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    31/08/2015 Classe mdia ingrata e no ser leal a outros governos, diz socilogo - 30/08/2015 - Poder - Folha de S.Paulo

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    Classe mdia ingrata e no ser leal aoutros governos, diz socilogo

    ELEONORA DE LUCENADE SO PAULO

    30/08/2015 16h36

    A nova classe mdia, que foi integrada pelo consumo, ingrata a quem lhe d condiespara ascender. Tende a se identificar com os que esto acima dela e no com os queesto abaixo. Tambm no ser leal a outros governos. Para isso, ter que ser intimidada.

    O alerta do socilogo e economista portugus Boaventura Sousa Santos, 74. Segundo

    ele, se houver um ciclo poltico ps-PT, "ele ser dominado pela inculcao do medo queleve resignao das classes mdias e populares".

    Na anlise do professor da Universidade de Coimbra, h tambm "o interesse do 'bigbrother' em que desapaream de cena governos nacionalistas que retiram ao mercadointernacional recursos, como o Pr-Sal e a Petrobrs. Est em curso na regio um novointervencionismo 'soft'".

    Nesta entrevista Folha, concedida por e-mail, ele trata da ascenso de movimentospolticos na Grcia e na Espanha e os rumos da esquerda. "No estamos em tempo decoerncia poltica. Veja o caso do Syriza. A crise sempre desacreditar a esquerdaenquanto esta no aprender a desacreditar a crise", afirma

    Fabio Braga/Folhapress

    http://www.folha.com.br/
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    O socilogo portugus Boaventura Souza Santos em 2013, durante entrevista

    Folha - Como vai a esquerda pelo mundo? Est em avano ou em retrocesso?

    Boaventura de Sousa Santos -O mundo demasiado vasto para que possamos ter umaideia global de como vai a esquerda, at porque em muitas regies do mundo as clivagenssociais e polticas so definidas em dicotomias distintas da dicotomia esquerda/direita. Porexemplo, secular/religioso, cristo/ muulmano, hindu/muulmano, branco/negro,etnicamente X/etnicamente Y.

    Na medida em que a dicotomia est presente, a definio dos seus termos , em parte,contextual. Nos EUA, o partido democrtico um partido de esquerda mas na Europa ou

    Amrica Latina seria considerado um partido de direita. O partido comunista chins deesquerda? Com estas cautelas, h que comear por perguntar: o que a esquerda?

    escala do mundo s possvel uma resposta minimalista. Esquerda toda a posio

    poltica que promove todos (ou a grande maioria dos) seguintes objetivos: luta contra adesigualdade e a discriminao sociais, por via de uma articulao virtuosa entre o valorda liberdade e o valor da igualdade defesa forte do pluralismo, tanto nos mdia como naeconomia, na educao e na cultura democratizao do Estado por via de valoresrepublicanos, participao cidad e independncia das instituies, em especial, dosistema judicial luta pela memria e pela reparao dos que sofreram (e sofrem) formasviolentas de opresso defesa de uma concepo forte de opinio pblica, que expressede modo equilibrado a diversidade de opinies defesa da soberania nacional e dasoberania nacional de outros pases resoluo pacfica dos conflitos internos einternacionais.

    Se esta definio, apesar de minimalista, parecer maximalista, isso j parte da minharesposta. Ou seja, olhando mundo nossa volta, um mundo de concentrao da riqueza aum nvel sem precedentes, de corruo endmica, de racismo e de xenofobia, deesvaziamento da democracia por via da privatizao do Estado por parte de interessespoderosos, de concentrao miditica, de guerras internacionais e civis de alta e de baixa

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    intensidade, no podemos deixar de concluir que um mundo assim no um mundocuidado pela esquerda. , de fato, um retrato cruel da crise da esquerda.

    A crise de 2008 e as medidas de austeridade impulsionaram movimentos de protestoem vrios pases, como na Espanha e na Grcia. H uma leitura global para isso? Aesquerda soube aproveitar o tempo de crise capitalista?

    As medidas de austeridade so o que fora da Europa sempre se chamou poltica de ajuste

    estrutural, uma poltica de que sempre foi campeo o FMI. So sempre medidas deprivatizao e de concentrao da riqueza nacional, de reduo das polticas sociais(sade, educao, penses etc.) e de diminuio do peso do Estado na economia e nasociedade. Tem-se chamado, a essa poltica, neoliberalismo.

