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289 , Goiânia, v. 18, n. 2, 289-307, 2020. Jorge Pinheiro**, Naira Pinheiro dos Santos*** Resumo: este artigo trata do desafio que a presença do Islã na França representa para o país. Tanto a condição de imigrantes quanto a identidade imediatamente associa- da a uma religião com grande visibilidade pública faz da população muçulmana alvo de intolerâncias ou de um entrecruzamento de discriminações, que atingem principalmente as mulheres muçulmanas. Tal situação tem também um impacto sobre a laicidade. Apesar do visível confronto, há um diálogo entre muçulmanos liberais, fundamentalistas, e as diferentes visões da laicidade francesa. Palavras-chave: Cidadania. Gênero. Islamismo. Laicidade. Teologia. H oje existe uma nacionalidade europeia, como houve no tempo de Ésquilo, Sófocles e Eurípides, uma nacionalidade grega” (HUGO, 1843, p. 15). Algumas mulheres com véu seguravam firmemente uma faixa com os dizeres: “A is- lamofobia mata”. Elas vieram de ônibus de Le Havre para se juntar à mani- festação contra a islamofobia que ocorreu numa tarde de domingo, dez de novembro, em Paris e que gerou discussões acaloradas em todo o país. “O Islã é atacado na França”, afirmou uma senhora, Nacira, 40 anos (SAUVAGET; DURUPT, 2019, s/p). “Laicidade nós amamos você, você deve nos proteger”, CIDADANIA E ISLAMISMO NA FRANÇA* ––––––––––––––––– * Recebido em: 30.01.2020. Aprovado em: 11.05.2020. ** Doutor em Ciências da Religião (UMESP) com pós-doutorado em Ciências da Religião (UMESP e Universidade Presbiteriana Mackenzie). Graduação em Teologia (Faculdade Teológica Batista de São Paulo). E-mail: [email protected]. *** Doutorado e mestrado em Ciências da Religião com pós-doutorado (UMESP). Gradua- ção em Administração de Empresas (FGV-São Paulo). Membro do Grupo de Estudos de Gênero e Religião Mandrágora Netmal (UMESP). E-mail: [email protected] DOI 10.18224/cam.v18i2.8005

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289 , Goiânia, v. 18, n. 2, 289-307, 2020.

Jorge Pinheiro**, Naira Pinheiro dos Santos***

Resumo: este artigo trata do desafio que a presença do Islã na França representa para o país. Tanto a condição de imigrantes quanto a identidade imediatamente associa-da a uma religião com grande visibilidade pública faz da população muçulmana alvo de intolerâncias ou de um entrecruzamento de discriminações, que atingem principalmente as mulheres muçulmanas. Tal situação tem também um impacto sobre a laicidade. Apesar do visível confronto, há um diálogo entre muçulmanos liberais, fundamentalistas, e as diferentes visões da laicidade francesa.

Palavras-chave: Cidadania. Gênero. Islamismo. Laicidade. Teologia.

Hoje existe uma nacionalidade europeia, como houve no tempo de Ésquilo, Sófocles e Eurípides, uma nacionalidade grega” (HUGO, 1843, p. 15).

Algumas mulheres com véu seguravam firmemente uma faixa com os dizeres: “A is-lamofobia mata”. Elas vieram de ônibus de Le Havre para se juntar à mani-festação contra a islamofobia que ocorreu numa tarde de domingo, dez de novembro, em Paris e que gerou discussões acaloradas em todo o país. “O Islã é atacado na França”, afirmou uma senhora, Nacira, 40 anos (SAUVAGET; DURUPT, 2019, s/p). “Laicidade nós amamos você, você deve nos proteger”,

CIDADANIA E ISLAMISMO

NA FRANÇA*

–––––––––––––––––* Recebido em: 30.01.2020. Aprovado em: 11.05.2020. ** Doutor em Ciências da Religião (UMESP) com pós-doutorado em Ciências da Religião

(UMESP e Universidade Presbiteriana Mackenzie). Graduação em Teologia (Faculdade Teológica Batista de São Paulo). E-mail: [email protected].

*** Doutorado e mestrado em Ciências da Religião com pós-doutorado (UMESP). Gradua-ção em Administração de Empresas (FGV-São Paulo). Membro do Grupo de Estudos de Gênero e Religião Mandrágora Netmal (UMESP). E-mail: [email protected]

DOI 10.18224/cam.v18i2.8005

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era um dos slogans cantados na passeata, dirigidos expressamente ao ministro da Educação Jean-Michel Blanquer (SAUVAGET; DURUPT, 2019, s/p).

No dia 11 de outubro de 2019, por ocasião da reunião plenária do Conselho Regio-nal da Borgonha em Dijon, uma jovem mãe, que acompanhava um grupo de crianças que havia ido ver o funcionamento de uma instituição democrática no âmbito de uma atividade proposta por uma associação de bairro, portava véu.Ao notá-la Julien Odoul, do Rassemblement National (RN), pediu à presidente do Conselho, Marie-Guite Dufay (PS), que, em nome dos princípios laicos, solicitasse à jovem que retirasse o véu. A presidente se recusou a fazê-lo, o que resultou em confusão, com o grupo do RN deixando a Assembleia. Já fora da sala onde ocorria a reunião plenária, a jovem muçulmana foi alvo de outra manifestação de intolerância, desta feita por parte de uma mulher, também representante de um grupo de extrema-direita, que a afrontou dizendo-lhe: “Você é submissa, você verá, quando os russos chegarem, você vai ter que par-tir!” (TENOUX, 2019, s/p). Consultado sobre o caso, o ministro da Educação, Michel Blanquer, reconheceu que a jovem mãe não estava infringindo a lei e reprovou o comportamento de Julien Odoul, mas reforçou a sua posição em relação ao uso do véu ao afirmar que “ele não é desejável em nossa sociedade. Isso não deve ser encorajado.” “O que isso diz sobre a condição feminina, o que diz não está de acordo com os nossos valores, simplesmente”, afirmou, acrescentando ao final que “isso não significa que seja proibido. Felizmente, temos uma sociedade de liberdade onde também podemos nos vestir como queremos” (LEXPRESS.Fr, 2019, s/p).

