centro de ensino superior do cearÁ faculdade … o jose do pe… · eles me deram força e suporte...

85
CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ FACULDADE CEARENSE CURSO DE SERVIÇO SOCIAL ROSA MARIA VASCONCELOS MONTE E O JOSÉ DO PENHÔ?: A VIOLÊNCIA (RES)SIGNIFICADA PELOS HOMENS PRESOS PELA LEI MARIA DA PENHA FORTALEZA-CE 2014

Upload: others

Post on 17-Oct-2020

6 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ FACULDADE … O JOSE DO PE… · Eles me deram força e suporte para superar. Ao meu esposo, Marcus Fábio, pelo seu carinho, colaboração, paciência,

CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ FACULDADE CEARENSE

CURSO DE SERVIÇO SOCIAL

ROSA MARIA VASCONCELOS MONTE

E O JOSÉ DO PENHÔ?: A VIOLÊNCIA (RES)SIGNIFICADA PELOS HOMENS PRESOS PELA LEI MARIA DA PENHA

FORTALEZA-CE 2014

Page 2: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ FACULDADE … O JOSE DO PE… · Eles me deram força e suporte para superar. Ao meu esposo, Marcus Fábio, pelo seu carinho, colaboração, paciência,

ROSA MARIA VASCONCELOS MONTE

E O JOSÉ DO PENHÔ?: A VIOLÊNCIA (RES)SIGNIFICADA PELOS HOMENS PRESOS PELA LEI MARIA DA PENHA

Monografia apresentada ao Curso de Graduação em Serviço Social do Centro de Ensino Superior do Ceará, como requisito parcial para a obtenção do grau de Bacharel em Serviço Social. Orientadora: Prof.ª Ms. Francis Emmanuelle Alves Vasconcelos

FORTALEZA-CE 2014

Page 3: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ FACULDADE … O JOSE DO PE… · Eles me deram força e suporte para superar. Ao meu esposo, Marcus Fábio, pelo seu carinho, colaboração, paciência,

Bibliotecário Marksuel Mariz de Lima CRB-3/1274

M772e Monte, Rosa Maria Vasconcelos

E o José do Penhô?: A violência (res)significada pelos

homens presos pela Lei Maria da Penha / Rosa Maria

Vasconcelos Monte. – Fortaleza; 2014.

83f. Orientador: Profª. Ms. Francis Emmanuelle Alves Vasconcelos.

Trabalho de Conclusão de Curso (graduação) – Faculdade

Cearense, Curso de Serviço Social, 2014.

1. Violência - Gênero. 2. Família. 3. Lei Maria da Penha. I.

Vasconcelos, Francis Emmanuelle Alves. II. Título

CDU 364

Page 4: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ FACULDADE … O JOSE DO PE… · Eles me deram força e suporte para superar. Ao meu esposo, Marcus Fábio, pelo seu carinho, colaboração, paciência,

ROSA MARIA VASCONCELOS MONTE

E O JOSÉ DO PENHÔ?: A VIOLÊNCIA (RES)SIGNIFICADA PELOS HOMENS PRESOS PELA LEI MARIA DA PENHA

Monografia apresentada como pré-requisito para obtenção do título de Bacharel em Serviço Social, outorgado pela Faculdade Cearense - FAC, tendo sido aprovada pela Banca Examinadora. Data de Aprovação: ____/____/____

BANCA EXAMINADORA

Prof.ª Ms. Francis Emmanuelle Alves Vasconcelos (Orientadora) Faculdade Cearense - FAC

_____________________________________________ Prof.ª Ms. Silvana Maria Pereira Cavalcante

Faculdade Cearense - FAC

Prof.ª Ms. Maria do Socorro Fagundes Psicóloga do NUAH

Page 5: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ FACULDADE … O JOSE DO PE… · Eles me deram força e suporte para superar. Ao meu esposo, Marcus Fábio, pelo seu carinho, colaboração, paciência,

Dedico este trabalho aos meus pais, irmãos, ao esposo e ao meu filho, por estarem ao meu lado em todos os momentos, principalmente nos mais difíceis, sempre apoiando e incentivando a minha busca.

Page 6: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ FACULDADE … O JOSE DO PE… · Eles me deram força e suporte para superar. Ao meu esposo, Marcus Fábio, pelo seu carinho, colaboração, paciência,

AGRADECIMENTOS

Agradeço em primeiro lugar a Deus, por estar sempre ao meu lado, me dando

força para enfrentar as dificuldades.

Especialmente minha família, que me deu todo apoio, principalmente no

momento da gravidez e nascimento do meu filho; uma fase difícil para qualquer

estudante. Eles me deram força e suporte para superar.

Ao meu esposo, Marcus Fábio, pelo seu carinho, colaboração, paciência,

compreensão e principalmente por ter custeado financeiramente todo o curso.

Ao meu filho, Ryan Monte de Oliveira, que seu nascimento me despertou o

amadurecimento pelos estudos e o anseio de conseguir esta conquista.

Aos meus pais, agradeço a educação desde a infância, que serviu como

alicerce para mostrar quem sou hoje.

A minha irmã, Cláudia Monte, que se empenhou nas digitações frequentes para

construção deste trabalho.

Ao meu irmão Cleyton Monte e sua esposa Leandra Maria, que por inúmeras

vezes me receberam em sua residência para elaboração e discussão dos

textos.

A minha Orientadora Francis Emanuelle, pela sua atenção e críticas nas

correções dos capítulos e mediação dos grupos de estudos semanais, onde

discutimos sobre os textos e assuntos polêmicos, me ajudando na construção

da pesquisa.

A banca examinadora, que tão prontamente aceitou o convite, caríssimas

professora Silvana Maria e psicóloga Socorro Fagundes.

As funcionárias e toda a equipe, em especial a Socorro Fagundes e Camila

Maria do NUAH, que facilitaram minha entrada no campo de pesquisa.

As minhas queridas amigas de sala, Zenilse Segundo e Fátima Monteiro, que

estiveram sempre ao meu lado nos momentos de apreensão e superação na

academia.

A todos que contribuíram direta ou indiretamente para a realização deste

trabalho, muito obrigada!

Aos professores que tiveram ao meu lado desde o primeiro semestre,

contribuindo para a minha formação acadêmica, dando exemplo de

profissionais que nos conduz em nossa pratica.

Page 7: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ FACULDADE … O JOSE DO PE… · Eles me deram força e suporte para superar. Ao meu esposo, Marcus Fábio, pelo seu carinho, colaboração, paciência,

Destaco e agradeço a colaboração dos homens que concederam as entrevistas

e participaram dos grupos focais, essenciais para a realização desta pesquisa.

Page 8: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ FACULDADE … O JOSE DO PE… · Eles me deram força e suporte para superar. Ao meu esposo, Marcus Fábio, pelo seu carinho, colaboração, paciência,

Sou brasileira, guerreira

Não tô de bobeira Não pague pra ver

Porque vai ficar quente a chapa Você não vai ter sossego na vida, seu moço

Se me der um tapa Da dona "Maria da Penha"

Você não escapa O bicho pegou, não tem mais a banca

De dar cesta básica, amor Vacilou, tá na tranca

Respeito, afinal,é bom e eu gosto (Maria da Penha – Alcione)

Page 9: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ FACULDADE … O JOSE DO PE… · Eles me deram força e suporte para superar. Ao meu esposo, Marcus Fábio, pelo seu carinho, colaboração, paciência,

RESUMO

O tema violência contra a mulher, principalmente a partir da aprovação da Lei Maria da Penha (2006), se tornou constante nas agendas da imprensa, academia, movimentos sociais e judiciário. Verificando essas discussões, nota-se que a mulher configura-se tema central de análise. A presente pesquisa, entretanto, visa compreender a violência contra a mulher a partir da visão de homens que realizaram tais práticas. Discutindo a questão através das categorias gênero, violência e família, analisa-se a complexidade dessa problemática. Os percursos metodológicos utilizados foram a realização de pesquisa de campo, documental e bibliográfica, inserindo-se, dessa forma, entre os modelos de pesquisa qualitativa. O campo da pesquisa se deu no NUAH (Núcleo de Atendimento ao Homem), através de observação sistemática, doze entrevistas semiestruturadas e grupo focal, com homens atendidos pela instituição. A grande questão que percorreu todo o trabalho refere-se à lógica das representações dos homens inseridos em situação de violência na cidade de Fortaleza. Os resultados obtidos através desta pesquisa apontam para a deficiência de políticas públicas voltadas ao público masculino, a relação entre a prática de agressão e o uso de drogas lícitas e ilícitas, uma trajetória familiar marcada pela violência e o pouco conhecimento da Lei Maria da Penha. Palavras-Chave: Violência. Gênero. Família. Lei Maria da Penha.

Page 10: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ FACULDADE … O JOSE DO PE… · Eles me deram força e suporte para superar. Ao meu esposo, Marcus Fábio, pelo seu carinho, colaboração, paciência,

ABSTRACT

The topic of violence against women, mainly from the approval of the Maria da Penha Law (2006), became constant in the agendas of the press, academia, social and legal movements. Checking these discussions, we note that the woman sets up central theme analysis. This research takes the opposite way, it aims to understand violence against women from the perspective of men who performed such practices. Discussing the issue through gender categories, violence and family, we analyze the complexity of this problem. The methodological paths were used to conduct field research, documents and literature, inserting thus between qualitative research models. The field of research took place in Nuah (of Customer Service Man Core) through systematic observation, twelve semi-structured interviews and focus groups with men served by the institution. The big question that went all the work refers to the logic of representations of women inserted in situations of violence in the city of Fortaleza. The results of this research point to the failure of public policies aimed at male audience, the relationship between the practice of aggression and the use of legal and illegal drugs, a family history marked by violence and the lack of knowledge of the Maria da Penha Law. Keywords: Violence.,Gender. Family. Maria da Penha Law.

Page 11: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ FACULDADE … O JOSE DO PE… · Eles me deram força e suporte para superar. Ao meu esposo, Marcus Fábio, pelo seu carinho, colaboração, paciência,

LISTA DE SIGLAS

NUAH - Núcleo de Atendimento ao Homem

DDM - Delegacia de Defesa da Mulher

IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

SUS - Sistema Único de Saúde

CPI - Comissão Parlamentar de Inquérito

PNAS - Política Nacional de Assistência Social

CNJ - Conselho Nacional de Justiça

DEPEN - Departamento Penitenciário Nacional

SEJUS - Secretaria de Justiça do Estado do Ceará

AA - Alcoólatras Anônimos

Page 12: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ FACULDADE … O JOSE DO PE… · Eles me deram força e suporte para superar. Ao meu esposo, Marcus Fábio, pelo seu carinho, colaboração, paciência,

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 11

2 CAPÍTULO 1 – A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER: PERSPECTIVAS

TEÓRICAS ........................................................................................................... 17

2.1 A Violência na Contemporaneidade ................................................................ 17

2.2 As Relações de Gênero em Destaque ............................................................. 26

2.3 A Família na Sociedade: Velhos e Novos Arranjos ........................................ 35

2.4 A Lei Maria da Penha ........................................................................................ 40

3 CAPÍTULO 2 - PERCURSOS METODOLÓGICOS ............................................... 47

3.1 Definição da Metodologia ................................................................................. 47

3.2 Aproximações com o Tema e o Campo da Pesquisa ..................................... 52

3.3 Campo da Pesquisa: Núcleo de Atendimento ao Homem (NUAH) ............... 58

3.3.1 Perfil biográfico dos entrevistados .................................................................... 60

4 CAPÍTULO 3 – PERCEPÇÕES E IMAGINÁRIOS DE HOMENS EM

SITUAÇÃO DE VIOLÊNCIA ................................................................................ 63

4.1 Cenários e Personagens: as Entrevistas no NUAH........................................ 63

4.2 Diferentes Versões e Discursos ....................................................................... 65

4.2.1 O uso de álcool e outras drogas ....................................................................... 66

4.2.2 Relacionamento com a Família ........................................................................ 67

4.2.3 Memórias da juventude ..... …………………………………………………………68

4.2.4 Percepção da violência .................................................................................... 69

4.2.5 O Conhecimento e usos da Lei Maria da Penha .............................................. 71

4.3 Análise do Grupo Focal .................................................................................... 72

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................... 76

REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 78

APÊNDICES ............................................................................................................. 82

Page 13: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ FACULDADE … O JOSE DO PE… · Eles me deram força e suporte para superar. Ao meu esposo, Marcus Fábio, pelo seu carinho, colaboração, paciência,

11

1 INTRODUÇÃO

Esse trabalho insere-se na temática da violência contra a mulher e

consiste em compreender as percepções de masculinidade, família, relações

de gênero e a Lei 11.340/06 (conhecida como lei Maria da Penha) dos homens

inseridos em contexto de violência doméstica, residentes na cidade de

Fortaleza-CE e que praticaram atos de violência contra suas companheiras.

Esses homens estão cumprindo pena pela Lei Maria da Penha, sendo que uma

das sanções consiste na participação em grupos de reflexão.

Diálogo acerca dos homens em situação de violência, tendo como

objetivo geral a compreensão das suas ações que envolvem diferentes

modalidades de violência. Os objetivos específicos dessa pesquisa consistem

na discussão sobre a violência nos relacionamentos conjugais que serão

analisados; buscar traçar um perfil biográfico desses homens (escolaridade,

faixa etária, dentre outros fatores); verificar a lógica da ressocialização desses

homens, enfocando o seu atendimento no NUAH (Núcleo de Atendimento ao

Homem).

Tomando como hipóteses iniciais de trabalho: a verificação da

suposta relação entre violência e uso de drogas (lícitas e ilícitas), se o casal

passou por alguma crise conjugal, a vinculação entre violência, ciúme e traição,

a história familiar e socialização desses personagens e a influência da cultura e

do patriarcalismo nordestinos, ou seja, como esses atores constroem

representações sociais sobre seu comportamento.

O campo de pesquisa foi realizado no NUAH (Núcleo de

Atendimento ao Homem), que está inserido no Fórum Clóvis Beviláqua, situado

na avenida Des. Floriano Benevides, 220, Água Fria, Fortaleza-Ce. De acordo

com as entrevistas, que eram realizadas nessa instituição de atendimento;

refletem-se quais fatores influenciaram os homens a cometerem violência

contra suas companheiras na cidade de Fortaleza?

O tema de pesquisa que mais me instigava e chamava atenção era

a violência contra a mulher, tendo oportunidade e curiosidade de realizar

trabalhos de campo, individuais e em equipes, debates abordando questões

pertinentes ao tema e participando de palestras. Na Semana do Serviço Social

da FAC, ocorrida em 2012, houve um mini-curso voltado para essa temática,

Page 14: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ FACULDADE … O JOSE DO PE… · Eles me deram força e suporte para superar. Ao meu esposo, Marcus Fábio, pelo seu carinho, colaboração, paciência,

12

dialogando inclusive com os estudos sobre os direitos humanos. Na disciplina

de Questão Social, ofertada no 7º semestre, tive a oportunidade de apresentar

um seminário envolvendo a violência contra a mulher. No mesmo período

dessa disciplina estava construindo o meu projeto de pesquisa, facilitando

dessa forma a delimitação do objeto de pesquisa.

Outro fenômeno que também contribuiu para a escolha foi o

acompanhamento dessa realidade a partir das notícias na imprensa,

reportagens publicadas em 2014, revelam a dimensão do fenômeno; o jornal O

Povo publicou no seu caderno cotidiano uma matéria fazendo um balanço

sobre a redução no número de denúncias sobre violência contra a mulher,

ressaltando, nesse sentido o Ceará é um dos estados em que as mulheres

menos denunciam seus companheiros, contudo, a sociedade não está alheia a

essa problemática; em reportagem do jornal Diário do Nordeste, publicado no

caderno regional, destaca-se a mobilização dos movimentos feministas do

Cariri para combater essa modalidade de violência, extremamente regular

nessa região do Ceará1.

Frequentemente assistia aos programas policiais e ficava indignada

com a repercussão de casos envolvendo violência contra a mulher e nesse

momento me questionava: Por que esse fenômeno ainda persiste em pleno

século XXI? Quando as mulheres já conquistaram espaços nos mais diferentes

setores da economia e da política.

Além desses fatores de ordem acadêmica, soma-se a minha

experiência pessoal, pois também fui vítima de violência moral por parte do

meu companheiro; fato ocorrido em 1998 e que, apesar de ter repercutido na

minha vida, não sabia dimensionar as consequências desses atos, pois me

encontrava na adolescência (ETAYO, 2010). Nesse momento esse tema,

apesar de ocorrer a séculos em todas as regiões do país, não era

frequentemente discutido na sociedade brasileira. Somente em 2006 o cenário

passa por transformações sobre a percepção do problema e uma onda de

debates ganha o país.

1 Jornal O Povo, 07/08/2014, disponível em:

http://www.opovo.com.br/app/opovo/cotidiano/2014/04/29/noticiasjornalcotidiano,3243053/ce-e-o-2-estad-com-menos-denuncias-d-violencia-contra-mulher.shtml; Diário do Nordeste, 10/07/2014, disponível em: http://diariodonordeste.verdesmares.com.br/cadernos/regional/ato-publico-em-juazeiro-alerta-para-indices-de-violencia-contra-a-mulher-1.1054904.

Page 15: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ FACULDADE … O JOSE DO PE… · Eles me deram força e suporte para superar. Ao meu esposo, Marcus Fábio, pelo seu carinho, colaboração, paciência,

13

Nunca presenciei nenhuma agressão no âmbito familiar, pois havia

um respeito mútuo entre meus pais. Uma família tradicional do século XX,

formada por um pai, o provedor do lar e a mãe, cuidadora da casa e dos filhos.

Tenho duas irmãs e um irmão, sendo notória a socialização familiar entre os

papéis feminino e masculino, as tarefas femininas eram relacionadas,

geralmente, aos serviços domésticos e a masculina, focava em acompanhar o

pai em sua jornada de trabalho, visando prover recursos para o lar.

Quando já tinha decidido realizar esse estudo, mas enfocando a

compreensão das representações das vítimas, ocorreu um fato dramático em

minha família no início de 2014, quando um parente próximo (tio) cometeu um

ato de violência contra sua esposa, chegando a ser detido pelas autoridades

policiais, encontrando-se ainda respondendo ao processo. Acompanhei de

perto todo o seu caso e esses elementos me instigavam cada vez mais.

O interesse já existia, porém quando decidi tornar essa preocupação

um objeto de pesquisa para o meu trabalho de conclusão de curso fui buscar

fontes de estudos na biblioteca e na internet, além de dialogar com professores

especialistas da faculdade e com outros alunos que iriam trabalhar a temática

da violência doméstica e familiar contra a mulher na disciplina Fundamentos de

TCC.

Neste momento compreendi que já havia uma produção

considerável abordando essa temática do ponto de vista da mulher agredida.

Então me questionei: Como tratar essa temática, plenamente do meu interesse,

mas tendo um enfoque original? Daí verifiquei que o papel do homem em

situação de violência era pouco estudado no Serviço Social e na área das

Ciências Sociais. Por isso, resolvi abordar a percepção desse homem,

buscando compreender suas representações sociais acerca da violência contra

a mulher.

Esse tema é bastante contemporâneo, debatido na sociedade civil,

movimentos sociais, imprensa, Estado e Academia. O Serviço Social não está

alheio a todo esse movimento, pois o profissional da área deve estar atento e

informado sobre os elementos que constituem a violência doméstica,

principalmente porque o Assistente Social deverá participar ativamente dos

projetos de planejamento e execução das políticas públicas sobre essa

problemática.

Page 16: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ FACULDADE … O JOSE DO PE… · Eles me deram força e suporte para superar. Ao meu esposo, Marcus Fábio, pelo seu carinho, colaboração, paciência,

14

Acredito também que à medida que possamos conhecer as

representações dos sujeitos envolvidos no cenário de violência doméstica,

teremos condições de produzir ferramentas para compreender esse tipo de

comportamento e modificar a realidade. Nesse sentido a minha pesquisa busca

refletir sobre o perfil biográfico do homem que comete violência contra sua

companheira.

A importância desse estudo se faz principalmente levando em

consideração a regulamentação da Lei Maria da Penha, de número 11.340, de

7 de agosto de 2006. A Lei alterou o Código Penal Brasileiro de 1940 e

possibilitou que agressores de mulheres no âmbito doméstico ou familiar sejam

presos em flagrante ou tenham sua prisão preventiva decretada. Além disso, os

homens também não podem mais ser punidos com penas alternativas, como

acontecia anteriormente, quando os acusados tinham a possibilidade de

realizar trabalhos comunitários ou pagar fiança, como penas para esse crime,

evitando dessa forma a prisão.

Apesar de a Lei estar em vigor há oito anos, os números continuam

demonstrando crescimento nos casos de violência contra a mulher. Existe uma

polêmica sobre esse fato, alguns argumentam que a Lei é ineficaz nessa

expressão da questão social, contudo, especialistas afirmam que a lei trouxe

uma maior conscientização das mulheres através das campanhas e

publicização na imprensa tendo, consequentemente, ampliado o número de

denúncias.

No Ceará, o número de denúncias de violência doméstica gera cerca

de 400 processos por mês. Érica Samires, da Delegacia de Defesa da Mulher

(DDM), afirma que o número de denúncias sobre violência doméstica só tem

aumentado com o passar do tempo2. Ela explica que a violência é a mesma e

que o aumento de denúncias significa que as mulheres estão com mais

coragem e dando mais credibilidade à Lei Maria da Penha.

Segundo Érica, por mês são registradas em média mil denúncias.

“Os casos se repetem. São geralmente crimes de ameaça, injúria e lesão

corporal”. Além disso, ela ressaltou que as medidas protetivas, como o

2 Mesmo com mil denúncias por mês, não há ninguém preso por violência contra a mulher no

Ceará. Disponível em: <http://tribunadoceara.uol.com.br/noticias/tag/violencia-contra-a-mulher/>. Acesso em: 27 mar. 2014.

Page 17: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ FACULDADE … O JOSE DO PE… · Eles me deram força e suporte para superar. Ao meu esposo, Marcus Fábio, pelo seu carinho, colaboração, paciência,

15

afastamento do parceiro, podem ser solicitadas a partir do registro do Boletim

de Ocorrência. Além dessa medida, a Lei Maria da Penha estipula outras

medidas, como: proibição do agressor de contatar com a vítima e com seus

familiares, obrigação do agressor de dar pensão alimentícia provisional ou

alimentos provisórios, além de medidas que visem à proteção do patrimônio.

