catarse 40 de dezembro no dia 26 de novembro ultimo

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Catarse nº 40 – Dezembro 2014 1 CATARSE Ano 2014 Número 40 Um jornal aberto para a comunidade [email protected] A UM PASSO DA CRUELDADE QUE PROFISSIONAIS A UNIVERSIDADE ESTÁ FORMANDO? Benedito Carvalho Filho Usar seres humanos como cobaias de laboratórios foi uma prática muito utilizada nos campos de concentração nazistas, em nome da ciência. A crueldade ocorre quando a sociedade perde a dimensão humana da medicina. Quase no final dos anos 1970, mais exatamente em 1977, li o livro chamado A fome de lucros: atuação das multinacionais de alimentos e de remédios na América Latina, do jornalista Bernardo Kucinski e Robert J. Ledoga, editado em São Paulo pela Editora Brasiliense, hoje esgotado. A leitura desse livro, na época, me provocou muitas reflexões porque revela como as multinacionais que detém o monopólio dos laboratórios farmacêuticos atuam nos países mais pobres, sempre em busca de gigantescos lucros. Hoje eu me pergunto: será que essa realidade mudou? Ou a fome de lucros continua mais forte neste século?

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Catarse nº 40 – Dezembro 2014

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CATARSE Ano 2014 Número 40 Um jornal aberto para a comunidade

[email protected]

A UM PASSO DA CRUELDADE – QUE

PROFISSIONAIS A UNIVERSIDADE ESTÁ

FORMANDO?

Benedito Carvalho Filho

Usar seres humanos como cobaias de laboratórios foi uma prática muito

utilizada nos campos de concentração nazistas, em nome da ciência. A

crueldade ocorre quando a sociedade perde a dimensão humana da

medicina.

Quase no final dos anos 1970, mais exatamente em 1977, li o livro chamado A

fome de lucros: atuação das multinacionais de alimentos e de remédios na América

Latina, do jornalista Bernardo Kucinski e Robert J. Ledoga, editado em São Paulo pela

Editora Brasiliense, hoje esgotado.

A leitura desse livro, na época, me provocou muitas reflexões porque revela

como as multinacionais que detém o monopólio dos laboratórios farmacêuticos atuam

nos países mais pobres, sempre em busca de gigantescos lucros.

Hoje eu me pergunto: será que essa realidade mudou? Ou a fome de lucros

continua mais forte neste século?

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Essas interrogações vieram à minha mente quando li a reportagem de um jornal

local afirmando que alguns médicos amazonenses estariam fazendo (ou desejando fazer)

um boicote aos cidadãos para que eles não consumam remédios de alguns laboratórios,

a maioria desses remédios produzidos em outros países (ver jornal Catarse, nº 39, de

novembro).

Não se tratava de uma luta dos médicos contra as multinacionais com suas fomes

de lucros, que, como mostram os dois jornalistas citados acima, atuam nos países do

terceiro mundo usando povos como cobaias.

A indignação desses médicos veio à tona porque descobriram que esses

laboratórios colaboraram com a campanha da presidenta Dilma Rousseff. Ou seja,

tratou-se de uma tentativa de boicote político, cujo alvo foi bem determinado: a

presidente eleita democraticamente.

Por que esses médicos tão procurados pelas indústrias farmacêuticas

internacionais em seus consultórios públicos e particulares não denunciam os lobbies

dos vendedores de remédio?

Por que aceitam, por exemplo, os convites para participar em congressos

internacionais promovidos por grandes grupos internacionais que produzem esses

remédios?

Por que são tão complacentes e, muitas vezes, cúmplices das máfias com suas

fomes de lucro? Se for para politizar e esclarecer a sociedade, por que não denunciam o

que ocorre por detrás dos bastidores, ao invés de conclamar a população a não consumir

os remédios de alguns laboratórios farmacêuticos?

O grupo que faz essa proposta se autodenomina “dignidade médica”. O

substantivo dignidade, segundo o dicionário do Aurélio, significa “cargo e antigo

tratamento honorífico que confere ao indivíduo posição graduada; autoridade moral;

honestidade, honra, respeitabilidade; decência e decoro; respeito a si mesmo; amor a si

mesmo, decoro, amor próprio, brio e pundonor” (Ver Novo Dicionário do Aurélio

Buarque de Hollanda, Editora Positivo).

Quando alguns médicos falam de dignidade e pregam a “castração

química dos nordestinos” estão desonrando a si mesmo e violentando o ser

humano, que é mais que um animal. Isso nada tem a ver com dignidade. Possui

outro nome: crueldade.

