boaventura de souza santos_globalização

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  • 8/13/2019 Boaventura de Souza Santos_Globalizao

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    http://www.eurozine.com/articles/2002-08-22-santos-pt.html

    Boaventura de Sousa Santos

    OS PROCESSOS DA GLOBALIZAO

    1. Introduo

    Nas trs ltimas dcadas! as interac"#es transnacionais conheceram umaintensi$ica"%o dram&tica! desde a 'lo(aliza"%o dos sistemas de produ"%o e dastrans$erncias $inanceiras! ) dissemina"%o! a uma escala mundial! de in$orma"%o eima'ens atravs dos meios de comunica"%o social ou )s desloca"#es em massa depessoas! *uer como turistas! *uer como tra(alhadores mi'rantes ou re$u'iados. +e,traordin&ria amplitude e pro$undidade destas interac"#es transnacionais levaram a*ue al'uns autores as vissem como ruptura em rela"%o )s anteriores $ormas de

    interac"#es trans$ronteiri"as! um $enmeno novo desi'nado por 'lo(aliza"%o eatherstone! 103 4iddens! 103 +l(row e 5in'! 106! $orma"%o 'lo(al 7hase-unn! 116! cultura 'lo(al +ppadurai! 10! 193 o(ertson! 126! sistema'lo(al S;lair! 116! modernidades 'lo(ais

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    +ntes de propor uma interpreta"%o da 'lo(aliza"%o contempornea! descreverei(revemente as suas caracterIsticas dominantes! vistas de uma perspectivaeconmica! polItica e cultural. e passo aludirei aos trs de(ates mais importantes*ue tem suscitado! $ormul&veis em termos das se'uintes *uest#es: 16 a 'lo(aliza"%o um $enmeno novo ou velhoJ3 26 a 'lo(aliza"%o monolItica! ou tem aspectospositivos e aspectos ne'ativosJ3 K6 aonde conduz a crescente intensi$ica"%o da'lo(aliza"%oJ Nos de(ates acerca da 'lo(aliza"%o h& uma $orte tendncia para reduzi-la )s suas dimens#es econmicas. Sem duvidar da importncia de tal dimens%o!penso *ue necess&rio dar i'ual aten"%o )s dimens#es social! polItica e cultural.

    alar de caracterIsticas dominantes da 'lo(aliza"%o pode transmitir a ideia de *ue a'lo(aliza"%o n%o s um processo linear! mas tam(m um processo consensual.Lrata-se o(viamente de uma ideia $alsa! como se mostrar& adiante. @as apesar de$alsa ! ela prpria! tam(m dominante. E sendo $alsa! n%o dei,a de ter uma ponta deverdade. + 'lo(aliza"%o! lon'e de ser consensual! ! como veremos! um vasto eintenso campo de con$litos entre 'rupos sociais! Estados e interesses he'emnicos!por um lado! e 'rupos sociais! Estados e interesses su(alternos! por outro3 e mesmo

    no interior do campo he'emnico h& divis#es mais ou menos si'ni$icativas. Noentanto! por so(re todas as suas divis#es internas! o campo he'emnico actua na(ase de um consenso entre os seus mais in$luentes mem(ros. M esse consenso *uen%o s con$ere ) 'lo(aliza"%o as suas caracterIsticas dominantes! como tam(mle'itima estas ltimas como as nicas possIveis ou as nicas ade*uadas. aI *ue! damesma $orma *ue aconteceu com os conceitos *ue a precederam! tais comomoderniza"%o e desenvolvimento! o conceito de 'lo(aliza"%o tenha uma componentedescritiva e uma componente prescritiva. ada a amplitude dos processos em Do'o! aprescri"%o um conDunto vasto de prescri"#es todas elas ancoradas no consensohe'emnico. Este consenso conhecido por consenso neoli(eral ou 7onsenso deashin'ton por ter sido em ashin'ton! em meados da dcada de oitenta! *ue ele$oi su(scrito pelos Estados centrais do sistema mundial! a(ran'endo o $uturo da

    economia mundial! as polIticas de desenvolvimento e especi$icamente o papel doEstado na economia. Nem todas as dimens#es da 'lo(aliza"%o est%o inscritas domesmo modo neste consenso! mas todas s%o a$ectadas pelo seu impacto. Oconsenso neoli(eral propriamente dito um conDunto de *uatro consensos adiantemencionados dos *uais decorrem outros *ue ser%o i'ualmente re$eridos. Esteconsenso est& hoDe relativamente $ra'ilizado em virtude de os crescentes con$litos nointerior do campo he'emnico e da resistncia *ue tem vindo a ser prota'onizada pelocampo su(alterno ou contra-he'emnico. Psto tanto assim *ue o perIodo actual D&desi'nado por ps-7onsenso de ashin'ton. No entanto! $oi esse consenso *ue nostrou,e at a*ui e por isso sua a paternidade das caracterIsticas hoDe dominantes da'lo(aliza"%o.

    Os di$erentes consensos *ue constituem o consenso neoli(eral partilham uma ideia-$or"a *ue! como tal! constitui um meta consenso. Essa ideia a de *ue estamos aentrar num perIodo em *ue desapareceram as cliva'ens polIticas pro$undas. +srivalidades imperialistas entre os paIses he'emnicos! *ue no sculo QQ provocaramduas 'uerras mundiais! desapareceram! dando ori'em ) interdependncia entre as'randes potncias! ) coopera"%o e ) inte'ra"%o re'ionais. RoDe em dia! e,istemapenas pe*uenas 'uerras! *uase todas na peri$eria do sistema mundial e muitas delasde (ai,a intensidade. e todo o modo! os paIses centrais! atravs de v&riosmecanismos interven"#es selectivas! manipula"%o da aDuda internacional! controloatravs da dIvida e,terna6! tm meios para manter so( controlo esses $ocos deinsta(ilidade. For sua vez! os con$litos entre capital e tra(alho *ue! por de$icienteinstitucionaliza"%o! contri(uIram para a emer'ncia do $ascismo e do nazismo!aca(aram sendo plenamente institucionalizados nos paIses centrais depois daSe'unda 4uerra @undial. RoDe! num perIodo ps-$ordista! tais con$litos est%o a ser

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    relativamente desinstitucionalizados sem *ue isso cause *ual*uer insta(ilidadepor*ue! entretanto! a classe oper&ria $ra'mentou-se e est%o hoDe a emer'ir novoscompromissos de classe menos institucionalizados e a ter lu'ar em conte,tos menoscorporativistas.

    este metaconsenso $az ainda parte a ideia de *ue desapareceram i'ualmente ascliva'ens entre di$erentes padr#es de trans$orma"%o social. Os trs primeiros *uartisdo sculo QQ $oram dominados pelas rivalidades entre dois padr#es anta'nicos: arevolu"%o e o re$ormismo. Ora se! por um lado! o colapso da Hni%o Sovitica e a*ueda do @uro de Berlim si'ni$icaram o $im do paradi'ma revolucion&rio! a crise doEstado-Frovidncia nos paIses centrais e semiperi$ricos si'ni$ica *ue est& i'ualmentecondenado o paradi'ma re$ormista. O con$lito Geste/Oeste desapareceu e arrastouconsi'o o con$lito Norte/Sul *ue nunca $oi um verdadeiro con$lito e *ue a'ora umcampo $rtil de interdependncias e coopera"#es. Em $ace disto! a trans$orma"%osocial ! a partir de a'ora! n%o uma *uest%o polItica! e sim uma *uest%o tcnica. Elan%o mais *ue a repeti"%o acelerada das rela"#es cooperativas entre 'rupos sociaise entre Estados.

    u;uAama 126! com a sua ideia do $im da histria! deu e,press%o e divul'a"%o aeste metaconsenso. Runtin'ton 1K6 secundou-o com a sua ideia do cho*ue deciviliza"#es! ao de$ender *ue as cliva'ens tinham dei,ado de ser polIticas parapassarem a ser civilizacionais. M a ausncia das cliva'ens polIticas da modernidadeocidental *ue leva Runtin'ton a reinvent&-las em termos de uma ruptura entre oOcidente! a'ora entendido como tipo de civiliza"%o! e o *ue misteriosamente desi'napor cone,%o islmica con$ucionista. Este metaconsenso e os *ue decorremsu(Dazem )s caracterIsticas dominantes da 'lo(aliza"%o em suas mltiplas $acetas ase'uir descritas. Felo *ue $icou dito atr&s e pela an&lise *ue se se'uir&! torna-se claro*ue as caracterIsticas dominantes da 'lo(aliza"%o s%o as caracterIsticas da'lo(aliza"%o dominante ou he'emnica. @ais adiante $aremos a distin"%o! para ns

    crucial! entre 'lo(aliza"%o he'emnica e 'lo(aliza"%o contra-he'emnica.

    2. A global!ao "#on$%#a " o &"olb"ral'%o

    r(el! Reinrichs e 5reAe 1806 $oram provavelmente os primeiros a $alar! no inIcio dadcada de oitenta! da emer'ncia de uma nova divis%o internacional do tra(alho!(aseada na 'lo(aliza"%o da produ"%o levada a ca(o pelas empresas multinacionais!'radualmente convertidas em actores centrais da nova economia mundial. Os tra"osprincipais desta nova economia mundial s%o os se'uintes: economia dominada pelosistema $inanceiro e pelo investimento ) escala 'lo(al3 processos de produ"%o$le,Iveis e multilocais3 (ai,os custos de transporte3 revolu"%o nas tecnolo'ias dein$orma"%o e de comunica"%o3 desre'ula"%o das economias nacionais3 preeminnciadas a'ncias $inanceiras multilaterais3 emer'ncia de trs 'randes capitalismostransnacionais: o americano! (aseado nos EH+! e nas rela"#es privile'iadas destepaIs com o 7anad&! o @,ico e a +mrica Gatina3 o Dapons! (aseado no ?ap%o e nassuas rela"#es privile'iadas com os *uatro pe*uenos ti'res e com o resto da Tsia3 e oeuropeu! (aseado na Hni%o Europeia e nas rela"#es privile'iadas desta com a Europade Geste e com o Norte de T$rica. Estas trans$orma"#es tm vindo a atravessar todo osistema mundial! ainda *ue com intensidade desi'ual consoante a posi"%o dos paIsesno sistema mundial. +s implica"#es destas trans$orma"#es para as polIticaseconmicas nacionais podem ser resumidas nas se'uintes orienta"#es ou e,i'ncias:as economias nacionais devem a(rir-se ao mercado mundial e os pre"os domsticosdevem tendencialmente ade*uar-se aos pre"os internacionais3 deve ser dada

    prioridade ) economia de e,porta"%o3 as polIticas monet&rias e $iscais devem serorientadas para a redu"%o da in$la"%o e da dIvida p(lica e para a vi'ilncia so(re a(alan"a de pa'amentos3 os direitos de propriedade privada devem ser claros e

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    inviol&veis3 o sector empresarial do Estado deve ser privatizado3 a tomada de decis%oprivada! apoiada por pre"os est&veis! deve ditar os padr#es nacionais deespecializa"%o3 a mo(ilidade dos recursos! dos investimentos e dos lucros3 are'ula"%o estatal da economia deve ser mInima3 deve reduzir-se o peso das polIticassociais no or"amento do Estado! reduzindo o montante das trans$erncias sociais!eliminando a sua universalidade! e trans$ormando-as em meras medidascompensatrias em rela"%o aos estratos sociais ine*uivocamente vulnera(ilizadospela actua"%o do mercado.U1V7entrando-se no impacto ur(ano da 'lo(aliza"%oeconmica! Sas;ia Sassen detecta mudan"as pro$undas na 'eo'ra$ia! na composi"%oe estrutura institucional da economia 'lo(al Sassen! 1>: 106. No *ue respeita )nova 'eo'ra$ia! ar'umenta *ue comparativamente aos anos cin*uenta! os anosoitenta conheceram um estreitamento da 'eo'ra$ia da economia 'lo(al e aacentua"%o do ei,o Este-Geste. Psto torna-se evidente com o enorme crescimento doinvestimento dentro do *ue muitas vezes denominado pela Trade: os EstadosHnidos da +mrica! a Europa Ocidental e o ?ap%o Sassen! 1>:106. OutracaracterIstica da nova 'eo'ra$ia *ue o investimento estran'eiro directo! do *ual!durante uns tempos! a +mrica Gatina $oi o maior (ene$ici&rio! diri'iu-se para Geste!