A presença do Islã na França decorre principalmente da colonização do mundo mu-çulmano e do fluxo migratório de populações muçulmanas. A quantificação e delineamento do perfil dessa população são dificultados pelo fato de que a República francesa se proíbe perguntar pela pertença religiosa dos/as ci-dadãos/ãs exceto no quadro de pesquisas específicas relativas ao estado da prática religiosa, dentre as quais a última, intitulada La pratique religieuse in-fluence-t-elle les comportements familiaux?, foi realizada em 2008. Os dados disponíveis advêm de levantamentos de diversos institutos de pesquisa e por vezes são significativamente divergentes entre si, não só no que se refere ao percentual de praticantes da religião islâmica, mas também no que diz respeito à quantificação da totalidade da população muçulmana na França, identidade atribuída em geral aos/às que nasceram ou cujas famílias são originárias de países de população predominantemente muçulmana (SANTOS, 2018).

Tanto a condição de imigrantes quanto a identidade imediatamente associada a uma religião com grande visibilidade pública faz da população muçulmana alvo de intolerâncias ou de um entrecruzamento de discriminações. Até porque, como pode-se notar na fala do ministro da Educação, Michel Blanquer, a laicidade

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na França, como no caso de tantos outros países, não se resume a uma questão jurídico/legal, mas depende de práticas e costumes enraizados na sociedade francesa. As mulheres acham-se, frequentemente, no centro de atitudes intole-rantes endereçadas à população muçulmana. Segundo pesquisa do IFOP, 42% dos/as muçulmanos/as vivendo na França declararam ter sofrido algum tipo de discriminação, ao menos uma vez ao longo de sua vida, sendo que esse índice atinge 60 % entre as mulheres que portam o véu (44% entre as mulheres que nunca usam véu) (2019, p. 7,8). É entre as mulheres que portam véu que se encontra a maior proporção de casos de discriminação em situações de busca por emprego (28%, contra uma média geral de 17%) ou numa repartição públi-ca (21%, contra média geral de 11%) (IFOP, 2019, p. 12,15). É também entre elas que se verifica o maior número de casos de insultos (42%, contra 19% entre homens muçulmanos) em razão da sua fé (IFOP, 2019, p. 24).

“Estamos aqui, estamos aqui, mesmo que Blanquer não queira”, diziam os/as manifes-tantes (SAUVAGET; DURUPT, 2019, s/p). Manifestações contra a islamofo-bia ocorreram ao mesmo tempo também em outras cidades, como Toulouse e Marselha. Assim, milhares de pessoas se manifestaram na França contra um laicismo que não aceita a diferença, que exige a uniformidade cultural. Essas passeatas reuniram círculos militantes anti-islamofóbicos, mas também pesso-as de diferentes credos e nacionalidades, que se sentem discriminadas, quando não perseguidas, porque expressam através de costumes e tradições as suas religiosidades.

TRÊS TEOLOGIAS DE CONFRONTO

É comum, no Ocidente, o pensamento de que somente o cristianismo produziu teolo-gia, enquanto o islamismo esteve desprovido de tais reflexões em seus quase 1400 anos de história. Acrescenta-se a esse equívoco o fato de os cristãos, raramente, associarem o pensamento teológico islâmico à expansão de seus movimentos revolucionários. Não é nem um pouco razoável desconsiderar o postulado de que influências formadoras de opiniões tenham delineado o comportamento islâmico que tem sido noticiado nos meios de comunicação do Ocidente, os quais, aliás, façamos justiça, muitas vezes, distorcem os fatos (PINHEIRO, 2014).

Na verdade, o islamismo sempre produziu teologia, fruto de reflexões apoiadas em seu livro sagrado, o Corão, e na tradição islâmica posterior. Entre os vários ex-poentes representantes dessa teologia, apropriamo-nos (não segundo a nossa conveniência, mas segundo o reconhecimento que possuem junto ao mundo muçulmano) de três pensadores que revolucionaram a teologia islâmica. São eles, Hassan al-Banna, Sayyid Abul Ala Maududi e Sayyd Qutb, que produzi-

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ram suas obras no século vinte. Almejamos, nesse caminho, proporcionar aos leitores ferramentas para interpretação e compreensão do comportamento que se vê entre grupos islâmicos. E faremos isso a partir da análise das ideias e propostas desses intelectuais muçulmanos (PINHEIRO, 2014).

Antes, porém, e com a finalidade de desmistificarmos a ideia de que cultura árabe e islamismo são sinônimos, isto é, são a mesma coisa, gostaríamos de convidar o leitor para que ponderasse conosco sobre um pouco de nossa dívida intelec-tual e histórica para com o mundo árabe. O Oriente Médio é uma das regiões que observou as civilizações nascerem. Povos diferentes ocuparam seus de-sertos e vales férteis. Levas de invasores e nações dominadas se alternaram ao longo da história a tal ponto que se tornou difícil separar os laços culturais construídos nos últimos séculos. A partir dos primeiros séculos de nossa Era, os árabes ocuparam os espaços da cultura cristã helênica, grega, nas regiões da Síria, Palestina, Mesopotâmia, Pérsia, Egito e norte da África. Absorveram essas culturas e o helenismo, herança cultural grega, e desenvolveram áreas da ciência e da filosofia (PINHEIRO, 2014).

Foram grandes as contribuições dos árabes na matemática, na química, na medicina, na agronomia e na filosofia para a cultura ocidental. Para mencionar somente um exemplo dessa assertiva, recorremos às traduções do grego para o siríaco e para o árabe das obras dos filósofos Platão e Aristóteles. Em 711, sob a lide-rança de Tariq ibn-Ziyad, os árabes invadiram a Península Ibérica, derrotando os visigodos. Criaram o Emirado de Córdoba, em 756, que, posteriormente, passou a ser Califado, tornando-se independente de Bagdá, dando origem ao reino árabe da Espanha, El Andaluz. É importante destacar que, naquela épo-ca, século nove, Bagdá, na Mesopotâmia, capital do império árabe, era a cida-de mais desenvolvida do mundo, sem rivais no Ocidente. E Córdoba, por sua vez, a cidade mais importante da Europa (PINHEIRO, 2014).