Esses valores, como muitos outros, não se adquire somente invocando esses

substantivos. Honestidade, honra e respeitabilidade são valores que todo cidadão deve

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ter, independente da sua posição graduada. A honra não se adquire por hereditariedade,

muito menos a respeitabilidade e tantos outros valores. Por isso, quando alguns médicos

falam de dignidade e pregam a “castração química dos nordestinos” estão desonrando a

si mesmo e violentando o ser humano, que é mais que um animal. Isso nada tem a ver

com dignidade. Possui outro nome: crueldade.

Não podemos esquecer que, durante a Segunda Guerra Mundial, vários médicos

alemães realizaram “experiências” desumanas, cruéis e, muitas vezes, mortais, em

milhares de prisioneiros nos campos de concentração. Estas “experiências médicas”

imorais, realizadas durante o Terceiro Reich, têm muito a nos ensinar o quanto o poder

do homem pode ser destruidor. Por isso, a ética deve ser perseguida por todos os

médicos e pesquisadores.

Poderíamos nos alongar neste artigo relatando as atrocidades nazistas e tantas

outras que ocorrem nos tempos de hoje. Os médicos que pregam a dignidade deveriam

estudar história (que muitos devem ignorar) para não repetir da tragédia do passado.

Deveriam, também, ler mais literatura, como nos mostrou o professor Maurício

Tragtenberg, numa época de especialização, a literatura define os ideais de um período

de transição. Pois é nesses períodos que se põe dramaticamente ao homem está

interrogação: qual o sentido de sua vida, qual a significação do mundo que o cerca?

Em seguida, afirma:

O médico, engenheiro, advogado, encarnam especializações necessárias ao

exercício de suas atividades, mas têm em comum um atributo, de serem humanos e o de

enfrentarem idênticos problemas numa sociedade em transição.

Somos filhos de uma sociedade individualista e liberal e caminhamos para um

outro tipo de sociedade planificada. Como dar-se-á tal mudança? Quais os agentes

desse processo? Não sabemos. O que sabemos é que assistimos a um espetáculo de

crise, de transição, onde velhos quadros sociais desaparecem e novos ainda não se

estruturaram. (Ver seu artigo, A importância da literatura para a cultura universitária,

qualquer que seja a especialização, in. Tragtenberg, Teorias e ações libertárias, Editora

Unesp, 2011, p.3).

O que me deixa perplexo e assustado nos dias de hoje, com essa degradação do

capitalismo financeiro como vemos nos dias de hoje, é o tipo de formação que os

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médicos vêm adquirindo nas universidades públicas e privadas, onde prevalece a razão

instrumental, porque não existe no currículo dessas instituições de ensino nenhuma

formação humanística capaz de fazer com que os alunos reflitam criticamente sobre o

que aprendem e a realidade de seu país e do mundo.

O médico, por exemplo, está preocupado em classificar o corpo humano, sem se

importar em refletir sobre os fins. Para ele, conhecer é controlar e dominar a natureza e

os seres humanos, fazendo com que a ciência vá deixando de ser uma forma de acesso

aos conhecimentos para tornar-se um instrumento de dominação, poder e exploração,

alimentada por uma ideologia cientificista, pragmatista e eminentemente mercantil,

conforme nos mostra Max Horkheimer no seu livro Eclipse da Razão, Editora Centauro,

p. 29.

Isso, segundo Max Weber, na sua obra A Ética Protestante e o Espírito do

Capitalismo, embora resulte em maior poder e domínio sobre a natureza, também

escraviza o homem, reprimindo a sensibilidade, a afetividade, a emotividade e as

demais formas sensíveis de conduta humana, gerando, como ele afirmou, especialistas

sem espírito e sensualistas sem coração, nulidades que imaginam ter atingido um nível

de civilização nunca antes alcançado.

São essas nulidades arrogantes que pensam ter atingido a civilização e o

“progresso” que estão sendo chocadas dentro das universidades brasileiras na

atualidade. Analisando por essa perspectiva, não é de estranhar que alguns médicos e

médicas, sem nenhum pudor, vão a público pregar a “castração química dos

nordestinos” e destilar seu ódio aos seus colegas cubanos que se dirigem para os

fundões do país para tratar de pessoas necessitadas. Aqui o preconceito, também,

assume dimensões dramáticas e preocupantes, como vimos na foto das universitárias

vaiando os médicos que desembarcaram no Aeroporto Pinto Martins, em Fortaleza.

