centro de ensino superior do cearÁ faculdade … esta 1968 o... · centro de ensino superior do...

64
CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ FACULDADE CEARENSE CURSO DE JORNALISMO ANDREA ARAUJO DO NASCIMENTO ONDE ESTÁ 1968? O DISCURSO NAS CRÔNICAS DA PÁGINA 3 DO JORNAL O POVO Fortaleza 2013

Upload: phamdan

Post on 08-Nov-2018

219 views

Category:

Documents


2 download

TRANSCRIPT

CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ

FACULDADE CEARENSE

CURSO DE JORNALISMO

ANDREA ARAUJO DO NASCIMENTO

ONDE ESTÁ 1968?

O DISCURSO NAS CRÔNICAS DA PÁGINA 3 DO JORNAL O POVO

Fortaleza

2013

2

ANDREA ARAÚJO DO NASCIMENTO

ONDE ESTÁ 1968?

O DISCURSO NAS CRÔNICAS DA PÁGINA 3 DO JORNAL O POVO

Trabalho de conclusão de curso apresentado na Faculdade

Cearense, como requisito para obtenção do título de

bacharel em Comunicação Social, com habilitação em

jornalismo.

Orientadora: Profa. Ms. Adalucami Menezes

Fortaleza

2013

3

Bibliotecário Marksuel Mariz de Lima CRB-3/1274

N244d Nascimento, Andrea Araújo do

O discurso nas crônicas da página 3 do Jornal O Povo /

Andrea Araújo do Nascimento. Fortaleza – 2013.

84f.

Orientador: Profª. Ms. Adalucami Menezes.

Trabalho de Conclusão de curso (graduação) – Faculdade

Cearense, Curso de Comunicação Social, com Habilitação em

Jornalismo, 2013.

1. Jornalismo - crônica. 2. Ditadura militar. 3. AI-5. I.

Benigno, Edmundo. II. Título

CDU 070

4

ANDREA ARAUJO DO NASCIMENTO

ONDE ESTÁ 1968? O DISCURSO NAS CRÔNICAS DA

PÁGINA 3 DO JORNAL O POVO

Monografia como pré-requisito para obtenção do título de bacharelado em Comunicação Social, com habilitação em

jornalismo, outorgador pela Faculdade Cearense – FaC,

tendo sido aprovado pela banca examinadora composta

pelos professores.

Data de aprovação: 03 de junho de 2013

BANCA EXAMINADORA

__________________________________________________

Professora Ms. Adalucami Menezes

__________________________________________________

Professora Esp. Klycia Fontenele

__________________________________________________

Professora Ms. Lenha Diógenes

5

AGRADECIMENTOS

Eu agradeço a:

São Jorge guerreiro pelas armas nos dias difíceis. Ogunhê, Ogum!

Iemanjá, por iluminar meu caminho na busca pela fé. Odoiá, minha mãe!

Minha mãe Maria, e meu pai José, pela vida, amor sem medida e lições.

Minha avó Hilda, pelo cuidado.

Wania, pelas mãos dadas, pelo amor, por acreditar. Sempre.

Andra e André, por serem irmãos de sangue e de alma.

Vírginia, Ítalo, Allyson e Nívea, irmãos na vida.

Amigos do ‘muro de Berlim’ pela companhia nesses anos.

Daniel, Gleison, Nara, Patrícia, Maurição e Ana Maria, por me ajudarem a segurar essa barra.

Professora Dalu, pela paciência e conhecimento.

Professora Mara Cristina, por uma conversa que me tirou do breu.

Professoras Klycia e Lenha, pelo incentivo e pelas boas leituras.

Todos os professores que imprimiram em mim a vontade de fazer este trabalho.

6

Para que nunca se esqueça, para que nunca mais aconteça1.

1 Lema da campanha Memórias Reveladas, do Arquivo Nacional do Governo Federal. Em

http://www.memoriasreveladas.arquivonacional.gov.br/campanha/, acessado em 14 de julho de 2013, Às 19h.

7

RESUMO

O presente trabalho tem a finalidade de analisar e identificar o discurso nas crônicas

publicadas na página 3 – editoria de opinião - do jornal O Povo, o veículo impresso mais

antigo em circulação no Ceará (desde 1928). O ano a ser analisado será 1968, tendo-se como

referência quatro datas importantes para o período e para história do Brasil - fatos em comum

a historiadores e jornalistas que escreveram e escrevem sobre a época. As datas são: a morte

do estudante Edson Luís, a passeata dos 100 mil, a prisão dos estudantes no congresso da

União Nacional dos Estudantes (UNE) em SP e a assinatura do Ato institucional nº 5.

Palavras-chave: crônica, jornalismo, ditadura militar, AI-5, 1968

8

SUMÁRIO

Introdução ................................................................................................................................ 9

Capítulo 1 - A crônica, o jornalismo e a história

1.1. Uma breve história da crônica no Brasil ..................................................................... 11

1.2. Análise do discurso: o sentido e a intenção no jornalismo ......................................... 18

1.3. 1964: os militares no poder ......................................................................................... 20

1.3.1 A imprensa de 1964 ......................................................................................... 24

Capítulo 2 – 1968: o primeiro ano de chumbo

2.1. O AI-5 e o acirramento ............................................................................................... 28

2.1.1 Como contar 1968? ........................................................................................... 29

2.1.2 A importância de cada data ............................................................................... 31

2.2. As manchetes dos jornais: alguns casos na imprensa de 68 ....................................... 33

Capítulo 3 –A crônica do jornal O Povo em 1968

3.1. “Jornal é O Povo” ............................................................................................................ 37

3.1.1 A opinião na página 3 ............................................................................................ 40

3.2. Onde está 1968? ............................................................................................................... 42

3.3.1. A morte de Edson Luis .......................................................................................... 44

3.3.2. Passeata dos 100 mil .............................................................................................. 48

3.3.3. Congresso da Une .................................................................................................. 51

3.3.4. Ato Institucional nº 5 ............................................................................................. 54

Considerações finais .............................................................................................................. 59

Referências ............................................................................................................................. 61

Anexos .................................................................................................................................... 64

9

INTRODUÇÃO

A literatura está na minha vida desde sempre. Escrever, idem. A Coleção Para Gostar

de Ler2 trazia nomes como Carlos Drummond de Andrade, Clarice Lispector, Fernando

Sabino em páginas recheadas de poesias, contos e crônicas. Tornei-me leitora. E tudo o que

mais me interessa está ligado ao escrever, à leitura. Não seria diferente com este trabalho. Ser

jornalista, inclusive, faz parte dessa predileção pela escrita.

De todos os gêneros literários, a crônica foi escolhida para realizar esta pesquisa, pois

ela une dois saberes e dois ‘gostares’: jornalismo e literatura. Para Ronaldo Salgado, as

crônicas se unem às reportagens de “maneira intrínseca”.

(...) de tal forma que não raro as primeiras aparecem como sementes das

segundas, enquanto essas exprimem uma dimensão textual própria daquelas.

Surge daí uma espécie de laço estreito a marcar o caráter conceitual, o estilo e as formas de expressão tanto da crônica quanto das reportagens, entrelaçando

visões que, geralmente, se tem a respeito dos dois gêneros. (SALGADO,

2006, p. 13)

Escolher a crônica como o gênero a ser analisado, seria o que me aproximaria do

jornalismo, sem tirar os pés da literatura, pois, como veremos neste trabalho, ambos passeiam

de mãos dadas entre os livros e os jornais.

Escolhido o mar a se navegar (a crônica), eis o barco: 1968. O ano foi selecionado por

ser o mais emblemático dentro do período da ditadura militar no Brasil, que vai de 1964 a

1985. E, sendo o cotidiano o combustível da crônica, surge a curiosidade de saber como as

crônicas mostravam esse ano e o regime, assim, no dia a dia, nas coisas simples e tão perto do

traço humano, cheio de subjetividade e intimismo.

O ano foi de chumbo, como dizem os historiadores. Cheio de violência contra quem

discordava do regime militar e cheio de censura. Somente muitos anos depois, o grande

público iria descobrir o que se passava nos ‘porões da ditadura’ e como eram os métodos de

interrogatório dos militares.

Antes de adentrar 1968, fiz um passeio pela história da crônica. Era necessário

entender como a crônica estava inserida no jornalismo e alguns conceitos sobre o gênero.

Também era preciso ‘começar do início’, mostrando como o golpe chegou em 1964 e como a

imprensa reagiu ao acontecimento.

O próximo passo seria descrever 1968, contextualiza-lo. Mostrar mais uma vez como

os jornais nacionais mostraram o ano mais acirrado da ditadura militar e de mais ebulição

2 Editora Ática, coleção de livros popular na década de 80.

10

social e cultural no mundo. Essa contextualização fez-se necessária por ser uma das essências

da análise de discurso. Sem me debruçar sobre 1968 como seria possível analisar um objeto

fincado neste ano?

E sobre análise do discurso, os autores que servirão de referência e âncora para este

trabalho reforçam que o contexto em que está inserido o objeto é tão importante quanto o

próprio. Só assim é possível interpretar e ter um resultado o mais próximo possível do real.

Este é o ponto de partida.

Encontrando o meu objeto, chego em 68 e na página 3 – editoria de opinião - do jornal

O Povo. Este trabalho pretende ser um grão de areia na procura do ano de 1968 na imprensa

local, mais precisamente nas crônicas publicadas em quatro datas em comum e marcantes

para historiadores e jornalistas que escreveram sobre a época: a morte do estudante Edson

Luís, a passeata dos 100 mil, a prisão dos estudantes no congresso da União Nacional dos

Estudantes (UNE) e a assinatura do Ato Institucional nº 5.

Escolhi a crônica como

Coincidentemente, foi criado em 2012 a Comissão Nacional da Verdade, pelo

Governo Federal, destinada a “apurar as graves violações aos direitos humanos” cometidos na

época da ditadura. É mais uma forma de revelar um ano tão conturbado.

O lema ‘para que não se esqueça, para que nunca mais aconteça’ é atualíssimo, mesmo

passados 45 anos. O assunto ainda é tabu e, para a maioria nacional, passam despercebidos 21

anos de história.

E um ano de ‘chumbo’ merece todo tipo de análise, para que se entenda, se discuta e

se faça repercutir a vontade de saber ainda mais.

11

A CRÔNICA, O JORNALISMO E A HISTÓRIA

A crônica e o jornalismo caminham juntos. São feitos na mesma forma, embora com

ingredientes diferentes. O cotidiano os une e a objetividade os separa. Alimentam-se dos

acontecimentos do dia a dia, mas chamam atenção do leitor de formas diversas. Este capítulo

pretende contextualizar como nasce a crônica e como alguns autores a conceituam.

Além disso, e no meio disso, o capítulo pretende também listar conceitos e abrir

reflexões sobre a análise do discurso e de como a contextualização que virá no decorrer de

todo o trabalho, dará as mãos ao objeto da pesquisa, a própria crônica.

1.1. Uma breve história da crônica no Brasil

“... Que ela nasceu plebeia, embrulhada em papel jornal e com o editor gritando: olha o

prazo de fechamento, dona Raquel de Queiroz!!”3

Dizer como nasceu a crônica se mistura (e esbarra) com a tentativa de conceituar ou

identificar onde ela teve origem. Não há a pretensão de conceituá-la definitivamente, pois ela

é como o homem que se banha no rio, descrito por Heráclito4. Num minuto, nenhum dos dois

elementos é mais o mesmo. Dinâmica, a crônica é descrita e percebida por escritores,

jornalistas e teóricos como algo que flui. Mas significado definitivo e fechado não há.

Apelando para o dicionário, Houaiss5 indica nove itens para dar significado à crônica.

Entre crônicas históricas, doenças crônicas (viva a língua portuguesa!) e boataria, o item

quatro parece ser o mais adequado para povoar este trabalho:

4. p.ext.jor coluna de periódicos, assinada, com notícias, comentários,

algumas vezes críticos e polêmicos, em torno de atividades culturais

(literatura, teatro, cinema etc.), de política, economia, divulgação científica, desportos etc., atualmente tb. abrangendo um noticiário social e

mundano.cf.coluna.

Machado de Assis, escritor do século XIX, conta, em tom de brincadeira, que a

primeira crônica nasceu da conversa entre duas vizinhas sentadas à porta, entre o calor, a vida

3Em As Cem Melhores Crônicas Brasileiras, organizado e com introdução de Joaquim Ferreira dos Santos,

editora Objetiva, p. 22 4 A frase, e ideia completa, atribuída a Heráclito de Éfeso, pai da dialética, é a seguinte: "Não se pode percorrer

duas vezes o mesmo rio e não se pode tocar duas vezes uma substância mortal no mesmo estado; por causa da

impetuosidade e da velocidade da mutação, esta se dispersa e se recolhe, vem e vai." Em coleção Os Pensadores

- pré-socráticos – Heráclito de Éfeso, organização José Cavalcante de Souza, editora Nova Cultural, p. 32 5 Versão on line: http://houaiss.uol.com.br/busca?palavra=cr%25C3%25B4nica, acessado em 15/12/2012, às 10

horas.

12

alheia e a troca de informações sobre ervas medicinais. Depois da brincadeira, ele se emenda,

dizendo-se “sabedor ou conjeturador de tão alta prosápia e que seria uma trivialidade” definir

ou dar origem ao gênero crônica na conversa das duas vizinhas6.

O que Machado parece dizer através do seu texto ‘O nascimento da crônica’7, Antonio

Cândido8, crítico literário do século XX, fala mais diretamente. Cândido afirma no texto ‘A

vida ao rés-do-chão’9 que a crônica, apesar de aproximar o interesse dos leitores diários do

jornal, se caracteriza por um tipo ligeiro e despretensioso de literatura, feito às pressas e sem

cuidado. “A sua perspectiva não é a dos que escrevem do alto da montanha, mas do simples

rés-do-chão” (p. 14).

Mas o crítico também lembra que o fato da crônica ser tão próxima ao cotidiano e das

coisas simples, “age como quebra do monumental e da ênfase”. Ele explica que os elementos

de grandiosidade inseridos no texto da crônica não são de todo ruins, já que eles nos causam

“arrepio” e admiração. “O problema é que a magnitude do assunto e a pompa da linguagem

podem atuar como disfarce da realidade e mesmo da verdade”.

Apesar de viverem em épocas diferentes, concordavam Antonio Candido e Machado

de Assis. O primeiro como crítico, o outro como produtor da crônica. Machado, que descrevia

“as miudezas do cotidiano” (SANTOS, 2007, p. 25), tenta uma definição para si e,

consequentemente, para a ‘profissão’ de cronista:

(...) Além disso, nasci com certo orgulho, que já agora há de morrer comigo. Não gosto que os fatos nem os homens se me imponham por si mesmos.

Tenho horror a toda superioridade. Eu é que os hei de enfeitar com dous [sic]

ou três adjetivos, uma reminiscência clássica, e os mais galões de estilo. Os

fatos, eu é que os hei de declarar transcendentes; os homens, eu é que os hei de aclamar extraordinários. (Machado de Assis, trecho da crônica A Semana)

10

Para além do cotidiano, marca que merece destaque quando se fala de crônica, há

outras características e categorizações que farão entender o gênero que se faz objeto de

pesquisa deste trabalho. A crônica, para Maria Margarida de Andrade, constitui um texto que

se caracteriza, “particularmente, pelo estilo descontraído que se situa entre o jornalismo e a

literatura” (ANDRADE, 2006, p. 103).

6Em As Cem Melhores Crônicas Brasileiras, organizado e com introdução de Joaquim Ferreira dos Santos,

editora Objetiva, p. 27 7 Em As Cem Melhores Crônicas Brasileiras, organizado e com introdução de Joaquim Ferreira dos Santos,

editora Objetiva, p. 27 8 Escritor, literato, sociólogo, professor, 95 anos. 9Introdução do livro Para Gostar de Ler – Crônicas – vol. 5, p. 5, acessado em http://pt.scribd.com/doc/57924470/A-Vida-Ao-Rs-Do-Cho, em 1 de abril de 2013, às 12 horas. 10 Trecho da crônica A Semana, de nº 102, de 10 de julho de 1892, de autoria de Machado de Assis.

13

Para a autora, a crônica também não está ligada simplesmente a fatos corriqueiros e

reforça que depois de Fernão Lopes (século XV), escritor português, a crônica se preocupa

com a causa e o efeito dos acontecimentos. Ou seja, além da descrição, vem a análise do fato.

Por isso, também, a crônica está inserida dentro do jornalismo opinativo, fazendo

companhia ao editorial, à coluna e à resenha. “Embrião da reportagem” (MELO, 1985, p.

111), a crônica é também uma narrativa, onde o tempo e o espaço em que ela está inserida são

determinantes.

Ainda para Melo, a “crônica não é monolítica, uniforme. Comporta várias espécies.

Sua classificação tem sido objeto de estudo de pesquisadores do jornalismo e da literatura”.

(MELO, 1985, p. 116). Ressalto o que diz o autor, para dizer que dentro da crônica é possível

achar a narrativa, a argumentação, a descrição, e, ainda assim, ser crônica.

Independente do conceito, o fato é que os grandes escritores deste e dos séculos

passados tinham a crônica na ponta dos dedos. “A turma tinha um olho na imortalidade da

Academia Brasileira de Letras e o outro no relógio para cumprir o prazo dado pelo editor do

jornal” (SANTOS, 2007, p. 18).

Sendo assim, foi nos jornais, nos idos de 1900, que a crônica surgiu como uma forma

de falar dos acontecimentos do dia a dia de forma leve e lírica. E ela nasce desse modo porque

seus criadores tinham uma vocação anterior a de jornalista: eram escritores (se é que as duas

coisas não se misturaram irreparavelmente). Eles viam nas páginas diárias dos periódicos uma

forma de publicar seus textos. Nelson Werneck Sodré identifica duas razões para a crônica ter

os pés fincados entre a literatura e o jornalismo.

Os homens de letras buscavam encontrar no jornal o que não encontravam no

livro: notoriedade em primeiro lugar; um pouco de dinheiro, se possível. O

Jornal do Commércio pagava as colaborações entre 30 e 60 mil réis; o Correio

da Manhã, a 50. Bilac e Medeiros e Albuquerque, em 1907, tinham ordenados mensais pelas crônicas que faziam para a Gazeta de Notícias e O País,

respectivamente. (SODRÉ, 1999, p. 292)

Os jornalistas recebiam a incumbência de escrever para os jornais um resumo do que

havia acontecido na semana. O jornal Espelho Diamantino produzia num espaço do jornal os

usos e costumes da época11

. Também os jornais O Carapuceiro12

e Correio da Moda13

11 O periódico carioca que circulou nos tempos do Império, entre 1827 e 1828. Os redatores usavam

pseudônimos e dedicavam a folha às senhoras da Corte, defendendo a instrução das mulheres e apresentando ao

“belo sexo” artigos variados de política e ciências, artes e moda. (em

http://www.encontro2012.rj.anpuh.org/resources/anais/15/1338382423_ARQUIVO_FernandoBercot-

textocompleto.pdf, em 28 de maio de 2013, às 9h48) 12

jornal recifense, fundado pelo Padre Miguel do Sacramento Lopes Gama, circulou de 1832 a 1847 (em

http://basilio.fundaj.gov.br/pesquisaescolar/index.php?option=com_content&view=article&id=546&Itemid=182,

28 de maio de 2013, às 9h51)

14

registravam e comentavam, da forma como quisessem os seus colunistas, os fatos do dia e o

que se ouvia nas ruas (SANTOS, 2007, p. 16).

