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1. Biografia

1902 – Carlos Drummond de Andrade nasceu em 31 deoutubro em Itabira do Mato Dentro, MinasGerais. Era filho do fazendeiro Carlos de Paulae Andrade e de Julieta Augusta Drummond deAndrade.

1916 – Matricula-se no Colégio Arnaldo, em BeloHorizonte, onde conhece Gustavo Capanema eAfonso Arinos de Melo Franco.

1918 – Transfere-se 1918 para o Colégio Anchieta daCompanhia de Jesus, em Nova Friburgo, RJ.

1919 – Expulso do Colégio Anchieta por “insubordina -ção intelectual”.

1920 – Muda-se com a família para Belo Horizonte. 1923 – Ingressa na Escola de Odontologia e Farmácia

de Belo Horizonte. 1924 – Conhece na capital mineira Mário de Andrade,

Oswald de Andrade, Tarsila do Amaral, vindosde uma viagem às cidades históricas mineiras.

1925 – Casa-se com Dolores Dutra de Morais. 1928 – Nasce sua filha Maria Julieta.

– Publica na Revista de Antropofagia o poema“No meio do caminho”.

1930 – Estreia em livro com Alguma poesia. 1934 – Transfere-se para o Rio de Janeiro, assumindo o

cargo de chefe de gabinete do amigo GustavoCapanema, ministro da Educação e Saúde Pública.

1945 – Deixa a chefia do gabinete de Gustavo Capanema.– Assume a codireção do diário comunista Tribu -

na Popular, mas abandona-a meses depois pordiscordâncias ideológicas.

1949 – Desliga-se da Associação Brasileira de Escrito -res por incompatibilidade com a ala de esquerdadessa agremiação.

1953 – Estabiliza-se como funcionário do DPHAN(Departamento do Patrimônio Histórico eArtístico Nacional).

1962 – Aposenta-se como chefe de seção do DPHAN. 1964 – Integra o grupo que começa a visitar a biblioteca de

Plínio Doyle, evento que chamará de “Sabadoyle”.

1977 – Grava 42 poemas em dois LPs lançados pelaPolyGram.

1982 – Recebe o título de doutor honoris causa pelaUniversidade Federal do Rio Grande do Norte.

1987 – Homenageado pela Estação Primeira de Man -gueira com o samba-enredo “O reino daspalavras”, com o qual a escola se sagrou campeã.

– Em 5 de agosto, falece sua filha Maria Julieta,vítima de câncer.

– Em 17 de agosto, abalado com a morte da filha,morre no Rio de Janeiro.

2. Obras

PoesiaAlguma poesia (1930)Brejo das almas (1934)Sentimento do mundo (1940)Poesias (1942)A rosa do povo (1945)Poesia até agora (1948)Claro enigma (1951)Viola de bolso (1952)Fazendeiro do ar (1954)Viola de bolso encordoada (1955)A vida passada a limpo (1959)Lição de coisas (1962)Antologia poética (1962)Versiprosa (1967)4 poemas & Viola de Bolso II (1967)Boitempo & A falta que ama (1968)Reunião (1969)Versiprosa II (1973)Menino antigo – Boitempo II (1973)As impurezas do branco (1973)Amor, amores (1975)Discurso de primavera & Algumas sombras (1977)A Visita (1977)O marginal Clorindo Gato (1978)Esquecer para lembrar (1979)

CLARO ENIGMA

AULAS ESPECIAISOBRAS DA FUVEST

PORTUGUÊS

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A paixão medida (1980)Nova reunião (1983)Corpo (1984)Amar se aprende amando (1985)Amor Natural (1988)Farewell (1996)

ProsaConfissões de Minas (1944)Contos de aprendiz (1951)Passeios na ilha (1952)Fala, amendoeira (1957)A bolsa & a vida (1962)Cadeira de balanço (1966)Caminhos de João Brandão (1970)O poder ultrajovem (1972)De notícias & não notícias faz-se a crônica (1974)Os dias lindos (1977)Contos plausíveis (1981)Boca de luar (1984)O observador no escritório (1986)Tempo, vida, poesia (1986)O avesso das coisas (1987)Moça deitada na grama (1987)

Literatura infantilO elefante (1987)História de dois amores (1985)

Antologias organizadas pelo autor50 poemas escolhidos pelo autor (1956)Antologia poética (1962)Uma pedra no meio do caminho – Biografia de umpoema (1967)Seleta em prosa e verso (1967)Reunião – 10 livros de poesia (1969)70 historinhas (1978)Obra completa (1978)A lição do amigo(Cartas de Mário de Andrade a Carlos Drummond deAndrade, anotadas pelo destinatário – 1982)

Nova reunião – 10 livros de poesia (1983)Amor, sinal estranho (1985)

ChargesO pipoqueiro da esquina (em colaboração com Ziraldo –1981)

1 SANT’ANNA, Affonso Romano de. Drummond: o gauche no tempo.4.ª ed., Rio de Janeiro: Ed. Record, 1992.2 ANDRADE, Carlos Drummond de. Poesia completa. Rio de Janeiro:

Ed. Nova Aguilar, p. 5.