    Essa poltica foi seguida nos ltimos 30 anos em muitas partes do mundo e, portanto,muito antes da crise de 2008. A crise de 2008 foi o resultado da desregulao do capitalfinanceiro na dcada anterior. E o mais dramtico foi que a crise foi 'resolvida' por quem acausou. Da a situao de volatilidade financeira permanente em que nos encontramos. NaEuropa, a crise de 2008 acabou por ser o pretexto para estender a poltica neoliberal auma das regies mais ricas do mundo.

    Os movimentos de protesto foram muito distintos mas tiveram, em geral, duas bandeiras: aluta contra a concentrao da riqueza (os 99% contra os 1%) e pela democracia real (nocaso da Primavera rabe era luta pela democracia sem adjetivos). Essas duas bandeirasesto inscritas no DNA da esquerda. Mas, na Europa, a esquerda social-democrtica(partidos socialistas e partido trabalhista ingls) tinham-se rendido h muito aoneoliberalismo atravs do que se chamou a terceira via, que, de fato, foi um beco semsada.

    Nessa esquerda no havia alternativa resoluo da crise financeira mesmo que tivessehavido poder para a impor. Na esquerda--esquerda houve novidades. Tanto na Grciacomo na Espanha houve vitrias importantes, a emergncia do Syriza e do Podemos.

    Mas o problema maior foi que a esquerda europeia no seu conjunto no se deu conta deque o Banco Central Europeu e o euro tinham sido criados segundo o mais puro catecismoneoliberal. Disso resultou que as instituies europeias so hoje mais neoliberais que osdiferentes Estados europeus e tm um poder enorme para intervir neles, sobretudo nosmais pequenos e perifricos.

    Na Amrica Latina, houve avanos nos partidos de esquerda no incio do sculo 21.Esse movimento continua? Parou? H retrocesso?

    Foi uma das novidades polticas mais brilhantes do sculo 21, num momento em que haviapoucas boas notcias no mundo. Teve causas e perfis diferentes nos vrios pases mas,em geral, os partidos ou movimentos de esquerda chegaram ao poder na base de fortesmobilizaes populares contra as polticas neoliberais. Essa energia progressista tinhasido anunciada com muito vigor no primeiro Frum Social Mundial em janeiro de 2001.

    Os avanos consistiram, por um lado, na ampliao da classe poltica governante quepassou a incluir membros das classes populares e dos movimentos sociais e sindicais(incluindo presidentes, no caso do Brasil, um operrio no caso da Bolvia, um indgena).

    E, por outro lado, em combinar a aceitao das regras impostas pela ordem econmicaglobal com polticas sociais compensatrias (na maioria no universais) que permitiramsignificativa redistribuio social e que, no conjunto, foram designadas como socialdemocracia latino-americana.

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    A ordem econmica global impunha na Amrica Latina um novo extrativismo, umaexplorao sem precedentes dos recursos naturais (agricultura industrial, exploraopetrolfera e mineira, megaprojetos hidreltricos e de outras infraestruturas) impulsionadopelo crescimento assombroso da China.

    O Estado acumulou recursos (tal como o sistema bancrio acumulou lucros), o quepermitiu uma redistribuio social significativa e uma grande ampliao do sistemaeducativo superior. Destes dois pilares surgiu uma nova classe mdia ansiosa por se

    integrar na sociedade de consumo.

    Qual sua avaliao sobre a grave crise que ocorre no Brasil? Por que a base polticada presidente se erodiu to rapidamente? H chance de impeachment?

    No momento em que o crescimento da China comeou a abrandar, este modelosocioeconmico comeou a colapsar. Para manter os nveis de redistribuio social serianecessrio tributar os mais ricos e isso no possvel em contexto de neoliberalismo. Asnovas classes mdias foram integradas pelo consumo e no pela cidadania.

    E pelo tipo de consumo que era prprio das velhas classes mdias e altas. No se pensou

    em novos tipos de consumo (transportes pblicos) nem em qualificar os servios pblicosque tinham agora mais clientes mais exigentes (dos servios de sade s universidades).

    A nova classe mdia tipicamente ingrata a quem lhe d condies para ascender aonovo estatuto e tende a identificar-se com os que esto acima dela e no com os queesto abaixo.

