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CENTRO UNIVERSITÁRIO CURITIBA
FACULDADE DE DIREITO DE CURITIBA
GIULIANO STHEFANO DOHMS PRETI
O CRIME CONTINUADO: UMA ANÁLISE DO REQUISITO JURISPRUDENCIAL DA
“HABITUALIDADE DELITIVA”
CURITIBA
2019
GIULIANO STHEFANO DOHMS PRETI
O CRIME CONTINUADO: UMA ANÁLISE DO REQUISITO JURISPRUDENCIAL DA
“HABITUALIDADE DELITIVA”
Monografia apresentada como requisito parcial à
obtenção do grau de Bacharel em Direito, do Centro
Universitário Curitiba.
Orientador: Prof. Dr. Gustavo Britta Scandelari.
CURITIBA
2019
GIULIANO STHEFANO DOHMS PRETI
O CRIME CONTINUADO: UMA ANÁLISE DO REQUISITO JURISPRUDENCIAL DA
“HABITUALIDADE DELITIVA”
Monografia aprovada como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em
Direito da Faculdade de Direito de Curitiba, pela Banca Examinadora formada pelos
professores:
Orientador: ___________________________
Prof. Dr. Gustavo Brita Scandelari
________________________
Prof. Dr. Alexandre Knopfholz
Curitiba, 8 de abril de 2019.
E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama
Eu possa me dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.
(VINICÍUS DE MORAES)
RESUMO
O presente trabalho objetiva identificar e analisar as divergências existentes entre
os entendimentos da doutrina e da jurisprudência quanto à aplicabilidade do Crime
Continuado, em razão do entendimento atual dos tribunais pela inaplicabilidade do
instituto pela utilização do requisito da ―Habitualidade Delitiva‖. Além disso, verificar qual o
entendimento mais adequado para atender e respeitar o princípio da legalidade do Direito
Penal, tendo-se em vista a aplicação do requisito jurisprudencial ser uma provável
caracterização de violação à um dos princípios basilares do Estado Democrático de
Direito. Dessa forma, para que seja possível uma vivência em um estado livre de decisões
abusivas e punições excessivas, requer-se o estudo da possível violabilidade do princípio
da legalidade pelo entendimento jurisprudencial hodierno, que tende a ignorar a expressa
previsão legal do emprego da teoria objetiva pura na interpretação das regras previstas no
Código Penal Brasileiro, através do estudo de autores renomados e de julgados dos
tribunais nacionais.
Palavras-chave: Crime Continuado, ―Habitualidade Delitiva‖, Princípio da
Legalidade, Estado Democrático de Direito
ABSTRACT
The present work aims at identifying and analyzing the differences between the
understanding of doctrine and jurisprudence regarding the applicability of Continued Crime,
due to the current understanding of the courts for the inapplicability of the institute over the
use of the requirement of "Delinquent Habituality". In addition, to verify the most
appropriate conclusion to comply with and uphold the principle of legality of Criminal Law,
with a view to the application of the jurisprudential requirement is a probable
characterization of violation of one of the basic principles of the Democratic State of Law.
Hence, in order to be able to live in a state free of abusive decisions and excessive
punishments, it is necessary to study the possible violability of the principle of legality by
the current jurisprudential understanding, which tends to ignore the express legal
prediction of the use of pure objective theory in the interpretation of the rules established in
the Brazilian Penal Code, through the study of renowned authors and analyses of the
national courts.
Keywords: Continued Crime; ―Delinquent Habituality‖, Principle of Legality; Democratic
State of Law.
SUMÁRIO
SUMÁRIO ........................................................................................................................ 5
1 INTRODUÇÃO ............................................................................................................. 6
2 O CONCURSO DE CRIMES ........................................................................................ 8
2.1 MODALIDADES DE CONCURSOS ........................................................................ 8
2.2 O CONCURSO APARENTE DE NORMAS PENAIS................................................ 9
2.3 O CONCURSO MATERIAL ................................................................................... 10
2.4 O CONCURSO FORMAL ...................................................................................... 11
2.5 O CRIME CONTINUADO ...................................................................................... 13
3 O CRIME CONTINUADO ........................................................................................... 14
3.1 INTRODUÇÃO HISTÓRICA .................................................................................. 14
3.2 DEFINIÇÃO E CONCEITO .................................................................................... 16
3.3 A NATUREZA JURÍDICA DO INSTITUTO ............................................................. 17
3.4 O PARÁGRAFO ÚNICO DO ARTIGO 71 DO CÓDIGO PENAL ............................ 19
3.5 TEORIA OBJETIVA ................................................................................................ 19
3.6 TEORIA SUBJETIVA ............................................................................................. 23
3.7 TEORIA OBJETIVO-SUBJETIVA ........................................................................... 23
4 A “HABITUALIDADE DELITIVA” .............................................................................. 29
4.1 O PRINCÍPIO DA LEGALIDADE ........................................................................... 30
4.2 A DEDICAÇÃO À ATIVIDADE CRIMINOSA .......................................................... 35
5 “HABITUALIDADE DELITIVA” EM FACE DO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE ......... 47
5.1 A DIVERGÊNCIA DOUTRINÁRIA .......................................................................... 47
5.2 A POSSIBILIDADE DE UTILIZAÇÃO DE ANALOGIA E DE INTERPRETAÇÃO
ANALÓGICA ................................................................................................................ 51
5.3 A JURISPRUDÊNCIA COMO FONTE DE LEI ....................................................... 54
6 CONCLUSÃO ............................................................................................................. 58
REFERÊNCIAS ............................................................................................................. 59
6
1 INTRODUÇÃO
O objetivo deste trabalho é a análise, tanto doutrinária quanto jurisprudencial, da
possibilidade de utilização do requisito da ―Habitualidade Delitiva‖ pelos Tribunais
Nacionais para negar o benefício do Crime Continuado aos réus.
A Continuidade Delitiva trata da aplicação do artigo 71 do Código Penal, que
prevê a redução da pena aplicada ao acusado caso tenha praticado dois ou mais ilícitos
em condições semelhantes de tempo, de lugar, de modus operandi, de mesma espécie
e de outras semelhantes, assim como a ―Habitualidade Delitiva‖ trata da averiguação,
pelo julgador, de um criminoso profissional, que se utiliza do mundo do crime como
forma de subsistência, através do cometimento reiterado de delitos.
Durante o estudo, serão abordados diversos tópicos, entre eles as origens do
instituto da Continuidade Delitiva, a sua inserção na legislação nacional, inicialmente
prevista no Decreto nº 847/1890 e a sua progressão histórica pelo no ordenamento
jurídico pátrio, além de apontar, também, o atual entendimento das Cortes Superiores
quanto ao tema que, a meu ver, estaria dissonante com um dos princípios basilares do
Direito Penal, qual seja o princípio da legalidade, em que o réu somente será punido
por expressa previsão legal.
Muito embora a legislação seja expressa em afirmar que a teoria aplicada pela
nossa legislação seja a objetiva pura, as Cortes do país aplicam um entendimento
diverso, qual seja da necessidade da configuração de um dolo em continuação, uma
intenção inicial do sujeito para realizar os delitos como se subsequentes fossem em seu
pensamento, afirmando que, em grande maioria, os delinquentes brasileiros são
criminosos profissionais, utilizando-se de argumentações que beiram a contradição,
quando afirmam que a prática de delitos em continuação ocasiona a impossibilidade de
aplicação do instituto do Crime Continuado.
Em suma, visa-se esclarecer o seguinte embate: se a aplicação, pelos Tribunais,
da ―Habitualidade Delitiva‖ acarretaria em violação expressa ao Princípio da Legalidade,
um dos pilares das garantias constitucionais, tendo-se em vista a utilização de uma
teoria diversa da disposta em lei, qual seja a teoria objetivo-subjetiva, para denegar o
benefício da Continuidade Delitiva aos acusados.
7
Portanto, o método utilizado neste trabalho será o da análise literária e
jurisprudencial, pelo qual se pretende esclarecer a ocorrência de uma violação, ou não,
ao princípio da legalidade pelos Tribunais, tanto regionais quanto Superiores, do país.
8
2 O CONCURSO DE CRIMES
2.1 MODALIDADES DE CONCURSOS
O instituto jurídico do Concurso de Crimes está previsto na legislação penal
vigente, o Decreto-Lei nº 2.848 de 1940 1 , no capítulo da aplicação da pena e
mencionado nos artigos 69 a 71, em que tais disposições legais correspondem,
respectivamente, ao Concurso Material, ao Concurso Formal e ao Crime Continuado.
Portanto, como dito pelo autor Cezar Roberto Bitencourt, o Concurso de Crimes
será configurado ―Quando um sujeito, mediante unidade ou pluralidade de
comportamentos, pratica dois ou mais delitos, (...).‖2.
O Concurso de Crimes, sempre que evidenciado no caso concreto, origina o
fenômeno do Concurso das Penas, que pode se manifestar de diversas formas, quais
sejam o cúmulo material, o cúmulo jurídico, a absorção e a exasperação. Entretanto, o
sistema legislativo Nacional somente utiliza do cúmulo material e do cúmulo jurídico,
que são utilizados pelas modalidades de Concursos, como dito pelo autor Cezar
Roberto Bitencourt no trecho abaixo transcrito:
a) Cumulo material — Esse sistema recomenda a soma das penas de cada um dos delitos componentes do concurso. Crítica: essa simples operacao aritmetica pode resultar em uma pena muito longa , despropocionada com a gravidade dos delitos, desnecessária e com amargos efeitos c riminogenos. E possível que o agente atinja a ressocializacao com pena menor . b) Cumulo jurídico — A pena a ser aplicada deve ser maior do que a cominada a cada um dos delitos sem, no entanto, se chegar a soma delas. c) Absorção — Considera que a pena do delito mais grave absorve a pena do delito menos grave, que deve ser desprezada. Crítica: os varios crimes menores ficariam sempre impunes . Depois da pratica de um crime grave , o criminoso ficaria imune para as demais infracoes. Seria uma carta de alforria para quem ja delinquiu. d) Exasperação — Recomenda a aplicacao da pena mais grave , aumentada de determinada quantidade em decorrencia dos demais crimes. O Direito brasileiro adota somente dois desses sistemas : o do cumulo material (concurso material e concurso formal improprio ) e o da exasperacao (concurso formal proprio e crime continuado).
3
1 BRASIL. Decreto-lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Dispõe sobre o Código Penal. Diário Oficial
[da] República Federativa do Brasil, Rio de Janeiro, RJ, 31 de dezembro de 1940. 2 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal Vol. 1 - Parte Geral, 23ªedição. 23rd edição.
Editora Saraiva, 2017. 3 Idem.
9
Cumpre ressaltar que, para um melhor entendimento quanto ao tema, é
necessária uma abordagem inicial sobre o concurso aparente de normas penais, em
razão de, como leciona Paulo César Busato, ―só é possível reconhecer determinado
tipo de ação em sua unidade ou pluralidade se antes resta definida precisamente a
norma aplicável.‖4.
2.2 O CONCURSO APARENTE DE NORMAS PENAIS
O Concurso aparente de normais penais trata dos casos em que uma ação,
tratada como injusto penal culpável, encontre correspondência com dois ou mais tipos
penais ao mesmo tempo, como exemplifica Paulo César Busato, que menciona
―quando alguém aponta uma arma para outra pessoa e exige que esta lhe entregue a
carteira, estará, a um só tempo, realizando a ação descrita pelos arts. 147 (ameaça),
155 (furto) e 157 (roubo), todos do Codigo Penal brasileiro.‖5.
Como conceitua Paulo César Busato no trecho abaixo transcrito sobre a
configuração do aparente concurso de normas penais:
A situação de conflito aparente de normas penais incriminadoras é, portanto, a situação que ocorre quando um mesmo fato, constitutivo de uma só infração, encontra enquadramento em mais de uma norma incriminadora. Nesse caso, conquanto aparentemente vários dispositivos sejam aplicáveis, apenas um deles efetivamente o será. Evidentemente, havendo várias realizações delitivas, poderia surgir o chamado concurso de crimes, ou seja, a realização de vários sucessivos delitos. A hipótese de conflito aqui tratada, ao contrário, refere-se a um único fato, que, não obstante, encontra correspondência em mais de uma descrição jurídica, ou seja, em mais de um conceito. É sabido que a interpretação do sentido de uma ação, porque composta de vários atos, nem sempre torna muito claro, no acontecimento, quando se está diante de um único crime ou de vários.
6
O conflito aparente de infrações penais pode ser solucionado com as regras da
especialidade, da subsidiariedade e da consunção7, em razão de, como dito pelo autor
4 BUSATO, Paulo César. Direito Penal - Parte Geral - Vol. 1, 4ª edição. São Paulo: Atlas, 2018.
5 Idem.
6 Idem.
7 ―Há especialidade quando as leis aplicáveis se encontram em relação geral para especial, ou seja,
quando o fato é enquadrável numa lei geral e também numa lei especial. Nesse caso, lei especial derroga lei geral‖; ―(...) Há subsidiariedade quando uma norma que define crime menos grave está abrangida pela norma que define crime mais grave, nas circunstâncias concretas em que o fato ocorreu.‖;
10
Paulo César Busato, sempre que exista uma ocorrência em que aparente a
aplicabilidade de mais de um artigo da legislação penal ―(…) é necessário estabelecer
as regras pelas quais será realizada a seleção entre os distintos preceitos para fins de
identificação do tipo de ação.‖8
Ademais, parte da doutrina entende pela existência de uma quarta regra para a
identificação do concurso aparente de infrações, qual seja a alternatividade, tratada
pelos autores Fausto de Sanctis e André Ramos Taveres9 como princípios para solver
tal questionamento, em que conceituam a alternatividade como a punibilidade de uma
única ação nos crimes tipificados com ações múltiplas ou com conteúdo variado, como
os dispostos no artigo 12210 e 15011 do Código Penal vigente.
Portanto, após solucionar que não se trata de um concurso aparente entre
infrações, passa a ser possível a análise dos Concursos Reais de Crimes.
2.3 O CONCURSO MATERIAL
O Concurso Material é tratado no artigo 69 do Código Penal vigente, que trata da
punibilidade do agente quando, por mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais
delitos, sendo estes similares ou não.
Complementa e exemplifica o conceito de Concurso Material o autor Damásio de
Jesus, conforme o trecho abaixo transcrito:
Os termos acao e omissao devem ser tomados no sentido de conduta . Suponha-se que o agente subtraia uma duzia de frutas do pomar do vizinho . Cometeu doze atos , mas uma so conduta ou fato . Responde por um so cri me de furto. Para que haja concurso material e preciso que o sujeito execute duas
―Há consunção quando um crime é meio necessário ou normal fase de preparação ou de execução de outro crime.‖. Vide: FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de Direito Penal: Parte Geral. 16ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2004. 8 Idem.
9SANCTIS, Fausto de, TAVARES, André Ramos, FRANCISCO, José (orgs.). Série Carreiras Federais -
Direito Penal - Parte Geral. São Paulo: Método, 2014. 10
BRASIL. Decreto-lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Art.122 - Induzir ou instigar alguém a suicidar-se ou prestar-lhe auxílio para que o faça: Pena - reclusão, de dois a seis anos, se o suicídio se consuma; ou reclusão, de um a três anos, se da tentativa de suicídio resulta lesão corporal de natureza grave. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Rio de Janeiro, RJ, 31 de dezembro de 1940. 11
BRASIL. Decreto-lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940.Art. 150 - Entrar ou permanecer, clandestina ou astuciosamente, ou contra a vontade expressa ou tácita de quem de direito, em casa alheia ou em suas dependências: Pena - detenção, de um a três meses, ou multa. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Rio de Janeiro, RJ, 31 de dezembro de 1940.
11
ou mais condutas (fatos), realizando dois ou mais crimes . Exs.: a) o agente ingressa na residencia da vitima , furta e comete estupro; b) praticado o estupro, o agente mata a vitima a fim de obter a impunidade.
12
Além disso, o Concurso Material, ou Real, pode ser analisado através de suas
duas espécies, o Concurso Real homogêneo, aquele que ocorre entre infrações penais
idênticas, e o Concurso Real heterogêneo, aquele diante de ilícitos distintos, como dito
pelos autores Eugênio Pacelli e André Callegari no seguinte trecho:
Há que se mencionar também uma distinção conceitual bastante simplória: designa-se por concurso material homogêneo aquele havido entre infrações idênticas; e por concurso material heterogêneo, quando diante de crimes distintos. Simples assim, nos exatos termos do citado art. 69, CP.
13
Nos casos de ocorrência do Concurso Material, é aplicado o cúmulo material,
definido pela soma das penas das infrações penais efetivamente consumadas pelo
agente, como também disciplinaram os autores Eugênio Pacelli e André Callegari da
seguinte forma:
E em resumo: o concurso real ou material de crimes ocorre em relação às infrações penais caracterizadas pela pluralidade de ações, limitando-se àquelas que sejam objeto de um único e mesmo processo penal, exigindo, portanto, a unidade ou simultaneidade de seu julgamento. O critério adotado em nosso Código Penal foi o da cumulação das penas, somando-se aquelas cominadas nos diferentes tipos penais efetivamente realizados.