3. Contexto Literário

O Modernismo brasileiro apresenta um carátermultifacetado. Inicialmente, no que se convencionouchamar de Primeiro Tempo Modernista (1922-30),marcou-se pela conjugação equilibrada entre a absorçãodas técnicas das vanguardas europeias e a investigaçãocrítica da identidade nacional. É o momento da adoção doportuguês coloquial do Brasil, da abordagem do cotidiano,da valorização do poema-piada e da paródia, o queculmina numa postura iconoclasta, irreverente diante daliteratura academicista respeitadora dos padrões artísticosoriundos do já antiquado século XIX.

A outra faceta desse movimento, chamada deSegundo Tempo Modernista (1930-45), apresentou tantouma poesia espiritualista quanto uma prosa regionalista.Aliás, este último setor foi o que mais se destacou,apresentando principalmente o romance nordestino deJorge Amado e Graciliano Ramos, exemplares da guinadaà esquerda dada por nossas letras.

Por fim, resta mencionar a última faceta, chamada deTerceiro Tempo Modernista (1945), que se marcou peladispersão de tendências. Prova dessa característica é o fatode seus três maiores representantes, Guimarães Rosa, JoãoCabral de Melo Neto e Clarice Lispector, trilharem seuspróprios caminhos, não seguindo um clã literário nemsequer produzindo um.

A breve recapitulação desses três períodos é muitoválida, pois permite vislumbrar a maestria de Drummond,poeta que conseguiu passear por essas três fases, em umamadurecimento que o tornou um dos maiores nomes denossa arte.

4. Drummond: poeta de múltiplas faces

Pode-se dizer que no decorrer do tempo manifes -taram-se mais de um Drummond. Em Alguma poesia,aparece o Drummond que assume os costumes estéticosdos primeiros anos modernistas. Encontram-se nessa obrapoemas que seguem os ideais valorizados pelos ícones daSemana de Arte Moderna como Mário de Andrade eOswald de Andrade. No entanto, o poeta mineiro, donode uma dicção própria, já apresenta em embriãocaracterísticas que se manifestarão nas obras seguintes.Além disso, o seu eu poemático consagrou-se por assumiruma postura um tanto narcisista, colocando-se acima doseu meio. É o que o crítico Affonso Romano de Sant’annadenominou de “eu > mundo”: “Mundo mundo vastomundo, / mais vasto é o meu coração”2.

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Convidado por seu amigo Gustavo Capanema para serchefe de gabinete no Ministério da Educação e Saúde,muda-se para o Rio de Janeiro. Encontrando-se em umametrópole, forçosamente se enxerga como mais um entreoutros. Abandona, pois, sua postura ensimesmada, passan -do a perceber o meio que o cerca. É a época de Sentimentodo mundo (1940), em que se abre para o que o cerca.Impossível então não captar a crise da opressão da EraVargas no Brasil e da ascensão do nazifascismo naEuropa. É o momento, ainda de acordo com o referidoestudioso, do eu < mundo (“Não, meu coração não é maiordo que o mundo. / É muito menor. / Nele não cabem nemas minhas dores”3), que atingirá seu ponto máximo nocampo político-social em A rosa do povo (1945). Tra ta-se,portanto, de uma fase de poesia preocupada com a críticasocial associada a uma visão pessimista sobre o mundo.É também o instante em que flerta com o socialis mo.

Na década de 1950, todo o contexto que havia geradoa conjuntura crítica poetizada na fase anterior mudara. Aditadura Vargas não está mais em vigor. Os regimesnazifascistas foram derrotados. Entretanto, Drummondnão se sente em paz. O capitalismo continuava no seufeitio opressor. O socialismo mostrara-se decepcionante,conforme o próprio poeta confessara:

(...) desejo ver extirpada a iniquidade, e sou dos quetodos os dias se sentem um pouco envergonhadoscom os relativos privilégios de que desfrutam nomeio de tanta gente que vive abaixo do nível canino.Não posso acreditar, contudo, que, transformada aordem social e econômica, a vida assuma aspectosidílicos de fácil intercompreensão, e o indivíduosinta desvanecida a sua complexidade. 4

Abre-se caminho para uma nova postura poemática.Drummond deixa de ser o poeta público e político deSentimento do mundo e A rosa do povo e se volta paraquestões metafísicas e existenciais, assumindo umapostura resignada. É o instante também em que adotaformas poéticas tradicionais como o soneto. O maiorexemplo dessa nova faceta é Claro enigma (1951).

A partir de então o poeta encontra um pacificação desuas crises existenciais. Nos dizeres do já referido crítico,é a fase do eu = mundo. Passa a trabalhar, por exemplo,com poemas em que a tessitura da construção poética,assim como o experimentalismo linguístico são colocadosem foco. Lição de coisas é o exemplo máximo dessa novapersonalidade poemática.