    Sul e Sudeste +si&tico! onde a ta,a anual de crescimento aumentou em mdia K9Wpor ano entre 18= e 18. For outro lado! en*uanto nos anos cin*uenta o maior $lu,ointernacional era o comrcio mundial! concentrado nas matrias-primas! outrosprodutos prim&rios e recursos manu$acturados! a partir dos anos oitenta a distnciaentre o crescimento da ta,a de e,porta"#es e o crescimento da ta,a dos $lu,os$inanceiros aumentou drasticamente: aps a crise de 181-82 e at 10! oinvestimento estran'eiro directo 'lo(al cresceu em mdia 2W por ano! uma su(idahistrica Sassen! 1>: 1>6.

    For $im! no *ue toca ) estrutura institucional! Sassen de$ende *ue estamos perante umnovo re'ime internacional! (aseado na ascendncia da (anca e dos servi"osinternacionais. +s empresas multinacionais s%o a'ora um importante elemento na

    estrutura institucional! Duntamente com os mercados $inanceiros 'lo(ais e com os(locos comerciais transnacionais. e acordo com Sassen! todas estas mudan"ascontri(uIram para a $orma"%o de novos locais estrat'icos na economia mundial:zonas de processamento para e,porta"%o! centros $inanceiros o$$shore e cidades'lo(ais Sassen! 1>: 186. Hma das trans$orma"#es mais dram&ticas produzidas pela'lo(aliza"%o econmica neoli(eral reside na enorme concentra"%o de podereconmico por parte das empresas multinacionais: das 100 maiores economias domundo! >9 s%o empresas multinacionais3 90W do comrcio mundial controlado por=00 empresas multinacionais3 1W das empresas multinacionais detm =0W doinvestimento directo estran'eiro 7lar;e! 1C6.

    Em suma! a 'lo(aliza"%o econmica sustentada pelo consenso econmico

    neoli(eral cuDas trs principais inova"#es institucionais s%o: restri"#es dr&sticas )re'ula"%o estatal da economia3 novos direitos de propriedade internacional parainvestidores estran'eiros! inventores e criadores de inova"#es susceptIveis de seremo(Decto de propriedade intelectual o(inson! 1=: K9K63 su(ordina"%o dos Estadosnacionais )s a'ncias multilaterais tais como o Banco @undial! o undo @onet&rioPnternacional @P6 e a Or'aniza"%o @undial do 7omrcio. ado o car&cter 'eral desteconsenso! as receitas em *ue ele se traduziu $oram aplicadas! ora com e,tremo ri'oro *ue desi'no por modo da Daula de $erro6! ora com al'uma $le,i(ilidade o modo daDaula de (orracha6. For e,emplo! os paIses asi&ticos evitaram durante muito tempoaplicar inte'ralmente as receitas e al'uns deles! como! por e,emplo! a Xndia e a@al&sia! conse'uiram at hoDe aplic&-las apenas selectivamente.

    7omo veremos a se'uir! s%o os paIses peri$ricos e semiperi$ricos os *ue mais est%osuDeitos )s imposi"#es do receitu&rio neoli(eral! uma vez *ue este trans$ormado

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    pelas a'ncias $inanceiras multilaterais em condi"#es para a rene'ocia"%o da dIvidae,terna atravs dos pro'ramas de aDustamento estrutural. @as! dado o crescentepredomInio da l'ica $inanceira so(re a economia real! mesmo os Estados centrais!cuDa dIvida p(lica tem vindo a aumentar! est%o suDeitos )s decis#es das a'ncias$inanceiras de ratin'! ou seDa! das empresas internacionalmente acreditadas paraavaliar a situa"%o $inanceira dos Estados e os conse*uentes riscos e oportunidades*ue eles o$erecem aos investidores internacionais. For e,emplo! a (ai,a de notadecretada pela empresa @oodA

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    manuten"%o de um e*uilI(rio delicado entre os trs parceiros milita contra *ual*uerpossi(ilidade de um tratamento srio )s *uest#es da redistri(ui"%o de rendimentos!mesmo *ue mem(ros da elite e,pressem um apoio ao princIpio terico daredistri(ui"%o de rendimentos 19: 2886. Em compara"#es mais recentes entre osmodelos e padr#es de desi'ualdade social da +mrica Gatina e do Geste +si&tico!Evans acrescenta outros $actores *ue! em sua opini%o! podem ter contri(uIdo para *ueo modelo de desenvolvimento asi&tico tenha produzido relativamente menosdesi'ualdades *ue o modelo (rasileiro. Entre esses $actores conta(iliza! a $avor domodelo asi&tico! a maior autonomia do Estado! a e$icincia da (urocracia estatal! are$orma a'r&ria e a e,istncia de um perIodo inicial de protec"%o em rela"%o aocapitalismo dos paIses centrais 1896.U2V

    M hoDe evidente *ue a ini*uidade da distri(ui"%o da ri*ueza mundial se a'ravou nasduas ltimas dcadas: => dos 8> paIses menos desenvolvidos viram o seu FNB percapita decrescer nos anos 803 em 1> deles a diminui"%o rondou os K=W3 se'undo oelatrio do Fro'rama para o esenvolvimento das Na"#es Hnidas de 2001 FNH!20016! mais de 1!2 (ili#es de pessoas pouco menos *ue 1/> da popula"%o mundial6

    vivem na po(reza a(soluta! ou seDa! com um rendimento in$erior a um dlar por dia eoutros 2!8 (ili#es vivem apenas com o do(ro desse rendimento FNH! 2001: 6.UKVSe'undo o elatrio do esenvolvimento do Banco @undial de 1=! o conDunto dospaIses po(res! onde vive 8=!2W da popula"%o mundial! detm apenas 21!=W dorendimento mundial! en*uanto o conDunto dos paIses ricos! com 1>!8W da popula"%omundial! detm 98!=W do rendimento mundial. Hma $amIlia a$ricana mdia consomehoDe 20W menos do *ue consumia h& 2= anos. Se'undo o Banco @undial! ocontinente a$ricano $oi o nico em *ue! entre 190 e 19! se veri$icou um decrscimoda produ"%o alimentar orld Ban;! 186. O aumento das desi'ualdades tem sidot%o acelerado e t%o 'rande *ue ade*uado ver as ltimas dcadas como uma revoltadas elites contra a redistri(ui"%o da ri*ueza com a *ual se p#e $im ao perIodo de umacerta democratiza"%o da ri*ueza iniciado no $inal da Se'unda 4uerra @undial.

    Se'undo o elatrio do esenvolvimento Rumano do FNH relativo a 1! os 20Wda popula"%o mundial a viver nos paIses mais ricos detinham! em 19! 8CW doproduto (ruto mundial! en*uanto os 20W mais po(res detinham apenas 1W. Se'undoo mesmo elatrio! mas relativo a 2001! no *uinto mais rico concentram-se 9W dosutilizadores da internet. +s desi'ualdades neste domInio mostram *u%o distantesestamos de uma sociedade de in$orma"%o verdadeiramente 'lo(al. + lar'ura da (andade comunica"%o electrnica de S%o Faulo! uma das sociedades 'lo(ais! superior )de T$rica no seu todo. E a lar'ura da (anda usada em toda a +mrica Gatina *uasei'ual ) disponIvel para a cidade de Seul FNH! 2001: K6.

    Nos ltimos trinta anos a desi'ualdade na distri(ui"%o dos rendimentos entre paIsesaumentou dramaticamente. + di$eren"a de rendimento entre o *uinto mais rico e o

    *uinto mais po(re era! em 1C0! de K0 para 1! em 10! de C0 para 1 e! em 19! de9> para 1. +s 200 pessoas mais ricas do mundo aumentaram para mais do do(ro asua ri*ueza entre 1> e 18. + ri*ueza dos trs mais ricos (ilion&rios do mundoe,cede a soma do produto interno (ruto dos >8 paIses menos desenvolvidos domundo FNH! 20016.

    + concentra"%o da ri*ueza produzida pela 'lo(aliza"%o neoli(eral atin'e propor"#esescandalosas no paIs *ue tem liderado a aplica"%o do novo modelo econmico! osEH+. ?& no $inal da dcada de oitenta! se'undo dados do ederal eserve Ban;! 1Wdas $amIlias norte-americanas detinha >0W da ri*ueza do paIs e as 20W mais ricasdetinham 80W da ri*ueza do paIs. Se'undo o Banco! esta concentra"%o n%o tinhaprecedentes na histria dos EH+! nem compara"%o com os outros paIsesindustrializados @ander! 1C: 116.

    http://www.eurozine.com/articles/2002-08-22-santos-pt.html#footNoteNUM2http://www.eurozine.com/articles/2002-08-22-santos-pt.html#footNoteNUM3http://www.eurozine.com/articles/2002-08-22-santos-pt.html#footNoteNUM3http://www.eurozine.com/articles/2002-08-22-santos-pt.html#footNoteNUM2http://www.eurozine.com/articles/2002-08-22-santos-pt.html#footNoteNUM3
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    No domInio da 'lo(aliza"%o social! o consenso neoli(eral o de *ue o crescimento e aesta(ilidade econmicos assentam na redu"%o dos custos salariais! para o *ue necess&rio li(eralizar o mercado de tra(alho! reduzindo os direitos la(orais! proi(indoa inde,a"%o dos sal&rios aos 'anhos de produtividade e os aDustamentos em rela"%oao custo de vida e eliminando a prazo a le'isla"%o so(re sal&rio mInimo. O o(Dectivo impedir o impacto in$lacion&rio dos aumentos salariais. + contrac"%o do poder decompra interno *ue resulta desta polItica deve ser suprida pela (usca de mercadose,ternos. + economia ! assim! dessocializada! o conceito de consumidor su(stitui ode cidad%o e o critrio de inclus%o dei,a de ser o direito para passar a ser a solvncia.Os po(res s%o os insolventes o *ue inclui os consumidores *ue ultrapassam oslimites do so(reendividamento6. Em rela"%o a eles devem adoptar-se medidas de lutacontra a po(reza! de pre$erncia medidas compensatrias *ue minorem! mas n%oeliminem! a e,clus%o! D& *ue esta um e$eito inevit&vel e! por isso! Dusti$icado6 dodesenvolvimento assente no crescimento econmico e na competitividade a nIvel'lo(al. Este consenso neoli(eral entre os paIses centrais imposto aos paIsesperi$ricos e semiperi$ricos atravs do controlo da dIvida e,terna e$ectuado peloundo @onet&rio Pnternacional e pelo Banco @undial. aI *ue estas duas institui"#es

    seDam consideradas respons&veis pela 'lo(aliza"%o da po(reza 7hossudovs;A!196. + nova po(reza 'lo(alizada n%o resulta de $alta de recursos humanos oumateriais! mas t%o s do desempre'o! da destrui"%o das economias de su(sistncia eda minimiza"%o dos custos salariais ) escala mundial.

    Se'undo a Or'aniza"%o @undial de Sade! os paIses po(res tm a seu car'o 0Wdas doen"as *ue ocorrem no mundo! mas n%o tm mais do 10W dos recursos'lo(almente 'astos em sade3 1/= da popula"%o mundial n%o tem *ual*uer acesso aservi"os de sade modernos e metade da popula"%o mundial n%o tem acesso amedicamentos essenciais. + &rea da sade talvez a*uela em *ue de modo maischocante se revela a ini*uidade do mundo. Se'undo o ltimo elatrio doesenvolvimento Rumano das Na"#es Hnidas! em 18! C8 milh#es de pessoas n%o

    tinham acesso a &'ua pot&vel! 2!> (ili#es pouco menos *ue metade da popula"%omundial6 n%o tinha acesso a cuidados (&sicos de sade3 em 2000! K> milh#es depessoas estavam in$ectadas com RPZ/SP+! dos *uais 2>!= milh#es na T$ricasu(sahariana HN+PS! 2000: C63 em 18! morriam anualmente 12 milh#es decrian"as com menos de = anos6 de doen"as cur&veis HNP7E! 20006. +s doen"as*ue mais a$ectam a popula"%o po(re do mundo s%o a mal&ria! a tu(erculose e adiarreia.U>V+nte este *uadro n%o pode ser mais chocante a distri(ui"%o mundial dos'astos com a sade e a investi'a"%o mdica. For e,emplo! apenas 0!1W door"amento da pes*uisa mdica e $armacutica mundial - cerca de 100 milh#es dedlares em 18 FNH! 2001: K6 - destinado ) mal&ria! en*uanto a *uasetotalidade dos 2C!> (ili#es de dlares investidos em pes*uisa pelas multinacionais$armacuticas se destina )s chamadas doen"as dos paIses ricos: cancro! doen"as

    cardiovasculares! do sistema nervoso! doen"as endcrinas e do meta(olismo. O *uen%o admira se tivermos em mente *ue a +mrica Gatina representa apenas >W dasvendas $armacuticas 'lo(ais e a T$rica! 1W. M por isso tam(m *ue apenas 1W dasnovas dro'as comercializadas pelas companhias $armacuticas multinacionais entre19= e 19 se destinaram especi$icamente ao tratamento de doen"as tropicais *uea$ectam o Lerceiro @undo Silverstein! 16.