Mas, para conseguir avançar, alguns passos atrás são necessários. Volto um pouco

antes de Machado de Assis e procuro o nascimento, o ‘rebento’ do gênero. José de Alencar,

com a série ‘Ao Correr da Pena’, em janeiro de 1854, desenvolve a crônica de forma mais

parecida com o que temos hoje. “José de Alencar comentava com graça e leveza os

acontecimentos da semana - a primeira corrida no Jockey Club, a missa do galo na Catedral –

e fazia o casamento definitivo entre jornalismo e literatura.” (SANTOS, 2007, p. 16).

Outros escritores seguiram os mesmos passos – e já trazendo inovações. Como é o

caso de Joaquim Manuel de Macedo, escritor e autor de A Moreninha. Ele ‘inventou’ o termo

e a atitude do flâneur14

no Brasil, que era comentar o que se via nas calçadas, durante passeios.

Joaquim começou a escrever em 1861 as crônicas “Um Passeio”, em que ele simplesmente

‘flanava’ pelo Rio de Janeiro. Passeio que seria mais tarde ‘imitado’ por outro cronista, João

do Rio15

. “Eles (Joaquim e José) apostavam, como cláusula primeira de sobrevivência, no

abuso da subjetividade e na descontração do texto para criar peças que funcionam como oásis

de respiração e bom gosto no meio das crises e tragédias de um jornal” (SANTOS, 2007, 16).

A crônica nasce, cresce, ganha corpo, espaço e se desenvolve. Percorre décadas e

torna-se mais nossa do que nunca. Quase uma exclusividade. De acordo com José Marques de

Melo16

, a crônica vai consolidar-se como um gênero genuinamente brasileiro na década de 30

e não encontra igualdades com o gênero jornalístico de outros países. No livro A opinião no

jornalismo brasileiro, o autor especifica as diferenças/características que o gênero tem em,

por exemplo, na Espanha, Itália e França.

Se esse sentido predomina em nosso país, tomando a crônica a feição de relato poético do real, situado na fronteira entre a informação de atualidade e a

narração literária, o mesmo já não ocorre em outros países. (MELO, 1985,

p.111)

Carlos Drummond de Andrade, Paulo Mendes Campos, Fernando Sabino e Rubem

Braga seguirão os passos de Machado de Assis e José de Alencar, mas ‘reformulando’ a

crônica para os tempos modernos.

13

Periódico do Piauí que circulou em 1909 (em

http://www.ufpi.br/nuplid/index.php?option=com_content&view=article&id=188&Itemid=63, em 28 de maio de

2013, às 9h54) 14 Palavra em francês que significa andarilho (em Dicionário Larousse Oui Francês-Português – bolso – p. 142) 15 Jornalista, cronista e escritor carioca 16 Em A Opinião no Jornalismo Brasileiro

15

Marques de Melo lembra ainda que dois fatos vão ajudar para essa ‘recaracterização’

da crônica nos anos 1930: a Semana de Arte Moderna de 1922, que influenciou a imprensa

brasileira, fazendo-a abandonar o velho estilo discursivo dos bacharéis para descobrir a

“simplicidade da linguagem coloquial”, e o desenvolvimento da imprensa, em “que os jornais

das grandes cidades assumem feições empresariais, tornando-se mais dinâmicos e ampliando

o público leitor”. (MELO, 1985, 115)

E a crônica, é, então, do jornalismo ou da literatura? Não se sabe ao certo. Para

Cristiane Costa, autora do livro Pena de Aluguel, “cada momento literário ou jornalístico tem

seus próprios dilemas. Cada autor, uma forma de lidar com o problema” (ALVES, 2005, p.

345).

Fazendo um apanhado, enumeramos o que já foi dito por muitos acima, caracterizando

a crônica, no geral, como subjetiva e de texto fácil e descontraído. O gênero também traduz a

cumplicidade criada entre escritor/jornalista e público: ao falar das coisas do cotidiano, do dia

a dia ‘comum’, o cronista traz para dentro do texto um leitor atento, fisgado por um texto mais

atrativo e cheio de leveza.

Para além da leveza que afirma ser própria da crônica, a imagem das vizinhas,

utilizada por Machado de Assis, aponta para outra de suas características principais: a cumplicidade construída entre autor e o público quanto ao tema e

questões a serem discutidos. (...) Ao cronista cabe a responsabilidade de

buscar, dentre os acontecimentos sociais de maior relevo e divulgação,

capazes de formar entre escritor e público códigos compartilhados que viabilizassem a comunicação, temas que lhe permitissem discutir as questões

de seu interesse.” (CHALHOUB, NEVES E PEREIRA, 2005, 11)

Ainda falando em características, Melo complementa que a crônica é ligada à

atualidade, porque se nutre de fatos do cotidiano. E por isso mesmo é tão ligada ao

jornalismo.

Que a crônica é um gênero jornalístico constitui uma questão pacífica. Produto

do jornal, porque dele depende para a sua expressão pública, (...) a crônica preenche as três condições essenciais de qualquer manifestação jornalística:

atualidade, oportunidade e difusão coletiva. (MELO, 1985, 118)

Como o intuito é identificar o que aproxima, e não o que afasta o gênero crônica do

jornalismo e da literatura, Melo também afirma que a crônica é literária, pois “vários cronistas

tiveram sua produção reunida sob a forma de livro, atravessando o tempo, continuando a

despertar o fascínio dos leitores” (MELO, 1985, 119), como é o caso de Luis Fernando

Veríssimo, Carlos Drumond de Andrade, Rubem Braga e tantos outros. E o autor ainda

conclui que o gênero é flutuante, híbrido e que cabe em qualquer uma das duas produções.

16

Perdem tempo os teóricos preocupados em discutir se a crônica é um gênero

maior ou menor, pois a função da crônica não é saber se é grande, pequena ou

média. A função da crônica é explodir, é não deixar a peteca cair, é acordar as pessoas que estão dormindo de olho aberto. (MELO, 1985, p. 120)

Para além das funções que cada um exerce, nascem quase juntos a literatura e o

jornalismo, o jornalista e o escritor. E, segundo Cristiane Costa17

, são “filhos do mesmo

prelo”.

Livros e jornais nasceram praticamente juntos no Brasil. O primeiro livro que foi publicado, Observações sobre o comércio franco no Brasil, sairia pela

mesma editora da Gazeta do Rio de Janeiro, quase ao mesmo tempo em que o

jornal. (COSTA, 2005, p. 219)

Já Carlos Heitor Cony18

, escritor, concorda que a crônica é mista e passeia livremente

entre jornalismo e literatura, que fazem parte do mesmo “universo das letras”. O que as

distinguem é apenas o fato do jornalismo estar datado, ou seja, ser veiculado com data de

validade.

Daí que a palavra crônica é o segmento comum da literatura e do jornalismo.

E não se trata de considerar o jornalismo como expressão inferior à literatura. São expressões diferentes, unidas pelo mesmo gênero (a crônica). Utilizam o

mesmo veículo, pretendem atingir o mesmo objetivo, mas em um tempo

próprio para cada um. (BRITO, 2008, p. 25)

O fato é que nas mãos de Machado de Assis, João do Rio, Lima Barreto, José de

Alencar, Carlos Drummond de Andrade, Raquel de Queiroz, Rubem Braga, Paulo Mendes

Campos, Fernando Sabino, Stanislaw Ponte Preta, Nelson Rodrigues, Millôr Fernandes,

Clarice Lispector, Luis Fernando Veríssimo, Caio Fernando de Abreu, Arnaldo Jabor, Martha

Medeiros, Carlos Heitor Cony e Mário Prata, para citar alguns escritores/jornalistas, que estão

nessa ordem especificados de acordo com a época em que produziram. A crônica criou

‘corpo’, aventurou-se e assumiu novos modos de se mostrar.

Da máquina de costura industrial esbugalhando os olhos de José de Alencar19

ao internético Tutty Vasques20

, década a década saboreia-se, com mais nitidez, o que cada geração vai fazendo para modificar o jeito de escrever, navegando-

se na pontuação rigorosa de Machado de Assis até os imensos blocos,

costurados apenas com vírgulas, de André Sant’Anna21

. (SANTOS, 2007, p. 21)

Por essa ligação estreita entre jornalismo e literatura, vejo a necessidade de fazer dois

adendos conceituais. O primeiro, uma nota sobre o jornalismo classificado em períodos,

17

Em Pena de Aluguel – jornalistas escritores no Brasil 1904-2004 (2005, Companhia das Letras) 18 Em Mistérios da Criação Literária – Literatura e Jornalismo, organizado por José Domingos Brito 19 Referência à crônica ‘máquinas de coser’, p. 36, em As Cem Melhores Crônicas Brasileiras 20 Cronista do jornal O Estado de SP e blogueiro 21 Escritor mineiro, autor de O amor e outras histórias

17

demonstrando que a literatura anda junto com ele em algumas destas fases. A classificação é

feita por Ciro Marcondes Filho (2002, p. 48):

- Pré-história do jornalismo: de 1631 a 1789. Caracterizada por uma economia

elementar, produção artesanal e forma semelhante ao livro. - Primeiro jornalismo: 1789 a 1830. Caracterizado pelo conteúdo literário e

político, com texto crítico, economia deficitária e comandado por escritores,

políticos e intelectuais. - Segundo jornalismo: 1830 a 1900. Chamada de imprensa de massa, marca o

início da profissionalização dos jornalistas, a criação de reportagens e

manchetes, a utilização da publicidade e a consolidação da economia de empresa.

- Terceiro jornalismo: 1900 a 1960. Chamada de imprensa monopolista,

marcada por grandes tiragens, influência das relações públicas, grandes

rubrica políticas e fortes grupos editoriais que monopolizam o mercado. - Quarto jornalismo: de 1960 em diante. Marcada pela informação eletrônica e

interativa, como ampla utilização da tecnologia, mudança das funções do

jornalista, muita velocidade na transmissão de informações, valorização do visual e crise da imprensa escrita. (MARCONDES FILHO, 2002, p. 48)

O segundo adendo é em relação ao novo jornalismo (ou new jornalismo). Para

Edvaldo Pereira Lima (2003, p. 9)22

, essa nova proposta queria fugir do lead clássico, que

indicava o onde/como/quem/quando/como e “amarrava e limitava” o jornalista na produção

da reportagem.

A proposta desenhada pelo new journalism, por sua vez, tanto criou caminhos

próprios quanto se inspirou numa outra tradição do jornalismo, existente desde muito antes de Truman Capote fazer história com seu premiado trabalho A

sangue frio. Essa tradição é o jornalismo literário, assim denominado pela

incorporação de recursos e técnicas de captação e redação provenientes da literatura. É um jornalismo narrativo, de autor. Busca expressar a realidade

contando histórias, na maioria das vezes com um foco centrado fortemente nas

pessoas de carne e osso que dão vida aos acontecimentos. Espera-se, do narrador, uma voz própria, um estilo individualizado de condução do texto.

(LIMA, 2003, p. 9)

Na opinião de Felipe Pena (2006)23

, é possível amarrar um gênero ao outro, seja na

crônica, nos livros reportagens ou em qualquer outra forma de “fugir” do modo-padrão de

escrever nas redações. Mas não é só isso. A literatura, segundo ele, pode dar “valor” ao

jornalismo.

Afinal, o que é jornalismo literário? Não se trata apenas de fugir das amarras da redação ou de exercitar a veia literária em um livro-reportagem. O conceito

é muito mais amplo. Significa potencializar os recursos do jornalismo,

22 No artigo ‘Jornalismo Literário – legado de ontem’, em Cadernos da Comunicação - New journalism: a

reportagem como criação literária, 2003, Secretaria de Comunicação do Rio de Janeiro, acessado em

http://www0.rio.rj.gov.br/arquivo/pdf/cadernos_comunicacao/estudos/estudos7.pdf, em 28 de maio de 2013, às

13h30. 23 No artigo ‘O jornalismo Literário como gênero e conceito’, acessado em http://www.portcom.intercom.org.br/pdfs/77311256385591019479200175658222289602.pdf, 28 de maio de

2013, às 11h.

18

ultrapassar os limites dos acontecimentos cotidianos, proporcionar visões

amplas da realidade, exercer plenamente a cidadania, romper as correntes

burocráticas do lide, evitar os definidores primários e, principalmente, garantir perenidade e profundidade aos relatos. No dia seguinte, o texto deve servir

para algo mais do que simplesmente embrulhar o peixe na feira.

Definições, enquadramentos, posicionamentos variados. O que vai além das

características da crônica, a quem ela pertence ou quem a escreveu pela primeira vez (ou

mesmo a inventou), é a sua essência: a liberdade. Impossível ter nascido e ‘virado gente

grande’ um gênero que se valesse das meias palavras ou da censura para existir.

Mas, em 1964, essa liberdade foi colocada em questão e ameaçada com o golpe

militar, conforme conta Sodré.

A mudança começaria pela gradual dispensa de redatores e colaboradores que

vinham fazendo qualquer espécie de reserva àqueles interesses, a começar pelo cronista Carlos Heitor Cony. A condenação a este cronista tornou-se

irremissível desde que publicado em sua seção o artigo Ato Institucional II24

.

Cony dirigiu-se ao redator-chefe do Correio da Manhã, em consequência, a

carta seguinte: “Illmo. Sr. Dr. Antonio Callado. Conhecedor de uma situação embaraçosa para o meu chefe e amigo, venho por meio desta pedir demissão

do cargo de redator que ocupo neste jornal. Esta é a quarta vez que peço

demissão – sou um reincidente incurável”. (SODRÉ, 1999, p. 436)

E em todas as épocas em que a arte (ou o jornalismo, que também vive e se alimenta

de liberdade) foi colocada nessa posição, houve reação do artista (escritor, músico, escultor

etc), pois a liberdade é fator predominante para a criação (de qualquer tipo).

Mesmo assim sobreviveu a crônica, e esta, como toda a produção literária, jornalística

e cultural no Brasil, que sofreu com a censura, saiu fortalecida e ajudou na retomada da

democracia no país. Mas isso só será visto em meados da década de 1980, com a abertura

política, depois de longos anos ditatoriais.

Não por agora. Por ora, estaremos ainda em 1964, e nos anos que seguem, para

continuar a contar e contar e contar. Como faz a crônica.

1.2 Análise do discurso: o sentido e a intenção no jornalismo

“Palavra prima/Uma palavra só, a crua palavra/Que quer dizer tudo/Anterior ao

entendimento, palavra”25

É necessário, para dar continuidade a este trabalho, uma pausa para justificar o

preâmbulo histórico que seguirá, situando o início do governo militar no Brasil até o ano de

24 Na crônica, Cony ironizava que, a partir do AI-II, o Brasil se chamaria Brasil dos Estados Unidos 25

Música de Chico Buarque, Uma palavra, de 1989

19

1968. Ele existe para dar contexto, para que se entenda a época conturbada em que o Brasil

estava inserido. Sem ele, nada se esclarece ou se entende. O contexto é chave primária para a

compreensão de qualquer mensagem. Mikhail Bakhtin (2009) detecta que ignorar esse

contexto é um erro primário para muitos pesquisadores.

O erro fundamental dos pesquisadores que já se debruçaram sobre as formas

de transmissão do discurso de outrem é tê-lo sistematicamente divorciado do

contexto narrativo (...) o discurso citado e o conteúdo de transmissão são somente os termos de uma inter-relação [sic] dinâmica. (BAKHITIN, 2009, p.

154)26

E, ainda, reforça:

A língua existe não por si mesma, mas somente em junção com a estrutura

individual de sua enunciação concreta (...) As condições da comunicação verbal, suas formas e seus métodos de diferenciação são determinadas pelas

condições sociais e econômicas da época. (BAKHITIN, 2009, p. 160)

De acordo com Patrick Charaudeau27

, realmente existe uma carga ideológica, ligada

diretamente ao lugar econômico, político e social que o autor de um texto ocupa no mundo.

Mas na “máquina de informar”, que é como ele se refere a veículos de comunicação, o texto

pode tomar outra forma. Então, as mídias onde são veiculadas as notícias devem, em regra,

também fazer parte da análise de intenção e sentido do autor.

“O acontecimento em estado bruto sofre uma série de transformações-construções desde o seu surgimento (...) depois entra na máquina de informar,

passa por uma série de filtros construtores de sentido e o relato resultante,

assim como seu comentário, escapam à intencionalidade de seu autor” (CHARAUDEAU, 2009, p. 242)

Para Roselyne Rigoot, a formação discursiva jornalística ultrapassa o discurso do

jornal. “O jornalismo produz um discurso e um saber específicos” e concorda com o

Charaudeau quando diz que, por outro lado, “é o produto de vários discursos que o elaboram e

estruturam” essa formação (RIGOOT, 2006, p. 137).

Confirmando essa análise, Márcia Benetti diz que o jornal é um lugar, em essência, de

circulação e produção de sentidos. “De forma sucinta, o jornalismo é um discurso dialógico,

polifônico, opaco, ao mesmo tempo efeito e produtor de sentidos, elaborado segundo

condições de produção e rotina particulares.” (BENETTI, 2007, p. 107).

E sobre o discurso dialógico, Bakhitin (apud Brait, 2005, p.81) esclarece que a procura

de um texto ultrapassa a análise linguística, “porque as relações dialógicas pertencem ao

campo do discurso”. E ressalta:

26 Apesar da edição da editora Hucitec ser de 2009, o livro foi escrito em 1929. 27 No livro Discursos das Mídias

20

(...) deve basear-se não apenas nem tanto na linguística quanto na

metalinguística, que estuda a palavra não no sistema da língua e nem num

‘texto’ tirado da comunicação dialógica, mas precisamente do campo propriamente dito da comunicação dialógica, ou seja, no campo de vida

autêntico da palavra. A palavra não é um objeto, mas um meio constantemente

ativo, constantemente mutável de comunicação dialógica. Ela nunca basta a

uma consciência, uma voz. (Bakhitin apud Brait, 2005, p. 82)

Dessa forma, entende-se que os veículos de comunicação, assim como o contexto em

que estão inseridos o autor e as empresas jornalísticas, interferem no texto final que virará

manchete, artigo de opinião, nota de rodapé ou qualquer outro produto jornalístico em TV,

jornal ou rádio.

Ainda segundo Benetti, é preciso aprofundar o conhecimento sobre o texto,

entendendo a época em que foi escrito e em que contexto o autor estava inserido, ‘cavando’ o

máximo de informações que antecedem o texto e, por isso mesmo, dizendo muito a seu

respeito. “A conjugação de forças que compõem o texto nem sempre é aparente – diríamos

mesmo que raramente é visível por si mesma, e só o método arqueológico do analista de

discurso pode evidenciar esta origem” (BENETTI, 2007, p. 111).