Na Espanha, os árabes desenvolveram uma cultura helenística, cuja tendência criou as bases teóricas e metodológicas para o desenvolvimento da escolástica do século treze. Para vislumbrar a riqueza daquela civilização, é válido citar três vultos do pensamento medieval que exemplificam esse florescimento do pensamento árabe: (1) Hunayn ibn Ishaq (808-873), árabe cristão, que viveu em Bagdá e traduziu e comentou as obras de Aristóteles. (2) Averróes (1126-1198), viveu em Córdoba e se tornou o maior comentador de Aristóte-les no Ocidente. Aliás, foi por meio dele que Aristóteles ficou conhecido no mundo cristão latino. (3) Moisés Maimônides (1135-1204), também nascido em Córdoba, é o maior pensador judeu da Idade Média. Contemporâneo de Averróes, foi profundo conhecedor de Aristóteles e da cultura muçulmana. Escreveu, inclusive, sua principal obra, Guia dos perplexos, em árabe (PI-NHEIRO, 2014).

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Dentro desse contexto, era de se esperar que os árabes cristãos desenvolvessem uma exegese e uma teologia bíblica peculiar e profunda, principalmente do Novo Testamento. Ibn Al-Salibi, Ibn-Tayyb e Ibn Al-Assãl foram eruditos cristãos de primeira grandeza. Al-Salibi redigiu uma belíssima obra de exegese, O li-vro das pérolas inusitadas de interpretação do Novo Testamento, em 1050. Tayyb, admirável teólogo árabe cristão, escreveu um extenso comentário dos quatro evangelhos, publicado no Cairo (Egito), em 1908. Evocamos, aqui, todos esses nomes para ambientar o leitor, a fim de que não percamos de vista que o mundo árabe também foi muito fértil em seu legado intelectual, não obstante isso ser, muitas vezes, marginalizado.

Geralmente, quando um leigo pensa em fundamentalismo islâmico, quase que ime-diatamente lhe vem à mente a ação terrorista e as guerras. Em certo sentido, especialmente em nossos dias, isso é totalmente justificável e, para entender-mos um pouco melhor a questão, recorreremos à gênese doutrinária do com-portamento islâmico fundamentalista. A “guerra santa”, como é qualificada pelos muçulmanos, tem seu conceito derivado da palavra jihad, que significa esforço. No islamismo clássico, o verdadeiro esforço é aquele voltado à causa religiosa, e uma das modalidades desse esforço pode, de fato, ser a guerra, pois, como consta no Corão, o termo autoriza duas leituras, uma associada à guerra interior e espiritual e outra à exterior e militar (PINHEIRO, 2014).

No islamismo, tal guerra tem como finalidade a conquista da paz, para que o mundo não seja tomado por aquilo que eles entendem ser o caos. Nesse sistema de crença, existem limites bem estabelecidos para a guerra. O combate não pode envolver civis, crianças, mulheres e idosos. Essa seria a forma do jihad mais conhecido no mundo ocidental. Todavia, há, ainda, o esforço no sentido espiritual, que seria a batalha do sufismo, a dimensão mística do Islã. Para o Islã tradicional, a guerra exterior, bélica, é secundária, exatamente o contrário do que pensa o Islã fundamentalista. A guerra interior é mais importante. É a verdadeira guerra que deve ser enfrentada pelo fiel muçulmano. Há uma história de Maomé que demonstra um pouco dessa perspectiva islâmica em relação à guerra. Conta-se que Maomé voltou de uma batalha e chegou a Meca. Ali, aclamado pelo povo, por sua vitória, alguém o congratulou: “Voltaste vencedor do Jihad” (PINHEIRO, 2014, s/p). Ao que ele respondeu que voltou do pequeno Jihad contra os inimigos do Islã, mas que o essencial é o jihad al-akbar, aquele que todo homem deve travar dentro de sua própria alma, a batalha contra as paixões (CHEREM, 2013, p. 157; LAMCHICHI, 2005). Embora essa história faça parte da tradição oral sobre o profeta, a guerra está presente na literatura islâmica.

A morte no islamismo clássico só é justificada quando o seu objetivo é a defesa da própria vida. Ao muçulmano, segundo este ditame, não é autorizado iniciar o

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ataque fora dessas premissas, pois, como já vimos, do ponto de vista místico, as guerras são lutas interiores. Essa compreensão tem como ponto de partida o entendimento islâmico sobre o problema do mal, que é visto não como “ser” ou realidade objetiva, mas como questão metafísica. O mal, para o islamismo, é a sombra do bem. Não possui existência autônoma. Para o muçulmano, o mal é como a sombra que incide sobre uma pessoa ou objeto quando estes recebem a luz. Não obstante estes contrapontos encerrados nos dois conceitos de jihad, o alvo dos noticiários, inegavelmente, são sempre as lutas exteriores, até porque, apesar de ser representado por um grupo menor, este tipo de guerra é fomentada por muçulmanos radicais. Na verdade, a predisposição da pessoa para fazer uma entrega total de si própria sempre foi peculiaridade da cultura árabe, o que foi potencializado com o advento do Islã. Agora, nos dois últimos séculos, o conceito de jihad deu origem a uma teologia que deixa a vida à mercê de convicções religiosas nem sempre consensuais (PINHEIRO, 2014).

No século vinte, as ideias e conceitos se radicalizaram. Em 1928, com apenas 22 anos, professor graduado pela universidade de Al-Azhar, no Egito, Hasan AL-BAN-NÂ deu início à Irmandade Muçulmana. E fez uma afirmação que se populari-zou: “o Islã é fé e devoção, é um país e é cidadania, é uma religião e um Estado, é espiritualidade e trabalho duro, é o Alcorão e a espada” (PINHEIRO, 2014, s/p).

