entrevista boaventura sousa santos

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4 [7 DEZ 2009] A Abrir » UNIVERSIDADES QUEREM QUALIFICAR DESEMPREGADOS Responsáveis universitários nortenhos admitiram que o Ensino Superior da região tem pela frente, além da sua função clássica, o desafio adicional de cooperar na formação de desempregados de baixa qualificação. Em causa estão sobretudo pessoas que a decadência do tecido industrial atirou para o desemprego na casa dos 40. EXCELÊNCIA. SOCIÓLOGO BOAVENTURA DE SOUSA SANTOS RECONHECIDO NO ESTRANGEIRO «As Universidades estão viciadas na gestão dos custos do papel higiénico» AO LONGO DESTE ANO, BOAVENTURA DE SOUSA SANTOS FOI DISTINGUIDO PELA ASSOCIAÇÃO INTERNACIONAL DE SOCIOLOGIA COM O PRÉMIO ADAM PODGÓRECKI E PELO GOVERNO BRASILEIRO. FALÁMOS COM O SOCIÓLOGO - QUE NESTE MOMENTO DESEMPENHA FUNÇÕES NA UNIVERSIDADE DE WISCONSIN - SOBRE ESTE RECONHECIMENTO E SOBRE O ESTADO DA INVESTIGAÇÃO E DO ENSINO SUPERIOR EM PORTUGAL. Andreia Arenga [email protected] Só este ano recebeu duas distinções. O que significam para si? Nunca fazemos o nosso trabalho nem tomamos as nossas posições a pensar em prémios, mas quando eles vêm, somos fortalecidos na convicção de que valeu a pena. Sobretudo quando o reconhecimento vem do es- trangeiro porque, entre nós, a mediocridade, as rivalida- des provincianas, as invejas tornam, parodoxalmente, tudo mais difícil. Em Outubro deste ano, a propósito dos dez anos da Implementação de Bo- lonha, disse que Portugal está a assistir a um «bran- queamento do Processo de Bolonha» e que Portugal é um dos piores exemplos na aplicação do modelo. O que está a falhar? Está a falhar o investi- mento nas Universidades que torne possível o ensino mais inovador e personaliza- do, que dê aos estudantes e professores boas condições de trabalho e, aos últimos, mais tempo livre para in- vestigação e oportunidades de promoção na carreira; a falta de formação cosmopo- lita das elites que governam as nossas universidades, muitas vezes desactualiza- das, burocratizadas, pouco internacionalizadas, zelosas dos seus pequenos quintais (também chamados faculda- des e departamentos) e de- masiado viciadas na gestão dos custos do papel higiéni- co; um movimento estudan- til e universitário forte que reivindique mais democracia e co-gestão nas nossas insti- tuições. Continua a ser difícil fazer investigação em Portugal? É hoje muito mais fácil do que era há anos em termos de recursos. É mais difícil em termos do tempo dispo- nível para a investigação. Temos de aprofundar ainda muito mais a internaciona- lização dos investigadores e ganharmos dimensão insti- tucional e peso político que nos permita concorrer em boas condições aos projec- tos europeus. Muitos estudantes, e até alguns reitores, consideram que se tem investido mais na Ciência do que no Ensino Superior propriamente dito. Concorda? Concordo. De acordo com dados pu- blicados pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, cerca de 62% dos desempregados são licen- ciados... É errado centrar todo o ensino universitário na sua necessidade de responder às supostas necessidades do mercado. Devemos investir na educação e na aplicação de conhecimento em todas as esferas da vida social e todos os níveis de governa- ção. Se investirmos numa so- ciedade verdadeiramente de conhecimento e não numa economia de conhecimento, as oportunidades para os jovens investigadores surgi- rão. Como vê a continuação de Mariano Gago no Ministé- rio da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior? Vejo muito bem, desde que ele neste mandato dedi- que tanta atenção à Univer- sidade como tem dedicado à investigação, um esforço notável de que os resultados são já visíveis. Tem trabalhado de perto com algumas universidades brasileiras, nomeadamente com a Universidade Federal de Minas Gerais. Como é o ensino da Ciência e da In- vestigação no Brasil? O Brasil dedica muito mais dinheiro à investigação. Tem uma elite gestora do sistema de investigação altamente eficiente. Não permite que nenhum grupo ou escola se aproprie da gestão dos cri- térios de excelência. Tem uma visão estratégica da in- ternacionalização. Tem feito um investimento notável na universidade pública que se repercute em maior exigên- cia de investigação por parte dos professores. + - » FALTA AUTONOMIA ÀS UNIVERSIDADES EUROPEIAS A conclusão é de um estudo divulgado em Bruxelas, pela Associação Euro- peia de Universidades que recolheu contributos de 34 conferências de rei- tores, incluindo de Portugal. O estudo abrange os sistemas dos 27 Estados- -membros da União Europeia e foi dividido em quatro áreas de autonomia: organizacional, financeira, de recursos humanos e académica. PERFIL Boaventura de Sousa Santos é Professor Catedrático da Facul- dade de Economia da Universidade de Coim- bra, Distinguished Legal Scholar da Faculdade de Direito da Universidade de Wisconsin-Madison e Global Legal Scholar da Universidade de Warwick. É Director do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, Director do Centro de Documen- tação 25 de Abril da mesma Universidade e Coordenador Cien- tífico do Observatório Permanente da Justiça Portuguesa. Tem publi- cado diversos trabalhos sobre globalização, sociologia do direito, epistemologia, democra- cia e direitos humanos, traduzidos em espanhol, inglês, italiano, francês e alemão. DISTINÇÕES PRÉMIO ADAM PODGÓRECKI Trata-se da mais eleva- da distinção atribuída na área da sociologia jurídi- ca. O prémio, criado em 2004, distingue alterna- damente investigadores de elevado mérito cien- tífico e jovens investiga- dores, sendo a primeira vez que é atribuído a um investigador português. GRAN-CRUZ DA ORDEM DO MÉRITO CULTURAL Criada em 1995, a Or- dem do Mérito Cultural é a mais alta comenda do governo brasileiro atribuída a personali- dades e instituições que se destacam pelas suas contribuições à Cultura brasileira e mundial. Ao longo de 14 anos, a Ordem do Mérito Cultural foi atribuída a várias personalidades de renome brasileiras e estrangeiras. Boaventura de Sousa Santos foi distinguido em 2009 com dois importantes prémios internacionais