Conforme diz Heloiza Herscovitz28

, “a análise de conteúdo da mídia seria um dos

métodos mais eficientes para rastrear a civilização por sua excelente capacidade de fazer

inferências sobre aquilo que ficou gravado ou impresso” (in BENETTI, 2007, p. 123).

Por isso, o ano de 1968 e a contextualização do regime militar no Brasil são tão

importantes para a continuação deste trabalho. Ele ajudará a compreender e explorar com

mais propriedade. Desenvolver análise do conteúdo/discurso de textos publicados num certo

contexto tem, vê-se, a importância de revelar o passado. Senão todo, pelo menos algumas de

suas nuances.

1.3 1964: os militares no poder

“Nunca seria um ditador, inclusive porque no Brasil não há lugar para ditaduras!”29

Nelson Werneck Sodré (1999) continua a falar sobre os dias de ditadura que assolaram

o Brasil e como isso afetou a imprensa nacional:

Logo nos primeiros dias, começou a destruição de qualquer resistência na imprensa: o Última Hora foi invadido e depredado; os jornais e revistas

28 Em Análise de conteúdo em jornalismo, no livro Metodologia de Pesquisa em Jornalismo

29 Frase do General Costa e Silva, segundo presidente da ditadura militar

21

nacionalistas ou de esquerda foram fechados; instaurou-se rigorosíssima

censura no rádio e na televisão; numerosos jornalistas foram presos,

torturados, exilados e alguns tiveram seus direitos políticos cassados. (SODRÉ, 1999, p. 435)

Este fato, narrado pelo historiador Sodré, foi um resumo ‘simplório’ do que seria o

período que se estendeu de 1964 a 1985. Nesta época, cinco presidentes militares

comandaram o país através de um golpe de estado proferido contra o então presidente da

república, eleito democraticamente, João Goulart.

Para entender o motivo do golpe (ou revolução democrática de 64, como alguns

entendem e a chamam), o historiador Boris Fausto ajuda a enfileirar os acontecimentos

ocorridos um pouco antes e no início de 196430

.

Jango31

foi eleito vice-presidente em 1960, pela segunda vez consecutiva, pela chapa

composta pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) e Partido da Social Democracia (PSD).

Concorreu com a chapa de Jânio Quadros, ligada à União Democrática Nacional (UDN), que

foi a vitoriosa no pleito para presidente32

. Assumiu o cargo de vice-presidente em 1961 e logo

se tornou presidente, com a renúncia de Jânio Quadros em 25 de agosto, apesar da resistência

dos militares com a sua posse. Leonel Brizola, líder político do seu partido, o PTB, organizou

a campanha pela legalidade, que faria com que a Constituição fosse cumprida e Jango fosse

empossado.

Em setembro do mesmo ano (1961), através de plebiscito popular, o sistema

parlamentarista entra em vigor no Brasil. Tancredo Neves, político mineiro, assume como

primeiro-ministro, tendo Jango na presidência.

Em janeiro de 1963, o presidencialismo volta a ser o sistema político do Brasil. Mas

Jango enfrentava dificuldades para aprovar no Congresso suas medidas de reforma social e,

com uma inflação de 54,8%, tentava pedir ajuda a todos os setores da sociedade. Sem sucesso.

Com o objetivo de enfrentar este (inflação) e outros problemas, Celso

Furtado33

lançou o Plano Trienal, que pretendia combinar o crescimento econômico, as reformas sociais e o combate à inflação. O plano dependia da

colaboração dos setores que dispunham de voz na sociedade. Essa colaboração

mais uma vez faltou. Os beneficiários da inflação não tinham interesse no

êxito das medidas; os inimigos de Jango desejavam a ruína do governo e o golpe; o movimento operário se recusava a aceitar as restrições aos salários; e

até a esquerda via o dedo do imperialismo por toda a parte (FAUSTO, 2001, p.

252)

30 Em História Concisa do Brasil, de Boris Fausto, capítulos 5 e 6, editora USP 31 Apelido dado ao presidente João Goulart 32 Na época era possível o vice ser de uma chapa e o presidente ser eleito por outra 33 Ministro do Planejamento do Brasil no governo de João Goulart

22

O país estava assolado por greves nos principais setores da economia. Em 1963,

acontece a greve dos 700 mil, que durou alguns dias e que seria a última grande paralisação

antes da queda do presidente.

Em 1964, João Goulart foi aconselhado a ‘burlar’ o Congresso para que, finalmente,

conseguisse fazer suas reformas de base, através de decretos. Mas o tiro sairia pela culatra.

Segundo Boris Fausto34

, historiador, a ideia de Jango era realizar uma série de atos públicos

para conseguir apoio de vários setores da população. O primeiro deles reuniu 150 mil pessoas

no Rio de Janeiro. No palanque, João Goulart e Leonel Brizola discursavam entre bandeiras

vermelhas pedindo a legalização do PC (Partido Comunista) e faixas que defendiam a reforma

agrária.

Pela TV, os conservadores, estarrecidos, assistiam ao ‘espetáculo’. Neste dia, Jango

assinou dois decretos: da desapropriação das refinarias de petróleo que ainda não estavam na

mão da Petrobrás e o decreto Supra, que pretendia também desapropriar propriedades

agrícolas subutilizadas. Como resposta, teve a Marcha da Família com Deus pela Liberdade,

organizada pelas associações de senhoras católicas e conservadoras. “Cerca de 500 mil

pessoas desfilaram pelas ruas da cidade em 19 de março, em uma demonstração que os

partidários de um golpe poderiam contar com uma significativa base social de apoio”

(FAUSTO, 2001, p. 254).

Para Caio Navarro de Toledo35

, professor doutor da Universidade de Campinas

(Unicamp), o próximo passo desastroso de Goulart seria fazer ‘vista grossa’ ao movimento

insurgente dos marinheiros que reivindicavam melhores salários. Numa tentativa de não ir de

encontro ao movimento, Jango perdeu um ministro e caiu em descrédito ao dar anistia aos

revoltosos.

Ainda de acordo com Toledo, houve o segundo e decisivo ato que levaria Jango à

ruína. Um discurso feito no dia 30 de março, no Rio de Janeiro, em uma assembleia de

sargentos:

Transmitido pela televisão, diante de um auditório repleto de soldados, sindicalistas e políticos nacionalistas, Goulart denunciou as forças reacionárias

e golpistas. Com veemência defendeu — para a redenção do país — a

necessidade de um “golpe das reformas”. As palavras eloquentes e os gestos

dramáticos do presidente da República muito se assemelhavam à carta-testamento de Vargas. Sem atirar contra o próprio peito, Goulart parecia

decidir pelo suicídio político. (TOLEDO, 2004)

34 Em História Concisa do Brasil, Boris Fausto, p. 253 35 Artigo ‘1964: o golpe contra as reformas e a democracia’, publicado na Revista Brasileira de História, em http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-01882004000100002&script=sci_arttext, acessado em 30 de maio

de 2013.

23

Sendo assim, no dia 31 de março de 1964, com a intenção de “livrar o país da

corrupção e do comunismo e para restaurar a democracia” (FAUSTO, 2001, p. 257), foi

instituído no Brasil o regime militar. A constituição de 1946 seria mantida, mesmo com

algumas modificações e o Congresso, ainda, manteria seu funcionamento. Mas sob vigilância

severa.

O golpe contava com o apoio da “maioria dos partidos, lideranças empresariais,

políticas e religiosas, e tradicionais entidades da sociedade civil, como a Ordem de

Advogados do Brasil (OAB) e a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB)” (REIS,

2012, p. 31)36

.

Muitos dos que apoiaram (ou não fizeram oposição ao movimento) achavam que o

golpe restauraria a ordem, numa intervenção rápida, e logo seria “retomado o jogo político

tradicional” (REIS, 2012, p.33). Mas não foi isso que aconteceu. Não antes de passados 21

anos.

Por estar nas mãos de grandes conglomerados empresariais, a imprensa (jornais, TVs e

rádios) também foi fundamental para desestabilizar o governo de João Goulart. Os

empresários do ramo da mídia eram “acostumados a interferir na economia política do país a

partir da relação estabelecida com suas fontes e afinidades que mantinham com os governos”

(DAHÁS, 2012)37

.

Castello Branco, o primeiro general presidente da época, governou até 1967. Instituiu

apenas dois partidos no país (o Movimento Democrático Brasileiro, MDB, e a Aliança

Renovadora Nacional, Arena), executou medidas de repressão da ditadura, como a censura e

as prisões. Com ele foi aprovada a constituição de 1967 (FAUSTO, 2001, p. 259).

Costa e Silva, por motivo de doença, ficaria no poder apenas dois anos, de 67 a 69.

Mas foi sob seu comando que a ditadura começou o caminho do endurecimento, com a

assinatura do Ato Institucional nº 538

. Além disso, o início do milagre econômico39

também se

deu nesta época.

36 Em O Golpe: militares e civis na trama de 1964, na Revista de História da Biblioteca Nacional, dossiê

organizado por Bruno Garcia e Nashila Dahás. 37 Em O Golpe: militares e civis na trama de 1964, na Revista de História da Biblioteca Nacional, dossiê

organizado por Bruno Garcia e Nashila Dahás. 38 Instituído em 13 de dezembro de 1968, o AI-5 significou o recrudescimento da ditadura com aumento da repressão (Boris Fausto, 2001) 39 Período de crescimento econômico em contraponto com o aumento da pobreza (Boris Fausto, 2001)

24

Vieram com Garrastazu Médici os anos de chumbo, de 1969 a 1974. Para Elio

Gaspari40

, esse período foi de contradições. “O milagre brasileiro e os anos de chumbo foram

simultâneos. Ambos reais, coexistiam negando-se. Passados mais de 30 anos, continuam

negando-se. Quem acha que houve um, não acredita (ou não gosta de admitir) que houve o

outro”. Aqui, de fato, o AI-5 teve seu terreno fértil, onde “estabeleceu-se na prática a censura

nos meios de comunicação e a tortura passou a fazer parte integrante dos métodos do

governo” (FAUSTO, 2001, p.265).

Em 1974, assume Ernesto Geisel, que governa até 1979, suspende o AI-5 e começa a

fazer uma abertura lenta e gradual do regime (FAUSTO, 2001, p. 265).

João Batista Figueiredo é o último general a comandar o estado brasileiro, de 79 a 85.

Com ele a abertura política se consolidou, mas também se aprofundou a crise econômica.

Uma amostra dos números da época demonstra a situação difícil em que se encontrava o

Brasil. “A inflação se acelerara de 40,8% em 1978 para 223,8% em 1984, No mesmo período,

a dívida externa subira de US$ 43,5 bilhões para US$ 91 bilhões” (FAUSTO, 2001, p.279).

Mas também foi o presidente Figueiredo quem aprovou a eleição direta para presidente a

partir de 1988.

Neste meio tempo, em janeiro de 1985, Tancredo Neves e José Sarney tiveram vitória

no Colégio Eleitoral, colocando, assim, a oposição ao regime ditatorial no poder.

1.3.1 A imprensa de 1964

“Digo adeus à ilusão, mas não ao mundo. Mas não à vida, meu reduto e meu reino. Do

salário injusto, da punição injusta, da humilhação, da tortura, do terror, retiramos algo e

artefato, um poema, uma bandeira”41

O ano de 1964, início da ditadura militar no Brasil, vai ser marcado pelo controle das

instituições. E a imprensa não ficou fora deste controle.

Conforme Nelson Werneck Sodré pontua no início do tópico anterior (1964: os

militares no poder), a ditadura e seus representantes, desde o início, mostram a que vieram.

Não escondem que pretendiam controlar a imprensa em todos os seus âmbitos e em quaisquer

veículos.

Os que tentaram reagir não suportaram por muito tempo:

Nessa emergência, o Correio da Manhã teve a sua fase gloriosa, tornando-se, em 1964 e 1965, o baluarte das liberdades individuais, no protesto e na

40 Em Ditadura Escancarada, de 2002 41 Poema ‘Agosto de 1964’, de Ferreira Gullar.

25

denúncia de torturas, das arbitrariedades que passaram a constituir o quotidiano

da vida brasileira. A represália não se fez por esperar: as agências estrangeiras

cortaram-lhe a publicidade e o jornal começou a debilitar-se financeiramente. (SODRÉ, 1999, p.435)

Ainda segundo Sodré, o Correio, para sobreviver, aceitou um interventor e pôs no

‘olho da rua’ seus repórteres mais ‘combativos’, como foi o caso de Carlos Heitor Cony, que,

já sabendo da sua “condenação irremissível” pela publicação do artigo ‘Ato Institucional II’,

escreveu carta de demissão ao editor chefe Antonio Callado, que pouco depois também

deixaria a chefia, como tantos outros. Demitidos, ou por solidariedade aos amigos

injustiçados, as redações perderiam a resistência dos jornalistas que se opunham ao novo

sistema.

Mas, na verdade, a imprensa não foi pega totalmente de surpresa pelo golpe. Nelson

Werneck Sodré (1999) contextualiza que havia, desde meados de 1963, uma movimentação

estrangeira na imprensa brasileira. Revistas como Seleções e Visão, feitas por agências

publicitárias com sede nos Estados Unidos, divulgavam os interesses do Tio Sam42

no Brasil

– que eram interesses intricados ao golpe militar.

Por exemplo, as empresas de publicidade das multinacionais Light e Standard Oil

Company, aliavam o setor comercial dos jornais ao que era publicado diariamente sobre essas

empresas, impedindo críticas ou discordâncias. Lembro aqui que, conforme já foi dito, esses

veículos já eram conglomerados econômicos dependentes comercialmente destas propagandas

e do setor comercial, que mantinha o jornal e pagava os salários.

Sodré reforça:

As poucas vitórias pré-golpe exigiriam do imperialismo uma decisão drástica:

liquidar o regime brasileiro por um golpe militar, estabelecendo um único

regime em que desaparecessem as resistências legais aos seus interesses e em que se torna extremamente difícil esclarecer e mobilizar o povo: a ditadura.

Foram reforçados todos os dispositivos para chegar àquele fim. Além da

pressão das agências de publicidade sobre as grandes empresas de jornais, rádios e televisão, foi preciso instalar, aqui, a própria imprensa estrangeira.

(SODRÉ, 1999, p. 435)

42Considerado um dos símbolos mais famosos do mundo, a imagem do ‘Tio Sam’ é a personificação dos Estados

Unidos da América (EUA). De acordo com documentos históricos dos Estados Unidos, o termo Tio Sam foi criado em 1812 por soldados estadunidenses que estavam acampados no norte de Nova Iorque. Eles se

alimentavam de uma carne cujo recipiente vinham em barris com a seguinte inscrição: U.S (United States).

Brincando com o significado das letras, começaram a chamar a carne de Uncle Sam (Tio Sam). Site

http://www.brasilescola.com/geografia/tio-sam.htm, acessado em 1 de abril de 2013, às 15h46.

26

É assim que o mercado editorial brasileiro ‘sofre’ a invasão de revistas e periódicos

estrangeiros, como O Médico Moderno, Dirigente Rural, Quatro Rodas, Capricho, dentre

outras. Segundo Sodré, era impossível competir com essas revistas, que eram também

distribuídas gratuitamente e com qualidade gráfica superior às nossas.

Em seu livro A História da Imprensa no Brasil, Sodré detalha, inclusive, os valores

que as grandes empresas midiáticas recebiam, “sem nenhum pudor”, de grupos americanos

para defender os interesses (o maior deles: o anticomunismo) destes e da ditadura militar.

Sodré (1999, p. 436) indica, ainda, que nada era tão simples quanto se via. Grupos

econômicos e políticos tinham interesse na instalação e na continuidade do sistema ditatorial

no Brasil e sabiam da importância que a imprensa exercia sob a opinião pública. Controlá-la,

então, era preciso. E era o que estava sendo feito.

Porém, à margem da grande imprensa ‘controlada’, que tinha dificuldades em

ultrapassar as grades impostas pela ditadura - ou mesmo não queria infringir a ‘lei’

estabelecida –, e dignos de nota, estão os chamados nanicos, a imprensa alternativa,

desvinculada das grandes corporações e produzidos de forma independente. Estes jornais

fizeram tanto barulho que é difícil entender porque levavam a denominação de ‘pequenos’.

Segundo Bernardo Kucinski, entre 1964 e 1980, cerca de 150 periódicos alternativos

se espalharam e foram produzidos no Brasil. E eles tinham um traço em comum: a oposição

ao regime militar.

Em contraste com a complacência da grande imprensa para com a ditadura

militar, os jornais alternativos cobravam com veemência a restauração da democracia e do respeito aos direitos humanos e faziam a crítica do modelo

econômico. (...) assim, do discurso triunfalista do governo ecoado pela grande

imprensa, gerando todo um discurso alternativo, opunham-se por princípio ao

discurso oficial. (KUCINSKI, 2001, p. 5)

O mais famoso deles, sem dúvida, foi o alternativo Pasquim. Carioca de nascença,

criado em 1969, surpreendeu até seus fundadores – entre eles, os cartunistas Henfil e Ziraldo -

que achavam que ele não passaria das fronteiras do Rio de Janeiro.

Ainda segundo Kucinski (2001, p. 108), O Pasquim estourou sucessivas previsões de

vendas até se estabilizar em 225 mil exemplares a partir da edição número 32, em janeiro

de 1970, com apenas sete meses de existência. Um fenômeno editorial e um fôlego para

uma imprensa aprisionada pela censura.

27

Leandro Paschoarelli43 destaca:

Pensar o contexto da imprensa no final dos anos 60 e início dos 70. Como

venho argumentando, é bem visível a participação dos periódicos Folha de S.

Paulo e O Globo no bloco que se consolidou no poder com o golpe de Estado de 1964, pois, além de terem sido espaço de visibilidade da nova autoridade,

também tomaram a dianteira na publicidade de produtos da cultura de massas

americana, como os musicais da Broadway e o cinema hollywoodiano, em restrição à produção artística nacional. A existência concomitante de

periódicos como O Pasquim e Opinião indica que, para a imprensa diária

manter sua hegemonia, seria preciso derrotar/incorporar os projetos

representados pelos referidos periódicos.

“Entre os anos 60 e 80, o jornalista passa de mero coadjuvante (...) a personagem

principal da literatura brasileira” (COSTA, 2005, p. 131). Mas não somente ele. Escritores,

artistas, profissionais liberais, políticos, estudantes, colocaram em suas próprias mãos a

missão de denunciar o sistema militar no qual estavam inseridos, protestar contra a censura e

a falta de liberdade. E aqui o jornalismo, de novo, se mistura com a literatura, segundo

Cristiane Costa.

