valéria Duarte Coelho França; Prof. Drª. Maria Auxiliadora de Resende Braga Marques. PPGE, CUML; Prof. Dra. Noeli Prestes Padilha Rivas. FFCLRP, USP.

Introdução

O presente trabalho decorre de uma pesquisa realizada na Pós-Graduação em

Educação, nível mestrado, a qual teve como objetivo elucidar de que forma as HTPCs

(Horas de Trabalho Pedagógico Coletivo) configuram momentos adequados para a

realização de formação continuada, no âmbito da escola, e se esses encontros

semanais são capazes de contribuir de alguma forma no sentido de proporcionar uma

maior aproximação entre as relações teoria e prática.

A LDBEN 9394/96 apontou a necessidade de proporcionar aos professores a

continuidade de sua formação após deixar a universidade e ingressar na profissão.

Atribui aos poderes públicos a obrigatoriedade de oferta de ações que levem ao

desenvolvimento profissional e pessoal do docente em serviço. Com isso, a formação

continuada passa a ocupar espaços nos debates. Para Gatti (2008), a formação

continuada é considerada como “aprimoramento de professores nos avanços,

renovações e inovações de suas áreas, dando sustentação à sua criatividade pessoal

e à de grupos profissionais, em função de rearranjos nas produções científicas e

culturais.” (p.58). A última reforma educacional realizada no sistema público de ensino

do estado de São Paulo, denominada “São Paulo faz Escola” atende ao disposto na

LDBEN 9394/96, por meio da Lei Complementar 836/97 em que prevê que as HTPCs

devem ser utilizadas como momentos de aperfeiçoamento individual e coletivo dos

educadores. (SÃO PAULO, 1997).

No Estado de São Paulo, as Horas de Trabalho Pedagógico Coletivo configuram-se

em momentos destinados à reunião de professores e gestores das instituições

educativas. A partir de 2012, em atendimento à Lei Complementar nº 836/1997, que

trata do Piso Salarial, há alterações na carga horária para os professores da rede

estadual paulista, bem como na denominação desses encontros, ou seja, ATPC (Aulas

de Trabalho Pedagógico Coletivo). No entanto as finalidades continuam as mesmas,

conforme a legislação que a rege: “trata-se de momento destinado a reuniões e outros

trabalhos pedagógicos e de estudo” (SÃO PAULO, Lei 836/97, artigo 13).

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Em seus estudos sobre a profissão docente, Nóvoa (2009) ressalta que as práticas

pedagógicas são investidas de referencial teórico e metodológico, o que lhe confere

complexidade. Nessa perspectiva, o autor aponta cinco dimensões que permeiam a

profissão docente: as práticas, a profissão, a pessoa, a partilha e o público. Destaca-

se neste texto, a dimensão “partilha”, pois a mesma tem como pressuposto a

valorização do “trabalho em equipe e o exercício coletivo da profissão, reforçando a

importância dos projetos educativos de escola.” (p.40).

Outra questão importante nesse cenário diz respeito às discussões acerca da

formação continuada centrada na escola, a qual começa a se destacar a partir da

década de 1990, como colocado por Imbérnon (2010):

Foi uma época criativa e muito importante na formação continuada, cujas contribuições e reflexões ainda vivemos assimilando. A mistura do modelo de treinamento com planos de formação, o modelo de desenvolvimento e melhoria, surgido a partir da reforma introduzida pelas leis, ao se estabelecerem os projetos educativos e curriculares, o modelo questionador, a pesquisa-ação, tão divulgada e conhecida, porém pouco praticada por suas necessárias condições de desenvolvimento, e a maioria dos textos sobre o campo de conhecimento fazem com que agora seja a época em que se inicia uma nova maneira de se enfocar, de analisar e de praticar a formação dos professores. Mesmo que ainda haja o predomínio de um discurso excessivamente simbólico e de uma continuação perpétua da separação entre a teoria e a prática (p. 22).

A perspectiva da escola como lócus de formação continuada de docentes conta, ainda

com a defesa de autores como LIBÂNEO, 2010; BRZEZINSKI, 2008; ALARCÃO, 2003

entre outros que entendem a escola como ponto de partida para as ações de formação

em serviço, por se tratar de local em que as possibilidades do trabalho coletivo ocorra

de forma mais abrangente e que é nela que se encontram os temas que precisam ser

discutidos e refletidos por aqueles que a constituem. Ainda, por ser um ambiente que

proporciona a construção dos saberes da experiência docente.