    +pesar do aumento chocante da desi'ualdade entre paIses po(res e paIses ricos!apenas > destes ltimos cumprem a sua o(ri'a"%o moral de contri(uir com 0.9W doFroduto Pnterno Bruto para a aDuda ao desenvolvimento. +li&s! se'undo dados daO7E! esta percenta'em diminui entre 189 e 19 de 0!KK para 0!22 O7E/+7!20006. O mais perverso dos pro'ramas de aDuda internacional o $acto de elesocultarem outros mecanismos de trans$erncias $inanceiras em *ue os $lu,os s%opredominantemente dos paIses mais po(res para os paIses mais ricos. M o *ue se

    http://www.eurozine.com/articles/2002-08-22-santos-pt.html#footNoteNUM4http://www.eurozine.com/articles/2002-08-22-santos-pt.html#footNoteNUM4
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    passa! por e,emplo! com a dIvida e,terna. O valor total da dIvida e,terna dos paIsesda T$rica su(sahariana em milh#es de dlares6 aumentou entre 180 e 1= de8>.11 para 22C.>8K3 no mesmo perIodo! e em percenta'em do FPB! aumentou deK0!CW para 81!KW e! em percenta'em de e,porta"#es! de 1!9W para 2>1!9W orldBan;! 19: 2>96. No $inal do sc. QQ! a T$rica pa'ava 1!K1 dlar de dIvida e,terna porcada dlar de aDuda internacional *ue rece(ia orld Ban;! 20006. O undo @onet&rioPnternacional tem (asicamente $uncionado como a institui"%o *ue 'arante *ue ospaIses po(res! muitos deles cada vez mais po(res e individados! pa'uem as suasdIvidas aos paIses ricos Estados! (ancos privados! a'ncias multilaterais6 nascondi"#es Duros! por e,emplo6 impostas por estes. @as as trans$erncias lI*uidas doSul para o Norte assumem muitas outras $ormas como! por e,emplo! a $u'a doscre(ros: se'undo as Na"#es Hnidas! cerca de 100.000 pro$issionais indianosimi'ram para os EH+! o *ue corresponde a uma perda de 2 (ili#es de dlares para aXndia FNH! 2001: =6.

    ). A global!ao *ol+t#a " o E'tado,nao

    + nova divis%o internacional do tra(alho! conDu'ada com a nova economia polIticapr-mercado! trou,e tam(m al'umas importantes mudan"as para o sistemainterestatal! a $orma polItica do sistema mundial moderno. For um lado! os Estadoshe'emnicos! por eles prprios ou atravs das institui"#es internacionais *uecontrolam em particular as institui"#es $inanceiras multilaterais6! comprimiram aautonomia polItica e a so(erania e$ectiva dos Estados peri$ricos e semiperi$ricoscom uma intensidade sem precedentes! apesar de a capacidade de resistncia ene'ocia"%o por parte destes ltimos poder variar imenso. U=VFor outro lado! acentuou-sea tendncia para os acordos polIticos interestatais Hni%o Europeia! N+L+!@ercosul6. No caso da Hni%o Europeia! esses acordos evoluIram para $ormas deso(erania conDunta ou partilhada. For ltimo! ainda *ue n%o menos importante! oEstado-na"%o parece ter perdido a sua centralidade tradicional en*uanto unidade

    privile'iada de iniciativa econmica! social e polItica. + intensi$ica"%o de interac"#es*ue atravessam as $ronteiras e as pr&ticas transnacionais corroem a capacidade doEstado-na"%o para conduzir ou controlar $lu,os de pessoas! (ens! capital ou ideias!como o $ez no passado.

    O impacto do conte,to internacional na re'ula"%o do Estado-na"%o! mais do *ue um$enmeno novo! inerente ao sistema interestatal moderno e est& inscrito no prprioLratado de estphalia 1C>86 *ue o constitui. Lam(m n%o novo o $acto de oconte,to internacional tendencialmente e,ercer uma in$luncia particularmente $orte nocampo da re'ula"%o DurIdica da economia! como o testemunham os v&rios proDectosde modeliza"%o e uni$ica"%o do direito econmico desenvolvidos ao lon'o do sculoQQ! por especialistas de direito comparado e concretizados por or'aniza"#esinternacionais e 'overnos nacionais. 7omo os prprios nomes dos proDectos indicam!a press%o internacional tem sido! tradicionalmente! no sentido da uni$ormiza"%o e danormaliza"%o! o *ue (em ilustrado pelos proDectos pioneiros de Ernest a(el! eminIcios da dcada de K0! e pela constitui"%o do Pnstituto Pnternacional para a Hni$ica"%odo ireito Frivado HNPOPL6 com o o(Dectivo de uni$icar o direito dos contratosinternacionais! o *ue conduziu! por e,emplo! ) lei uni$ormizada na $orma"%o decontratos de vendas internacionais HGPS! 1C>6 e a 7onven"%o na vendainternacional de (ens 7PS4! 1806 van der Zelden! 18>: 2KK6.

    + tradi"%o da 'lo(aliza"%o para al'uns muito mais lon'a. For e,emplo! LillAdistin'ue *uatro ondas de 'lo(aliza"%o no passado milnio: nos sculos QPPP! QZP! QPQ

    e no $inal do sculo QQ 1=6. +pesar desta tradi"%o histrica! o impacto actual da'lo(aliza"%o na re'ula"%o estatal parece ser um $enmeno *ualitativamente novo! porduas raz#es principais. Em primeiro lu'ar! um $enmeno muito amplo e vasto *ue

    http://www.eurozine.com/articles/2002-08-22-santos-pt.html#footNoteNUM5http://www.eurozine.com/articles/2002-08-22-santos-pt.html#footNoteNUM5
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    co(re um campo muito 'rande de interven"%o estatal e *ue re*uer mudan"asdr&sticas no padr%o de interven"%o. Fara LillA! o *ue distin'ue a actual onda de'lo(aliza"%o da onda *ue ocorreu no sculo QPQ o $acto de esta ltima tercontri(uIdo para o $ortalecimento do poder dos Estados centrais Ocidentais6!en*uanto a actual 'lo(aliza"%o produz o en$ra*uecimento dos poderes do Estado. +press%o so(re os Estados a'ora relativamente monolItica - o 7onsenso deashin'ton - e em seus termos o modelo de desenvolvimento orientado para omercado o nico modelo compatIvel com o novo re'ime 'lo(al de acumula"%o!sendo! por isso! necess&rio impor! ) escala mundial! polIticas de aDustamentoestrutural. Esta press%o central opera e re$or"a-se em articula"#es com $enmenos edesenvolvimentos t%o dIspares como o $im da 'uerra $ria! as inova"#es dram&ticas nastecnolo'ias de comunica"%o e de in$orma"%o! os novos sistemas de produ"%o $le,Ivel!a emer'ncia de (locos re'ionais! a proclama"%o da democracia li(eral como re'imepolItico universal! a imposi"%o 'lo(al do mesmo modelo de lei de protec"%o dapropriedade intelectual! etc.

    Yuando comparado com os processos de transnacionaliza"%o precedentes! o alcance

    destas press#es torna-se particularmente visIvel uma vez *ue estas ocorrem apsdcadas de intensa re'ula"%o estatal da economia! tanto nos paIses centrais! comonos paIses peri$ricos e semiperi$ricos. + cria"%o de re*uisitos normativos einstitucionais para as opera"#es do modelo de desenvolvimento neoli(eral envolve!por isso! uma destrui"%o institucional e normativa de tal modo maci"a *ue a$ecta!muito para alm do papel do Estado na economia! a le'itimidade 'lo(al do Estadopara or'anizar a sociedade.

    O se'undo $actor de novidade da 'lo(aliza"%o polItica actual *ue as assimetrias dopoder transnacional entre o centro e a peri$eria do sistema mundial! i.e.! entre o Nortee o Sul! s%o hoDe mais dram&ticas do *ue nunca. e $acto! a so(erania dos Estadosmais $racos est& a'ora directamente amea"ada! n%o tanto pelos Estados mais

    poderosos! como costumava ocorrer! mas so(retudo por a'ncias $inanceirasinternacionais e outros actores transnacionais privados! tais como as empresasmultinacionais. + press%o ! assim! apoiada por uma coli'a"%o transnacionalrelativamente coesa! utilizando recursos poderosos e mundiais.

    Lendo em mente a situa"%o na Europa e na +mrica do Norte! Bo( ?essop identi$icatrs tendncias 'erais na trans$orma"%o do poder do Estado. Em primeiro lu'ar! adesnacionalizao do Estado! um certo esvaziamento do aparelho do Estado nacional*ue decorre do $acto de as velhas e novas capacidades do Estado estarem a serreor'anizadas! tanto territorial como $uncionalmente! aos nIveis su(nacional esupranacional. Em se'undo lu'ar! a de-estatizao dos regimes polticosre$lectida natransi"%o do conceito de 'overno 'overnment6 para o de 'overna"%o 'overnance6!

    ou seDa! de um modelo de re'ula"%o social e econmica assente no papel central doEstado para um outro assente em parcerias e outras $ormas de associa"%o entreor'aniza"#es 'overnamentais! para-'overnamentais e n%o-'overnamentais! nas *uaiso aparelho de Estado tem apenas tare$as de coordena"%o en*uantoprimus interpares.E! $inalmente! uma tendncia para a internacionalizao do Estado nacionale,pressa no aumento do impacto estrat'ico do conte,to internacional na actua"%o doEstado! o *ue pode envolver a e,pans%o do campo de ac"%o do Estado nacionalsempre *ue $or necess&rio ade*uar as condi"#es internas )s e,i'ncias e,tra-territoriais ou transnacionais ?essop! 1=:26.

    +pesar de n%o se es'otar nele! no campo da economia *ue a transnacionaliza"%oda re'ula"%o estatal ad*uire uma maior salincia. No *ue respeita aos paIsesperi$ricos e semiperi$ricos! as polIticas de aDustamento estrutural e deesta(iliza"%o macroeconmica - impostas como condi"%o para a rene'ocia"%o da

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    dIvida e,terna - co(rem um enorme campo de interven"%o econmica! provocandoenorme tur(ulncia no contrato social! nos *uadros le'ais e nas moldurasinstitucionais: a li(eraliza"%o dos mercados3 a privatiza"%o das indstrias e servi"os3 adesactiva"%o das a'ncias re'ulatrias e de licenciamento3 a desre'ula"%o domercado de tra(alho e a $le,i(iliza"%o da rela"%o salarial3 a redu"%o e a privatiza"%o!pelo menos parcial! dos servi"os de (em estar social privatiza"%o dos sistemas depens#es! partilha dos custos dos servi"os sociais por parte dos utentes! critrios maisrestritos de ele'i(ilidade para presta"#es de assistncia social! e,pans%o do chamadoterceiro sector! o sector privado n%o lucrativo! cria"%o de mercados no interior doprprio Estado! como! por e,emplo! a competi"%o mercantil entre hospitais p(licos63uma menor preocupa"%o com temas am(ientais3 as re$ormas educacionais diri'idaspara a $orma"%o pro$issional mais do *ue para a constru"%o de cidadania3 etc. Lodasestas e,i'ncias do 7onsenso de ashin'ton e,i'em mudan"as le'ais einstitucionais maci"as. ado *ue estas mudan"as tm lu'ar no $im de um perIodomais ou menos lon'o de interven"%o estatal na vida econmica e social n%o o(stanteas di$eren"as consider&veis no interior do sistema mundial6! o retraimento do Estadon%o pode ser o(tido sen%o atravs da $orte interven"%o estatal. O Estado tem de

    intervir para dei,ar de intervir! ou seDa! tem de re'ular a sua prpria desre'ula"%o.Hma an&lise mais apro$undada dos tra"os dominantes da 'lo(aliza"%o polItica - *ues%o! de $acto! os tra"os da 'lo(aliza"%o polItica dominante - leva-nos a concluir *uesu(Dazem a esta trs componentes do 7onsenso de ashin'ton: o consenso doEstado $raco3 o consenso da democracia li(eral3 o consenso do primado do direito e dosistema Dudicial.