Em seu livro mais conhecido, Lettre à un Musulman étudiant en Occident, datado de 1935, sobre como o muçulmano deveria se comportar no exterior, afirmou:

Todos os prazeres trazidos pela civilização contemporânea não resultaram em nada, a não ser em dor. Uma dor que vai superar seus atrativos e remover a sua doçura. Portanto, evite os aspectos mundanos deste povo [mundo ocidental]: não deixe que eles tenham poder sobre você e o enganem (AL-BANNÂ, 2008, s/p).

Mas o grande aporte de Al-Bannâ foi a definição do conceito de jihad, que antes dele era visto como guerra interna do crente muçulmano em busca do caminho reto e guerra defensiva em caso de ataque dos infiéis. A partir deste pensador, o jihad passa a ser conceituado como uma obrigação para converter o mundo muçulma-no àquilo que Al-Bannâ considerava ser o puro islamismo (PINHEIRO, 2014) .

Em seu livro, La lettre des enseignements. Les principes fondateurs du mouvements des frères musulmans, Al-Banna (apud KAMEL, 2004, s/p) diz :

Por sacrifício eu entendo dar-se totalmente: sua riqueza, seu tempo, sua energia e tudo o mais pela causa do Islã. Não há jihad sem sacrifício. E não há sacrifí-cio sem uma recompensa generosa por parte de Deus. Quem evita o sacrifício é pecador. Por isso, queridos irmãos, vocês entendem o nosso tema: a morte na luta por Deus é a nossa grande esperança.

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Nesse mesmo livro, Al-Banna (2004) definiu os cincos objetivos da Irmandade Mu-çulmana. A saber: Deus é nosso objetivo, o Mensageiro é o nosso exemplo, o Corão é a nossa constituição, o Jihad é o nosso método, o martírio é o nosso desejo (PINHEIRO, 2014).

Aos 43 anos, Al-Banna foi assassinado, mas seus ensinamentos só têm crescido entre a jovem intelectualidade sunita. No seu livro, A indústria da morte (perceba o lei-tor como já o título do livro é indicativo), há uma frase que se tornou definitiva para a vida do crente revolucionário sunita: “Para uma nação que aperfeiçoa a indústria da morte e sabe morrer de forma nobre, Deus dá uma vida de orgulho neste mundo e terna graça no mundo que está por vir” (KAMEL, 2004, s/p).

Hoje, a Irmandade Muçulmana está presente no Egito, Síria, Arábia Saudita, Jordânia e Líbano. E, na Arábia Saudita, possui até uma universidade em Medina. O lema de Al-Banna, cunhado em 1928, continua seduzindo corações e mentes muçulmanas: “Preparem-se para o jihad e sejam amantes da morte”. À maneira de Al-Banna, Ala Maududi, na sequência, ampliou a teologia do Jihad e aprofundou a ruptura com o pensamento tradicional dos religiosos islâmicos, propondo uma teologia que deu fundamento aos grupos políticos revolucionários. Como Al-Banna, Ala Maududi acusava os Estados islâmicos de terem abandonado os princípios do Co-rão, tornando-se correia de transmissão do pecado ocidental (PINHEIRO, 2014).

Na década de 50, outro teórico vai marcar e aprofundar os conceitos definidos por Al-Banna e Ala Maududi. Estamos falando de Sayyd Qtub, que publicou mais de trinta volumes, os quais ficaram conhecidos como À sombra do Corão. Para Sayyd Qtub (apud KAMEL, 2004a),

a rebelião contra Deus (sic) transferiu ao homem o maior atributo de Deus (sic), a soberania sobre todas as coisas. E fez alguns homens senhores de outros. Somente num sistema islâmico de vida, todos os homens se tornam livres da servidão de alguns homens a outros homens e se devotam à submissão do Deus único, recebendo dele orientação e se curvando diante dele.

Em seu livro, Marcos (Maalim fil Tarik) de 1964, Qtub afirma:

Essa religião [islamismo] é realmente uma declaração universal para libertar o homem da servidão a outros homens e da servidão aos seus próprios desejos. É uma declaração de que a soberania pertence apenas a Deus e que Ele é o Se-nhor dos mundos. É um desafio a todos os tipos e formas de sistemas baseados na soberania do homem (MILMAN, 2004).

E, para que isso se torne uma realidade, conclamou o estabelecimento de um domínio de Alá na terra, que não poderia ser atingido apenas com a pregação.

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Aqueles que usurpam o poder de Deus sobre a terra não desistirão de seu po-der meramente por meio da pregação. Se assim fosse, a tarefa de estabelecer a religião de Deus no mundo teria sido fácil para os profetas de Deus. E isso é contrário a toda evidência da história dos profetas e da história das lutas da verdadeira religião em todas as gerações (KAMEL, 2004a).

Assim, Qtub sugere que o Islã crie um Estado muçulmano exemplar que sirva de mo-delo para o mundo islâmico e se lance no jihad global, a fim de eliminar toda e qualquer forma de governo que tenha por base a soberania humana. Em 1996, Qtub foi condenado à morte por enforcamento pelo governo de Gamal Abdel Nasser, no Egito. Hoje Qtub é considerado pelos revolucionários sunitas um mártir da causa islâmica (PINHEIRO, 2014).

As soluções propostas por Hassan Al-Banna, Ala Maududi e Sayyd Qtub são teologias que têm origem nos fundamentos criados na antiga Arábia por Maomé e seus primeiros sucessores. Essas teologias deram base aos movimentos que, a partir dos anos 1970, transformaram-se na principal força de contestação no Orien-te Médio. E, diante do desgaste dos nacionalismos árabes, como o nasseris-mo, no Egito, a Frente da Libertação Nacional, na Argélia, e o kemalismo, na Turquia, todos de tradição sunita, a teologia do martírio grassou pelo mundo islâmico. A introdução das leituras teológicas no cenário islâmico (que acon-teceu em 1979, com a revolução de Khomeini, no Irã, que se opunha, como os demais teóricos citados, tanto ao capitalismo como ao comunismo) aumentou a radicalização e a aversão ao mundo ocidental. Assim, a partir daquele ano, nasceram os movimentos xiitas, que se construíram sobre o exemplo dos aia-tolás iranianos (PINHEIRO, 2014).