A juíza Rosa Mendonça, do Juizado de Violência Contra a Mulher,

afirmou que muitas vezes a própria vítima demanda a suspensão ou

arquivamento do processo, não dando continuidade ou provas suficientes para

se chegar a uma audiência. Segundo a delegada Érica, as denúncias de

ameaça e injúria necessitam de representação criminal, após o registro do BO,

“A mulher tem seis meses, a partir do dia do registro, para representar

criminalmente a denúncia. Se ela não procurar, infelizmente a demanda é

prejudicada”. Ela ainda explicou que isso não acontece com os crimes de lesão

corporal, já que mesmo que a mulher não se apresente na delegacia, em caso

de denúncia, ela e o agressor são notificados e, a partir daí, é instaurado um

inquérito policial.

Segundo dados disponibilizados no portal da Secretaria de

Segurança Pública e Defesa Social do Ceará, a taxa de registros na Central de

Atendimento à Mulher alcançou 140,85 denúncias por 100 mil mulheres no

Ceará durante o primeiro semestre de 2013, dados confirmados pela Secretaria

de Políticas Públicas para as Mulheres. Em comparação ao mesmo período de

2012, houve queda de 18,86%, quando a taxa foi de 173,58 denúncias.

Segundo a coordenadora da Central de Atendimento à Mulher,

Clarissa Carvalho, essa redução está relacionada à falta de campanhas sobre

o tema. “A gente percebe que qualquer campanha e divulgação aumentam as

denúncias quando acontecem e depois (quando acabam) os índices voltam a

diminuir. A gente concluiu que essas campanhas precisam ser

constantes”.3Mesmo com a diminuição de denúncias, a coordenadora destaca

que 53% dos municípios cearenses registraram alguma denúncia, ou seja,

embora a intensidade das ligações tenha diminuído, percebe-se que o serviço

não está limitado a capital cearense.

3 Ligue 180: denúncias de violências contra a mulher no Ceará caem. Disponível em:

http://tribunadoceara.uol.com.br/noticias/ceara/ligue-180-denuncias-de-violencia-contra-a-mulher-no-ceara-caem/. Acesso em: 27.03.2014

Page 18: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ FACULDADE … O JOSE DO PE… · Eles me deram força e suporte para superar. Ao meu esposo, Marcus Fábio, pelo seu carinho, colaboração, paciência,

16

Esse panorama indica a importância de tentar compreender a lógica

dos relacionamentos mediados pela violência e algumas questões se colocam

como pertinentes: Por que as mulheres violentadas não dão continuidade aos

processos? Quais os motivos da redução do número de denúncias no Ceará?

Nesse sentido, desvendar a percepção do homem sobre esses atos poderá

esclarecer em parte a natureza e manutenção dessas relações.

Inicialmente, no primeiro capítulo, discutirei as principais referências

teóricas da minha pesquisa, que está centrada em textos e autores

relacionados às seguintes categorias de análise: família, violência e gênero.

Nesse sentido, farei um diálogo com autores como Pierre Bourdieu, Mary Del

Priori, Saffioti, Socorro Osterne, Adriana Piscitelli, Francis Emanuele entre

outros.

No segundo capítulo, de ordem metodológica, apresentarei as

minhas estratégias e técnicas de pesquisa, bem como os percursos, caminhos

e descaminhos enfrentados, destacando a contextualização do meu campo de

pesquisa, no caso o NUAH e apresentando o perfil dos entrevistados. No

terceiro capítulo encontra-se os elementos presentes na pesquisa de campo,

com destaque para as entrevistas, grupo focal, documentos e dados. Por fim,

nas considerações finais, farei um apanhado geral do trabalho, refletindo sobre

os principais resultados e lacunas.

Page 19: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ FACULDADE … O JOSE DO PE… · Eles me deram força e suporte para superar. Ao meu esposo, Marcus Fábio, pelo seu carinho, colaboração, paciência,

17

2 CAPÍTULO 1 – A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER: PERSPECTIVAS TEÓRICAS

Nesse capítulo faço uma discussão teórica utilizando as categorias

violência, gênero e família, além de apresentar uma análise sobre a Lei Maria

da Penha, centrais para compreensão do meu objeto de estudo. A importância

desse debate reside na contextualização da violência e das relações de gênero

no Brasil, assim ressalto que a percepção dos homens está extremamente

relacionada com a cultura vivenciada em seu país e mais particularmente na

região Nordeste.

2.1 A Violência na Contemporaneidade

O termo violência remete a diversas reflexões e definições. Segundo

o dicionário Houaiss:

Qualidade do que é violento, ação ou ato de violentar, de empregar a força física (contra alguém ou algo) ou intimidação moral contra alguém; exercício injusto ou discricionário; força súbita que se faz sentir com intensidade; fúria, veemência; constrangimento físico ou moral exercido sobre alguém para obrigá-lo a submeter-se a vontade de outrem (HOUAISS, 2001, p. 2886)

A violência está presente no cotidiano das pessoas, segundo Odália,

(2004) esse fenômeno hoje faz parte do mundo dos indivíduos, sendo eles

autores da violência doméstica. Presente tanto nos lugarejos e povoados, bem

como nas maiores metrópoles, acarretando assim a violação de segurança na

vida dos cidadãos, portanto, tiveram que modificar as estruturas de seus lares,

tirando a beleza das fachadas e priorizando a segurança por conseqüência da

violência.

A violência não escolhe local, portanto reflete-se diretamente nos

lugares mais sofisticados, mas também nas periferias com maior intensidade.

Não quer dizer que nas classes com maior poder aquisitivo não exista

violência, contudo, esses fatos se tornam invisíveis, pois não contam com a

cobertura sistemática da imprensa. Indivíduos situados no topo da pirâmide

social possuem estratégias para driblar a publicização dos seus feitos,

Page 20: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ FACULDADE … O JOSE DO PE… · Eles me deram força e suporte para superar. Ao meu esposo, Marcus Fábio, pelo seu carinho, colaboração, paciência,

18

construindo um imaginário em que somente os atores das classes mais pobres

cometeriam atos ilícitos.

Devemos lembrar que a violência quase nunca está sozinha,

partindo da reflexão que esses atos devem ser vistos numa perspectiva

relacional (BOURDIEU, 1989), entender o que motiva o grupo ou o indivíduo a

cometer uma ação violenta, sabendo que esta é formada por uma série de

elementos complexos, nunca podendo ser examinada isoladamente. Segundo

o sociólogo francês, ao pesquisarmos esses conflitos, devemos levar em

consideração: contextos, práticas, histórias de vida e a percepção da

sociedade ao longo do tempo sobre o problema.

Etayo (2010) afirma que a violência está presente nos momentos de

formação de grupos dentro de uma sociedade, segundo a autora, os atos de

violência são potencializados quando os indivíduos se agrupam, assim ocorre,

por exemplo, em torcidas de futebol, formação de quadrilhas, bullying e vários

tipos de assédio. Esses processos sociais, muito estudados pela sociologia,

principalmente Durkheim (2002), apontam a importância de se compreender a

força da coerção social sobre os comportamentos. A coerção não é

determinante para os atos de violência, mas certamente influencia a sua

prática.

De acordo com Minayo & Sousa (1998), a desigualdade social e a

miséria, historicamente são fatores que potencializam a violência. No Brasil,

marcado por enormes disparidades de renda e oportunidades, muitas vezes

contextos em que há redução de gastos sociais, onde políticas públicas são

deficitárias, ou seja, apesar de implementadas e amparadas por lei, não

conseguem atingir determinados públicos e setores da sociedade. Nesse

sentido, considerando um cenário de ausências profundas, algumas pessoas

acabam se inserindo em atos ilícitos e de violência. Vale salientar novamente

que não devemos relacionar de forma superficial violência à pobreza. A

realidade brasileira demonstra que esse fenômeno está presente em todas as

classes sociais.

No final do século XX, a violência se tornou mais visível aos olhos da

sociedade. É um tema muito debatido pelas duas esferas: Estado e sociedade

civil. Ambas estão constantemente discutindo e abordando estratégias para

combater essa violência cada vez mais apresentando números alarmantes.

Page 21: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ FACULDADE … O JOSE DO PE… · Eles me deram força e suporte para superar. Ao meu esposo, Marcus Fábio, pelo seu carinho, colaboração, paciência,

19

Basta dizer que, segundo o IBGE (2010), a taxa de homicídios no Brasil gira

em torno de 45 mil mortos por ano, números que vêm crescendo

constantemente desde a década de 1990. Podemos compreender através

desses dados que a violência é uma ação ou uma prática destrutiva e que se

configura como um método de não resolução de conflitos, ou seja, quando a

vitima sofre uma violência, independente do tipo de prática, as sequelas são

inevitáveis. Segundo Saffioti: “a violência é uma ruptura de qualquer forma de

integridade da vitima: integridade física, integridade psíquica, integridade

sexual, integridade moral” (2004, p. 17).

Apesar de o Brasil ter progredido economicamente nas últimas

décadas, se encontrando entre as dez nações mais ricas do planeta, o país

ainda é um terreno fértil para as desigualdades sociais: faltam oportunidades

para a população como um todo; educação de qualidade no Ensino

Fundamental, qualificação profissional para os jovens, inserção no mercado de

trabalho, precarização da saúde pública, valorização dos idosos e ampliação

do mercado informal

Nesse cenário a violência acaba sendo reconhecida como uma

manifestação da questão social e um meio de resolução de conflitos. Vale

lembrar que vivemos numa sociedade capitalista, fortemente neoliberal; um

modelo civilizacional baseado no consumo. Ressaltando que a violência existe

desde o momento que o homem passou a viver em comunidade, destacando-

se a dominação masculina (BAUER, 2001).

Seguindo esse contexto, Maria Cecília Minayo (2009) descreve o

masculino ritualizado como lugar da ação, da decisão, da chefia, da rede de

relações familiares e da paternidade como sinônimo de provimento material. O

homem incorporou uma educação histórica no que se refere a relações de

poder, a ele é atribuído este papel e com essa autoridade exacerbada é

refletida na sociedade contemporânea, com alto índice de violência familiar,

que produz dados alarmantes de mulheres que sofrem agressões: “atualmente,

a cada minuto quatro mulheres são espancadas no Brasil. Existe no país o

registro de dois milhões de casos de violência doméstica e familiar por ano”

(ARRUDA, 2007, p. 6).

Para Saffioti (2008) é imprescindível fazer a distinção entre violência

e poder. A violência é uma ação realizada e nunca esquecida, enquanto o

Page 22: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ FACULDADE … O JOSE DO PE… · Eles me deram força e suporte para superar. Ao meu esposo, Marcus Fábio, pelo seu carinho, colaboração, paciência,

20

poder, inspirando-se em Foucault (1981), circula em diferentes direções e para

atores diversos, em constante movimento. Assim, “o homem não pode ter o

poder sobre a mulher porque ela questiona, se posiciona em determinadas

situações (FOUCALT, 1981, p. 183). Para ilustrar essa ideia vamos recorrer a

uma situação recorrente entre casais: o homem ao chegar exige o seu jantar, a

mulher, por sua vez, contando com seus motivos, questiona a exigência do

companheiro.Dessa forma:

O poder corresponde a habilidade humana, não apenas para agir, mas para agir em conserto. O poder nunca é propriedade de um individuo; pertence a um grupo e permanece em existência apenas na medida em que o grupo conserva-se unido (SAFFIOTI, 2008, p. 36).

Refletindo sobre a prática de violência chegamos a discussão sobre

a modalidade doméstica desse fenômeno, apresentada de forma brilhante nas

Convenções de Belém do Pará, 1994:

Violência doméstica e familiar que é a ação ou omissão que ocorre no espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive, as esporadicamente agregadas. É aquela praticada por membros de uma mesma família. Vale lembrar que a família fica entendida com indivíduos que são ou se consideram parentes, unidos por laços naturais ou por afinidade (...).

Na maioria dos casos o homem é o autor de violência, isto não quer

dizer que a mulher não pratique violência, pois apesar de existirem poucos

casos em que as mulheres são sujeitas ativas do crime, quase sempre

aparecem como vitimas da violência doméstica. Geralmente o autor dessa

violência doméstica é o homem que manteve relação afetiva íntima com a

vítima. Segundo o Painel SUS 2007, 63% das violências contra pessoas

adultas ocorreram dentro da residência; 30% das violências contra pessoas

adultas foram praticadas pelo cônjuge e 11% pelo ex-cônjuge (BRASIL, 2007).

De acordo com a Convenção de Belém do Pará (1994), o homem

como autor da violência pode ser qualquer tipo de homem, independente de

classe, raça, etnia, instrução escolar e idade. Porém, em maioria absoluta os

que mais violentam as mulheres são geralmente aqueles em que não recai a

menor suspeita. Isso ocorre pela dificuldade em associar a violência com o

perfil de homem com mais escolaridade, poder aquisitivo e respeitabilidade.

Page 23: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ FACULDADE … O JOSE DO PE… · Eles me deram força e suporte para superar. Ao meu esposo, Marcus Fábio, pelo seu carinho, colaboração, paciência,

21

Essa visão acabou sendo construída pela mídia. Dificultando, dessa forma, a

vitima4 buscar os seus direitos.

Assim refletem-se algumas características que influenciam o homem

a praticar violência. Com frequência esses homens são filhos de pais

excessivamente autoritários e eles próprios foram vítimas de violência física na

infância. Essa característica pertence ao relatório final da CPI que investigou

esses dados (BRASIL, 1994). Outras características importantes referem-se ao

fato do homem não assumir sua prática e, em muitos casos, atribuir à mulher a

culpa do conflito.

As vítimas de violência física, moral, psicológica, ou sexuais tendem

a uma probabilidade maior de reproduzir os atos que lhe foram cometidos. Os

cientistas explicam que esses atos de reproduzir a violência sofrida é uma

estratégia de amenizar seu sofrimento. Não quer dizer que todo indivíduo que

sofre uma violência passe a ser violento.

Por isso a importância da criança não presenciar atos agressivos,

não participar dos conflitos vividos pelos adultos, evitando assim que esses

seres em formação não assimilem e naturalizem os atos vistos em seu

cotidiano. Segundo Gomes e Freire (2005), em pesquisa sobre homens que

praticaram violência, esse fenômeno tem estado presente na vida dos

entrevistados, influenciando a construção da identidade masculina; a violência

entre os seus pais também se fez presente no dia a dia.

O presente estudo permitiu identificar os elementos que interferem

na construção da identidade de homens que violentam suas companheiras e,

desta forma, perceber que o fenômeno da violência conjugal não pode ser visto

simplesmente como o homem agressor e a mulher vítima, mas sim como um

problema cujo relacionamento familiar foi marcado pela ausência de diálogo e

agressões físicas, o que caracteriza relações da violência. Outro elemento que

incide sobre a violência é o uso do álcool e outras drogas. Vale ressaltar que o

álcool e drogas não causam a violência, mas potencializa.

Estudo realizado pelos autores (FURTADO & MÉLLO, 2010) na

Delegacia de Defesa da Mulher, Associação de Alcoólicos Anônimos e no

4. De acordo com o Sistema Penal Brasileiro, a palavra vítima vem do latim victima, que

significa a pessoa ou animal sacrificado ou destinado aos sacrifícios, como pedido de perdão dos pecados humanos.

Page 24: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ FACULDADE … O JOSE DO PE… · Eles me deram força e suporte para superar. Ao meu esposo, Marcus Fábio, pelo seu carinho, colaboração, paciência,

22

Juizado de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher. Nas três

instituições de pesquisa foram realizadas diversas abordagens com os homens

que, através dos seus relatos, mencionaram o uso de álcool ou outras drogas e

que essa prática os levou a cometer alguma violência contra suas esposas.

Porém a juíza Rosa Mendonça explicou que o álcool não é a causa da

violência, por que existem homens que bebem e não batem e existem homens

que batem e não bebem. Esse fato não pode ser visto como o único fator, pois

sabemos que a violência é histórica, o álcool e as drogas se mostram

presentes em relatos, porém devem ser avaliados outros fatores como a

dominação masculina e a cultura machista vivida no Nordeste.

A partir da década de 1930 até meados de 1970, as mulheres

participaram efetivamente dos movimentos sociais lutando pela

redemocratização do Brasil. A partir da década de 1970 a luta foi contra a

discriminação da mulher. A década de 1980 foi marcada pelos avanços no

combate à publicização da violência contra a mulher e a constituição federal de

1988 onde os movimentos feministas se mostraram presente para lutar pelos

direitos da mulher (VASCONCELOS, 2013).

Através das lutas e dos movimentos a mulher tem se destacado em

uma sociedade repleta de preconceitos, os resultados foram vistos de forma

positiva e satisfatória, embora se saiba que muitos desafios estão postos. É um

grito contra a injustiça e a impunidade. Desde então a mulher vem ocupando

espaços, antes só ocupados por homens, não só relacionados às profissões,

mas também no âmbito público e privado. A mulher busca se destacar e

alcançar a sua valorização. Podemos dizer que há vinte anos os filhos ficavam

obrigatoriamente aos cuidados da mãe enquanto o pai era o único provedor do

lar. Percebemos então que hoje a realidade é outra, pois é visível que

atualmente os filhos do casal são cuidados por terceiros. Contudo, o mercado

se aproveita dessa necessidade, sendo crescente o número de creches ou

escolas em períodos integrais para os cuidados diários das crianças.

A Constituição de 1988 afirma que a família é a base da sociedade e

tem especial proteção do Estado; nessa linha os direitos e deveres referentes à

sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher (Art.

226). Contudo, apesar dessas convenções e dispositivos constitucionais a

violência contra a mulher não foi reduzida. Sabendo dessa realidade, uma série

Page 25: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ FACULDADE … O JOSE DO PE… · Eles me deram força e suporte para superar. Ao meu esposo, Marcus Fábio, pelo seu carinho, colaboração, paciência,

23

de movimentos sociais, associações, partidos e entidades de classes

encaparam a ideia de criminalizar essa violência. Foi assim que, em 2006

surgiu a Lei Maria da Penha.

Após muitos anos de casamento e conflitos, uma cearense chamada

Maria da Penha, sofreu duas tentativas de homicídios do seu marido. Esse fato

a fez lutar incessantemente pela efetivação dos seus direitos até que, em 2006,

foi sancionada, pelo presidente Luís Inácio Lula da Silva, após uma longa

trajetória, com objetivo de solucionar ou minimizar os sofrimentos das vítimas.

A violência física é a mais conhecida, referindo-se ao ato, por parte

do homem que fere a integridade física ou a saúde da mulher de forma visível.

De acordo com a Convenção de Violência de Belém (1994), a violência física

se expressa através de tapas, chutes, socos, queimaduras, mordeduras,

punhaladas, estrangulamentos, mutilação genital, tortura e assassinato.

É uma situação constrangedora para a mulher, porque ela causa dor

física e expõe muito a vítima, pois na maioria dos casos as mulheres são

agredidas nos lugares mais visíveis do seu corpo, como a face, braços e

pernas. É comum ouvir das vitimas que sofrem violência física a intenção de

não expor a si nem aos seus familiares, principalmente, porque elas

consideram que estão inseridas numa instituição sagrada: a família5.

A violência psicológica é a ação ou omissão destinada a degradar ou

controlar as ações, comportamentos, crenças e decisões de outra pessoa

(BRASIL, 1994). O casal tende a passar por um ciclo de violência que pode se

iniciar principalmente com uma agressão psicológica ou moral (humilhações,

ridicularizações, perseguições, insultos, ameaças, constrangimentos,

chantagens e exploração). Contudo, deixa marcas na esfera sentimental e

pode ser escondida e não declarada a sociedade. Dessa forma:

O ciclo da violência é composto por três fases: a primeira é a construção da tensão no relacionamento (agressões verbais, crises de ciúmes, ameaças, destruições de objetos etc.) Na segunda fase é o descontrole e destruição (marcada por agressões agudas, quando acontecem os ataques mais graves). E, por fim, a terceira fase (o arrependimento ou Lua-de-mel), quando o autor da violência demonstra remorso, pois ele ou ela tem medo de perder o

5 .Essas informações foram extraídas de uma pesquisa, ocorrida no primeiro semestre de 2014

para a disciplina Movimentos Sociais. A investigação consistiu em visitas à delegacia da mulher de Fortaleza, onde tive oportunidade de dialogar com várias vítimas que estavam sendo atendidas naquela instituição.

Page 26: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ FACULDADE … O JOSE DO PE… · Eles me deram força e suporte para superar. Ao meu esposo, Marcus Fábio, pelo seu carinho, colaboração, paciência,

24

companheiro. (SOARES, 2005). Dessa forma: Contudo, antes que ocorra o crime é possível identificar no cotidiano do casal o chamado ciclo de violência, que se repete sucessivamente. O nível da tensão na relação vai aumentando gradativamente, até que fique insuportável, e então, por um motivo aparentemente banal, o homem explode agredindo violentamente a companheira. Esta, como forma de retaliação, frequentemente sai de casa, mas acaba sempre voltando em função dos insistentes rogos do marido, que, arrependido, promete-lhe que nunca mais acontecerá de novo. Por um certo tempo, movido pela culpa e pelo medo de perdê-la, ele “veste pele de cordeiro”, e consegue fazer o papel do bom marido, mas, à medida que a tensão começa a se acumular novamente, fica muito difícil desempenhar este papel, até que há outra explosão e outra explosão e o ciclo de repete (BRAGHINI, 2000, p.19).

Por violência moral consiste no assédio moral, geralmente onde o

patrão ou chefe agride física ou psicologicamente seus funcionários com

palavras, gestos ou ações, sendo considerada qualquer conduta que configure

calúnia, difamação e injúria (BRASIL, 1994). A mulher que sofre esse tipo de

violência sendo o autor o marido, companheiro, namorado, podendo ser

inclusive, mantida em sigilo, nem sempre precisa expor seus constrangimentos

a sociedade.

A violência sexual também está presente entre os casais, se

referindo ao homem que obriga a mulher a presenciar, manter ou participar de

relação sexual não desejada ou que impeça a utilização de métodos

contraceptivos (camisinhas, tabelas e outros) (BRASIL, 1994). Entre todas as

violências, a menos discutida, porém muito frequente, é a violência patrimonial,

aquela praticada contra o patrimônio da mulher, sendo muito comum nos casos

de violência doméstica e familiar, envolve a retenção, subtração, destruição de

objetos da mulher, objetos de trabalho, bens, valores e recursos econômicos

(BRASIL, 1994).

É interessante notar os discursos articulados pelas vítimas para

justificar hematomas e escoriações, são palavras que deixam explícito uma

série de medos, vergonha e frustração e expõe toda a complexidade de

representações dessa problemática: “levei uma queda na escada”, “foi uma

tentativa de assalto”, “topei na calçada”, “me cortei acidentalmente enquanto

preparava o almoço”.6A mulher tenta resguardar sua estrutura familiar para que

não haja separação.