Brzezinski (2008) define a formação dos professores “como um processo marcado

pela complexidade do conhecimento, pela crítica, pela reflexão-ação, pela criatividade,

pelo reconhecimento da identidade cultural dos envolvidos no processo formativo e

pela relação entre formadores e aprendentes” (p. 1141). Assim, constitui-se, em

movimento polifônico, não estagnado, em busca de sentidos e significados para os

entraves políticos, sociais, culturais que adentram suas práticas cotidianas. É o

amálgama de diversificados posicionamentos, pensamentos, histórias do ambiente de

trabalho que se constituem nas instituições de ensino.

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Para Alarcão (2003), uma das imposições colocadas aos professores no contexto da

educação contemporânea é que os projetos de formação continuada levem em conta

o conceito de professor-investigador, segundo as descrições de Stenhouse (1996),

que acredita nos professores como pesquisadores e observadores de suas práticas e

de suas ações e, por isso, a necessidade de envolvê-los na pesquisa e reflexão crítica

sobre seu trabalho em busca da (re) construção do currículo a ser implementado por

intermédio de suas ações didáticas. Ainda de acordo com as ideias de Alarcão (2003),

três conceitos estão envolvidos na filosofia de trabalho defendida por Stenhouse:

[...] a de que a observação e a compreensão do que vai acontecendo são fundamentais no desenvolvimento dos projetos curriculares, de que os professores em grupo adquirem dinâmicas muito próprias e de que os professores se encontram, também eles, em processos de aprendizagem para os quais a investigação contribui. (ALARCÃO, 2003, p.45).

Considerando ainda as idéias de Alarcão (2003) “ser professor investigador é ter

atitude intelectual crítica, questionadora da realidade e de si próprio”, é questionar as

dificuldades que enfrentam no dia a dia, com vistas a sua compreensão e posterior

solução. Ninguém melhor do que o professor conhece o contexto específico em que se

passa a investigação.

Enfim, a escola deve ser considerada como principal local de formação continuada por

“possibilitar momentos de reflexão sobre a ação no coletivo dos professores para o

redirecionamento das práticas individuais e coletivas, que rumo se tomará em relação

às reflexões feitas e a revisão do projeto político-pedagógico quando necessário.”

(MENDES, 2008, p. 48). São inúmeros os motivos que privilegiam a escola como lócus

favorável à formação docente, além dos já mencionados, mas o mais importante é que

é para ela que se voltarão as ações transformadoras resultantes desses processos

formativos.

Formação continuada de professores: o que acontece na escola?

Para a realização da pesquisa foram observadas quinze reuniões de HTPC entre os

anos de 2010 e 2011, numa escola estadual da periferia de uma cidade do interior

paulista. A referida escola teve baixo IDESP (Índice de desenvolvimento da educação

do estado de São Paulo), de acordo com os dados do SARESP (Sistema de Avaliação

de Resultados de São Paulo), nos anos de 2007 e 2008. Mediante esses resultados foi

elaborado pela equipe gestora e professores, um Plano de Ação do qual fazia parte a

reestruturação das HTPCs, com vistas a propiciar momentos de formação da equipe

docente.

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Em comum acordo, professores e equipe gestora concluíram que os temas a serem

discutidos nos momentos de formação deveriam versar sobre as dificuldades

enfrentadas pelos docentes em suas práticas cotidianas. A equipe de gestão recorreu

a documento oficial da secretaria da educação, Resolução 80/2010, que apresenta o

perfil docente esperado para os professores da rede estadual paulista, bem como

sugestão de bibliografia, de forma a atender as necessidades apresentadas pela

equipe escolar e ainda familiarizar os participantes com textos a serem utilizados em

provas realizadas pela própria secretaria com diferentes propósitos, principalmente a

Prova Mérito, que acrescenta 10% ao salário base dos educadores.

Desses encontros participavam professores dos três ciclos atendidos pela escola

(Ensino Fundamental I e II e Ensino Médio), o que restringiu os temas a assuntos mais

gerais como indisciplina, condições de trabalho, entre outros. Ao longo dos encontros

pode-se perceber que essa estruturação enriqueceu as discussões por confrontar

diferentes pontos de vista, o que gerou o debate e a reflexão coletiva que culminavam,

muitas vezes, no planejamento de ações a serem desenvolvidas com vistas à

mudança de atitudes, tanto de professores como de alunos. Esses momentos também

eram utilizados para a análise e retomada dessas ações e quando necessário

adequações para melhor desenvolvimento das mesmas.