Não podemos nos esquecer que, para Sayyd Qtub, a principal ação teológica do Islã não é mais a “islamização” que, no início, alcançaria as bases da população, como propunha Al-Banna, mas a eliminação dos regimes dos infiéis, por meio do jihad global (KAMEL, 2004a). Assim, foi com Qtub que a teologia do mar-tírio ganhou espaço entre a juventude muçulmana.

Nos Estados islâmicos, acontece, então, uma polarização e uma divisão entre os agrupamentos religiosos que assumem essa teologia de negação da vida e os movimentos que ainda acreditam num possível nacionalismo islâmico. Foi, porém, com a guerra no Afeganistão, que se produziu um salto qualitativo na ação político-militar desses agrupamentos religiosos. Osama Bin Laden, discípulo declarado de Qtub, dá início à unificação de movimentos e grupos religiosos que, até então, estavam separados entre si. A participação dos mulás e dos voluntários do jihad na guerra contra os soviéticos no Afeganistão e a vitória que conquistaram deu consistência a esta teologia e deslanchou a luta pela formação da Umma, ou Nação Islâmica, em oposição à teoria das revoluções nacionais.

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Al Qaed, movimento islâmico do Usbequistão, também conhecido como MIL, de Juma Namangani, e Hizb ut-Tahrir al-Islami (Partido da Libertação Islâmica) são exemplos dessa teologia levada à prática. Assim, o jihad na Palestina, na Che-chênia, na Caxemira e nas Filipinas, tanto quanto os atentados contra as torres de Nova York e nos meios de transporte na Espanha e, mais recentemente, na Inglaterra, são as diferentes faces de uma mesma teologia que prega a forma-ção de uma única nação islâmica que declare guerra global ao Ocidente infiel, embora sejam também, é claro, uma atitude de retaliação contra os arbítrios de nações ocidentais (PINHEIRO, 2014).

CIDADANIA CIVIL, CIDADANIA RELIGIOSA

Não podemos dizer que a maioria dos muçulmanos rege sua vida por meio de uma teologia da morte. Não podemos simplesmente incriminar o fundamentalismo muçulmano, pois se o fizermos caímos no erro do reducionismo, já que nem todo/a fundamentalista defende uma telogia da morte. Em verdade, é preciso considerar que os movimentos revolucionários islâmicos não surgiram num vácuo intelectual, mas a partir de um rico processo de discussão política e social.

Da mesma forma, tanto o iluminismo quanto o marxismo através do jacobinismo - in-fluenciaram fortemente a entrada da França na modernidade e a constituição da República francesa, envolvendo profundos conflitos para a constituição de um espaço secular (MARTIN, 1996, p. 26). Se “a afirmação da autonomia do homem e de sua razão foi associada, a partir do Iluminismo, com a emancipa-ção da religião” (HERVIEU-LÉGER, 1996, p. 16), isso é particularmente ver-dadeiro no contexto francês. “Associada ao obscurantismo e à rejeição da de-mocracia política” (HERVIEU-LÉGER, 1996, p. 16), a eliminação da religião constituiu-se como um projeto político republicano na França e contou com o engajamento ativo do Estado e do laicismo militante. De forma sistemática e duradoura ele foi levado a cabo principalmente por meio da ampla rede de en-sino público, que se encarregou da transmissão do ideal laico, de modo que ele está hoje inscrito “nas consciências, inclusive nas próprias consciências reli-giosas” (WILLAIME, 2004, p. 298), contemplando um caráter militante e uma visão comumente negativa da religião (PINHEIRO DOS SANTOS, 2018).

Assim, se a laicidade francesa repousa e se constrói com base na “afirmação mais acen-tuada da supremacia do Estado e de seu magistério sobre a sociedade civil, [na] tradição de um Estado emancipatório e esclarecido por um lado e centra-lizador e homogeneizador por outro lado” (WILLAIME, 2005, p. 67), ela não se limita a uma questão jurídica ou do poder público, mas impregna a própria cultura, a consciência e a ação cidadã. Nesse sentido, há aparentemente uma

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incompatibilidade inerente entre o Islã e a França. Ademais, o processo de pri-vatização da religião, que ganhou em maior ou menor grau o mundo ocidental, é muito acentuado na França, onde se verifica “forte reticência à expressão pública das pertenças religiosas” (WILLAIME, 2004, p. 282). Nesse contexto, a visibilidade do Islã no espaço público, o aumento das demandas de expres-são da religiosidade e/ou por reconhecimento das especificidades religiosas por parte da população muçulmana, inclusive nas escolas públicas, constitui um sério desafio (LIEDERMAN, 2002; RIONDEL, 2015), não apenas para o Estado, mas para a sociedade francesa como um todo.

Não se pode passar ao largo da questão de gênero aqui, pois é principalmente sobre as mulheres que pesa a responsabilidade de cumprir com as prescrições religiosas, de modo que também é principalmente sobre elas que recai o estigma social, como exemplifica o caso ocorrido em Dijon, citado mais acima. O uso do véu, tanto nos casos em que é visto como uma imposição religiosa, símbolo de sub-missão das mulheres, quanto quando percebido como símbolo de contestação, é reprovado. Riondel, professor de história há cerca de 30 anos em escola pública do ensino secundário na França, chega a aventar a hipótese de que o primeiro conflito em torno do uso do véu, que teve lugar em Creil em 1989, teria sido uma “manobra de fundamentalistas muçulmanos para testar a República”, “um meio político para testar a resistência das autoridades públicas” (RIONDEL, 2005). Ele afirma que, naquela ocasião as mulheres muçulmanas na França não usavam véu, teria bastado então “que as meninas o tirassem para atender a exigência legítima do diretor do estabelecimento” (RIONDEL, 2005).