3 ANDRADE, Carlos Drummond de. Op. cit. p. 87.

4 ANDRADE, Carlos Drummond de. Obra completa. 2.a ed., Rio deJaneiro: Ed. Nova Aguilar, 1967, p. 644.

5. As nove áreas temáticas

Em 1962, Drummond lançou Antologia poética, emque, como o nome indica, selecionou aqueles queconsiderava os seus melhores poemas. Ao dividir seu livroem nove áreas temáticas, contribuiu para apresentarorientações para a interpretação de sua produção literária.A partição criada foi a seguinte:1. o indivíduo: “um eu todo retorcido” – o enunciador

mos tra-se como um eu em crise, complicado, defei -tuoso;

2. a terra natal: “uma província: esta” – Minas, lugar deorigem do poeta, deixa marcas profundas e duras,provando que, mesmo que o indivíduo abandone aterra natal, ela não o abandona, acabando porconstituir seu caráter;

3. a família: “a família que me dei” –fugindo do cha -vão que torna os poemas sobre família sentimentalis -tas, Drummond aborda o tema de maneira crítica, semalegria, mostrando como a realidade da famíliaatravessa o tempo e está presente no eu poemático.

4. amigos: “cantar de amigos” – homenagens a figu -ras por quem o poeta nutre admiração, sejam elaspróximas ou distantes, muitas vezes em poemas queapresentam forte conteúdo crítico social ou existencial.

5. o choque social: “na praça de convites” – o espaçosocial é o lugar em que o indivíduo chama a atençãodo outro, conseguindo sentir os dramas coletivos.

6. o conhecimento amoroso: “amar-amaro” – semsentimentalismo ou romantismo, Drummond enfocaa amarga experiência amorosa, além de mostrar que asrelações afetivas são forma de conhecimento do outro.

7. a própria poesia: “poesia contemplada”– exercíciosde metalinguagem em que o poeta discorre sobre ovalor e a função da poesia.

8. exercícios lúdicos: “uma, duas argolinhas” – jogoscom palavras que, apesar da aparência de brincadeirainfantil, revelam a essência do trabalho poético.

9. uma visão, ou tentativa de, da existência: “tentativade exploração e de interpretação do estar-no-mundo”– questionamento sobre o que significa estar nomundo e sobre o que é o mundo.

É valido lembrar que essa classificação não é estanque,ou seja, radical, pois um poema pode naturalmente pertencera mais de uma área temática.

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6. Claro enigma

Como já foi dito, Claro enigma representa uma novainflexão drummondiana: abandona-se a poesia engajadae de tendência socialista e passa-se a abordar temática deteor filosófico e existencialista. Essa alteração de rota, noentanto, não foi bem vista por setores da crítica, que aavaliaram como um retrocesso.

Houve quem condenasse o viés reflexivo universal,taxando o livro de alienado. A própria epígrafe do livro,uma frase do poeta francês Paul Valéry (“Les événementsm'énnuient”, ou seja, “os acontecimentos me entediam”),revela a intenção assumida por Drummond de afastar-sedas questões de clamor imediatista que muitos querem queseja a preocupação da literatura. No entanto, em “Procurada Poesia”, célebre texto de A rosa do povo, ponto máximodo Drummond político, seu ideal poético já estavaanunciado: “Não faças versos sobre acontecimen tos”5 . Seuconselho – “Penetra surdamente no reino das palavras”6 –era o de que o trabalho poético tinha que colocar emprimeiro lugar a elaboração especial, estética da linguagem.

Houve também quem atacasse o uso de formaspoéticas tradicionais, como o soneto, o decassílabo e oalexandrino. Esse apego ao passado também pode serdetectado no diálogo respeitoso com Dante, Camões oumesmo a mitologia grega. Os reprovadores de Drummondentenderam que o poeta estar-se-ia vinculando aos ideaisda Geração de 45, que recusara as conquistas modernistas,passando a adotar um feitio neoparnasiano. Drummondestaria realizando, portanto, um Classicismo modernizado.

No entanto, em Claro enigma não se encontra asuperficialidade temática desse grupo. O poeta mineiro,amadurecido, incorporou a tradição literária para produziruma análise mais densa da condição humana. Nesse senti -do, realiza o que foi chamado de Modernismo classicizado7.

Coerente com essa feição amadurecida, Drummondorganizou os 43 poemas de Claro enigma em seis núcleostemáticos. Ao primeiro deles deu o título “Entre lobo ecão”. Trata-se de uma referência intertextual a um poemado português Sá de Miranda (1481-1558): “Na meta domeo dia / andais entre Lobo e Cão”. Quando se tem emmente que Lobo e Cão são constelações, entende-se o que

5 ANDRADE, Carlos Drummond de. Poesia completa. Rio de Janeiro:Ed. Nova Aguilar, p. 117.

6 Idem.

7 MERQUIOR, José Guilherme. Verso universo em Drummond. 3.a ed., São Paulo: É realizações, 2012, p. 257.

o autor do Humanismo luso quis dizer: em plena claridade(meio-dia), está-se na escuridão (no céu negro entre Loboe Cão). Há aqui a menção a uma crise existencial. Alémdisso, o que é comum à multiplicidade de sentidos dalinguagem poética, esse título também indica a visãoimprecisa provocada pela pouca iluminação, o que fazcom que se confunda um lobo de um cão, a selvageria dadomesticação. Dessa forma, o poeta nos anuncia o que ospoemas abordarão: a escuridão que é fruto do desencanto.Agravante: a escuridão com a qual se depara, mesmo seestando em plena claridade – sintoma de uma criseexistencial de caráter fortemente pessoal. Um poemaexemplar desse estágio é “Dissolução”:

Escurece, e nao me seduz tatear sequer uma lampada. Pois que aprouve ao dia findar, aceito a noite.