A literatura, por ser menos censurada, passou a exercer a função de informar,

própria do jornalismo. Tal como o padre do ‘Quarup’, de Antonio Callado, o

escritor de ‘Pesach: a travessia’, de Carlos Heitor Cony, o repórter que acaba

partindo da contemplação para a ação em ‘A festa’, de Ivan Angelo, e o verídico ‘O que é isso, companheiro?’, de Fernando Gabeira. Mas o que o

padre, o jornalista, o escritor e o guerrilheiro teriam em comum? O sentido de

missão. (COSTA, 2005, p. 154)

Então, em termos gerais, 1964 iniciou uma trincheira, literalmente de guerra, com a

imprensa dividida ideologicamente, entre os que defendiam e os que atacavam a ditadura

militar. Uma época em que não cabia o termo ‘em cima do muro’. Alguém sempre era

derrubado de lá.

43 artigo ‘Imprensa e Cultura: um análise de seções e cadernos de cultura da imprensa paulista e carioca (1969-1989)’, em Projeto História da USP, http://revistas.pucsp.br/index.php/revph/article/view/9962/7401, acessado

em 30 de maio de 2013.

28

1968: O PRIMEIRO ANO DE CHUMBO

2.1. O AI-5 e o acirramento

“neste luto começou a luta”44

Com o início da ditadura militar no Brasil, em 31 de março de 1964, o país entra num

regime de limite das liberdades em geral. Imprensa, estudantes e profissionais liberais, que

levantaram a voz contra o regime, foram censurados. O movimento de 1964 nasceu, sob o

ponto de vista militar, “para livrar o país da corrupção e do comunismo e para restaurar a

democracia” (FAUSTO, 2001, p. 257).

Os passos militares nos anos que se seguiram reforçaram este discurso. Boris Fausto

(2001, p. 257) indica que o novo regime, para conseguir mais poder e controle total da

situação política do país, passou a mudar as instituições através de Atos Institucionais (AI).

Para contextualização, um breve resumo do que foram estes Atos:

O primeiro, AI-1, ainda no início no regime, fez modificações no funcionamento do

Congresso e na Constituição de 194645

. (FAUSTO, 2001, p. 262)

Com as eleições de 1965 para governador, em 11 estados brasileiros, apesar das

cassações de direitos políticos aos ditos ‘de esquerda’, a oposição ao regime triunfou em

muitos destes estados. Temeroso pela eleição presidencial que se aproximava, o governo

assina, então, ainda em 1965, o AI-2, que determina que o pleito para presidente e vice fosse

feito pela maioria absoluta do Congresso Nacional. Além disso, o Ato amplia até o limite de

sua imaginação o conceito de ‘segurança nacional’ e extingue os partidos políticos, limitando-

os para apenas dois: Aliança Renovadora Nacional (Arena) e Movimento Democrático

Brasileiro (MDB)46

. (FAUSTO, 2001, p. 262)

Em 66, o AI-3 determina eleições indiretas para governador com o intuito de

desmobilizar qualquer cenário político de oposição no país. Já o AI-4, também assinado em

1966, revoga em definitivo a Constituição de 1946, restringindo mais um pouco as liberdades.

(FAUSTO, 2001, p. 264)

Como a cereja que enfeita o bolo, em dezembro de 1968, nasce o AI-5 sem prazo de

vigência, diferentemente dos outros Atos Institucionais, que tinham prazo de validade.

44 Segundo Edgar Luiz de Barros, no livro Governos Militares, esta foi a palavra de ordem das 50 mil pessoas

que compareceram à missa do estudante secundarista Edson Luis, morto pela ditadura em março de 1968. 45 Para Boris Fausto, em História Concisa do Brasil (2001), todos os atos institucionais, em essência, reforçavam

o Poder Executivo e limitavam a atuação do Congresso. 46 Segundo Boris Fausto, no mesmo livro, a Arena agrupava os partidários do governo e o MDB, reunia a

oposição.

29

O Ato é a resposta da ditadura aos movimentos que vinham crescendo em todo o país:

greves, manifestações, passeatas, luta armada. “Estes fatos eram suficientes para reforçar a

linha dura em sua certeza de que a Revolução estava se perdendo e era preciso criar novos

instrumentos para acabar com os subversivos”, reforça Boris Fausto (2001, p. 264).

No Brasil, o AI-5 é quem assinala 1968 como o início dos “anos de chumbo” e dá aos

militares plenos poderes de atuação. Segundo Márcio Moreira Alves, deputado em 1968 e

autor do discurso usado como desculpa dos militares para a criação do Ato, “no Brasil, o ano

assinalou o início da ditadura militar nua e crua e também o princípio de muitos outros

fenômenos políticos e econômicos até hoje presentes em nossas vidas.” (ALVES, 1993, p. 8)

2.1.1. Como contar 1968?

Mas, até chegar a este ponto, nesse Ato, no mês de dezembro de 1968, um ano todo é

preciso ser contado através de alguns acontecimentos. Porém, como escolher apenas algumas

datas num ano tão turbulento?

Levando em consideração as informações dos historiadores Boris Fausto, Airton de

Farias, Edgar Luiz de Barros e dos jornalistas Zuenir Ventura, Nelson Werneck Sodré e

Fernando Gabeira, todos citados neste trabalho, quatro datas são destaque em 1968. Estas

datas figuram em comum em seus textos e servem de referência para o resgate histórico que

faço neste trabalho. São elas: a morte do estudante Edson Luís no restaurante Calabouço, em

28 março; Passeata dos 100 mil no Rio de Janeiro, em 26 de junho; prisão de estudantes,

inclusive cearenses, no congresso clandestino da UNE, em Ibiúna, em 15 de outubro; e a

assinatura do Ato Institucional nº 5, em 13 de dezembro.

Destaco que outras datas no ano de 1968 também são relevantes, claro. Inclusive datas

locais, onde destacamos o dia 14 de outubro, em que, segundo Airton de Farias, foi colocada

uma bomba no curso de inglês Ibeu, localizado no bairro Aldeota, em Fortaleza, “uma das

primeiras ações da Ação Libertadora Nacional (ANL), tentando atingir outro símbolo

americano” (FARIAS, 2007, p. 69), sem sucesso, pois a bomba não estourou.

Mas verifiquei que os acontecimentos de Fortaleza, como o citado acima, e outros,

como por exemplo, a passeata de 1º de abril pela morte de Edson Luis ou o 24 de junho de

confronto na Praça José de Alencar, são datas próximas aos fatos nacionais, geradas pela

movimentação que acontecia em todo o Brasil. A maioria delas, organizadas por líderes

estudantis, que atuavam no País através de uma corrente de informações que circulava em

30

todo território nacional. Entendo, assim, que as datas escolhidas não trarão prejuízo à pesquisa

por estarem no eixo Rio-São Paulo. Todas elas reverberaram e se transformaram em

movimentações locais, ocupando com destaque as capas do jornais locais.

E por que é preciso escolher datas? Porque são elas que ajudarão a contar a história de

um ano inteiro, criando uma teia linear de acontecimentos, que nos leve pela mão, como

reforça Maria Paula Araujo47

.

Normalmente, portanto, as datas servem para pontuar (comemorando,

criticando, homenageando ou reavaliando) eventos ou personagens: uma revolução, um golpe, uma batalha decisiva, o final de uma guerra, uma grande

exposição artística, o primeiro vôo, a morte ou o aniversário de um grande

intelectual, artista ou líder político. (ARAÚJO, 2008, p. 101)

Estas datas, que serão detalhadas a partir de agora e nos acompanhará na leitura e na

análise que será feita no capítulo posterior, ajudam a montar o quebra-cabeça, auxiliando

como linha do tempo para compreender como os jornais locais reagiram a esses fatos.

‘Passear’ por 1968 é um exercício de compreensão para entender não só o AI-5, mas

também introduzir o Brasil no redemoinho da história mundial.

1968, o ano das rupturas, quando todos os sonhos pareciam possíveis aos

jovens e nenhuma violência era proibida aos poderosos, começou

politicamente no dia 8 de outubro de 1967. A Bolívia, finalmente, entrava na História. Entrava tristemente em uma miserável escola na perdida aldeia de

Las Higueras, nos Andes: a morte de Ernesto Guevara, argentino, médico,

revolucionário. Ferido e preso, foi ultimado com uma rajada de metralhadora e um tiro de pistola por um sargento bêbado das tropas antiguerrilhas, treinadas

por instrutores norte-americanos. Para as esquerdas nascia, naquele momento,

o mito de Che Guevara, o guerrilheiro heróico, o jovem generoso, capaz de

abandonar um lugar de ministro em Cuba para lutar pela revolução socialista em um país que não era o seu, junto a um povo que desconhecia. (ALVES,

1993, p. 13)

Foi um ano de explosões – não só de bombas, mas também de ânimos, costumes,

cultura. A ausência da democracia já ‘comemorava’ quatro anos e, em conjunto com outros

acontecimentos espalhados pelo mundo, este ano foi marcante.

A oposição, passado o choque inicial do golpe militar, tentava se rearticular. Segundo

Boris Fausto (2001, p. 263), membros da hierarquia da igreja entravam no embate contra o

governo e os estudantes começavam a se mobilizar em torno da União Nacional dos

Estudantes (UNE). E foi em 1968 que essas manifestações ganharam força.

Sucessivos acontecimentos marcam o acirramento que vai detonar o Ato Institucional

nº 5, assinado pelo presidente Costa e Silva. Mas é possível encontrar um início. Segundo

47

Professora do Programa de Pós Graduação em História Social (PPGHIS), UFRJ,no artigo “Nas teias da história

e da memória” (2008, p. 101)

31

Boris Fausto, “o catalisador das manifestações de rua foi a morte de um estudante no Rio de

Janeiro” (FAUSTO, 2001, p. 264).

2.1.2 A importância de cada data

Em 28 de março, num embate com a Polícia Militar, no restaurante universitário

Calabouço, no Rio de Janeiro, o estudante secundarista Edson Luís de Lima Souto é morto.

Segundo Zuenir Ventura (1989), 50 mil pessoas acompanharam o seu enterro. Na sua missa

de sétimo dia, em 4 de abril, cerca de 3 mil pessoas ocuparam a Candelária, indignados com a

violência, para uma celebração em honra ao estudante. Do lado de fora da missa a cavalaria

da Polícia Militar esperava os participantes do ritual religioso.

Marcio Moreira Alves (1993) relata que, como numa procissão, os participantes da

missa saíram escoltados pelos padres e assistentes que pediram, de braços erguidos, que

nenhuma violência acontecesse ali.

De acordo com Boris Fausto, “a indignação cresceu com a ocorrência de novas

violências” e a morte do estudante seria o mote para mais mobilizações contra o regime.

“Estes fatos criaram condições para uma mobilização mais ampla, reunindo não só estudantes,

como setores representativos da igreja e da classe média. O ponto alto de convergência foi a

chamada passeata dos 100 mil, realizada em junho de 1968.” (FAUSTO, 2001, p. 264)

A Passeata, que aconteceu em 26 de junho, foi um passo à frente, de ataque da

oposição e dos setores da sociedade que não concordavam com o regime militar. Após a

“sexta-feira sangrenta”, ocorrida no final de semana anterior (21 de junho), setores

organizados como intelectuais, estudantes, políticos e trabalhadores organizaram essa

mobilização, que transformou o Rio em palco de um grande acontecimento de 1968.

Inclusive, sem repressão policial por ordem governamental. Segundo Vladimir Palmeira,

principal líder daquela passeata, em depoimento a Zuenir Ventura (1989), o movimento

esperava colocar nas ruas 20 mil pessoas. Vê-se que em muito foi superada sua expectativa.

Duas ‘derrotas’ seguintes, porém, iriam abaixar a moral do movimento. Em 2 de

outubro o Comando de Caça aos Comunistas (CCC)48

invade a Faculdade de Filosofia da

USP, um dos principais ‘quartéis generais’ da luta estudantil. Em luta acirrada com os

48

Segundo Edgar Luiz Barros, no livro Os governos militares (1991, p. 39), o CCC “atacava teatros e livrarias,

surrava intelectuais e artistas e perseguia líderes estudantis desprotegidos”. Um ‘famoso’ caso do grupo, foi o ataque aos atores e ao público da peça Roda Viva por onde ela foi encenada, em várias cidades brasileiras. Ainda

segundo Fernando Gabeira, em ‘O que é isso companheiro?’, o CCC era uma organização paramilitar.

32

estudantes, o CCC mata o secundarista José Guimarães e incendeia o prédio (BARROS,

1991).

Ainda em outubro, dia 12, todos os participantes do XXX Congresso da União

Nacional dos Estudantes (UNE), realizado em Ibiúna (SP), foram presos. “Centenas de

policiais cercaram o local e desfecharam um fulminante ataque aos estudantes (...) 739

universitários (...) foram capturados e levados para cadeia”, ressalta Edgar Luiz Barros (1991,

p. 38).

Nota-se, assim, que no final do ano de 1968, a ditadura militar começava a ter

novamente controle da situação. Os acontecimentos acima citados abalaram, mas não

mataram o regime.

E usando como desculpa o pronunciamento feito em setembro pelo então deputado

Marcio Moreira Alves, pedindo que a população não deixasse seus filhos assistirem à parada

militar de 7 de Setembro, em sinal de protesto pela violência e desmandos do sistema, o AI-5

nasce na manhã de 13 de dezembro.

Para Zuenir Ventura49

, 1968 foi uma época rica demais para ser entendida numa só

visão. Serão muitas versões de uma época conturbada e cheia e nevoeiros. Ano que só poderá,

ainda segundo ele, ser compreendida e analisada com mais rigor anos depois50

. Se não é

possível, porém, definir em todas as suas nuances, o autor nos dá uma pista dos protagonistas

envolvidos nos acontecimentos daquele ano.

Nossos heróis são os jovens que cresceram deixando o cabelo e a imaginação

crescerem. Eles amavam os Beatles e os Rolling Stones, protestavam ao som de Caetano, Chico ou Vandré, viam Glauber e Godard, andavam com a alma

incendiada de paixão revolucionária e não perdoavam os pais reais e

ideológicos – por não terem evitado o golpe militar de 1964. Era uma

juventude que se acreditava política e achava que tudo devia se submeter ao político: amor, sexo, cultura, comportamento. (VENTURA, 1989, p. 19)

A ditadura mostrava-se, então, sem nenhum disfarce ou vergonha. Iniciavam-se os

anos de chumbo.

49 No livro ‘1968, o ano que não terminou’, p. 19. 50 Em 2008, em comemoração aos 40 anos da chamada ‘geração de 68’, Zuenir Ventura lançou o livro ‘1968, o

que fizemos de nós’, onde o autor tenta traçar um panorama do que foi este ano emblemático para o século XX.

“É possível que no século XX tenha havido ano igual ou mais importante do que 1968 (...) mas nenhum tão lembrado, discutido e com tanta disposição de permanecer como referência, por afinidade ou por contraste”, p.

12.

33

2.2. Nas manchetes dos jornais: alguns casos na imprensa em 1968

“O sol nas bancas de revista me enche de alegria e preguiça/Quem lê tanta notícia?/Eu

vou...”51

Se o ano de 1968 agitou os palcos políticos do país, a imprensa não haveria de ficar

alheia aos acontecimentos deste ano. As manchetes dos principais jornais do país dão a tônica

de como os profissionais da imprensa se relacionavam com as empresas jornalísticas e qual o

resultado mostrado para sociedade sobre o regime militar. No relato de Ricardo Kotscho52

,

temos uma parca ideia dessa relação.

Como as matérias não eram assinadas, vira e mexe a redação as manipulava para evitar problemas com ‘Deus’ (assim chamávamos o patriarca da família,

Julio de Mesquita Filho53

, entidade superior pouco vista, mas respeitada e

temida por todos). Isso me criava problemas com os líderes estudantis, que eu

encontrava no dia seguinte, já com o Estadão na mão, reclamando. Quem mais brigava comigo era José Dirceu, que parecia ainda não entender a hierarquia

nos jornais. Repórteres e editores tinham que cumprir as “ordens da direção” –

ou pedir as contas. (KOTSCHO, 2006, p. 44/45)

De um modo geral, a imprensa, atada pela censura, parecia apoiar o golpe militar. É o

que indica João Ortega54

, em pesquisa realizada pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências

Humanas da USP.

A grande imprensa, em geral, valoriza a sua posição de crítica e resistência no

período da ditadura militar no Brasil. Colocam-se como porta-vozes da democracia e defensores dos interesses populares nesse momento histórico.

Entretanto a USP verificou que o papel dos dois maiores jornais no início do

regime militar foi complexo, com apoio ao golpe, à ditadura e de condenação do trabalhismo e de movimentos sociais.

Nelson Werneck Sodré lembra que os jornais, passada a fase artesanal do jornalismo e

adentrando a fase capitalista, eram controlados por seus proprietários, que tinham,

evidentemente, interesses diversos dos que lá trabalhavam.

Contam-se pelos dedos esses proprietários: Assis Chateaubriand, Roberto Marinho, Julio Mesquita Filho, Paulo Bittencourt, Nascimento Brito

55 e uns

poucos mais. A divisão de trabalho ampliou-se consideravelmente e a divisão

de classes tornou-se clara. Numa empresa jornalística operam elementos em três camadas ou classes sociais: os proprietários, que pertencem à burguesia;

os trabalhadores intelectuais, que pertencem à classe média; o os operários,

51 Trecho da música de Caetano Veloso, ‘Alegria, Alegria’. O ‘Sol’, ao qual se refere o compositor, era um

veículo impresso que circulava na época. 52 Jornalista, no livro Do golpe ao Planalto (2006) 53 Proprietário na época do jornal Estado de São Paulo (KOTSCHO, 2006) 54

Jornalista, em matéria à Agência USP de Notícias, em http://www5.usp.br/17039/grande-imprensa-apoiou-

golpe-militar-e-a-ditadura-ate-1968/, acessado em 6 de maio de 2013, às 14h50. 55Assis Chateaubriand (Diários Associados), Roberto Marinho (Rede Globo), Julio Mesquita Filho (O Estado de

SP), Paulo Bittencourt (Correio da Manhã), Nascimento Brito (Jornal do Brasil)

34

que pertencem à classe operária. Esses elementos são, pois, diferentes, por

origem de classe, e têm interesses contraditórios. (SODRÉ, 1999, p. 416-417)

Não é intenção, neste ponto, tecer um panorama ou uma análise mais aprofundada da

imprensa em 1968. É, sim, através de amostragens aleatórias, trazer alguns exemplos em

manchetes e trechos publicados na época, com o intuito de informar e contextualizar.

Em geral, os recortes feitos, e que são mostrados a seguir, mostram que nos momentos

mais importantes, como mortes, por exemplo, a imprensa não escondeu suas manchetes e

noticiou os acontecimentos. Sem muitos detalhes ou com análises mais aprofundadas, é

verdade. Alguns arquivos dos periódicos ajudam a (re)contar essa história.