Como aponta Liederman (2002), para além da questão do conflito em torno do uso do véu nas escolas públicas, os pedidos de dispensa das aulas de ginástica e de natação por parte de meninas muçulmanas, por serem consideradas incom-patíveis com as prescrições religiosas quanto à vestimenta, também suscitam problemas. Na visão de Riondel (2015, s/p), essas reivindicações constituem uma intrusão no seio da escola republicana, uma intrusão que

se manifesta por diversos comportamentos inapropriados (contestação de sa-beres, reivindicações múltiplas e separatistas, provocações etc.) e por uma ten-dência à estruturação comunitarista da juventude muçulmana no seio dos esta-belecimentos.

O autor afirma que tal avanço se deve à falta de respostas adequadas por parte das ins-tituições republicanas e denuncia o que identifica como uma

vontade do poder de promover uma cultura exógena em pé de igualdade com a cultura endógena, em nome do multiculturalismo e de uma convivência repu-

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blicana. Trata-se de favorecer a inclusão da comunidade muçulmana - e não mais a integração dos muçulmanos - na comunidade nacional e forjar em larga escala uma nova cultura global, independente de determinismos identitários e religiosos (RIONDEL, 2005, s/p).

Um avanço que poderia se configurar bastante negativo do ponto de vista da laicidade e da igualdade de gênero e que, não sem razão, é tida como problemática pela sociedade francesa. Até que ponto, porém, esse avanço decorre da vontade de se contrapor ao que é percebido como intolerância ou discriminação da socie-dade e/ou do Estado francês em relação à população muçulmana? Pesquisa conduzida pelo IFOP (2019a, p. 30, 31) indica que, em 2011, 60% dos/as mu-çulmanos/as entrevistados/as consideravam ser uma boa medida a proibição do uso do véu integral na rua, sendo que esse número caiu para 31% em 2019, enquanto o número dos/as que a consideram uma medida ruim saltou para 59% e predomina entre as pessoas com menos de 25 anos (70% nessa faixa etária a consideram um medida ruim, sendo que entre os/as entrevistados/as de 50 anos esse percentual é de 44% e 49% dentre eles/as a consideram uma boa medida).

Em seu discurso na Sorbonne em 26 de setembro de 2017, assim como em seu discurso ao Parlamento Europeu em 17 de abril de 2018, o presidente francês Emma-nuel Macron pediu a renovação da política europeia e a defesa da soberania da Europa. Falou de defesa, controle da migração, economia. E expressou a sua visão de soberania, ao defender uma autonomia que permita à Europa lidar com migrações, a insegurança global, as transformações ambientais, econô-micas, e sociais. Essa soberania, sobretudo econômica, política e social, traria controle sobre situações que ultrapassam as fronteiras culturais, físicas e polí-ticas dos Estados-Membros.

Para o presidente francês, a soberania a ser fundada não seria a da diluição soberania francesa, mas “uma soberania mais forte que a nossa”. Consistiria, portanto, em construir a soberania da União Europeia, enquanto entidade separada dos Estados-Membros. Mas, para que essa soberania existisse, seriam necessárias algumas condições, como a existência de “limites seguros e reconhecidos”. Ou seja, não os limites físicos aceitos pela comunidade internacional, mas as fronteiras econômicas, políticas e sociais que definem a Europa como uma comunidade de ideais democráticos, uma economia de mercado integrada, e uma realidade de solidariedade.

É importante entender que a nacionalidade francesa é um atributo legal da pessoa cujos direitos civis e políticos são regidos por um Código Civil, pela Constituição da República e também pelo Preâmbulo da Declaração de Direitos dos Cidadãos de 1789. E a noção de nacionalidade francesa está ligada à de cidadania. Mas,

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muitos costumes, frequentemente chamados de culturais, que participam da nacionalidade francesa, não estão explicitamente formuladas no direito posi-tivo. E, para compreendermos o discurso do presidente Macron, até hoje não existe nacionalidade europeia, embora a nacionalidade francesa confira a seus titulares a cidadania europeia, ou seja o status de cidadãos/ãs da União Euro-peia. O que dá a pessoa o direito de ser eleitor/a e elegível em todos os países da União, ao Parlamento Europeu e de ser candidato/a a cargos de funcioná-rios/as ou magistrados/as da União Europeia.

Ora, quando olhamos através da lente do laicismo a situação de muçulmanos e de outros povos em diáspora, a concretização de tal proposta de soberania dos povos europeus nos parece pouco provável, porque a cidadania dessas pessoas esbarra numa laicidade discriminatória e inflexível. Prova disso é a dificuldade de mulheres muçulmanas ocuparem até mesmo um simples cargo de profes-sora em escola pública francesa, já que são confrontadas com a necessidade de uso do véu, seja por imposição religiosa ou como instrumento de contesta-ção, e ao mesmo tempo com a impossibilidade de usá-lo no ambiente escolar, já que visto como sinal ou ato de proselitismo religioso (GASPARD, 2006). Porém, a discriminação não se restringe às mulheres muçulmanas, mas atinge também as mulheres francesas de origem. Um exemplo está no tratamento dispensado a Ségolène Royal, enquanto candidata à presidência da República, tanto por parte de correligionários do seu partido (Partido Socialista), quanto de opositores. Como aponta Mossuz-Lavau (2007, p. 72-73), quando

anunciou a sua possível candidatura (em setembro de 2005), ela foi recebida com sarcasmos pelo próprio partido. Pessoas da liderança do Partido Socialis-ta pronunciaram publicamente as seguintes frases: ‘Mas quem vai cuidar das crianças?’, ‘A eleição presidencial não é um concurso de beleza’, ‘A eleição presidencial não é uma questão de medidas’ (dito por uma mulher...) e depois, por ocasião da campanha interna do PS, “Ela teria feito melhor se ficasse em casa, lendo suas receitas culinárias’.

Os membros de partidos opositores usavam o argumento da incompetência, da neces-sidade de formação, “como se houvesse um gene da política passível de ser encontrado somente na população masculina, e que as mulheres não possu-íssem” (MOSSUZ-LAVAU, 2007, p. 73). Destacavam os erros que eventual-mente Ségolène Royal cometia em termos de cifras ou declarações, mas não agiam da mesma forma em relação a Nicolas Sarkozy, o principal dos can-didatos oponentes. Note-se também que, embora as mulheres representem a maioria da população francesa (51,6%), nunca houve uma mulher presidente na França.