E com ela aceito que brote uma ordem outra de seres e coisas nao figuradas. Bracos cruzados.

Vazio de quanto amavamos, mais vasto e o ceu. Povoacoes surgem do vacuo.Habito alguma?

E nem destaco minha peleda confluente escuridao.Um fim unanime concentra-se e pousa no ar. Hesitando.

E aquele agressivo espirito que o dia carreia consigo,ja nao oprime. Assim a paz, destrocada.

Vai durar mil anos, ou extinguir-se na cor do galo? Esta rosa e definitiva,ainda que pobre.

Imaginacao, falsa demente, ja te desprezo. E tu, palavra.No mundo, perene transito, calamo-nos.E sem alma, corpo, es suave.

É importante notar no poema acima como o eupoemático, ao falar da chegada da noite, metáfora daescuridão existencial que se abate sobre ele, assume umapostura resignada: “Pois que aprouve ao dia findar, aceito

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a noite”. E por isso que confessa não se sentir seduzido a“tatear sequer uma lâmpada”. Daí também a sequência deexpressões ligadas a negatividade: “braços cruzados”,“vazio”, “vácuo”, “hesitando”, “destroçada”, “extinguir-se”,“pobre”, “falsa”, “demente”, “sem alma”. O poeta avisaque se entregou a um estado próximo da inércia,abandonando seu espírito combativo e esperançoso deSentimento do mundo e A rosa do povo, curiosamentelivros em que a noite era mostrada como elementotemporário que seria sucedido pela manhã. Curiosamentetambém, não é à toa que o poeta faz aqui uma referênciaà rosa: “Esta rosa e definitiva, ainda que pobre”. Trata-sede um eco não só da obra A rosa do povo, mas também deum dos poemas mais famosos desse livro, “A flor e anáusea”. Esse símbolo agora, reincorporado, ganha outrasignificação, abandonando o valor de expectativa positivae assumindo o de desencanto.

A segunda parte de Claro enigma ganhou o nome de“Notícias amorosas”. Nela, Drummond desenvolve a suaabordagem típica a respeito do amor, o que ele rotuloucomo “amar-amaro”, entendendo, portanto, o amor comoum sentimento marcado por experiências amargas. É o que se vê em “Amar”:

Que pode uma criatura senão,entre criaturas, amar?amar e esquecer, amar e malamar,amar, desamar, amar?sempre, e até de olhos vidrados, amar?

Que pode, pergunto, o ser amoroso,sozinho, em rotação universal, senãorodar também, e amar?amar o que o mar traz à praia,o que ele sepulta, e o que, na brisa marinha,é sal, ou precisão de amor, ou simples ânsia?

Amar solenemente as palmas do deserto,o que é entrega ou adoração expectante,e amar o inóspito, o áspero,um vaso sem flor, um chão de ferro,e o peito inerte, e a rua vista em sonho, e uma ave de rapina.

Este o nosso destino: amor sem conta,distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas,doação ilimitada a uma completa ingratidão,e na concha vazia do amor a procura medrosa,paciente, de mais e mais amor.

Amar a nossa falta mesma de amor, e na secura nossa, amar a água implícita, e o beijo tácito, e a sede infinita.

A interrogação retórica que abre o poema (“Que podeuma criatura senão (...)?”) equivale a uma declaração: “A única coisa que uma criatura pode é (...)”. Esse procedimento linguístico revela o tom assumido pelopoema e que perpassa a obra: o de aceitação. Reforça essaconsciência abatida o uso de verbos no infinitivo (“amar”,“malamar”, “desamar”, “rodar”, “esquecer”), quemostram que as amargas experiências amorosas fazemparte de um ciclo contínuo do qual não há escapatória.Conscientização bastante coerente com a frase “Este onosso destino” – ou seja, não há outra coisa a fazer. Porisso que o vocabulário predominante no poema indicanegatividade: “inóspito”, “áspero”, “vaso sem flor”, “peitoinerte”, “ave de rapina”.

A terceira parte do livro ganhou a denominação “O menino e os homens”. Nela, Drummond (o menino)faz homenagem a outros poetas (os homens). Valiosocomo exemplo é “O chamado”:

Na rua escura o velho poeta (lume de minha mocidade) já não criava, simples criatura exposta aos ventos da cidade.

Ao vê-lo curvo e desgarrado na caótica noite urbana,o que senti, não alegria,era, talvez, carência humana.

E pergunto ao poeta, pergunto-lhe (numa esperança que não digo) para onde vai — a que angra serena, a que Pasárgada, a que abrigo?

A palavra oscila no espaçoum momento. Eis que, sibilino, entre as aparências sem rumo, responde o poeta: Ao meu destino.

E foi-se para onde a intuição,o amor, o risco desejadoo chamavam, sem que ninguém pressentisse, em torno, o Chamado.