    Os que esto acima so os que sempre olharam com suspeita os governos progressistas.Alm de tudo, estes governos traziam uma nova classe poltica feita de gente de baixo quea gente de cima, numa sociedade classista e cheia de rano colonial, olhava e olha comdesprezo e at com repugnncia.

    Acontece que esta nova classe poltica, tambm ela prpria se quis identificar com a gentede cima que sempre tinha dominado o poder poltico durante muitas dcadas. Istosignificava governar moda antiga para atingir objetivos novos. Ou seja, tirar dagovernao os mesmos benefcios que a gente de cima sempre tinha tirado, quer por viaslegais, quer por vias ilegais.

    Foi, em parte, por isso que nunca se fez a anunciada reforma poltica. Foi uma tentaofatal porque os mesmos atos de governo, os mesmos erros e as mesmas ilegalidades tmconsequncias diferentes quando so cometidos por grupos sociais diferentes. No hhoje mais corruo no Brasil que nos perodos anteriores ela apenas mais visvel porqueh mais interesse poltico em exp-la.

    E no esqueamos a dimenso externa da crise poltica: o interesse do 'big brother' emque desapaream de cena governos nacionalistas que retiram ao mercado internacionalrecursos, como o Pr-Sal e a Petrobras. Est em curso na regio um novointervencionismo 'soft' de que iremos ter mais notcias.

    Se houver impeachment ser um enorme retrocesso para o processo democrticobrasileiro, pelo menos at se provar algum ato ilegal em que a presidente esteja envolvida,o que at agora no aconteceu.

    Eleita, a presidente adotou medidas contra teses da esquerda e desagradou boaparcela de seus apoiadores nesse campo. O que Dilma deveria fazer para recomporsua base? A crise desacreditou a esquerda?

    No estamos em tempo de coerncia poltica. Veja o caso do Syriza. A crise sempre

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    desacreditar a esquerda enquanto esta no aprender a desacreditar a crise. Emmomentos de crise, o nmero de bilionrios continua a crescer, o que significa que a criseno de todos e que, pelo contrrio, h muitos que enriquecem com ela.

    No caso do Brasil, tenho pena que a presidente no tenha avanado com a reformapoltica, o que implicava uma assembleia constituinte originria. Seria uma aposta difcil,mas era o nico tema em que a sua base podia ir buscar apoios mais amplos.

    Seria o comeo da resoluo de todos os outros problemas, num pas em que o poder doproselitismo endinheirado capturou a grande sede do poder dos cidados, o Congresso.Sem essa reforma poltica no ser possvel uma poltica de esquerda sustentvel.

    Muitos afirmam que o real alvo dessa crise poltica o ex-presidente Lula. O sr.concorda com essa viso?

    Concordo mas com mgoa. O fato de o PT precisar do regresso de Lula da Silva a provade que no pde ou no soube renovar-se. O presidente Lula tem j assegurado um lugardestacado na histria contemporneado Brasil.

    Muitas anlises consideram que o PT deve perder a eleio em 2018 em razo dosescndalos de corrupo e da forte recesso na economia. Qual seu ponto de vista?

    Normalmente essas anlises visam criar profecias auto-realizadas. A corrupo, venhadonde venha, deve ser punida. A recesso econmica no culpa do governo, tal como oboom anterior no foi criado por ele. A seu crdito est apenas o modo como o utilizoupara realizar uma redistribuio social que transformou o pas para sempre.

    A nova classe mdia, que agora se mostra ingrata ao PT, no ser mais leal durante muitotempo a outros governos. Para que seja leal ter de ser intimidada.

    Penso que se houver a curto prazo um ciclo poltico ps-PT, ele ser dominado pelainculcao do medo que leve resignao das classes mdias e populares perante umaquebra do nvel de vida que de todos modos vai ocorrer.

    Qual o futuro do PT? Alguns defendem que seria necessrio refazer as alianas esquerda para discutir um novo projeto. Estaria no horizonte a formao de um novopartido ou partidos de esquerda, como ocorreu, por exemplo, na Espanha?

    Costumo dizer que os socilogos so bons a prever o passado. As transformaes arealizar so de tal ordem que a questo do PT do futuro, ou, se quiser, da esquerda do

    futuro, implica a questo de saber se h ou no futuro para o PT ou para a esquerda. NaEuropa estamos a aprender pela via mais dolorosa que o que se no aprendeutranquilamente em tempos de bonana tem de se aprender aos solavancos em tempos deborrasca.