Um fato importante percebido durante a pesquisa é que a diretora da unidade estava

sempre presente e pronta a ajudar nas questões pedagógicas. Proporcionou

condições para a realização das horas de HTPC a que cada professor fazia jus,

garantindo assim, a continuidade do processo de formação. Mendes (2008), apoiada

nas ideias de Libâneo (2003), define gestão democrática como a que “se baseia na

relação orgânica entre a direção e participação do pessoal da escola” (p.48) Para a

autora, esse tipo de gerenciamento acentua a busca de objetivos comuns que são

assumidos e levados adiante por todos.

O cotidiano da escola como ponto de partida

Libâneo(2010), ao discutir a formação continuada de professores, esclarece que “as

políticas de formação de professores não estão partindo de políticas educativas para a

escola e para aprendizagem dos alunos” (p.28). Para o autor, essas políticas devem

ser pensadas a partir de contextos concretos de ensino e aprendizagem, ou seja, é

dentro das instituições escolares que se devem buscar elementos necessários para se

pensar as políticas de formação docente, uma vez que são nesses espaços que os

professores vão atuar.

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Nesse cenário, os projetos de formação continuada que concebem a escola como

local de realização dessas ações enfrentam muitos obstáculos, como a dificuldade em

se estabelecer um espaço de reflexão, discussão e troca de experiências, de modo a

incentivar maior participação dos professores junto ao espaço coletivo do ambiente

escolar. Além desses, tem-se também, a falta de incentivo por parte das políticas

públicas voltadas para a formação continuada em serviço, que não proporciona a

formação adequada para os professores coordenadores que irão atuar como

“formadores” de professores; a revisão da jornada de trabalho e a remuneração que

propicie aos docentes se envolverem mais com sua própria formação.

O projeto de formação apresentado pela escola participante da pesquisa consistia no

levantamento das necessidades formativas do grupo em diferentes momentos: nas

reuniões em que foram feitas as observações, os assuntos tratados se relacionavam

ao ambiente escolar, as dificuldades enfrentadas em sala de aula, a falta de condições

físicas e materiais para a realização do trabalho pedagógico, entre outros. Os HTPCs

específicos de cada ciclo se pautavam em assuntos mais específicos, como estudo de

caso de alunos com dificuldades de aprendizagem, leitura de textos teóricos que

subsidiassem os professores no atendimento desses alunos, entre outros pertinentes

e necessários de acordo com a opinião de cada grupo.

A escola é uma instituição concreta e também contraditória, e, diante disso, depende

de constantes transformações, tendo em vista às necessidades da sociedade

contemporânea. Os saberes e os conhecimentos demandam novas discussões

formativas que não são as mesmas o tempo todo, mudam conforme o contexto

histórico, social e cultural em que se inserem. Assim, propostas de formação

continuada centrada na escola precisam de conexões em constante movimento de

reflexão, análise crítica, avaliação e proposição de novas práticas, num processo

contínuo e permanente, sem perder de vista a relação entre a teoria e prática.

Pode-se perceber durante a pesquisa que as ações propostas eram retomadas a todo

o momento com a finalidade de fazer com que cada professor refletisse sobre sua

prática, avaliando-a quanto a sua razão de ser ou não e, nesse último caso, buscando

a construção de novas estratégias. Nesse sentido, confirmou-se a teoria de que não

há outra maneira de se realizar um processo de formação permanente sem a

retomada, avaliação e recondução das práticas educativas como a melhor maneira de

se atingir realmente inovações que levem a melhoria da qualidade do ensino oferecido

nas escolas públicas.

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Os estudos teóricos também estiveram presentes nas reuniões observadas, em

contrapartida às trocas de experiências entre os professores, reforçando o que coloca

Pimenta (2009) de que a teoria e a prática não estão desvinculadas nos processos de

formação. Os saberes da experiência, gerados pelos professores no seu percurso

profissional, são aliados às práticas rotineiras que no caso das ações propostas eram

o ponto de partida para as reflexões, sempre com base em teorias que pudessem

ratificar e validar os saberes produzidos pelo grupo.