6. Como já foi dito anteriormente, realizei várias visitas à delegacia da mulher de Fortaleza, pois

tinha interesse na temática, fato que possibilitou o contato com essas mulheres, também contei

Page 27: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ FACULDADE … O JOSE DO PE… · Eles me deram força e suporte para superar. Ao meu esposo, Marcus Fábio, pelo seu carinho, colaboração, paciência,

25

Daí a importância de instituições de apoio à mulher, como as

delegacias especializadas. Esses estabelecimentos representaram um avanço

igualitário para as mulheres, expressando a participação política para a defesa

de um grupo historicamente reprimido e discriminado, porém, ainda era preciso

avançar bastante no tocante às legislações.

Apesar das primeiras delegacias de atendimento específicos para as

mulheres terem sido criadas no ano de 1985, devemos estar cientes de que as

legislações naquela época não estavam voltadas para a violência contra a

mulher. Esses espaços possibilitam o encaminhamento pelos profissionais que

compõem as equipes multidisciplinares, oferecendo medidas para viabilizar

uma situação de conforto psicológico, segurança; saber que tem a justiça para

lhe apoiar. De acordo com Saffioti a violência doméstica:

Acontece numa relação afetiva, cuja ruptura, na maioria das vezes, exige intervenção externa. Dificilmente uma mulher consegue se desligar de um homem violento sem ajuda externa. Até que isso possa ocorrer, desenvolve-se uma trajetória oscilante, entre saídas e retorno à relação conflitante (SAFFIOTI, 2008, p. 54)

Também se destaca a necessidade de campanhas educativas e de

conscientização, através de palestras, debates, diálogos, conferências, são

caminhos e estratégias que tem o objetivo de propiciar paras as mulheres de

uma forma geral a se libertarem dessa violência e assim, consequentemente,

diminuir os números de agressões, presentes em todas as partes do mundo,

pois nada adianta ter uma infraestrutura de atendimento se a mulher não faz

valer seus direitos.

Vale ressaltar que os governos, em suas políticas públicas, não

traçam estratégias que tenham como objetivo trabalhar o comportamento do

homem, desmistificando essa dominação masculina; campanhas que poderiam

ter início logo nas escolas, para formar cidadãos mais conscientes e portadores

de uma visão menos opressora e preconceituosa.

Com a aprovação da Lei Maria da Penha inúmeros debates e

projetos foram pensados com o propósito de prevenir, coibir e punir a violência

doméstica entre casais. O caráter de enfrentamento ao fenômeno da violência

com as informações da equipe multidisciplinar (Assistentes Sociais e Psicólogos), que relatou esse tipo de discurso.

Page 28: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ FACULDADE … O JOSE DO PE… · Eles me deram força e suporte para superar. Ao meu esposo, Marcus Fábio, pelo seu carinho, colaboração, paciência,

26

contra a mulher atinge mais fortemente o campo das lutas sociais. A sociedade

tem o papel de extrema importância no combate a essa violência que se

estende para as famílias, gerando conflitos na vida conjugal.

Seguindo esse contexto, o Serviço Social na contemporaneidade é

preciso refletir acerca das características atuais que foram atribuídas a

profissão. Esses são fatores históricos que levaram o profissional a construir,

reconstruir e desconstruir valores, aproximar-se e afastar-se de determinadas

teorias ou correntes, transformar e transformar-se simultaneamente

(OLIVEIRA, 2010). Uma dessas ações de reflexão foi realizada em 2004,

quando o Governo Federal deu um importante passo ao realizar a I

Conferência Nacional de Políticas Públicas para as Mulheres na cidade de

Brasília. Esta conferência reuniu cerca de 120 mil mulheres de todo o Brasil

tornando um marco relevante para a afirmação dos direitos das mulheres.

Neste encontro as mulheres apresentaram propostas para elaboração do Plano

Nacional de Políticas Públicas para as Mulheres, que expressou como principal

objetivo assegurar o direito das mulheres, afirmando-as como cidadãs.

2.2 As Relações de Gênero em Destaque

A discussão da categoria gênero é bastante complexa, e, por isso,

ao abordarmos o referente termo, procuramos chamar atenção para o

significado da representação social do ser homem e ser mulher, dos valores

que a sociedade atribui aos termos masculino e feminino, bem como fazer uma

explanação nas relações de desigualdades entre os sexos que se fizeram

presentes na sociedade desde os tempos mais remotos até os dias atuais.

De forma geral, as gramáticas normativas da Língua Portuguesa

apresentam o termo gênero como sendo a categoria flexão das palavras de

acordo com o seu sexo, ou seja, masculino e feminino. Contudo, para Teles:

A sociologia, a antropologia e outras ciências humanas lançaram mão da categoria gênero para demonstrar e sistematizar as desigualdades socioculturais existentes entre mulheres e homens, que repercutem na esfera da vida pública e privada de ambos os sexos, impondo a eles papéis sociais diferenciados que foram construídos historicamente, e criaram polos de dominação e submissão. Impõe-se o poder masculino em detrimento dos direitos das mulheres,

Page 29: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ FACULDADE … O JOSE DO PE… · Eles me deram força e suporte para superar. Ao meu esposo, Marcus Fábio, pelo seu carinho, colaboração, paciência,

27

subordinando-as às necessidades pessoais e políticas dos homens, tornando-as dependentes (TELES, 2002, p. 16)

Dentro desse contexto, no Brasil, as discussões sobre gênero

ganham ênfase a partir de 1980. Entre as obras publicadas nesse período,

destacou-se o artigo de título: Gênero: uma categoria útil para a análise

histórica, da historiadora Joan Scott (1989), que até os dias atuais serve de

referência para que estudiosos que desejam explorar o assunto. Nessa mesma

linha de discussão Georges Boris relata:

Que os primeiros especialistas dos estudos do homem – ou men´s studies concordaram com a rejeição à ideia de uma masculinidade única, contestando o papel principal da biologia e dedicando-se a defender a multiplicidade humana: portanto não existe um modelo masculino universal que valha para todas as épocas e culturas. (BORIS, 2000, p. 88).

A categoria gênero passa a ser discutida junto ao movimento de

mulheres, porém, não foi uma mulher quem formulou o conceito de gênero,

sendo este elaborado por Robert Stoller, no ano de 1968. Contudo, de acordo

com Saffioti (2004, p. 131-2) mesmo que não usando diretamente o vocábulo,

foi Simone de Beauvoir, na formulação de sua famosa frase “ninguém nasce

mulher, mas se torna uma mulher” que foi considerada a precursora do

conceito.

Gênero é um conjunto de normas modeladas para seres humanos,

sendo eles homens ou mulheres, é algo que é imposto pela sociedade, ou seja,

logo quando uma criança vem ao mundo esta não se distingue pelo seu

biológico e sim, mais precisamente, pelas roupas (se rosa ou azul), escolhidas

pelos pais que, por sua vez, estão reproduzindo e modelando a criança a terem

determinados traços distintos para ser homem ou mulher. Lauretins (1987)

defende que gênero são símbolos culturais inovadores de representações. E

Saffiotti (1992) diz que é uma gramática sexual, regulando não apenas

relações homem – mulher, mas também homem-homem e relação mulher-

mulher.

O termo gênero é bastante amplo, remete a diversos sentidos,

através desse estudo estamos enfatizando a espécie o gênero humano, como

se dão as relações do homem e da mulher. Para Teles e Melo (2003), gênero

Page 30: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ FACULDADE … O JOSE DO PE… · Eles me deram força e suporte para superar. Ao meu esposo, Marcus Fábio, pelo seu carinho, colaboração, paciência,

28

pode ser entendido como um instrumento, como uma lente de aumento que

facilita a percepção das desigualdades sociais e econômicas entre homens e

mulheres.

O gênero é, portanto, a diferença cultural de uma sociedade aplicada

para o sexo feminino e masculino. Mas é importante frisar que o termo gênero

não pode ser confundido com o sexo. Os indivíduos possuem características e

diferenças biológicas, anatômicas e fisiológicas, essas diferenças são dadas

pela natureza. Mulheres e homens pertencem a sexos diferentes, com isso

Saffiotti adverte:

Para o cuidado em não se originar uma dicotomia entre sexo e gênero, o primeiro situado na natureza biológica e o segundo na sociedade e na cultura. Afinal de contas não se poderia imaginar uma sexualidade biológica desvinculada do contexto social em que se exerce. Para ser mulher existe uma semelhança e atribuições para a mesma como ser dona de casa, educadora dos filhos, cuidar bem do marido, entre outros inúmeros papéis a ser seguido. (SAFFIOTI, 2007, p. 130)

O homem sempre mostrou predomínio contra a mulher em várias

sociedades ao longo da história. Tomando como referência o pensamento de

Simone de Beauvoir, a mulher, apesar das regras impostas pela sociedade,

torna-se mulher à medida que vai se articulando com essa realidade. Os

exemplos são diversos, estão no uso das cores para distinguir os sexos, nas

brincadeiras. O comércio se apropriou desse universo; é notório chegar a uma

loja de artigos infantis e encontrar estantes distintas para meninos e para

meninas. As bonecas, nesse caso, incentivam a maternidade. Há também a

aquisição de muitos objetos inseridos para estimular os afazeres domésticos,

como panelas, vassouras e fogões. Para os homens, os brinquedos remetem a

valores percebidos como da masculinidade, como a velocidade, a força, o

domínio e a liberdade, representados por carros, bolas, aviões, super-heróis e

diferentes tipos de armas.

Para entender essa relação de poder é preciso considerar o modelo

de relações socialmente construídas; podemos citar então o modelo

patriarcalista, onde a mulher está sempre no perfil de inferioridade, sujeitando-

se ao homem, que se ver ocupando um papel dominante, superior em diversas

situações. Segundo Gilberto Freyre (2005), todo o processo de colonização do

Page 31: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ FACULDADE … O JOSE DO PE… · Eles me deram força e suporte para superar. Ao meu esposo, Marcus Fábio, pelo seu carinho, colaboração, paciência,

29

Brasil seguiu esses parâmetros, em que o patriarca dominava

incontestavelmente as esferas da vida social, política e econômica, em muitos

casos, fazendo uso da força contra suas senhoras.

Segundo Saffioti (1989) a mulher, embora não seja cúmplice do

patriarca, coopera inconscientemente nessas ações. A autora apresentou como

exemplo o filho que cometeu um erro e sua mãe para puni-lo lhe deu uma

surra, mas em seguida, argumentou “quando o seu pai chegar vai ser pior”, ou

seja, mesmo sem perceber a mulher, nesses casos, está reproduzindo o poder

do pai. Por que a própria mãe como educadora em formação humana, não

pode usar ferramentas para impor limites, tendo que recorrer sempre à figura

paterna como imposição de poder? A chamada “Síndrome do pequeno poder”.

É preciso também lembrar outra atribuição do patriarcalismo, a do

homem visto como sujeito ativo da sexualidade e o sexo feminino como

passivo e objeto de desejo para satisfação masculina, dessa forma, como

lembra Bourdieu:

(...) Estende-te, e eu me deitarei sobre ti. A mulher se deitou por terra, e o homem se pôs sobre ela. E ele sentiu o mesmo prazer. E disse então a mulher: “Na fonte, és tu (quem dominas); na casa, sou eu”. No espírito do homem são sempre esses últimos propósitos que contam, e desde então os homens gostam sempre de montar sobre as mulheres. Foi assim que eles se tornaram os primeiros e são eles que devem governar. (BOURDIEU, 2012, p. 28)

Os ensinamentos da Igreja exerciam uma forte pressão nessas

famílias, na relação de homem e mulher. Segundo Mary Del Priore (2010, p.

46): “o homem era superior e tinha que exercer sua autoridade. As mulheres

eram sujeitas a seus maridos, assim como a igreja era sujeita a Cristo”. O

respeito e a obediência à figura masculina era clara; “a mulher ainda na fase da

pré-adolescência passava por um adestramento da sexualidade, tendo ela uma

educação reservada e dirigida para os afazeres domésticos, em respeito

primeiramente ao seu pai e, em seguida, ao marido” (DEL PRIORE, 2010, p.

49).

A emancipação da mulher assusta os homens, segundo Falconnet e

Lefaucheur (1997), os homens se assustam com o espaço que a mulher tem

ocupado, sendo ele na política, na família, e, principalmente, profissional. A

mulher tem se destacado e ocupado espaços que antes eram exercidos

Page 32: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ FACULDADE … O JOSE DO PE… · Eles me deram força e suporte para superar. Ao meu esposo, Marcus Fábio, pelo seu carinho, colaboração, paciência,

30

somente pelos homens, que é o caso de diretorias, militares, destaques em

empresas renomadas e até mesmo o cargo histórico que foi em 2010, com a

eleição da primeira mulher eleita para a função de presidenta (cargo máximo

da nação). Isso, de certa forma, causou um impacto na população e incômodos

para alguns. Pois a figura masculina é tão enfatizada na política que quando

inverte o sexo causa estranhamento. O sexo feminino é tão inferiorizado que o

machismo não consegue enxergar a capacidade humana, intelectual e a

articulação e estratégias que a mulher sobrepõe para alcançar seus objetivos.

Com o passar dos anos a mulher tem buscado se destacar na

sociedade, sendo cada vez mais atuante, dessa forma tem deixado de lado a

posição de dominada e tem sido mais atuante. Que são os casos onde a

mulher precisa se impor, tomar decisões, não esperar pelo homem, esses na

maioria das vezes acontecem quando a mulher é independente ou possui certa

autonomia.

A desigualdade entre o papel do homem e o papel da mulher ainda é

muito presente na sociedade contemporânea. A mulher não precisa ser igual

ou superior ao homem, ela precisa ter seu espaço, seu reconhecimento em

uma sociedade com traços e raízes extremamente machista. Falar em

igualdade de gênero, segundo Bandeira (2005), significa romper com um

universo restrito do não reconhecimento da alteridade do outro, da diferença,

para caminhar em direção ao espaço de equidade, emancipação e

pertencimento. A mulher se difere do homem em diversos fatores, não só nas

curvas anatômicas, biológicas, mas também nos seus traços, costumes,

hábitos, um traçado de um perfil feminino que não deve ser igualado. O que

deve ser defendido é a igualdade de oportunidades, essa não só nas relações

de gênero, mas também nas de classes e etnias, respeitando as identidades de

cada grupo (LISBOA, 2010).

Na relação entre o homem e a mulher, as desigualdades foram

social e historicamente construídas, levando em consideração que a mulher

também contribui para o que Bourdieu (2012) chama de dominação masculina.

Ressaltando que a mulher é a genitora e educadora desse homem, mas de

certa forma a mulher só reproduz o padrão de socialização socialmente

construído. Por mais que a mulher seja politizada, atuante, conhecedora sobre

os estudos de gênero, ela não consegue ser tão radical ao ponto de infringir

Page 33: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ FACULDADE … O JOSE DO PE… · Eles me deram força e suporte para superar. Ao meu esposo, Marcus Fábio, pelo seu carinho, colaboração, paciência,

31

esse padrão determinado, ela se vê em conflito, pois tem receios de futuros

julgamentos. Nessa perspectiva, Boris afirma que:

O mito do homem violento é antiguíssimo e a presença da violência masculina, sem dúvida, pode ser reconhecida ao longo de toda a história da humanidade. Na Grécia antiga o herói “surge aos nossos olhos externos e, sobretudo, internos como alto, forte, bonito, solerte, destemido, triunfador” nas sociedades consideradas “primitivas” ou arcaicas, a violência é descrita como um traço essencialmente masculino. (BORIS, 2000, p. 43)

De fato é muito comum ouvirmos discursos na sociedade a respeito

da socialização dos filhos e esta é feita uma caracterização, ou seja, quando a

educação do filho foi satisfatória, o pai é parabenizado, quando essa educação

é vista como uma negação esse peso se sobrecarrega na mãe, pois foi a mãe

que não soube educar, não impôs limites. O entendimento de ser mulher, ou de

ser homem, são papéis assumidos pelo gênero feminino/masculino, são

construções advindas dentro de um conjunto de ideologias construídas social e

culturalmente. De acordo com Boris:

O núcleo de identidade do gênero é a convicção de que a atribuição e seu sexo foi correta: “eu sou macho” se define antes dos dois anos de idade, e, em geral, tende a se manter ao longo da existência do homem de forma mais ou menos persistente, caso não ocorram percalços significativos. Entretanto, a trajetória da construção de um homem não é tão tranquila quanto se poderia pensar. (...) Mas não basta ter cromossomos Y e um pênis funcional para alguém se sentir homem, pois é possível crer-se masculino a despeito de muitas anomalias ou disfunções. (BORIS, 2004, p. 3)

Essa citação expõe a identidade do homem, afirmando que não é

apenas a genitália que o faz o homem, dessa forma podemos atribuir à máxima

de Simone de Beauvoir, dizendo também que o homem se torna homem ao

longo de sua vida. A masculinidade, portanto, não é natural, sendo uma

construção social e cultural também.

O menino desde criança já pode se perceber através da

socialização, do exemplo paterno, todos os reflexos masculinos vão moldando

esse ser desde pequeno até vir a ser homem, “a ser macho”. É muito comum

ouvirmos os mais velhos falarem: “homem não chora” ou “deixa de ser fresco”,

qualquer comportamento que se desvie do padrão aceitável pela sociedade,

Page 34: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ FACULDADE … O JOSE DO PE… · Eles me deram força e suporte para superar. Ao meu esposo, Marcus Fábio, pelo seu carinho, colaboração, paciência,

32

como falar com voz afeminada, logo se diz: “aprenda a ser homem”. Seguindo

nessa linha, Cecchetto destaca:

Neste sentido, emerge no contexto dos men’s studies a noção de masculinidade hegemônica como alternativa para se examinarem as relações de poder entre os sexos. A masculinidade hegemônica é definida como modelo central, o que implica considerar outros estilos como inadequados ou inferiores. Isso abre caminho para uma abordagem mais dinâmica da masculinidade: a divisão crucial entre uma masculinidade hegemônica e várias subordinadas que lhe servem de contraponto e antiparadigma. (CECCHETTO, 2004, p. 63)

Fica o questionamento, como uma criança que no auge da sua

inocência, de descobertas, brincadeiras, aprendizado, pode ser moldada para

inserir padrões de masculinidade? Esse padrão, que não deixa de ser uma

reprodução do sistema, já pode ser observado até mesmo quando a criança

está no ventre materno, e logo quando o sexo é definido, nesse momento se

inicia a compra do enxoval, de acordo com o sexo do bebê, sendo ele em

quase 100% dos casos de cor azul para meninos e de cor rosa para meninas.

Desde então, antes mesmo do nascimento, é reproduzido e

representado o gênero, e perpassa sucessivamente por todas as fases do

indivíduo. Ainda na infância são notórias as brincadeiras, o comportamento

distinto e até mesmo os brinquedos expostos nas prateleiras das lojas, estes se

diferem fácil, para os dois sexos. Na adolescência as cobranças continuam; a

sociedade não permite o desvio de conduta, caso contrário esse adolescente

sofrerá diversas discriminações.

Segundo Tiene (2004), as diferenças biológicas e genéticas entre

homens e mulheres são bastante utilizadas para justificar certas atitudes

discriminatórias entre as pessoas. Desse modo, enquanto sociedade,

construímos dois modelos específicos de comportamento, que são seguidos

por homens e mulheres, que diz respeito à preponderância do masculino e do

feminino. Consequentemente, o masculino deve possuir algumas

características específicas: ser arrojado, dinâmico, enérgico; em contrapartida,

o feminino deve ser dócil, meigo, organizado, habilidoso, higiênico e cuidadoso.

Ainda na concepção da biogenética, Benedito Medrado e Jorge Lyra explicam:

Que a genética busca provar uma relação entre a violência masculina e a constituição física dos homens. Alguns afirmam que os homens

Page 35: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ FACULDADE … O JOSE DO PE… · Eles me deram força e suporte para superar. Ao meu esposo, Marcus Fábio, pelo seu carinho, colaboração, paciência,

33

supostamente carregariam em seus genes e cromossomos predisposições hereditárias que justificariam suas condutas agressivas. Outros apostam em explicações hormonais. Porém, a associação da masculinidade ao poder e à violência não se constrói exclusivamente a partir de (nem se reduz aos) determinantes biogenéticos. Ela é construída e se reproduz nas relações sociais, históricas e culturalmente datadas; se constroem na visão social do trabalho, na socialização da família, na escola, no cotidiano, em pequenas ações. (MEDRADO & LYRA, 2012)

Vale salientar que a partir dessas definições, o homem é constatado

o sexo forte, sendo superior, cabendo à mulher o sexo frágil e inferior. Tais

modelos são enquadrados socialmente, tendo base nas concepções que

trazem as diferenças como ordem natural e imutável. (TIENE, 2004). A autora

nos traz a compreensão de que, para a mulher, tanto a questão de identidade

que lhe era vedada, como a dominação do homem sobre a mulher, é dada

desde a antiguidade, e ainda, em pleno segundo milênio, não é tão diferente

em diversos lugares.

A produção teórica mostra que historicamente a mulher ocupou um

espaço na cultura da subalternidade, imposta pelo simples fato de nascer

mulher, conforme nos aponta Alves e Pitanguy:

Na Grécia, a mulher ocupava posição equivalente a do escravo no sentido de que tão somente estes executavam trabalhos manuais, extremamente desvalorizados pelo homem livre. Em Atenas, ser livre era primeiramente, ser homem e não mulher, ser ateniense e não estrangeiro, ser livre e não escravo. (ALVES & PITANGUY, 1991, p. 84)

Dessa forma, a mulher era restrita ao papel de reprodutora, e a

função diretamente doméstica, enquanto os homens ocupavam-se de

atividades mais valorosas no campo da filosofia, da política e das artes. As

identidades de ser homem e ser mulher já estavam delineadas por um discurso

naturalista, estabelecendo a dicotomia sexual e as desigualdades.

No Brasil colônia, compreendido entre 1500 a 1822, a condição da

mulher, conforme Teles (1993), era vinculado a sua situação social e sua etnia

(índia, branca ou negra). A partir dos costumes, que se davam de forma

diferenciada entre os povos indígenas é que eram definidos os papéis

exercidos pelas mulheres, logo haviam tribos em que as mulheres possuíam a

moradia e também áreas em que elas pudessem cultivar, em outras, as

Page 36: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ FACULDADE … O JOSE DO PE… · Eles me deram força e suporte para superar. Ao meu esposo, Marcus Fábio, pelo seu carinho, colaboração, paciência,

34

propriedades eram exclusivamente dos homens. Se haviam aquelas que eram

escravas de seus esposos, outras eram suas companheiras. Em relação ao

casamento, era praticada a monogamia e a poligamia.