14
Portanto, sempre que o agente pratica de forma consumada, dois ou mais
injustos penais culpáveis, será aplicado o regime do cúmulo material e a consequente
soma das penas dos delitos tipificados.
2.4 O CONCURSO FORMAL
Diferentemente do Concurso Material, o Concurso Formal, também denominado
de Ideal pelos doutrinadores, previsto no artigo 70 do Código Penal, será configurado
12
JESUS, Damásio de. Direito penal, volume 1 : parte geral, 35ª edição. Saraiva, 2013. 13
PACELLI, Eugênio, CALLEGARI, André. Manual de Direito Penal - Parte Geral, 3ª edição. São Paulo: Atlas, 2017. 14
Idem.
12
quando o agente pratica dois ou mais ilícitos penais, sejam estes idênticos ou não,
realizando uma única conduta, seja uma ação ou uma omissão, caracterizado, dessa
forma, pela unidade de ação e pela pluralidade de crimes consumados.
O Concurso Ideal, da mesma forma que o Concurso Material, também se
subdivide em homogêneo e em heterogêneo, com a mesma qualificação. Entretanto,
para o Concurso Formal existe uma outra subdivisão, podendo ser o Concurso Formal
Próprio, também denominado de Perfeito, quando o agente possui unidade de desígnio
para a consumação de somente um dos crimes praticados, ou podendo ser o Concurso
Formal Impróprio, ou Imperfeito, que configura-se quando o agente possui a intenção
da prática de cada um dos crimes individualmente, como exposto pelo autor Cezar
Roberto Bitencout no seguinte trecho:
Ocorre o concurso formal quando o agente , mediante uma so conduta (ação ou omissão), pratica dois ou mais crimes , identicos ou não . Nessa especie de concurso ha unidade de acao e pluralidade de crimes . Assim, para que haja con- curso formal e necessario que exista uma so conduta , embora possa desdobrar-se em varios atos , que sao os segmentos em que esta se divide . O concurso formal pode ser proprio (perfeito), quando a unidade de comportamento corresponder a unidade interna da vontade do agente , isto e, o agente deve querer realizar apenas um crime , obter um unico resultado danoso . Não devem existir — na expressao do Codigo — desígnios autonomos. Mas o concurso formal tambem pode ser improprio (imperfeito). Nesse tipo de concurso, o agente deseja a realizacao de mais de um crime , tem consciencia e vontade em relacao a cada um deles . Ocorre aqui o que o Codigo Penal chama de ―desígnios autonomos‖, que se caracteriza pela unidade de acao e multiplici - dade de determinacao de vontade , com diversas individualizacoes . Os varios eventos, nesse caso, não são apenas um , perante a consciencia e a vontade , embora sejam objeto de uma unica acao.
15
O agente deve ter a intenção de praticar cada um dos crimes de forma individual
para a configuração do Concurso Ideal Imperfeito.
Em razão de possuir duas formas diferentes de manifestação, dependendo
somente da intenção, do desígnio do agente, o Concurso Formal aplica ambos os
sistemas de majoração da pena, tanto o cúmulo material quanto a exasperação, tendo
o elemento subjetivo do agente o condão de alterar o tratamento penal destinado à sua
15
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal Vol. 1 - Parte Geral. 23ªedição. São Paulo: Editora Saraiva, 2017, p. 823.
13
conduta, como apresenta, também, o autor Cezar Roberto Bitencourt no seguinte
trecho:
Por isso , enquanto no concurso formal proprio adotou -se o sistema de exasperação da pena , pela unidade de designios , no concurso formal improprio aplica-se o sistema do cumulo material , como se fosse concurso material , diante da diversidade de intuitos do agente (art. 70, § 2o). Enfim, o que caracteriza o crime formal e a unidade de conduta , mas o que justifica o tratamento penal mais brando e a unidade do elemento subjetivo que impulsiona a acao.
Portanto, o Concurso Ideal de crimes, previsto no artigo 70 do Código Penal e
seu respectivo parágrafo, é a única modalidade de concurso que possui a aplicação de
ambas as sistemáticas de majoração da pena, sendo o menos ocorrente de todos os
concursos.
2.5 O CRIME CONTINUADO
Em razão de ser a principal temática a ser abordada pelo presente trabalho, o
Crime Continuado será tratado em capítulo próprio, tendo em vista sua complexidade e
ocorrência prática suprimida pelos Tribunais, tanto os estaduais quanto os Superiores.
14
3 O CRIME CONTINUADO
3.1 INTRODUÇÃO HISTÓRICA
Cumpre ressaltar que o instituto jurídico da Continuidade Delitiva teve origem por
volta do século XII, com o surgimento dos glosadores e, posteriormente, dos pós-
glosadores no século XIV, com o intuito de impedir que o agente que praticasse furto
por três vezes fosse condenado à morte, como também dito pelo autor Cezar Roberto
Bitencourt no seguinte trecho:
O crime continuado deve sua formulação aos glosadores (1100 a 1250) e pos-glosadores (1250 a 1450) e teve suas bases lancadas efetivamente no seculo XIV, com a finalidade de permitir que os autores do terceiro furto pudessem escapar da pena de morte . Os principais pos -glosadores, Jacobo de Belvisio , seu discipulo Bartolo de Sassoferrato e o discipulo deste , Baldo Ubaldis2, foram não so os criadores do instituto crime continuado , como tambem lancaram as bases politico-criminais do novo instituto , que, posteriormente, foi sistematizado pelos praticos italianos dos seculos XVI e XVII.
16
Válido o apontamento, também, que o mencionado instituto jurídico foi
desconhecido pelo direito vigente durante o império romano e sua respectiva transição,
através dos séculos, ao direito eclesiástico, como expressa o autor Paulo José da Costa
Junior ao afirmar que ―O crime continuado foi desconhecido nos direitos romano,
germânico e canônico. Deve-se sua formulação aos glosadores e pós-glosadores.‖17.
O Crime Continuado trata de uma ficção jurídica, criada pela política criminal
como forma de atenuação da culpabilidade, como tratado pelo autor Miguel Reale
Júnior no seguinte trecho abaixo transcrito:
A origem do instituto e o fato de ser estudado pela doutrina , acolhido pela jurisprudencia, malgrado varias legislacoes nao o co ntemplem, como a alema , indicam que se trata , antes de tudo , de uma medida de politica criminal , de equidade, que, todavia, se compadece com o Direito Penal da culpa, uma vez
16
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal Vol. 1 - Parte Geral. 23ªedição. São Paulo: Editora Saraiva, 2017, p. 824. 17
COSTA JÚNIOR, Paulo José da. Direito Penal Objetivo: Comentários ao Código Penal e ao Código de Propriedade Industrial, 2ª edição. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1991.
15
que os elementos objetivos que o caracterizam indicam uma culpabilidade diminuída.
18
No direito brasileiro, sua primeira aparição na legislação criminal surge com o
Decreto nº 847 de 11 de outubro de 1890, o Código Penal dos Estados Unidos do Brazil,
onde foi regulado pelo artigo 66, parágrafos 2º e 3º19, que instituíram os requisitos para
o reconhecimento da Continuidade Delitiva, a fim de limitar a intervenção penal do
Estado no caso da prática de diversos delitos em sequência, através da expressa
previsão de parâmetros objetivos para a caracterização do instituto.
Muito embora tenha sido tratado de forma bem simplória pelo primeiro Código
Penal da República, o Crime Continuado foi abordado de forma mais completa no texto
trazido pelo artigo 51 e parágrafos do Código Penal do Brasil, derivado do Decreto-Lei
nº 2.848 e 7 de dezembro de 1940.
A redação do artigo 51 e de seus parágrafos foram alteradas pela reforma da
parte geral do Código Penal, realizada pela Lei nº 7.209 de 11 de julho de 1984, em que
passou a vigorar como o artigo 71 da parte geral do Código, que trouxe o instituto com
a seguinte redação:
Art. 71 - Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes da mesma espécie e, pelas condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes, devem os subseqüentes ser havidos como continuação do primeiro, aplica-se-lhe a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, aumentada, em qualquer caso, de um sexto a dois terços. Parágrafo único - Nos crimes dolosos, contra vítimas diferentes, cometidos com violência ou grave ameaça à pessoa, poderá o juiz, considerando a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias, aumentar a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, até o triplo, observadas as regras do parágrafo único do art. 70 e do art. 75 deste Código.
20
Atualmente, encontra-se em trâmite o Projeto de Lei do Senado nº 236 de 2012,
de autoria do Senador José Sarney (PMDB/AP), que, além de alterar a localização
18
Jr., REALE, Miguel. Instituições de Direito Penal - Parte Geral, 4ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2012. 19
BRAZIL. Decreto nº 847, de 11 de outubro de 1890. Promulga o Código Penal dos Estados Unidos do Brazil. Coleção de Leis do Brasil de 1890. Rio de Janeiro, RJ, 11 de outubro de 1890. 20
BRASIL. Lei nº 7.209, de 11 de julho de 1984. Dispõe sobre a reforma da parte geral do Código Penal. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF,13 de julho de 1984.
16
legislativa do instituto para o artigo 88 do Código21, cria o parágrafo 2º, que traz a
aplicação expressa do cúmulo material ao Crime Continuado, nos casos de crimes
dolosos contra a vida e nos casos do crime de estupro.
3.2 DEFINIÇÃO E CONCEITO
Os requisitos configuradores do Crime Continuado estão descritos de forma
expressa na legislação penal, em seu artigo 71, quais sejam: a) a prática consumada
de dois ou mais crimes, sejam estes comissivos ou omissivos, de mesma espécie; b)
em condições similares de tempo; c) de localização; d) de modo ou forma de execução
do crime; e, muito embora previsto de forma geral e abstrata, e) outras semelhantes,
devendo os crimes subsequentes serem analisados como em continuação do primeiro.
Muito embora tais requisitos sejam tratados como puramente objetivos para a
configuração da Continuidade Delitiva, cada um apresenta suas peculiaridades. Em
razão de sua generalidade, são conceitos de amplo espectro, que podem atingir
múltiplas formas de interpretação, em especial o último requisito, das demais
semelhantes, que permite a atuação mais livre do magistrado em sua interpretação e
aplicação.
O primeiro requisito apontado, a mesma espécie de infrações, não é definido
somente pela equidade entre o tipo penal, quando o agente realiza a prática de dois ou
mais ilícitos tipificados no mesmo artigo da legislação, podendo também ser observada
sua manifestação quando os injustos penais praticados pelo agente lesionam o mesmo
bem jurídico, como na prática de dois crimes contra o patrimônio ou de dois crimes
contra a liberdade pessoal. Como expõe o autor Paulo José da Costa Junior, haverá
21
DISTRITO FEDERAL. Senado Federal. Projeto de Lei do Senado nº 236/2012. Altera o Decreto Lei nº 2.848 de 7 de dezembro de 1940, que dispõe sobre o Código Penal do Brasil. . Disponível em: <https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/106404>. Acesso em: 29 ago. 2018. Texto Original. Art. 88 - Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes da mesma espécie e, pelas condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes, devem os subseqüentes ser havidos como continuação do primeiro, aplica-se-lhe a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, aumentada, em qualquer caso, de um sexto a dois terços. § 1º - Nos crimes dolosos, contra vítimas diferentes, cometidos com violência ou grave ameaça à pessoa, poderá o juiz, considerando a culpabilidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias do fato, aumentar a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, até o triplo, observadas as regras do concurso formal de crimes. § 2º – Aplicam-se cumulativamente as penas dos crimes dolosos que afetem a vida, bem como as do estupro.
17
crimes de mesma espécie inclusive quando o ilícito for praticado ―(...) na forma simples
e qualificada do delito; entre formas qualificadas diversas; entre a modalidade
consumada e a tentada; na autoria simples e na co-autoria;‖ 22 , entre outras
possibilidades apontadas pelo escritor.
Quanto aos requisitos para a configuração da Continuidade, o entendimento
apresentado pelo autor Edgard Magalhães Noronha é no sentido de que a conexão
temporal não está atrelada e submissa a um prazo certo e delimitado, em que pode
ocorrer do julgador se deparar com uma situação de possível confusão entre o Crime
Continuado e o Concurso Real, em razão de também ser possível o reconhecimento de
homogeneidade objetiva, composta pelo lugar, pelo modo de execução e entre outros
fatores23.
3.3 A NATUREZA JURÍDICA DO INSTITUTO
Muito embora seja tratado como uma ficção jurídica, o instituto do Crime
Continuado possui três teorias que examinam sua natureza jurídica, quais sejam a
teoria realista ou da unidade real, a teoria da ficção jurídica e a teoria da unidade
jurídica, que serão adiante expostas neste mesmo subcapítulo.
A teoria realista leciona que os comportamentos delituosos são constituídos, em
uma verdade, como um único crime, como dito pelo autor Luiz Regis Prado no trecho
abaixo:
Os vários comportamentos delitivos constituem, em uma verdade, um único crime. São elos de uma mesma corrente, de modo que a unidade de intenção manifesta-se em uma unidade de lesão (decisiva é resolução delitiva, que pode ser executada uma ou várias vezes). A pluralidade de condutas não conduz com a pluralidade de crimes.
24
Onde, portanto e como aponta o autor Julio Fabbrini Mirabete, a teoria da
22
COSTA JÚNIOR, Paulo José da. Direito Penal Objetivo: Comentários ao Código Penal e ao Código de Propriedade Industrial, 2ª edição. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1991. 23
NORONHA, Edgard Magalhães. Direito Penal: Volume 1: Introdução e parte geral. 38ª edição. São Paulo: Editora Saraiva, 2004. 24
PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro. 14ª edição revisada, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, p. 418.
18
unidade real considera que as diversas violações compõem um único crime25, são
tratadas pela legislação como um único delito.
A teoria da ficção jurídica afirma que o instituto da Continuidade Delitiva é uma
criação legal para a aplicação da pena quando, de fato, ocorreram vários crimes na
realidade fática, conforme também dito pelo autor Julio Fabbrini Mirabete26.
Como pode se averiguar do trecho abaixo transcrito, escrito pelo autor italiano
Francesco Carrara, para evitar um acúmulo exorbitante de penas em cima do réu, os
crimes devem ser tratados como um único delito, sendo o primeiro autor a defender a
utilização da teoria da ficção jurídica:
Para que podamos reconocer varios delitos, es necesario que haya varias acciones de las cuales cada una represente por si misma una nueva ofensa á la ley. Ahora bien, dada esta pluralidad de acciones, el rigor de los principios exige que se imputen todas á su autor, como outros tantos títulos de delito distintos. Pero como esto conduciría, por una necesidade lógica, á una acumulación de penas que podría ser exhorbitante, los prácticos han introducido la doctrina indulgente de la continuácion, cuyo fin es hacer considerar los diferentes delitos como un solo delito continuado, á fin de aplicarles una imputación colectiva más grave que la que corresponde al delito único, pero nunca equivalente á la suma que resultaría de la acumulación de las imputaciones debidas á cada infráccion.
27
De acordo com o autor Cezar Roberto Bitencourt (2017, p.825), a essência da
teoria da ficção jurídica é extraída pelo italiano Vicenzo Manzini (1958, p.166-7), que
afirma que ―O instituto do crime continuado está fundado, indiscutivelmente, sobre a
ficção jurídica. A ficção jurídica resulta de uma transação entre a coerência lógica, a
utilidade e a equidade.‖28
25
FABBRINI MIRABETE, Julio. Manual de Direito Penal, volume 1: parte geral, arts. 1º a 120 do CP. 25ª edição. São Paulo: Editora Atlas, 2009, pag. 305. 26
Ibid. 27
CARRARA, Francesco. Programa del Curso de Derecho Criminal – Parte General. San José: Editorial Jurídica Continental, 2000, p. 283. ― Para que possamos reconhecer vários crimes, é necessário que haja várias ações, das quais cada uma representa em si uma nova ofensa à lei. Agora, dada essa pluralidade de ações, o rigor dos princípios exige que todos sejam atribuídos ao autor, como muitos outros títulos de crimes. Mas como isso levaria, por uma necessidade lógica, a um acúmulo de penalidades que poderiam ser exorbitantes, os praticantes introduziram a doutrina leniente da continuidade, cuja finalidade é ter os diferentes crimes considerados como um único crime contínuo, a fim de aplicar uma acusação coletiva mais grave do que aquela que corresponde à infração única, mas nunca equivalente à soma que resultaria da acumulação das imputações devidas a cada infração.‖ (Tradução nossa). 28
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal Vol. 1 - Parte Geral, 23ªedição. 23rd edição. São Paulo: Editora Saraiva, 2017, p. 825 (apud MANZINI, 1958, p. 166-7).
19
Já a teoria da unidade jurídica, também denominada de teoria mista, é a
constituição, como dito pelo mesmo autor, de ―uma realidade jurídica e não uma ficção.