A revista Veja, um dos principais veículos em circulação no Brasil até hoje, nasceu

justamente no ano de 1968, em 11 de setembro. Sua primeira capa traz o título ‘O grande

duelo do mundo comunista’56

e mostra matéria geral sobre os confrontos entre policiais e

estudantes. Intitulada “A culpa da violência”. Com a abertura: “Quem jogou a primeira pedra,

os moços ou a polícia? Os dois lados admitem a violência”, o decorrer do texto traz

depoimentos dos dois lados envolvidos e opiniões diversas sobre o tema, tentando manter o

equilíbrio e a subjetividade sobre o acontecimento. O trecho do texto abaixo demonstra o

citado:

O ôvo [sic] como exemplo — Tôdas as pessoas estão sujeitas desde o

nascimento a reações de natureza violenta. Se segurarmos os braços e as

pernas de uma criança recém-nascida, ela se debaterá, manifestando através do chôro e do desespêro suas reações, que podem chegar até a coléra.

Washington Loyelo, neuropsiquiatra, ex-presidente do Centro Psiquíatrico

Nacional, vai buscar exemplos para essa tese na própria Biologia: "É o caso do pinto que, quando o ôvo amadurece, rompe a casca e se liberta para a vida,

numa reação típica de violência". Para o Professor Loyelo, a polícia usa a

violência contra os estudantes porque não conta com outros recursos hábeis para contê-los. Essa violência aparece nos momentos de transição, "em que

uma estrutura social se mostra incapaz de atender aos anseios de um dos seus

grupos". A juventude também se manifesta violentamente. Ela pode responder

de forma violenta a uma violência inicial, o que para o Professor Loyelo é normal. Mas pode também ser a primeira a usar violência. Nesse caso,

também é normal uma reação violenta da polícia. E os estudantes preferem a

violência quando sentem que, "por meios pacíficos, não conseguirão o atendimento de seus desejos e reivindicações", certos ou errados.

Na edição posterior à assinatura do AI-5, em 18 de dezembro (edição nº 15), a mesma

revista, que publicou na capa foto emblemática do presidente Artur Costa e Silva sentado no

Congresso vazio, teve sua publicação recolhida das bancas por ordem dos militares57

. Para os

militares, que pediram textualmente que a revista nada publicasse sobre o novo Ato, foi uma

56 Acessado em http://veja.abril.com.br/numero1/p_022.html, em 10 de maio de 2013, às 10h30. 57Em http://veja.abril.com.br/especiais/veja_40anos/p_240.html, acessado em 10 de maio de 2013, às 15h30.

35

afronta, conforme relata o Almanaque da Veja, publicado em comemoração aos 40 anos de

1968:

Um censor foi mandado à redação para se certificar de que não haveria crítica

à medida na revista. Quando ele perguntou o que apareceria escrito na capa daquela semana, recebeu de Roberto Civita, editor de VEJA desde a sua

criação, a seguinte resposta: "Nada". Diante da informação, o censor deu-se

por satisfeito e autorizou a circulação da revista. A capa saiu sem nenhuma palavra, mas com uma foto que falava por si: o presidente Costa e Silva

sentado em uma das cadeiras do Congresso vazio. Ao lado dele, apenas o

quepe de um militar (veja a foto). O Exército mandou apreender todos os exemplares de VEJA assim que eles começaram a ser expostos nas bancas.

58

No Congresso da UNE em Ibiúna, a Veja era a ‘senha’ para entrada no encontro

clandestino. Só adentravam a reunião os estudantes que tivessem em mãos um exemplar

daquela semana da revista. Depois, viraram protagonistas da matéria sobre o caso: “(...) Os

rapazes e moças enrolados em cobertores coloridos, no frio do começo da tarde de sábado

passado, não pareciam os perigosos líderes estudantis do Brasil inteiro, presos durante o 30º

Congresso da ex-UNE. (...)”59

Os números da censura60

durante a “tutela” da ditadura militar na revista Veja dão uma

visão geral do que não pode ser dito nas páginas de muitos veículos em 1968: 10.352 linhas

de texto vetadas, 44 fotos e 20 ilustrações censuradas, 60 matérias derrubadas na íntegra.

O clima de tensão (e de responsabilidade) da época é sentido no relato de Mauro

Malin61

, sobre a sua cobertura na Passeata dos 100 mil, pelo Jornal do Brasil:

Eu cobria a Secretaria de Segurança. Era véspera do dia marcado para a

passeata que se tornaria conhecida como a dos Cem Mil, no Centro do Rio. O

secretário, general Luís de França Oliveira, convocou entrevista coletiva e

"denunciou" que haviam chegado à cidade mil agentes cubanos equipados

com garrafas de ácido que seriam usadas contra as forças policiais.

Era uma mentira e uma provocação para justificar um possível massacre dos

estudantes. Saí da Praça Tiradentes transtornado. E o jornal fez o seguinte: deu

na primeira página o "desmentido" das lideranças estudantis e jogou para uma

distante página interna, creio que a 14 ou a 16, a declaração do general França,

sempre antecedida do "desmentido".

Por sinal, nesse dia da passeata, 26 de junho, o jornal saiu com uma manchete

tranquilizadora. Algo como "Cidade amanhece em calma para passeata". E no

dia seguinte publicou uma cobertura espetacular, da qual fez parte a fotografia

da multidão tirada por Evandro Teixeira que virou ícone daquela

manifestação.

58 Em http://veja.abril.com.br/especiais/veja_40anos/p_240.html, acessado em 29 de maio de 2013, Às 10h41. 59 Em "O congresso interrompido", edição de 16/10/1968, em http://veja.abril.com.br/arquivo_veja/regime-

militar-ditadura-ai5-medici-geisel-figueiredo-lamarca-marighella-terror-torturas-herzog-anistia.shtml 60 Em http://veja.abril.com.br/especiais/veja_40anos/p_240.html, acessado em 10 de maio de 2013, às 15h30. 61 Jornalista do Jornal do Brasil em 1968. Relato feito em 7 de setembro de 2010, no artigo intitulado ‘JB em 1968’. Em http://www.observatoriodaimprensa.com.br/news/view/jb_em_1968, acessado em 12 de maio de

2013, 15h30.

36

No dia 14 de dezembro, um dia após assinado o AI-5, jornais traziam manchetes

semelhantes em suas capas62

. O Jornal do Brasil estampa em sua capa “Govêrno [sic] baixa

Ato Institucional e coloca Congresso em recesso por tempo ilimitado”. O Estado de SP é

econômico nas palavras: “Nôvo [sic] Ato; Congresso em recesso”. Com a manchete “Governo

baixa novo Ato”, a Folha de SP vai às bancas e O Globo detalha e destaca em cinco pontos o

“Editado o Ato 5”.

Na imprensa em Fortaleza, o historiador Airton de Farias (2007) ressalta que a maioria

dos fatos relacionados a 1968, eram tratados como “vandalismo” ou “terrorismo” e eram

noticiados, na maioria das vezes, nas páginas policiais dos jornais.

Ressalto que este trabalho não trata das datas locais, não por desmerecimento ou falta

de importância dos fatos, mas por se tratarem de datas que foram suscitadas ou reflexos dos

acontecimentos do eixo Rio-São Paulo.

Apesar de buscarem a objetividade e mostrarem-se (nos relatos atuais e com

distanciamento histórico) como ‘baluartes’ da realidade opressora daqueles tempos, os jornais

diziam o que podia ser dito e só. Segundo Nelson Werneck, “assim como aos camponeses não

pertence a terra, nem aos operários as fábricas, nem aos assalariados os meios de produção –

lavram os homens de imprensa em seara alheia” (SODRÉ, 1999, p. 417).

Reforçando o que diz Sodré, o projeto Brasil Nunca Mais63

enumera e dá a síntese 15

processos dos militares contra jornalistas, presos e enquadrados na Lei de Segurança

Nacional. Além de jornais do Rio de Janeiro e São Paulo, outros jornais do país também

foram processados, como em Rondônia, Minas e região central do país. Quatorze desses

processos foram executados após o AI-5 (BNM, 1985, p. 144). O que significou o aumento da

repressão e do “amordaçamento” da imprensa em 1968.

62 O jornal Foha de São Paulo colocou no ar em 2008 um hotsite em comemoração aos 40 anos de 1968 . Lá

estão informações diversas sobre a época, como as manchetes dos jornais um dia depois do AI-5.

http://www1.folha.uol.com.br/folha/treinamento/hotsites/ai5/extras/jornais.html, acessado em 10 de maio de

2013, às 14h. 63 Projeto clandestino, organizado por uma equipe – também clandestina e anônima - entre 1979 e 1985, que fez

o levantamento da tortura e das prisões no Brasil. (Editora Vozes, 1985)

37

A CRÔNICA NO JORNAL O POVO EM 1968

3.1. “Jornal é O Povo”64

“Recuar é vergonhoso apanágio dos covardes”65

O jornal O Povo, fundado em 7 de janeiro de 1928, é o jornal mais antigo em

funcionamento no estado do Ceará. Tem como fundador Demócrito Rocha, baiano da cidade

de Caravelas.

O veículo nasceu para ser oposição ao então presidente do Ceará, desembargador

Moreira da Rocha, “com o qual Demócrito Rocha tinha desavenças”. Nasceu, então,

“eminentemente político”.

E isso fica claro nos primeiro anos do jornal. Criado logo depois da coluna Prestes

(1924-1927), o veículo traz o ‘Cavaleiro da Esperança, Luís Carlos Prestes, sempre em suas

páginas”. Entrevista o cangaceiro Lampião. Em 1930, dá apoio à Revolução de Getúlio

Vargas, o “messias do Brasil”. 66

.

De acordo com Juarez Bahia, a imprensa dessa época, de um modo geral, passa por

um momento de marasmo e acomodação. Para ter um exemplo, a revolução de 1930 só foi

publicada nos grandes jornais do país dois dias depois de acontecer.

“A dificuldade nas comunicações não justifica o ostensivo desinteresse que se mescla com a frontal oposição da grande imprensa às transformações sociais

que navegam na rebeldia. (...) Os grandes jornais estão do lado da lei e da

ordem, e às vezes também do lado de quem obstrui o desenvolvimento. (BAHIA, 1990, p.205).

A censura, essa sombra que marca a ferro os momentos de ditadura, também

atormentará a imprensa nesta década. “Depois de 30 a censura se abate sobre o país no

contexto de um Estado Policial, totalitário” (BAHIA, 1990, p.208). Mas é também com os

anos 30 que a imprensa começa a se ajustar à uma nova realidade e define-se a fase moderna

da imprensa no Brasil, tendo a publicidade como carro chefe.

Segundo a publicação especial ‘80 anos O Povo’, produzida em 2008, “em relação a

cada assunto abordado, o jornal tendia a se posicionar claramente: por meio de editoriais ou

64 Slogan utilizado pelo jornal O Povo. 65 Demócrito Rocha, fundador do jornal O Povo 66 Todas as referências históricas do jornal foram retiradas das publicações ‘Almanaque O Povo’ e ‘O Povo 80

anos’, produzidos em homenagem ao aniversário do jornal em 2008. Na biblioteca Pública Menezes Pimentel e na biblioteca do próprio jornal não foram encontrados outros livros que servissem de referencial teórico para esta

contextualização.

38

de chamadas” (p. 24); Mas logo em seguida encontro na publicação um caso de omissão do

jornal, na cobertura do massacre do Caldeirão67

, que não foi noticiado pelo jornal. Segundo a

publicação especial, o jornal apoiou a ação que resultou no massacre do arraial, mas censurou

o comércio dos pertences dos mortos, feito posteriormente pelos policiais.

Até o ano de interesse, que é 1968, o jornal noticia os principais acontecimentos locais

e internacionais. A II Guerra Mundial, por exemplo, é mostrada de forma dramática e

sensacionalista: “Rebentou!”, em letras garrafais, com o uso do ponto de exclamação, estampa

a manchete da época, referindo-se ao início da guerra.

Abrindo um parêntese. O jornal usará deste recurso em várias manchetes durante a

ditadura militar, apelando para a dramaticidade e chamando a atenção do leitor pela função

emotiva/expressiva. Segundo Chalhub (1990, p. 17), esse tipo de função “comparece também

numa fala, marcada pela interjeição, pelos adjetivos, advérbios e por signos de pontuação —

tais como exclamação, reticências. (...)”.

As mortes de personagens da história no país e no mundo também foram noticiadas

com destaque nas capas do O Povo, como a do jurista Clóvis Beviláqua, do presidente

americano Roosevelt, do líder indiano Mahatma Gandhi, do cantor Elvis Presley, do

presidente Getúlio Vargas e do maestro Heitor Villa Lobos.

Em 1968 o jornal já completava 40 anos de existência. Saía diariamente com 16

páginas e as notícias tinham um alto teor de subjetividade e opinião, de acordo com a

publicação que festeja os 80 anos do jornal, O Povo 80 anos. Segundo artigo do jornalista

Fábio Henrique Pereira68

, a década de 1960 vem para colocar em xeque a ideia absoluta da

objetividade no jornalismo.

A nova era de subjetividade na imprensa, expressa pelo movimento do `novo jornalismo', é uma consequência direta à falta de confiança dos profissionais

nas autoridades políticas. A insistência no jornalismo objetivo poderia

significar uma certa passividade frente às versões oficiais: se na prática o

jornalismo de informação asséptica significava conceber validade auto-evidente às declarações oficiais, parecia agora que estas podiam se converter

em `inoperantes', tal e qual Nixon havia feito durante o Watergate; por isso, os

jornalistas se sentiam atraídos a preencher esse vazio. O declínio da

67 Caldeirão da Santa Cruz do Deserto foi uma comunidade fundada em 1926, pelo beato José Lourenço, na

região do Cariri/Ceará. A comunidade, que era baseada no coletivismo, onde todos trabalhavam na agricultura e

os bens eram divididos de acordo com a necessidade de cada um. Após a morte de Padre Cícero, um protetor da

comunidade, ela foi atacada por forças policiais em 1936 e 1937, resultando na morte de cerca de 1000

moradores. Em ‘Caldeirão de Santa Cruz: uma utopia comunista no Nordeste brasileiro’,

http://www.aps.pt/vicongresso/pdfs/712.pdf, acessado em 20 de junho de 2013. 68 ‘Da responsabilidade social ao jornalismo de mercado: o jornalismo como profissão’, em http://www.bocc.ubi.pt/pag/pereira-fabio-responsabilidade-jornalista.html#foot989, acessado em 25/6/2013, às

11h12.

39

objetividade é resultado também da busca por leitores mais jovens por meio da

produção de notícias em formatos mais atrativos.

Depois poucos anos de ditadura, a palavra ‘golpe’, referindo-se à manobra que

colocou os militares no poder em 1964, começaria a ser utilizada nos jornais do Brasil,

inclusive no jornal O Povo (Almanaque O Povo, p. 103).

Entretanto, numa seara de curiosidade – já que o estudo de palavras soltas não é o

objetivo deste trabalho - o que se vê, pelo menos até 1968, é que o uso da expressão

“revolução de 64” e “forças democráticas”, ao invés de ‘golpe militar’ ou ‘regime militar’, era

mais comum no dia a dia das notícias do jornal O Povo.

Através do programa de localização de palavras, no setor de pesquisa do jornal, a

expressão ‘golpe militar’ aparece no jornal O Povo apenas quatro vezes em 1968, e nenhuma

delas para se referir ao golpe militar no Brasil – mas, sim, em outros três países: Bolívia,

Iraque e Peru.

Outras palavras são destaque durante a pesquisa no veículo e listamos como forma de

associar ao tema central pesquisado, já que chamaram atenção durante o folhear das páginas

das edições de 1968. A palavra “estudantes” aparece 197 vezes; “bomba”, 115; e “greve”,

106. Os termos “terrorismo” e “terroristas” somam 40 aparições. “Violência” aparece 44

vezes e a palavra “revolução” aparece 33. O termo “tensão” aparece 16 vezes, empatado com

“conflito”, e seguido por “lutas”, que aparece 17 vezes nas páginas do veículo.

E, mesmo sabendo ser uma análise meramente de quantidade, entendo que é válido ter

como nota o levantamento destas palavras soltas, comumente identificadas no jornal durante a

pesquisa, no ano pesquisado (1968). Segundo Laurence Bardin,

(...) a indexação permite por classificação em palavras chave, classificar

elementos de informação dos documentos de maneira muito restrita. (...)

Serve, entretanto, de pista, constituindo categorias de uma classificação, na qual são agrupados os documentos que apresentam algum critério em comum,

que possuem analogias em seu conteúdo” (BARDIN, 1977, p. 46).

Fechando o parêntese da curiosidade, a época que abrangeu a ditadura militar (1964-

1985) foi de cerceamento das liberdades. Segundo Rivaldo Chinem (1995, p. 10), “vivíamos

um tempo de trevas. Eram só coturnos e fardas, em um ambiente que não parecia um filme

romântico e agradável, mas uma ficção sobre autoritarismo e arbitrariedade”.

É neste contexto, da falta de liberdade, que devem ser lidas e entendidas as crônicas

publicadas no jornal O Povo de 1968, já que nem o Ceará nem Fortaleza estavam fora do

contexto nacional.

40

3.1.1. A opinião na página 3

Segundo pesquisa realizada no jornal O Povo, no período de março a maio de 2013,

nos exemplares de 1968, o veículo destinava a página 3 para os textos opinativos e/ou de

comentário. Editorial e artigos de opinião eram publicados nesta página e nela encontro meu

objeto: as crônicas publicadas no jornal O Povo no ano do AI-5.

Foi preciso, antes de tudo, fazer um levantamento histórico nos capítulos anteriores

deste trabalho – o que foi feito - para que eu pudesse confirmar que 1968 foi um ano de

endurecimento do regime militar e que a liberdade não era comum a esta época. Como lembra

Boris Fausto:

A partir do AI-5 (...) abriu-se um novo ciclo de cassação de mandato, perda de

direitos políticos e expurgos no funcionalismo, abrangendo muitos professores

universitários. Estabeleceu-se na prática a censura aos meios de comunicação e a tortura passou a ser parte integrante dos métodos do governo. (FAUSTO,

1995, p. 480)

A primeira coisa que uma formanda em jornalismo pensa é: como reagiram os

jornalistas aos ataques severos à democracia? Como lidava a imprensa com as denúncias de

tortura e maus tratos nas prisões? Uma curiosidade, à primeira vista banal, pode enveredar por

outros tantos caminhos e levar a tantas outras perguntas (por vezes sem respostas).

Fincando os pés na terra onde moro (Fortaleza, Ceará), trouxe para mais perto essa

curiosidade, adaptando a minha pesquisa às possibilidades locais. Sendo o jornal O Povo o

veículo mais antigo em funcionamento no Estado, seria lá que eu acharia fontes para uma

pesquisa mais segura sobre o que aconteceu em 1968 na imprensa daqui.

Seguindo a orientação de Janete Melasso69

para começar a se analisar um discurso, o

que se deve fazer, nascida a primeira pergunta e curiosidade, é “estabelecer o objeto para

análise” (VIEIRA, 2003, p. 194). Para mim, mais especificamente, o objeto estaria dentro da

página 3 do jornal O Povo – local destinado à opinião e a textos, aparentemente, com mais

liberdade para se dizer o que queria.