Na visão do colonizador, o homem índio servia para o trabalho

escravo e as mulheres índias como esposas, concubinas ou empregadas

domésticas. Dessa forma, os colonizadores as usavam e se apropriavam de

sua capacidade reprodutora dissociada do prazer. (TELES, 1993). As

atividades exercidas pelas mulheres eram restritas às atividades do lar e

tarefas como fiação, tecelagem, rendas e bordados. Sua posição em relação

ao homem se dava de modo subalterno, de aceitação ao que lhe era imposto.

Na relação arbitrária de dominação dos homens sobre as mulheres

era mesmo inscrita com a divisão do trabalho na realidade da ordem social

(BOURDIEU, 2012). Além do fato de que o homem não pode rebaixar-se para

executar certas tarefas designadas socialmente como inferiores, mas são

profissões reconhecidas e valorizadas, como, por exemplo, a profissão de

cozinheira e cozinheiro, de costureira e costureiro, cabeleireira e cabeleireiro,

enfim, entre outras profissões e serviços ofertados para a sociedade.

Na cultura ocidental os homens buscam constantemente se destacar

das mulheres com os privilégios da masculinidade, expressando intenso desejo

sexual e capacidade de controlar as pessoas e o mundo. Por isso é tão comum

e naturalizado os cargos de presidência e deputado serem destinados aos

homens.

O homem para conseguir alcançar seus objetivos, desenvolve ações

e pensamentos autônomos e racionais. Para o homem é preciso se lançar a

situações de risco e excitação, bem como propiciar o prazer. A partir das

construções culturais destinadas a mulher, como: a submissa, cuidadora do lar

e dos filhos, ser fiel ao marido, enfim, entre outras atribuições impostas pela

sociedade que a mulher ocupou o espaço doméstico. Viver para casa, marido e

filhos, ou seja, colocar-se sempre em último plano, vivendo a vida do outro.

(VASCONCELOS, 2013).

Contudo, estamos vivenciando o que seria a crise dos papéis

masculinos, representada pelo distanciamento do que a maioria dos homens

via como masculinidade hegemônica ou original. Como nem todos os homens

vivem a altura desse modelo é considerado o motor da chamada “crise da

Page 37: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ FACULDADE … O JOSE DO PE… · Eles me deram força e suporte para superar. Ao meu esposo, Marcus Fábio, pelo seu carinho, colaboração, paciência,

35

masculinidade”. Dessa forma, conseguimos acompanhar arranjos familiares em

que o homem compartilha tarefas domésticas, antes exclusivas das mulheres,

como, por exemplo, limpeza e preparo das refeições, sendo até mais presente

na educação dos filhos.

2.3 A Família na Sociedade: Velhos e Novos Arranjos

Ao falarmos em família faz-se necessário definirmos e explicarmos

suas diversas configurações e dilemas. Podemos compreender, em linhas

gerais, que família é um conjunto de pessoas diretamente unidas por laços

afetivos, sanguíneos ou de afinidade. Parentesco são conexões entre

indivíduos estabelecidos tanto pelo casamento quanto por linhas de

descendência e o casamento pode ser definido como a união sexual entre dois

indivíduos adultos, socialmente reconhecida e aprovada (GIDDENS, 2005, p.

151). Para refletir melhor

A tendência à naturalização da família, tanto no nível do senso comum, quanto da própria reflexão científica, que leva a identificação do grupo conjugal como forma básica e elementar de toda família, é a percepção do parentesco e da divisão de papéis como fenômenos naturais, criou, durante muito tempo, obstáculos de difícil transposição para sua análise. Por esse motivo o primeiro passo para estudar a família deveria o de dissolver sua aparência de naturalidade, percebendo-a como criação humana mutável. E observando que as relações muitas vezes coincidentes que conhecemos atualmente entre grupos conjugais, rede de parentesco, unidade doméstica/residencial podem se apresentar como instituições bastante diferenciadas em outras sociedades ou em diferentes momentos históricos (AZEVEDO & GUERRA, 2000, p. 50).

Segundo Malinoviski (1963), a família que conhecemos não é uma

instituição natural, assumindo diversas configurações no que se refere a bases

biológicas e a reprodução. O modelo nuclear de família, ou seja, aquele

formado por pai, mãe e filhos, que entre nós, ocidentais, figura geralmente

como natural, só se cosolidou por volta do século XVIII.

O estudo do contexto familiar requer uma maior atenção para que se

possa compreender cada momento histórico em que a família teve sua

configuração e seus papéis alterados, pois durante um grande período a

concepção de família esteve relacionada às perspectivas da tríade pai, mãe e

Page 38: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ FACULDADE … O JOSE DO PE… · Eles me deram força e suporte para superar. Ao meu esposo, Marcus Fábio, pelo seu carinho, colaboração, paciência,

36

filhos. Entretanto, esta instituição faz parte de uma construção social, inserida

numa realidade dinâmica, rompendo assim com a ideia de família como grupo

natural e imóvel, passando a ser concebida dentro de um processo histórico,

com influências econômicas, sociais, políticas e culturais.

No mundo contemporâneo há diversas concepções e configurações

de família; esta não se refere apenas às figuras do pai, da mãe, e dos filhos.

Denomina-se família o grupo constituído por todas as pessoas que moram

numa mesma residência, ou seja, a compreensão de uma família está para

além de laços consanguíneos (CAVENACCI, 1984). A diversidade das famílias

não permite elaborar uma descrição precisa sobre o termo, pois na

contemporaneidade, com as mudanças estruturais, encontramos famílias com

diferentes perfis.

A sociedade em que vivemos é muito diferente se compararmos com

algumas décadas passadas; estamos frequentemente vivendo com as

mudanças, vivenciando padrões de liberdade que estão inseridos em um

mundo marcado ao mesmo tempo por dificuldades e estranhamentos.

Há uma grande diversidade de famílias que, ao se constituírem no

âmbito doméstico, são percebidas com estranhamento por alguns; estamos

nos referindo àqueles arranjos familiares tidos com conservadores, sendo que

para eles os novos modelos de família são impactantes. Dessa forma, as novas

famílias, principalmente as formadas por casais homoafetivos são vistas com

naturalidade por alguns e com muito preconceito por outros.

As gerações anteriores não imaginavam presenciar o que vivem

hoje, enfim, o mundo da família está diferente do que há cinquenta anos.

Verificamos que muitas pessoas atualmente estão menos propensas a casar

(GIDDENS, 2005). Os casamentos também estão durando menos, uma vez

que as taxas de divórcio aumentaram significativamente na última década,

facilitando a formação de famílias com filhos de diferentes relacionamentos,

contribuindo para a ampliação de famílias reconstituídas (GIDDENS, 2005).

Dentre as diversas formas de família, podem-se citar: a família

nuclear formada por pai, mãe e filhos, já referida anteriormente, a família

ampliada, na qual se inserem avós, irmãos, tios, sobrinhos, ou seja, há

diversos membros da família reunidos, a família reconstruída, formada por

novos membros advindos de outros casamentos ou não, as famílias

Page 39: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ FACULDADE … O JOSE DO PE… · Eles me deram força e suporte para superar. Ao meu esposo, Marcus Fábio, pelo seu carinho, colaboração, paciência,

37

matrifocais, formadas por uma mulher e seus filhos, sendo estes advindos ou

não de outros relacionamentos, e um companheiro, e as famílias

monoparentais, tipo de família composto por pessoas que vivem sem cônjuge

ou com vários filhos, podendo ser chefiadas tanto por homens, quanto por

mulheres – cada vez mais comum na realidade brasileira. Na pesquisa de

campo, através do questionamento em relação a suas famílias, os

entrevistados relataram diversas composições, destacando os diferentes

arranjos, revelando, portanto, a necessidade de refletirmos sobre as diversas

composições familiares.

Podemos observar que essas transformações não ocorreram

somente nos países industrializados, mas esses processos, embora de forma

desigual, estão acontecendo em sociedades do mundo inteiro. A China é um

país que vem demonstrando mudança na esfera familiar, registrando um

aumento considerável no número de divórcios (GIDDENS, 2005). Segundo a

PNAS (2004), tais mudanças tem como resultado: enxugamento dos grupos

familiares (famílias menores), uma variedade de arranjos familiares

(monoparentais, reconstruídas), além dos processos de empobrecimento

acelerado e da territorialização das famílias, gerados pelos movimentos

migratórios – estes últimos elementos sofreram alterações na última década,

notadamente a melhoria nas condições de vida de boa parte das famílias

brasileiras e a diminuição do fluxo migratório ligando Nordeste a região

Sudeste do país.

Ao longo da história a família sempre exerceu papel fundamental na

organização das sociedades, sendo considerada a base de qualquer nação

organizada. Em meio à necessidade de viver em comunidades, o homem

encontrou historicamente na família, uma rede básica de compartilhamento de

sentimentos, proteção e responsabilidade com pessoas ligadas por laços de

parentesco. De acordo com esse raciocínio, Valente discorre sobre o tema

dizendo que:

A família, independente de sua organização, contexto e história, representa a sede de vivências e experiências significativas na vida do ser humano. É nela que se inicia a história de cada um, a construção de significados, a aprendizagem adjetiva, o reconhecimento da identidade individual e coletiva, preparando o indivíduo tanto para experiências pessoais, como para o processo de

Page 40: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ FACULDADE … O JOSE DO PE… · Eles me deram força e suporte para superar. Ao meu esposo, Marcus Fábio, pelo seu carinho, colaboração, paciência,

38

socialização. É a família a base de apoio para o enfrentamento de conflitos e desenvolvimento humano, representando a responsabilidade de uma geração no cuidado e preparação da outra. (VALENTE, 2007, p. 175).

Na sua forma mais clássica, a família é constituída por um homem e

uma mulher, bem como seus descendentes (PACHECO, 2008). Na atualidade,

com a diminuição da chefia do núcleo familiar como atividade masculina e a

crescente ascensão profissional da mulher, ocupando cargos antes

exclusivamente masculinos, a família assumiu inúmeras configurações, o que

tornou comuns conceitos como família monoparental (um só ascendente), ou

homoparental (ascendentes do mesmo sexo), antes vistos como verdadeiros

tabus. Vale salientar que a sociedade brasileira passou a aceitar com o tempo

os modelos monoparentais, contudo, ainda vê com preconceito velado a

formação de famílias homoparentais.

Segundo Pacheco (2008), o modelo de família dominante no período

colonial era basicamente patriarcal, cabendo à figura do homem decidir acerca

de tudo que envolvia seus integrantes, desde a instrução e profissão até a

escolha do marido ou esposa de seus descendentes. Quando a corte

portuguesa se transferiu para o Brasil, no início do século XIX, com ela veio o

modelo de família burguesa, o qual já havia se consolidado há algum tempo em

solo europeu.

Foi nesse modelo familiar, inicialmente copiado pela nobreza

brasileira, que a mulher assumiu um maior destaque, com seu papel de mãe

evidenciado. Assim, a dedicação e a atenção que a mulher concedida aos

compromissos do lar, com inúmeras tarefas domésticas, como, por exemplo,

cuidar da casa e dos filhos, funcionava como uma medida de valorização e

realização pessoal perante a sociedade, tudo dentro dos padrões do

catolicismo. Ratificando tal informação acerca do que se convencionou chamar

modelo de família nuclear, Alves explica que:

O chefe da família cuidava dos negócios e tinha, por princípio, preservar a linhagem e a honra familiar, procurando exercer sua autoridade sobre a mulher, filhos e demais dependentes. As mulheres, depois de casadas passavam da tutela do pai, para a do marido, cuidando dos filhos e da casa no desempenho das atividades domésticas. (ALVES, 2009, p. 8).

Page 41: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ FACULDADE … O JOSE DO PE… · Eles me deram força e suporte para superar. Ao meu esposo, Marcus Fábio, pelo seu carinho, colaboração, paciência,

39

Não à toa o ingresso da mulher no mercado de trabalho, a atribuição

da educação dos filhos ao longo do período escolar e o desenvolvimento de

métodos de controle de natalidade ajudaram a construir o cenário propício para

as alterações mais profundas no modelo familiar brasileiro. Foi nesse contexto

que a família passou a assumir inúmeras configurações alternativas àquele

modelo tradicional composto por um homem e uma mulher e seus filhos.

Conforme Alves, hoje é possível encontrarmos.

Casamentos sucessivos com parceiros distintos e filhos de diferentes uniões, casais homossexuais adotando filhos legalmente, casais com filhos ou parceiros isolados ou mesmo cada um vivendo com uma das famílias de origem, as chamadas produções independentes, tornam-se mais frequentes, e mais ultimamente, duplas de mães solteiras ou já separadas compartilham a criação de seus filhos (ALVES, 2009, p. 10).

O desenvolvimento da tendência de redução da família resultou na

menor taxa de fecundidade da história do Brasil, a qual atingiu a média de 1,9

filhos por mulher (IBGE, 2010), enquanto tal índice já chegou a incríveis 6,28

filhos por mulher na década de 60. Mesmo considerando a existência de

métodos contraceptivos, ainda não havia uma maior conscientização e

democratização desses instrumentos, ampliando consideravelmente as

famílias. A popularização dos métodos contraceptivos passou a ocorrer

principalmente a partir da década de 1980. Dessa forma, entende-se que:

Muito se tem dito a respeito da redução da família em nossa sociedade. Realmente, tem havido nítida tendência à diminuição do número de filhos e, nesse sentido, a família tem-se tornado menor. Mas paralelamente tem-se criado também, especialmente no Brasil, certa metodologia em torno do desaparecimento de uma pretensa família patriarcal extensa e sua substituição pela família nuclear ou conjugal. (CANEVACCI, 1984, p. 354).

O autor também faz referência à união de pessoas para socialização

dos filhos sem que necessariamente haja casamento.

Quando um casal vive junto em um relacionamento sexual sem estar casado, tem se tornado progressivamente difundida na maioria das sociedades ocidentais. Se o casamento era anteriormente a base definida da união entre duas pessoas, ele já não pode ser mais considerado como tal. Talvez hoje seja mais apropriado falar em ajuntamento e desajuntamento. Um número crescente de casais em

Page 42: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ FACULDADE … O JOSE DO PE… · Eles me deram força e suporte para superar. Ao meu esposo, Marcus Fábio, pelo seu carinho, colaboração, paciência,

40

relacionamentos de longo prazo opta por não casar, mas residir e criar os filhos juntos. (CANEVACCI, 1984, p.164).

Contudo, destaco que a família brasileira é uma instituição múltipla e

heterogênea, dessa forma, podemos encontrar diferentes arranjos dependendo

do contexto cultural e regional em que possamos está inseridos.

2.4 A Lei Maria da Penha

A Lei Maria da Penha trouxe para a sociedade a questão da

violência familiar e doméstica que as mulheres sofriam durante anos em seus

lares e por diversos motivos não denunciavam os autores. A Lei veio mostrar a

toda sociedade o que ocorria entre quatro paredes no lar, desmascarando

assim, o sentido do silenciar da violência doméstica. Vale ressaltar que antes

da Lei Maria da Penha essa discussão já estava em pauta em meios de

comunicação de massa, movimentos sociais como o feminista e o de mulheres,

existiam convenções e a própria Constituição Federal de 1988.

A lei contribuiu no sentido de tornar ainda mais evidente a questão,

trazer ainda mais para o âmbito público uma questão que era tida como de

natureza privada, fechada a quatro paredes e de interesse apenas do casal,

trouxe a punição de forma mais rigorosa, podendo o homem que praticou a

violência vir a ser preso, julgando os casos de violência em juizados especiais

de violência, dentre outros elementos.

Ao longo da história as mulheres foram vítimas de homens que

estavam bem próximos delas. Independente de sua classe social, etnia,

orientação sexual, a mulher sofre violência de gênero. Para muitos homens as

mulheres seriam mais frágeis físico-psicológico e financeiramente,

possibilitando-os o poder de lhes atribuir normas e, não raro, cometer atos de

violência.

Analisando a nossa Constituição de 1988, no Artigo 226, parágrafo

8, D’ Urso (2012) expõe que foi nessa carta que se estabeleceu ao que cabe

ao Estado assegurar a assistência à família nas pessoas dos seus integrantes

e criar meios para coibir a violência no âmbito de suas relações, buscando

ainda prevenir, punir e erradicar qualquer forma de agressão contra a mulher.

Page 43: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ FACULDADE … O JOSE DO PE… · Eles me deram força e suporte para superar. Ao meu esposo, Marcus Fábio, pelo seu carinho, colaboração, paciência,

41

Além de estarmos diante de uma das formas de violação dos Direitos

Humanos, estabelecido originalmente na Revolução Francesa de 1789.

Antes da Constituição Federal de 1988 e da criação da Lei Maria da

Penha em 2006, as mulheres que sofriam violência doméstica e que chegavam

até o poder público desistiam do processo, porque muitas vezes eram

oprimidas a não levar a questão à tona. O homem tinha punições diferentes

dos dias atuais (DE MELO & ALMEIDA, 2002)

A Cartilha do Governo do Estado do Pará (2008) responde a

perguntas referentes ao contexto da violência contra a mulher e explica como

eram feitas as punições antes da Lei Maria da Penha. Para as infrações penais

mais simples, como os crimes de ameaça e lesão corporal leve, o autor da

violência era encaminhado ao Juizado Especial Criminal, juntamente com a

vítima, onde em uma audiência preliminar, que ocorria com um juiz leigo ou

com o próprio Juiz de Direito, presente o Ministério Público, era indagado se a

vítima queria representar contra o autor dos fatos – medida extremamente

constrangedora e perigosa, uma vez que representava risco de vida para a

vítima. Esta expressão representar significa, em outras palavras, se a vítima

pretendia autorizar o Ministério Público a propor a aplicação de uma pena ao

homem, pena esta que não seria de privação de liberdade.

Geralmente a vítima, por diversos fatores, era dependente financeira

e afetivamente do homem e muita das vezes evitava a denúncia e,

consequentemente, a punição, para evitar constrangimentos para os filhos e a

família, a mesma ficava constrangida em razão da presença do homem e

porque não tinha em seu favor tantas medidas de proteção como são previstas

na Lei Maria da Penha.

Esse sistema, obviamente, não funcionou e as agressões cessavam

por um curto espaço de tempo, vindo depois à vítima a ser novamente

agredida, pois o homem, não tendo sido punido, não era capaz de mudar o seu

comportamento. Não havia o temor da pena, muito menos ações educativas

para que o homem refletisse sobre seu ato (Cartilha conhecendo a Lei Maria da

Penha, 2006). Vale registrar também que anteriormente era a própria mulher

que entregava a intimação ao seu agressor – mais uma vez a medida a fazia

correr sérios riscos de vida.

Page 44: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ FACULDADE … O JOSE DO PE… · Eles me deram força e suporte para superar. Ao meu esposo, Marcus Fábio, pelo seu carinho, colaboração, paciência,

42

Foi a partir da Constituição de 1988 que as mulheres tiveram seus

direitos ampliados, enfatizando desta forma a luta do movimento feminista nas

últimas décadas. Martini (2009) afirma que os direitos das mulheres que foram

reconhecidos, eram os direitos humanos e o de cidadania plena. A conquista

desses direitos ocorreu pelas mobilizações das próprias mulheres e através de

ações que foram direcionadas ao Congresso Nacional.

A criação da Lei Maria da Penha - Lei 11.340/2006 ocorreu com um

início de uma história trágica em 1983, quando a Sra. Maria da Penha Maia

Fernandes, biofarmacêutica, mãe de três filhas, foi vítima de duas tentativas de

homicídios por parte de seu companheiro, que disparou um tiro de revólver

enquanto ela dormia, forjando que seria um assalto – somente um ano depois

do acontecido a polícia, após finalizar a investigação, apontou-o como culpado.

Nessa ocasião, Maria da Penha teve uma lesão irreversível e ficou

paraplégica com outras sequelas e, na segunda vez, o agressor tentou

eletrocutá-la enquanto tomava banho, foi uma luta árdua de mais de vinte anos

para ver punido o culpado. (D’ Urso, 2012). Vale ressaltar, que a lei somada à

bravura e o empenho dessa mulher lutadora de direitos, foi uma conquista em

conjunto com os movimentos feministas que lutavam há décadas pelos direitos

das mulheres, numa sociedade altamente machista. Segundo o estudo

apresentado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em 2007, 92 mil

mulheres foram assassinadas em todo o mundo nos últimos trinta anos. Deste

número 43,7 mil foram mortas apenas na década de 1990.

O Brasil ocupa o sétimo lugar no ranking mundial dos países com

mais crimes praticados contra as mulheres. Segundo o relatório, o Espírito

Santo apresenta a taxa de homicídio mais alta do país, com 9,8 homicídios a

cada 100 mil mulheres. No Piauí, foi registrada a menor taxa, com 2,5

homicídios para cada 100 mil mulheres.

Seis7 em cada 10 brasileiros conhecem alguma mulher que foi vítima

de violência doméstica. Dentre esses fatores, o Machismo (46%) e o

alcoolismo (31%) são apontados como principais fatores que contribuem para a

violência. 94% conhecem a Lei Maria da Penha, mas apenas 13% sabem seu

conteúdo. A maioria das pessoas (60%) pensa que, ao ser denunciado, o

7http://www.compromissoeatitude.org.br/alguns-numeros-sobre-a-violencia-contra-as-mulheres-no-

brasil/

Page 45: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ FACULDADE … O JOSE DO PE… · Eles me deram força e suporte para superar. Ao meu esposo, Marcus Fábio, pelo seu carinho, colaboração, paciência,

43

agressor vai preso. 52% acham que juízes e policiais desqualificam o

problema.

Esses dados se expressam nas palavras de todos os entrevistados,

onde revelam que em mesas de bares, ou em conversas informais, os homens

falam sobre a Lei Maria da Penha, mas quando se questiona o que se sabe

sobre essa lei, eles afirmam que só conheceram na prática.

Segundo a pesquisa citada anteriormente, embora a maioria

absoluta dos entrevistados (94%) declare conhecer a Lei Maria da Penha (Lei

nº 11.340/2006), apenas 13% sabe qual é o teor da legislação. Por exemplo:

60% dos entrevistados pensam que, ao ser denunciado, o autor da violência

doméstica é automaticamente preso. Sobre a pesquisa Realizada pelo Instituto

Avon/Ipsos em 2011, a Pesquisa Percepções sobre a Violência Doméstica

contra a Mulher no Brasil entrevistou 1,8 mil pessoas de cinco regiões

brasileiras. Trata-se do segundo estudo realizado pelo Instituto Avon. O

primeiro foi feito em 2009, em parceria com o Ibope.