Não se cogita de unidade ou pluralidade de delitos, mas de um terceiro crime, que é o
crime de concurso, cuja unidade delituosa decorre de lei.‖29, onde é definido de mesma
forma pelos autores Luiz Regis Prado 30 e Julio Fabbrini Mirabete 31 . Entretanto,
Bitencourt (2017, p. 825) menciona, também, que o autor Manoel Pedro Pimentel (1962,
p. 81-2) alerta que ―o crime continuado é uma realidade jurídica, mas a unidade do
crime é uma ficção, porque, na verdade, vários são os crimes que a compõem.‖32,
sendo que a unidade jurídica já é consequente do Crime Continuado.
3.4 O PARÁGRAFO ÚNICO DO ARTIGO 71 DO CÓDIGO PENAL
Muito embora não seja o foco do presente trabalho, cumpre salientar a existência
do parágrafo único do artigo 71 do Código Penal33, que prevê a majoração da pena
quando o agente pratica um ilícito doloso, contra vítimas diferentes, seja com o
emprego de grave ameaça ou de violência à pessoa, conferindo liberdade ao
magistrado, em análise às circunstâncias judicias do acusado, de aumentar a pena de
um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, até o triplo.
Após tal breve análise, é necessário o aprofundamento na questão referente às
teorias que são abordadas pela doutrina quanto a análise dos requisitos no instituto
jurídico da Continuidade Delitiva, quais sejam as teorias objetiva, subjetiva e objetivo-
subjetiva.
3.5 TEORIA OBJETIVA
29
Ibid. 30
Opus citatum. 23. 31
Opus citatum. 24. 32
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal Vol. 1 - Parte Geral, 23ªedição. 23rd edição. São Paulo: Editora Saraiva, 2017, p. 825 (apud PIMENTEL, p. 81-2) 33
BRASIL. Lei nº 7.209, de 11 de julho de 1984. Art. 71 - Parágrafo único - Nos crimes dolosos, contra vítimas diferentes, cometidos com violência ou grave ameaça à pessoa, poderá o juiz, considerando a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias, aumentar a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, até o triplo, observadas as regras do parágrafo único do art. 70 e do art. 75 deste Código.. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF,13 de julho de 1984.
20
A exposição de motivos do Código Penal vigente, mais precisamente em seu
item 5934, define que a teoria que deve ser utilizada pela legislação penal e por seus
aplicadores, os magistrados, os desembargadores e os ministros, é a objetiva pura,
também denominada de realístico-objetiva, em que leciona a necessidade da análise
somente dos requisitos objetivos apresentados pelo artigo 71 do Código Penal e dos
demais institutos previstos na lei, sem a valoração de um requisito subjetivo, como a
existência ou não de intenção do agente.
Como definido pelo autor Julio Fabbrini Mirabete, entende-se por Crime
Continuado como ―uma realidade apurável objetivamente, através da apreciação dos
elementos constitutivos exteriores, independentemente da unidade de desígnio.‖ 35 .
Onde a análise de elementos constitutivos exteriores pode ser vista como apenas a
identificação, nos delitos consumados pelo agente, do tipo penal, como, em uma
pluralidade de homicídios, somente seria observado a existência ou não do resultado
naturalístico morte de alguém para a configuração do crime previsto no artigo 121 do
Código Penal, e da incidência ou não dos requisitos previstos na lei para a
caracterização do Crime Continuado.
O autor afirma, também, que o Código Penal adotou expressamente a teoria
objetiva pura em sua exposição de motivos.36
Para o autor Luiz Regis Prado, a teoria objetiva pode ser conceituada como
sendo o exame objetivo dos elementos integrantes da Continuidade Delitiva, sem
nenhuma forma de valoração de ordem subjetiva quanto à intenção do agente, seja ela
dolosa ou culposa. O autor leciona, também, que ―basta a aferição das condições
34
59. O critério da teoria puramente objetiva não se revelou na prática maiores inconvenientes, a
despeito das objeções formuladas pelos partidários da teoria objetivo-subjetiva. O projeto optou pelo critério que mais adequadamente se opõe ao crescimento da criminalidade profissional, organizada e violenta, cujas ações se repetem contra vítimas diferentes, em condições de tempo, lugar, modos de execução e circunstâncias outras, marcadas por evidente semelhança. Estender-lhe o conceito de crime continuado importa em beneficiá-la, pois o delinqüente profissional tornar-se-ia passível de tratamento penal menos grave que o dispensado a criminosos ocasionais. De resto, com a extinção, no Projeto, da medida de segurança para o imputável, urge reforçar o sistema, destinado penas mais lingas aos que estariam sujeitos à imposição de medida de segurança detentiva e que serão beneficiados pela abolição da medida. A Política Criminal atua, neste passo, em sentido inverso, a fim de evitar a libertação prematura de determinadas categorias de agentes, dotados de acentuada periculosidade. 35
FABBRINI MIRABETE, Julio. Manual de Direito Penal, volume 1: parte geral, arts. 1º a 120 do CP. 25ª edição. São Paulo: Editora Atlas, 2009, pag. 305. 36
Ibid.
21
objetivas para a determinação da continuidade, que independe da unidade de
desígnios.‖37
Além disso, conforme é dito pelos autores Edilson Bonfim e Fernando Capez
(2004, p. 787), em citação aos autores Alberto Silva Franco e Rui Stoco (2001, p.356), o
instituto, nos termos em que foi estruturado, não deu espaço a subjetividades, como
pode se verificar do seguinte trecho:
(…) apesar de persistir , em nivel dogmatico , uma aberta discrepancia sobre a presença, no crime continuado , de dado de conotacao subjetiva (unidade de desígnio), força é convir que o instituto , nos termos como foi estruturado, exclui o apelo a qualquer subjetividade e se arrima em elementos de carater objetivo (…)
38
A jurisprudência nos tribunais estaduais também é majoritária na aplicação da
teoria realístico-objetiva, em que fundamentam os acórdãos na necessidade de sua
utilização expressamente prevista na exposição de motivos do Código Penal, sendo
prescindível da comprovação da unidade de desígnios, como pode se averiguar dos
seguintes julgados, extraídos dos Tribunais de Justiça do Paraná, de Minas Gerais e do
Distrito Federal:
APELAÇÃO CRIMINAL. SENTENÇA CONDENATÓRIA. ROUBO QUALIFICADO PELA RESTRIÇÃO DA LIBERDADE DA VÍTIMA C/C ESTUPRO (DUAS VEZES) E ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR (DUAS VEZES). RECURSO DA DEFESA PUGNA EXCLUSÃO DA QUALIFICADORA DO ROUBO. IMPOSSIBILIDADE. PRIVAÇÃO DA LIBERDADE DA OFENDIDA SOBEJAMENTE COMPROVADA. RECONHECIMENTO DA CONTINUIDADE DELITIVA PARA OS CRIMES SEXUAIS DE MESMA ESPÉCIE. ACOLHIMENTO. PRESSUPOSTOS OBJETIVOS DO CRIME CONTINUADO PREENCHIDOS. PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS. ADOÇÃO DA TEORIA OBJETIVA PURA. APLICAÇÃO DA EXASPERAÇÃO DA PENA PARA OS CRIMES SEXUAIS IDÊNTICOS. PENA DE CADA UM DELES MAJORADA EM 1/6 (UM SEXTO). RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. É acertada a aplicação da continuidade delitiva para dois delitos idênticos quando cometido em condições de tempo, lugar e modo de execução semelhantes, preenchendo desta maneira os requisitos objetivos presentes no art. 71 da legislação penal, sendo prescindível a comprovação da unidade de desígnios.39
37
PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro. 14ª edição revisada, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, pag. 420. 38
BONFIM, Edilson, CAPEZ, Fernando. Direito Penal – Parte Geral. 1ª edição. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 787. (apud FRANCO e STOCO, 2001, p. 356). 39
TJPR. Apelação Criminal 522192-7. Relator: Desembargador Marques Cury. DJ: 16/1/2009. Tribunal de Justiça do Paraná, 2009. Disponível em: <https://portal.tjpr.jus.br/consulta-
22
Os eméritos julgadores do Tribunal de Justiça do Paraná, neste caso,
entenderam pela possibilidade da aplicação do Crime Continuado ao estupro e ao
atentado violento ao pudor, ambos praticados em duplicidade pelo agente,
fundamentado, inicialmente pela aplicabilidade do item 59 da exposição de motivos do
Código Penal, expressa adesão à teoria objetiva pura. Posteriormente, o
desembargador relator, ainda, afirma que o instituto jurídico da Continuidade Delitiva é
resultante de questões de política criminal, concluindo que a pena, quando fixada em
patamares considerados excessivos, tendem a deturpar a personalidade do réu, sendo
um fator que impede sua reinserção na sociedade e consequente não redução da
criminalidade.
AGRAVO - CRIME CONTINUADO - MÚLTIPLA REINCIDÊNCIA - TEORIA OBJETIVA PURA ADOTADA PELO CÓDIGO PENAL - POSSIBILIDADE - PRECEDENTES DO STF . I- O Código Penal, ao adotar a teoria objetiva pura, não exclui o benefício do crime continuado ao réu reincidente, se presentes os requisitos exigidos pelo art. 71 do Código Penal. Precedentes do STF. II- Agravo provido.
40
Na redação de seu voto, o desembargador relator apresenta o entendimento da
impossibilidade de negar o benefício do instituto da Continuidade Delitiva somente pela
constatação da ausência de um requisito subjetivo, redigindo de forma clara que o
artigo 71 da lei penal vigente, através do entendimento firmado pelo Supremo Tribunal
Federal ao julgar o Habeas Corpus nº 68.661-3 (entendimento atualmente superado
pela Corte Superior), estaria sob iminente violação quando um acórdão denega o
instituto ao agente,
processual/publico/b2grau/consultaPublica.do?tjpr.url.crypto=8a6c53f8698c7ff72d6c5e2eb4a83ec977f55551d5a68753c83f2e9ea143b22e>. Acesso em: 10 ago. 2018. 40
TJMG. Agravo em Execução Penal 1.0000.08.483240-1/001. Relator: Desembargador Alexandre Victor de Carvalho. DJ: 06/04/2009. Tribunal de Justiça de Minas Gerais, 2009. Disponível em: <http://www5.tjmg.jus.br/jurisprudencia/pesquisaPalavrasEspelhoAcordao.do;jsessionid=2894BEB31A2D9B7950D43961D5D1A996.juri_node1?numeroRegistro=1&totalLinhas=1&palavras=AGRAVO+-+CRIME+CONTINUADO+-+M%DALTIPLA+REINCID%CANCIA+-+TEORIA+OBJETIVA+PURA+ADOTADA+PELO+C%D3DIGO+PENAL&pesquisarPor=ementa&orderByData=1&codigoOrgaoJulgador=&codigoCompostoRelator=&classe=&codigoAssunto=&dataPublicacaoInicial=&dataPublicacaoFinal=&dataJulgamentoInicial=&dataJulgamentoFinal=&siglaLegislativa=&referenciaLegislativa=Clique+na+lupa+para+pesquisar+as+refer%Eancias+cadastradas...&numeroRefLegislativa=&anoRefLegislativa=&legislacao=&norma=&descNorma=&complemento_1=&listaPesquisa=&descricaoTextosLegais=&observacoes=&linhasPorPagina=10&pesquisaPalavras=Pesquisar>. Acesso em: 3 out. 2018.
23
Como pode se verificar dos julgados, a configuração do Crime Continuado
depende, na teoria objetiva pura, somente da identificação dos requisitos objetivos
ditados pela lei penal.
3.6 TEORIA SUBJETIVA
Diferentemente da teoria objetiva pura, a teoria subjetiva define que somente é
necessário, para a caracterização da Continuidade Delitiva, a avaliação do elemento
subjetivo do agente, qual seja se o agente possuiu, ao consumar o delito, a unidade de
desígnio ou de propósito, conforme dito pelo autor Luiz Regis Prado, que a conceituou
como sendo ―o crime continuado caracteriza-se unicamente pela unidade de propósito
ou desígnio‖41.
Para o autor Cezar Roberto Bitencourt, a teoria subjetiva pode ser definida da
seguinte forma:
Para essa teoria nao tem importancia os aspectos objetivos das diversas acoes , destacando como caracterizador do crime continuado somente o elemento subjetivo, consistente na unidade de proposito ou de designio . Essa teoria predominou na Italia , que, contudo, constatou a sua insuficiencia para dimensionar o criterio aferidor d a continuidade delitiva , quando mais nao fosse , pela propria dificuldade, muitas vezes, de constata-lo.
42
Além disso, o autor também afirma que a utilização da teoria, em seu viés
puramente subjetivo, é considerado um retrocesso às origens históricas do instituto, em
razão de que torna extremamente difícil a sua compreensão e a sua aplicação, sendo
qualificada, inclusive, como um ―absurdo logico e dogmático‖43.
Muito embora tenha se realizado uma pesquisa abrangente e visando atingir
todos os tribunais estaduais e os superiores, não foram encontrados julgados que
utilizem da teoria subjetiva como fundamento, seja para beneficiar ou não o réu.
3.7 TEORIA OBJETIVO-SUBJETIVA
41
PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro. 14ª edição revisada, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, pag. 420. 42
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal Vol. 1 - Parte Geral, 23ªedição. 23rd edição. São Paulo: Editora Saraiva, 2017, p. 826. 43
Ibid.
24
Em contrariedade com o previsto expressamente pela exposição de motivos do
Código Penal vigente, a teoria objetivo-subjetiva afirma que, além da constatação, nos
crimes praticados pelo agente, dos requisitos objetivos trazidos pelo artigo 71 do
Código, deve ser analisado o seu elemento volitivo, sendo necessária a presença de
uma unidade de desígnio na prática dos delitos em sequência.
Conforme leciona Damásio de Jesus, pode ser o elemento de vontade do agente
ser denominado, também, de unidade de resolução e de unidade de dolo44.
Para o autor Julio Fabbrini Mirabete, somente seria possível, ao adotar tal teoria,
a configuração do instituto jurídico da Continuidade Delitiva para os delitos que
apresentem uma unidade real, como definido no trecho abaixo transcrito:
Adotando-se tal teoria, existiria crime continuado apenas nos delitos que mantivessem uma unidade real, como, por exemplo, na hipótese do empregado que subtrai em várias oportunidades peças componentes de um aparelho que será montado depois de obtidos todos os elementos, ou no caso do cobrador que se vai apropriando de pequenas quantias das cobranças etc.
45
O autor André Estefam traz uma definição para a unidade de desígnios, qual seja
o requisito subjetivo que, nos moldes da teoria objetivo-subjetiva, é imprescindível para
a configuração do Crime Continuado, como extrai-se do seguinte trecho de sua obra:
Por unidade de designio deve -se entender uma programacao inicial , realizada em diferentes etapas , sucessivamente. Tal elemento se ve claramen te no exemplo inicialmente formulado , em que uma empregada domestica , desde o início tencionando subtrair o faqueiro de sua patroa , decide furtar uma peca a cada dia.
46
Como dito pelos autores Edilson Bonfim e Fernando Capez, que consideram
como correta a teoria objetivo-subjetiva como método interpretativo, ―(…) não aceitamos
que o crime continuado se configure a partir de meras circunstâncias objetivas, sem que
44
JESUS, Damásio de. Direito penal, volume 1 : parte geral, 35ª edição. Saraiva, 2013, p. 653. 45
FABBRINI MIRABETE, Julio. Manual de Direito Penal, volume 1: parte geral, arts. 1º a 120 do CP. 25ª edição. São Paulo: Editora Atlas, 2009, pag. 305. 46
ESTEFAM, André. Direito Penal, volume 1, 6ª edição. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 440.
25
a continuação decorra da vontade do agente.‖47. Ademais, os autores defendem que,
como pode se averiguar do trecho abaixo transcrito, um agente que realiza a prática
diversos ilícitos, somente com uma intensa vontade de delinquir, estaria se beneficiando
do instituto em estudo:
E necessário o aproveitamento das mesmas relações e das mesmas oportunidades, pois do contrario um agente que praticasse varios crimes , apenas pela intensa vontade de delinquir , beneficiar-se-ia da regra do crime continuado. Deve-se sempre ter em mente o classico exemplo do caixa do banco que todo dia subtrai pequena quantia em dinheiro . Este sim pratica o crime em continuacao . Já não seria o caso de um perigoso assaltante que , durante o mesmo mes , em locais diversos, rouba inumeras vitimas (cada crime resultou de um impulso volitivo autonomo).
48
Portanto, para os autores, a aplicação da teoria objetivo-subjetiva é
indispensável, para impedir que criminosos que atuam de forma impulsiva e individual
não sejam beneficiados pelo instituto do Crime Continuado.
Os autores Paulo da Costa Jr. e Fernando José da Costa atestam a existência
de uma divisão na jurisprudência, em que podem ser verificados tanto precedentes
favoráveis à aplicação da teoria quanto precedentes contrários à sua utilização, como
pode se verificar no seguinte trecho extraído de sua obra:
Mesmo assim, a jurisprudencia dividiu -se, ora para exigir na configuracao do crime continuado elementos meramente objetivos , ora para reivindicar , ademais, a unidade de designios . O entendimento justifica -se. O dispositivo enunciou as condicoes objetivas d as quais sera deduzida a continuidade criminosa, como sendo aquelas ―de tempo, lugar, maneira de execucao e outras semelhantes‖. Nestas, podem estar abrangidas as condicoes de natureza subjetiva, como a unidade de resolucao .