A referência a Pasárgada (“para onde vai — / (...) aque Pasárgada (...) ?”) permite entender que “O Chamado”é uma homenagem a Manuel Bandeira, autor de “Vou meembora pra Pasárgarda”. É o mais velho dos modernistase considerado por eles o grande e afetivo mestre.Drummond já havia reconhecido em outro poema (“O deno cinquentenário do poeta brasileiro”, de Sentimento domundo) uma oposição entre o seu jeito negativo de sermais um dos que se sentem “pequenos a espera dos

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maiores acontecimentos”8 e a postura positiva do seuamigo, capaz de se manter “sem uma queixa no rostoentretanto experiente”9 . É essa qualidade que tornaBandeira, de acordo com o mesmo poema de Sentimentodo mundo, o “poeta acima da guerra e do ódio entre oshomens”10 . Essa mesma superioridade pode ser vista em“O Chamado”. Basta notar que Bandeira é chamado de“lume” e qualificado como “desgarrado / na caótica noiteurbana”. Em outras palavras: capaz de se manter à partedessa escuridão que se abateu não só sobre Claro enigma,mas sobre o mundo que esse livro aborda. A grandiosidadeestá em atender ao seu destino, em ir para a sua Pasárgada.Mais ainda: em conseguir captar esse chamado, habilidadeque os demais, inclusive o próprio Drummond, nãopossuem. E tal invocação a que Bandeira responde está

ligada à aceitação calma do destino, que pode ser tambémentendida como a aceitação serena da morte. Se se lembrarque muitas vezes o que se elogia em alguém é o que nofundo se deseja para si, torna-se plausível entender queDrummond acaba implicitamente expressando o desejode possuir a mesma disposição de Bandeira em aceitar odestino, mesmo sendo a morte.

Já na quarta parte, “Selo de Minas”, Drummonddesenvolve um tema que já se lhe tornou clássico: a terranatal. No entanto, ele nunca abordou esse assunto compaixão bairrista. Em Claro enigma o abordará de formacoerente com o conjunto da obra: de forma crítica edesencantada. É o que se pode perceber nos trechos aseguir de “Os bens e o sangue”:

6 –

I

Às duas horas da tarde deste nove de agosto de 1847nesta fazenda do Tanque e em dez outras casas de rei, q não de valete,em Itabira Ferros Guanhães Cocais Joanésia Capãodiante do estrume em q se movem nossos escravos, e da viraçãoperfumada dos cafezais q trança na palma dos coqueirosfiéis servidores de nossa paisagem e de nossos fins primeiros,deliberamos vender, como de fato vendemos, cedendo posse jus e domínioe abrangendo desde os engenhos de secar areia até o ouro mais fino,nossas lavras mto nossas por herança de nossos pais e sogros bem-amadosq dormem a paz de Deus entre santas e santos martirizados.Por isso neste papel azul Bath escrevemos com a nossa melhor letraestes nomes q em qualquer tempo desafiarão tramoia trapaça e treta:

ESMERIL PISSARRÃOCANDONGA CONCEIÇÃO

E tudo damos por vendido ao compadre e nosso amigo o snr Raimundo Procópioe a d. Maria Narcisa sua mulher, e o q não for vendido, por alborque de nossa mão passará, e trocaremos lavras por matas, lavras por títulos, lavras por mulas, lavras por mulatas e arriatas, q trocar é nosso fraco e lucrar é nosso forte. Mas fique esclarecido: somos levados menos por gosto do sempre negócio que no sentido de nossa remota descendência ainda mal debuxada no longe dos serros.De nossa mente lavamos o ouro como de nossa alma um dia os erros se lavarão na pia da penitência. E filhos netos bisnetos tataranetos despojados dos bens mais sólidos e rutilantes portanto os mais completos irão tomando a pouco e pouco desapego de toda fortuna e concentrando seu fervor numa riqueza só, abstrata e una.

8 ANDRADE, Carlos Drummond de. Poesia completa. Rio de Janeiro:Ed. Nova Aguilar, p. 79.

9 Ibid., p. 78.

10 Idem.

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LAVRA DA PACIÊNCIALAVRINHA DE CUBASITABIRUÇU

IIMais que todos deserdamosdeste nosso oblíquo modoum menino inda não nado(e melhor não fora nado)que de nada lhe daremossua parte de nonadae que nada, porém nadao há de ter desenganado.

E nossa rica fazendajá presto se desfazendovai-se em sal cristalizandona porta de sua casaou até na ponta da asade seu nariz fino e frágil,de sua alma fina e frágil,de sua certeza frágilfrágil frágil frágil frágil

mas que por frágil é ágil,e na sua mala-sortese rirá ele da morte.

(...)

VIII— Ó meu, ó nosso filho de cem anos depois,\que não sabes viver nem conheces os boispelos seus nomes tradicionais. .. nem suas coresmarcadas em padrões eternos desde o Egito.

Ó filho pobre, e descorçoado, e finito,ó inapto para as cavalhadas e os trabalhos brutaiscom a faca, o formão, o couro... Ó tal como quiséramospara tristeza nossa e consumação das eras,para o fim de tudo que foi grande!

Ó desejado,ó poeta de uma poesia que se furta e se expandeà maneira de um lado de pez e resíduos letais...És nosso fim natural e somos teu adubo,tua explicação e tua mais singela virtude. . .Pois carecia que um de nós nos recusassepara melhor servir-nos. Face a facete contemplamos, e é teu esse primeiroe úmido beijo em nossa boca de barro e de sarro.