De acordo com a Pnad8, 43,1% das mulheres já foram vítimas de

violência em sua própria residência. Entre os homens, esse percentual é de

12,3%. Ainda segundo os números da Pnad de 2009 incluídos no anuário, de

todas as mulheres agredidas no país, dentro e fora de casa, 25,9% foram

vítimas de seus cônjuges ou ex-cônjuges. Dados da Secretaria de Políticas

para as Mulheres apontam ainda que o número de atendimentos feitos pela

Central de Atendimento à Mulher – Ligue 180 cresceu 16 vezes de 2006 para

2010. Em 2006, foram feitos 46 mil atendimentos. Já no ano passado, foram

734 mil. Desse total, 108 mil atendimentos foram denúncias de crimes contra a

mulher. Mais da metade desses crimes eram casos de violência.

Veja, a seguir, um quadro comparativo das principais alterações de

como o agressor era tratado antes e depois da Lei Maria da Penha:

Quadro 1 - Quadro comparativo antes e após a Lei Maria da Penha

ANTES DA LEI MARIA DA PENHA DEPOIS DA LEI MARIA DA PENHA

Não existia lei específica sobre a

violência doméstica

Tipifica e define a violência doméstica e

familiar contra a mulher e estabelece as

8http://memoria.ebc.com.br/agenciabrasil/noticia/2011-07-04/quarenta-e-tres-por-cento-das-

mulheres-ja-foram-vitimas-de-violencia-domestica-segundo-anuario

Page 46: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ FACULDADE … O JOSE DO PE… · Eles me deram força e suporte para superar. Ao meu esposo, Marcus Fábio, pelo seu carinho, colaboração, paciência,

44

suas formas: física, psicológica, sexual,

patrimonial e moral.

Não tratava das relações entre

pessoas do mesmo sexo.

Determina que a violência doméstica

contra a mulher independe de

orientação sexual.

Nos casos de violência, aplica-se a lei

9.099/95, que criou os Juizados

Especiais Criminais, onde só se

julgam crimes de "menor potencial

ofensivo" (pena máxima de 2 anos).

Retira desses Juizados a competência

para julgar os crimes de violência

doméstica e familiar contra a mulher.

Esses juizados só tratavam do crime.

Para a mulher resolver o resto do

caso, as questões cíveis (separação,

pensão, guarda de filhos) tinha que

abrir outro processo na vara de

família.

Serão criados Juizados Especializados

de Violência Doméstica e Familiar

contra a Mulher, com competência cível

e criminal, abrangendo todas as

questões.

Permite a aplicação de penas

pecuniárias, como cestas básicas e

multas.

Proíbe a aplicação dessas penas.

A autoridade policial fazia um resumo

dos fatos e registrava num termo

padrão (igual para todos os casos de

atendidos).

Tem um capítulo específico prevendo

procedimentos da autoridade policial, no

que se refere às mulheres vítimas de

violência doméstica e familiar.

A mulher podia desistir da denúncia

na delegacia.

A mulher só pode renunciar perante o

Juiz.

Era a mulher quem, muitas vezes,

entregava a intimação para o agressor

comparecer às audiências.

Proíbe que a mulher entregue a

intimação ao agressor.

Não era prevista decretação, pelo

Juiz, de prisão preventiva, nem

flagrante, do agressor (Legislação

Penal).

Possibilita a prisão em flagrante e a

prisão preventiva do agressor, a

depender dos riscos que a mulher corre.

A mulher vítima de violência

doméstica e familiar nem sempre era

informada quanto ao andamento do

seu processo e, muitas vezes, ia às

audiências sem advogado ou defensor

público.

A mulher será notificada dos atos

processuais, especialmente quanto ao

ingresso e saída da prisão do agressor,

e terá que ser acompanhada por

advogado, ou defensor, em todos os

atos processuais.

A violência doméstica e familiar contra

a mulher não era considerada

agravante de pena. (art. 61 do Código

Penal).

Esse tipo de violência passa a ser

prevista, no Código Penal, como

agravante de pena.

Page 47: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ FACULDADE … O JOSE DO PE… · Eles me deram força e suporte para superar. Ao meu esposo, Marcus Fábio, pelo seu carinho, colaboração, paciência,

45

A pena para esse tipo de violência

doméstica e familiar era de 6 meses a

1 ano.

A pena mínima é reduzida para 3 meses

e a máxima aumentada para 3 anos,

acrescentando-se mais 1/3 no caso de

portadoras de deficiência.

Não era previsto o comparecimento

do agressor a programas de

recuperação e reeducação (Lei de

Execuções Penais).

Permite ao Juiz determinar o

comparecimento obrigatório do agressor

a programas de recuperação e

reeducação.

O agressor podia continuar

frequentando os mesmos lugares que

a vítima frequentava. Tampouco era

proibido de manter qualquer forma de

contato com a agredida.

O Juiz pode fixar o limite mínimo de

distância entre o agressor e a vítima,

seus familiares e testemunhas. Pode

também proibir qualquer tipo de contato

com a agredida, seus familiares e

testemunhas.

Fonte: Observatório Lei Maria da Penha. Disponível em: <http://www.observe.ufba.br/lei_aspectos>.

A violência contra a mulher não poderia ser tratada somente no “foro

íntimo”, ou seja, numa perspectiva familiar, no âmbito tido como privado. A

violência é crime, sendo assim é preciso que cada vez mais a mulher se

posicione e conheça seus direitos. A lei 11.340/06 mais conhecida como Lei

Maria da Penha, representa um avanço no enfrentamento à violência e ao

mesmo tempo uma conquista dos grupos feministas.

Essa Lei é resultado da desconstrução das representações sociais

da violência contra as mulheres, a qual deixa de ser um crime de menor

potencial ofensivo e passa a ser um crime contra a vida e os direitos humanos

das mulheres. (BARBOSA, 2008). Desde então a lei, quando entrou em vigor

em 2006, deixou para trás a versão de que o autor de violência pagaria na

justiça com cestas básicas e prestação de serviços comunitários; estas

determinações eram previstas pela Lei 9.099/95 anterior à Lei Maria da Penha.

Barbosa (2008) utiliza seu conhecimento para desmistificar alguns equívocos a

respeito do homem autor de violência.

O estudo citado anteriormente ocorreu em São Paulo, entre os anos

de 1998 a 2001, pelo autor e também filósofo Sergio Barbosa que tinha como

metodologia trabalhar com homens em grupo de reflexão, com a participação

de 15 homens com encontros semanais com a duração de até seis meses. O

grupo tem o mérito de refletir sobre temas do cotidiano dos homens,

Page 48: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ FACULDADE … O JOSE DO PE… · Eles me deram força e suporte para superar. Ao meu esposo, Marcus Fábio, pelo seu carinho, colaboração, paciência,

46

compartilhando o rompimento do silêncio e da solidão masculina. O projeto foi

pioneiro no Brasil e o trabalho realizado com homens autores de violência foi

de grande relevância para romper com o ciclo da violência contra a mulher.

Primeiro Barbasa (2008) ressalta que não se deve utilizar o termo

agressor, explicando que nenhuma pessoa é agressiva 24h por dia e a

expressão rotula e estigmatiza, ou seja, o homem que agride, ele comete

violência, mais ele também é uma pessoa que vive na sociedade, que forma

família, namora, trabalha. Desta forma ele não pode ser visto somente como

agressor.

O segundo equívoco, analisado por Barbosa (2008), refere-se à

recuperação, pois não há o que recuperar e sim construir para homens e

mulheres: formas de socialização de respeito às diferenças. E, por fim, o

terceiro equívoco, é o do tratamento; onde o autor detectou que, não só na

pesquisa realizada por ele, como em estudos em diversas regiões, há a

possibilidade de afirmar que não existem homens doentes (nem físico, nem

mentalmente).

Não é uma patologia, não consta no CID - Classificação

Internacional de Doenças (BARBOSA, 2008). Quando a uma agressão e a

violência é um sintoma de patologia, esta deve ser tratada, mas não pode ser

relacionada com o machismo e a violência de gênero. No próximo capítulo,

intitulado percursos metodológicos, começaremos a verificar, empiricamente,

como a pesquisa foi realizada, ressaltando os maiores desafios dessa

empreitada.

Page 49: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ FACULDADE … O JOSE DO PE… · Eles me deram força e suporte para superar. Ao meu esposo, Marcus Fábio, pelo seu carinho, colaboração, paciência,

47

3 CAPÍTULO 2 - PERCURSOS METODOLÓGICOS

Os aspectos metodológicos, no que se refere à pesquisa social,

transcorrem por múltiplos caminhos e variados procedimentos que dão suporte

para que o pesquisador encontre a melhor maneira de entrar num determinado

universo e consiga enxergar além da aparência apresentada inicialmente. O

amadurecimento da visão do pesquisador é um dos passos relevantes para

retratar seu objeto de estudo em sua substância.

Logo nos surge a compreensão de que o fenômeno social analisado

requer que o pesquisador tenha disponibilidade de tempo, com um olhar e um

ouvir qualificado, para que as relações socialmente estabelecidas sejam, de

fato, entendidas em sua essência, uma vez que se torna totalmente relevante a

participação dos sujeitos envolvidos, suas aspirações, seu modo de pensar

sobre a problemática analisada e, não somente, o posicionamento do

pesquisador.

3.1 Definição da Metodologia

A natureza desta pesquisa é qualitativa, logo buscamos analisar os

sentidos e os significados relacionados à violência contra a mulher na

perspectiva dos homens que respondiam à Lei Maria da Penha, pois havia o

interesse de se trabalhar com o entendimento e as causalidades que levam o

homem a cometer violência e traçar, entre os entrevistados, um perfil

biográfico. Sendo assim, não se trata de uma escolha, mas sim de uma

consequência própria desta pesquisa. Por conta disso, dialogamos com

Martinelli, pois, segundo a autora, é a partir da pesquisa qualitativa que

podemos:

Trazer à tona o que os participantes pensam a respeito do que esta sendo pesquisado, não é só minha visão de pesquisador em relação ao problema, mas é também o que o sujeito tem a me dizer a respeito. Parte-se de uma perspectiva muito valiosa, porque à medida que se quer localizar a percepção dos sujeitos, torna-se indispensável e este é um outro elemento muito importante, o contato direto com o sujeito da pesquisa (...). Se quisermos conhecer modos de vida, temos que conhecer as pessoas (MARTINELLI,1999, p. 21).

Page 50: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ FACULDADE … O JOSE DO PE… · Eles me deram força e suporte para superar. Ao meu esposo, Marcus Fábio, pelo seu carinho, colaboração, paciência,

48

Continuando com a perspectiva da autora, entendemos o quão

importante é esse contato direto com os sujeitos da pesquisa, pois, através

dessa aproximação, é que será possível entender como são formadas as

relações construídas pelo grupo em questão, percebendo além da objetividade

necessária, o fenômeno histórico subjetivo que irá favorecer uma visão crítica

para descortinar verdades aparentes, permitindo uma reflexão crítica sobre o

assunto, nos concedendo nossos olhares que apontam para outros tantos

questionamentos.

É através da pesquisa qualitativa que o pesquisador faz a mediação

entre o real, o sujeito e a coletividade, compreendendo profundamente o

estudo do fenômeno. Minayo (2007) explica que:

A pesquisa qualitativa responde a questões muito particulares. Ela se preocupa, nas ciências sociais, com um nível de realidade que não pode ser quantificado. Ou seja, ela trabalha com o universo de significados, motivos, aspirações crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis (MINAYO, 2007, p. 21).

Ou seja, a pesquisa qualitativa trata o fenômeno estudado pelas

suas particularidades, vai além de dados numéricos, pois estuda

especificamente cada detalhe. E nos concede novas possibilidades de

continuar pesquisando, sempre atualizando e produzindo novos conhecimentos

dentro das subjetividades e nos permite ainda contribuir com outros

pesquisadores que tenham o mesmo objeto de estudo e que pretendam

enriquecer e lançar outras discussões, tentando responder as indagações

postas.

A pesquisa, conforme Minayo (2009) caracteriza-se por ser um

trabalho artesanal, sendo fundamentada numa linguagem que é construída

num ritmo peculiar, embasada em conceitos, posições, hipóteses, métodos e

técnicas. Esse ritmo é chamado de ciclo de pesquisa. Destarte, para atender o

processo de trabalho científico, decidimos seguir as etapas da pesquisa

qualitativa, que é delimitada em três passos: (1) Fase exploratória, que

necessita da atenção e do tempo do pesquisador, é uma fase em que o

pesquisador entra em contato com o tema (escolhendo, delimitando,

elaborando perguntas de partida e explorando o tema a partir de leituras

Page 51: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ FACULDADE … O JOSE DO PE… · Eles me deram força e suporte para superar. Ao meu esposo, Marcus Fábio, pelo seu carinho, colaboração, paciência,

49

iniciais, documentários, filmes; (2) Trabalho de campo, fase na qual aplicamos

as técnicas metodológicas escolhidas: observações simples e entrevistas, por

último, seguiram o passo (3) análise e tratamento do material empírico e

documental. (MINAYO, 2009).

A presente pesquisa percorreu todas essas fases do ciclo,

delineadas por Minayo (2009). Inicialmente, com a revisão de literatura sobre

as categorias violência, gênero e família, posteriormente, observação simples

da dinâmica de grupo e atendimento dos homens do NUAH e, por último,

análise dessas observações e relação com a fundamentação teórica.

Entendemos que a realidade é um desafio histórico inacabável, por

isso, se fez necessário ter uma postura crítica; conveniente para

compreendermos a complexidade da realidade social em que se encontra o

fenômeno analisado. Na busca por respostas que fossem capazes de absolver

a essência das falas dos sujeitos, sem, contudo, transformá-las em respostas

fechadas, face a dinâmica da realidade, nos debruçamos em três tipos de

pesquisas sendo elas: bibliográfica, documental e de campo.

Iniciamos com a pesquisa bibliográfica para que fossem expostos

estudos sobre as categorias que compõem o objeto de estudo: gênero,

violência e família. Através dela procuramos nos aproximar e dialogar com os

autores que colaboram com a nossa pesquisa, sejam por meio de livros ou

artigos científicos, que nos deram suporte a partir de leituras para fundamentar

e possibilitar nossos estudos. A indicação das obras mais essenciais foi

realizada pela orientadora, disponibilizando todo seu material para leitura, além

disso, possuía artigos e livros que frequentemente eram citados em sites de

busca e por professores em semestres anteriores. Portanto:

A pesquisa bibliográfica é desenvolvida a partir de material já elaborado, constituído principalmente de livros e artigos científicos (...). A principal vantagem da pesquisa bibliográfica reside no fato de permitir ao investigador a cobertura de gama de fenômenos muito mais ampla do que aquela que poderia pesquisar diretamente. Esta vantagem se torna particularmente importante quando o problema requer dados muito dispersos pelo espaço. (GIL, 1999, p. 65).

Na pesquisa documental faz-se uso de documentos como objeto de

análise, questionando aspectos concernentes à produção do documento, seus

objetivos, usos e contradições (MINAYO, 2004). A análise documental é de

Page 52: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ FACULDADE … O JOSE DO PE… · Eles me deram força e suporte para superar. Ao meu esposo, Marcus Fábio, pelo seu carinho, colaboração, paciência,

50

suma importância para a presente pesquisa, pois através dessa técnica estou

conseguindo compreender a legislação sobre o tema, os projetos e convenções

já realizados, o material informativo e histórico produzido pelo NUAH. Um

passo importante que venho seguindo desde o início da pesquisa é coletar e

organizar os documentos encontrados nas visitas que realizo, com destaque

para as estatísticas produzidas pelo NUAH, projeto de implementação do

NUAH, fichas de atendimentos e todo o arcabouço legal acerca da violência,

como Lei Maria da Penha, Convenções e Constituição federal de 1988.

Para compreender o trabalho de campo salientamos que, a pesquisa

foi realizada no NUAH, Núcleo de Atendimento ao Homem, autor de violência

doméstica. A pesquisa se dá por ter ocorrido um estudo empírico no Núcleo

com atendimento aos homens autores de violência que são os protagonistas da

pesquisa. Segundo Gondim,

É altamente recomendável, para elaboração de projetos de pesquisas que incluirão trabalho de campo, que se realiza um levantamento empírico pré-liminar, por meio de observações sobre a instituição, o grupo ou as pessoas que se quer estudar (GONDIM, 1987, p. 34).

Trazemos novamente Minayo para corroborar á importância do

trabalho de campo, pois, segundo ela:

O trabalho de campo é (...) uma porta de entrada para o novo, sem, contudo, apresentarmos essa novidade claramente. São as perguntas que fazemos para a realidade, a partir da teoria que apresentamos e dos conceitos transformados em tópicos de pesquisa que nos forneceram a grade ou a perspectiva de observação e de compreensão (MINAYO, 2009, p. 25)

Partindo desse pressuposto, entendemos que estamos no campo

em que se estabelece um relacionamento entre o pesquisador e os sujeitos da

pesquisa, e então, buscamos entender a realidade que, estando na teoria, se

apresenta para a gente de forma mais reveladora através das ações, falas,

silêncios, gestos, e tudo o que compõe o universo dos sujeitos observados.

Tendo isso em vista que é na fase de campo, a primeira técnica

utilizada para subsidiar a coleta de dados foi a observação simples, pois,

embora ela me permita observar de forma espontânea e/ou informal, ela está

Page 53: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ FACULDADE … O JOSE DO PE… · Eles me deram força e suporte para superar. Ao meu esposo, Marcus Fábio, pelo seu carinho, colaboração, paciência,

51

pautada no víeis científico, nos possibilitando alcançar os fatos que acontecem

na realidade, interpretando-os.

Para entendermos melhor esse processo, ressaltamos que foram

realizadas idas antecipadas ao local de pesquisa, e esse ato possibilitou mais

segurança como pesquisadora e proporcionou uma melhor relação com a

equipe que atua na instituição. A observação simples de acordo com Gil (2008,

p. 102): “É muito útil quando é dirigida ao conhecimento de fatos ou situações

que tenha certo o caráter público ou que pelo menos se situe estreitamente no

âmbito das condutas privadas”.

Antes de entrevistar qualquer homem, observei toda a estrutura do

(NUAH), bem como os funcionários e estagiários que marcaram presença

constante, principalmente os da área da psicologia e os próprios homens que

são o foco da pesquisa. Como nos esclarece Gil (1999): “A coleta de dados por

observação é seguida de um processo de análises e interpretação, o que lhe

confere sistematização e o controle dos procedimentos científicos”. Essa fase

aconteceu durante os meses de agosto, setembro e outubro de 2014.

Dessa forma, para levantar dados qualitativos foi empregada a

técnica de entrevistas com roteiro semiestruturado (consta roteiro no

Apêndice), que são questões que buscam focar em determinado tema, com

perguntas abertas, norteadas por um roteiro previamente elaborado, que

contemplava perguntas pessoais, como também sobre o relacionamento do

autor da violência com a vítima, sua percepção sobre violência, e o que

entendia a respeito da Lei Maria da Penha. Recorremos à explicação de Gil,

afirmando que:

A entrevista é das técnicas de coletas de dados mais utilizadas no âmbito das ciências sociais. Psicólogos, sociólogos, pedagogos, assistentes sociais, e praticamente todos os outros profissionais que tratam de problemas humanos, valem-se dessa técnica, não apenas para coleta de dados, mas também como voltados para diagnósticos e orientações (GIL, 2008, p.109).

A entrevista é um recurso metodológico que objetiva, com base em

referencial teórico definido pelo pesquisador/orientador, obter respostas para

uma questão específica a partir da experiência subjetiva do sujeito. Para

Trivinos (1987, p. 146), a entrevista estruturada se caracteriza pela formulação

Page 54: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ FACULDADE … O JOSE DO PE… · Eles me deram força e suporte para superar. Ao meu esposo, Marcus Fábio, pelo seu carinho, colaboração, paciência,

52

de questões que se apoiam em teorias e pesquisas relacionadas à temática do

estudo. O autor afirma que a entrevista semiestruturada: “favorece não só a

descrição dos fenômenos sociais, mas também sua explicação e a

compreensão de sua totalidade”. (TRIVINOS, 1987, p. 152).

A coleta de dados exigiu uma atenção especial com relação às

questões éticas; de acordo com as normas da resolução 196/96 para pesquisa

com seres humanos. Nesse sentido, torna-se de fundamental importância

destacar que os participantes só foram considerados como pesquisados

quando assinaram o termo de consentimento (consta em Apêndice) de que

aceitariam participar da pesquisa, contando com alguns imprevistos e a não

permissão de alguns; nem todas as entrevistas foram gravadas, porém,

buscou-se manter os sentidos das falas em seu contexto inicial. Os

entrevistados tiveram garantia de sigilo na identificação e nas informações

dadas, considerando que os depoimentos só têm sentido como parte do

conjunto global das informações.

Para registrar as informações colhidas durante essa etapa, utilizou-

se um diário de campo, ferramenta bastante comum na etnografia, que

consiste no registro das observações cotidianas e uma reflexão sobre as

mesmas. Nele foram anotadas informações acerca do horário de

funcionamento, atendimento aos homens, dinamicidade nas execuções de

tarefas principalmente da psicóloga e da advogada com presença constante no

núcleo. Todas as entrevistas foram devidamente transcritas e cada depoimento

foi conservado de acordo com o que foi dito e escutado. Salienta-se que, para

não se utilizar a identificação dos entrevistados, serão utilizados nomes de

planetas.

3.2 Aproximações com o Tema e o Campo da Pesquisa

A trajetória precursora da aproximação com o tema desta

elaboração científica tem seu marco a partir da disciplina de Pesquisa em

Serviço Social I que, segundo a matriz curricular do curso de Serviço Social da

Faculdade Cearense - FaC, tivemos como procedimento avaliativo a

construção de um projeto de pesquisa, no qual o objeto de estudo escolhido

Page 55: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ FACULDADE … O JOSE DO PE… · Eles me deram força e suporte para superar. Ao meu esposo, Marcus Fábio, pelo seu carinho, colaboração, paciência,

53

fosse relativo ao interesse do graduando em conhecer/pesquisar uma

determinada área das expressões da questão social.

Nesse sentido, começou-se a estudar as mulheres em seu percurso

histórico contra a violência, assim como a sua inferioridade e submissão em

relação ao homem. O estudo sobre essa temática também se deu pelo fato de

ter sido uma vítima de violência moral na fase de adolescência como citado

anteriormente na introdução. É nesse momento que acredito que o interesse

pelos estudos de gênero (a qual me estimulou as leituras e as investigações),

não acontece por acaso, tem que haver algo de impactante, que chame

atenção, impulsionando a curiosidade.

Enquanto estudante do Serviço Social, um curso que nos mostra as

contradições da sociedade, possibilitando assim a criticidade, ou seja, não nos

posicionamos como juízes, mas tentamos entender a totalidade da situação.