49
Os precedentes a seguir elencados, extraídos do egrégio Superior Tribunal de
Justiça, demonstram o posicionamento da Corte superior com a existência da
supracitada divisão jurisprudencial, em que os ministros tendem a realizar a aplicação
da teoria objetivo-subjetiva:
47
BONFIM, Edilson, CAPEZ, Fernando. Direito Penal – Parte Geral. 1ª edição. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 788. 48
Ibid. 49
JR., COSTA, Paulo da, COSTA, Fernando José. Curso de Direito Penal. 12ª edição. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 270.
26
[…] PENAL. ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. ABSOLVIÇÃO. REVOLVIMENTO DE FATOS E PROVAS. ÓBICE DA SÚMULA N. 7/STJ. DOSIMETRIA. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS DESFAVORÁVEIS. EXASPERAÇÃO DA PENA-BASE. POSSIBILIDADE. ACÓRDÃO A QUO ALINHADO À JURISPRUDÊNCIA DO STJ. INCIDÊNCIA DA SÚMULA N. 83/STJ. RECEPTAÇÃO QUALIFICADA (QUATRO VEZES). CONTINUIDADE DELITIVA. RECONHECIMENTO DA FICÇÃO JURÍDICA. CABIMENTO. INSURGÊNCIA PARCIALMENTE PROVIDA. […] 5. A figura prevista no art. 71 do CP é ficção jurídica criada para beneficiar o criminoso que, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes da mesma espécie que, pelas condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras, os subsequentes podem ser considerados como continuação do primeiro, aplicando-se a pena de um só dos crimes, se idênticas (crime continuado homogêneo), ou a mais grave, se diversas (crime continuado heterogêneo), aumentada, em qualquer hipótese, de 1/6 a 2/3 (crime continuado próprio). 6. Sem a necessidade de incursão nos aspectos probatórios mas, apenas, efetuando nova valoração jurídica dos fatos assentados pelas instâncias ordinárias, verifica-se que os delitos cometidos pelo agravante foram derivados de desígnios idênticos, em um mesmo contexto em que se formou o conluio de vontades para a prática dos delitos, que seguiam um mesmo modus operandi. 7. Dessa forma, cometidos quatro delitos da mesma espécie (receptação qualificada), em semelhantes condições de tempo (quatro condutas em pouco mais de 60 dias), local (entorno do Distrito Federal) e maneira de execução (adquiriam os automóveis objeto de estelionato praticado contra locadora de veículos e conduziam ao Detran para retirar o documento fraudado), torna-se evidente o preenchimento dos requisitos objetivos e subjetivos exigidos para a aplicação da ficção jurídica do crime continuado, devendo incidir, na espécie, a regra do art. 71, caput, do CP, aplicando-se a pena de um só dos crimes, acrescida de 1/4. 8. Agravo regimental parcialmente provido, redimensionando-se a pena.
50
O ministro relator afirma, com fundamento da jurisprudência do STJ, ser
imprescindível para a concessão da Continuidade Delitiva a presença do requisito
subjetivo, seja a unidade de desígnios ou o vínculo subjetivo entre os eventos.
Entretanto, após a defesa da necessidade do dolo em continuação, o ministro ressalta,
data vênia, de forma equivocada que o Código Penal adotou a teoria objetivo-subjetiva,
ou mista, como parâmetro de aplicação de suas normas, em contra senso ao previsto
no item 59 de sua exposição de motivos, em que o legislador definiu, por ser o método
50
STJ. Agravo Regimental no Agravo em Recurso Especial 961.169/DF. Relator Ministro Jorge Mussi. DJe 20/06/2018. Superior Tribunal de Justiça, 2018. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/processo/pesquisa/?src=1.1.3&aplicacao=processos.ea&tipoPesquisa=tipoPesquisaGenerica&num_registro=201602030124>. Acesso em: 12 ago 2018.
27
com menores inconsistências em sua aplicação, a teoria objetiva pura como o melhor
critério para o reconhecimento dos requisitos objetivos previstos no artigo 71 do códex.
PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. INADEQUAÇÃO. HOMICÍDIO QUALIFICADO E OCULTAÇÃO DE CADÁVER. CONTINUIDADE DELITIVA. TEORIA OBJETIVA-SUBJETIVA. VERIFICAÇÃO DE LIAME SUBJETIVO ENTRE OS CRIME PARCELARES. IMPOSSIBILIDADE. INDEVIDO REVOLVIMENTO FÁTICO-PROBATÓRIO. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. […] 3. O crime continuado é benefício penal, modalidade de concurso de crimes, que, por ficção legal, consagra unidade incindível entre os crimes parcelares que o formam, para fins específicos de aplicação da pena. Para a sua aplicação, a norma extraída do art. 71, caput, do Código Penal exige, concomitantemente, três requisitos objetivos: I) pluralidade de condutas; II) pluralidade de crime da mesma espécie; III) condições semelhantes de tempo lugar, maneira de execução e outras semelhantes (conexão temporal, espacial, modal e ocasional); IV) e, por fim, adotando a teoria objetivo-subjetiva ou mista, a doutrina e jurisprudência inferiram implicitamente da norma um requisito da unidade de desígnios na prática dos crimes em continuidade delitiva, exigindo-se, pois, que haja um liame entre os crimes, apto a evidenciar de imediato terem sido esses delitos subsequentes continuação do primeiro, isto é, os crimes parcelares devem resultar de um plano previamente elaborado pelo agente. Observa-se que as instâncias ordinárias não constataram a existência do requisito subjetivo da unidade de desígnios entre os crimes de homicídio e, paralelamente, os de ocultação de cadáver, o que não é possível fazer nesta estreita via do habeas corpus, sob pena de indevido revolvimento fático-probatório. 4. Habeas corpus não conhecido.
51
Após a constatação de que o juízo a quo deixou de analisar a existência ou não
da unidade de desígnios do agente, o ministro relator afirma que, ao ser aplicada a
teoria mista, deve ser observado, nos múltiplos delitos praticados pelo infrator, a
presença de um planejamento anterior para a prática de todos os crimes em sequência,
em evidente continuação do primeiro ao último delito em estudo pelos julgadores.
AGRAVO EM EXECUÇÃO. ROUBOS CIRCUNSTANCIADOS. RECONHECIMENTO DA CONTINUIDADE DELITIVA ENTRE A 1ª, 2ª E 3ª EXECUÇÕES. PRESENÇA DOS REQUISITOS OBJETIVOS APENAS NA 1ª E 3ª EXECUÇÕES. UNIFICAÇÃO DE PENAS. POSSIBILIDADE. 1. Inviável o reconhecimento da continuidade delitiva entre o crime constante da
51 STJ. Habeas Corpus 408.842/MS. Relator Ministro Ribeiro Dantas. DJe 30/05/2018. Superior Tribunal
de Justiça, 2018. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/processo/pesquisa/?src=1.1.3&aplicacao=processos.ea&tipoPesquisa=tipoPesquisaGenerica&num_registro=201701765219>. Acesso em: 12 ago 2018.
28
2ª execução e às demais execuções, na medida em que um dos requisitos objetivos, qual seja a condição de lugar, não se encontra nela presente. 2. De conformidade com o item 59 da Exposição de Motivos da Parte Geral do Código Penal, o Direito Penal Brasileiro adotou a teoria objetiva pura ou puramente objetiva no que diz respeito aos requisitos para o reconhecimento do crime continuado, bastando, para sua configuração, o preenchimento, apenas, dos objetivos: pluralidade de condutas, pluralidade de crimes da mesma espécie e continuação aferível pelas mesmas condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes. 3. Verificando-se a continuidade delitiva entre crimes de roubo circunstanciado, em relação à 1ª e 3ª execuções, em virtude de terem sido praticados pelo agravante nas mesmas condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes, devem ser unificadas as respectivas penas, nos termos do art. 71 do Código Penal, observado o parágrafo único do mesmo dispositivo legal. 4. Recurso conhecido e parcialmente provido.
52
Em reanálise de três execuções penais em cumprimento pelo mesmo agente, a
desembargadora relatora Nilsoni de Freitas Custódio utiliza da teoria objetiva pura para
a configuração do Crime Continuado, onde somente foi inviável de reconhecimento por
ausência de um dos requisitos positivados no código, qual seja a condição semelhante
de local, para a segunda execução. Entretanto, ao vislumbrar o inteiro teor do acórdão
em discussão, é perceptível que o entendimento da ementa é derivado do voto da
relatora, vencida nesta ocasião, onde o desembargador vogal (João Teixeira Batista)
afirma a necessidade da análise do requisito subjetivo da intenção da prática dos
delitos em continuação pelo agente, nos termos da teoria objetivo-subjetiva.
Como é possível de se averiguar, a jurisprudência desta Corte Superior é
pacífica em aplicar a teoria objetivo-subjetiva para a possibilidade de aplicação do
instituto do Crime Continuado.
Além disso, o Supremo Tribunal Federal possui diversos julgados que definem a
teoria objetivo-subjetiva, ou mista, como sendo a ideal para a resolução do conflito
existente na doutrina, como exemplifica o seguinte julgado:
Para a caracterizacao do crime continuado faz -se necessaria a presenca tanto dos elementos objetivos quanto dos subjetivos . 2. Constatada a reiteracao habitual, em que as condutas criminosas sao autonomas e isoladas , deve ser aplicada a regra do concurso material de crimes . 3. A continuidade delitiva , por implicar verdadeiro beneficio aqueles delinquentes que , nas mesmas
52
TJDF. Agravo em Execução 20180020007284RAG. Relator: Desembargador João Batista Teixeira. DJ: 12/7/2018. Tribunal de Justiça do Distrito Federal, 2018. Disponível em: < http://www.tjdft.jus.br/>. Acesso em: 12 out. 2018.
29
circunstâncias de tempo, modo e lugar de execucao, praticam crimes da mesma espécie, deve ser aplicada somente aos acusados que realmente se mostrarem dignos de receber a benesse.
53
A ministra Ellen Gracie, no ínterim de seu voto, afirma que a Continuidade
Delitiva, em razão de tratar de uma premiação aos delinquentes vistos como dignos ao
seu recebimento, é automaticamente descaracterizada ao agente quando é possível de
plano a constatação da ―Habitualidade Delitiva‖, também denominada de delinquencia
profissional ou habitual pela ministra. Em sua análise, a ministra justifica a
desconsideração do benefício previso no artigo 71 do Código Penal para evitar a
concessão do instituto a criminosos costumeiros, em que ressalta que alguns agentes
se especializam em práticas delituosas, sendo motivo suficiente para a supressão do
previsto no mencionado artigo.
Após a análise de todas as teorias que abrangem o instituto jurídico do Crime
Continuado, é necessária a análise do requisito criado pela jurisprudência dos Tribunais,
tanto estaduais quanto superiores, para a concessão ou não da Continuidade Delitiva
ao agente, qual seja a ―Habitualidade Delitiva‖.
4 A “HABITUALIDADE DELITIVA”
53 STF. Habeas Corpus 101.049/RS. Relatora Ministra Ellen Gracie. DJe 21/5/2010. Supremo Tribunal
Federal, 2010. Disponível em: <http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=3773504>. Acesso em: 12 ago 2018.
30
Destaca-se que, em razão do tema abordado neste trabalho acadêmico, será
realizada uma sucinta abordagem ao princípio da legalidade, um dos basilares do
Direito Penal, para que seja possível o seu enfrentamento com o requisito
jurisprudencial supramencionado, inquirindo se a sua existência conflita com o princípio
em apreço.
4.1 O PRINCÍPIO DA LEGALIDADE
Com sua origem registrada na revolução francesa, o princípio da legalidade é
decorrente das lutas do povo francês contra o estado absolutista, em que ficou
consagrado o início do movimento revolucionário na queda da Bastilha, onde o autor
Paulo César Busato reputa como sendo o marco inicial do entendimento do nullum
crimen sine lege, como apresenta o seguinte trecho:
O nullum crimen sine lege se converte no princípio reitor de toda liberdade cidadã. Daí deriva a ideia de que somente a partir da instituição do Estado Constitucional seria possível falar em princípio da legalidade, o que situaria na queda da Bastilha a origem histórica do instituto.
54
Inicialmente previsto no artigo oitavo da declaração dos direitos do homem e do
cidadão55, promulgado em 1789 na França, e que expressamente previa a necessidade
de expressa previsão legal anterior ao delito praticado para a punibilidade do agente ser
verificada.
O jurista René Ariel Dotti afirma que a primeira constituição republicana francesa,
datada de 1793, somente tratou de aperfeiçoar a redação da garantia, também sendo
utilizado de resposta, inscrita na declaração universal dos direitos do homem e do
cidadão de 1948, aos atos bárbaros que atentaram contra a consciência humanitária da
época, como se extrai do seguinte excerto:
54
BUSATO, Paulo César. Direito Penal - Parte Geral - Vol. 1, 4ª edição. São Paulo: Atlas, 2018, p. 27. 55
FRANÇA. Declaração dos direitos do homem e do cidadão, de 26 de agosto de 1769. Art. 8º. A lei apenas deve estabelecer penas estrita e evidentemente necessárias e ninguém pode ser punido senão por força de uma lei estabelecida e promulgada antes do delito e legalmente aplicada. Disponível em: <http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/Documentos-anteriores-à-criação-da-Sociedade-das-Nações-até-1919/declaracao-de-direitos-do-homem-e-do-cidadao-1789.html>. Acesso em: 25 out 2018.
31
A primeira Constituição Republicana Francesa (24.06.1793) aprimorou a redação da garantia: ―Ninguém pode ser acusado, preso ou detido a não ser nos casos determinados pela lei e conforme as formas por ela prescritas. Todo o cidadão, convocado ou detido por autoridade da lei, deve obedecer no próprio instante; senão, torna-se culpado de resistencia‖ (art. 10). A Declaração Universal dos Direitos do Homem (1948) foi uma resposta da Organização das Nações Unidas pelo desprezo e desrespeito caracterizados pelos atos bárbaros que ultrajaram a consciencia da humanidade, na esperança de que ―o advento de um mundo em que os homens gozem da liberdade da palavra, da crença, e da liberdade de viverem a salvo do temor e da necessidade foi proclamado como a mais alta aspiração do homem comum‖. Daí a inserção, no artigo XI, 2, da seguinte disposição: ―Ninguém poderá ser culpado por qualquer ação ou omissão que, no momento, não constituam delito perante o direito nacional ou internacional. Também não será imposta pena mais forte do que aquela que, no momento da prática, era aplicável ao ato delituoso‖.
56
O autor também afirma que o primeiro contato com uma forma embrionária do
princípio é originária da Magna Carta de 1215, outorgada pelo Rei João Sem-Terra e
confirmada por seus sucessores, como descreve no seguinte trecho:
Pode-se afirmar que um indicativo eloquente dessa garantia de liberdade individual nos vem da experiência britânica, com a Magna Carta outorgada em 15 de junho de 1215 pelo rei João Sem-Terra e confirmada pelos sucessores: Henrique III, Eduardo I, Eduardo III, Ricardo II, Henrique IV, Henrique V e Henrique VI. O art. 39 assim dispunha: ―Nenhum homem livre será detido ou sujeito à prisão, ou privado de seus bens, ou colocado fora da lei, ou exilado, ou de qualquer modo molestado, e nós não procederemos nem mandaremos proceder contra ele, senão mediante um julgamento regular pelos seus pares ou de harmonia com a lei do país‖.
57
Por fim, válido o ressalte que Dotti realiza ao apresentar que os textos antigos
mostravam, implicitamente, a existência de uma norma incriminadora prévia para a
punição da conduta humana, onde somente foi precisamente redigido o princípio da
legalidade na revolução francesa, que ainda previu uma punição ao seu
descumprimento, conforme ilustra o excerto abaixo:
Embora os textos revelem expressamente o primado do due process of law, está implícito que a exigencia da ―harmonia com a lei do país‖ ou ―em virtude da lei do país‖ mostravam, implicitamente, a existencia da prévia norma incriminadora para responder à conduta humana. A redação precisa da máxima nullum crimen sine praevia lege está na Declaração dos Direitos do Homem e
56
DOTTI, René Ariel. Curso de Direito Penal: Parte Geral, 6ª edição revisada, atualizada e ampliada. São Paulo: Thomsom Reuters Brasil, 2018, pág. 150. 57
DOTTI, René Ariel. Curso de Direito Penal: Parte Geral, 6ª edição revisada, atualizada e ampliada. São Paulo: Thomsom Reuters Brasil, 2018, pág. 149.