Outros encontros observados versaram sobre temas como: uma oficina que levou os

professores a discutirem problemas considerados banais, mas que se tornaram

obstáculos ao bom desenvolvimento do ensino e aprendizagem e que poderiam ser

melhor resolvidos se houvesse uma relação professor-aluno mais aberta, baseada no

diálogo e na negociação de regras de convivência em sala de aula. Realizaram-se

estudos de casos de classes em que a indisciplina generalizada gerou grandes

problemas de aprendizagem e foram propostas estratégias de ensino e de ações que

levassem a reversão desses quadros. Foram também abordadas e debatidas

questões relacionadas à falta de condições de trabalho para os professores, a perda

da sua autonomia a partir da proposição, por parte da secretaria da educação, de um

currículo unificado elaborado por técnicos contratados, sem o envolvimento dos

professores da rede que compõem o “chão da escola”. As relações interpessoais

(professor e aluno, professor e professor, aluno e aluno), assim como a falta de

participação da família na escola foram outros temas discutidos nos encontros de

HTPC no período pesquisado.

Percebeu-se também que os professores estão angustiados perante a falta de critérios

claros e objetivos em relação ao papel desempenhado por eles nesse novo cenário

educacional. São norteados pelas diretrizes propostas pelas agências internacionais,

por meio de políticas de profissionalização pautadas pela produtividade, que no caso

desses trabalhadores, está alicerçada nos rendimentos alcançados por seus alunos

em avaliações externas como o SARESP e a Prova Brasil. Segundo Contreras (2002),

os docentes estão passando por uma transição tanto nas “características de suas

condições de trabalho quanto nas tarefas que realizam” o que o aproximam da

condição de operário. Nesse contexto, a docência enfrenta uma crise de significado

que leva seus protagonistas a acreditarem que o fracasso escolar se deve a fatores

externos a escola e aos professores.

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Fatores extra-escolares interferem no desempenho acadêmico de crianças e jovens,

mas não são as únicas causas da indisciplina e desmotivação geral dos alunos. As

justificativas para os problemas enfrentados pelos educadores hoje, devem ser

procuradas dentro do espaço escolar, seja nas condições físicas da escola, seja nas

práticas dos professores, no currículo em ação ou em qualquer outro lugar que não

fora de seus muros.

Para Libâneo(2010), as ações de formação de professores devem atender “a

demandas muito concretas, a decisões operacionais, que dizem respeito

primordialmente a formas de se garantir uma aprendizagem de qualidade a todos os

alunos” (p.35). Assim, justifica-se a busca dos temas de estudo dentro do próprio

grupo que compõem o cotidiano escolar e a construção coletiva dos meios de transpor

os obstáculos.

Na concepção de Pimenta(2009), a perspectiva do trabalho pedagógico como trabalho

coletivo deve ser priorizada desde a formação inicial dos futuros professores como

uma maneira de se entender e respeitar as “linguagens e saberes diferentes de cada

campo específico do conhecimento” (p. 17). Essa perspectiva subsidiou a análise das

ações construídas nos momentos de HTPC de forma coletiva, pela equipe gestora e

de professores.

A equipe da escola pesquisada se mobilizou e procurou desenvolver ações de

formação continuada que se utilizou das HTPCs como momento de realização dessa

formação. Pela observação das análises pode-se perceber a preocupação em se

buscar soluções para os problemas enfrentados pela escola e sua equipe,

independentemente das condições oferecidas pelo sistema de ensino da qual fazem

parte, procurando propiciar melhores condições de trabalho aos professores de sua

alçada e de aprendizagem para suas crianças e jovens.

Considerações finais

Entendemos que os processos de formação centrados na escola são momentos

importantes para a reflexão sobre a prática cotidiana, as condições de trabalho e como

os espaços escolares podem contribuir, nas instituições públicas, para a tomada de

decisões que envolvem o coletivo da escola, visando à melhoria da qualidade do

ensino, entre outros tantos pontos importantes para desenvolvimento da formação

docente. Nesse sentido, as HTPCs se configuram em espaços propícios para a

realização da formação continuada centrada na escola, pois proporcionam momentos

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de encontro entre a maioria dos professores que compõem o quadro da instituição

escolar, tornando possível a concretização de ações como as elencadas.