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e co-gestão nas nossas insti- tuições. Só este ano recebeu duas distinções. O que significam para si? Nunca fazemos o nosso trabalho nem tomamos as nossas posições a pensar em prémios, mas quando eles vêm, somos fortalecidos na convicção de que valeu a pena. Sobretudo quando o reconhecimento vem do es- trangeiro porque, entre nós, a mediocridade, as rivalida- des provincianas, as invejas tornam, parodoxalmente, tudo mais difícil. PERFIL Muitos estudantes, e até [7 DEZ 2009]

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Page 1: Entrevista Boaventura SOusa Santos

4 [7 DEZ 2009]

A Abrir

» UNIVERSIDADES QUEREM QUALIFICAR DESEMPREGADOSResponsáveis universitários nortenhos admitiram que o Ensino Superior da região tem pela frente, além da sua função clássica, o desafi o adicional de cooperar na formação de desempregados de baixa qualifi cação. Em causa estão sobretudo pessoas que a decadência do tecido industrial atirou para o desemprego na casa dos 40.

EXCELÊNCIA. SOCIÓLOGO BOAVENTURA DE SOUSA SANTOS RECONHECIDO NO ESTRANGEIRO

«As Universidades estão viciadas na gestão dos custos do papel higiénico»AO LONGO DESTE ANO, BOAVENTURA DE SOUSA SANTOS FOI DISTINGUIDO PELA ASSOCIAÇÃO INTERNACIONAL DE SOCIOLOGIA COM O PRÉMIO ADAM PODGÓRECKI E PELO GOVERNO BRASILEIRO. FALÁMOS COM O SOCIÓLOGO - QUE NESTE MOMENTO DESEMPENHA FUNÇÕES NA UNIVERSIDADE DE WISCONSIN - SOBRE ESTE RECONHECIMENTO E SOBRE O ESTADO DA INVESTIGAÇÃO E DO ENSINO SUPERIOR EM PORTUGAL.

Andreia [email protected]

Só este ano recebeu duas distinções. O que significam para si?

Nunca fazemos o nosso trabalho nem tomamos as nossas posições a pensar em prémios, mas quando eles vêm, somos fortalecidos na convicção de que valeu a pena. Sobretudo quando o reconhecimento vem do es-trangeiro porque, entre nós, a mediocridade, as rivalida-des provincianas, as invejas tornam, parodoxalmente, tudo mais difícil.

Em Outubro deste ano, a propósito dos dez anos da Implementação de Bo-lonha, disse que Portugal está a assistir a um «bran-queamento do Processo de Bolonha» e que Portugal é um dos piores exemplos na aplicação do modelo. O que está a falhar?