32
do Cidadão (26.08.1789), característica do ponto alto da Revolução Francesa, que aboliu a Monarquia e instalou a República. A regra também comina sanção para o descumprimento: ―Ninguém pode ser acusado, preso ou detido senão nos casos determinados pela lei e de acordo com as formas por esta prescritas. Os que solicitam, expedem, executam ou mandam executar ordens arbitrárias devem ser castigados; mas qualquer cidadão convocado ou detido em virtude da lei deve obedecer imediatamente, senão torna-se culpado de resistencia‖ (art. 7º).
58
O princípio em estudo corresponde, juntamente aos demais princípios do direito
penal, a um limitador do poder punitivo estatal, onde somente pode ser considerado
como crime aquilo que está expressamente previsto como tal na legislação penal
vigente, como pode se verificar do pensamento de Cezar Roberto Bitencourt abaixo
transcrito:
Em termos bem esquematicos , pode-se dizer que , pelo principio da legalidade , a elaboracao de normas incriminadoras e funcao exclusiva da lei , isto e , nenhum fato pode ser considerado crime e nenhuma pena criminal pode ser aplicada sem que antes da ocorrencia desse fato exista uma lei definindo -o como crime e cominando-lhe a sancao correspondente.
59
Muito embora mencionado somente de forma singela pela legislação francesa, o
princípio da legalidade foi condecorado pelo autor alemão Paul Johann Anselm von
Feuerbach, que o redigiu com o brocado latino ―nullum, crimen, nulla poena sine lege‖60,
em que o autor, conforme citado por Paulo César Busato, afirmava que:
Feuerbach afirma que ―toda pena jurídica pronunciada pelo Estado é consequência de uma lei fundada na necessidade de conservar os Direitos exteriores e que contém a ameaça de um mal sensível frente a uma lesão do Direito‖
61
Da interpretação e do brocado latino trazidos pelo autor alemão, surgem dois
subprincípios que merecem destaque, o nullum crimen sine lege e o nulla poena sine
lege, que foram conceituados por Paulo César Busato da seguinte forma:
58
DOTTI, René Ariel. Curso de Direito Penal: Parte Geral, 6ª edição revisada, atualizada e ampliada. São Paulo: Thomsom Reuters Brasil, 2018, pág. 149 e 150. 59
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal Vol. 1 - Parte Geral, 23ªedição. 23rd edição. São Paulo: Editora Saraiva, 2017, p. 53. 60
―Não há crime nem punição que não esteja prevista em lei.‖. Tradução livre. 61
BUSATO, Paulo César. Direito Penal - Parte Geral - Vol. 1, 4ª edição. São Paulo: Atlas, 2018, p. 32. (apud FEUERBACH, 2007, p. 61-63).
33
Da expressão latina cunhada por Feuerbach surgem, inicialmente, os seguintes princípios: Nullum crimen sine lege: nenhuma conduta pode ser qualificada como delito sem uma lei que o haja declarado previamente. Daí que os atos socialmente danosos, por si só, não podem ser castigados, por mais que sejam substancialmente considerados delitos. A formalidade da lei constitui sua única fonte; Nulla poena sine lege: o estabelecimento de uma pena resta condicionado a uma lei que a determine; as penas não podem ser substituídas por outras e não podem ser inventadas e impostas de surpresa.
62
Onde, dessa forma, somente pode o agente ser condenado pela prática de
algum delito quando este se encontra expressamente previsto em lei, desde que a data
de sua promulgação seja anterior ao ilícito em análise, como forma de impedir a
punição arbitrária do Estado em face de seus cidadãos.
Ademais, o autor Paulo César Busato atesta que o princípio da legalidade, além
de ser utilizado como forma de impedir a atuação arbitrária do Estado, se subdivide em
quatro requisitos das normas jurídicas penais para a proteção dos cidadãos, a lex
previa, a lex scripta, a lex estricta e a lex certa, como se extrai do seguinte trecho de
sua obra:
O limite que impoe este principio formal condiciona a atuacao do Estado durante todo o processo criminal ; isto e , influi na forma do estabelecimento da lei, dos delitos e de suas penas , de seus procedimentos e da forma de cumprimento das penas . As exigencias que derivam da lex previa , lex scripta, lex stricta e da lex certa constituem todo um referente garantista que confronta a vocacao arbitraria do Estado.
63
A lex scripta, também denominada de reserva absoluta da lei, define-se como o
impedimento do Estado em aplicar qualquer instrumento normativo que não a lei federal,
como apresenta o escritor Paulo César Busato no seguinte trecho:
A chamada reserva absoluta da lei ou reserva legal recorta o ambito da legislação penal contra as possibilidades de utilização de outro instrumento legislativo que nao a lei federal – pois so ela emana do poder politico representativo de toda a populacao , o Legislativo – e tambem frente ao abuso do direito costumeiro como fonte primaria de regras incriminadoras.
64
62
BUSATO, Paulo César. Direito Penal - Parte Geral - Vol. 1, 4ª edição. São Paulo: Atlas, 2018, p. 33. 63
BUSATO, Paulo César. Fundamentos para um Direito Penal Democrático, 5ª edição. São Paulo: Atlas, 2015., p. 148 64
BUSATO, Paulo César. Fundamentos para um Direito Penal Democrático, 5ª edição. São Paulo: Atlas, 2015., p. 159.
34
Tal impedimento significa, expressamente, que as punições penais aplicadas
pelos intérpretes do direito nunca podem ser baseadas em costumes, sempre deve
estar positivado na lei, como dito pelos autores Francisco Muñoz Conde e Mercedes
García Arán em sua obra, no seguinte trecho:
Cuando se dice que la ley penal debe ser «escrita», se está expresando, en primer lugar, que el Derecho penal es exclusivamente Derecho positivo, lo que excluye la posibilidad de que mediante la costumbre o los principios generales no escritos se establezcan delitos y penas.
65
A lex estricta, também chamada de o princípio da taxatividade e da segurança
jurídica, refere-se que para existir a possibilidade de um estrito cumprimento da
legislação é imprescindível que sejam previamente estabelecidos, de forma clara e
objetiva, quais os comportamentos tratados como puníveis e reprováveis pelo
ordenamento, sem se utilizar de termos fartamente vagos e que tragam uma indefinição
ao escopo punitivo, como dito por Francisco Muñoz Conde e Mercedes García Arán no
seguinte trecho:
La garantía por la que la definición de delitos y penas se reserva al legislador no es una exigencia meramente formalista —aunque el Tribunal Constitucional la denomine «garantía formal»— sino que se relaciona con el contenido material del principio de legalidad: para que realmente la ley cumpla con la función de establecer cuáles son las conductas punibles debe hacerlo de forma clara y concreta, sin acudir a términos excesivamente vagos que dejen de hecho en la indefi nición el ámbito de lo punible.
66
65
MUNOZ CONDE , Francisco; GARCIA ARAN , Mercedes. Derecho Penal, Parte General, 8ª edição. Valencia: Tirant lo Blanch, 2010, p. 103. ――Quando se diz que a lei penal deve ser ‗escrita‘, se esta expressando, em primeiro lugar , que o Direito penal e exclusivamente Direito positivo , o que exclui a possibilidade de que mediante o costume ou os principios gerais nao escritos se estabelecam delitos e penas‖ (Tradução realizada por BUSATO, Paulo César. Fundamentos para um Direito Penal Democrático, 5ª edição. São Paulo: Atlas, 2015., p. 159.) 66
MUNOZ CONDE , Francisco; GARCIA ARAN , Mercedes. Derecho Penal, Parte General, 8ª edição. Valencia: Tirant lo Blanch, 2010, p. 105. ―A garantia pela qual a definição de crimes e de penalidades reserva o legislador não é uma exigência puramente formalista – embora o Tribunal Constitucional chame-o de ―garantia formal‖ - refere-se ao conteúdo material do princípio da legalidade, de modo que a lei realmente cumpre sua função de estabelecer quais são os comportamentos puníveis, devendo fazê-lo de forma clara e concreta, sem recorrer a termos excessivamente vagos que, de fato, deixam indefinido o escopo punível.‖ (Tradução livre)
35
A lex previa, também denominada de irretroatividade da lei penal, é definida
pelos autores Francisco Muñoz Conde e Mercedes García Arán como sendo a
imprescindibilidade de existência de uma lei antes da prática do ilícito pelo agente,
somente podendo suas ações serem tratadas como puníveis caso exista uma lei
anterior ao delito, como é possível se vislumbrar do seguinte excerto:
Esta exigencia es inseparable del principio de legalidad penal: si debe existir una ley que defi na las conductas como delictivas para poder perseguirlas, dicha ley debe estar vigente en el momento en que se cometen los hechos. Por ello, la ley penal es irretroactiva y no puede aplicarse a hechos anteriores a su entrada en vigor.
67
Por fim, o autor Paulo César Busato apresenta o último requisito das normas
jurídicas penais, a lex certa, em razão dos legisladores modernos trazerem leis
ambíguas e imprecisas, como as legislações indeterminadas, abrindo um rol
interpretativo aos julgadores que pode acarretar em uma insegurança jurídica aos
cidadãos. O autor, muito embora não a conceitue de forma clara, traz a interpretação de
que o direito penal atual está dissociado das exigências da lex certa, conforme o trecho
abaixo transcrito:
Nas tecnicas de tipificacao modernas , as chamadas clausulas gerais , os conceitos juridicos indeterminados , os tipos penais abertos , a comissao por omissão, os elementos normativos dos tipos e a tecnica das leis penais em branco evidenciam a dissociacao do Direito penal a exigencia d e lex certa.
68
Finda a sucinta, porém necessária, abordagem ao princípio da legalidade, será
iniciado o estudo quanto ao requisito jurisprudencial da ―Habitualidade Delitiva‖.
4.2 A DEDICAÇÃO À ATIVIDADE CRIMINOSA
67
MUNOZ CONDE , Francisco; GARCIA ARAN , Mercedes. Derecho Penal, Parte General, 8ª edição. Valencia: Tirant lo Blanch, 2010, p. 107. ―Esta exigencia é inseparável do princípio da legalidade penal: deve haver uma lei que defina comportamentos como criminosos para poder persegui-los, onde a referida lei deve estar vigente no momento em que se cometam os atos. Portanto, a lei criminal é irretroativa e não pode ser aplicável a eventos anteriores à sua entrada em vigor.‖ (Tradução livre). 68
BUSATO, Paulo César. Fundamentos para um Direito Penal Democrático, 5ª edição. São Paulo: Atlas, 2015., p. 165.
36
Em razão de ser o tema do presente trabalho e a sua principal forma de
constatação, neste capítulo serão abordados e apresentados os diversos julgados de
diversos tribunais regionais, em que se visa a demonstração quanto à sua vasta
discussão dentro da jurisprudência nacional.
A ―Habitualidade Delitiva‖ é configurada quando o agente pratica atos ilícitos
penalmente consideráveis de forma considerada frequente ou profissional, onde, como
é possível de se averiguar de um entendimento extraído do Tribunal de Justiça do Rio
Grande do Sul, nos casos do agente se utilizar da prática delituosa como forma de
subsistência, estando impedida a concessão do benefício do Crime Continuado, como
pode se verificar do seguinte julgado do mencionado tribunal:
AGRAVO EM EXECUÇÃO. CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO. UNIFICAÇÃO DE PENAS. CRIME CONTINUADO. DESCABIMENTO. HABITUALIDADE DELITIVA DO APENADO. Além de desatendidos os requisitos objetivos do artigo 71 do Código Penal, a intensa incursão em atividades ilícitas demonstra que o apenado fazia do crime seu meio de vida, sendo que os reiterados ataques ao patrimônio alheio – total de cinco condenações transitadas em julgado, visando a unificação em três delas – evidenciam a habitualidade delitiva, o que impede o reconhecimento da regra da continuidade. Manutenção do indeferimento do pedido de unificação de penas. AGRAVO EM EXECUÇÃO DESPROVIDO.
69
A oitava câmara criminal do TJRS, em julgamento unânime, entenderam que, in
casu, não estavam presentes os requisitos objetivos e subjetivos para a configuração
da Continuidade Delitiva, em razão da disparidade temporal da prática dos delitos
patrimoniais. Além disso, o modus operandi de cada um dos crimes, muito embora
tenham sido consumados com a posse de arma de fogo e em concurso de pessoas, é
único, sopesando-se que os ilícitos, em sua execução, não se assemelham somente
em razão dos agentes estarem armados. A câmara afirma, posteriormente, que o
agente que apresenta condenações múltiplas pelo mesmo fato delituoso pode ser
tratado com um criminoso profissional, em que fundamenta seu entendimento em
julgados do próprio tribunal e do Superior Tribunal de Justiça.
69
TJRS. Agravo em Execução Penal 70078931995/RS. Relator: Desembargadora Naele Ochoa Piazzeta.DJ: 18/10/2018. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, 2018. Disponível em: <http://www1.tjrs.jus.br/busca/?tb=proc>. Acesso em: 29 out 2018.
37
Muito embora seja um requisito de difícil conceituação, em razão de se fazer
presente em julgados de diversos tribunais que deixam de tecer extensos comentários
sobre sua aplicação, a ―Habitualidade Delitiva‖ pode ser confundida com a reincidencia,
esta compreendida como uma necessidade de uma reprimenda mais gravosa ao
indivíduo que já possui uma condenação transitada em julgado e torna a delinquir,
como se extrai do trecho escrito por Paulo Amador Bueno Thomaz e Alves Cunha
Bueno, transcrito abaixo:
Com efeito, a reincidência consiste no cometimento de uma nova infração penal após já ter sido o agente condenado definitivamente no Brasil ou no exterior por crime anterior (art. 63). Observe, contudo, que o condenado está sujeito a ser havido como reincidente só e somente se vier a cometer uma nova infração penal dentro do período dos cinco anos subsequentes à extinção da punibilidade da primeira condenação (art. 64, I).
70
A reincidência, apesar de não ser um tema principal neste trabalho, é aplicada
somente na segunda fase da dosimetria penal, onde são analisadas as circunstâncias
atenuantes e agravantes da pena-base aplicada pelo magistrado, em que também são
denominadas de circunstâncias legais, em razão de todas estarem previstas na
legislação penal vigente, como dito por Cezar Roberto Bitencourt, ―porque vem
expressamente relacionadas no texto legal: as agravantes nos arts. 61 e 62, e as
atenuantes nos artigos 65 e 66, todos do Codigo Penal.‖71
Como esclarece o autor Guilherme de Souza Nucci em sua obra, escritor que
segue a corrente utilizada pelas Cortes Superiores quanto a aplicabilidade da
Continuidade Delitiva, o instituto preocupa-se com a punibilidade excessiva aos
criminosos eventuais, não sendo possível sua aplicação ao criminoso que pratica ilícitos
habitualmente, tornando a atividade delitiva em uma espécie de profissão, como é
possível extrair do seguinte trecho:
(...) não se aplica o crime continuado ao criminoso habitual ou profissional, pois não merece o benefício – afinal, busca valer-se de instituto fundadamente voltado ao criminoso eventual. Note-se que, se fosse aplicável, mais
70
THOMAZ, Paulo Amador, BUENO, Alves Cunha. Direito Penal: Parte Geral. São Paulo: Manole, 2012, p. 122. 71
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal Vol. 1 - Parte Geral, 23ªedição. São Paulo: Editora Saraiva, 2017, p. 794.
38
conveniente seria ao delinquente cometer vários crimes, em sequência, tornando-se sua ―profissão‖, do que faze-lo vez ou outra. Não se pode pensar em diminuir o excesso punitivo de quem faz do delito um autêntico meio de ganhar a vida.
72
Em análise a outros julgados do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul,
dentro deles um extraído da mesma câmara do julgado anteriormente comentado, o
tribunal firmou o entendimento, com base em julgados das Cortes Superiores, da
necessidade da presença da unidade de desígnios do agente para a configuração do
Crime Continuado. Ademais, muito embora seja possível de se verificar a existência dos
requisitos objetivos do instituto, é necessária a verificação da vida delitiva pregressa do
indivíduo, a fim de atestar a prática delituosa como forma de atividade profissional, que,
sendo palpável a reiteração criminosa pelo acusado, como é possível de se verificar do
seguinte julgado:
AGRAVO EM EXECUÇÃO. UNIFICAÇÃO DE PENAS. CRIME CONTINUADO. AFASTAMENTO. AUSÊNCIA DOS REQUISITOS. ROUBO SIMPLES TENTADO E ROUBO MAJORADO PELO EMPREGO DE ARMA. AUSENTE O REQUISITO OBJETIVO DO MODUS OPERANDI, ASSIM COMO O LIAME SUBJETIVO ENTRE AS CONDUTAS, APENAS SE CONSTATANDO A HABITUALIDADE DELITIVA. DECISÃO REFORMADA. Os requisitos para o reconhecimento do crime continuado são objetivos (previstos no artigo 71 do Código Penal) e subjetivos (unidade de desígnios). Na espécie, não há continuidade delitiva, pois o modo de execução dos roubos foi distinto, inexistindo, ainda, a unidade de desígnios, necessária para a sua configuração, refletindo-se somente a habitualidade do agravado em seu agir criminoso, transformado em sua atividade profissional. Assim, presentes desígnios autônomos, com diferentes maneiras de execução, deve ser afastado o reconhecimento da continuidade delitiva, entre os processos números 007/2.09.001970-0 e 007/2.09.0002450-9, retificando-se a guia de execução. AGRAVO PROVIDO.