    O consenso do Estado fraco! sem dvida! o mais central e dele h& ampla prova no*ue $icou descrito acima. Na sua (ase est& a ideia de *ue o Estado o oposto dasociedade civil e potencialmente o seu inimi'o. + economia neoli(eral necessita deuma sociedade civil $orte e para *ue ela e,ista necess&rio *ue o Estado seDa $raco. O

    Estado inerentemente opressivo e limitativo da sociedade civil! pelo *ue sreduzindo o seu tamanho possIvel reduzir o seu dano e $ortalecer a sociedade civil.aI *ue o Estado $raco seDa tam(m tendencialmente o Estado mInimo. Esta ideia $orainicialmente de$endida pela teoria polItica li(eral! mas $oi 'radualmente a(andonada )medida *ue o capitalismo nacional! en*uanto rela"%o social e polItica! $oi e,i'indomaior interven"%o estatal. este modo! a ideia do Estado como oposto da sociedadecivil $oi su(stituIda pela ideia do Estado como espelho da sociedade civil. + partir deent%o um Estado $orte passou a ser a condi"%o de uma sociedade civil $orte. Oconsenso do Estado $raco visa repor a ideia li(eral ori'inal.

    Esta reposi"%o tem-se revelado e,tremamente comple,a e contraditria e! talvez porisso! o consenso do Estado $raco ! de todos os consensos neoli(erais! o mais $r&'il e

    mais suDeito a correc"#es. M *ue o encolhimento do Estado - produzido pelosmecanismos conhecidos! tais como a desre'ula"%o! as privatiza"#es e a redu"%o dosservi"os p(licos - ocorre no $inal de um perIodo de cerca de cento e cin*uenta anosde constante e,pans%o re'ulatria do Estado. +ssim! como re$eri atr&s! desre'ularimplica uma intensa actividade re'ulatria do Estado para p[r $im ) re'ula"%o estatalanterior e criar as normas e as institui"#es *ue presidir%o ao novo modelo dere'ula"%o social. Ora tal actividade s pode ser levada a ca(o por um Estado e$icaz erelativamente $orte. Lal como o Estado tem de intervir para dei,ar de intervir! tam(ms um Estado $orte pode produzir com e$ic&cia a sua $ra*ueza. Esta antinomia $oirespons&vel pelo $racasso da estrat'ia dos HS+P e do Banco @undial para are$orma polItica do Estado russo depois do colapso do comunismo. Lais re$ormasassentaram no desmantelamento *uase total do Estado sovitico na e,pectativa de*ue dos seus escom(ros emer'isse um Estado $raco e! conse*uentemente! umasociedade civil $orte. Fara surpresa dos pro'enitores! o *ue emer'iu destas re$ormas

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    $oi um 'overno de ma$ias RendleA! 1=6. Lalvez por isso o consenso do Estado $raco$oi o *ue mais cedo deu sinais de $ra'iliza"%o! como (em demonstra o relatrio doBanco @undial de 19! dedicado ao Estado e no *ual se rea(ilita a ideia dere'ula"%o estatal e se p#e o acento tnico na e$ic&cia da ac"%o estatal Banco@undial! 196.

    O consenso da democracia liberalvisa dar $orma polItica ao Estado $raco! mais umavez recorrendo ) teoria polItica li(eral *ue particularmente nos seus primrdiosde$endera a conver'ncia necess&ria entre li(erdade polItica e li(erdade econmica!as elei"#es livres e os mercados livres como os dois lados da mesma moeda: o (emcomum o(tIvel atravs das ac"#es de indivIduos utilitaristas envolvidos em trocascompetitivas com o mInimo de inter$erncia estatal. + imposi"%o 'lo(al desteconsenso he'emnico tem criado muitos pro(lemas *uanto mais n%o seDa por*ue setrata de um modelo monolItico a ser aplicado em sociedades e realidades muitodistintas. For essa raz%o! o modelo de democracia adoptado como condicionalidadepolItica da aDuda e do $inanciamento internacional tende a converter-se numa vers%oa(reviada! sen%o mesmo caricatural! da democracia li(eral. Fara constatar isto

    mesmo! (asta comparar a realidade polItica dos paIses suDeitos )s condicionalidadesdo Banco @undial e as caracterIsticas da democracia li(eral! tal como s%o descritaspor avid Reld: o 'overno eleito3 elei"#es livres e Dustas em *ue o voto de todos oscidad%os tm o mesmo peso3 um su$r&'io *ue a(ran'e todos os cidad%osindependentemente de distin"#es de ra"a! reli'i%o! classe! se,o! etc.3 li(erdade deconscincia! in$orma"%o e e,press%o em todos os assuntos p(licos de$inidos comotal com amplitude3 o direito de todos os adultos a opor-se ao 'overno e seremele'Iveis3 li(erdade de associa"%o e autonomia associativa entendida como o direito acriar associa"#es independentes! incluindo movimentos sociais! 'rupos de interesse epartidos polIticos 1K: 216. 7laro *ue a ironia desta enumera"%o *ue! ) luz dela! asdemocracias reais dos paIses he'emnicos! se n%o s%o vers#es caricaturais! s%o pelomenos vers#es a(reviadas do modelo de democracia li(eral.

    O consenso sobre o primado do direito e do sistema judicial uma das componentesessenciais da nova $orma polItica do Estado e tam(m o *ue melhor procura vinculara 'lo(aliza"%o polItica ) 'lo(aliza"%o econmica. O modelo de desenvolvimentocaucionado pelo 7onsenso de ashin'ton reclama um novo *uadro le'al *ue seDaade*uado ) li(eraliza"%o dos mercados! dos investimentos e do sistema $inanceiro.Num modelo assente nas privatiza"#es! na iniciativa privada e na primazia dosmercados o princIpio da ordem! da previsi(ilidade e da con$ian"a n%o pode vir docomando do Estado. S pode vir do direito e do sistema Dudicial! um conDunto deinstitui"#es independentes e universais *ue criam e,pectativas normativamente$undadas e resolvem litI'ios em $un"%o de *uadros le'ais presumivelmenteconhecidos de todos. + proeminncia da propriedade individual e dos contratos re$or"a

    ainda mais o primado do direito. For outro lado! a e,pans%o do consumo! *ue omotor da 'lo(aliza"%o econmica! n%o possIvel sem a institucionaliza"%o epopulariza"%o do crdito ao consumo e este n%o possIvel sem a amea"a credIvel de*ue *uem n%o pa'ar ser& sancionado por isso! o *ue! por sua vez! s possIvel namedida em *ue e,istir um sistema Dudicial e$icaz.

    Nos termos do 7onsenso de ashin'ton! a responsa(ilidade central do Estadoconsiste em criar o *uadro le'al e dar condi"#es de e$ectivo $uncionamento )sinstitui"#es DurIdicas e Dudiciais *ue tornar%o possIvel o $luir rotineiro das in$initasinterac"#es entre os cidad%os! os a'entes econmicos e o prprio Estado.

    Hm outro tema importante nas an&lises das dimens#es polIticas da 'lo(aliza"%o opapel crescente das $ormas de 'overno supraestatal! ou seDa! das institui"#es polIticasinternacionais! das a'ncias $inanceiras multilaterais! dos (locos polItico-econmicos

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    supranacionais! dos Think Tanks'lo(ais! das di$erentes $ormas de direito 'lo(al danova lex mercatoriaaos direitos humanos6. Lam(m neste caso o $enmeno n%o novo uma vez *ue o sistema interestatal em *ue temos vivido desde o sculo QZPPpromoveu! so(retudo a partir do sculo QPQ! consensos normativos internacionais *uese vieram a traduzir em or'aniza"#es internacionais. Ent%o! como hoDe! essasor'aniza"#es tm $uncionado como condomInios entre os paIses centrais. O *ue novo a amplitude e o poder da institucionalidade transnacional *ue se tem vindo aconstituir nas ltimas trs dcadas. Este um dos sentidos em *ue se tem $alado daemer'ncia de um 'overno 'lo(al global governance6 @urphA! 1>6. O outrosentido! mais prospectivo e utpico! diz respeito ) inda'a"%o so(re as institui"#espolIticas transnacionais *ue %o de corresponder no $uturo ) 'lo(aliza"%o econmica esocial em curso al;! 1=3 7hase-unn et al! 186. ala-se mesmo da necessidadede se pensar num Estado mundial ou numa $edera"%o mundial! democraticamentecontrolada e com a $un"%o de resolver paci$icamente os con$litos entre estados e entrea'entes 'lo(ais. +l'uns autores transp#em para o novo campo da 'lo(aliza"%o oscon$litos estruturais do perIodo anterior e ima'inam as contrapartidas polIticas a *uedevem dar azo. Lal como a classe capitalista 'lo(al est& a tentar $ormar o seu estado

    'lo(al! de *ue a Or'aniza"%o @undial do 7omrcio a 'uarda avan"ada! as $or"associalistas devem criar um partido mundial ao servi"o de uma comunidade socialista'lo(al ou uma comunidade democr&tica 'lo(al (aseada na racionalidade colectiva!na li(erdade e na i'ualdade 7hase-unn et al! 186.

    -. Global!ao #ultural ou #ultura global

    + 'lo(aliza"%o cultural assumiu um relevo especial com a chamada vira'em culturalda dcada de oitenta! ou seDa! com a mudan"a de n$ase! nas cincias sociais! dos$enmenos scio-econmicos para os $enmenos culturais. + vira'em cultural veioreacender a *uest%o da primazia causal na e,plica"%o da vida social e! com ela! a*uest%o do impacto da 'lo(aliza"%o cultural.UCV+ *uest%o consiste em sa(er se as

    dimens#es normativa e cultural do processo de 'lo(aliza"%o desempenham um papelprim&rio ou secund&rio. En*uanto para al'uns elas tm um papel secund&rio! dado*ue a economia mundial capitalista mais inte'rada pelo poder polItico-militar e pelainterdependncia de mercado do *ue pelo consenso normativo e cultural 7hase-unn! 11: 886! para outros o poder polItico! a domina"%o cultural e os valores enormas institucionalizadas precedem a dependncia de mercado no desenvolvimentodo sistema mundial e na esta(ilidade do sistema interestatal @eAer! 1893Ber'esen!106. allerstein $az uma leitura sociol'ica deste de(ate! de$endendo *ue n%o por acaso... *ue tem havido tanta discuss%o nestes ltimos dez-*uinze anos acerca dopro(lema da cultura. Psso decorrente da decomposi"%o da dupla cren"a do sculodezanove nas arenas econmica e polItica como lu'ares de pro'resso social e!conse*uentemente! de salva"%o individual allerstein! 11a: 186.

    Em(ora a *uest%o da matriz ori'inal da 'lo(aliza"%o se ponha em rela"%o a cada umadas dimens#es da 'lo(aliza"%o! no domInio da 'lo(aliza"%o cultural *ue ela se p#ecom mais acuidade ou com mais $re*uncia. + *uest%o de sa(er se o *ue sedesi'na por 'lo(aliza"%o n%o deveria ser mais correctamente desi'nado porocidentaliza"%o ou americaniza"%o itzer! 1=6! D& *ue os valores! os arte$actosculturais e os universos sim(licos *ue se 'lo(alizam s%o ocidentais e! por vezes!especi$icamente norte-americanos! seDam eles o individualismo! a democracia polItica!a racionalidade econmica! o utilitarismo! o primado do direito! o cinema! apu(licidade! a televis%o! a internet! etc.

    Neste conte,to! os meios de comunica"%o electrnicos! especialmente a televis%o!tm sido um dos 'randes temas de de(ate. Em(ora a importncia da 'lo(aliza"%o dosmeios de comunica"%o social seDa salientada por todos! nem todos retiram dela as

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    mesmas conse*uncias. +ppadurai! por e,emplo! v nela um dos dois $actores ooutro s%o as mi'ra"#es em massa6 respons&veis pela ruptura entre o perIodo de *ueaca(amos de sair o mundo da moderniza"%o6 e o perIodo em *ue estamos a entrar omundo ps-electrnico6 196. O novo perIodo distin'ue-se pelo tra(alho daima'ina"%o pelo $acto de a ima'ina"%o se ter trans$ormado num $acto social!colectivo! o ter dei,ado de estar con$inada no indivIduo romntico e no espa"oe,pressivo da arte! do mito e do ritual para passar a $azer parte da vida *uotidiana doscidad%os comuns 19: =6. + ima'ina"%o ps-electrnica! com(inada com adesterritorializa"%o provocada pelas mi'ra"#es! torna possIvel a cria"%o de universossim(licos transnacionais! comunidades de sentimento! identidades prospectivas!partilhas de 'ostos! prazeres e aspira"#es! em suma! o *ue +ppadurai chama es$erasp(licas diaspricas 19: >6. e uma outra perspectiva! Oct&vio Panni $ala doprIncipe electrnico - o conDunto das tecnolo'ias electrnicas! in$orm&ticas eci(ernticas! de in$orma"%o e de comunica"%o! com desta*ue para a televis%o - *uese trans$ormou no ar*uitecto da &'ora electrnica na *ual todos est%o representados!re$lectidos! de$letidos ou $i'urados! sem o risco da convivncia nem da e,perincia18: 196.