Desse modo, enquanto sujeito político – social, gostaria de entender as

práticas discriminatórias e ofensivas em relação às mulheres, onde elas mais

pareciam objeto de manipulação do que, propriamente, seres detentores de

direitos e liberdade.

O que mais me inquietava era o fato da mulher, em pleno século

XXI, ainda ter que passar por tantas situações de constrangimentos e

humilhações, principalmente por violências diversas que lhe deixavam marcas

profundas de difícil cicatrização. Minhas reflexões se remetiam a diversos

questionamentos como, por exemplo: O que leva o homem a cometer uma

agressão contra a esposa, companheira, namorada ou ex? Por que as

mulheres se submetem a essas humilhações, minimizando o seu ser enquanto

mulher?

As hipóteses eram diversas como: O comportamento machista,

enraizado no homem, principalmente de uma cultura nordestina, tendo como

um bordão ilustre, Luiz Gonzaga, que se referia a uma de suas músicas,

“Cabra macho, sim senhor”, uma frase que ficou marcada na memória de

muitos. Outras hipóteses se referiam: ao uso de álcool e outras drogas, aos

conflitos constantes do casal, a socialização do homem na sociedade, enfim,

essas e outras reflexões me instigavam a desvendar esses fatos no olhar mais

apurado como pesquisadora.

Page 56: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ FACULDADE … O JOSE DO PE… · Eles me deram força e suporte para superar. Ao meu esposo, Marcus Fábio, pelo seu carinho, colaboração, paciência,

54

No decorrer da construção do Projeto de Pesquisa, observei um

senso comum muito arraigado na nossa cultura brasileira de que a mulher, em

muitos casos, no seu próprio ambiente familiar e no espaço de trabalho e

demais locais de convivência, decide aceitar as práticas de violência e não

questionar a sua minimização reproduzida na dinâmica social. No exercício de

desconstrução que a pesquisa exige, não compreendia o porquê desse

descaso, onde muitas decidiam calar e ceder, de modo a serem, inclusive,

agredidas e a não se manifestarem contra os abusos sofridos.

Frente a isso, aprisionadas à ideia de ter que atender os mandos do

indivíduo macho, fosse pai ou companheiro, a partir de estudos e pesquisas,

observou-se que algumas mulheres reproduzem essa lógica dominante, onde o

homem é quem tem voz e força. Nós, mulheres, também somos passíveis de

praticar dominação masculina sobre outras mulheres. Esse poder do homem

com a mulher se dá através, da dominação masculina, como explica Bourdieu

(2012); daí então o despertar pela investigação com o tema.

Mesmo concluindo o projeto exigido pela disciplina, ficaram

inúmeras questões a serem desvendadas e eu sentia a necessidade de que

esses questionamentos precisavam de maior embasamento teórico e

depoimentos dos próprios sujeitos envolvidos na dinâmica da violência:

homens e mulheres. O grande objetivo sempre foi ir além da teoria e

compreender o que acontecia e, principalmente, motiva os atos de violência.

Desde esse momento aguçou-me o interesse pela temática, então

passei a ler com mais frequência assuntos relacionados à violência doméstica,

observava com mais atenção os noticiários que reportavam notícias de

violência contra as mulheres, participava de seminários e eventos, como

palestras, conferências, debates, oficinas, entre outros; não só ofertados pela

faculdade, indo além dos muros da Academia, experiências que me

despertaram e instigaram a entender esse cenário.

Desse modo, recordo que, em um dos seminários apresentados em

sala de aula, foi realizada uma abordagem da mulher em busca da conquista

de direitos e da sua afirmação enquanto sujeito político, perpassando por

conflitos, acorrentadas pela tensa divisão entre homens e mulheres, na qual,

aqueles formavam ordens de resistência para não aceitação da mulher no

Page 57: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ FACULDADE … O JOSE DO PE… · Eles me deram força e suporte para superar. Ao meu esposo, Marcus Fábio, pelo seu carinho, colaboração, paciência,

55

cenário público, sob a argumentação desta não ter capacidade para atuar em

espaços exteriores ao doméstico (ALVES & PINTANGUI, 1985).

Além disso, uma das maneiras de resistir à mobilização das

mulheres e mantê-las sob o comando machista é a prática da violência, tomada

como expressão da questão social, que também advém de contextos

históricos. Assim, as mulheres que fugiam às regras impostas eram duramente

reprimidas por atos de agressões, justificados pela “desobediência”

(OSTERNE, 2011).

O contato maior com a violência se deu através de uma pesquisa

realizada no segundo semestre de 2013, quando tive a oportunidade de

conhecer a Delegacia da Mulher, localizada no Centro de Fortaleza. Foi exigida

pela professora a realização de uma experiência de cunho etnográfico, a visita

a uma instituição de sua preferência, onde poderia ser abordado qualquer tema

da realidade social; logo escolhi a violência contra a mulher, definindo a

Delegacia como o campo de observação. Tendo assim a oportunidade de

conhecer a estrutura e a dinâmica da instituição. O enriquecimento da pesquisa

se deu quando abordei várias mulheres que ali estavam para prestar queixas,

com o sentimento de amarguras, medo, fragilidade, angústias, enfim, traziam

relatos diversos pontuando a violência doméstica.

No início do semestre de 2014, cursando a disciplina de

Fundamentos de TCC, foi exigida uma atividade, que seria conhecer o campo

no qual o aluno gostaria de realizar sua pesquisa para o trabalho de conclusão

de curso. Naquele momento minhas reflexões começavam a ganhar novos

contornos. De acordo com a minha insistência e curiosidade pelo tema

exposto, havia algo que não se encaixava, como se faltasse alguma coisa ou

peça para montar o quebra cabeça, pois nas minhas idas a biblioteca

observava que ali havia inúmeras monografias a respeito de violência na

perspectiva da mulher.

Embora perceba que cada pesquisador tenha um olhar diferenciado,

a pesquisa tendo o mesmo tema e o mesmo campo, por sua vez elas não se

igualam, pois se diferem através da percepção do pesquisador. Paralelo à

disciplina, observava um fato relevante que ocorria na minha família com um

parente muito próximo, que constantemente praticava violência contra sua

esposa; fatos esses que não me permitiam só observar, como também, na

Page 58: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ FACULDADE … O JOSE DO PE… · Eles me deram força e suporte para superar. Ao meu esposo, Marcus Fábio, pelo seu carinho, colaboração, paciência,

56

maioria dos conflitos, participar entre os momentos de conflito até a

reconciliação.

Essa observação participativa era algo que me faltava de certa

forma, foi um link para um pesquisa diferenciada, ou seja, nesse momento

compreendi que havia poucos estudos relacionados ao homem, formulei uma

pergunta e esta ficou gravada na minha memória: por que os homens agridem

as mulheres?

Esse era o objeto sujeito que faltava, como não queria me repetir,

pois tive a oportunidade de conversar anteriormente com as vítimas, nesse

momento então decidi entender e desvendar a outra ponta, que seria o homem

inserido em contexto de violência. Desse modo, tomada a decisão, parti para

conhecer e aproximar-me do campo; as dúvidas eram relevantes a respeito da

presença do homem na delegacia; esse foi o primeiro percurso.

Chegando à delegacia da mulher, observando a presença feminina

constante, busquei informação junto à Assistente Social, que estava informada

de toda aquela realidade. A mesma me esclareceu sobre a ausência

masculina, pois aquela instituição destinava seu foco à mulher, que ia àquele

estabelecimento prestar queixas contra seus agressores. Dialogamos e durante

o percurso tive a chance de falar sobre minha pesquisa.

Com a exposição dos fatos, a Assistente Social me encaminhou

para que fizesse uma visita ao Juizado da Mulher, localizado na Avenida da

Universidade, pois, segundo a profissional, aquela instituição tinha o contato

com o homem, de modo que o processo era encaminhado da delegacia para o

juizado, e lá ele teria que comparecer para audiências e esclarecimentos

estando privado de liberdade ou não.

Em maio de 2014 fui ao Juizado, insistindo na minha segunda

alternativa de campo de pesquisa. Ao chegar à recepção, onde fica um birô e

um policial militar, que por sua vez logo me abordou: “- Em que posso ajudar?”.

Nesse momento, indaguei sobre a possibilidade de falar com alguém

responsável a respeito de uma pesquisa e logo me identifiquei como estudante

de Serviço Social. De uma forma atenciosa o policial pediu para que eu

retornasse em outra ocasião, pois a assessora da juíza não se encontrava;

estava em uma reunião externa.

Page 59: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ FACULDADE … O JOSE DO PE… · Eles me deram força e suporte para superar. Ao meu esposo, Marcus Fábio, pelo seu carinho, colaboração, paciência,

57

No dia seguinte, ao sair da Faculdade Cearense, dirigi-me

novamente ao Juizado, com o objetivo de falar com a assessora. Ao chegar à

recepção o mesmo policial do dia anterior, já sabendo do que se tratava, logo

me encaminhou até a sala da requerida. A partir dali, tive a oportunidade de

explicar sobre o objeto a ser estudado, que no caso seria o homem, pois na

maioria das vezes é o que agride. A mesma me convidou para retornar e

conhecer a dinâmica da instituição na quinta-feira seguinte, quando teria a

oportunidade de entender aquela realidade no dia de audiências com os réus

presos, onde mencionou que essa primeira observação seria importante,

porém não teria acesso nem contato com esses presos.

Aceitei o convite e retornei na manhã da quinta-feira, por volta das

9h. Sentei em uma das cadeiras expostas no espaço da recepção e observei

atentamente. Por sua vez uma família que estava ao meu lado, entre elas uma

mãe e a esposa do réu, demonstrando muita aflição e ansiedade na espera do

carro (micro-ônibus), que fazia o percurso dos presídios, recolhendo os

detentos até o Juizado para aguardar a audiência com a juíza e a vitima; por

alguns instantes começou uma correria em direção à porta de saída, pois havia

chegado o transporte. De fato foi tudo tão rápido, porém as expressões dos

familiares eram de muita dor e tristeza, choro, gritos, inconformados por verem

seus parentes algemados, numa situação tão delicada e constrangedora.

Passei um longo período do dia observando e fazendo anotações para concluir

a atividade exigida pela disciplina de Fundamentos de TCC.

Ao concluir as observações, dirigi-me até a sala da psicopedagoga,

agradeci e naquele momento então ficou a esperança para o retorno no

próximo semestre, com o objetivo de conclusão da pesquisa. Passado e

concluído o semestre começa o processo da procura do orientador, tendo a

sorte de ter o retorno imediato da referida orientadora. Desde então iniciou todo

o processo para a conclusão da disciplina.

Levando em conta que, teriam sido válidas as visitas ao Juizado da

Mulher, retornei para entregar o ofício à responsável e fiquei aguardando o

retorno por email. Essa espera foi marcada por dias ansiosos para uma

resposta positiva, após uma semana retornei ao Juizado para manter contato e

resposta a respeito do oficio. Logo me deparei com uma funcionária, que, por

Page 60: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ FACULDADE … O JOSE DO PE… · Eles me deram força e suporte para superar. Ao meu esposo, Marcus Fábio, pelo seu carinho, colaboração, paciência,

58

sua vez, pediu para aguardar enquanto pedia autorização à juíza para

permissão da pesquisa.

A mesma chamou-me até sua sala no intuito de explicar a negação

do pedido, pelos fatores de risco que teria que me submeter e, de fato, a

instituição não poderia se responsabilizar. Logo de imediato comuniquei a

orientadora sobre o imprevisto, e ela se prontificou a conseguir outro campo de

pesquisa. Foi feito o contato com a referida instituição, o Núcleo de

Atendimento ao Homem Autor de Violência Contra a Mulher – NUAH, onde já

conhecia como um terreno fértil, para pesquisar o homem.

O contato foi respondido de forma positiva e logo me apresentei ao

Núcleo para expor meus interesses de pesquisa, desse modo ficou definido o

campo das observações. Outras dificuldades foram encontradas no decorrer da

pesquisa, tendo em vista que não poderia somente me debruçar sobre as

leituras para obter esse objetivo. Além de estudante, também exerço outros

papéis como: esposa e mãe; vale ressaltar que é uma criança com quatro anos

de idade que, por sua vez, precisa de cuidados constantes e atenção. Além de

ter que exercer todas as tarefas domésticas, que tomam muito tempo, outro

fator, considerado como desperdício de tempo e energia, era a reforma da

minha casa, a qual se estendia desde o início do ano. Essa reforma era muito

desejada, pois, por todo esse período, me encontrava na casa de meus pais,

gerando grande incômodo, me deparando com meus pertences (todos

encaixotados), ainda embalados, desde o ano anterior - entre eles o

computador, que me fez muita falta, pois tinha que recorrer a terceiros para

facilitar a digitação ou até mesmo recorrer ao serviço de lan houses.

3.3 Campo da Pesquisa: Núcleo de Atendimento ao Homem (NUAH)

Segundo registros extraídos num documento da própria instituição, o

NUAH é um projeto que integra o Programa de Fomentos às Penas e Medidas

Alternativas, do Departamento Penitenciário Nacional – DEPEN, convênio com

a Secretaria de Justiça do Estado do Ceará – SEJUS-CE. Executado pela Vara

de Execução de Penas Alternativas e Habeas Corpus, constituindo-se como

um núcleo de atendimento ao homem que praticou algum tipo de violência de

gênero no âmbito doméstico e familiar contra a mulher. Dessa forma:

Page 61: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ FACULDADE … O JOSE DO PE… · Eles me deram força e suporte para superar. Ao meu esposo, Marcus Fábio, pelo seu carinho, colaboração, paciência,

59

O NUAH foi idealizado por duas profissionais da Equipe Multidisciplinar do Juizado da Mulher de Fortaleza. Percebia-se a demanda de um serviço especializado para o atendimento do homem e um dos trabalhos pilotos que procurava suprir esta carência, como já referido, era o Espaço de Atenção Humanizada ao Homem de Violência Contra a Mulher. O NUAH era um projeto vinculado á Vara de Execução de Penas e Medidas Alternativas e Habeas Corpus – VEPAH, do Fórum Clovis Bevilácqua. (VASCONCELOS. 2013 p. 62).

A criação deste Núcleo se deu para proporcionar o desenvolvimento

de uma prática específica para o homem, mas visa também atingir direta e

indiretamente as mulheres e sobre tudo, a família. Considerando que a

responsabilização e reflexão sobre a violência cometida pelo homem devem ir

além do processo judicial. A partir da violência doméstica cometida no

passado, pretende-se criar a oportunidade de que o homem comece a construir

relações domésticas e familiares saudáveis e sem violência.

Segundo informações coletadas junto às funcionárias do Núcleo, a

instituição tem como histórico o seguinte contexto. Após anos de luta, da

constatação de estatísticas alarmantes de violência e, principalmente, desde a

criação da Lei Maria da Penha em 2006, o combate à Violência Doméstica e

Familiar Contra a Mulher vem se tomando uma política pública prioritária no

país. No entanto, diante da complexidade que envolve os conflitos familiares,

constatou-se a necessidade da criação de serviço para o homem autor de

violência doméstica. Atualmente há uma rede de apoio que atende as mulheres

vitimas de violências. Em contrapartida, no Estado do Ceará há uma carência

de trabalhos socioeducativos oferecidos aos homens autores de violência

doméstica.

De acordo com o quadro de informações exposto na sala do núcleo,

os objetivos do NUAH são: 1)Desenvolver atividades socioeducativas,

relacionadas à responsabilização e sensibilização de homens autores de

violência contra a mulher, a fim de afastá-los do contexto da violência; 2)

Prevenir e estimular o rompimento do ciclo da violência, atuando de forma

integrada com as instituições que compõem a rede de enfrentamento à

violência contra a mulher. 3) Diminuir os casos de reincidência de violência

doméstica contra a mulher.

Page 62: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ FACULDADE … O JOSE DO PE… · Eles me deram força e suporte para superar. Ao meu esposo, Marcus Fábio, pelo seu carinho, colaboração, paciência,

60

Tendo como ações desenvolvidas os atendimentos

psicosociojurídicos ao homem, grupos de sensibilização e reflexão,

atendimento aos presos pela Lei Maria da Penha e Encaminhamentos a rede

sócio assistencial do Estado do Ceará.

3.3.1 Perfil biográfico dos entrevistados

A seguir apresento as principais características dos doze homens

entrevistados no decorrer da pesquisa. Esses pontos referem-se: à idade,

escolaridade, religião, profissão, uso de drogas e conhecimento sobre a Lei

Maria da Penha. O roteiro dessas entrevistas (Apêndice) traz as questões que

foram apresentadas.

- (01) Marte: 21 anos, reside no Álvaro Wayne com cinco parentes,

tendo ensino médio incompleto, trabalha e sua profissão é técnico em

manutenção de portão automático. Solteiro, tem um filho, faz uso de álcool e

estava sob efeito no momento da agressão. É católico, já tinha ouvido falar na

Lei Maria da Penha e a menciona como uma lei severa.

- (02) Plutão: 36 anos, reside no Autran Nunes com cinco parentes,

tendo ensino fundamental incompleto, trabalha atualmente como taxista. É

solteiro, tem oito filhos, religião indefinida; a prisão ocorreu em junho. Fez uso

de álcool no momento da agressão. Esse é o segundo processo que responde

na justiça, já ouviu falar na Lei Maria da Penha, refere-se a uma lei que só

beneficia a mulher.

- (03) Vênus: 41 anos, reside no Carlito Pamplona, com três

parentes, tem o ensino médio completo, trabalha e sua profissão é vendedor

ambulante, solteiro, dois filhos, é católico, faz uso de álcool e estava sob efeito

no momento da agressão.

- (04) Saturno: 36 anos, reside no Cristo Redentor com dez

parentes, tendo ensino médio completo, atualmente trabalha como zelador,

solteiro, tem uma filha, faz uso de álcool e outras drogas. Estava sob efeito de

álcool no momento da agressão. Não tem religião, esse é o terceiro processo

que responde na justiça por violência.

- (05) Urano: 49 anos, reside no Centro com seis parentes, tem dois

filhos, casado, sem escolaridade, trabalha como servente de pedreiro,

Page 63: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ FACULDADE … O JOSE DO PE… · Eles me deram força e suporte para superar. Ao meu esposo, Marcus Fábio, pelo seu carinho, colaboração, paciência,

61

apresentando religião evangélica. Estava sob o efeito do álcool no momento da

agressão. Deixou a bebida alcoólica após se tornar evangélico.

- (06) Júpiter: 30 anos, reside no Centro com quatro parentes, tendo

ensino médio completo, trabalha atualmente como motorista, solteiro, tem uma

filha, não faz mais uso de álcool, mas estava sob efeito no momento da

agressão. Tornou-se evangélico após a prisão. Já tinha ouvido falar da Lei

Maria da Penha, que segundo ele é uma lei que veio para proteger as

mulheres.

- (07) Sol: 39 anos, reside no Couto Fernandes, com seis parentes,

trabalha de auxiliar de Serviços Gerais, possui o Ensino Fundamental

incompleto, casado, tem cinco filhos, é mórmon, não faz mais uso de álcool,

mas estava sob efeito no momento da agressão.

- (08) Netuno: 31 anos, morador do Aracapé, reside com a esposa,

possui o Ensino Fundamental incompleto, trabalha como cortador de linhas,

não tem religião, fez uso de álcool no momento da agressão e ainda consome

bebida alcoólica.

- (09) Mercúrio: 49 anos, morador da Maraponga, reside com três

parentes, possui o Ensino Médio completo, solteiro, pai de dois filhos, trabalha

como motorista comercial, católico, estava sob efeito do álcool no momento da

agressão e, após iniciar a participação no A.A, abandonou esse tipo de vício.

- (10) Terra: 30 anos, reside no Conjunto João Paulo, reside com

cinco parentes, solteiro, tem dois filhos, possui Ensino Fundamental

incompleto, trabalha de segurança em uma Igreja evangélica, estava sob efeito

de álcool no momento da agressão, mas abandonou o vício após se tornar

evangélico.

- (11) Cometa: 65 anos, reside sozinho na Barra do Ceará, tem uma

namorada, possui o Ensino Fundamental incompleto, católico, trabalhava de

tramitador de processo, contudo, foi demitido após retornar da prisão. Estava

sob o efeito de álcool no momento da agressão e persiste no vicio.

- (12) Meteoro: 38 anos, mora sozinho no Monte Castelo, solteiro,

tem três filhos, Ensino Fundamental incompleto, católico, trabalha de garçom.

Consumiu álcool no momento da agressão e ainda continua utilizando bebida

alcoólica.

Page 64: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ FACULDADE … O JOSE DO PE… · Eles me deram força e suporte para superar. Ao meu esposo, Marcus Fábio, pelo seu carinho, colaboração, paciência,

62

A média de idade dos homens entrevistados é de 35 anos, residem

em bairros da periferia de Fortaleza, apresentam baixa escolaridade e,

consequentemente, se ocupam de trabalhos informais e/ou manuais de baixo

rendimento. Todos, no momento da ação violenta, fizeram uso, principalmente,

de bebidas alcoólicas. A maioria se considera evangélico e ao serem

questionados sobre a Lei Maria da Penha, poucos conhecem seus usos e

funções. No próximo capítulo analiso essas informações, relacionando-as com

as categorias estudadas no início do texto.

Page 65: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ FACULDADE … O JOSE DO PE… · Eles me deram força e suporte para superar. Ao meu esposo, Marcus Fábio, pelo seu carinho, colaboração, paciência,

63

4 CAPÍTULO 3 – PERCEPÇÕES E IMAGINÁRIOS DE HOMENS EM SITUAÇÃO DE VIOLÊNCIA

Nesse capítulo, apresento o contexto das entrevistas e dos grupos

focais realizados no NUAH, bem como ressalto a visão, a história da instituição

e o papel de seus funcionários. Ao analisar as entrevistas, faço uma discussão

sobre os principais aspectos e situações relatados pelos homens. O capítulo

está distribuído da seguinte forma: inicialmente, apresento os cenários e

personagens do NUAH, em seguida, discuto, em cada uma das subseções, os

elementos mais relevantes das entrevistas e, por fim, relato as experiências

dos grupos focais realizados na instituição com os homens.

4.1 Cenários e Personagens: as Entrevistas no NUAH

Observei que era frequente os homens que participavam do grupo

no horário da tarde, em sua maioria chegavam sempre adiantadas, por volta

das 13h; entregavam sua identificação e aguardavam sentados fora da sala até

o momento de serem convidados a entrar na sala para o encontro do grupo.