73
Como é possível de se verificar do inteiro teor do acórdão, além da notória
semelhança na ementa dos julgados, a teoria objetivo-subjetiva foi adotada pela
desembargadora relatora para, em razão da ausência dos requisitos objetivos da
72
NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 13ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p. 71. 73
TJRS. Agravo em Execução Penal 70077910602/RS. Relator: Desembargadora Isabel de Borba Lucas.DJ: 17/8/2018. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, 2018. Disponível em: <http://www1.tjrs.jus.br/busca/?tb=proc>. Acesso em: 29 out 2018.
39
semelhança no modo de execução e do liame temporal e do requisito subjetivo da
unidade de desígnios, em virtude de, in casu, o agente ter agido de forma diversa em
ambos os roubos que praticou, no primeiro caso foi condenado pelo crime de roubo
majorado pelo porte de arma branca, um facão, e no segundo crime fora apenado
apenas pela tentativa de roubo simples, em razão de ter desferido golpes com os
punhos na vítima e não ter concluído seu intento, tendo em vista a chegada de uma
testemunha do delito o fez fugir.
Ao estender a análise para outros tribunais, os precedentes provindos do
Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro possuem entendimentos que convergem com a
jurisprudência do STJ e do STF, pela impossibilidade da concessão do previsto no
artigo 71 do Código Penal quando é atestada a frequência delitiva do agente, quando o
indivíduo tornou-se um criminoso profissional, que faz do seu sustento a prática
recorrente de atos ilícitos, muito embora de mesma espécie e praticados em similitude
espacial, temporal e executória, como é exemplificado pelo seguinte julgado:
EMENTA PENAL. PROCESSO PENAL. APELAÇÃO. DOIS CRIMES DE ROUBO, UM DUPLAMENTE CIRCUNSTANCIADO PELO CONCURSO DE AGENTES E PELO EMPREGO DE ARMA E OUTRO MAJORADO PELO CONCURSO DE AGENTES (ARTIGO 157, §2º, II E ARTIGO 157, §2º, I E II, NA FORMA DO ARTIGO 69, TODOS DO CÓDIGO PENAL). PRELIMINAR DE NULIDADE PROCESSUAL. ALEGADO CERCEAMENTO DE DEFESA DECORRENTE DA AUSÊNCIA DE REQUISIÇÃO DOS RÉUS PRESOS PARA ENTREVISTA COM DEFENSOR PÚBLICO ANTES DO OFERECIMENTO DA RESPOSTA À ACUSAÇÃO. PRETENSÃO ABSOLUTÓRIA, POR INSUFICIÊNCIA DE PROVAS. PLEITO ALTERNATIVO DE APLICAÇÃO DA FRAÇÃO MÁXIMA DE REDUÇÃO PELA TENTATIVA, NÃO INCIDÊNCIA DE CAUSA DE AUMENTO PELO EMPREGO DE ARMA BRANCA E PELO EMPREGO DE SIMULACRO DE ARMA DE FOGO E RECONHECIMENTO DE HIPÓTESE DE CRIME CONTINUADO. JUÍZO DE REPROVAÇÃO MANTIDO. REJEIÇÃO DA PRELIMINAR ARGUIDA. DECISÃO DO ÓRGÃO ESPECIAL DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA. COMPROVADA A MATERIALIDADE E A AUTORIA. DEPOIMENTOS CONVERGENTES E HARMÔNICOS. IMPOSSIBILIDADE DE RECONHECIMENTO DA TENTATIVA DIANTE DA CONSUMAÇÃO DOS CRIMES, BEM COMO DO AFASTAMENTO DA MAJORANTE PELO EMPREGO DE ARMA IMPRÓPRIA. HIPÓTESE DE CRIME CONTINUADO AFASTADA DIANTE DA CARACTERIZAÇÃO DA HABITUALIDADE DELITIVA DOS ACUSADOS. CONCURSO DE AGENTES DEMONSTRADO PELA PROVA ORAL. DOSIMETRIA DA PENA NÃO MERECE REPARO. REGIME PRISIONAL CORRETAMENTE APLICADO, ADEQUADO À NATUREZA DOS DELITOS. DESPROVIMENTO DO RECURSO DEFENSIVO. (...) 26. A Defesa Técnica argumenta para seja admitida a tese de crime continuado, na forma do art. 71 do CP, que, entretanto, não merece prosperar. 27. No caso, os agentes, mediante mais de uma ação, praticaram crimes da mesma espécie, com semelhantes condições de lugar e maneira de execução. Entretanto, o
40
lapso temporal de aproximadamente 1 hora entre a prática das condutas ilícitas impede que os crimes subseqüentes possam ser havidos como continuação do primeiro, de modo que fica caracterizada a habitualidade delitiva e não o crime continuado. (...) Desprovimento do recurso defensivo.
74
O desembargador relator, em análise dos requisitos objetivos do Crime
Continuado, afirma que o lapso temporal empreendido entre as condutas delituosas
contra o patrimônio alheio, qual seja de uma hora, é escorreito o suficiente para a
configuração da ―Habitualidade Delitiva‖, sendo a atitude mais adequada a não
concessão do instituto, fundado na pacífica jurisprudência do STF e do STJ. Entretanto,
tendo em vista que a lei não prevê um prazo determinado para a identificação do lapso
temporal que se amolde ao contido no artigo 71 do Código Penal, os autores Paulo
Amador Bueno Thomaz e Alves Cunha Bueno lecionam que há a necessidade da
periodicidade, não sendo crível um período superior a um mês entre os crimes, porém
deixam de apresentar um intervalo mínimo para a configuração do requisito, como pode
se extrair do seguinte trecho de sua obra:
Há de haver, também, uma relação de certa periodicidade no intervalo entre as ações, de maneira que, para a configuração da continuidade, estas não podem ser entremeadas por um intervalo expressivamente longo, que descaracterizem a unidade do crime. A lei não fixa um prazo preciso, embora se recomende que os intervalos entre ações não supere um mês.
75
Além disso, o autor Paulo César Busato afirma que o lapso temporal não é um
elemento definitivo ou essencial para a configuração da Continuidade Delitiva, como
pode se verificar do seguinte trecho extraído de sua obra:
Parece que a melhor solução não é estabelecer um intervalo de tempo definido entre as condutas, mas, sim, deixar sentado que a distância cronológica entre um fato e outro não pode ser fator que infirma, significativamente, a ideia de uma continuidade de atividade delitiva.
76
74
TJRJ. Apelação Criminal 0132597-37.2014.8.19.0001. Relator: Desembargador José Muiños Piñeiro Filho. DJ: 30/5/2016. Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, 2016. Disponível em: < http://www4.tjrj.jus.br/ejud/ConsultaProcesso.aspx?N=2015.050.05415>. Acessado em 31 out 2018. 75
THOMAZ, Paulo Amador, BUENO, Alves Cunha. Direito Penal: Parte Geral. São Paulo: Manole, 2012, p. 136. 76
BUSATO, Paulo César. Direito Penal - Parte Geral - Vol. 1, 4ª edição. São Paulo: Atlas, 2018, p. 901.
41
Após sua fundamentação, o desembargador relator realizou a aplicação do
concurso material de delitos, previsto no artigo 69 do Código Penal.
Para o Tribunal de Justiça de São Paulo, a configuração do Crime Continuado,
além da visualização dos requisitos objetivos, previstos expressamente na legislação, e
do subjetivo, derivado da pacífica jurisprudência formada pelas Cortes Superiores,
depende da diversidade de vítimas dos delitos, onde caso sejam diferentes ocasiona no
indeferimento do pleito da defesa pela concessão do instituto, como dito no seguinte
julgado:
UNIFICAÇÃO DE PENAS – pedido de reconhecimento de crime continuado – não cabimento – crimes sexuais com vítimas diferentes – caso em que há habitualidade delitiva – negado provimento ao recurso.
77
O desembargador relator, após verificar que o crime de estupro de vulnerável
fora praticado em face de duas vítimas diferentes, ambas com 13 anos de idade, afirma
que a Continuidade Delitiva, criada inicialmente com o fim de redução de penas
excessivas ou flagrantemente desproporcionais, não poderia ser concedida, tendo em
vista que a pena aplicada não se demonstra como exorbitante quando é configurada a
―Habitualidade Delitiva‖ do agente, onde o desembargador também afirma que
conceder o Crime Continuado em casos semelhantes ao em análise acarretaria uma
violação da proporcionalidade e uma consequente proteção deficiente por parte do
Estado.
Em outro entendimento trazido pelo mesmo tribunal, provindo da nona câmara
criminal, afirma-se que, por somente se tratar de uma ficção jurídica, o Crime
Continuado só pode ser concedido nos casos em que é possível a verificação dos
requisitos objetivos e do objetivo único do agente nos múltiplos atos delituosos
praticados por este, visa uma justa punição portanto, como é abordado no seguinte
julgado:
77
TJSP. Agravo em Execução Penal 0004212-29.2018.8.26.0521. Relator: Desembargador Lauro Mens de Mello. DJ: 6/8/2018. Tribunal de Justiça de São Paulo, 2018. Disponível em: <https://esaj.tjsp.jus.br/cposg/search.do;jsessionid=326C1EE5E2778D78BDCD1E674179383B.cposg2?conversationId=&paginaConsulta=1&localPesquisa.cdLocal=-1&cbPesquisa=NUMPROC&tipoNuProcesso=UNIFICADO&numeroDigitoAnoUnificado=0004212-29.2018&foroNumeroUnificado=0521&dePesquisaNuUnificado=0004212-29.2018.8.26.0521&dePesquisa=&uuidCaptcha=>. Acessado em: 3 nov 2018.
42
EXECUÇÃO CRIMINAL – Unificação de penas – Insuficiente a só proximidade temporal para autorizar o reconhecimento da continuidade delitiva, imprescindível que o primeiro fato esteja psicologicamente imbricado nos subsequentes – Inocorrência – Hipótese de habitualidade delitiva instigada pelo sucesso da primeira empreitada delinquencial – Confirmação do indeferimento monocrático – Agravo desprovido.
78
A câmara, em análise do caso concreto, verificou que o agente praticou quatro
crimes de roubo, onde o juízo de primeiro grau, durante a instrução probatória,
comprovou que o indivíduo somente iniciou a prática em sequência do crime após o
sucesso do primeiro, sendo caracterizada a ―Habitualidade Delitiva‖ do agente e
prejudicada a possibilidade de concessão do instituto previsto no artigo 71 do Código
Penal, em razão do indivíduo ter agido com desígnio individual para cada delito
praticado.
Para o Tribunal de Justiça do Paraná, que também segue com veemência o
entendimento formado pelas Cortes Superiores, são recorrentes os julgados que
denegam a concessão do instituto, em razão da constatação de uma ―Habitualidade
Delitiva‖ do agente em seus ilícitos, como pode se verificar dos seguintes julgados:
RECURSO DE AGRAVO. EXECUÇÃO DA PENA. DECISÃO DE PRIMEIRO GRAU QUE INDEFERIU O PEDIDO DE RECONHECIMENTO DA CONTINUIDADE DELITIVA PARA UNIFICAÇÃO DAS PENAS. AUSÊNCIA DOS REQUISITOS DO ARTIGO 71 DO CÓDIGO PENAL. HABITUALIDADE CRIMINOSA DO CONDENADO QUE IMPEDE O RECONHECIMENTO DE CRIME CONTINUADO. DECISÃO MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO.
79
O desembargador relator, em conformidade com o entendimento jurisprudencial
trazido pelos Tribunais Superiores e, em análise do caso concreto, não haveria a
78
TJSP. Agravo em Execução Penal 9001532-70.2018.8.26.0050. Relator: Desembargador Costabile e Solimene. DJ: 30/7/2018. Tribunal de Justiça de São Paulo, 2018. Disponível em: <https://esaj.tjsp.jus.br/cposg/search.do?conversationId=&paginaConsulta=1&localPesquisa.cdLocal=-1&cbPesquisa=NUMPROC&tipoNuProcesso=UNIFICADO&numeroDigitoAnoUnificado=9001532-70.2018&foroNumeroUnificado=0050&dePesquisaNuUnificado=9001532-70.2018.8.26.0050&dePesquisa=&uuidCaptcha=>. Acessado em: 3 nov 2018. 79
TJPR. Agravo em Execução Penal 0020592-27.2018.8.16.0030. Relator: Desembargador José Carlos Dalacqua. DJ: 14/9/2018. Tribunal de Justiça do Paraná, 2018. Disponível em: <https://portal.tjpr.jus.br/jurisprudencia/j/4100000006860101/Acórdão-0020592-27.2018.8.16.0030>. Acessado em: 3 nov 2018.
43
possibilidade de concessão do instituto do Crime Continuado, em razão de não ter sido
demonstrado durante o processo a existência de todos os requisitos essenciais
previstos na legislação, onde não foi possível a constatação do vínculo subjetivo entre
os crimes de contrabando consumados pelo indivíduo, estando inexistente o desígnio
autônomo entre os crimes e os crimes subsequentes serem considerados como
desdobramentos do primeiro. Cumpre-se ressaltar que estava ausente o requisito do
lapso temporal razoável entre os delitos, que foram praticados com um intervalo
superior a um ano entre os ilícitos, não somente pela ausência do dolo de continuação
do agente.
Em outro julgado, também extraído do mesmo tribunal, é possível observar que
a desembargadora relatora confirma a não concessão do Crime Continuado, em razão
de ter sido atestado que o agente, por possuir duas condenações anteriores pela
consumação de crimes patrimoniais, utiliza da criminalidade como meio habitual de
subsistência, como é possível se verificar de sua ementa abaixo transcrita:
PENAL. PROCESSO PENAL. CRIMES DE FURTO SIMPLES TENTADO. (ARTIGO 155, ‗CAPUT‘, C/C ART. 14, INCISO II, TODOS DO CÓDIGO PENAL). SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSO DA DEFESA.1. CRIME DE FURTO TENTADO (1º FATO). CONFORMISMO DA DEFESA. CONDENAÇÃO MANTIDA PELOS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS. 1.2. CRIME DE FURTO TENTADO (2º FATO). PLEITO DE ABSOLVIÇÃO. AVENTADA ATIPICIDADE DA CONDUTA DELITIVA.INOCORRÊNCIA. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. (…) 2.5. SENTENÇA QUE APLICA A REGRA DO CONCURSO MATERIAL DE CRIMES (ART. 69, DO CP). MANUTENÇAO. HIPÓTESE DE HABITUALIDADE CRIMINOSA QUE IMPEDE O RECONHECIMENTO DO CRIME CONTINUADO. PRECEDENTES. CARGA PENAL INALTERADA. (…) 5. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.
80
A fundamentação da relatora também afirma que, em razão de não estarem
presentes todos os requisitos objetivos para a configuração do instituto do Crime
Continuado, a sentença proferida pelo juízo ―a quo‖ não padece de reforma no que diz
respeito ao tratamento concedido aos delitos praticados pelo agente.
80
TJPR. Apelação Crime 1685631-2. Relator: Desembargadora Sônia Regina de Castro. DJ: 19/12/2017. Tribunal de Justiça do Paraná, 2017. Disponível em: <https://portal.tjpr.jus.br/jurisprudencia/j/12473021/Acórdão-1685631-2#>. Acessado em: 4 nov 2018.
44
Muito embora seja o entendimento pacificado pelas Cortes Superiores, o
Tribunal de Justiça do Distrito Federal apresenta precedentes que deixam de analisar a
unidade de desígnio, o requisito subjetivo considerado essencial pela jurisprudência
para a caracterização do Crime Continuado, como é possível de se verificar dos
seguintes julgados:
APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. APLICAÇÃO DA REGRA DO CONCURSO MATERIAL E CONTINUIDADE DELITIVA. DUAS SÉRIES DE DELITOS. NÃO ACOLHIMENTO. RECONHECIMENTO DO CRIME CONTINUADO. (...) 1. Tendo as duas séries de crimes sido praticados por uma mesma sociedade empresária, em dois estabelecimentos situados na mesma unidade federativa, administrados pelo mesmo sócio e cuja contabilidade era centralizada na mesma empresa contábil, deve ser considerado como crime único. Dessa forma, presentes os requisitos da continuidade delitiva, inviável acolher o pedido do Ministério Público de aplicação da regra do concurso material entre os crimes contra a ordem tributária. (...) 9. Recursos do Ministério Público e da Defesa conhecidos e parcialmente providos para, mantida a condenação do réu nas sanções do artigo 1º, inciso II, c/c o artigo 12, inciso I, ambos da Lei n. 8.137/1990, na forma do artigo 71, do Código Penal, aumentar a pena aplicada de 04 (quatro) anos e 06 (seis) meses para 05 (cinco) anos de reclusão, em regime inicial semiaberto, reduzindo a pena pecuniária de 1.125 (mil cento e vinte e cinco) para 25 (vinte e cinco) dias-multa, à razão mínima.