O que se conclui das observações realizadas é que as HTPCs, desde que se

proponham a isso, com o planejamento coletivo das ações a serem realizadas,

empenhos das equipes docentes e de gestão, são espaços democráticos de estudo,

reflexão sobre a prática, de troca de experiências e de aprendizagem, desde que

todos estejam motivados a isso, ou seja, que a coordenação se empenhe na

proposição de temas de estudos que levem em consideração as necessidades

elencadas pelo grupo e que este se mobilize em relação ao desenvolvimento da leitura

crítica e implantação das ações propostas nesses encontros.

Percebemos, pela análise de questionário aplicado aos professores que, a maioria

deles entende a formação continuada como algo bom, que os leva ao

desenvolvimento profissional, a melhoria das práticas pedagógicas, a troca de

experiências. No entanto, parecem ter esquecido as batalhas enfrentadas para a

conquista desse espaço, pois acham esses momentos maçantes, sem sentido e

“horário de tempo perdido”. Após a apresentação da proposta de formação elaborada

pela escola e aberta à participação de todos, parece que esse quadro vem mostrando

uma leve mudança. Já não se tem muito absenteísmo de professores nesses

momentos, o que era um fator preocupante para a gestão da escola. Parece-nos que a

partir do momento em que os professores se percebem parte integrante dos processos

que a eles são destinados, assumem uma postura mais participativa e coletiva.

Chamamos a atenção sobre a importância e a necessidade do trabalho coletivo para

que as práticas educativas possam ser confrontadas e melhoradas a partir do exemplo

do outro, conforme colocado por Nóvoa (2009), Pimenta (2009) e Libâneo (2010) entre

outros autores, a respeito do trabalho em equipe, das práticas de

“coresponsabilização” e à “partilha” dos conhecimentos.

O coletivo é considerado em todos os momentos, mas existe uma confusão em

relação ao trabalho em equipe. Nos encontros todos participam, dão suas

contribuições, ajudam a elencar ações que devem ser levadas adiante por todos, mas

ao adentrarem suas salas de aula, diante da complexidade das situações, agem da

forma costumeira, de acordo com suas experiências anteriores.

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No entanto, a formação centrada na escola é um processo em longo prazo, que requer

iniciativas comuns, empenho, participação, cooperação e incentivo. É necessário

começar por fazer com que os professores voltem a acreditar em si mesmos, nas suas

capacidades críticas, que entendam que a formação continuada é um meio de

crescimento profissional e pessoal, mas que deve contar com as trocas entre pares,

com o apoio entre colegas de profissão que muitas vezes se sentem perdidos e

desiludidos com a luta por condições dignas de trabalho. Também é necessária a

reestruturação dos encontros, o levantamento das necessidades e conhecimentos

prévios do grupo, a adesão de todos através da participação nesse planejamento.

O que este trabalho apresentou representa apenas o ponto de partida de uma escola

que se propõe a se (re)construir a partir das pessoas que nela estão envolvidas, das

contribuições de todos que a ela pertencem. No entanto, são muitas as limitações

encontradas, desde a cobrança por instâncias superiores, que vêem a HTPC como

momento de se buscar meios de “treinar” os alunos para a realização de uma boa

avaliação externa, que levará ao recebimento de bônus, à aceitação por parte dos

professores de que não passam de executores dos planos elaborados pela equipe da

Secretaria Estadual da Educação. Conclui-se, com base nas observações, que os

professores se encontram num dilema pois, ao mesmo tempo que se aceitam como

executores de políticas públicas propostas por terceiros, entendem que sua práxis vai

além disso, mas estão desestimulados e não sabem o que fazer para reverter essa

situação.

É necessário, portanto, um empenho no sentido de motivar os professores a acreditar

em si mesmos, nas suas capacidades críticas, enfim, na construção de suas próprias

identidades, buscando na formação continuada uma possibilidade de crescimento

intelectual, profissional e pessoal. Para tanto, a maior aproximação e apropriação nas

relações entre teoria e prática, troca de experiências entre os pares, podem contribuir

na luta por melhores condições do trabalho docente e principalmente por maior

incentivo à formação continuada.

Sem concluir, acredita-se que os encontros proporcionados pela HTPC, são

necessários e podem contribuir para o levantamento das necessidades de novos

conhecimentos, troca entre os saberes construídos na prática, novas demandas de

formação continuada. Porém, far-se-á necessário a superação das dicotomias

existentes entre teoria e prática no âmbito da escola e dos espaços concretos da

formação continuada.

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REFERÊNCIAS

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