Para José Marques de Melo, a opinião no jornalismo não é um bloco homogêneo e

rígido, pelo contrário.

Por mais que a instituição jornalística tenha uma orientação definida (posição ideológica ou linha política), em torno do qual pretende que as suas

mensagens sejam estruturadas, subsiste sempre uma diferenciação opinativa

(no sentido de atribuição de valor aos acontecimentos). (MELO, 1985, p. 77)

69 Em Análise do Discurso crítica: uma perspectiva de trabalho, no livro Práticas de Análise de Discurso

41

Marques também elenca a crônica como um gênero opinativo dentro do jornalismo,

assim como o editorial, o artigo, o comentário, a resenha, a coluna, etc. E esses gêneros

“possuem características comuns do ponto de vista da estrutura redacional ou da perspectiva

de análise” (MELO, 1985, p. 78).

Marques afirma ainda:

Que a crônica é um gênero jornalístico constitui uma questão pacífica. Produto do jornal, porque dele depende para a sua expressão pública, vinculada à

atualidade, porque se nutre dos fatos do cotidiano, a crônica preenche as três

condições essenciais de qualquer manifestação jornalística: atualidade, oportunidade e difusão coletiva. (MELO, 1985, p. 118)

Por isso, um aparte, que considero importante: deve-se, para este trabalho, considerar a

crônica como jornalística também por estar impressa no jornal. Se ela passeia entre o

jornalismo e a literatura, o meio onde é publicada, lá ou cá, também serve como ferramenta de

definição.

Então, na página 3 do jornal O Povo, no ano de 1968, encontro a crônica. Que local

mais apropriado para se achar opiniões mais diretas sobre os acontecimentos controversos da

época? Seria lá que eu veria jornalistas contra ou a favor, defendendo ou discordando dos

militares e do seu regime?

Reforço a certeza de que posso, realmente, me deparar com opiniões claras e diretas,

quando Bakhitin (1997, p. 393) define o jornalista:

O jornalista é, acima de tudo, um contemporâneo. É realmente obrigado a sê-

lo. Vive na esfera das questões que podem ser resolvidas na contemporaneidade. Participa de um diálogo que pode ser concluído, um

diálogo que pode passar à ação. (BAKHITIN, 1997, 393)

Mas é Foucault quem me chama de volta ao mundo da pesquisa científica, quando diz

para “não transformar o discurso em um jogo de significações prévias. (...)”, porque “ele não

é cúmplice do nosso conhecimento” (FOUCAULT, 1996, p.53).

No entanto, mesmo assim, confesso: vestida da objetividade que se exige do cientista,

no íntimo, bem escondido dos teóricos, dado o meu passado nos movimentos estudantis, dada

a minha leitura sobre os acontecimentos da época, tenho a esperança de encontrar palavras de

ordem, discussões e críticas acerca do tumultuado 1968.

Essa confissão, quase sentimental e nada científica, na verdade, corrobora toda

teorização feita neste trabalho sobre análise do discurso. Maingueneau confirma: “ler um

texto qualquer não é somente referir-se a uma gramática e a um dicionário, é mobilizar

saberes muito diversos, fazer hipóteses” (MAINGUENEAU, 2004, p. 20).

E Koch diz o mesmo, mais detalhadamente:

42

O leitor terá que preencher lacunas, formular hipóteses alternativas entre o

dito e o não dito, tudo isso por meio de inferenciamentos que exigem a

mobilização dos seus conhecimentos (e experiências vividas) prévios de todos os tipos. (KOCH, 2011, 62)

O que quero dizer é que as expectativas do pesquisador em relação a um objeto têm

relação direta com o contexto histórico e social deste pesquisador. E por mais que ele tenha

que se distanciar do objeto, ele continua sendo uma pessoa inserida em ideias e valores.

Conforme diz Sausurre, “bem longe de dizer que o objeto precede o ponto de vista, diríamos

que é o ponto de vista que cria o objeto” (apud KOCH, 2011, p. 77).

Mas, enfim, consegui achar o que queria nesses textos? O que li nas crônicas

publicadas no jornal O Povo coincide com a realidade noticiada nas capas do mesmo jornal

(que mostravam os acontecimentos mais dramáticos do ano de 1968)?A crônica, gênero tão

apreciado por mim, continua em seu pedestal?

Para além das descobertas feitas, está o fato de que também é possível para o

pesquisador fabricar a sua própria realidade. Mas é claro, não é coisa que se queira, sob pena

de inutilizar a pesquisa, sob pena de não se ‘ler’ corretamente o objeto. Mas era preciso dizer

que analisar o discurso não livra você de imprimir o seu próprio na tal análise.

3.2. Onde está 1968?

“Do lugar onde estou já fui embora”70

A pergunta surge para que se possa entender, no recorte deste trabalho, como o ano de

1968 era retratado e mencionado nas crônicas publicadas na página 3 do jornal O Povo. Volto

a dizer que esta página era destinada aos textos de caráter opinativo e na linha do comentário,

conforme mostram os anexos deste trabalho.

Para que eu possa afunilar um pouco mais, e na impossibilidade de analisar todos os

textos de interesse publicados durante 1968, restringi meu olhar às datas anteriormente

mencionadas e detalhadas, de grande importância para o ano, e que são comuns nas citações

de jornalistas e historiadores.

As datas referem-se à morte do estudante Edson Luis no restaurante universitário

Calabouço, no Rio de Janeiro, em 28 de março; à Passeata dos 100 mil, que aconteceu

também no Rio de Janeiro, em 26 de junho, e que teve adesão de diversos setores da

sociedade civil; à prisão dos estudantes no Congresso da UNE, em 12 de outubro, na cidade

70 Manoel de Barros, em Livro Sobre Nada, de 1996.

43

de Ibiúna, São Paulo; e ao dia da assinatura do Ato Institucional nº 5, 13 de dezembro, início

dos ‘anos de chumbo’ da ditadura militar no Brasil.

É preciso ressaltar que todos os fatos acima citados tiveram repercussão no jornal O

Povo, gerando capas com manchetes garrafais. Entendo, então, que mesmo estando no eixo

Rio-São Paulo, os fatos eram de destaque nacionalmente e localmente.

Segundo Jorge Pedro Sousa, estabelecendo-se critérios, o pesquisador pode montar

uma amostragem coerente, com o intuito de tornar possível a análise e não prejudicar seu

resultado, impondo “limites espaciais e temporais ao corpus” (SOUSA, 2004, p. 51).

Nem sempre o universo escolhido para analisar é demasiado extenso. (...) Mas

quando esse universo é demasiado extenso para as possibilidades do pesquisador, há de selecionar uma amostra, o mais representativa possível,

dentro das limitações do pesquisador. (...) Eleger uma amostra é um

procedimento aplicável a várias análises. (SOUSA, 2004, p. 51 e 53)

Com esta orientação, ‘construí’ um ano, entendendo as datas relacionadas como

momentos de destaque na cobertura da imprensa local. Mesmo se tratando de fatos que

aconteceram no eixo Rio-São Paulo.

Sobre isso, um parêntese. Fiz uma avaliação prévia dos acontecimentos locais, com

vistas a me aproximar geograficamente dos fatos. Mas o que se verificou é que as datas em

Fortaleza estão próximas e/ou ligadas aos acontecimentos nacionais e/ou suscitadas por eles.

Não deixam de ser importantes por isso, mas apenas não são a motivação inicial para as

manchetes que apareceram no jornal O Povo.

Como comprovação de que as datas locais foram suscitadas pelas datas nacionais,

Airton de Farias (2007) cita algumas delas, fazendo associações: em 1º de abril acontece em

Fortaleza uma grande passeata pela morte do estudante Edson Luis; em 24 de junho, dois dias

antes da passeata dos 100 mil, e já influenciado pelo movimento estudantil nacional, houve o

mais grave dos confrontos com a polícia em 1968, na Praça José de Alencar, Centro, que

resultou em prisões no prédio do 23 BC71

, carros incendiados e troca de tiros; 14 de outubro,

dois dias depois da prisão dos estudantes no Congresso da UNE, foi colocada uma bomba no

prédio do curso de inglês IBEU, localizado no bairro Aldeota.

Com o objetivo de concluir a construção do ano, defini que a amostragem, referente a

cada data, seria ampliada em três dias depois do acontecimento nacional. Explico: vivendo

hoje num mundo totalmente interligado pela internet, talvez não se imagine o quanto era

71 23º Batalhão de Caçadores do Exército, localizado na Av. Treze de Maio, no bairro Benfica, Fortaleza.

44

difícil apurar os acontecimentos. Então, em 1968, era preciso contar com um delay72

para a

notícia chegar com todos os detalhes possíveis ao público.

Como exemplo disso, conforme pode se constatar nos anexos deste trabalho, o

estudante Edson Luis, personagem principal da primeira data analisada, é chamado de Nelson

Luis nas matérias publicadas no jornal. Isto pode indicar as dificuldades em relação à

apuração na época.

Também na construção desse ano, outro recurso foi utilizado. As capas publicadas no

jornal, nas datas escolhidas, servirão de aporte e referência para as crônicas. As capas não são

o objeto deste trabalho, mas indicarão o que estava acontecendo no Brasil naquele dia

específico. “O discurso é considerado o bojo de um interdiscurso só adquire sentindo no

interior de um universo de outros discursos. Para interpretar qualquer enunciado, é necessário

relacioná-lo a muitos outros” (MAINGUENEAU, 2004, p. 55).

Antes de prosseguir, é preciso reforçar, também, que o tema política, que se encaixa na

maioria das notícias publicadas sobre o regime militar – salvo quando elas iam parar no

caderno policial73

- não é tema de fácil inclusão. Quase um ‘tabu’, Foucault esclarece que isso

acontece por causa dos controles que se faz, consciente e inconscientemente, no discurso,

principalmente sobre temas em que a “grade é mais cerrada”.

...Como se o discurso, longe de ser esse elemento transparente ou neutro no qual a sexualidade se desarma e a política se pacifica, fosse um dos lugares

onde eles exercem, de modo privilegiado, alguns de seus mais terríveis

poderes. (FOUCAULT, 1996, p. 9).

Então, voltando à pergunta inicial: como 1968 aparece nos textos de comentário, mais

especificamente na crônica, e de que forma se reconhece ou encontra a ditadura militar nesses

textos? Se é que se reconhece.

3.2.1 A morte de Edson Luis– 28 de março

A data foi marcada no calendário dos movimentos sociais da época como o dia que o

ano político e das lutas começou74

.

O jornal O Povo do dia 29 de março, dia seguinte do ocorrido, traz como manchetes de

capa, “PC tcheco escolheu candidato” e “Vai começar batalha dos mandatos em Sobral”. Mais

72 Palavra em inglês que significa atraso, demora, espera, em http://pt.bab.la/dicionario/ingles-portugues/delay,

acessado em 20 de junho de 2013, às 14h29. 73 Relato do historiador cearense Airton de Farias, que identificou que as matérias que tratavam dos “terroristas” e seus “ataques” iam parar, muitas vezes, nas páginas policiais dos jornais. 74 Fato mencionado pelo jornalista Zuenir Ventura (2008) e pelo historiador Boris Fausto (2001).

45

abaixo, no rodapé, mas ainda em letras grandes, noticiam a morte de Edson Luis: “Morte de

estudante causa onda de protestos no Rio” (anexo 1).

Um adendo: o jornal, nessa época, não trazia apenas uma manchete principal e outras

secundárias, como vemos hoje. Dava-se destaque para mais de um acontecimento, com letras

grandes e de mesmo tamanho. Às vezes até três assuntos vinham em letras garrafais,

conforme mostram anexos referentes às capas.

No mesmo dia, a página 3 do jornal traz a crônica de João Jacques, “Recepcionistas

para as repartições” (anexo 2), que, em linhas gerais, fala do serviço público e das reformas

que são necessárias para que ele funcione melhor.

De início, parece ser uma crítica ao “caduco sistema”, igualando os serviços públicos

federal, estadual e municipal, anunciando que “a desorganização do serviço público é

estarrecedora”. Porém, no decorrer do texto, outros fatores, dignos de análise, aparecem.

Mais à frente, o autor propõe que “a solução sensata e moderna está na formulação de

um quadro de pessoal ideal, de uma ossatura perfeita, para material humano”. O termo

“ossatura perfeita” está em destaque na frase, em forma de aposto, chamando atenção do

leitor para a qualidade que é preciso ter o servidor público ideal, indicando até, que seja

bonito.

O autor prossegue fazendo uma ressalva, citando, textualmente, o golpe de 1964, por

ele chamado de “revolução”. Ele diz: “Antes de tudo, convém assinalar, com certo otimismo,

que depois da revolução, algo melhorou”. E prossegue: “e a tendência é melhorar ainda mais”.

A próxima proposta do cronista é remanejar nas recepções públicas as “moças” que ali

prestam serviço. “Se há gente sobrando em muitos departamentos, notadamente do sexo

feminino, por que não aproveitar algumas dezenas de moças educadas, e adrede instruídas

para tal, na linha de frente de todas as repartições?”

Destaca ainda que a linha de frente dos serviços sejam “portaria ou serviço de

informações” das repartições. Ele finaliza o texto indicando que a “valorização da clientela”

que utiliza o serviço público acontecerá quando essas sugestões forem acatadas. E volta à

crítica replicando um amigo, que afirma: “se quiser acabar com o jogo do bicho, entreguem-

no na mão da União ou dos estados...”

Por baixo da crítica do autor, há um índice de conservadorismo, indicado na escolha

das pessoas que podem fazer parte da ‘linha de frente’ do serviço público no Brasil. Primeiro,

sugere que as pessoas dotadas de beleza física estejam na porta de entrada das repartições

públicas, depois, dá gênero a este recepcionista, indicando que a mulher é a melhor solução

46

para ocupar estes cargos, o que também reforça um pensamento machista e de segregação de

gênero.

Apesar da crítica que faz ao serviço público, chegando a exaltar a iniciativa privada

com a frase “os bancos estão cheios de recepcionistas”, o cronista, com seu texto, reforça os

preconceitos entre belo e o feio, entre homem e mulher.

Na ligação que o autor faz do cargo a ser ocupado (de recepção, de atendimento) ao

gênero feminino, há uma mensagem implícita, de preconceito, que a mulher foi feita para esse

tipo de ocupação. Segundo Koch (2011, p. 46) não é preciso dizer diretamente o que já é visto

como um modelo de situação por uma determinada sociedade.

Esses modelos de situação servem para suprimir informações que, abaixo das camadas

do texto, ainda estão lá, latentes.

São os modelos de situação compartilhados com o interlocutor que nos

permitem deixar implícita a informação que consideramos conhecida. O leitor é capaz (...) de reconstruir, estabelecendo as necessárias pontes entre

informação explicitamente veiculada e informação implicitada. (KOCH, 2011,

p. 46)

Numa sociedade datada em 1968, ainda em plena revolução sexual, cultural e de

costumes, há de se entender o pensamento do cronista em concordância com o do leitor da

época.

...

O jornal publicado no dia 30 de março vem com a data dupla, 30 e 31, pois cai num

final de semana, e o jornal, naquela época, circulava apenas no sábado.

Comparado ao dia 29, a morte do estudante sai do rodapé e vai para parte superior do

jornal, onde o veículo dá a seguinte manchete: “Greve em todo país pela morte do estudante”

(anexo 3). A mesma capa traz as fotos do estudante morto, durante o velório na Assembleia

Legislativa no Rio de Janeiro e fotos de manifestantes antes do enterro de Edson Luis.

Um adendo importante: no mesmo dia, paradoxalmente, muitas páginas do jornal

trazem anúncios e manifestações de congratulações pelo aniversário de quatro anos da

“revolução de 1964”, acontecida em 31 de março. Prova disso é a manchete que divide o

lugar com a morte do estudante: “O país não quer e nem pode voltar ao passado”.

A crônica que estampa a página 3 do jornal neste dia é, de novo, do cronista João

Jacques. Intitulada “O rei e o arquiteto” (anexo 4), o texto fala da vinda a Fortaleza do

arquiteto Sérgio Bernardes, de “visão moderna e audaciosa”. A crônica lista as várias

sugestões que o arquiteto - ouviu dizer o cronista, porque não o conheceu pessoalmente - deu

sobre o desenho, estética e funcionalidade da nossa cidade.

47

Também ouviu boatos que o profissional “veio resolver o caso da futura residência

governamental na Aldeota” e que no mesmo terreno haverá “uma espécie de panteão ou

túmulo do ex-presidente Castelo Branco”.

De novo, o autor se refere ao regime militar, se não diretamente, mas exaltando a obra

que será construída em homenagem ao ex-presidente como “uma das mais justas homenagens

ao inolvidável cearense morto”.

No geral, o autor fala da repercussão da visita do arquiteto a Fortaleza. Mas dois

trechos chamam a atenção na crônica. Um deles destaca a grandiosidade do profissional com

a frase: “além de grandes projetos para o Sul e para países europeus”, que mostra a

valorização do autor e o reforço do conceito que o que é bom é o que vem de fora. Usa a frase

como que para referendar a qualidade do profissional, o fato dele ter realizado trabalhos nas

duas regiões.

O outro trecho diz respeito ao título do texto. O arquiteto, sabe-se, é Sérgio Bernardes,

o visitante. Já o rei, ao qual se refere o autor, é o prefeito José Walter. O “arquiteto” faz uma

proposta ao “rei” para que seja feito em Fortaleza um grande trabalho de urbanismo. “Será

que o nosso edil, tão destro e zeloso, tão cheio de bons propósitos, não vai aproveitar oferta

tão generosa?” – diz o cronista.

Ao comparar o prefeito com o cargo máximo da monarquia, o cronista demonstra sua

relação com os cargos de poder. Os adjetivos “destro” e “zeloso” reforçam a ideia de que o

autor preza a autoridade do “edil75

”.

Por um momento, há de se achar que o autor usa de ironia para com o político e

brinca, propondo no final do texto, um “pacto” entre o “arquiteto” e o “rei”. Mas o restante do

texto não pactua com essa ideia, levando a crer que o autor demonstra um respeito exagerado

com ambos: pelo poder e pelo status.

Isso fica evidente ao identificar, numa “camada ideológica, que vai além da camada

discursiva” (BENETTI, 2007, p. 111), o tom exagerado que o autor dá à visita do arquiteto e

nos variados elogios e adjetivos dispensados ao “rei”, o prefeito José Walter.

...

O dia 1º de abril traz a manchete “Johnson desiste e reduz bombardeiros” (anexo 5), se

referindo à decisão do presidente dos Estados Unidos de suspender as bombas ao Vietnã do

75

No Houaiss: na antiga Roma, funcionário ou magistrado cuja função era observar e garantir o bom estado e

funcionamento de edifícios e outras obras e serviços públicos ou de interesse comum, como ruas e o tráfego, abastecimento de gêneros e de água, condições de culto e prática religiosa etc.; acessado em

http://houaiss.uol.com.br/busca?palavra=edil, em 21 de junho de 2013, às 7h48.