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O conceito de soberania deve espelhar, em uma democracia, o povo soberano, e aí es-tariam incluídos todos os segmentos da sociedade, sem importar credo, gênero ou raça. E para que os povos europeus, aí incluídos os milhares de migrantes e refugiados que chegam à Europa, sejam soberanos, a cidadania deve produzir fraternidade, liberdade e igualdade a todos os níveis. E deve ser uma cidadania europeia em primeiro lugar.

Lavergne (2004) nos mostra que embora Islã e cidadania pareçam ideias opostas, essa construção aparentemente lógica traduz chauvinismo e preconceito. O Islã não é avesso à história e ao patrimônio francês e nem aos valores republicanos. O pen-samento dos orientalistas e da maioria dos cientistas políticos que tomaram o Islã político como objeto de estudo, insistem na impossibilidade de separar religião e política no Islã. E os estudos históricos mostram que a dificuldade de pensar o ser francês e o ser muçulmano, juntos na cidadania, não repousa apenas na herança da política colonial francesa. Na verdade, a França caminha para o multiculturalismo (AMSELLE, 1996). E o debate sobre a questão da ci-dadania está obrigado a enfrentar uma dupla resistência: a da herança colonial francesa, que chamamos aqui espírito gauloise, e a da visão ideológica de que é impossível no islamismo separar identidade política e identidade religiosa na definição da cidadania francesa (DELOYE , 1994).

Donde, concordamos com Chahid-Nouraï e Cayla (2018) de que está na hora de bus-car soluções jurídicas para a questão da migração na Europa, onde o status de cidadão/a da União Europeia leve à integração, independente da nacionalida-de, de credo, gênero ou raça.

CONCLUSÃO

O grande paradoxo das sociedades modernas consiste no fato de que “foi em parte do próprio campo religioso que estas extraíram as representações do mundo do homem e da história e os princípios de ação que lhes permitiram tornar-se o que são” (HERVIEU-LÉGER, 1996, p. 14). De fato, tradições religiosas contribuíram à formação de uma “‘convicção humanista’, amplamente partilhada no seio das sociedades democráticas” (HERVIEU-LÉGER,1996, p. 22). Mas em que ponto se situam as práticas em relação a essas convicções?

A questão da presença árabe-muçulmana, ou seja, da migração, tornou-se questão fun-damental do debate público europeu. É inútil negar as razões da crise euro-peia. É hora de encontrar soluções legais para justificar, em uma estrutura legal, a gestão da migração, e por extensão, a presença muçulmana, ou seja, de asilo econômico, político e social, respeitando os direitos das pessoas. A cidadania europeia deve oferecer o quadro jurídico que falta.

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Para vencer a islamofobia e construir uma verdadeira cidadania europeia, ela deve par-tir de uma cidadania mínima, que inclui os nacionais dos Estados-Membros, mas não somente. O direito do solo e o direito do sangue devem ser aplicados à cidadania europeia: todas as crianças nascidas na Europa, mesmo nos Es-tados-Membros onde a lei do solo não se aplica, serão cidadãos/ãs europeus/eias de nascimento. E também, todas as crianças nascidas fora da Europa, mas filhos/as de cidadãos/ãs europeus/eias podem se tornar cidadãos/ãs europeus/eias, o que se enquadra nas regras do reagrupamento familiar. Ou seja, a ci-dadania deve ser europeia em primeiro lugar, e será válida para migrantes e refugiados/as. Para os povos em diáspora que escolhem esta terra europeia como cidade de refúgio.

Os direitos concedidos a esses europeus/eias não nacionais de um Estado-Membro seriam idênticos aos direitos dos nacionais dos Estados-Membros: livre circu-lação na Europa, livre estabelecimento dentro dos mesmos limites dos nacio-nais, posse de passaporte da União Europeia, benefício da proteção consular dos Estados-Membros fora da União, direito de voto nas eleições municipais e europeias, acesso às políticas europeias e aos direitos hoje reservados ex-clusivamente aos cidadãos da União, conforme sua Carta dos Direitos Funda-mentais.

Ao definir juridicamente a questão da migração, a cidadania europeia poderia encon-trar um significado dinâmico para esta juventude muçulmana e nós teólogos romperíamos, por nossa ação solidária, a indiferença cristã em relação à isla-mofobia. A mobilidade humana não é coisa do passado, não é algo que deve repousar nas páginas da tradição hebraico-judaica. Somos todos/as, em última instância, migrantes e, diante disso, devemos nos dar as mãos para romper a as fobias diante de nossa presença nas comunidades do país anfitrião.

O Islã está na Europa e esta fé é vivida diariamente pela maioria dos/as muçulmanos/as. A lealdade espiritual para com Alá leva à lealdade temporal para com os países europeus onde estão. Numa pequena e rápida exegese corânica, pode-mos dizer que o pacto (Al-Aahd) nos exorta: “Seja fiel ao seu pacto, pois você será questionado sobre seus compromissos” (Corão, 17:34). Ou seja, o Islã vive na Europa o desafio de estar junto, em fraternidade. “A cada um de vocês, designamos um caminho e um plano a seguir. Ele quer testá-lo com o dom da diversidade. Competir na realização de boas obras” (Corão 5.48).