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Até aqui estamos nos referindo aos médicos, mas essas reflexões servem para

todas as áreas do conhecimento. Sou professor da disciplina Sociologia Geral e Jurídica

na Universidade Federal do Amazonas e fico impressionado como boa parte dos alunos

e alunas dessa área é desmotivada ao cursar essa disciplina. Eles não percebem, e nem

desejam perceber, que o Direito é uma ciência social, pois nasce dos conflitos sociais.

Chamados de “operadores do Direito” são pragmáticos, não estão preocupados

em pensar os valores e o papel que vão desempenhar na sociedade. Podemos imaginar

que muitos, para atingir seus fins meramente mercantis, não terão o pudor de usar meios

discutíveis para “subir na vida”.

Entrar numa universidade pública e cursar uma Faculdade de Medicina ou uma

de Direito é um privilégio usufruído por uma pequena camada da classe média e alta da

cidade. Mas será que essas pessoas sabem que quem mantém essas universidades

públicas é o povo brasileiro?

Concluo este artigo com texto de Edgar Morin, pesquisador emérito do CNRS,

formado em História, Geografia e Direito antes de migrar para a Filosofia e a

Epistemologia. Ele sabe, por experiência própria, o que foi o Nazismo, pois participou

da Resistência na França ocupada, durante a Segunda Guerra Mundial. É autor de mais

de trinta livros, tornou-se um dos pensadores mais importantes do século XX, portanto

sabe muito bem o que significa os especialistas sem espírito e sensualistas sem

coração, nulidades que imaginam ter atingido um nível de civilização nunca antes

alcançado. Nesta era de capitalismo financeirizado em que vivemos, ele sabe bem disso

e dos perigos da idiotização da sociedade:

Retomemos a fórmula de Wojeciechowski: “Ciência e tecnologia triunfaram e

fracassaram ao mesmo tempo”. Triunfaram materialmente; fracassaram moralmente.

A física nuclear explodirá a sua bomba no coração da ética. A biologia aí

instala uma máquina infernal.

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A ausência de controle, político e ético, dos desenvolvimentos da tecnociência

revela a tragédia maior resultante da disjunção entre ciência, ética e política.

Entre ciência e política, a ética é residual, marginalizada, impotente. A ética

está desarmada entre a ciência amoral e a política, frequentemente imoral. Esta é a

trágica situação da humanidade planetária.

O problema da ciência vai além dos cientistas. Clemenceau dizia que “a guerra

é um negócio sério demais para ser deixada nas mãos dos militares”. A ciência é um

assunto sério demais para ser deixado unicamente nas mãos dos cientistas. Sabemos

também que a ciência se tornou perigosa demais para ser deixada nas mãos dos

homens de Estado. Em outras palavras, a ciência tornou-se também um problema

cívico, um problema dos cidadãos. Mas ignoram cada vez mais um saber que lhe é

incompreensível, pois esotérico. Daí a necessidade e a dificuldade de uma “democracia

cognitiva”.

Uma introdução de uma regulação ética nas ciências exige uma nova

consciência, uma reforma do pensamento entre os cientistas e os cidadãos; necessita,

por outro lado, de um controle ético pela instância política, o que pressupõe um

controle ético da instância política.

O projeto de dominar a natureza ao qual Descartes destinava a ciência tornou-

se uma vulgata da civilização ocidental até o surgimento do problema da degradação

da biosfera. O controle é incontrolável; daí a pertinência da fórmula de Michel Seres:

trata-se agora de controlar o controle. Um tal controle tornou-se suicida para o

aprendiz de senhor.

Eu perguntaria: o surgimento de nova consciência, de que se refere Morin, ainda

é possível numa universidade engessada pelo pragmatismo, pelo produtivismo? Que

seres estamos formando (ou deformando)?

A ausência de controle, político e ético, dos

desenvolvimentos da tecnociência revela a tragédia maior

resultante da disjunção entre ciência, ética e política.

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OLHANDO MAIS DE PERTO A CRUELDADE E OS

PROFISSIONAIS QUE A UNIVERSIDADE ESTÁ

FORMANDO

Benedito Carvalho Filho

É possível, mesmo dentro das limitações e das resistências que encontramos no

interior das universidades brasileiras, buscar um saber que fuja da instrumentalização e

da tecnificação? Ou seja, como propor algo que vá além do saber técnico, operacional e

instrumental que vemos hoje se proliferar nas universidades, que formam (ou

deformam?) pessoas incapazes de perceber o mundo de forma mais aberta, crítica e

menos redutora?