    Esta tem&tica articula-se com uma outra i'ualmente central no m(ito da 'lo(aliza"%ocultural: o de sa(er at *ue ponto a 'lo(aliza"%o acarreta homo'eneiza"%o. Se paraal'uns autores a especi$icidade das culturas locais e nacionais est& em risco itzer!1=6! para outros! a 'lo(aliza"%o tanto produz homo'eneiza"%o como diversidadeo(ertson e 5hond;er! 186. O isomor$ismo institucional! so(retudo nos domInioseconmico e polItico coe,iste com a a$irma"%o de di$eren"as e de particularismo. Farariedman! a $ra'menta"%o cultural e tnica! por um lado! e a homo'eneiza"%omodernista! por outro! n%o s%o duas perspectivas opostas so(re o *ue est& aacontecer! mas antes duas tendncias! am(as constitutivas da realidade 'lo(aleatherston! 10: K116. o mesmo modo! +ppadurai $az *uest%o de salientar *ue osmediaelectrnicos! lon'e de serem o pio do povo! s%o processados pelos indivIduos

    e pelos 'rupos de uma maneira activa! um campo $rtil para e,ercIcios de resistncia!selectividade e ironia 19: 96. +ppadurai tem vindo a salientar o crescente papel daima'ina"%o na vida social dominada pela 'lo(aliza"%o. M atravs da ima'ina"%o *ueos cidad%os s%o disciplinados e controlados pelos Estados! mercados e os outrosinteresses dominantes! mas tam(m da ima'ina"%o *ue os cidad%os desenvolvemsistemas colectivos de dissidncia e novos 'ra$ismos da vida colectiva 1: 2K06.

    O *ue n%o $ica claro nestes posicionamentos a elucida"%o das rela"#es sociais depoder *ue presidem ) produ"%o tanto de homo'eneiza"%o como de di$erencia"%o.Sem tal elucida"%o! estes dois resultados da 'lo(aliza"%o s%o postos no mesmo p!sem *ue se conhe"am as vincula"#es e a hierar*uia entre eles. Esta elucida"%o particularmente til para analisar criticamente os processos de hi(ridiza"%o ou de

    criouliza"%o *ue resultam do con$ronto ou da coa(ita"%o entre tendnciashomo'eneizantes e tendncias particularizantes Rall e @c4rew! 126. Se'undo+ppadurai! a caracterIstica central da cultura 'lo(al hoDe a polItica do es$or"o mtuoda mesmidade e da di$eren"a para se cani(alizarem uma ) outra e assimproclamarem o ,ito do se*uestro as duas ideias 'meas do Pluminismo! o universaltriun$ante e particular resistente 19: >K6.

    Hm outro tema central na discuss%o so(re as dimens#es culturais da 'lo(aliza"%o -relacionado! ali&s! com o de(ate anterior - diz respeito ) *uest%o de sa(er se ter&emer'ido nas dcadas mais recentes uma cultura 'lo(al eatherstone! 103 aters!1=6. M h& muito reconhecido *ue! pelo menos desde o sculo QZP! a he'emoniaideol'ica da cincia! da economia! da polItica e da reli'i%o europeias produziu!atravs do imperialismo cultural! al'uns isomor$ismos entre as di$erentes culturasnacionais do sistema mundial. + *uest%o ! a'ora! de sa(er se! para alm disso!

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    certas $ormas culturais ter%o emer'ido nas dcadas mais recentes! *ue s%oori'inalmente transnacionais ou cuDas ori'ens nacionais s%o relativamente irrelevantespelo $acto de circularem pelo mundo mais ou menos desenraizadas das culturasnacionais. Lais $ormas culturais s%o identi$icadas por +ppadurai como mediascapeseideoscapes106! por Geslie S;lair 116 como cultura-ideolo'ia do consumismo!por +nthonA Smith como um novo imperialismo cultural 106. e uma outraperspectiva! a teoria dos re'imes internacionais tem vindo a canalizar a nossa aten"%opara os processos de $orma"%o de consenso ao nIvel mundial e para a emer'ncia deuma ordem normativa 'lo(al 5eohane e NAe! 1993 5eohane! 18=3 5rasner! 18K3Ra''ard e Simmons! 1896. E ainda de outra perspectiva! a teoria da estruturainternacional acentua a $orma como a cultura ocidental tem criado actores sociais esi'ni$icados culturais por todo o mundo Lhomas et al! 1896.

    + ideia de uma cultura 'lo(al ! claramente! um dos principais proDectos damodernidade. 7omo Stephen Loulmin (rilhantemente demonstrou 106! pode seridenti$icado desde Gei(niz at Re'el e desde o sculo QZPP at ao nosso sculo. +aten"%o sociol'ica concedida a esta ideia nas ltimas trs dcadas tem! contudo!

    uma (ase empIrica especI$ica. +credita-se *ue a intensi$ica"%o dram&tica de $lu,ostrans$ronteiri"os de (ens! capital! tra(alho! pessoas! ideias e in$orma"%o ori'inouconver'ncias! isomor$ismos e hi(ridiza"#es entre as di$erentes culturas nacionais!seDam elas estilos ar*uitectnicos! moda! h&(itos alimentares ou consumo cultural demassas. 7ontudo! a maior parte dos autores sustenta *ue! apesar da sua importncia!estes processos est%o lon'e de conduzirem a uma cultura 'lo(al.

    + cultura por de$ini"%o um processo social construIdo so(re a intersec"%o entre ouniversal e o particular. 7omo salienta allerstein! de$inir uma cultura uma *uest%ode de$inir $ronteiras 11a: 1896. e modo conver'ente! +ppadurai a$irma *ue ocultural o campo das di$eren"as! dos contrastes e das compara"#es 19: 126.FoderIamos at a$irmar *ue a cultura ! em sua de$ini"%o mais simples! a luta contra a

    uni$ormidade. Os poderosos e envolventes processos de di$us%o e imposi"%o deculturas! imperialisticamente de$inidos como universais! tm sido con$rontados! emtodo o sistema mundial! por mltiplos e en'enhosos processos de resistncia!identi$ica"%o e indi'eniza"%o culturais. Lodavia! o tpico da cultura 'lo(al tem tido omrito de mostrar *ue a luta polItica em redor da homo'eneiza"%o e da uni$ormiza"%oculturais transcendeu a con$i'ura"%o territorial em *ue teve lu'ar desde o sculo QPQat muito recentemente! isto ! o Estado-na"%o.

    + este respeito! os Estados-na"%o tm tradicionalmente desempenhado um papel al'oam(I'uo. En*uanto! e,ternamente! tm sido os arautos da diversidade cultural! daautenticidade da cultura nacional! internamente! tm promovido a homo'eneiza"%o e auni$ormidade! esma'ando a rica variedade de culturas locais e,istentes no territrio

    nacional! atravs do poder da polIcia! do direito! do sistema educacional ou dos meiosde comunica"%o social! e na maior parte das vezes por todos eles em conDunto. Estepapel tem sido desempenhado com intensidade e e$ic&cia muito variadas nos Estadoscentrais! peri$ricos e semiperi$ricos e pode estar a'ora a mudar como parte dastrans$orma"#es em curso na capacidade re'ulatria dos Estados-na"%o.

    So( as condi"#es da economia mundial capitalista e do sistema interestatal moderno!parece haver apenas espa"o para as culturas 'lo(ais parciais. Farcial! *uer em termosdos aspectos da vida social *ue co(rem! *uer das re'i#es do mundo *ue a(ran'em.Smith! por e,emplo! $ala de uma $amIlia de culturas europeia! *ue consiste emmotivos e tradi"#es polIticas e culturais a(ran'entes e transnacionais o direitoromano! o humanismo renascentista! o racionalismo iluminista! o romantismo e ademocracia6! *ue emer'iram em diversas partes do continente em di$erentesperIodos! continuando em al'uns casos a emer'ir! criando ou recriando sentimentos

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    de reconhecimento e parentesco entre os povos da Europa 10: 1896. Zista de $orada Europa! particularmente a partir de re'i#es e de povos intensivamente colonizadospelos europeus! esta $amIlia de culturas a vers%o *uintessencial do imperialismoocidental em nome do *ual muita da tradi"%o e da identidade cultural $oi destruIda.

    ada a natureza hier&r*uica do sistema mundial! torna-se crucial identi$icar os 'rupos!as classes! os interesses e os Estados *ue de$inem as culturas parciais en*uantoculturas 'lo(ais! e *ue! por essa via! controlam a a'enda da domina"%o polItica so( odis$arce da 'lo(aliza"%o cultural. Se verdade *ue a intensi$ica"%o dos contactos e dainterdependncia trans$ronteiri"os a(riu novas oportunidades para o e,ercIcio datolerncia! do ecumenismo! da solidariedade e do cosmopolitismo! n%o menosverdade *ue! simultaneamente! tm sur'ido novas $ormas e mani$esta"#es deintolerncia! chauvinismo! de racismo! de ,eno$o(ia e! em ltima instncia! deimperialismo. +s culturas 'lo(ais parciais podem! desta $orma! ter naturezas! alcancese per$is polIticos muito di$erentes.

    Nas actuais circunstncias! s possIvel visualizar culturas 'lo(ais pluralistas ou

    plurais.U9V

    M por isso *ue a maior parte dos autores assume uma postura prescritiva ouprospectiva sempre *ue $ala de cultura 'lo(al no sin'ular. Fara Rannerz! ocosmopolitismo inclui uma postura $avor&vel ) coe,istncia de culturas distintas nae,perincia individual... uma orienta"%o! uma vontade de intera'ir com o Outro... umapostura esttica e intelectual de a(ertura $ace a e,perincias culturais diver'entes10: 2K6. 7hase-unn! por seu lado! en*uanto retira do pedestal o universalismonormativo de Farsons 1916 como um tra"o essencial do sistema capitalista mundialvi'ente! prop#e *ue tal universalismo seDa transposto para um novo nIvel de sentidosocialista! em(ora sensIvel )s virtudes do pluralismo nacional e tnico 11: 10=37hase-unn et al! 186. For $im! allerstein ima'ina uma cultura mundial somentenum mundo li(ert&rio-i'ualit&rio $uturo! mas mesmo aI haveria um lu'ar reservadopara a resistncia cultural: a cria"%o e a recria"%o constantes de entidades culturais

    particularistas cuDos o(Dectos reconhecidos ou n%o6 seriam a restaura"%o darealidade universal de li(erdade e i'ualdade 11a: 16.

    No domInio cultural! o consenso neoli(eral muito selectivo. Os $enmenos culturaiss lhe interessam na medida em *ue se tornam mercadorias *ue como tal devemse'uir o trilho da 'lo(aliza"%o econmica. +ssim! o consenso diz! so(retudo! respeitoaos suportes tcnicos e DurIdicos da produ"%o e circula"%o dos produtos das indstriasculturais como! por e,emplo! as tecnolo'ias de comunica"%o e da in$orma"%o e osdireitos de propriedade intelectual.