    H paralelos entre o PT e o PSOE? Ou entre o PT e o partido socialista francs?

    So histrias muito diferentes que enigmaticamente conduzem a presentes com fortessemelhanas. O PT nasceu de movimentos sociais de base popular com a radicalidadediscursiva da esquerda--esquerda.

    Mas com um programa moderado, reverente perante o FMI, e consistindo numa polticasocial-democrtica menos universal que a europeia, mas igualmente informada pela ideiade maximizar a justia social permitida pelo capitalismo.

    O PT o PSOE e o PS francs vivem o dilema de j no existir o capitalismo em que

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    podiam florescer. O neoliberalismo transformou a desigualdade social e o individualismoem suprema virtude (o empreendedorismo) e no se sente ameaado por nenhuma forasocial que o obrigue a agir de outro modo.

    Na Grcia, o Syriza venceu as eleies, o plebiscito, mas acabou cedendo troica.Quais os reflexos em outros partidos de esquerda? Eles podem ficar desacreditadoscom a ideia de que no conseguem levar adiante uma alternativa?

    O que se passa na Grcia um desafio total imaginao poltica, particularmente deesquerda. Nas prximas eleies (20 de setembro) o Syriza vai a votos com um programaque o oposto do aprovado no ltimo congresso do partido. um programa deausteridade e no de anti-austeridade e a traduo em grego do memorandum da troika.

    Os dissidentes do Syriza criaram um novo partido que vai a votos com o antigo programado Syriza, acrescentado da proposta da sada do euro e regresso ao dracma. provvelque o Syriza ganhe as eleies. [Alexis] Tsipras pensa mesmo na maioria absoluta, para oque lhe basta ter (segundo o sistema eleitoral grego) cerca de 40% dos votos.

    Ser imaginvel uma aliana ps-eleitoral entre o Syriza e os dissidentes do Syriza?

    Decididamente a realidade poltica corre hoje muito mais rpido que a anlise poltica, pelomenos na Europa.

    Na Espanha, o Podemos surgiu com uma nova fora. O partido uma refernciapara o movimento de esquerda no mundo de hoje? Por qu?

    O Podemos o partido que na Europa melhor interpretou a crise da democracia esvaziadade cidadania e ocupada por antidemocratas, plutocratas (detentores de dinheiro) e atcleptocratas (ladres). F-lo trazendo para a poltica os cidados que a teoria poltica (e aesquerda em particular) considerava despolitizados porque no participantes nem emmovimentos sociais nem em partidos.

    Ora, a grande maioria da populao no participa nem nuns nem noutros. E, por vezes,nem sequer vota. Mas isso no significa que no acompanhe a poltica nacional e no serevolte com a injustia e a corrupo. S no v meios credveis e eficazes para participar.O Podemos ofereceu-lhe esse meio.

    O que o Podemos tem de diferente em relao a partidos de esquerda tradicionais?Como ele deve ser definido? de esquerda, de centro-esquerda, moderado?

    O Podemos at agora a melhor formulao do que pode ser a esquerda no sculo 21.Tem de passar por uma reinveno da esquerda. Esse objetivo faz com que o Podemosnem sequer se reveja na dicotomia esquerda/direita tal como est a esquerda hoje. Massabe bem o que a direita e sabe que a direita est bem porque est no poder e porquetem a seu favor o capitalismo financeiro mundial o que lhe d um capital de confiana quenenhum grupo social lhe poderia dar. Nem sequer a burguesia nacional, se que esseconceito ainda hoje tem validade, dada a internacionalizao profunda do capitalismo.

    Podemos o primeiro partido a assumir o que muitos tericos (eu prprio includo)defenderam: para levar a srio a articulao entre democracia representativa e democraciaparticipativa, os partidos de esquerda tm de a adotar no seu seio.

    A escolha dos programas e dos candidatos tem de ser feita pelos mecanismos dedemocracia participativa, pelos cidados organizados em crculos temticos ou regionais.Quem ainda se lembra do oramento participativo de Porto Alegre sabe o que isso . Foi,alis, aqui que o Podemos bebeu a inspirao.