81
Como é possível de se extrair do voto do desembargador revisor Roberval
Casemiro Belinati, configurar-se-á o Crime Continuado quando presentes os requisitos
objetivos do artigo 71 do Código Penal, sendo considerada a tentativa de avaliação
negativa da culpabilidade, quando esta fundada na quantidade de ilícitos praticados é
superior à fração máxima prevista para a Continuidade Delitiva, como ―bis in idem‖82,
que trata da impossibilidade de ser valorada negativamente alguma das circunstâncias
judiais ou legais.
Em outro julgado, extraído do mesmo tribunal, ocorre a não concessão do
instituto da Continuidade Delitiva, tendo em vista a ausência do dolo de praticar os
81
TJDFT. Apelação Crime 0000589-07.2016.8.07.0019 (20161510028747APR). Relator: Jair Soares. DJ: 16/10/2018. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, 2018. Disponível em: <http://www.tjdft.jus.br>. Acessado em: 4 nov 2018. 82
Não repetir sobre o mesmo (tradução livre).
45
crimes em continuação, sendo caracterizada a reiteração criminosa do agente, como se
vislumbra da ementa abaixo transcrita:
PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS. CONTINUIDADE DELITIVA. AUSÊNCIA DOS REQUISITOS LEGAIS. PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO. INAPLICABILIDADE. EXCLUSÃO DA PENA DE MULTA. IMPOSSIBILIDADE. ISENÇÃO DAS CUSTAS PROCESSUAIS. HIPOSSUFICIÊNCIA. MATÉRIA AFETA AO JUIZO DA EXECUÇÃO. SENTENÇA MANTIDA. (...) 2. O reconhecimento da continuidade delitiva requer a presença de todos os requisitos estabelecidos no art. 71 do Código Penal, de ordem objetiva (mesma espécie e condições de tempo, lugar e modo de execução semelhantes) e de ordem subjetiva (vontade previamente planejada para a execução de crimes em continuidade). Na hipótese vertente, e da análise detida dos crimes contra o patrimônio noticiados, é de se afastar a hipótese da ficção jurídica relativa ao crime continuado, configurando-se mera reiteração criminosa. (...) 6. RECURSOS CONHECIDOS E NÃO PROVIDOS.
83
Muito embora esteja sob segredo de justiça, o que torna inacessível o inteiro teor
do acórdão, válido ressaltar que o desembargador relator utilizou da teoria objetivo-
subjetiva para negar o benefício do Crime Continuado à agente, em razão de não estar
presente o requisito subjetivo para a configuração do instituto.
Após a extensa análise de precedentes provindos dos tribunais regionais, é
necessária uma averiguação quanto aos julgados formadores da jurisprudência atual,
quanto à necessidade de aplicação do requisito subjetivo na configuração do instituto
da Continuidade Delitiva, extraídos tanto do Superior Tribunal de Justiça quanto do
Supremo Tribunal Federal, como podem ser assimilado dos seguintes julgados:
RECURSO ESPECIAL. FURTOS QUALIFICADOS. CONTINUIDADE DELITIVA. UNIFICAÇÃO DAS PENAS. ART. 71 DO CP. UNIDADE DE DESÍGNIOS. NECESSIDADE. MANEIRA DE EXECUÇÃO DIVERSA. REITERAÇÃO CRIMINOSA. 1. O Superior Tribunal de Justiça firmou compreensão no sentido de que para caracterizar a continuidade delitiva é necessária a demonstração da unidade de desígnios, ou seja, o liame volitivo que liga uma conduta a outra, não bastando, portanto, o preenchimento dos requisitos objetivos (mesmas condições de tempo, espaço e modus operandi).
83
TJDFT. Apelação Crime 0014460-19.2011.8.07.0007 (20110710147612APR). Relator: Humberto Ulhôa. DJ: 23/2/2016. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios. Disponível em: <http://www.tjdft.jus.br>. Acessado em: 4 nov 2018.
46
2. No caso, observa-se que o Tribunal a quo, ao aplicar a regra do art. 71 do Código Penal, adotou a teoria puramente objetiva, deixando de valorar os aspectos subjetivos. Ademais, mesmo tendo o recorrido praticado furtos autônomos, com comparsas distintos, entendeu estarem presentes os requisitos necessários para a configuração do crime continuado. 3. Com efeito, verificada a diversidade da maneira de execução dos diversos delitos, agindo o recorrido ora sozinho, ora em companhia de comparsas, não se configura a continuidade delitiva, mas sim a habitualidade criminosa. (...) 5. Recurso especial a que se dá provimento (…).
84
O julgado apresentado se fundou na jurisprudência já pacificada pelo STJ quanto
à necessidade da análise pelo julgador da existência dos requisitos tanto objetivos
quanto subjetivos para a configuração do Crime Continuado, em que caso esteja
ausente o desígnio autônomo do agente para a continuação deve ser caracterizada a
reiteração criminosa em desfavor do Crime Continuado.
Dessa forma, a jurisprudência nacional entende que para a configuração da
Continuidade Delitiva é indispensável a presença dos requisitos objetivos legalmente
previstos e do requisito subjetivo, do dolo em continuação, e caso estejam ausentes,
serão as condutas praticadas pelo agente, consideradas como mera reiteração
criminosa, que trata-se de um indício da prática de crimes e de ilícitos de forma
profissional.
Após a extensa análise de precedentes realizada, é necessária a abordagem
quanto a problemática trazida por este trabalho acadêmico, qual seja da
compatibilidade do princípio jurisprudencial da ―Habitualidade Delitiva‖ com um dos
principais princípios do Direito Penal, que é utilizado para garantir uma atuação justa e
não arbitrária do Estado em face de seus cidadãos, o princípio da legalidade em todos
os seus aspectos.
84
STJ. Recurso Especial 421.246/SP. Relator: Ministro Og Fernandes. DJ: 22/2/2010. Superior Tribunal de Justiça, 2010. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?i=1&b=ACOR&livre=((%27RESP%27.clas.+e+@num=%27421246%27)+ou+(%27RESP%27+adj+%27421246%27.suce.))&thesaurus=JURIDICO>. Acessado em: 4 nov 2018.
47
5 “HABITUALIDADE DELITIVA” EM FACE DO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE
Em razão da divergência existente entre os autores quanto a possibilidade de
aplicação da ―Habitualidade Delitiva‖, inicialmente serão abordados os escritores que
apoiam ou não a sua utilização pelos tribunais, com o fim de demonstrar a existente
dissenção entre os literatos.
5.1 A DIVERGÊNCIA DOUTRINÁRIA
Inicialmente, é de suma importância ressaltar que o Crime Continuado, para os
adeptos da teoria objetiva pura, deve ser aplicado ao caso concreto sempre que
presentes os requisitos objetivos presentes na legislação penal vigente,
independentemente da análise da intenção do agente na prática dos delitos.
Os autores Paulo Amador Thomaz e Alves Cunha Bueno são criteriosos em
afirmar que a frase contida no artigo 71 do Código Penal, que menciona a possibilidade
do julgador em analisar outras semelhanças entre os ilícitos, deve ser utilizada pelo
intérprete para que identifique outras ocasiões objetivas que possam caracterizar a
Continuidade Delitiva, como se extrai do seguinte trecho de sua obra:
Após individualizar alguns pontos a serem considerados para a configuração do crime continuado, o legislador finalizou com uma fórmula genérica, determinando que sejam consideradas outras semelhanças entre os diversos atos. A disposição visa apenas complementar as exigências anteriores, possibilitando ao julgador que identifique concretamente outras circunstâncias objetivas que permitam caracterizar a unidade de crimes.
85
Portanto, a legislação é clara em apresentar a possibilidade de aplicação de
outras exigências semelhantes para a configuração do instituto, entretanto sem
especificar em sua redação todas as hipóteses que podem ser empregues pelo
magistrado ao interpretar o referido artigo.
Ademais, os autores Edilson Bonfim e Fernando Capez afirmam que a abertura
criada pelo legislador, ao mencionar a possibilidade de outras condições serem tratadas
85
THOMAZ, Paulo Amador, BUENO, Alves Cunha. Direito Penal: Parte Geral. São Paulo: Manole, 2012, p. 137.
48
como semelhantes, à uma interpretação de forma analógica, como é possível de se
verificar do seguinte excerto:
O Codigo Penal faz referencia as ―condicoes semelhantes‖ , permitindo, portanto, o emprego da interpretacao analogica , na medida em que o preenchimento das condições semelhantes deve ser feito conforme as condições especificadas no texto , as quais funcionam como parametro . Alguns julgados tem entendido que o aproveitamento das mesmas oportunidades e das mesmas relacoes pode ser incluido no conceito de ―condicoes semelhantes‖ . Assim, segundo essa orientacao jurisprudencial , para o reconhecimento do crime continuado , além da conexão espacial , temporal e modal , exige-se a conexão ocasional , ou seja , deve o agente praticar o delito subsequente aproveitando-se das mesmas oportunidades ou relacoes nascidas com o delito antecedente. Trata-se de mais um requisito objetivo para a configuracao do delito continuado.
86
Uma interpretação analógica pode ser tratada como uma clara violação ao
princípio da legalidade, em virtude de ser imprescindível para as normas de direito
penal material que as ações vistas como incrimináveis estejam previamente previstas
em lei e que possuam uma redação nítida e não ambígua, como previsto na lex previa e
na lex certa.87
Corrobora com tal entendimento, que a interpretação por analogia viola o
princípio da legalidade, o autor Fernando Capez, tratando, inclusive, como não benéfica
quando utilizada in bonam partem88, como é possível de se verificar do seguinte excerto
extraído de sua obra:
Analogia em norma penal incriminadora : a aplicacao da analogia em norma penal incriminadora fere o principio da reserva legal , uma vez que um fato nao definido em lei como crime estaria sendo considerado como tal . Imagine considerar tipico o furto de uso (subtração de coisa alheia movel para uso ), por força da aplicação analogica do art . 155 do Codigo Penal (subtrair coisa alheia movel com ân imo de assenhoreamento definitivo ). Neste caso , um fato nao considerado criminoso pela lei passaria a se -lo, em evidente afronta ao principio constitucional do art . 5o, XXXIX (reserva legal ). A analogia in bonam partem ,
86
BONFIM, Edilson, CAPEZ, Fernando. Direito Penal – Parte Geral, 1ª edição. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 848. 87
Entendimento extraído das dicas de processo penal do autor Guilherme de Souza Nucci. Disponível em: <http://www.guilhermenucci.com.br/dicas/interpretacao-extensiva-interpretacao-analogica-e-analogia-no-processo-penal>. Acessado em 11 nov 2018. 88
Em benefício da parte. (Tradução livre)
49
em principio , seria impossivel , pois jamais sera benefica ao acusado a incriminação de um fato atípico.
89
Para o autor Victor Rios Gonçalves, o Código Penal adotou expressamente a
teoria objetiva pura, sendo irrelevante a presença ou não da unidade de desígnios, em
razão de não haver nenhuma menção à intenção do agente como um requisito do
instituto jurídico da Continuidade Delitiva, como pode ser visto no seguinte trecho de
sua obra:
O Codigo Penal adotou a teoria puramente objetiva , já que isso consta expressamente do item n. 56 da Exposicao de Motivos . Ademais, não há qualquer mencao a unidade de designios como requisito do instituto no texto legal, não podendo o intérprete da lei exigir requisitos que esta não elenca , ainda mais quando se trata de norma benefica . Esta conclusao e pacifica na doutrina.
90
Além disso, o autor também atesta que a jurisprudência nacional se recusa em
aplicar a teoria prevista na exposição de motivos do Código Penal, apenas com o fim de
limitar o próprio benefício, sendo excluído quando os julgadores atestam uma suposta
criminalidade habitual do agente, como se verifica do seguinte excerto:
Na jurisprudencia , entretanto, nossos tribunais , principalmente os superiores , tem se mostrado reticentes em aplicar a teoria objetiva pura , exigindo a unidade de designios para o reconhecimento do crime continuado , a fim de limitar o benefício, excluindo-o em casos de criminoso habitual ou profissional. Nesse sentido, existem dezenas de julgados do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justica.
91
Ademais, o autor Fernando Capez afirma que a jurisprudência dos tribunais trata
como condição semelhante a conexão ocasional, em que o agente se aproveita de
todas as oportunidades concedidas pelo crime original, como se extrai do seguinte
trecho de sua obra:
89
CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal, v. 1 – Parte Geral (arts. 1º a 120), 21ª edição. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 53. 90
GONÇALVES, Victor Rios. Curso de Direito Penal: parte geral, 1ª edição. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 330. 91
Ibid.
50
Assim, segundo essa orientacao jurisprudencial , para o reconhecimento do crime continuado , além da conexão espacial , temporal e modal , exige-se a conexão ocasional , ou seja, deve o agente praticar o delito subsequente aproveitando-se das mesmas oportunidades ou relacoes nascidas com o delito antecedente. Trata-se de mais um requisito objetivo para a configuracao do delito continuado.
92
O autor Damásio de Jesus (2013, p. 654), ao citar o entendimento do magistrado
Dínio Garcia em julgamento realizado no dia 13 de abril de 1975 no extinto Tribunal de
Alçada Criminal de São Paulo, acompanha o entendimento da jurisprudência pátria,
afirmando que, para que seja possível a configuração do Crime Continuado, é
imprescindível a presença do requisito subjetivo, corroborando com as ideias
apresentadas pelo autor Fernando Capez, como se extrai do seguinte trecho:
(…) ―Tendo a legislacao penal vigente adotado a teoria objetiva dos penalistas alemães, é insuficiente , para o reconhecimento de continuidade , serem as infrações da mesma espécie , obedecerem ao mesmo modus operandi e serem proximas no tempo e no espaço . Para o reconhecimento da continuidade e indispensável que os delitos sejam perpetrados mediante o aproveitamento das mesmas relacoes e oportunidades ou com a utilizacao de ocasioes nascidas da primitiva situacao . Em suma: é imprescindível que o infrator tenha agido num unico contexto ou em situações que se repetem ao longo de uma relação que se prolongue no tempo. Nisto reside a essencia da continuidade da qual sao sintomas, e nada mais que sintomas , as conexoes espacial e temporal , e a homogeneidade do modus operandi . Inadmissível é a outorga do benefício quando se trata de casos em que estao patentes a perseveratio in crimine ou a consuetudo delinquendi , sobretudo porque tais circunstancias constituem motivo nao do abrandamento da pena , mas sim do seu agravamento , como indícios de periculosidade e da incapacidade de adaptação à ordem legal‖ .
93
O autor Miguel Reale Júnior afirma de forma categórica que é injustificável a
aplicação do elemento subjetivo pelos tribunais, tendo em vista a existência do
parágrafo único do artigo 71 do Código Penal 94 . Entretanto, afirma ser possível a
aplicação, pelo intérprete, da ―Habitualidade Delitiva‖, em razão do agente considerado
um criminoso profissional não poder ser beneficiado pela redução da pena, como se
extrai do seguinte excerto:
92
CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal, v. 1 – Parte Geral (arts. 1º a 120), 21ª edição. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 560. 93
JESUS, Damásio de. Direito Penal, volume 1: parte geral, 35ª edição. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 654. (apud Juiz Dínio Garcia, 13-4-1975) 94
Jr., REALE, Miguel. Instituições de Direito Penal – Parte Geral, 4ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2012, p. 440.
51
Não tem culpabilidade diminuída e não se enquadra como autor de crime continuado o delinquente profissional , que faz do crime um modo de vida , e programa a reiteracao , visto a pratica repetida do delito da mesma especie constituir a sua fonte de subsistencia ou de renda . Neste caso , não é a realização do crime anterio r a razao facilitadora da resolucao pelo subsequente , razão por que o delinquente profissional não merece o benefício do crime continuado, pois age presidido por uma resolucao conjunta , sendo maior a sua culpabilidade.
95
Desta forma, não é unânime o posicionamento doutrinário quanto à possibilidade
da aplicação da ―Habitualidade Delitiva‖, tendo em vista que parte dos escritores não
defende sequer a aplicação da teoria objetivo-subjetiva e a outra parte se limita a se
manifestar de forma favorável a sua análise pelo intérprete, tendo em vista uma
periculosidade acentuada do agente quando pratica crimes de forma profissional.
5.2 A POSSIBILIDADE DE UTILIZAÇÃO DE ANALOGIA E DE INTERPRETAÇÃO
ANALÓGICA
Apesar de ser um tema anteriormente tratado no presente trabalho, o princípio
da legalidade traz, em um de suas vertentes, a ideia da lex stricta, em que compreende
na punição somente nas condutas expressamente previstas em lei como delituosas, em
respeito à taxatividade da norma penal. No entanto, como explica o autor Paulo César
Busato, existe a possibilidade de se interpretar a norma de forma analógica, onde caso
tal análise seja feita dentro da interpretação literal da lei seria permitida, enquanto é
vedada a utilização de tal método caso fuja da literalidade normativa, como se extrai do
seguinte trecho:
Aqui, disputam espaço dois distintos pontos de vista. O primeiro defende que a distinção entre analogia e interpretação analógica deve basear-se no emprego da técnica da interpretação literal. Ou seja, o que estiver dentro da interpretação literal da norma ficaria no campo da interpretação permitida, enquanto que o que ficar fora da literalidade converte-se em analogia vedada. O segundo busca distinguir a analogia da interpretação analógica através do sentido da norma. Ou seja, a interpretação analógica, permitida, seria aquela aplicável para alcançar situações relativas à aplicação da lei de um fato situado além de seu alcance literal, mas sem estar fora do espírito ou sentido da mesma; na
95
Ibid.