    /. A natur"!a da' global!a0"'

    + re$erncia $eita nas sec"#es anteriores )s $acetas dominantes do *ue usualmente sedesi'na por 'lo(aliza"%o! alm de ser omissa a respeito da teoria da 'lo(aliza"%o *uelhe su(Daz! pode dar a ideia $alsa de *ue a 'lo(aliza"%o um $enmeno linear!monolItico e ine*uIvoco. Esta ideia da 'lo(aliza"%o! apesar de $alsa! hoDeprevalecente e tende a s-lo tanto mais *uanto a 'lo(aliza"%o e,travasa do discursocientI$ico para o discurso polItico e para a lin'ua'em comum. +parentementetransparente e sem comple,idade! a ideia de 'lo(aliza"%o o(scurece mais do *ueesclarece o *ue se passa no mundo. E o *ue o(scurece ou oculta ! *uando visto deoutra perspectiva! t%o importante *ue a transparncia e simplicidade da ideia de'lo(aliza"%o! lon'e de serem inocentes! devem ser considerados dispositivosideol'icos e polIticos dotados de intencionalidades especI$icas. uas dessas

    intencionalidades devem ser salientadas. + primeira o *ue desi'no por $al&cia dodeterminismo. 7onsiste na inculca"%o da ideia de *ue a 'lo(aliza"%o um processoespontneo! autom&tico! inelut&vel e irreversIvel *ue se intensi$ica e avan"a se'undo

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    uma l'ica e uma dinmica prprias su$icientemente $ortes para se imporem a*ual*uer inter$erncia e,terna. Nesta $al&cia incorrem n%o s os em(ai,adores da'lo(aliza"%o como os estudiosos mais circunspectos. Entre estes ltimos! saliento@anuel 7astells para *uem a 'lo(aliza"%o o resultado inelut&vel da revolu"%o nastecnolo'ias da in$orma"%o. Se'undo ele! a nova economia in$ormacional por*ue aprodutividade e competitividade assentam na capacidade para 'erar e aplicare$icientemente in$orma"%o (aseada em conhecimento e 'lo(al por*ue asactividades centrais da produ"%o! da distri(ui"%o e do consumo s%o or'anizadas )escala mundial 1C: CC6. + $al&cia consiste em trans$ormar as causas da'lo(aliza"%o em e$eitos da 'lo(aliza"%o. + 'lo(aliza"%o resulta! de $acto! de umconDunto de decis#es polIticas identi$icadas no tempo e na autoria. O 7onsenso deashin'ton uma decis%o polItica dos Estados centrais como s%o polIticas asdecis#es dos Estados *ue o adoptaram com mais ou menos autonomia! com mais oumenos selectividade. N%o podemos es*uecer *ue! em 'rande medida! e so(retudo aonIvel econmico e polItico! a 'lo(aliza"%o he'emnica um produto de decis#es dosEstados nacionais. + desre'ulamenta"%o da economia! por e,emplo! tem sido um actoeminentemente polItico. + prova disso mesmo est& na diversidade das respostas dos

    Estados nacionais )s press#es polIticas decorrentes do 7onsenso de ashin'ton.U8V

    O$acto de as decis#es polIticas terem sido! em 'eral! conver'entes! tomadas duranteum perIodo de tempo curto! e de muitos Estados n%o terem tido alternativa paradecidirem de modo di$erente! n%o elimina o car&cter polItico das decis#es! apenasdesloca o centro e o processo polItico destas. P'ualmente polItica re$le,%o so(re asnovas $ormas de Estado *ue est%o a emer'ir em resultado da 'lo(aliza"%o! so(re anova distri(ui"%o polItica entre pr&ticas nacionais! pr&ticas internacionais e pr&ticas'lo(ais! so(re o novo $ormato das polIticas p(licas em $ace da crescentecomple,idade das *uest#es sociais! am(ientais e de redistri(ui"%o.

    + se'unda intencionalidade polItica do car&cter n%o-polItico da 'lo(aliza"%o a $al&ciado desaparecimento do Sul. Nos termos desta $al&cia as rela"#es Norte/Sul nunca

    constituIram um verdadeiro con$lito! mas durante muito tempo os dois plos dasrela"#es $oram $acilmente identi$ic&veis! D& *ue o Norte produzia produtosmanu$acturados! en*uanto o Sul $ornecia matrias primas. + situa"%o come"ou-se aalterar na dcada de sessenta deram conta disso as teorias da dependncia ou dodesenvolvimento dependente6 e trans$ormou-se radicalmente a partir da dcada deoitenta. RoDe! *uer ao nIvel $inanceiro! *uer ao nIvel da produ"%o! *uer ainda ao nIveldo consumo! o mundo est& inte'rado numa economia 'lo(al onde! perante amultiplicidade de interdependncias! dei,ou de $azer sentido distin'uir entre Norte eSul e! ali&s! i'ualmente entre centro! peri$eria e semiperi$eria do sistema mundial.Yuanto mais triun$alista a concep"%o da 'lo(aliza"%o menor a visi(ilidade do Sulou das hierar*uias do sistema mundial. + ideia *ue a 'lo(aliza"%o est& a ter umimpacto uni$orme em todas as re'i#es do mundo e em todos os sectores de actividade

    e *ue os seus ar*uitectos! as empresas multinacionais! s%o in$initamente inovadoras etm capacidade or'anizativa su$iciente para trans$ormar a nova economia 'lo(al numaoportunidade sem precedentes.

    @esmo os autores *ue reconhecem *ue a 'lo(aliza"%o altamente selectiva! produzassimetrias e tem uma 'eometria vari&vel! tendem a pensar *ue ela desestruturou ashierar*uias da economia mundial anterior. M de novo o caso de 7astells para *uem a'lo(aliza"%o p[s $im ) ideia de Sul e mesmo ) ideia de Lerceiro @undo! na medidaem *ue cada vez maior a di$erencia"%o entre paIses e no interior de paIses! entrere'i#es 1C: 2! 1126. Se'undo ele! a novIssima divis%o internacional do tra(alhon%o ocorre entre paIses! mas entre a'entes econmicos e entre posi"#es distintas naeconomia 'lo(al *ue competem 'lo(almente! usando a in$raestrutura tecnol'ica daeconomia in$ormacional e a estrutura or'anizacional de redes e $lu,os 1C: 1>96.Neste sentido! dei,a i'ualmente de $azer sentido a distin"%o entre centro! peri$eria e

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    semiperi$eria no sistema mundial. + nova economia uma economia 'lo(al distinta daeconomia-mundo. En*uanto esta ltima assentava na acumula"%o de capital! o(tidaem todo o mundo! a economia 'lo(al tem a capacidade para $uncionar como umaunidade em tempo real e ) escala planet&ria 1C: 26.

    Sem *uerer minimizar a importncia das trans$orma"#es em curso! penso! no entanto!*ue 7astells leva lon'e demais a ima'em da 'lo(aliza"%o como o bulldozeravassalador contra o *ual n%o h& resistncia possIvel! pelo menos a nIvel econmico.E com isso leva lon'e de mais a ideia da se'menta"%o dos processos deinclus%o/e,clus%o *ue est%o a ocorrer. Em primeiro lu'ar! o prprio 7astells *uemreconhece *ue os processos de e,clus%o podem atin'ir um continente por inteiroT$rica6 e dominar inteiramente so(re os processos de inclus%o num su(continente a+mrica Gatina6 1C: 11=-1KC6. Em se'undo lu'ar! mesmo admitindo *ue aeconomia 'lo(al dei,ou de necessitar dos espa"os 'eo-polIticos nacionais para sereproduzir! a verdade *ue a dIvida e,terna continua a ser conta(ilizada e co(rada aonIvel de paIses e por via dela e da $inanceiriza"%o do sistema econmico *ue ospaIses po(res do mundo se trans$ormaram! a partir da dcada de oitenta! em

    contri(uintes lI*uidos para a ri*ueza dos paIses ricos. Em terceiro lu'ar! ao contr&riodo *ue se pode depreender do *uadro tra"ado por 7astells! a conver'ncia entrepaIses na economia 'lo(al t%o si'ni$icativa *uanto a diver'ncia e isto particularmente notrio entre os paIses centrais rache! 1: 1=6. For*ue aspolIticas de sal&rios e de se'uran"a social continuaram a ser de$inidas a nIvelnacional! as medidas de li(eraliza"%o desde a dcada de oitenta n%o reduziramsi'ni$icativamente as di$eren"as nos custos do tra(alho entre os di$erentes paIses.+ssim! em 19! a remunera"%o mdia da hora de tra(alho na +lemanha K2\ HS6 era=>W mais elevada *ue nos EH+ 19.1\ HS6. E mesmo dentro da Hni%o Europeia!onde tm estado em curso nas ltimas dcadas polIticas de inte'ra"%o pro$unda! asdi$eren"as de produtividade e de custos salariais tm-se mantido com a e,cep"%o daPn'laterra! em *ue os custos salariais $oram reduzidos em >0W desde 180. Lomando

    a +lemanha Ocidental como termo de compara"%o 100W6! a produtividade dotra(alho em Fortu'al era! em 18! K>!=W e os custos salariais! K9!>W. Estesnmeros eram para a Espanha! C2W e CC!W! respectivamente3 para a Pn'laterra!91!9W e C8W3 e para a Prlanda! C!= e 91!8W rache! 1: 2>6. For ltimo! di$Icilsustentar *ue a selectividade e a $ra'menta"%o e,cludente da nova economiadestruiu o conceito de Sul *uando! como vimos atr&s! a disparidade de ri*ueza entrepaIses po(res e paIses ricos n%o cessou de aumentar nos ltimos vinte ou trinta anos.M certo *ue a li(eraliza"%o dos mercados desestruturou os processos de inclus%o e dee,clus%o nos di$erentes paIses e re'i#es. @as o importante analisar em cada paIsou re'i%o a ratio entre inclus%o e e,clus%o. M essa ratio *ue determina se um paIspertence ao Sul ou ao Norte! ao centro ou ) peri$eria ou semiperi$eria do sistemamundial. Os paIses onde a inte'ra"%o na economia mundial se processou

    dominantemente pela e,clus%o s%o os paIses do Sul e da peri$eria do sistemamundial.

    Estas trans$orma"#es merecem uma aten"%o detalhada! mas n%o restam dvidas de*ue s as vira'ens ideol'icas *ue ocorreram na comunidade cientI$ica! tanto noNorte como no Sul! podem e,plicar *ue as ini*uidades e assimetrias no sistemamundial! apesar de terem aumentado! tenham perdido centralidade analItica. For isso!o $im do Sul! o desaparecimento do Lerceiro @undo s%o! acima de tudo! umproduto das mudan"as de sensi(ilidade sociol'ica *ue devem ser! elas prprias!o(Decto de escrutInio. Em al'uns autores! o $im do Sul ou do Lerceiro @undo n%oresulta de an&lises especI$icas so(re o Sul ou o Lerceiro @undo! resulta t%o-s does*uecimento a *ue estes s%o votados. + 'lo(aliza"%o vista a partir dos paIsescentrais tendo em vista as realidades destes. M assim! muito particularmente! o casodos autores *ue se centram na 'lo(aliza"%o econmica.UV@as as an&lises

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    culturalistas incorrem $re*uentemente no mesmo erro. + tItulo de e,emplo! as teoriasda re$le,ividade aplicadas ) modernidade! ) 'lo(aliza"%o ou ) acumula"%o Bec;!123 4iddens! 113 Gash e HrrA! 1C6 e! em particular! a ideia de 4iddens de *ue a'lo(aliza"%o a moderniza"%o re$le,iva! es*uecem *ue a 'rande maioria dapopula"%o mundial so$re as conse*uncias de uma modernidade ou de uma'lo(aliza"%o nada re$le,iva ou *ue a 'rande maioria dos oper&rios vivem em re'imesde acumula"%o *ue est%o nos antIpodas da acumula"%o re$le,iva.

    Lanto a $al&cia do determinismo como a $al&cia do desaparecimento do Sul tm vindoa perder credi(ilidade ) medida *ue a 'lo(aliza"%o se trans$orma num campo decontesta"%o social e polItica. Se para al'uns ela continua a ser considerada como o'rande triun$o da racionalidade! da inova"%o e da li(erdade capaz de produzirpro'resso in$inito e a(undncia ilimitada! para outros ela an&tema D& *ue no seu (oDotransporta a misria! a mar'inaliza"%o e a e,clus%o da 'rande maioria da popula"%omundial! en*uanto a retrica do pro'resso e da a(undncia se torna em realidadeapenas para um clu(e cada vez mais pe*ueno de privile'iados. Nestas circunstncias!n%o admira *ue tenham sur'ido nos ltimos anos v&rios discursos da 'lo(aliza"%o.

    o(ertson 186! por e,emplo! distin'ue *uatro 'randes discursos da 'lo(aliza"%o. Odiscurso regional! como! por e,emplo! o discurso asi&tico! o discurso europeuocidental! ou o discurso latino-americano! tem uma tonalidade civilizacional! sendo a'lo(aliza"%o posta em con$ronto com as especi$icidades re'ionais. entro da mesmare'i%o! pode haver di$erentes su(discursos. For e,emplo! em ran"a h& uma $ortetendncia para ver na 'lo(aliza"%o uma amea"a an'lo-americana ) sociedade e )cultura $rancesa e )s de outros paIses europeus. @as! como diz o(ertson! o anti-'lo(alismo dos $ranceses pode $acilmente converter-se no proDecto $rancs de'lo(aliza"%o. O discurso disciplinardiz respeito ao modo como a 'lo(aliza"%o vistapelas di$erentes cincias sociais. O tra"o mais saliente deste discurso a salincia*ue dada ) 'lo(aliza"%o econmica. O discurso ideolgicoentrecruza-se com*ual*uer dos anteriores e diz respeito ) avalia"%o polItica dos processos de

    'lo(aliza"%o. +o discurso pro-'lo(aliza"%o contrap#e-se o discurso anti-'lo(aliza"%o eem *ual*uer deles possIvel distin'uir posi"#es de es*uerda e de direita. inalmente!o discurso feminista*ue! tendo come"ado por ser um discurso anti-'lo(aliza"%o -privile'iando o local e atri(uindo o 'lo(al a uma preocupa"%o masculina -! hoDetam(m um discurso da 'lo(aliza"%o e distin'ue-se pela n$ase dada aos aspectoscomunit&rios da 'lo(aliza"%o.