    O Podemos poder unificar as esquerdas na Espanha? Quais so os obstculos

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    para que isso ocorra? E a Esquerda Unida?

    Dificilmente, ainda que algum progresso interessante esteja a ser feito neste domnio aonvel das regies autnomas. Podemos tem feito um esforo notvel para essa unificao,o que nem sempre fcil por ser "a fora de cmbio" e no querer perder a sua identidadeno meio de outras (velhas) esquerdas. ainda muito grande o peso da histria naesquerda europeia e h muito individualismo egocntrico disfarado de diferena poltica.

    A Esquerda Unida saiu derrotada das ltimas eleies e busca reconstruir-se numa novafrente popular. Tem um jovem lder que podia estar no Podemos e a quem, alis, PabloIglesias props que integrasse a sua lista de candidatos. O aparelho do partido velho eno responde ao anseio de renovao do seu lder. Mas a Esquerda Unida tem na basemuitos quadros que podiam ser preciosos para a implantao sustentvel do Podemos.

    Quais as semelhanas e diferenas entre o Podemos e o Syriza?

    O Podemos uma emergncia dos movimentos dos indignados enquanto o Syriza temrazes na esquerda mais tradicional. O Syriza nunca ousaria problematizar se ou no deesquerda. Mas ambos so o resultado de uma conglomerao de foras polticas e

    movimentos sociais. Ambos viram bem a ameaa do neoliberalismo na Europa e ambosesto a mostrar grande flexibilidade.

    At onde pode ir essa flexibilidade uma incgnita. Por agora, o Podemos no vai maislonge do que se abrir a uma coligao com o PSOE. Penso que nunca iria to longequanto o Syriza na aceitao da austeridade europeia, no s porque a situao naEspanha muito diferente da grega, como, sobretudo, porque os crculos de cidados nopermitiriam.

    Um desgaste maior do Syriza poderia atingir o Podemos?

    Sim. No diretamente, mas atravs do peso que ter na opinio pblica uma eventualderrota incondicional do Syriza. O objetivo das instituies europeias liquidar qualquerhiptese de contestao poltica de austeridade. Se o Podemos se sair bem nasprximas eleies significar que os cidados no se esto a deixar intimidar pelaortodoxia de Bruxelas.

    *Desde a queda do Muro de Berlin (antes, talvez), as esquerdas no mundo parecemdesnorteadas. O sr. concorda com essa afirmao? Como explicar esse processo? Eleest sendo modificado agora? As esquerdasesto perdendo uma oportunidade histrica?*

    Ao longo do sculo passado, a esquerda foi constituda pela crena de que havia umaalternativa ao capitalismo. Todas as divises dentro da esquerda (revoluo/reformismo,luta armada/luta pacifica, comunismo/socialismo democrtico) partiram da possibilidadedessa alternativa.

    Quando, a partir da dcada de 1960, a social-democracia abandonou a ideia de alternativaao capitalismo, a sua poltica passou a centrar-se na ideia de regulao e tributao docapitalismo para permitir a paz social e garantir a justia social possvel atravs do estadode bem-estar.

    A existncia do Bloco de Leste fez com que o capitalismo aceitasse o compromisso. Findoo Bloco, no havia mais razes para aceitar limitaes to drsticas remunerao docapital. A queda de Muro de Berlim no foi apenas o fim do comunismo. Foi tambm o fimda social-democracia.

    Em debate na Espanha, o sr. falou de um movimento ainda embrionrio em Portugal.

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    O que ocorre?

    Est em curso uma reorganizao das foras de esquerda que eventualmente s darfrutos daqui a vrios anos. No presente perodo eleitoral (eleies em 4 de outubro) serotodas punidas (incluindo eventualmente o PS) com a possvel exceo do PartidoComunista Portugus, que tem um eleitorado leal e absorve como nenhum outro o voto deprotesto contra a injustia social.

    A punio da esquerda deve-se a trs fatores: o PS no se prope realizar uma polticamuito diferente da seguida pela coligao de direita no poder a esquerda--esquerda est,por agora, mais dividida que nunca o governo e as instituies europeias conseguiramconvencer os portugueses de que o pior j passou e que a poltica de austeridade deucerto.

    Por agora, Portugal um caso de sucesso. Sobre o que vir depois das eleies nada sediz.

    Endereo da pgina:

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