O grupo começava sempre por volta de 13h30, quando não havia

nenhum imprevisto, como ajuste de som, datashow, organização de água e

copos à disposição dos homens, além da arrumação da sala – sempre em

forma de semicírculo. A reunião era mediada pela “Irmã Socorro”, membro da

Igreja Católica, vinculada à Pastoral Carcerária, que fazia um trabalho social

voluntário, trabalhando especificamente com esse público.

Irmã Socorro, uma senhora de aproximadamente 50 anos, mediava

o grupo sempre na companhia de uma auxiliar, que por sua vez iniciava o

grupo com uma atividade de relaxamento físico, fazendo uso de dinâmicas de

grupos e músicas instrumentais. Irmã Socorro tinha como finalidade abordar

em suas temáticas principais a discussão do perdão, pensar antes de cometer

atos, renunciar as tentações, evitar o uso de todo tipo de droga e

principalmente o fato de não rescindir, buscando fazer com que todas as

pessoas do grupo, refletissem sobre suas vidas e práticas.

Eram realizadas diversas dinâmicas ao longo do encontro para que

houvesse uma maior interação e participação, embora fosse notória a

Page 66: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ FACULDADE … O JOSE DO PE… · Eles me deram força e suporte para superar. Ao meu esposo, Marcus Fábio, pelo seu carinho, colaboração, paciência,

64

participação dos homens do grupo. Eles gostavam de falar, externavam suas

experiências e perspectivas, destacando o discurso de arrependimento da

violência – formado, principalmente, após a detenção.

Lembro que entre as dinâmicas realizadas, uma foi marcante. A

ideia era que o homem se colocasse no lugar da mulher, vítima de violência. A

mediadora solicitou que todos os homens da sala colocassem uma cadeira

vazia diante de si. Eles tiveram que imaginar que na cadeira vazia havia a

companheira agredida e recordar todos os atos da violência. Logo após, foram

convidados a sentar na cadeira vazia e de fato se colocar na posição da

pessoa vítima daquelas agressões. Encerrada a dinâmica foram estimulados a

externar suas opiniões sobre a atividade. Destacaram as dificuldades nos

relacionamentos vivenciados e extravasaram sentimentos. A emoção foi geral –

um dos momentos mais emblemáticos da minha experiência do grupo.

Grande parte dos integrantes demonstrou no grupo e nas entrevistas

arrependimento por suas práticas, contudo, um dos membros, conhecido como

vingador, externava um rancor extremo, não se comovendo com as atividades

e insistindo na legitimidade dos seus atos. Na dinâmica citada anteriormente, o

Vingador se recusou a participar, argumentando que não gostaria de recordar o

passado muito menos se colocar na posição de sua antiga companheira.

Também apresentava uma inclinação persistente em assassinar o seu ex-

sogro, devido a uma dívida financeira e a um suposto envolvimento desse

senhor na vida do casal.

O grupo era formado por treze homens que eram encaminhados ao

NUAH por determinação judicial. Embora fosse obrigatório, eram recorrentes

falas abordando o prazer de fazer parte do grupo, destacando a ideia de que o

homem não possui voz em casos de violência contra suas companheiras. Lá,

segundo observação realizada no grupo, eles tinham vez – fenômeno que não

ocorria na Delegacia. É interessante notar que os membros relatavam que,

inicialmente, frequentavam devido a essa decisão judicial, contudo, após o

terceiro ou quarto encontro já haviam encontrado laços e apoio que

extrapolavam a burocracia da justiça.

Dos treze componentes do grupo, somente dois se mostravam mais

retraídos e tímidos; estes só falavam quando questionados pela mediadora.

Enfim, se diferenciavam dos demais que tinham uma necessidade de falar e

Page 67: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ FACULDADE … O JOSE DO PE… · Eles me deram força e suporte para superar. Ao meu esposo, Marcus Fábio, pelo seu carinho, colaboração, paciência,

65

expressar seus sentimentos. Vale destacar que a participação ativa dos

membros já se constitua em uma das etapas de ação do grupo: a terapia.

O clima entre eles no grupo era de cordialidade e, em alguns casos,

até companheirismo. Fato que não excluía eventuais discordâncias entre os

membros. Como ocorreu na questão sobre a importância do trabalho de suas

companheiras. Enquanto a maioria afirmava ser inviável a mulher exercer uma

profissão fora de casa, outros, a bem dizer a minoria, diziam que as mulheres

deveriam exercer suas profissões e contar com o apoio do homem.

Em média os homens tinham 35 anos, se disseram evangélicos,

religião que conheceram e passaram a adotar após a experiência no presídio.

A minoria tinha o Ensino Médio concluído, sendo que os homens do grupo

geralmente tinham o Ensino Fundamental incompleto.

Em sua maioria estavam solteiros, fato consolidado após as

denúncias de agressão. A partir da observação do grupo, percebi que eles se

sentiam sozinhos, muitos haviam retornado ao lar materno – encontrando no

grupo um conforto psicológico e apoio, fundamentais para esse momento de

suas vidas.

O encontro sempre se encerrava às 16h. Em alguns encontros era

solicitado um intervalo de aproximadamente dez minutos. Quando finalizava a

reunião todos retornavam a sala do NUAH para assinar a lista de presença e

receber seu documento que haviam entregado no início. É importante

mencionar que os homens deviam participar de todos os encontros no intervalo

de seis meses, com uma regularidade quinzenal, tendo que apresentar no final

doze assinaturas para receber o certificado de participação – documento

apresentado no Juizado de Violência contra a Mulher. Caso houvesse algum

imprevisto, fazia-se necessário que o homem comparecesse e apresentasse

uma justificativa acompanhada de uma declaração oficial. No período analisado

pela pesquisa, registrei a assiduidade e pontualidade de todos os integrantes

do grupo.

4.2 Diferentes Versões e Discursos

Nos próximos tópicos analiso detidamente os principais elementos

destacados nas doze entrevistadas, traçando uma série de relações com as

Page 68: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ FACULDADE … O JOSE DO PE… · Eles me deram força e suporte para superar. Ao meu esposo, Marcus Fábio, pelo seu carinho, colaboração, paciência,

66

categorias discutidas no capítulo 1, notadamente: violência, relações de gênero

e família.

4.2.1 O uso de álcool e outras drogas

O uso do álcool foi verificado em todas as falas dos entrevistados,

levando em consideração que o álcool e as drogas ilícitas não podem ser

analisados como causadoras da violência, pois segundo a Juíza do Juizado de

Violência Doméstica e Família Contra a Mulher, Rosa Mendonça, o álcool não

é a causa da violência, porque existem homens que bebem e não batem e

existem homens que batem e não bebem. Confirmando essa tendência, já

discutida no primeiro capítulo, Furtado e Mello (2010) chegaram às mesmas

conclusões ao analisar três instituições em Fortaleza como, Delegacia de

Defesa da Mulher, Juizado de Defesa da Mulher e o AA.

Foram realizadas diversas abordagens com os homens que, através

dos seus relatos, mencionaram o uso de álcool e/ou outras drogas, enfatizando

que esse consumo os levou a cometer algum tipo de violência contra suas

companheiras. Vale ressaltar que tanto a minha pesquisa como a investigação

realizada pelos autores citados anteriormente foram estudos realizados com

um grupo pequeno de homens. Porém, essas análises, de caráter científicos,

são de grande importância para verificar a complexidade da relação entre

drogas e violência.

Durante a pesquisa pude observar e concluir que as minhas

hipóteses tinham relevância e as mesmas foram comprovadas. Principalmente

ao que se refere ao álcool, pois o homem se utiliza deste argumento para criar

coragem ou até mesmo minimizar seu ato através da bebida, usando a

conhecida frase que diz: “Só fiz porque estava bêbado”. Dessa forma, caso não

tivessem ingerido a bebida, segundo eles, certamente não tinham tais atos de

violência. Nesse tipo de situação, percebi que os homens geralmente atribuem

o seu comportamento transgressor a um fator externo, no caso, o uso de

drogas.

Porém depois de dialogar com inúmeros autores relacionados ao

assunto, sabemos que esses discursos e comportamentos estão relacionados

com a reprodução de um contexto histórico que produziu e construiu o

Page 69: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ FACULDADE … O JOSE DO PE… · Eles me deram força e suporte para superar. Ao meu esposo, Marcus Fábio, pelo seu carinho, colaboração, paciência,

67

machismo, cultura enfatizada entre os homens do Brasil, com maior ênfase na

cultura nordestina. Nesse sentido, algumas falas são fundamentais para

visualizar a relação álcool e violência, ressaltando três que enfatizam a

utilização de drogas na trajetória desses homens e na prática da violência:

Eu já fiz muita coisa errada, já me meti num monte de rolo por aí, mas em relação a bebida eu sempre gostei de tomar uma cervejinha. E em relação às drogas, comecei na maconha, eu achava que não era nada demais fumar um cigarro desses, aí teve um dia que eu vi vários amigos cheirando, tive vontade de sentir aquele prazer também, aí quando me dei conta já estava viciado, porque eu fazia qualquer coisa pra conseguir uma pedra (Marte, 21 anos) Eu estava num bar, aí já tava cheio de problemas, de cabeça quente, aí essa cumade chegou, aí começou a me esculhambar ela falou, falou e eu calado, mas na hora que ela me chamou de corno sem vergonha ai eu fiquei doido, taquei a lata de cerveja que estava com ela na mão rebolei na cabeça dela, eu até vi que ficou saindo sangue , mais ela ficou lá fazendo zoada e eu fui pra casa. (Vênus, 41 anos). Eu só bebi nesse dia mesmo. Eu cheguei do trabalho e passei num barzin que tinha lá perto de casa, aí tinha uns amigos meus e eles ficaram naquela “bebe aí cara só um copinho”. (Sol, 39 anos)

Todos eles fizeram uso de bebidas alcoólicas antes de violentar

suas companheiras. Esses homens deixaram bem claro que só cometerem

esses atos porque estavam alcoolizados. Porém, como pesquisadora, ao

analisar esse contexto sob a luz das discussões realizadas no primeiro

capítulo, percebi que o álcool não foi o agente causador dessas situações,

apenas potencializou uma intenção ou mesmo uma situação de conflito.

4.2.2 Relacionamento com a Família

Nessa parte é importante destacar a multiplicidade de arranjos

familiares presentes entre os entrevistados. Como foi analisado no capítulo 1,

existe na sociedade contemporânea uma gama de modelos familiares, dessa

forma, nas doze entrevistas realizadas notamos famílias reduzidas, formadas

por casais e casos de grupos familiares estendidos, que incluíam avós, avôs,

tios, sogras e cunhadas, como ficou claro nessas respostas sobre quantas

pessoas residem com o entrevistado: “ Meu pai, irmã, duas sobrinhas o homem

que ela vive eu e minha mãe também” (Marte, 21). “Pai, mãe, irmã, cunhado,

sobrinhos, só sei que são dez” (Saturno, 36 anos). “Só eu e a minha esposa”

(Netuno, 31 anos)

Page 70: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ FACULDADE … O JOSE DO PE… · Eles me deram força e suporte para superar. Ao meu esposo, Marcus Fábio, pelo seu carinho, colaboração, paciência,

68

Como foi dito anteriormente, após a agressão realizada, os que não

conseguiram a reconciliação, retornaram para o convívio familiar, voltaram para

seu lar materno, ou seja, viver na casa dos pais a principio parece ter sido a

única solução. Os homens ressaltavam em suas falas que o fato de ter voltado

a morar com os pais, foi de não ter para onde ir, ter sido preso foi uma situação

extremamente constrangedora, tendo sido algo que modificou suas vidas e

principalmente a rotina de cada um, pois alguns perderam o emprego pela

quantidade de faltas e ainda por cima enfrentam humilhações diárias na

comunidade em que vivem e através de alguns parentes.

4.2.3 Memórias da juventude

Neste momento recordo que na fala de um deles fica perceptível o

grande esforço para, como pai, comprar para seu filho brinquedos, não pelo

fato de existir brinquedos modernos que não tinham em sua época, mas,

principalmente para desfrutar de momento alegres de ter a felicidade de ganhar

um brinquedo, para algum parece ser bobagem, mas para quem teve uma

infância marcada pela pobreza e pela escassez até de alimentos era muito raro

ter com que brincar, só tinha mesmo os carrinhos artesanais, feitos de latas de

óleo Pajeú e doces (feitas de alumínio), entre outros brinquedos feitos a mão

utilizando o material disponível, como bolas feitas a partir de meias usadas.

Quanto aos relatos da adolescência, foram mais recorrentes as falas

relacionadas ao trabalho, no qual a maioria deles falaram que tiveram que

iniciar muito cedo, dando início mesmo na infância, precisavam trabalhar para

ter que ajudar e manter a família, lembrando as necessidades financeiras.

Vários entrevistados relataram, com frequência, a relação que tiveram com

atos de violência. Quando questionados sobre o relacionamento dos seus pais,

em sua maioria respondia que presenciavam agressões, praticadas pelos seus

respectivos pais, tendo como marcas simbólicas alguns termos: “peias”,

“gritarias” e “faca”.

A ideia de que esses homens já vivenciavam a violência na

juventude, foi uma das hipóteses que se confirmaram no estudo de campo.

Isso não quer necessariamente que o filho que ver seu pai cometendo

agressão também vai ser um homem agressivo, isso não justifica a prática da

Page 71: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ FACULDADE … O JOSE DO PE… · Eles me deram força e suporte para superar. Ao meu esposo, Marcus Fábio, pelo seu carinho, colaboração, paciência,

69

violência, nem todo o filho tem o mesmo comportamento do pai, não é pelo fato

do pai ter uma determinada profissão o filho tenha que seguir seus passos.

Porém, o filho tende a reproduzir alguns tipos de comportamento, mesmo

indiretamente e inconscientemente, pois ele acaba naturalizando a violência e

formando uma convicção masculinidade extremamente machista, como pode

ser percebido nesses trechos das entrevistas:

O relacionamento com a minha mãe é ótimo, ela fez tudo pra mim, mais com meu pai é péssimo. Já respondi outro processo por causa de agressão, por ter quebrado o violão na cabeça do meu pai... Agente nunca se entendeu... Eu me sinto muito revoltado porque teve isso que aconteceu na minha infância eu nunca esqueci foi quando fui estuprado. (Saturno, 36 anos) Minha infância foi marcada com muita necessidade, muita fome, é só isso que eu lembro, tinha dia que nós só comia quando meu pai trazia um peixinho lá da Lagoa da Parangaba, ele ia a pé, era muito longe da casa que a gente morava, tinha que ir cedo pra da tempo e comer na hora do almoço. (Urano, 49 anos) Assim, é porque eu sou filho adotivo, então sempre me senti rejeitado, não tinha aquele amor de mãe de sangue, entende? Como era de interior pequeno todo mundo se conhecia e eu ouvi falar que era filho de mulher lá que era errada. (Meteoro, 38 anos)

Esse era um dos temas que conseguia extrair inúmeras informações

que se referiam a trajetória dos entrevistados, enfatizando a vida na

adolescência e a relação com os pais; alguns relataram os fatos de imediato,

mas os demais fizeram uma retrospectiva, lembrando vários momentos. No

geral, pude perceber que a infância não foi muito prazerosa, pois foi recorrente

nas falas o argumento da falta das brincadeiras, tendo que renunciar esse

momento para realizar outras atividades. Segundo eles, tinham que deixar de

lado as brincadeiras para assumir compromissos de adulto, como, por

exemplo, deixar de brincar de bola para vender coco na praia, não participar

das brincadeiras na rua, para acompanhar seu pai ajudando nas vendas da

feira.

4.2.4 Percepção da violência

Ao serem impelidos a narrar o ato da agressão e justificar os motivos

de tal fato, os homens disseram que a culpa estava na mulher, algum tipo de

comportamento desaprovado por eles havia motivado a agressão. Colocavam-

se como homens pacíficos e ordeiros, nunca haviam se inserido em conflitos

Page 72: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ FACULDADE … O JOSE DO PE… · Eles me deram força e suporte para superar. Ao meu esposo, Marcus Fábio, pelo seu carinho, colaboração, paciência,

70

anteriormente – foi algo excepcional. Poucas vezes percebi uma fala de

arrependimento, sendo que muitos naturalizavam a violência, acreditavam até

que a mulher não precisava ter feito denúncia – o problema poderia ter sido

resolvido entre o casal. Um dos discursos mais frequente se referia à questão

de conflito entre casal é “coisa de família, para ser resolvido em casa e não

pela justiça”.

Os níveis de violência são dos mais distintos, empurrões, chutes,

arranhões, bofetes, puxões de cabelo, surras, pedradas e agressões verbais.

Interessante notar que os homens do grupo foram unânimes ao informar que

em suas relações nunca tinha ocorrido conflitos violentos. Esses tipos de

violência foram narrados com detalhes pelos entrevistados, como veremos a

seguir:

Eu cheguei em casa de manhã, já tinha bebido todas, porque tava com raiva dela, fiquei sabendo que ela tava me traindo com o vizinho que era viúvo e ela tava indo pra lá direto beber com ele. Nesse dia, a gente começou a brigar eu disse uns nomes com ela e ela não pode ter raiva, porque corre logo pra pegar uma faca. Aí na hora da confusão ela deu uma facada nas minhas costas e eu, pra me defender, peguei uma pedra e taquei na cabeça dela. Ela se levantou e com a faca na mão ainda me furou na perna. (Meteoro, 38 anos). Eu só dei uma tapa e depois um empurrão, foi só isso mesmo. Aí os homi chegou botou as pulseira em mim, e me levou para delegacia, passei mais de três meses presos. (Urano, 49 anos). Nesse dia umas de tarde e fui até o trabalho dela, mais eu tava consciente de tudo que tava fazendo. Eu dei uma porrada nela, mas não foi nada demais, eu só me fudi porque ela tava com a medida protetiva. (Plutão, 36 anos)

É interessante destacar que analisando as entrevistas e observando

as discussões do grupo e as conversas entre eles no corredor, verifique que

alguns elementos foram marcantes: um dos tópicos mais persistentes na fala

deles foi o acompanhamento de atos de violência por programas policiais como

Barra Pesada e Cidade 190, que são transmitidos poucas horas da realização

do grupo. Quando se viam, antes das discussões, em conversas informais no

corredor, questionavam se o outro tinha assistido aquele caso ou investigação

da policia, apontando para uma forte cultura da violência midiática entre os

homens.

Page 73: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ FACULDADE … O JOSE DO PE… · Eles me deram força e suporte para superar. Ao meu esposo, Marcus Fábio, pelo seu carinho, colaboração, paciência,

71

4.2.5 O Conhecimento e usos da Lei Maria da Penha

Essa Lei, sancionada em 2006, podemos dizer que é uma lei recente,

muito comentada pelos homens. De acordo com o estudo realizado no 1º

capitulo: 82% das pessoas já ouviram falar da lei, mais somente 18% sabem do

seu conteúdo. Isso se comprovou no grupo, pois, quando eram questionados

sobre a Lei Maria da Penha, relatavam que tinha ouvido falar em mesa de bar,

em grupos de amigos ou em conversas informais no trabalho e na família.

Enfim, em sua maioria sabiam da existência da lei, porém só vieram a

conhecer o conteúdo real desse dispositivo jurídico quando estavam

vivenciando suas consequências. Um fenômeno também muito corriqueiro

presente entre os integrantes do grupo foi a avaliação negativa dessa lei, que,

segundo os entrevistados, só beneficiaria a mulher:

É uma lei injusta, só a mulher que tem razão, o cara mesmo é visto como um vagabundo; deveria ter uma lei pra beneficiar o homem como José do Penhor, aí ficava Maria da Penha pra mulher e o José do Penhor pra o homem. (Plutão, 36 anos) Uma lei que nasceu para defender a mulher e ela tem toda moral pra acabar coma vida do homem, como a senhora pode ver no meu caso, ela me deu duas facadas, fiquei internado, passei por uma cirurgia, porque perfurou meu pulmão e ainda fui preso, isso é muito injusto. (Meteoro, 38 anos) Já tinha visto falar, mais agente nunca sabe como é a lei na prática, quando eu vim saber já tava pagando ela. É uma lei severa, a vida da gente vira um inferno, nunca mais quero passar por isso, sei que sou muito novo, ainda vou ter outra mulher, mas não quero saber de confusão, quando a mulher vier brigar comigo eu dou é as costas. (Marte, 21 anos).

É importante lembrar que essa lei foi criada para ambos os sexos. A

mulher que cometer qualquer ato de violência responderá juridicamente pelos

seus atos, dessa forma, contrariando a percepção dos homens entrevistados,

que se sentem injustiçados e não concordam com as novas penalidades, a

justiça em tese combate veementemente todas as formas de violência. Após

muitas décadas os movimentos feministas e, mais recentemente, o caso Maria

da Penha, apontam para uma realidade brasileira: em situações de violência

doméstica, envolvendo casais, a mulher geralmente é alvo de atos violentos

cometidos por seu companheiro; um fenômeno também histórico-cultural.

Page 74: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ FACULDADE … O JOSE DO PE… · Eles me deram força e suporte para superar. Ao meu esposo, Marcus Fábio, pelo seu carinho, colaboração, paciência,

72

4.3 Análise do Grupo Focal

O grupo focal ocorreu na quinta-feira, dia 13 de novembro de 2014.

Foi realizado nas dependências do NUAH, nos turnos da manhã e da tarde, ou

seja, com públicos diferentes. Na manhã o grupo ficou reunido das 9 às 11h. A

mediação foi realizada por mim e por uma psicóloga, que está pesquisando o

núcleo. Estiveram presentes nove homens de diferentes idades e perfis. A

tarde foi realizado um novo grupo focal, com um público diferente, a reunião foi

mediada somente por mim. O encontro da tarde ocorreu das 14 às 16h. Treze

homens marcaram presença nessa atividade.

Os homens que participaram do grupo focal estavam aparentemente

tranqüilos, vestidos com roupas comuns, participaram ativamente das

discussões. Três dinâmicas ocorreram pela manhã e três à tarde – as

atividades seguiram a mesma lógica e cronograma. Como citado

anteriormente, o grupo sempre inicia com uma atividade de relaxamento

corporal, com o objetivo de aliviar tensões e obter uma maior reflexão e

concentração. Essa prática ocorreu com a utilização de músicas instrumentais,

o som foi ampliado no início e, logo após a atividade ficou um som ambiente.

A primeira dinâmica foi utilizada massa de modelar. Alguns até

lembraram os tempos da infância. A proposta da atividade consistia em que

cada integrante do grupo modelasse uma figura que representasse algo

significativo e marcante em suas vidas e, finalizado o trabalho, deveriam

justificar sua escolha. Um modelou uma cobra, justificando que já foi mordido

por duas cobras ao longo da vida; na infância quando brincava no quintal de

casa e na vida adulta, quando, segundo ele, provou o veneno da mulher – nas

duas situações o integrante se sentiu um sobrevivente.