Esse poema apresenta a mistura de estilos, caracterís -tica comum na literatura moderna. Ele se inicia com atranscrição de uma escritura antiga, em linguagem deépoca. Na verdade, esse trecho é baseado em umdocumento real: em meados do século XIX os ancestraisdo poeta desfizeram-se de terras que pertenciam aocapitão João Francisco de Andrade. Drummond, com todasua visão poética, interpretou tal transação comercialcomo uma preparação para o que se ia constituir suapersonalidade – a de um ser despojado. A consequênciadesse desprestígio econômico está na postura do eu poe -mático: inapto para as questões práticas da vida, torna-seo porta-voz da limitação e da finitude humana.

A quinta parte, “Os lábios cerrados”, dedica-se àlembrança dos familiares. Drummond não fala da famíliade forma tradicional, mostrando um respeito cego oumesmo convencional aos laços de parentesco. Na verdade,o poeta aborda esse tema de forma própria, discorrendosobre a memória e a capacidade que esta tem de tornarpresentes os ausentes. Há também a ideia de que osparentes, no decorrer do tempo, conferem uma perenidadedentro da efemeridade, pois transmitem um princípioeterno consanguíneo. Essa ideia traz em si a conciliaçãode opostos, já anunciada no título dessa parte: lábios(índice de fala) cerrados (ou seja, fechados, índice demudez). Talvez haja aqui a ideia da morte comoapaziguamento, como se vê em “A mesa”:

E não gostavas de festa...Ó velho, que festa grandehoje te faria a gente.E teus filhos que não bebeme o que gosta de beber,em torno da mesa larga,largavam as tristes dietas,esqueciam seus tricotes,e tudo era farra honestaacabando em confidência.Ai, velho, ouvirias coisasde arrepiar teus noventa.E daí, não te assustávamos,porque, com riso na boca,e a média galinha, o vinhoportuguês de boa pinta,e mais o que alguém fariade mil coisas naturaise fartamente poriaem mil terrinas da China,já logo te insinuávamosque era tudo brincadeira.Pois sim. Teu olho cansado,mas afeito a ler no campo

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uma lonjura de léguas,e na lonjura uma rêsperdida no azul azul,entrava-nos alma adentroe via essa lama podree com pesar nos fitavae com ira amaldiçoavae com doçura perdoava(perdoar é rito de pais,quando não seja de amantes).E, pois, tudo nos perdoando,por dentro te regalavasde ter filhos assim... Puxa,grandessíssimos safados,me saíram bem melhorque as encomendas. De resto,filho de peixe... Calavas,com agudo sobrecenhointerrogavas em tiuma lembrança saudosae não de todo remotae rindo por dentro e vendoque lançaras uma pontedos passos loucos do avôà incontinência dos netos,sabendo que toda carneaspira à degradação,mas numa via de fogoe sob um arco sexual,tossias. Hem, nem, meninos,não sejam bobos. Meninos?Uns marmanjos cinquentões ,calvos, vívidos, usados,mas resguardando no peitoessa alvura de garoto,essa fuga para o mato,essa gula defendidae o desejo muito simplesde pedir à mãe que cosa,mais do que nossa camisa,nossa alma frouxa, rasgada...

Em redondilhos maiores brancos, o poeta cria umareunião familiar imaginária com a presença do austero pai.Há o aproveitamento de uma forma poemática tradicional,de andamento mais popular, para recriação de uma cenadoméstica. Compatível com essa característica é oemprego de marcas de oralidade ("Puxa"), além de clichês(“grandessíssimos safados, / me saíram bem melhor / queas encomendas. De resto, / filho de peixe...”), que acabamrevitalizados nas mãos do poeta. Não é à toa que commaestria o eu poemático brinca com o campo de significa -dos, como na visão capaz de enxergar na lonjura ser capazde detectar o interior das pessoas ou como o coser roupa

também se referir às almas rasgadas. Todos essesprocessos linguísticos servem para que finalmente, depoisde anos de convivência difícil, Drummond se reconci -liasse, ainda que em memória, com a figura de seu pai.

A última parte de Claro enigma é “A máquina domundo”, em que o poeta se arremessa com fôlegosurpreendente para o mais alto das questões metafísicas.Esse bloco é constituído apenas de dois poemas, um delesconsiderado por alguns estudiosos como o melhor daliteratura brasileira – “A máquina do mundo”:

E como eu palmilhasse vagamenteuma estrada de Minas, pedregosa, e no fecho da tarde um sino rouco

se misturasse ao som de meus sapatos que era pausado e seco; e aves pairassem no céu de chumbo, e suas formas pretas

lentamente se fossem diluindona escuridão maior, vinda dos montese de meu próprio ser desenganado,

a máquina do mundo se entreabriupara quem de a romper já se esquivavae só de o ter pensado se carpia.

Abriu-se majestosa e circunspecta,sem emitir um som que fosse impuronem um clarão maior que o tolerável

pelas pupilas gastas na inspeçãocontínua e dolorosa do deserto,e pela mente exausta de mentar

toda uma realidade que transcendea própria imagem sua debuxadano rosto do mistério, nos abismos.