48

Norte. Em seguida, logo abaixo, a manchete é “Govêrno (sic) proíbe passeata estudantil na

Guanabara” – noticia também, ainda na capa, passeata em Fortaleza, com depredação do

prédio da USIS, empresa de intercâmbio americano. De acordo com O Povo, inclusive,

quando os cerca de 2 mil estudantes passaram em frente ao jornal, vaiaram o prédio da

redação.

A página 3 traz outra crônica de João Jacques, dessa vez nomeada de “Namôro (sic) de

alma no Rio” (anexo 6). No texto, o autor confessa que desde menino é encantado pelas

histórias de alma. E relata que quer ainda escrever um livro sobre o assunto.

O decorrer da crônica tem ares inocentes, passeando pela “indecifrável área do

sobrenatural”. Conta um caso ocorrido com conhecido e diz que coleciona contos “de

arregalar o olho e não deixar criança dormir”.

O texto ocorre sem sobressaltos, apenas com uma frase mínima que poderia

incomodar um observador mais exigente. O trecho “...uma ausculta direta entre populações de

diversos graus de cultura...”, sugere que há sociedades com uma cultura maior ou menor que a

outra, reforçando o preconceito em relação a outros povos.

Entretanto, é no último parágrafo que está o lado mais interessante dessa crônica.

Ainda falando das histórias sobre almas, ele conta que na China casam-se os mortos, contando

que a “solidão na vida eterna seria o pior dos tormentos”. Detalhando o ritual realizado pelos

chineses, o cronista diz que o “cortejo nupcial é precedido de uma criança portadora de uma

bandeira vermelha”. Em seguida, como de surpresa e de supetão, ele entrepõe o seu insight,

dizendo “até parece o casamento da China com o comunismo”.

A frase não pode ser avaliada fora do contexto de 1968, um momento de caça aos

comunistas. É como diz Jorge Pedro Sousa, “em ciências sociais e humanas, em particular nas

ciências da comunicação, o olhar do pesquisador sobre a realidade deve incidir não apenas no

fenômeno que procura estudar, mas também no seu contexto” (SOUSA, 2004, p. 11).

Por se tratar de um trecho que fala do casamento entre os mortos chineses, cabe ainda

a ideia do autor achar que ambos estão mortos, a China e o comunismo.

3.2.2 Passeata dos 100 mil – 26 de junho

A segunda data refere-se à maior manifestação realizada nas ruas do Brasil em 1968

em favor das liberdades.

49

A capa do dia 27 de junho (anexo 7) traz as manchetes “Nôvo (sic) atentado contra o

QG do II Exército” e “Pereio76

volta a tremer”. Menor, mais ainda com certo destaque, há

uma terceira manchete intitulada “Estudantes anunciam manifestação hoje a (sic) tarde em

Fortaleza”.

A crônica publicada no jornal deste dia é de Lauro Valle (anexo 8) e fala, em tom de

nostalgia, do fundador do jornal O Povo, Demócrito Rocha, morto em 1949.

O autor conta um ‘causo’ de ‘pilhéria’, envolvendo Demócrito e dois amigos de bar

que não se conheciam, em que ele engana um com a identidade falsa e inventada do outro.

O texto é uma ‘ode’ à figura de Demócrito, ressaltando, a todo instante, as suas

qualidades. “Figura marcante”, “talento onímodo”, “humorismo sadio”, “gênero alegre”,

“folgazão”, “atuação marcante no Ceará”, são algumas expressões adjetivando o fundador do

jornal.

Os adjetivos, em exagero, chamam a atenção do leitor, que imagina no homem que

fundou o jornal um ser quase superior. Sousa (2004, p. 104) indica que o excesso de adjetivos

é uma forma de dar ao personagem uma vida cotidiana, inserida num contexto de atos, e

também “para alimentar as identidades ideológicas e culturais” (SOUSA, 2004, p. 105) deste

personagem.

A boemia de Demócrito, seus amigos, e do próprio cronista, é também ressaltada no

texto pela citação, em dois momentos do bar Majestic, frequentado por ele.

Exceto pela frase “e que teve uma atuação marcante no Ceará”, em que o autor se

refere a Demócrito Rocha como homem público, sem entrar em detalhes, a crônica não exibe,

em nenhum momento, vestígios com o contexto de 1968 ou com o que aconteceu no dia

anterior no país, ao contrário, ignora.

Benetti (2007, p. 112) explica: “um sentido (...) é determinado por uma configuração

ideológica (...) naquela conjuntura específica, por aqueles sujeitos em particular (...) instados

ideologicamente a dizer uma coisa, e não outra”.

A citação justifica o porquê de o cronista falar da saudade de um amigo que morreu

(cuja morte não fazia aniversário, destaca-se) em detrimento da maior passeata acontecida na

ditadura militar.

...

A capa do dia 28 de junho continua focada na guerra do Vietnã, com a manchete

“Saigon em estado de alerta aguarda novo (sic) ataque vietcong”. Citando a passeata que

76 Cidade do Rio Grande do Norte

50

aconteceu no Rio, o jornal estampa outra manchete “Ordem na passeata de ontem”. Mais dois

destaques na capa: “Por que ditadura?”, se referindo à declaração do ministro da Justiça,

Gama e Silva, e “Liberados quase dois milhões para o MEC” (anexo 9).

A crônica publicada neste dia é de Pe. Frota. Intitulada “Oitenta anos” (anexo 10). O

texto faz uma lista de todos os que presidiram a Revista Vicentina, veículo religioso da

Sociedade de São Vicente de Paulo no Ceará.

O texto ‘presta conta’, citando que os balancetes e livros de contas da revista provam

os benefícios doados aos pobres.

Novamente o acontecimento nacional não é mencionado na crônica publicada no

jornal. O assunto principal é o tradicionalismo de “80 anos” da revista da entidade religiosa,

“riquíssima de abnegações e sacrifícios”, “numa cruzada quase secular da mais pura

fraternidade”.

Quando finaliza o texto, o autor dá uma pista (ou um recado). Destaca que a revista

esconde aos “desarmados da formação interior”, talvez se referindo aos que não são ligados à

religião, o “monumental tesouro da dedicação e amor”.

Em relação à frase, Orlandi explica que ser ou não fiel da igreja é um parâmetro

delimitador “e constitui o escopo do discurso religioso em suas duas formações

características: para os que crêem, o discurso religioso é uma promessa, para os que não

crêem, é uma ameaça” (ORLANDI apud PEDROSA, 2007, p. 39) 77

.

Vale ressaltar que o discurso religioso não é em vão ou inocente. A força do discurso

religioso e da crônica publicada dá o recado do conservadorismo. Para Orlandi (apud

PEDROSA, 2007, p. 41), o discurso religioso tem características específicas. Uma delas diz

que o padre (ou qualquer representante) desenvolve uma relação simbólica com o leitor.

Assim, pois, o discurso religioso também tem a função pedagógica, quando “garante a

aprendizagem de suas crenças e a transmissão de sua legitimidade” (ORLANDI apud

PEDROSA, 2007, p. 39).

...

A capa do jornal do dia 29 de junho vem atrelada ao dia 30, por se tratar de um final

de semana. A manchete é “Terroristas lançam bomba e roubam dinamite em SP” (anexo 11).

A primeira parte da frase refere-se à oposição da Universidade Makenzie e da Universidade

77 No artigo Cleide Emília Pedrosa, ‘Discurso Religioso: funções e especificidades, em Revista Soletras, Ano VII, nº 13, UERJ, 2007

51

de São Paulo. Sobre o roubo, a dinamite mencionada foi roubada de uma pedreira, também

em São Paulo.

Outra manchete de destaque é “Arena encerra convenção e pede reforma no sistema

educacional”, mencionando um dos dois partidos autorizados a atuar no Congresso na época

(o outro era o MDB).

A capa ocupa-se, em sua maior parte, da missa em homenagem a Paulo Sarasate, ex-

governador e senador da República, morto em 23 de junho.

Por conta das homenagens prestadas ao senador, ex-presidente do jornal O Povo na

década de 40, o jornal perde sua formatação padrão e dedica a maioria de suas páginas à

cobertura das missas e com textos em homenagem ao morto.

Na página 3 do jornal, a crônica intitulada “Lembranças de um vizinho”, de Gilson

Nascimento (anexo 12), trata das lembranças do cronista em relação ao seu vizinho, sêo (sic)

Lima é descrito, junto à paisagem campestre.

O personagem da crônica era um homem “das antigas”, com hábitos que “eram uma

verdadeira lição objetiva, prática, de boas maneiras, à época em que elas, infelizmente,

começam a agonizar”.

O cronista fala com saudade desta época, clamando pela volta dos bons costumes. Ele

tenta, através de suas memórias, pintar um quadro e nos mostrar uma realidade possível (ou

desejável). Segundo Koch (2011, p. 79), “a realidade é construída, mantida e alterada não

somente pela forma como nomeamos o mundo, mas (...) pela forma como interagimos com

ele”.

Por não estar satisfeito com o mundo “moderno”, que avança e destrói a propriedade e

os costumes de sêo (sic) Lima, o cronista faz o contraponto com o mundo atual, que vem

“sentido a morte inapelável dos bons costumes, dos hábitos sadios, das coisas sãs e honestas”.

Não cita a passeata dos 100 mil, mas pode estar dizendo que este mundo, tão ao

avesso, e tão contrário aos seus ideais, sêo (sic) Lima (ou o próprio cronista) não concordaria.

3.2.3 Congresso da UNE, 12 de outubro

As prisões no congresso clandestino da entidade, acontecido em Ibiúna, interior de são

Paulo, foram um baque para o movimento estudantil em 1968.

Dia 12 caiu num sábado, que vem atrelado ao dia 13, por ser um final de semana. O

próximo jornal analisado foi, então, do dia 14, segunda-feira, dois dias depois do

acontecimento. A capa do jornal O Povo traz a manchete “Bomba ia explodir no Ibeu!”. A

52

manchete refere-se a bomba colocada num curso de inglês da cidade e que foi encontrada

antes de explodir (anexo 13).

Outro destaque vai para o encontro estudantil, “Dissolvido Congresso da UNE e

presos mais de mil estudantes!”, mencionando, também, um pouco mais abaixo, a lista que

não foi divulgada com o nome dos estudantes cearenses, “DCE78

não revela o nome dos

estudantes cearenses que foram ao Congresso da UNE”.

Além da morte de Manuel Bandeira, a capa também destaca “Oficial americano

metralhado em SP”, que traz a foto do morto, na parte superior da capa.

Os acontecimentos ‘dramáticos’ do dia, todos refletidos na capa do jornal, não

suscitaram nenhuma crônica. A página 3 do jornal trouxe, como de praxe, o editorial, colunas

e artigos de opinião.

Um adendo: até agora, nota-se nas capas referentes às datas escolhidas, um tom

dramático, muitas vezes acompanhado de exclamações. Isso confirma a escolha das datas,

mostrando o clima de tensão pelo qual passava o país. Porém, mesmo com os acontecimentos

em destaque, há dias que nenhum cronista escreve no jornal e a sua ausência é notada, já que,

segundo Sousa (2004, p. 102), “a crônica não costuma perder de vista (...) os acontecimentos

e demais temas da atualidade”.

...

O dia 15 dá, novamente, destaque para a bomba que foi colocada no curso IBEU,

“Bomba sacudiria todo quarteirão do IBEU”, referindo-se aos detalhes sobre o acontecimento.

Logo acima, outro destaque, “Iniciado o interrogatório dos estudantes presos em SP” (anexo

14).

“Se passeata fracassar, DCE decretará greve” e “Olimpíadas: Brasil ganha em

basquete e perde no futebol” são outros dois destaques da capa do dia 15.

Essa capa traz uma diferença, uma espécie de editorial intitulado “O túnel do terror”,

que relata como o Brasil está “engolfado numa voragem de violência como nunca houve em

sua história”. Os editoriais79

da página 3 continuam a ser publicados, mas este texto ‘extra’

78 Diretório Central dos Estudantes 79

Digo ‘os editoriais’, pois em pesquisa nos jornais O Povo da época, verificou-se que em 1968 o editorial era

desmembrado em partes. A opinião do jornal sobre um único assunto, da forma como vemos hoje, não estava

presente nos jornais analisados. Falava-se da situação do Vietnã, da reforma universitária e do aniversário da

revolução de 64, por exemplo, numa só edição, em textos separados por títulos. Por isso, suponho, a liberdade de

colocar na capa um texto de opinião, sem assinatura, e em tom genérico, quase panfletário, pedindo providências

para a violência dos “terroristas” no país.

53

vem com urgência falar das explosões a bomba em todo o país, citando no Ceará o caso

IBEU.

Na página 3, juntamente com mais dois editoriais (sobre falta de água na aldeota e

sobre a situação econômica no país) é publicada a crônica de Pedro Cruz, intitulada “Coisas

esquecidas” (anexo 15).

A crônica relata, de forma detalhada, a época de 64 a 313 d.C., quando “o sangue de

centenas de milhares de seguidores de Cristo correu em ondas nas arenas dos circos

romanos”.

O texto explica, uma a uma, as formas de tortura pelas quais passavam os presos nos

“cárceres” , “antros escuros e fétidos, sem entrada de ar e sem luz”. Em latim, o nome de cada

tortura é explicada, como, por exemplo, a “ad metalla” que era o “trabalho forçado nas minas

de sal”, ou “ad igne”, “morte lenta, pelo fogo, queimado vivo”.

A temática da crônica (tortura), neste contexto, é curiosa. A igreja, em 1968 estava

dividida. Uma parte clamava pelos preceitos morais e os valores tradicionais da família,

tinham o regime militar como um escudo ético de defesa. Outra parte estava na linha de frente

das manifestações, com intelectuais e estudantes, pela defesa da liberdade. Estaria o cronista

neste último grupo ou realmente escolheu o tema para relatar um dado histórico, sem nenhum

tipo de ligação com a realidade da época?

O projeto/livro Brasil Nunca Mais, que dá dados sobre a tortura no Brasil, é uma prova

de que alguns setores da igreja estavam contra o regime ditatorial, pois foi lançado pela

Arquidiocese de São Paulo e tem o prefácio de Dom Evaristo Arns. Este, especificamente, era

um setor da igreja comprometido com as causas populares.

Mas, ainda segundo o relato no citado projeto, foi também a igreja católica que deu

bases ideológicas para o regime militar se instaurar no Brasil, pois “engalou-se na campanha

anticomunista sustentada pelas elites conservadoras: contra a reforma agrária, contra

movimentos grevistas, contra aliança dos marxistas e cristãos” (BNM, p. 147).

As torturas sofridas pelos presos políticos na ditadura militar não eram noticiadas nos

jornais. A maioria da população, se ouvia falar, não acreditava que pudesse ser possível. Era

um assunto velado. Sabia-se das prisões para interrogatório, mas o que acontecia nos ‘porões

da ditadura’ não virava manchete.

Na crônica o autor menciona o tema ‘tortura’. Mesmo não sendo a tortura de 1968,

mesmo se tratando do século 63d.C., como não aliar ao contexto os interrogatórios militares?

Teria o cronista pelo menos mencionado o tema, para fazer-se entender? “Foi o preço do

54

sangue, a coragem dos mártires, que preparou o grande triunfo da religião do Crucificado

sobre o mundo”, diz o cronista, no final do texto. E complementa: “e Seu reino é a realidade

única que jamais terá fim”.

Novamente Koch (2011, p. 30) esclarece que o texto não depende somente da sua

estrutura linguística e destaca: “os objetos de discurso a que o texto faz referência são

apresentados em grande parte de forma lacunar, permanecendo muita coisa implícita” (2011,

p. 30).

...

A capa do dia 16 traz fotos de manifestações na praça José de Alencar, tida pelo

historiador Airton de Farias como um dos protestos mais violentos do ano em Fortaleza.

“Bombas molotov, agressões, tiros e cassetetes nas ruas” é (são) o destaque da capa neste dia,

referindo-se ao acontecido na cidade.

Há também os destaques sobre a guerra do Vietnã, “Americanos propensos a

suspender bombardeios aéreos contra o Norte”, e assalto na capital paulista, “quadrilha volta a

atacar em SP: roubado o banco do estado em NCr$180 mil” (anexo 16).

Novamente, apesar do clima tenso na cidade, com estudantes e policiais em confronto

direto no Centro, nenhuma crônica é assinada na página 3 do jornal O Povo nesse dia.

3.2.4 Ato Institucional nº 5 – 13 de dezembro

O AI-5 foi considerado o pontapé, o início dos ‘anos de chumbo’ no Brasil, com o

aumento da repressão e da censura.

A capa do dia 14 (edição também do dia 15, por se tratar de um final de semana) traz a

manchete “Presidente baixa nôvo (sic) ato institucional”, com foto do presidente da república

Artur Costa e Silva (anexo 17).

Mais abaixo, os títulos, também em destaque, “Decretado recesso no Congresso”,

“Tropas tomam posição em SP e Minas” e “Prontidão também em Fortaleza”.

A página 3 do jornal traz duas crônicas. A primeira é escrita por Raquel de Queiroz,

intitulada de “Olavo Bilac e o Serviço Militar” (anexo 18). O texto inicia informativo, com a

cronista informando sobre um concurso de redação promovido pelo Exército Brasileiro, que

ela divulga “a pedido dos meus amigos militares”.

Dá detalhes sobre a premiação, o tema do concurso – mesmo nome que ela deu à

crônica, “Olavo Bilac e o Serviço Militar” – e quem pode ou não pode participar.

55

Em seguida, Raquel começa a explicar porque Olavo Bilac é tema de um concurso de

redação como esses, explicando a relação dele com o serviço militar. “Foi um patriota

exaltado, e grande parte de sua vida e de sua obra êle (sic) a dedicou à pregação cívica”.

A escritora relata que leu Olavo Bilac quando criança e que ele a fez despertar para as

noções de nacionalidade, com a imagem do “Brasilião que acordava do seu sono de pedra

para cumprir feitos imortais”.

Continua a narrativa explicando que foi com a campanha para o serviço militar que

Bilac conseguiu vulto e destaque dentro do Exército Brasileiro. “Campanha que o poeta

transformou em uma verdadeira cruzada de civismo, pelo país inteiro”. A época era da

Primeira Guerra Mundial, 1916.

Dispensando elogios ao “príncipe dos poetas brasileiro”, a cronista começa a criticar

quem pensa que Bilac era um puro militarista. “Quem pensa assim erra, erra”, defende a

cronista. E é aqui que ela traz para a atualidade a sua crônica, quando nos informa que “o que

visava o poeta, então, e o que visam hoje aqueles (sic) que procuram reivindicar o serviço

militar, é exatamente combater o militarismo”. Ao defender Olavo Bilac, Raquel também

defende o serviço militar obrigatório, que “faz estender à nação inteira o ofício de soldado,

democratizando-o”. E complementa: “abrindo a porta dos quartéis à generalidade dos

cidadãos o povo por inteiro fica a participar do dever de defesa”. E compara este ato ao de

votar quando diz “como já participar do dever de govêrno (sic), através do sufrágio

universal”.