    + pluralidade de discursos so(re a 'lo(aliza"%o mostra *ue imperioso produzir umare$le,%o terica crItica da 'lo(aliza"%o e de o $azer de modo a captar a comple,idadedos $enmenos *ue ela envolve e a disparidade dos interesses *ue neles secon$rontam. + proposta terica *ue apresento a*ui parte de trs aparentescontradi"#es *ue! em meu entender! con$erem ao perIodo histrico! em *ue nos

    encontramos! a sua especi$icidade transicional. + primeira contradi"%o entre'lo(aliza"%o e localiza"%o. O tempo presente sur'e-nos como dominado por ummovimento dialctico em cuDo seio os processos de 'lo(aliza"%o ocorrem de par comprocessos de localiza"%o. e $acto! ) medida *ue a interdependncia e as interac"#es'lo(ais se intensi$icam! as rela"#es sociais em 'eral parecem estar cada vez maisdesterritorializadas! a(rindo caminho para novos direitos !s op"es! *ue atravessam$ronteiras at h& pouco tempo policiadas pela tradi"%o! pelo nacionalismo! pelalin'ua'em ou pela ideolo'ia! e $re*uentemente por todos eles em conDunto. @as! poroutro lado! e em aparente contradi"%o com esta tendncia! novas identidadesre'ionais! nacionais e locais est%o a emer'ir! construIdas em torno de uma novaproeminncia dos direitos !s razes. Lais localismos! tanto se re$erem a territriosreais ou ima'inados! como a $ormas de vida e de socia(ilidade assentes nas rela"#es$ace-a-$ace! na pro,imidade e na interactividade.

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    Gocalismos territorializados s%o! por e,emplo! os prota'onizados por povos *ue! ao $imde sculos de 'enocIdio e de opress%o cultural! reivindicam! $inalmente com al'um,ito! o direito ) autodetermina"%o dentro dos seus territrios ancestrais. M este o casodos povos indI'enas da +mrica Gatina e tam(m da +ustr&lia! do 7anad& e da Nova]elndia. For seu lado! os localismos translocalizados s%o prota'onizados por 'rupossociais translocalizados! tais como os imi'rantes &ra(es em Faris ou Gondres! osimi'rantes turcos na +lemanha ou os imi'rantes latinos nos EH+. Fara estes 'rupos! oterritrio a ideia de territrio! en*uanto $orma de vida em escala de pro,imidade!imedia"%o! perten"a! partilha e reciprocidade. +li&s! esta reterritorializa"%o! *ueusualmente ocorre a um nIvel in$ra-estatal! pode tam(m ocorrer a um nIvel supra-estatal. Hm (om e,emplo deste ltimo processo a Hni%o Europeia! *ue! ao mesmotempo *ue desterritorializa as rela"#es sociais entre os cidad%os dos Estadosmem(ros! reterritorializa as rela"#es sociais com Estados terceiros a Europa-$ortaleza6.

    + se'unda contradi"%o entre o Estado-na"%o e o n%o-Estado transnacional. +an&lise precedente so(re as di$erentes dimens#es da 'lo(aliza"%o dominante mostrou

    *ue um dos pontos de maior controvrsia! nos de(ates so(re a 'lo(aliza"%o! a*uest%o do papel do Estado na era da 'lo(aliza"%o. Se! para uns! o Estado umaentidade o(soleta e em vias de e,tin"%o ou! em *ual*uer caso! muito $ra'ilizada nasua capacidade para or'anizar e re'ular a vida social! para outros! o Estado continuaa ser a entidade polItica central! n%o s por*ue a eros%o da so(erania muitoselectiva! como! so(retudo! por*ue a prpria institucionalidade da 'lo(aliza"%o - dasa'ncias $inanceiras multilaterais ) desre'ula"%o da economia - criada pelosEstados nacionais. 7ada uma destas posi"#es capta uma parte dos processos emcurso. Nenhuma delas! porm! $az Dusti"a )s trans$orma"#es no seu conDunto por*ueestas s%o! de $acto! contraditrias e incluem tanto processos de estatiza"%o - a talponto *ue se pode a$irmar *ue os Estados nunca $oram t%o importantes como hoDe -como processos de desestatiza"%o em *ue interac"#es! redes e $lu,os transnacionais

    da maior importncia ocorrem sem *ual*uer inter$erncia si'ni$icativa do Estado! aocontr&rio do *ue sucedia no perIodo anterior.

    + terceira contradi"%o! de natureza polItico-ideol'ica! entre os *ue vem na'lo(aliza"%o a ener'ia $inalmente incontest&vel e im(atIvel do capitalismo e os *uevem nela uma oportunidade nova para ampliar a escala e o m(ito da solidariedadetransnacional e das lutas anticapitalistas. + primeira posi"%o ! ali&s! de$endida! tantopelos *ue conduzem a 'lo(aliza"%o e dela (ene$iciam! como por a*ueles para *uem a'lo(aliza"%o a mais recente e a mais virulenta a'ress%o e,terna contra os seusmodos de vida e o seu (em estar.

    Estas trs contradi"#es condensam os vectores mais importantes dos processos de

    'lo(aliza"%o em curso. ^ luz delas! $&cil ver *ue as disDun"#es! as ocorrnciasparalelas e as con$ronta"#es s%o de tal modo si'ni$icativas *ue o *ue desi'namos por'lo(aliza"%o ! de $acto! uma constela"%o de di$erentes processos de 'lo(aliza"%o e!em ltima instncia! de di$erentes e! por vezes! contraditrias! 'lo(aliza"#es.

    +*uilo *ue ha(itualmente desi'namos por 'lo(aliza"%o s%o! de $acto! conDuntosdi$erenciados de rela"#es sociais3 di$erentes conDuntos de rela"#es sociais d%o ori'ema di$erentes $enmenos de 'lo(aliza"%o. Nestes termos! n%o e,iste estritamente umaentidade nica chamada 'lo(aliza"%o3 e,istem! em vez disso! 'lo(aliza"#es3 em ri'or!este termo s deveria ser usado no plural. Yual*uer conceito mais a(ran'ente deveser de tipo processual e n%o su(stantivo. For outro lado! en*uanto $ei,es de rela"#essociais! as 'lo(aliza"#es envolvem con$litos e! por isso! vencedores e vencidos.re*uentemente! o discurso so(re 'lo(aliza"%o a histria dos vencedores contadapelos prprios. Na verdade! a vitria aparentemente t%o a(soluta *ue os derrotados

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    aca(am por desaparecer totalmente de cena. For isso! errado pensar *ue as novase mais intensas interac"#es transnacionais produzidas pelos processos de'lo(aliza"%o eliminaram as hierar*uias no sistema mundial. Sem dvida *ue as tmvindo a trans$ormar pro$undamente! mas isso n%o si'ni$ica *ue as tenham eliminado.Felo contr&rio! a prova empIrica vai no sentido oposto! no sentido da intensi$ica"%odas hierar*uias e das desi'ualdades. +s contradi"#es e disDun"#es acima assinaladassu'erem *ue estamos num perIodo transicional no *ue respeita a trs dimens#esprincipais: transi"%o no sistema de hierar*uias e desi'ualdades do sistema mundial3transi"%o no $ormato institucional e na complementaridade entre institui"#es3 transi"%ona escala e na con$i'ura"%o dos con$litos sociais e polIticos.

    + teoria a construir deve! pois! dar conta da pluralidade e da contradi"%o dosprocessos da 'lo(aliza"%o em vez de os tentar su(sumir em a(strac"#es redutoras. +teoria *ue a se'uir proponho assenta no conceito de sistema mundial em transi"%o.Em transi"%o por*ue contm em si o sistema mundial velho! em processo de pro$undatrans$orma"%o! e um conDunto de realidades emer'entes *ue podem ou n%o conduzir aum novo sistema mundial! ou a outra *ual*uer entidade nova! sistmica ou n%o. Lrata-

    se de uma circunstncia *ue! *uando captada em corte sincrnico! revela uma totala(ertura *uanto a possIveis alternativas de evolu"%o. Lal a(ertura o sintoma de uma'rande insta(ilidade *ue con$i'ura uma situa"%o de (i$urca"%o! entendida em sentidopri'o'iniano. M uma situa"%o de pro$undos dese*uilI(rios e de compromissos vol&teisem *ue pe*uenas altera"#es podem produzir 'randes trans$orma"#es. Lrata-se! pois!de uma situa"%o caracterizada pela tur(ulncia e pela e,plos%o das escalas.U10V+teoria *ue a*ui proponho pretende dar conta da situa"%o de (i$urca"%o e! como tal!n%o pode dei,ar de ser! ela prpria! uma teoria a(erta )s possi(ilidades de caos.

    O sistema mundial em transi"%o constituIdo por trs constela"#es de pr&ticascolectivas: a constela"%o de pr&ticas interestatais! a constela"%o de pr&ticascapitalistas 'lo(ais e a constela"%o de pr&ticas sociais e culturais transnacionais. +s

    pr&ticas interestatais correspondem ao papel dos Estados no sistema mundialmoderno en*uanto prota'onistas da divis%o internacional do tra(alho no seio do *ualse esta(elece a hierar*uia entre centro! peri$eria e semiperi$eria. +s pr&ticascapitalistas 'lo(ais s%o as pr&ticas dos a'entes econmicos cuDa unidade espa"o-temporal de atua"%o real ou potencial o planeta. +s pr&ticas sociais e culturaistransnacionais s%o os $lu,os trans$ronteiri"os de pessoas e de culturas! de in$orma"%oe de comunica"%o. 7ada uma destas constela"#es de pr&ticas constituIda por: umconjunto de institui"es*ue asse'uram a sua reprodu"%o! a complementaridade entreelas e a esta(ilidade das desi'ualdades *ue elas produzem3 uma forma de poder*ue$ornece a l'ica das interac"#es e le'itima as desi'ualdades e as hierar*uias3 umaforma de direito*ue $ornece a lin'ua'em das rela"#es intrainstitucionais einterinstitucionais e o critrio da divis%o entre pr&ticas permitidas e proi(idas3 um

    con$lito estrutural *ue condensa as tens#es e contradi"#es matriciais das pr&ticas em*uest%o3 um crit#rio de hierar$uizao *ue de$ine o modo como se cristalizam asdesi'ualdades de poder e os con$litos em *ue eles se traduzem3 $inalmente! ainda *uetodas as pr&ticas do sistema mundial em transi"%o esteDam envolvidas em todos osmodos de produo de globalizao! nem todas est%o envolvidas em todos eles com amesma intensidade.

    http://www.eurozine.com/articles/2002-08-22-santos-pt.html#footNoteNUM10http://www.eurozine.com/articles/2002-08-22-santos-pt.html#footNoteNUM10
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    O *uadro n_ 1 descreve a composi"%o interna de cada um dos componentes dasdi$erentes constela"#es de pr&ticas. etenho-me apenas nos *ue e,i'em umae,plica"%o. +ntes disso! porm! necess&rio identi$icar o *ue distin'ue o sistemamundial em transi"%o S@EL6 do sistema mundial moderno S@@6. Em primeiro lu'ar!en*uanto o S@@ assenta em dois pilares! a economia-mundo e o sistema interestatal!o S@EL assenta em trs pilares e nenhum deles tem a consistncia de um sistema.Lrata-se antes de constela"#es de pr&ticas cuDa coerncia interna intrinsecamentepro(lem&tica. + maior comple,idade e tam(m incoerncia6 do sistema mundial emtransi"%o reside em *ue nele os processos da 'lo(aliza"%o v%o muito para alm dosEstados e da economia! envolvendo pr&ticas sociais e culturais *ue no S@@ estavamcon$inadas aos Estados e sociedades nacionais ou su(-unidades deles. +li&s! muitasdas novas pr&ticas culturais transnacionais s%o ori'inariamente transnacionais! ouseDa! constituem-se livres da re$erncia a uma na"%o ou a um Estado concretos ou!