Abriu-se em calma pura, e convidandoquantos sentidos e intuições restavama quem de os ter usado os já perdera

e nem desejaria recobrá-los,se em vão e para sempre repetimosos mesmos sem roteiro tristes périplos,

convidando-os a todos, em coorte,a se aplicarem sobre o pasto inéditoda natureza mítica das coisas,

assim me disse, embora voz algumaou sopro ou eco ou simples percussãoatestasse que alguém, sobre a montanha,

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a outro alguém, noturno e miserável,em colóquio se estava dirigindo:"O que procuraste em ti ou fora de

teu ser restrito e nunca se mostrou,mesmo afetando dar-se ou se rendendo,e a cada instante mais se retraindo,

olha, repara, ausculta: essa riquezasobrante a toda pérola, essa ciênciasublime e formidável, mas hermética,

essa total explicação da vida,esse nexo primeiro e singular,que nem concebes mais, pois tão esquivo

se revelou ante a pesquisa ardenteem que te consumiste... vê, contempla,abre teu peito para agasalhá-lo.”

As mais soberbas pontes e edifícios,o que nas oficinas se elabora,o que pensado foi e logo atinge

distância superior ao pensamento,os recursos da terra dominados,e as paixões e os impulsos e os tormentos

e tudo que define o ser terrestreou se prolonga até nos animaise chega às plantas para se embeber

no sono rancoroso dos minérios,dá volta ao mundo e torna a se engolfar,na estranha ordem geométrica de tudo,

e o absurdo original e seus enigmas,suas verdades altas mais que todosmonumentos erguidos à verdade:

e a memória dos deuses, e o solenesentimento de morte, que floresceno caule da existência mais gloriosa,

tudo se apresentou nesse relancee me chamou para seu reino augusto,afinal submetido à vista humana.

Mas, como eu relutasse em respondera tal apelo assim maravilhoso,pois a fé se abrandara, e mesmo o anseio,

a esperança mais mínima — esse anelode ver desvanecida a treva espessaque entre os raios do sol inda se filtra;

como defuntas crenças convocadaspresto e fremente não se produzissema de novo tingir a neutra face

que vou pelos caminhos demonstrando,e como se outro ser, não mais aquelehabitante de mim há tantos anos,

passasse a comandar minha vontadeque, já de si volúvel, se cerravasemelhante a essas flores reticentes

em si mesmas abertas e fechadas;como se um dom tardio já não foraapetecível, antes despiciendo,

baixei os olhos, incurioso, lasso,desdenhando colher a coisa ofertaque se abria gratuita a meu engenho.

A treva mais estrita já pousarasobre a estrada de Minas, pedregosa,e a máquina do mundo, repelida,

se foi miudamente recompondo,enquanto eu, avaliando o que perdera,seguia vagaroso, de mãos pensas.

O tom grandioso do poema é garantido pelo empregodo decassílabo, métrica consagrada às abordagens nobrese filosóficas. O emprego de tercetos é outro aspecto soleneque faz lembrar A divina comédia, do século XIV. Adiferença é que a obra de Dante Alighieri possui esquemade rimas (terza rima), enquanto o poema de Drummondpossui versos brancos. Outro ponto que indica contatocom a tradição literária é o fato de "máquina do mundo"ser o nome do evento que encerra o episódio de A Ilha dosAmores, de Os lusíadas (1572), em que Tétis apresentaum conjunto de esferas mecânicas que explicam a ordemdo universo. Já em Drummond, ela perde o aspecto deengenho, passando a alegorizar os mistérios superiores detudo e de todos e que se desabrocham no meio do caminhodo fatigado poeta. O irônico é que essa aberturaproporcionaria a revelação do conhecimento pelo qual opoeta há anos procurava, mas que agora, desencantado, jánão lhe interessa mais. É por isso que despreza a oferta,continuando sua pálida caminhada. Há os que enxergamneste ato uma defesa da tese da independência dopensamento humano, que deve aceitar apenas o que é con -quistado por esforço próprio e não o que é simplesmentedado. Outros entendem que se manifesta um idealantropocêntrico de reconhecimento somente da sabedorialimitada ao que a mente humana é capaz de captar.

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Exercícios

Texto para as questões de 1 a 5.

OFICINA IRRITADA

Eu quero compor um soneto duroComo poeta algum ousara escrever.Eu quero pintar um soneto escuro,Seco, abafado, difícil de ler.

Quero que meu soneto, no futuro,Não desperte em ninguém nenhum prazer.E que, no seu maligno ar imaturo,Ao mesmo tempo saiba ser, não ser.

Esse meu verbo antipático e impuroHá de pungir, há de fazer sofrer,Tendão de vênus sob o pedicuro.

Ninguém o lembrará: tiro no muro,Cão mijando no caos, enquanto Arcturo*,Claro enigma, se deixa surpreender.

Nota(*) – Arcturo: estrela mais luminosa da constelação de Boieiro e a

quarta mais brilhante do céu noturno.

1. Aponte um aspecto formal de "Oficina irritada" queindique uma divergência em relação aos padrõescostumeiramente associados ao Modernismo.

2. Como as imagens poéticas de “Oficina irritada” semostram inovadoras e destoantes da forma poemáticaem que se encontram?