Outro homem modelou uma bola, representando a infância perdida.

Quando foi justificar seu molde, se emocionou e narrou a infância difícil, vivida

na periferia de Fortaleza – quando faltava tudo, inclusive, a bola para brincar

com os amigos. Um dos integrantes modelou uma mulher, representando a sua

mãe, ao justificar aquele símbolo, reviveu momentos tristes, afirmando que era

constantemente espancado pela mãe, além de ser privado de todo e qualquer

tipo de carinho materno.

Page 75: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ FACULDADE … O JOSE DO PE… · Eles me deram força e suporte para superar. Ao meu esposo, Marcus Fábio, pelo seu carinho, colaboração, paciência,

73

Por fim, ainda na primeira dinâmica, um homem modelou uma

criança e disse que ali estava sua filha. Fruto de seu primeiro casamento. Há

catorze anos não se viam, mesmo assim recordava da infância da menina e

dos momentos inesquecíveis de brincadeiras e carinhos que realizava com sua

filha. Os laços foram rompidos e a única informação que tem de sua filha é o

fato dela ter casado, ser mãe e residir na cidade de Natal-RN. Vale ressaltar

que ao justificar seu desenho, esse homem chorou, demonstrando muita

saudade de sua família.

Na segunda dinâmica foi entregue uma revista para cada integrante.

Essa atividade consistiu em propor que os homens escolhessem nas revistas

duas figuras (uma masculina e outra feminina) e, em seguida, narrar os seus

ideias do que é ser homem e do que é ser mulher. Vários elementos

interessantes surgiram a partir dessa dinâmica.

Um deles selecionou a imagem da presidente Dilma Roussef,

representando a autoridade e emancipação da mulher. E, como figura

masculina, selecionou uma foto do Papa Francisco, afirmando que um homem

deve resguardar um lado espiritual e deve ter liderança, assim como o líder

máximo da Igreja Católica.

Outro homem selecionou a imagem formada pelo ator e diretor

Márcio Garcia, sua esposa e filhos, em momento de laser numa praia do litoral

paulista. Segundo esse homem, Márcio Garcia porque estava com a família

reunida e que ela o ajudava muito, principalmente por ele ser uma figura

pública, ela tinha que ser muito compreensiva e evitar ciúmes.

Um dos momentos mais marcantes dessa dinâmica foi quando um

homem apresentou duas imagens que para ele são as representações ideais

dos mundos masculino e feminino. Para simbolizar a mulher escolheu uma foto

da apresentadora Ana Maria Braga cozinhando e disse que assim deveriam ser

todas as mulheres – ganhar o homem pela barriga, fazendo sempre comidas

deliciosas. Já para representar o homem, mostrou uma foto publicitária de uma

marca famosa de cerveja, em que um grupo de homens bebia num bar; para

ele a mulher deve compreender que o homem precisa desses momentos de

descontração, pois são muitas as responsabilidades e se o homem não tiver

um momento de alegria a tensão se torna insuportável.

Page 76: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ FACULDADE … O JOSE DO PE… · Eles me deram força e suporte para superar. Ao meu esposo, Marcus Fábio, pelo seu carinho, colaboração, paciência,

74

Finalmente, outro homem selecionou uma foto com uma reprodução

do Cristo Redentor do Rio de Janeiro. Para esse homem essa imagem

representava todo um ideal de liberdade, paz e amor – afirmando que tanto

homens como mulheres só seriam felizes se seguirem os caminhos do senhor.

A partir dessa dinâmica abriu-se um espaço para debater sobre

diversas temáticas – constituindo a terceira dinâmica.

Essa atividade consistiu na realização de vários questionamentos

sobre a diferença entre ser homem e ser macho, o papel do homem e da

mulher o que significa família, a percepção sobre a Lei Maria da Penha, qual

deveria ser a punição para casos de violência contra a mulher, percepções

sobre os ditados populares: “em briga de marido e mulher não se mete a

colher”, “tem mulher que gosta de apanhar” e “na mulher não se bate nem com

uma flor”.

Para os integrantes do grupo a principal diferença entre ser homem

e ser macho está reside no fato de que o homem é portador de

responsabilidades, um cidadão ciente dos seus deveres, provedor da família e

o macho é aquele que procura se envolver em conflitos, irresponsável,

arrogante, indiferente à família e, principalmente, aos anseios dos filhos, sendo

sua marca principal a violência e a brutalidade.

No que tange aos papéis sociais do homem e da mulher,

argumentaram que todo homem tem que ter uma profissão para garantir a

sobrevivência da família, ter caráter, liberdade, respeito e moral, enquanto a

mulher deve ser paciente, amorosa, bonita, compreensiva, cuidar bem da casa,

do marido e dos filhos e ter respeito próprio.

A família, para os homens que participaram desses grupos focais,

representa a base e estrutura de tudo, pois sem família o ser humano fica

perdido, configura-se no alicerce de suas vidas e que está sempre nos

momentos mais difíceis.

Quanto a Lei Maria da Penha, os homens disseram que essa lei

surgiu para beneficiar exclusivamente a mulher, desestrutura a família e, o

mais frequente na fala desses homens, com esse dispositivo a mulher tem vez

e voz para destruir a vida de qualquer um. A percepção é de que a lei é injusta,

pois a versão do homem não é levada em consideração.

Page 77: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ FACULDADE … O JOSE DO PE… · Eles me deram força e suporte para superar. Ao meu esposo, Marcus Fábio, pelo seu carinho, colaboração, paciência,

75

Segundo os grupos focais, a punição atual é muito rígida,

transformando qualquer cidadão em um criminoso. Dessa forma, a justiça

deveria rever as punições e estabelecer penas mais brandas, como serviço

comunitário e participação em grupos educativos, tais como esses que ocorrem

no NUAH. Para eles o sistema prisional não educa ninguém, pelo contrário,

fortalece mágoas e vinganças.

No que se refere a percepção sobre os ditados populares citados

acima, as falas deixam claro o tipo de representação que os homens estudados

possuem sobre a vida privada. No ditado “em briga de marido e mulher não se

mete a colher”, foram unânimes em concordar com esse provérbio, pois os

conflitos entre casais devem ser resolvidos somente no âmbito doméstico,

sendo excluído qualquer tipo de interferência da família, vizinhos e agentes da

lei. Quanto ao ditado “mulher gosta de apanhar”, afirmaram que o homem

mesmo quando agride a mulher o seu intuito é apenas punir o comportamento

e não ferir fisicamente a sua companheira; mesmo assim, disseram que

existem mulheres que gostam de ser violentadas.

No último ditado debatido, intitulado “na mulher não se bate nem

com uma flor” argumentaram que esse provérbio deve ser relativizado, pois

tem mulheres que por serem arrogantes e agressivas merecem sim uma

punição para aprenderem a respeitar o homem, nesses casos elas não

merecem flores, mas sim espinhos.

Enfim, como pesquisadora, percebi que essas experiências no

NUAH contribuíram positivamente para a minha formação acadêmica e

pessoal. Através da leitura dos autores apresentados ao longo do texto,

discussões e análises dessa temática, consegui relativizar várias informações

apresentadas pelos homens que por mim foram entrevistados. Algumas valem

a pena mencionar. Primeiro, não podemos construir uma visão mecanicista e

superficial ao vincular a violência desses homens a formação que tiveram na

juventude. Ao fazer isso, estaremos sendo apenas deterministas, sem

compreender a complexidade do fenômeno, que, como abordado, tem uma

forte inspiração numa cultura da masculinidade extremamente machista e

patriarcal. O mesmo raciocínio vale para o consumo de drogas lícitas e ilícitas,

pois dizer que quem bebe se torna automaticamente violento, incorreríamos

numa tese simplória.

Page 78: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ FACULDADE … O JOSE DO PE… · Eles me deram força e suporte para superar. Ao meu esposo, Marcus Fábio, pelo seu carinho, colaboração, paciência,

76

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A pesquisa apresentada a meu ver oferece uma importante

contribuição para a discussão sobre a violência contra a mulher. Ao longo do

texto, tentei compreender os elementos que estão presentes na cultura da

masculinidade, contexto histórico brasileiro, arranjos familiares e

transformações a partir da Lei Maria da Penha. A ideia de pesquisar a

percepção do homem se mostrou muito satisfatória, uma vez que possibilitou

uma visão mais ampliada e complexa sobre a temática. É importante lembrar

que são poucas as pesquisas que tratam desse enfoque na área das Ciências

Humanas.

Vale destacar que a presente investigação refere-se a discussões

realizadas a partir de um grupo reduzido, contudo, o diálogo com os autores no

capítulo 1 demonstrou que vários aspectos aqui discutidos estiveram presentes

em vários estudos, tais como: a relação entre drogas e violência, os papéis do

homem na sociedade, trajetórias familiares conflituosas, os modelos de

relacionamento conjugal e as percepções sobre a Lei Maria da Penha.

É importante frisar como Assistente Social a pouca efetividade de

políticas públicas que trabalhem na perspectiva do homem, uma vez que esse

sujeito não é violento todo o tempo e muito menos sua vida se reduz a um

momento de agressão. São seres humanos, plenos de direito e que devem ser

atendidos e reconhecidos pelo Estado. A violência de todos os tipos nunca é

justificável, contudo acredito que para combater todo e qualquer tipo de

violência o primeiro passo é compreender a lógica das representações dos

sujeitos envolvidos nesse ciclo.

Basta ressaltar que esses homens têm uma história, repleta de

violência familiar, representações machistas e uma cultura fortemente

patriarcal, apesar das transformações na sociedade contemporânea. Uma das

falas desses homens me chamou atenção justamente por destacar que deveria

haver mais grupos de reflexão, contudo, não apenas em momentos de sanção

judicial, mas também em escolas, na família, comunidade, ou seja,

complementando essa proposta desse integrante do grupo, temos que

construir uma nova cultura nas relações de gênero. Cabe a cada de um nós um

papel fundamental nessa caminhada. Não devemos esquecer que uma dos

Page 79: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ FACULDADE … O JOSE DO PE… · Eles me deram força e suporte para superar. Ao meu esposo, Marcus Fábio, pelo seu carinho, colaboração, paciência,

77

objetivos do Serviço Social é combater diferentes modalidades de

desigualdades, portanto, a violência contra a mulher deve está na pauta do dia

dos Assistentes Sociais em diferentes lugares e contextos.

Page 80: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ FACULDADE … O JOSE DO PE… · Eles me deram força e suporte para superar. Ao meu esposo, Marcus Fábio, pelo seu carinho, colaboração, paciência,

78

REFERÊNCIAS

ABRITTA, Stela Dalva; SILVA, Nara Liana Pereira. Violência velada e revelada: um relato de experiência com um grupo de homens. Disponível em:

<http://php.iesb.br/ojs/index.php/psicologiaiesb/article/viewArticle/30>. Acesso em: 22 jun. 2012. AMADO, Roberto Marinho (coord.). Homens e violência doméstica: os grupos reflexivos e a Lei Maria da Penha. Comunicações do ISER. Numero 65 – Ano 30. 2011. Rio de Janeiro: Instituto de Estudos da Religião – ISER, 2011. ALMEIDA, Miguel Vale de. Senhores de si: uma interpretação antropológica

da masculinidade. Lisboa: Fim de Século, 1995.

ALVES, Rosenberg Rodrigues. Família Patriarcal e Nuclear: Conceito, Características e Transformações. II Seminário de Pesquisa da Pós Graduação em História da UFG/UCG. Disponível em: <http//pós–história. História.Ufg/uploads/113/original-IISPhist0RoosembergAlves.pdf>. Acesso em: 23 abr. 2014.

BEAVOUIR, Simone de. O segundo sexo: a experiência vivida.v. 2. 2 ed. São

Paulo: Difusão Europeia do Livro, 1987. BORIS, Georges Daniel Janja Bloc. Falas masculinas ou ser homem em Fortaleza: múltiplos recortes da construção da subjetividade masculina na

contemporaneidade. Fortaleza, UFC, 2000. 381f. Tese de Doutorado – Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal do Ceará. Fortaleza, 2000. BOURDIEU, Pierre. A dominação masculina. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2012. BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Lisboa: Difel, 1989.

BRASIL. Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006. Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher e dá outras providências. Diário Oficial da República Federativa do Brasil. Brasília, 2006.

BRASIL. Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra A Mulher. Comissão Interamericana de Direitos Humanos. OEA. 1994. Disponível em: <http://www.cidh.org/Basicos/Portugues/m.Belem.do.Para.htm>. Acesso em: 24 abr. 2013. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: texto constitucional promulgado em 5 de outubro de 1988. Brasília: Senado Federal, Secretaria de Edições Técnicas, 2009.

CANEVACCI, Nassimo. Dialética de Família. São Paulo: Brasilense, 1984.

Page 81: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ FACULDADE … O JOSE DO PE… · Eles me deram força e suporte para superar. Ao meu esposo, Marcus Fábio, pelo seu carinho, colaboração, paciência,

79

CARVALHO FILHO, Benedito José de. “O que está acontecendo com a gente, macho?”: notas para pensar a crise nas relações de gênero em Fortaleza. In: O público e o privado. nº 1. Janeiro/junho, 2003. CECCHETTO, Fátima Regina. Violência e estilos de masculinidade. Rio de Janeiro: FGV, 2004. COSTA, Alexandra Lopes da. A violência contra a mulher e a lei sob a ótica de homens condenados pela Lei Maria da Penha. Disponível: <http://www.fazendogenero.ufsc.br/9/resources/anais/1278257501_ARQUIVO_ALEXANDRA%20GENERO%5B1%5D.pdf>. Acesso em: 22 jul. 2012. DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na Justiça: a efetividade da Lei 11.340/2006 de combate à violência doméstica e familiar contra a mulher. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. DE MELO, Mônica; ALMEIDA, Maria Amélia. O que é violência contra a mulher. Rio de Janeiro: Braziliense, 2003. (Coleção Primeiros Passos).

DURKHEIM, Émile. Lições de Sociologia. São Paulo: Martins Fontes, 2002.

ETAYO, Elizabeth Gómes. Lidando com a afetação: entre o método

etnográfico, as narrativas de trajetórias masculinas e o método autobiográfico. Disponível em: <http://virajes.ucaldas.edu.co/downloads/Virajes12_11.pdf>. Acesso em: 08 out. 2014. FACULDADE CEARENSE. Normas para apresentação de trabalhos acadêmicos da Faculdade Cearense. Fortaleza, 2011. Disponível em: <http://http://www.faculdadescearenses.edu.br/manuaisfac/dowload/manual_m

onografia_2011.pdf>. Acesso em: 22. jan. 2014 FALCONNET, Georges; LEFACHEUR, Nadine. A fabricação dos machos.

Rio de Janeiro: Zahar, 1997. FERNANDES, Maria da Penha Maia. Sobrevivi: posso contar. Fortaleza: Secretaria da Cultura do Estado do Ceará, s/d. FREYRE, Gilberto. Casa-Grande & Senzala: formação da família brasileira

sob o regime da economia patriarcal. São Paulo: Global, 2005. FROTA, Maria Helena de Paula; SANTOS, Vívian Matias dos. O femicídio no Ceará: machismo e impunidade? Fortaleza: UECE, 2012.

FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: história da violência nas prisões.

Petrópolis: Vozes, 1981. FURTADO, Luísa Escher; MÉLLO, Ricardo Pimentel. Ingestão de bebida alcoólica e violência conjugal: a produção de homens que agridem mulheres.

Disponível em: <http://www.fazendogenero.ufsc.br/9/resources/anais/

Page 82: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ FACULDADE … O JOSE DO PE… · Eles me deram força e suporte para superar. Ao meu esposo, Marcus Fábio, pelo seu carinho, colaboração, paciência,

80

1278246016_ARQUIVO_artigofazendogeneromexidoporRicardoeLuisa_limpo_.pdf>. Acesso em: 22 jun. 2012. GIDDENS, Anthony. As Famílias. Porto Alegre: Artmed, 2005. GOMES, Olívia Maria Cardoso. Lei brasileira de combate à violência doméstica e familiar. A utilização do gênero como critério de distinção entre homens e mulheres e a consequente criminalização do masculino. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/12558/lei-brasileira-de-combate-a-violencia-domestica-e-familiar>. Acesso em: 22 jun. 2012. GOMES, Izabel S. Ouvir para intervir: uma experiência do serviço social

frente à violência de gênero. Disponível em: <http://www.fazendogenero.ufsc.br/8/sts/ST11/Izabel_Solyszko_Gomes_11.pdf>. Acesso em: 22 jun. 2012. GOMES, Nadirlene Pereira; FREIRE, Normélia Maria. Vivência de violência familiar: homens que violentam suas companheiras. Disponível em:

<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-71672005000200009>. Acesso em: 22 jun. 2012. HOUAISS, A. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro:

Objetiva, 2001. HOLANDA, Ana Aparecida de Oliveira. Lei “Maria da Penha”: a percepção do homem interno da Casa de Privação Provisória de Liberdade Professor José Jucá Neto – CPPL III. Faculdades Cearenses. 2013. LENZ-DE-OLIVEIRA, Katia; GOMES, Romeu. Homens e violência conjugal: uma análise de estudos brasileiros. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/csc/v16n5/a09v16n5.pdf>. Acesso em: 31 ago. 2011. MEDRADO, Benedito; LYRA, Jorge. Nos homens, a violência de gênero.

Disponível em: <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/livro.pdf>. Acesso em: 22 ago. 2014. LISBOA, Teresa Kleba. A intervenção do serviço social junto à questão da violência contra a mulher. Disponível em: http://dialnet.unirioja.es/servlet/articulo?codigo=2926011. Acesso em: 22 jun. 2012. MINAYO, Maria Cecília de Souza. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. São Paulo: Hucitec, 2010. MINAYO, Maria Cecília de Souza. Pesquisa social: teoria, método e

criatividade. Petrópolis - RJ: Vozes, 1994. OLIVEIRA, Pedro Paulo de. A construção social da masculinidade. Belo Horizonte: UFMG; Rio de Janeiro: IUPERJ, 2010.

Page 83: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ FACULDADE … O JOSE DO PE… · Eles me deram força e suporte para superar. Ao meu esposo, Marcus Fábio, pelo seu carinho, colaboração, paciência,

81

OSTERNE, Maria do Socorro Ferreira. Violência nas relações de gênero e cidadania feminina. Fortaleza: UECE, 2007.

PACHECO, Ana Perez Ayres de Mello. A Busca por um novo Paradigma. Rio

de Janeiro, UERJ, 2008. 92f. Dissertação de Mestrado – Programa de Pós-

Graduação em Saúde Coletiva da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

Rio de Janeiro, 2008.

PRIORI, Mary Del (Org.). História das mulheres no Brasil. São Paulo:

Contexto, 2006. SAFFIOTI, Heleieth I. B. Gênero, patriarcado, violência. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2004. SAFFIOTI, Heleieth I. B. A síndrome do pequeno poder. In: AZEVEDO, M. A., GUERRA, V. N. de A. (Orgs.). Crianças vitimizadas: a síndrome do pequeno poder. São Paulo: Iglu, p. 13-21. SCOTT, Juan. Gênero: uma categoria útil para a análise histórica. Disponível

em: <http://disciplinas.stoa.usp.br/pluginfile.php/6393/mod_resource/content/1/G%C

3%AAnero-Joan%20Scott.pdf>. Acesso em: 22 out. 2014. SOARES, Musumeci; ACOSTA, Fernanda. Serviços de educação e responsabilização para homens autores de violência contra mulheres: proposta para elaboração de parâmetros técnicos. S.I.: ISER, 2011. VASCONCELOS, Francis Emmanuelle Alves. Da prisão à “ressocialização”:

masculinidades aprisionadas na execução da Lei “Maria da Penha”. Fortaleza, UFC, 2013. 155f. Dissertação de Mestrado – Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal do Ceará. Fortaleza, 2013.

Page 84: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ FACULDADE … O JOSE DO PE… · Eles me deram força e suporte para superar. Ao meu esposo, Marcus Fábio, pelo seu carinho, colaboração, paciência,

82

APÊNDICES

APÊNDICE A – Roteiro Modelo de Entrevista

Roteiro de Entrevista

1. Qual o seu nome?

2. Qual a sua idade?

3. Qual o bairro onde o senhor reside?

4. Quantas pessoas residem com o senhor? E qual o grau de parentesco?

5. Qual a sua escolaridade?

6. O senhor trabalha?

7. Qual a sua profissão?

8. Qual o seu estado civil?

9. O senhor tem filhos?

10. Qual a sua religião?

11. O senhor faz uso de álcool ou outras drogas?

12. O senhor estava sob efeito de alguma droga no momento da agressão?

13. O senhor pode falar como ocorreu o fato?

14. Como era o relacionamento dos seus pais?

15. O senhor lembra algum fato na sua infância ou na adolescência que lhe

marcou?

16. O senhor conhece amigos, parentes ou alguém próximo que responde a

Lei Maria Penha?

17. O senhor já tinha ouvido falar da Lei Maria da Penha antes do ocorrido?

Page 85: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ FACULDADE … O JOSE DO PE… · Eles me deram força e suporte para superar. Ao meu esposo, Marcus Fábio, pelo seu carinho, colaboração, paciência,

83

APÊNDICE B – Termo de Consentimento

TERMO DE CONSENTIMENTO

CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO -TCLE

Convido o Sr. à participar do estudo que estou desenvolvendo sobre a

violência doméstica, que tem como objetivo compreender a percepção do

homem autor da violência e elaborar um perfil biográfico dos cumpridores de

penas alternativas do município de Fortaleza- CE, sob a orientação da mestre

Francis Emmanuelle Alves Vasconcelos.

Está pesquisa será realizada por mim, Rosa Maria Vasconcelos Monte,

aluna do curso de Serviço Social da Faculdade Cearense, matriculada sob o nº

09003058. Solicito, portanto, sua contribuição para este estudo. Nesta

entrevista, serão realizadas algumas perguntas para elaboração de um perfil

biográfico, bem como sua opinião a cerca da violência contra a mulher no

âmbito da relação conjugal.

A participação da pesquisa não envolve risco, visto que a identidade do

Sr será preservada, enquanto sua colaboração será de grande importância

para aprofundamento do estudo e a contribuição para essa temática, até hoje

pouco desenvolvida. Sua adesão como informante será declarada através da

assinatura deste Termo de Consentimento. Se optar por não querer responder

alguma pergunta ou desistir da entrevista, será concedido seu direito sem que

haja nenhuma retaliação.

Atenciosamente,

Rosa Maria Vasconcelos Monte (Pesquisadora)

(Entrevistado)