    *uando recorrem a eles! $azem-no apenas para o(ter matria prima ou in$raestruturalocal para a produ"%o de transnacionalidade. Em se'undo lu'ar! as interac"#es entreos pilares do S@EL s%o muito mais intensas *ue no S@@. +li&s! en*uanto no S@@ osdois pilares tinham contornos claros e (em distintos! no S@EL h& uma interpenetra"%oconstante e intensa entre as di$erentes constela"#es de pr&ticas! de tal modo *ueentre elas h& zonas cinzentas ou hI(ridas onde as constela"#es assumem um car&cterparticularmente compsito. For e,emplo! a Or'aniza"%o @undial do 7omrcio umainstitui"%o hI(rida constituIda por pr&ticas interestatais e por pr&ticas capitalistas'lo(ais do mesmo modo *ue os $lu,os mi'ratrios s%o uma institui"%o hI(rida onde!em 'raus di$erentes! consoante as situa"#es! est%o presentes as trs constela"#es depr&ticas. Em terceiro lu'ar! ainda *ue permane"am no S@EL muitas das institui"#escentrais do S@@! elas desempenham hoDe $un"#es di$erentes sem *ue a sua

    centralidade seDa necessariamente a$ectada. +ssim! o Estado! *ue no S@@asse'urava a inte'ra"%o da economia! da sociedade e da cultura nacionais! contri(ui

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    hoDe activamente para a desinte'ra"%o da economia! da sociedade e da cultura a nIvelnacional em nome da inte'ra"%o destas na economia! na sociedade e na cultura'lo(ais.

    Os processos de 'lo(aliza"%o resultam das interac"#es entre as trs constela"#es depr&ticas. +s tens#es e contradi"#es! no interior de cada uma das constela"#es e nasrela"#es entre elas! decorrem das $ormas de poder e das desi'ualdades nadistri(ui"%o do poder. Essa $orma de poder a troca desi'ual em todas elas! masassume $ormas especI$icas em cada uma das constela"#es *ue derivam dos recursos!arte$actos! ima'in&rios *ue s%o o(Decto de troca desi'ual. O apro$undamento e aintensidade das interac"#es interestatais! 'lo(ais e transnacionais $az com *ue as$ormas de poder se e,er"am como trocas desi'uais. For*ue se trata de trocas e asdesi'ualdades podem! dentro de certos limites! ser ocultadas ou manipuladas! ore'isto das interac"#es no S@EL assume muitas vezes e credivelmente6 o re'isto dahorizontalidade atravs de ideias-$or"a como interdependncia! complementaridade!coordena"%o! coopera"%o! rede! etc. Em $ace disto! os con$litos tendem a sere,perienciados como di$usos! sendo por vezes di$Icil de$inir o *ue est& em con$lito ou

    *uem est& em con$lito. @esmo assim possIvel identi$icar em cada constela"%o depr&ticas um con$lito estrutural! ou seDa! um con$lito *ue or'aniza as lutas em torno dosrecursos *ue s%o o(Decto de trocas desi'uais. No caso de pr&ticas interestatais! ocon$lito trava-se em torno da posi"%o relativa na hierar*uia do sistema mundial D& *ue este *ue dita o tipo de trocas e 'raus de desi'ualdades. +s lutas pela promo"%o oucontra a despromo"%o e os movimentos na hierar*uia do sistema mundial em *ue setraduzem s%o processos de lon'a dura"%o *ue em cada momento se cristalizam em'raus de autonomia e de dependncia. +o nIvel das pr&ticas capitalistas 'lo(ais! a lutatrava-se entre a classe capitalista 'lo(al e todas as outras classes de$inidas a nIvelnacional! seDam elas a (ur'uesia! a pe*uena (ur'uesia e o operariado. O(viamente!os 'raus de desi'ualdade da troca e os mecanismos *ue as produzem s%o di$erentesconsoante as classes em con$ronto! mas em todos os casos trava-se uma luta pela

    apropria"%o ou valoriza"%o de recursos mercantis! seDam eles o tra(alho ou oconhecimento! a in$orma"%o ou as matrias primas! o crdito ou a tecnolo'ia. O *ueresta das (ur'uesias nacionais e a pe*uena (ur'uesia s%o! nesta $ase de transi"%o! aalmo$ada *ue amortece e a cortina de $umo *ue o(scurece a contradi"%o cada vezmais nua e crua entre o capital 'lo(al e o tra(alho entretanto trans$ormado em recurso'lo(al.

    No domInio das pr&ticas sociais e culturais transnacionais! as trocas desi'uais dizemrespeito a recursos n%o-mercantis cuDa transnacionalidade assenta na di$eren"a local!tais como! etnias! identidades! culturas! tradi"#es! sentimentos de perten"a!ima'in&rios! rituais! literatura escrita ou oral. S%o incont&veis os 'rupos sociaisenvolvidos nestas trocas desi'uais e as suas lutas travam-se em torno do

    reconhecimento da apropria"%o ou da valoriza"%o n%o mercantil desses recursos! ouseDa! em torno da i'ualdade na di$eren"a e da di$eren"a na i'ualdade.

    + interac"%o recIproca e interpenetra"%o das trs constela"#es de pr&ticas $az com*ue os trs tipos de con$litos estruturais e as trocas desi'uais *ue os alimentam setraduzam na pr&tica em con$litos compsitos! hI(ridos ou duais em *ue! de di$erentes$ormas! est%o presentes elementos de cada um dos con$litos estruturais. + importnciadeste $acto est& no *ue desi'no por transcon$litualidade! *ue consiste em assimilar umtipo de con$lito a outro e em e,perienciar um con$lito de certo tipo como se ele $ossede outro tipo. +ssim! por e,emplo! um con$lito no interior das pr&ticas capitalistas'lo(ais pode ser assimilado a um con$lito interestatal e ser vivido como tal pelas partesem con$lito. o mesmo modo! um con$lito interestatal pode ser assimilado a umcon$lito de pr&ticas culturais transnacionais e ser vivido como tal. + transcon$litualidade reveladora da a(ertura e da situa"%o de (i$urca"%o *ue caracterizam o S@EL

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    por*ue! ) partida! n%o possIvel sa(er em *ue direc"%o se orienta atranscon$litualidade. No entanto! a direc"%o *ue aca(a por se impor decisiva! n%o spara de$inir o per$il pr&tico do con$lito! como o seu m(ito e o seu resultado.

    Su'iro *ue! nas condi"#es presentes do S@EL! a an&lise dos processos de'lo(aliza"%o e das hierar*uias *ue eles produzem seDa centrada nos critrios *uede$inem o 'lo(al/local. Fara alm da Dusti$ica"%o acima dada! h& uma outra *ue Dul'oimportante e *ue se pode resumir no *ue desi'no por voracidade diferenciadora doglobal%local. No S@@ a hierar*uia entre centro! semiperi$eria e peri$eria era articul&velcom uma srie de dicotomias *ue derivavam de uma variedade de $ormas dedi$erencia"%o desi'ual. Entre as $ormas de dicotomiza"%o! saliento:desenvolvido/su(desenvolvido! moderno/tradicional! superior/in$erior!universal/particular! racional/irracional! industrial/a'rIcola! ur(ano/rural. 7ada umadestas $ormas tinha um re'isto semntico prprio! uma tradi"%o intelectual! umaintencionalidade polItica e um horizonte proDectivo. O *ue novo no S@EL o modocomo a dicotomia 'lo(al/local tem vindo a a(sorver todas as outras! n%o s nodiscurso cientI$ico como no discurso polItico.

    O 'lo(al e o local s%o socialmente produzidos no interior dos processos de'lo(aliza"%o. istin'o *uatro processos de 'lo(aliza"%o produzidos por outros tantosmodos de 'lo(aliza"%o. Eis a minha de$ini"%o de modo de produ"%o de 'lo(aliza"%o: o conDunto de trocas desi'uais pelo *ual um determinado arte$acto! condi"%o! entidadeou identidade local estende a sua in$luncia para alm das $ronteiras nacionais e! ao$az-lo! desenvolve a capacidade de desi'nar como local outro arte$acto! condi"%o!entidade ou identidade rival.

    +s implica"#es mais importantes desta concep"%o s%o as se'uintes. Em primeirolu'ar! perante as condi"#es do sistema mundial em transi"%o n%o e,iste 'lo(aliza"%o'enuIna3 a*uilo a *ue chamamos 'lo(aliza"%o sempre a 'lo(aliza"%o (em sucedida

    de determinado localismo. For outras palavras! n%o e,iste condi"%o 'lo(al para a *ualn%o consi'amos encontrar uma raiz local! real ou ima'inada! uma inser"%o culturalespecI$ica. + se'unda implica"%o *ue a 'lo(aliza"%o pressup#e a localiza"%o. Oprocesso *ue cria o 'lo(al! en*uanto posi"%o dominante nas trocas desi'uais! omesmo *ue produz o local! en*uanto posi"%o dominada e! portanto! hierar*uicamentein$erior. e $acto! vivemos tanto num mundo de localiza"%o como num mundo de'lo(aliza"%o. Fortanto! em termos analIticos! seria i'ualmente correcto se a presentesitua"%o e os nossos tpicos de investi'a"%o se de$inissem em termos de localiza"%o!em vez de 'lo(aliza"%o. O motivo por *ue pre$erido o ltimo termo ! (asicamente! o$acto de o discurso cientI$ico he'emnico tender a privile'iar a histria do mundo navers%o dos vencedores. N%o por acaso *ue o livro de BenDamim Bar(er! so(re astens#es no processo de 'lo(aliza"%o! se intitula &ihad versus 'c(orl1=6 e n%o'ac(orld versus &ihad.

    E,istem muitos e,emplos de como a 'lo(aliza"%o pressup#e a localiza"%o. + lIn'uain'lesa en*uanto lingua franca um desses e,emplos. + sua propa'a"%o en*uantolIn'ua 'lo(al implicou a localiza"%o de outras lIn'uas potencialmente 'lo(ais!nomeadamente a lIn'ua $rancesa. Yuer isto dizer *ue! uma vez identi$icadodeterminado processo de 'lo(aliza"%o! o seu sentido e e,plica"%o inte'rais n%opodem ser o(tidos sem se ter em conta os processos adDacentes de relocaliza"%o comele ocorrendo em simultneo ou se*uencialmente. + 'lo(aliza"%o do sistema deestrelato de RollAwood contri(uiu para a localiza"%o etniciza"%o6 do sistema deestrelato do cinema hindu. +nalo'amente! os actores $ranceses ou italianos dos anosC0 - de Bri'itte Bardot a +lain elon! de @arcello @astroianni a Sophia Goren - *uesim(olizavam ent%o o modo universal de representar! parecem hoDe! *uando revemosos seus $ilmes! provincianamente europeus! se n%o mesmo curiosamente tnicos. +

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    di$eren"a do olhar reside em *ue! de ent%o para c&! o modo de representarhollAwoodesco conse'uiu 'lo(alizar-se. Fara dar um e,emplo de uma &rea totalmentedi$erente! ) medida *ue se 'lo(aliza o ham(ur'er ou a pizza! localiza-se o (olo de(acalhau portu'us ou a $eiDoada (rasileira! no sentido em *ue ser%o cada vez maisvistos como particularismos tIpicos da sociedade portu'uesa ou (rasileira.

    Hma das trans$orma"#es mais $re*uentemente associadas aos processos de'lo(aliza"%o a compress%o tempo-espa"o! ou seDa! o processo social pelo *ual os$enmenos se aceleram e se di$undem pelo 'lo(o RarveA! 186. +inda *ueaparentemente monolItico! este processo com(ina situa"#es e condi"#es altamentedi$erenciadas e! por esse motivo! n%o pode ser analisado independentemente dasrela"#es de poder *ue respondem pelas di$erentes $ormas de mo(ilidade temporal eespacial. For um lado! e,iste a classe capitalista 'lo(al! a*uela *ue realmente controlaa compress%o tempo-espa"o e *ue capaz de a trans$ormar a seu $avor. E,istem! poroutro lado! as classes e 'rupos su(ordinados! como os tra(alhadores mi'rantes e osre$u'iados! *ue nas ltimas dcadas tm e$ectuado (astante movimenta"%otrans$ronteiri"a! mas *ue n%o controlam! de modo al'um! a compress%o tempo-

    espa"o. Entre os e,ecutivos das empresas multinacionais e os emi'rantes ere$u'iados! os turistas representam um terceiro modo de produ"%o da compress%otempo-espa"o.

    E,istem ainda os *ue contri(uem $ortemente para a 'lo(aliza"%o mas! n%o o(stante!permanecem prisioneiros do seu tempo-espa"o local. Os camponeses da BolIvia! doFer e da 7ol[m(ia! ao cultivarem coca! contri(uem decisivamente para uma culturamundial da dro'a! mas eles prprios permanecem localizados nas suas aldeias emontanhas como desde sempre estiveram. Lal como os moradores das $avelas doio! *ue permanecem prisioneiros da vida ur(ana mar'inal! en*uanto as suascan"#es e as suas dan"as! so(retudo o sam(a! constituem hoDe parte de uma culturamusical 'lo(alizada.

    +inda noutra perspectiva! a competncia 'lo(al re*uer! por vezes! o acentuar daespeci$icidade local. @uitos dos lu'ares