A crônica é abertamente não só a favor do serviço militar, como também da ideologia

militar. A autora também se coloca na posição contrária ao comunismo. “Neste mundo feroz

em que vivemos e onde os nacionalismos se exacerbam especialmente (...) na metade do

planeta, que teria como égide o internacionalismo comunista, a gente até mesmo para ser

pacifista tem que aprender a brigar”.

Se não fala abertamente sobre o regime militar, defende o seu serviço obrigatório e faz

crítica ao comunismo, iniciando o texto com “meus amigos militares” e terminando com

“vindo confirmar outra espécie de sonhos – os chamados pesadelos”. Repassa ao leitor a ideia

que a pátria precisa ser defendida pelos seus cidadãos, que a responsabilidade também lhes

cabe, sendo o “indumento provisório de todos os brasileiros”.

A época em que foi escrita é essencial para entender esta crônica como uma tomada de

posição pela cronista.

56

A segunda crônica publicada no jornal, na página 3, é de José Valdivino (anexo 19). O

texto “Padre Casando!...” trata, em linhas gerais, de opinião sobre o casamento dos padres,

previsto no Concílio publicado pela igreja antes de 1968.

Explicando o contexto: o projeto/livro ‘Brasil: Nunca Mais’ esclarece que a Igreja

Católica passou pelo Concílio Vaticano II, de 1962 a 1965, ampliando o comprometimento da

Igreja com a população e seus anseios de justiça. Era uma forma de modernizá-la e trazer de

volta fiéis afastados. Neste concílio, entre outros pontos, ficou permitido que os padres, que

deixassem seus afazeres litúrgicos, poderiam abandonar a batina para se casar. Antes isso não

era permitido. (BNM, 1985, p. 147)

A ideia que é reforçada por frases como “o que há de destruidor nisso? Nenhum germe

de destruição no regime da igreja milenar” ou “o Concílio tornou a igreja mais

compreensiva”, demonstra que o cronista concorda com a ‘abertura’ da Igreja.

Também utiliza o humor em várias partes do texto para confrontar os leitores que se

dizem indignados com o fato: “Para evitar o trauma, o choque, do povo de Deus”, o colunista

avisa que os casamentos devem acontecer com o máximo de discrição. E prossegue “para

evitar que escancaremos os olhos alarmados, por que (sic) não estamos nem psicologicamente

nem intelectualmente preparados para vermos (...) o rosto da Esposa de Cristo”.

Neste caso, usando a ironia, o cronista dissimula seu texto e faz com o leitor o que diz

Paul Veyne, analisando Foucault: “Longe de nos levar a julgar as coisas, Foucault mostra que,

ao contrário, as palavras nos enganam (...)” (VEYNE, 1998, 152)

...

A capa do dia 16 traz manchete em letras garrafais, avisando “Presos Lacerda,

Juscelino, deputados e jornalistas”. Apesar do título dramático, a chamada que o acompanha é

de que o clima é de tranquilidade e que muitos governadores já se solidarizaram com a

presidência da República (anexo 20).

Novamente é publicada na capa uma espécie de editorial, dessa vez em apoio ao Ato,

intitulado “A esperança que resta”. Um detalhe da capa, que é digno de nota, mostrando como

o Ato atingiu imediatamente todas as instâncias públicas locais, é que foram canceladas as

colações dos cursos que tinham como homenageados os professores cassados ou políticos

com direitos políticos suspensos pelo AI-5.

Por conta das numerosas matérias sobre o Ato, a diagramação original do jornal foi

desfeita. Espalharam-se por todo o jornal os textos que normalmente viriam somente na

página 3. A crônica, nesta edição, foi encontrada na página 15.

57

Intitulada “Maior tesouro na Terra...”, a crônica é de Domingos Gusmão de Lima

(anexo 21) fala, de um modo geral, apesar de outros assuntos incidentes, da sua recusa para

assumir cargo público, em lugar de Plácido Castelo, o então governador do Ceará.

O texto é bem humorado e cheio de frases cômicas, como quando fala do porta-voz da

comissão que o convidou, relatando que “o orador, entusiasmado, espargia saliva, dando-nos

a impressão de estar neblinando na sala” ou que o homem “tentou espicaçar a minha vaidade

atribuindo-me qualidades e dons que evidentemente não possuo”. E, ainda com tom de graça,

avisa: “Tranquilizem-se meus prezados leitores e queridos amigos! Jamais serei governador

do Ceará! Estou acordado! Não meterei a mão em buraco de tatu!”.

O orador da comissão, em determinado momento da conversa, como diz o próprio

cronista, envereda pela luta de classes e diz que “nós trabalhadores estamos saturados de viver

a reboque da classe dominante”. É neste momento que o cronista faz a negativa para o cargo e

traz a sua crônica para o contexto de 1968: “expliquei que no presente não havia condições

para um movimento da natureza que eles reivindicam”. E prossegue, criticando o atual

sistema: “Se estamos numa democracia, não há dúvidas. Mas uma democracia maquiada,

diferente da concebida no passado”.

O cronista prossegue explicando as razões pelas quais não aceitará o cargo, além de

não “ser bom de urna”. “Só poderia chegar ao poder mediante o que está na moda: o

conchavo. Mas como poderia ser parte nessas negociatas se não pertenço a nenhuma feição

política?”.

O texto também utiliza o humor para fazer uma crítica social. A crônica é narrada

como um ‘causo’, mas acaba levando o leitor pelo caminho da reflexão sobre a atualidade. E

como ensina Bakhitin, o humor também pode ser um recurso do discurso: “o narrador pode

deliberadamente apagar as fronteiras do discurso citado, a fim de colori-lo com as suas

entonações, o seu humor, a sua ironia, o seu ódio, com o seu encantamento” (BAKHITIN,

2009, p. 157).

...

O dia 17 amanhece com uma manchete aspada: “Novas revoluções dentro da

revolução”, referindo-se a frase do presidente Costa e Silva sobre o AI-5 (anexo 22). Também

como destaque, “Presidente regulamenta capítulo das punições” e a capa anuncia ainda

“Cinco prisões em Fortaleza” e “O fim da fezinha”, referindo-se à proibição do jogo do bicho.

A página 3 traz a crônica “Mocidade desorientada”, de Victor do Espírito Santo

(anexo 23). O texto seria caracterizado um artigo de opinião, não fosse por seu tom intimista.

58

Apesar de já ser dezembro de 1968, o cronista fala dos estudantes presos no congresso

da UNE, em São Paulo, e que entre eles está um que lhe “é muito caro”. Ele refere-se a

Franklin Martins, seu afilhado de batismo, e um dos líderes estudantis de destaque em 1968.

O cronista desenvolve o texto lamentando que o afilhado esteja preso, justificando as

razões com o argumento de que o jovem é “movido tão somente pelo seu ardor patriótico,

pela ânsia de ver o nosso Brasil elevado à categoria de uma das nações líderes”.

Porém, ao mesmo tempo, parece justificar a prisão do afilhado, quando critica a

juventude e o movimento. As expressões que seguem, confirmam: “sei que a mocidade (...)

não está orientada”; “sem querer, faz o trabalho das forças comunistas, em tudo semelhante,

hoje, àquelas que agiam em favor de Hitler ou Mussolini”; “o meu jovem afilhado está mal

orientado”.

Mais à frente, tenta amenizar as críticas, falando que a bandeira a favor da reforma

universitária, levantada pela juventude, é válida, mas retruca que “há os inevitáveis

aproveitadores, estudantes profissionais, que aproveitam o ensejo para macular tão nobre

bandeira com o veneno da política”.

Engajada na defesa de que a juventude no Brasil tem que pensar por si só, a crônica

também condena os extremismos “da esquerda e da direita, tanto nociva uma como a outra”.

A crônica leva o leitor à reflexão sobre o papel da juventude e que ela precisa ter

cuidado a quem seguir. Cita novamente como exemplo Hitler e Mussolini, além de Stalin e

“um qualquer Fidel Castro indígena”.

É Foucault quem traz a reflexão sobre o cronista que escreve este texto. (...) Quem fala? Quem, no conjunto de todos os sujeitos falantes, tem boas

razões para ter esta espécie de linguagem? Quem é seu titular? Quem recebe

dela sua singularidade, seus encantos, e de quem, em troca, recebe, se não

sua garantia, pelo menos a presunção de que é verdadeira? Qual é o status dos indivíduos que têm - e apenas eles - o direito regulamentar ou

tradicional, juridicamente definido ou espontaneamente aceito, de proferir

semelhante discurso? (FOUCAULT, 2008, p. 61)

Então, justamente fazendo a pergunta ‘quem é este cronista’, surge a dúvida se esse

texto existiria se o estudante Franklin Martins, afilhado do cronista, não estivesse preso.

...

59

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As crônicas analisadas têm o intuito de traçar um panorama, mesmo que diminuto,

sobre como a época era retratada nos jornais. A crônica, essa filha da literatura com o

jornalismo, em que o autor tem poderio sobre suas opiniões, com a possibilidade ainda da

leveza, do humor, sobre os fatos cotidianos, seria o local ideal para pesquisa, e assim o foi.

É certo que, dada a gama heterogênea de escritores, autores da crônica, não havia

pontos em comum a se comparar e cada crônica foi analisada como única. Escritores

diferentes, marcas textuais e linguísticas diferenciadas.

Entendi também que a pesquisa, debruçada sobre essas crônicas, tinha seus limites.

Conforme ensina Fiorin (2000, p. 81) não se pode inventar, pois “quando se diz que um texto

está aberto para várias leituras, isso significa que ele admite mais de uma e não toda e

qualquer interpretação”.

As crônicas publicadas no jornal o Povo, na página 3, em nenhum momento, citam

diretamente os acontecimentos escolhidos para esta pesquisa e de destaque no ano de 1968,

exceto pela última crônica analisada, quando o autor menciona o caso da prisão dos

estudantes no Congresso da UNE. O leitor deste trabalho pode achar, então, que a pesquisa foi

tempo perdido. De forma alguma.

Ao buscar 1968 nas crônicas publicadas no jornal O Povo, em datas específicas, eu

poderia me deparar com a morte do estudante Edson Luis, ou não. Isto nunca foi perdido de

vista e era exatamente o que a minha pergunta inicial e, talvez, principal queria: será que os

cronistas falariam, mencionariam, criticariam, concordariam com os fatos que viraram capa

do jornal para o qual eles escreviam diariamente?

Todos os textos e seus autores são frutos de uma época e não podem ser entendidos

fora do seu contexto. E assim foi feito. A página 3 só era aberta após se descobrir quais as

manchetes da capa daquele dia, para contextualizar e para entender o ‘clima’ no qual o país

estava inserido.

Porém, mesmo não encontrando as manifestações ou passeatas, ou morte de estudantes

nas crônicas analisadas, entendi que os cronistas deixaram suas impressões de mundo

carimbadas em cada texto. Valores, conceitos, preconceitos. Tudo misturado entre a visita de

um arquiteto ou na memória de um antigo vizinho.

Foucault lembra,

Ora, a particularidade da análise enunciativa não é despertar textos de seu sono atual para reencontrar, encantando, as marcas ainda legíveis em sua

60

superfície, o clarão de seu nascimento; trata-se, ao contrário, de segui-los ao

longo de seu sono, ou, antes, de levantar os temas relacionados ao sono, ao

esquecimento, à origem perdida, e de procurar que modo de existência pode caracterizar os enunciados, independentemente de sua enunciação, na

espessura do tempo em que subsistem, em que se conservaram, em que são

reativados, e utilizados, em que são, também, mas não por uma destinação

originária, esquecidos e até mesmo, eventualmente, destruídos. (FOCAULT, 2008, p. 140)

Na área da interpretação, 45 anos depois, as crônicas analisadas estavam em terreno

movediço, longe de 2013, inseridos na história contada através do jornal. São retratos e

recortes de 1968. Não são exatamente 1968.

Da pesquisa inicial, na verdade, surgem outros questionamentos. Os cronistas da época

não citavam os assuntos tensos da época por conveniência, convicção ou censura? As

crônicas, fazendo parte do lado ‘cultural’ do jornal, não podem tocar em assuntos cheios de

espinhos, não cabendo, assim, a política na cultura? O modo de escrever do cronista de 1968 é

de que forma diferente do cronista de 2013?

O que resta, finalizado este trabalho, são mais dúvidas. Ainda bem.

61

REFERÊNCIAS

ALVES, Cristiane. Pena de aluguel – escritores jornalistas no Brasil 1904-2004. Companhia

das Letras, SP, 2005

ALVES, Márcio Moreira. 68 mudou o mundo. Editora Nova Fronteira, 1993, RJ

ARAÚJO, Felipe (coordenador editorial). Almanaque O Povo. Fortaleza, Fundação

Demócrito Dummar: 2008

ARAÚJO, Maria Paula. 1968 – nas teias da história e da memória. In Clio - Série Revista de

Pesquisa Histórica - N. 26-1, 2008

BAHIA, Juarez. Jornal, história e técnica: a história da imprensa brasileira. São Paulo, Editora

Ática: 1990

BAKHITIN, Mikhail. A estética da criação verbal. Editora WMF Martins Fontes, 1997, SP

_________________. Marxismo e filosofia da linguagem. Editora Hucitec, 2009, SP

BARDIN, Laurence. Análise do conteúdo. Edições 70, Lisboa: 1977

BARROS, Edgar Luiz de. Os governos militares. Editora Contexto, 1991, SP

BENETTI, Marcia. Análise do Discurso em jornalismo: estudo de vozes e sentidos. In:

LAGO, Claudia; BENETTI, Marcia. Metodologia de pesquisa em jornalismo. Petrópolis:

Vozes, 2007. P. 107-122

________________. Metodologia de pesquisa em jornalismo. Petrópolis: Vozes, 2007. P.

123-142

BRAIT, Beth. Bakhitin: conceitos-chave. Editora Contexto, 2005: SP

BRASIL: nunca mais – um relato para a história. Editora Vozes, Petrópolis: 1985

BRITO, José Domingues de (org). Mistérios da criação literária: literatura e jornalismo vol. 3.

São Paulo, Editora Novera: 2007

CHALHOUB, Sidney; NEVES, Margarida de Souza; e PEREIRA, Leonardo A. de Miranda.

História em cousas miúdas – capítulos de história social da crônica no Brasil. Campinas, SP,

Editora Unicamp – 2005

CHALHUB, Samira. Funções da linguagem – Série princípios. Editora Ática, Rio do Janeiro:

1990

CHARAUDEAU, Patrick. Discurso das mídias. Editora Contexto, 2009, SP

CHINEM, Rivaldo. Imprensa Alternativa – jornalismo de oposição e inovação. Editora Ática,

São Paulo: 1995

62

CORTEZ, Glauco Rodrigues. A crônica e a Notícia na formação da linguagem jornalística.

PUC, Campinas

COSTA, Cristiane. Pena de aluguel: o jornalista escritor 1904-2004. Companhia das Letras,

2005: SP

DAHÁS, Nashla. O Golpe de 1964: na pauta do golpe in Revista de História da Biblioteca

Nacional, ano 7, nº 83, agosto de 2012. Rio de Janeiro, Editora Sabin: 2012

FARIAS, Airton de. Além das armas: guerrilheiros de esquerda no Ceará durante a ditadura

militar. Edições Livro Técnico, Fortaleza: 2007.

FAUSTO, Boris. História Concisa do Brasil. São Paulo, Editora da USP, 2001

______________. História do Brasil. São Paulo, EdUSP, 1995

FILHO, Ciro Marcondes. Comunicação e jornalismo: a saga dos cães perdidos. Hacker

Editores, São Paulo: 2002

FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso. Edições Loyola, São Paulo: 1996

_________________. A arqueologia do saber. Editora Forense universitária, Rio de Janeiro:

2008

__________________. A arqueologia do saber. RJ: Forense Universitária, 2008

GABEIRA, Fernando. O que é isso companheiro? Companhia das Letras, 2009 – SP

HERSCOVITZ. Heloiza G. Análise de conteúdo em jornalismo In: LAGO, Claudia;

KOCH, Ingedore G. Villaça. Desvendando os segredos do texto. Editora Cortez, São Paulo:

2011.

KUCINSKI, Bernardo. Jornalistas e Revolucionários nos Tempos da Imprensa Alternativa.

São Paulo, Editora: Edusp, 2001

LIMA, Edvaldo Pereira. Jornalismo Literário – legado de ontem in Cadernos da Comunicação -

New journalism: a reportagem como criação literária. Secretaria de Comunicação do Rio de Janeiro, 2003, acessado em

http://www0.rio.rj.gov.br/arquivo/pdf/cadernos_comunicacao/estudos/estudos7.pdf, em 28 de maio de

2013, às 13h30.

MELO, José Marques. A opinião no jornalismo brasileiro. São Paulo, Editora Vozes: 1985

MAINGUENEAU, Dominique. Análise de textos de comunicação. Editora Cortez, São Paulo:

2004)

PASCHOARELLI, Leandro. Imprensa e Cultura: um análise de seções e cadernos de cultura

da imprensa paulista e carioca (1969-1989), in Projeto História. São Paulo, USP

63

REIS, Daniel Aarão. ‘O Golpe de 1964: o sol sem peneira’ in Revista de História da

Biblioteca Nacional, ano 7, nº 83, agosto de 2012. Rio de Janeiro, Editora Sabin: 2012

RIBEIRO, Regina (coordenadora editorial). Edição especial: 80 anos do O Povo. Fortaleza,

Fundação Demócrito Dummar: 2008

RINGOOT, Roselyne. Por que e como analisar o discurso no contexto dos estudos sobre

jornalismo? Artigo publicado na revista Comunicação e Espaço Público, Ano IX, n.º 1 e 2,

2006

SALGADO, Ronaldo. A crônica reporteira de João do Rio. Fortaleza, Expressão Gráfica e

Editora – 2006

SANTOS, Ferreira dos Santos (org). As Cem Melhores Crônicas Brasileiras. Rio de Janeiro,

Editora Objetiva – 2007

SOUSA, Jorge Pedro. Introdução à analise do discurso jornalístico impresso – um guia para

estudantes de graduação. Editora Letras Contemporânea, Santa Catarina: 2004

SODRÉ, Nelson Werneck. História da Imprensa no Brasil. Rio de Janeiro, Mauad Editora:

1999

VEYNE, Paul. Como se escreve a história. Foucault revoluciona a história. Editora UNB,

1998.

VENTURA, Zuenir. 1968 – o ano que não terminou. Editora Planeta do Brasil, 2008, SP

VIEIRA, Josênia Antunes; SILVA, Denize Elena Garcia (org). Práticas de Análise do

Discurso. Editora Plano – UNB , Brasília: 2003

64

ANEXOS

Capas e crônicas, publicadas no jornal o Povo em 1968 – tendo como recorte os três dias após os

acontecimentos escolhidos na pesquisa: morte de Edson Luis, em 28 de março; Passeata dos 100 mil,

em 28 de junho; Prisão dos estudantes no Congresso da UNE, em 12 de outubro; e assinatura do AI-5,

em 13 de dezembro.