A questão primordial para um/a muçulmano/a é a da liberdade de culto, a possibilidade de dizer que “Alá é meu senhor” sem ser reprimido/a. Sem que viva a tristeza expressa no texto do Corão (22:40): “Aqueles que foram expulsos de suas ca-sas, contra toda a justiça, simplesmente porque disseram Alá é nosso Senhor”. No caso francês, essa liberdade está presente no artigo 10 da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, “ninguém deve ser constrangido

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por suas opiniões, mesmo religiosas, desde que sua manifestação não perturbe a ordem pública estabelecida pela lei”. E o artigo 1º da Constituição afirma que “a França é uma República indivisível, secular, democrática e social. Ga-rante a igualdade perante a lei de todos os cidadãos, sem distinção de origem, raça ou religião. Ela respeita todas as crenças [...]”. A cidadania civil para os/as muçulmanos é um dever que está de acordo com o versículo “Adore a Alá... Seja gentil com seus pais, parentes, órfãos, pobres, vizinhos próximos, vizi-nhos distantes, colegas, viajantes e empregados”. (Corão 4 :36)

Mas se cidadania muçulmana e cidadania civil estão tão próximos, por que o confronto e o racismo? Bem, como vimos, existe o jihadismo. Mas a luta contra o jihad não é uma luta contra o Islã, nem um choque de civilizações. O jihad apresenta ao mundo a face fundamentalista das teologias de Al-Banna, Maududi e Sayyd Qtub como hegemônicas do espírito muçulmano. Diante de tal desafio, é im-portante não colocar um sinal de igual entre o jihad exterior e o islamismo, não confundir muçulmanos fundamentalistas com todos os muçulmanos. Mas isso já podemos ver e sentir na França e, de fato, em toda a Europa: o jihad exterior é condenado por parte das autoridades religiosas, intelectuais e organizações muçulmanas. Manifestações contra o jihad, mas também contra a islamofobia estão presentes em cidades da França e da Europa.

Como aponta Riondel (2015), há um tabu em torno do Islã, um incômodo que age sobre o inconsciente coletivo e que sem dúvida opera como uma barreira. Nesse sentido ele aponta a necessidade de um “debate sincero sobre o Islã na França” e afirma crer que “os muçulmanos são capazes de ouvir as ansiedades que evocam nos não muçulmanos, certo conteúdo da religião que praticam” (RIONDEL, 2015, s/p). É evidente aí o potencial conflitivo. A visibilidade e a afirmação identitária do Islã representam de fato um desafio, na medida em que questionam valores básicos da República e da sociedade francesa, como a laicidade e a autonomia dos indivíduos. O que não significa que não haja possibilidade de diálogo, como o faz entrever também a afirmação de Riondel (2015) quanto à capacidade de escuta e compreensão por parte da comunidade muçulmana.

O próprio slogan das manifestantes citado no início, “laicidade nós amamos você, você deve nos proteger”, não obstante possa contemplar uma demanda de flexibili-zação da ‘laicidade’ à francesa, não deixa de apontar também certa abertura ou disposição da comunidade muçulmana para a aceitação e o reconhecimento de valores da sociedade francesa. De fato, se por um lado a laicidade à francesa é percebida como inflexível, por 37% dos/as muçulmanos/as entrevistados em pesquisa conduzida pelo IFOP (2019.a), que consideram que é a laicidade francesa que deve se adaptar em certos aspectos para se compatibilizar com os costumes do Islã, a maioria - 41% - ainda considera que é o Islã que deve se adaptar à laicidade à francesa.

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Por outro lado poderíamos nos perguntar até que ponto o questionamento dos valores republicanos por parcela dos/as muçulmanos /as não visam justamente evocar o fato de que as “convicções humanistas” nas quais se baseiam não são efeti-vamente aplicáveis àqueles/as que não se enquadram no padrão hegemônico imposto por um Estado que é, talvez, mais “centralizador e homogeneizador” do que “emancipatório e esclarecido” (WILLAIME, 2005, p. 67). Particular-mente tendo em vista a exigência de integração dos/as estrangeiros/as na co-munidade nacional, política que tem vigorado na França em detrimento de uma política de inclusão. Mas também devido à percepção quanto à persistên-cia de desigualdades sociais: pesquisa do IFOP (2019a, p. 36) aponta que 82% dos/as muçulmanos/as entrevistados/as consideram que há muitas desigual-dades sociais na França. Não foram especificados os tipos de desigualdades sociais percebidas pelos/as muçulmanos/as pesquisados/as, mas certamente haveria que se mencionar aí as desigualdades de gênero. Seguramente elas não atingem apenas as mulheres muçulmanas, em relação às quais o ministro da Educação se mostrou preocupado.

A autoimagem de um “Estado emancipatório e esclarecido” (WILLAIME, 2005, p. 67) justificaria em tese a preocupação do ministro da Educação com o impacto do uso do véu “sobre a condição feminina”, julgada incompatível com os valores da República francesa, de “uma sociedade de liberdade onde também podemos nos vestir como queremos” (LEXPRESS.Fr, 2019, s/p). Porém essa imagem ideologizada de um estado que favorece de modo igualitário a autonomia e a liberdade de todos/as cidadãos/ãs é contrariada pelas desigualdades de gênero, que atingem também as mulheres francesas. Exemplo disso é o próprio fato de que a França nunca teve uma mulher como presidente.

É possível então construir, nessas condições, uma “soberania mais forte que a nossa”, em que todos/as os/as cidadãos/as europeus/eias teriam o direito de eleger e serem elegíveis em todos os países da União, ao Parlamento Europeu e de candidatar-se a cargos de funcionários/as ou magistrados/as da União Euro-peia nessas condições?

O diálogo é possível. Mas, a bem da verdade, não podemos dizer com Victor Hugo que “hoje existe uma nacionalidade europeia, como houve no tempo de Ésquilo, Sófocles e Eurípides, uma nacionalidade grega”. Estamos fracionados, meio que perdidos, em busca de uma unidade que não seja uniformidade, mas diver-sidade criativa e fraterna.

CITIZENSHIP AND ISLAMISM IN FRANCE

Abstract: this article deals with the challenge that the presence of Islam in France rep-resents for the country. Both the status of immigrants and the identity imme-

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diately associated with a religion with high public visibility make the Muslim population a target of intolerance or a cross-cutting of discrimination, which mainly affects Muslim women. Such a situation also has an impact on laicism. Despite the visible confrontation, there is a dialogue between liberal and fun-damentalist Muslims, and different views of French laicism.

Keywords: Citizenship. Gender. Islam. Laicism. Theology.

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