3. Explique o título do soneto.

4. Qual expressão no corpo do poema também funcionacomo paradoxo? Justifique sua escolha.

5. No contexto da obra em que o poema está inserido, aexpressão “claro enigma” funciona como

a) jogo irreverente de palavras que abole a preocupaçãocom sentido.

b) retomada da tradição do Barroco que enfatizaelementos sensoriais.

c) metáfora da revelação que se dá em meio a umcontexto de escuridão.

d) ironia dirigida aos que usam a poesia para questõesexistenciais.

e) sátira voltada aos que abandonam a luta contra osproblemas sociais.

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Texto para as questões de 6 a 8.

ANIVERSÁRIO

Os cinco anos de tua morteesculpiram já uma criança. Moldada em éter, de tal sorte,ela é fulva e no dia avança.

Este menino malasártico,Macunaíma de novo porte,escreve cartas no ar fantásticopara compensar tua morte.

(...)

Se de nosso nada possuímossalvo o apaixonado transporte – vida é paixão –, contigo rimos,expectantes, em frente à Porta.

6. Por que a palavra porta, que encerra "Aniversário",foi grafada com inicial maiúscula?

7. O que significa, no contexto em que está inserida, apalavra "Porta"?

8. Analise as seguintes afirmações:I. Coerente com as propostas iconoclastas do

Modernismo brasileiro, o poema acima assume umapostura irreverente com relação à tradição literária.

II. O autor praticou em “Aniversário” a intertextualidade,procedimento comum não só em Claro enigma, mastambém na estética modernista.

III. O emprego de redondilha dá ao poema um tompopular, o que constitui uma apropriação de carac -terísticas de Macunaíma, obra mencionada pelo eupoemático.

IV. O poema integra o bloco de textos de Claro enigmaem que Drummond homenageia figuras literárias porquem tem admiração.

Estão corretas as afirmações a) I e III. b) II e IV. c) I e II. d) III e IV. e) I e IV.

Texto para as questões 9 e 10.

TARDE DE MAIO

(...)Eu nada te peço a ti, tarde de maio,senão que continues, no tempo e fora dele, irreversível,sinal de derrota que se vai consumindo a ponto deconverter-se em sinal de beleza no rosto de alguémque, precisamente, volve o rosto, e passa…Outono é a estação em que ocorrem tais crises,e em maio, tantas vezes, morremos.

9. O que representa no poema a tarde de maio?

10. Explique a relação que a tarde de maio, comometáfora, mantém com Claro enigma.

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CLARO ENIGMA

GABARITOOBRAS DA FUVEST

PORTUGUÊS

1) “Oficina irritada” é um soneto de versos decas -sílabos com esquema de rimas em ABAB ABABABA AAB. Trata-se de uma constituição poemá -tica que remonta ao Classicismo, o que impõe aotexto um rigor formal que se afasta da liberdadepoética pregada pelo Modernismo.

2) O poema em análise é um soneto, forma poemáticaassociada a temas e imagens elevados. No entanto,"Oficina irritada" apresenta elementos estranhos,que desagradam o senso comum, como a ideia dese produzir uma poesia que não produza prazer,mas que seja antipática. Reforça essa intenção autilização de expressões de gosto duvidoso, aindamais para um soneto, como “tendão de vênus sob opedicuro”, “tiro no muro”, “cão mijando no caos”.

3) “Oficina” indica trabalho paciente, ligado metafo -ricamente ao artesanato poético, e "irritada"indica a revolta em relação a esse trabalho.

4) O sintagma “claro enigma”, presente no últimoverso, também assume valor paradoxal, pois o queé claro não pode ser enigmático.

5) “Claro enigma” é expressão que se refere aArcturo, uma das estrelas mais brilhantes do céunoturno. No contexto do poema, é a luz que se dáem meio à escuridão. No contexto do livro, é arevelação, é o encontro de significado, de sentidoem meio aos momentos sombrios da vida.Resposta: C

6) A maiúscula utilizada na palavra “porta” consisteno processo poético chamado maiúscula alegori -zante, expediente que serve para engrandecer osentido do termo a que se refere. Dessa forma, opoeta deixa a entender que não se trata de umaporta comum, mas de uma de valor universal.

7) O poema em análise é uma referência aoaniversário da morte de Mário de Andrade, autorde Macunaíma. Dentro desse contexto fúnebre,“Porta” tem o sentido de passagem para a morte.

8) Em “Aniversário”, a intertextualidade, práticacomum em Claro enigma, está na referência aMacunaíma, obra de Mário de Andrade. Alémdisso, o poema é dedicado ao poeta paulistano eintegra a parte “O menino e os homens”, em queDrummond homenageia literatos que admira.

Erro das demais afirmações:I. Não há elementos no trecho em análise que

permitam detectar uma postura irreverenteem relação à tradição literária.

III. O poema não foi composto em redondilha, masem versos que variam entre oito e nove sílabas.

Resposta: B

9) A tarde de maio, mês do outono no Brasil, funcionacomo metáfora consagrada da senectude, doenvelhecimento.

10) A tarde de maio é metáfora do envelhecimento,fenômeno que orienta a visão desencantada e resig -nada de Claro enigma e que se encontra presenteno próprio poema em análise.

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