52
analogia, vedada, se estende a aplicação da lei a um caso similar ao legislado, mas não compreendido no sentido do seu texto.
96
Portanto, uma interpretação dentro da literalidade da norma é permitida, devendo
sempre se manter em respeito ao princípio da legalidade, onde uma interpretação que
viola o texto legal é vedada. Além disso, Paulo César Busato também leciona que a
norma deve ser vista de forma pragmática, em constante contextualização com o caso
concreto, onde o real sentido trazido pela legislação não é perceptível somente com
sua descrição isolada, como se observa do seguinte excerto:
O desvendar do sentido de uma expressão não pode estar reduzido à abordagem semântica, ou seja, do mero significado isolado das palavras, nem tampouco à abordagem sintática, como conjunto de palavras que formam frases. O verdadeiro sentido normativo somente é desvendado por uma visão pragmática da norma. Essa visão só é possível através da consideração contextualizada da norma em face da situação concreta em que se desenvolve, ou seja, pela abordagem de suas circunstâncias. O verdadeiro sentido da norma não pode ser capturado de sua descrição isolada, mas somente de sua compreensão, derivada de sua aplicação contextualizada.
97
No entanto, por expressa vedação pela lex stricta, a utilização de analogia é
proibida em razão de ser considerada como garantia da função jurisdicional, nas
palavras do autor Paulo César Busato abaixo transcritas:
A analogia é proibida no Direito penal como consequência do princípio da legalidade. Na maioria das Constituições políticas de nossa cultura jurídica, a proibição da analogia da lei penal é considerada como uma garantia da função jurisdicional.
98
Além disso, ressalta o autor Cezar Roberto Bittencourt que nenhuma norma, por
mais completa que seja, está livre de lacunas e de insuficiências, em razão da
constante e ininterrupta transformação do direito e da legislação, como é se vislumbra
da seguinte citação de sua obra:
96
BUSATO, Paulo César. Direito Penal - Parte Geral - Vol. 1, 4ª edição. São Paulo: Atlas, 2018, p. 185. 97
BUSATO, Paulo César. Direito Penal - Parte Geral - Vol. 1, 4ª edição. São Paulo: Atlas, 2018, p. 177. 98
BUSATO, Paulo César. Direito Penal - Parte Geral - Vol. 1, 4ª edição. São Paulo: Atlas, 2018, p. 48.
53
Na verdade, nenhuma legislacao , por mais abrangente e completa que seja , é capaz de contemplar todas as hipoteses que a complexidade da vida social pode apresentar ao longo do tempo . O direito e lacunoso sob o aspecto dinâmico, já que se encontra em constante transformação , pois vive em sociedade, evolui com ela , recebendo permanentemente os influxos de novos fatos: as normas sao sempre insuficientes para disciplinar tod a a variedade de fatos que a vida e prodiga em oferecer . Nenhum sistema juridico positivo e imune a presenca de lacunas , espe- cialmente um ramo fragmentario como e o Direito Penal.
99
Ademais, o autor afirma que o uso da analogia não é ilimitado, onde existem
situações que sua utilização é vedada, como nos casos de normas penais
incriminadoras ou de normas fiscais, como é possível de se verificar do excerto abaixo:
O recurso a analogia nao e ilimitado , sendo excluido das seguintes hipoteses : a) nas leis penais incriminadoras — como essas leis, de alguma forma, sempre restringem a liberdade do individuo , é inadmissível que o juiz acrescente outras limitações além daquelas previstas pelo legislador . Em materia penal, repetindo, somente é admissível a analogia quando beneficia a defesa ; b) nas leis excepcionais, os fatos ou aspectos nao contemplados pelas normas de excecao são disciplinados pelas de caráter geral , sendo desnecessario apelar a esse recurso integrativo (que pressupoe a nao contemplacao em lei alguma do caso a decidir ); c) nas leis fiscais — estas tem carater similar as penais , sendo recomendável a não admissão do recurso à analogia para sua integração .
100
Dessa forma, não é plausível a utilização da analogia para a criação de novos
ilícitos ou penas que agravem a situação do réu, somente podendo ser utilizada em
benefício do acusado, do réu. Pode ser aplicada, portanto, às normas penais não
incriminadoras, como dito pelo autor Cezar Roberto Bittencourt no seguinte excerto:
Assim, é inadmissível que dela resulte a definição de novos crimes ou de novas penas ou, de qualquer modo, se agrave a situacao do individuo . Dessa forma, as normas penais nao incriminadoras , que nao sao alcancadas pelo prin cípio nullum crimen nulla poena sine lege , podem perfeitamente ter suas lacunas integradas ou complementadas pela analogia , desde que, em hipotese alguma , agravem a situacao do infrator . Trata-se, nesses casos, da conhecida analogia in bonam partem.
101
99
BITTENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal Vol. 1 – Parte Geral, 23ª edição. São Paulo: Editora Saraiva, 2017, p. 207. 100
BITTENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal Vol. 1 – Parte Geral, 23ª edição. São Paulo: Editora Saraiva, 2017, p. 208. 101
BITTENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal Vol. 1 – Parte Geral, 23ª edição. São Paulo: Editora Saraiva, 2017, p. 209 e 210.
54
Por fim, o autor afirma que o julgador deve buscar o melhor sentido da lei, sendo
possível, em situações excepcionais, interpretar extensivamente o texto legal, no
entanto sem criar normas, como se verifica do presente trecho:
Por isso, o aplicador da lei, o magistrado, deve buscar o melhor sentido da lei , sem cria -la, sendo-lhe facultada, inclusive, em determinadas circunstâncias a interpretação extensiva da lei penal . A interpretacao analogica , nos termos em que expusemos anteriormente , é perfeitam ente admissivel pelo proprio ordenamento juridico nacional . Permanece, contudo, a vedacao absoluta do emprego da analogia , em razao do mesmo principio da legalidade , salvo quando for para beneficiar a defesa.
102
Após tal exposição quanto à possibilidade da utilização da analogia e da
interpretação analógica, a primeira vedada, salvo se utilizada em benefício do réu, e a
segunda perfeitamente possível perante o ordenamento jurídico, cumpre analisar os
atos provindos dos magistrados, suas decisões monocráticas e colegiadas, noutros
termos, a jurisprudência como fonte de lei.
5.3 A JURISPRUDÊNCIA COMO FONTE DE LEI
Como apresentado anteriormente no transcorrer do presente trabalho, o
judiciário está constantemente produzindo entendimentos sobre diversos e variados
temas, o que, por vezes, acarretam na criação de normas jurídicas provindas de suas
interpretações, que possuem força assemelhada à lei, com a finalidade de suprir as
existentes lacunas na legislação, como dito pelo autor Miguel Reale Júnior no seguinte
excerto:
Como se ve , seja na hipotese de alargar o conceito de ―arma‖ , em prejuizo do réu, seja ao destipificar o desacato praticado por embriagado, para beneficiar o réu, é a realidade , em sua riqueza de circunstancias , que conduz a criação judicial para suprir a insuficiencia natural do legislador . Entendo, todavia, que se deve rejeitar a criação judicial quando reali zada para ampliar a norma incriminadora, mesmo quando a realidade surpreende o legislador, como no caso da arma de brinquedo no roubo . Pode, todavia, o juiz criar para beneficiar , ou em vista de norma modificadora da aplicacao da sancao , na hipotese acima examinada do crime continuado. Em certas circunstancias , o juiz nao pode
102
BITTENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal Vol. 1 – Parte Geral, 23ª edição. São Paulo: Editora Saraiva, 2017, p. 211.
55
deixar de criar diante da formulação aberta que reenvia à busca de padrões de comportamento relacionados com o cumprimento de deveres, como sucede nos crimes culposos para estabelecer o necessario dever de diligencia , bem como o dever de agir na condicao de garantidor nos crimes comissivos por omissao.
103
Dessa forma, há a possibilidade da criação judicial, que ocorre nos casos em que
o judiciário interpreta de forma diversa a literalidade da norma, nos casos em que
beneficie o acusado ou o réu, seja por uma insuficiência legislativa ou por um excesso
punitivo trazido pelo texto legal em sua restrita grafia.
Ademais, é valido ressaltar que os entendimentos sumulados dos tribunais
superiores e as interpretações pacificadas de determinados temas também são prova
da existência de um caráter criativo da jurisprudência nacional, como aponta o autor
Miguel Reale Júnior no seguinte trecho de sua obra:
As sumulas dos Tribunais Superiores revelam o poder criativo dos juizes em matéria penal , e o reconhecimento da jurisprudencia como font e do Direito , sendo exemplo a Sumula no 246 do Supremo Tribunal Federal , de grande incidencia, ao dispor que, comprovado nao ter havido fraude , não se configura o crime de emissao de cheque sem fundos , ou a Sumula no 96 do Superior Tribunal de Justic a ao considerar consumado o crime de extorsao independentemente da obtencao da vantagem indevida .
104
Entretanto, as interpretações realizadas pelos julgadores, como apresentado nos
julgados colacionados neste trabalho, voltaram-se para a criação de requisitos não
previstos pelo legislador original para a análise e concessão da Continuidade Delitiva,
quais sejam a ―habitualidade delitiva‖ e a necessidade de utilização da interpretação via
a teoria objetivo-subjetiva, muito embora não exista uma punição excessiva prevista na
legislação ou uma insuficiência de norma punitiva, em razão da expressa previsão da
forma interpretativa a ser utilizada no Código Penal, qual seja a prevista no item 59 de
sua exposição de motivos, que prevê a utilização da teoria objetiva pura.
103
Jr., REALE, Miguel. Instituições de Direito Penal - Parte Geral, 4ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2012, p. 83/84. 104
Jr., REALE, Miguel. Instituições de Direito Penal - Parte Geral, 4ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2012, p. 84.
56
Cumpre ressaltar que o Decreto-Lei nº 4.657/1942 (Lei de Introdução às normas
do Direito Brasileiro) 105 determina a possibilidade de utilização de analogia, de
costumes e de princípios gerais do direito nos casos de expressa omissão legal,
somente possibilitando a criação de um entendimento divergente ao texto legislativo
nestes casos.
Ademais, o autor Guilherme de Souza Nucci ressalta que o ideal é a não
utilização da analogia, tendo-se em vista que somente é crime o que está
expressamente previsto em lei, ressalvada a sua utilização para o benefício do réu e
argumenta, ainda, pela impossibilidade de uso in malam partem106, conforme o seguinte
trecho:
Ao contrário, quando se evidencia uma lacuna no cenário penal, advém a viabilidade de uso da analogia, processo de integração do conteúdo da norma, com o fim de suprir o vazio, adaptando-se, em seu lugar, preceito similar, constante em norma diversa. Em face do princípio da legalidade, o ideal é a não utilização da analogia para qualquer objetivo. É crime o que consta em definição legal; não é delito o que não se encaixa em lei. Entretanto, sabendo-se constituir o princípio da legalidade um escudo protetor do indivíduo frente aos eventuais abusos do Estado, pode-se abrir a exceção para a utilização da analogia, quando em benefício do réu: a denominada analogia in bonam partem. Eventual lacuna pode ser suprida para resolver um impasse que, na essência, representaria desfavor ao acusado. Em sentido oposto, veda-se a analogia in malam partem, com o intuito de, sanando eventual lacuna, acarretar punição ao réu, antes inexistente.
107
Dessa forma, aparenta inviável o entendimento formado pelos Tribunais
Superiores quanto à aplicação de um requisito não previsto na legislação somente em
detrimento aos réus, como defende o autor Roberto Delmanto Júnior, citado na obra de
Guilherme de Souza Nucci no seguinte trecho:
Como decorrência da regra da legalidade, veda-se o emprego da analogia para punir ou aumentar a pena, ao contrário do que ocorre no direito processual penal, o que admite, no art. 3º do CPP, que ―a lei processual penal admitirá interpretação extensiva e aplicação analógica, bem como o suplemento dos princípios gerais do direito‖, desde que, aduzimos, não se imponha, com isso,
105
BRASIL. Decreto-lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942.Art. 4º - Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Rio de Janeiro, RJ, 9 de setembro de 1942. 106
Em prejuízo a parte. 107
NUCCI, Guilherme de Souza. Tratado Jurisprudencial e Doutrinário – Direito Penal Vol. 1, 1ª edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 25.
57
restrições à liberdade não previstas na lei processual penal (tratando-se de regras processuais com conteúdo material). Daí defendermos a tipicidade da lei processual penal, lembrando, por exemplo, a taxatividade do tratamento dado à prisão preventiva (art. 312 do CPP). Mas não é só, como demonstraremos nos próximos parágrafos, a interpretação com efeitos extensivos aumentando a incidência do preceito incriminador ou de uma causa de aumento de pena.
108
Por fim, cumpre apresentar o entendimento de René Ariel Dotti, que defende a
irretroatividade da legislação penal entendida em sentido amplo, abrangendo também a
jurisprudência, como apresenta no seguinte excerto de sua obra:
A proibição da retroatividade da Lei penal em prejuízo do réu deve ser entendida em sentido amplo, abarcando também a jurisprudência. É que, embora a decisão de um tribunal não seja como a lei, cujos efeitos erga omnes vinculam diretamente e independente de um caso concreto, ela é a interpretação que da Lei se faz. Por isso, tal interpretação assume um lugar de importância igual ao significado da lei. A jurisprudência é a Lei na prática. Daí ser inadmissível que a alteração da jurisprudência retroaja para prejudicar o réu. E, logicamente, é admissível que a jurisprudência benigna retroaja para alcançar a situação jurídica do réu.
109
Portanto, a tendência do entendimento doutrinário a respeito da jurisprudência
como formadora de interpretações com força normativa assemelhada à lei se remete
para a sua irretroatividade e pela aplicação dos mesmos princípios vigentes para a
legislação penal, que impede sua interpretação extensiva para prejudicar o réu.
108
NUCCI, Guilherme de Souza. Tratado Jurisprudencial e Doutrinário – Direito Penal Vol. 1, 1ª edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 57. (apud Roberto Delmanto Júnior, 2007, pág. 212). 109
DOTTI, René Ariel. Curso de Direito Penal: Parte Geral, 6ª edição revisada, atualizada e ampliada. São Paulo: Thomsom Reuters Brasil, 2018, pág. 359.
58
6 CONCLUSÃO
Após a realização deste trabalho, é possível de se perceber que visava o
esclarecimento da atitude dos Tribunais nacionais, qual seja da aplicação da
―Habitualidade Delitiva‖ para negar o benefício do Crime Continuado aos réus que
praticaram dois ou mais ilícitos da mesma espécie e, pelas condições de tempo, de
lugar, de modus operandi e de outras semelhantes, pudessem ser os subsequentes
presumidos como continuação do primeiro.
Atualmente, a grande maioria dos julgados nacionais, pelo o que foi possível de
se verificar do entendimento jurisprudencial elencado neste trabalho, através da análise
de diversos acórdãos de diferentes Tribunais, aplica o entendimento trazido pelo STJ e
pelo STF, quanto a necessidade de uma prévia abordagem do ―dolo em continuação‖ e
que não seria suficiente a simples análise dos elementos objetivos constantes na lei
penal para denegar o Crime Continuado aos réus.
Destarte, não considero crível o entendimento trazido pelas nossas Cortes
Superiores, tendo-se em vista que a jurisprudência está sendo aplicada de forma
prejudicial a todos os acusados e réus presentes no sistema penal vigente, punindo de
forma excessiva e demasiadamente sem uma análise exauriente dos delitos praticados
pelos agentes, somente afirmando, sumariamente e sem uma fundamentação plausível,
que os brasileiros que se encontram em persecução pelo sistema penal são criminosos
habituais, pessoas dependentes dos ilícitos para a sua subsistência, sem ao menos
uma análise das condições sociais dos acusados que, em uma infeliz maioria, são
compostos por negros e pobres, provindos das periferias das grandes cidades.
A forma mais viável para a solução do presente conflito entre o Princípio da
Legalidade e a aplicação do esdruxulo requisito jurisprudencial da ―Habitualidade
Delitiva‖ seria o respeito às garantias constitucionais dos réus de forma plena e
exaustiva, para que seja possível, de forma legítima, a punição de crimes e de
contravenções, aonde a simples perseguição estatal, com uma legitimação vinda de
violações à lei e aos princípios fundamentais do Direito Penal, trata-se apenas de uma
arbitrariedade.
59
REFERÊNCIAS
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