Está a falhar o investi-mento nas Universidades que torne possível o ensino mais inovador e personaliza-do, que dê aos estudantes e professores boas condições de trabalho e, aos últimos, mais tempo livre para in-vestigação e oportunidades de promoção na carreira; a falta de formação cosmopo-lita das elites que governam as nossas universidades, muitas vezes desactualiza-das, burocratizadas, pouco internacionalizadas, zelosas dos seus pequenos quintais (também chamados faculda-des e departamentos) e de-masiado viciadas na gestão dos custos do papel higiéni-co; um movimento estudan-til e universitário forte que reivindique mais democracia

e co-gestão nas nossas insti-tuições.

Continua a ser difícil fazer investigação em Portugal?

É hoje muito mais fácil do que era há anos em termos de recursos. É mais difícil em termos do tempo dispo-nível para a investigação.

Temos de aprofundar ainda muito mais a internaciona-lização dos investigadores e ganharmos dimensão insti-tucional e peso político que nos permita concorrer em boas condições aos projec-tos europeus.

Muitos estudantes, e até

alguns reitores, consideram que se tem investido mais na Ciência do que no Ensino Superior propriamente dito. Concorda?

Concordo.

De acordo com dados pu-blicados pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino

Superior, cerca de 62% dos desempregados são licen-ciados...

É errado centrar todo o ensino universitário na sua necessidade de responder às supostas necessidades do mercado. Devemos investir na educação e na aplicação de conhecimento em todas as esferas da vida social e todos os níveis de governa-ção. Se investirmos numa so-ciedade verdadeiramente de conhecimento e não numa economia de conhecimento, as oportunidades para os jovens investigadores surgi-rão.

Como vê a continuação de Mariano Gago no Ministé-rio da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior?

Vejo muito bem, desde que ele neste mandato dedi-que tanta atenção à Univer-sidade como tem dedicado à investigação, um esforço notável de que os resultados são já visíveis.

Tem trabalhado de perto com algumas universidades brasileiras, nomeadamente com a Universidade Federal de Minas Gerais. Como é o ensino da Ciência e da In-vestigação no Brasil?

O Brasil dedica muito mais dinheiro à investigação. Tem uma elite gestora do sistema de investigação altamente eficiente. Não permite que nenhum grupo ou escola se aproprie da gestão dos cri-térios de excelência. Tem uma visão estratégica da in-ternacionalização. Tem feito um investimento notável na universidade pública que se repercute em maior exigên-cia de investigação por parte dos professores.

+ -» FALTA AUTONOMIA ÀS UNIVERSIDADES EUROPEIAS A conclusão é de um estudo divulgado em Bruxelas, pela Associação Euro-peia de Universidades que recolheu contributos de 34 conferências de rei-tores, incluindo de Portugal. O estudo abrange os sistemas dos 27 Estados--membros da União Europeia e foi dividido em quatro áreas de autonomia: organizacional, fi nanceira, de recursos humanos e académica.

PERFILBoaventura de Sousa Santos é Professor Catedrático da Facul-dade de Economia da Universidade de Coim-bra, Distinguished Legal Scholar da Faculdade de Direito da Universidade de Wisconsin-Madison e Global Legal Scholar da Universidade de Warwick. É Director do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, Director do Centro de Documen-tação 25 de Abril da mesma Universidade e Coordenador Cien-tífi co do Observatório Permanente da Justiça Portuguesa. Tem publi-cado diversos trabalhos sobre globalização, sociologia do direito, epistemologia, democra-cia e direitos humanos, traduzidos em espanhol, inglês, italiano, francês e alemão.

DISTINÇÕES

PRÉMIO ADAM PODGÓRECKITrata-se da mais eleva-da distinção atribuída na área da sociologia jurídi-ca. O prémio, criado em 2004, distingue alterna-damente investigadores de elevado mérito cien-tífi co e jovens investiga-dores, sendo a primeira vez que é atribuído a um investigador português.

GRAN-CRUZ DA ORDEM DO MÉRITO CULTURALCriada em 1995, a Or-dem do Mérito Cultural é a mais alta comenda do governo brasileiro atribuída a personali-dades e instituições que se destacam pelas suas contribuições à Cultura brasileira e mundial. Ao longo de 14 anos, a Ordem do Mérito Cultural foi atribuída a várias personalidades de renome brasileiras e estrangeiras.

Boaventura de Sousa Santos foi distinguido em 2009 com dois importantes prémios internacionais