Na matéria anterior, vimos as consequências trágicas que certo tipo de formação,

fortemente influenciada pela ideologia neoliberal, é capaz de produzir no interior de

instituições de ensino, colonizadas pelo mercado, como se vê hoje nas universidades

públicas brasileiras, pois, quando se pensa na formação dos alunos, logo se associa ao

onisciente “mercado de trabalho”, marcado por uma conjuntura de pós-fordismo,

acumulação flexível e a crise das formas de conhecimento. A fragmentação do

conhecimento e a valorização do conhecimento técnico, instrumental, nesta época de

“capitalismo tardio” levam à alienação das pessoas, prisioneiras nas suas formas de

pensar racional-finalista, unidimensional.

Não pretendo, ao fazer a crítica da instituição universitária, reduzir a discussão a

essa esfera e nem afirmar que tudo o que se produz em seu interior esteja dentro dessa

perspectiva. Mas as universidades, nas suas diversidades, não estão isoladas do mundo e

acabam reproduzindo, mesmo que de forma contraditória, os seus conflitos e impasses.

Não se trata de uma instituição neutra, preocupada com a formação de seus pupilos. São

espaços de conflito, onde se superpõem diversas visões de mundo com perspectivas

diferentes, algumas utópicas, outras conservadoras.

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Certamente existem no interior das universidades intelectuais que se identificam

com certas visões, sejam conservadoras ou mais radicais, mas, como nos mostra Russel

Jacoby, da Universidade da Califórnia, em Los Angeles, no seu livro chamado O fim da

utopia – política e cultura na era da apatia (editado no Brasil pela Editora Record), o

que parece predominar nos tempos de hoje é o conformismo, ou seja, intelectuais que,

encastelados nos muros da instituição universitária, abdicaram a utopia. Em sua maioria

“redirecionaram as suas preocupações intelectuais para os imperativos da

profissionalização”, como afirma o autor.

Isso significa que o conformismo e a apatia, hoje tão visíveis entre a população

jovem que frequenta as universidades, não é um fenômeno restrito à sua clientela.

Muitos professores, os intelectuais, os gestores, estão acomodados nas instituições e, na

maioria das vezes, muito pouco preocupados com o que se passa ao seu redor. Parece

que muitos estão focados somente na sua carreira, com a construção de seu “curriculum

Lattes” e pouco atentos ao que ocorre na sociedade. Um sinal disso é a ausência de

debates no ambiente universitário, o que desestimula os alunos e o corpo docente. Por

isso o universitário, longe de se tornar um ambiente fervilhante de confronto de ideias,

transforma-se num deserto, num “escolão”, como afirmou um intelectual da cidade. Não

é por acaso que muitos intelectuais têm afirmado que a discussão crítica atualmente

passa por outros canais e não mais pela universidade.

Muitos professores, os intelectuais, os gestores,

estão acomodados nas instituições e, na maioria

das vezes, muito pouco preocupados com o que se

passa ao seu redor. Parece que muitos estão

focados somente na sua carreira, com a construção

de seu “curriculum Lattes” e pouco atentos ao que

ocorre na sociedade.

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QUAL UNIVERSIDADE QUEREMOS PARA QUE A

DEMOCRACIA AVANCE EM NOSSO PAÍS?

Nesse sentido, são oportunas as reflexões críticas que filósofa Marilena Chauí

faz sobre aquilo que ela denominou de “Universidade Operacional.” Destaco alguns

trechos de sua fala em 8 de agosto de 2014, no auditório da Faculdade de Arquitetura e

Urbanismo (FAU-USP).

A universidade brasileira – afirma Marilena - submeteu-se à ideologia neoliberal

da sociedade de mercado, ou “sociedade administrada” (Escola de Frankfurt), que

transforma direitos sociais, inclusive educação, em serviços; concebe a universidade

como prestadora de serviços; e confere à autonomia universitária o sentido de

gerenciamento empresarial da instituição.

Em repetidas manifestações, o reitor da USP revela seu “lugar de fala”, sua

afinação com esse ideário, ao recorrer ao vocabulário neoliberal utilizado para pensar o

trabalho universitário, que inclui expressões como “qualidade universitária” (definida

como competência e excelência e medida pela “produtividade”) e “avaliação

universitária”.

Nesse contexto, a USP, como suas congêneres, transformou-se numa “fábrica de

produzir diplomas, teses”, tendo como parâmetros os critérios da produtividade:

quantidade, tempo, custo. “Esse horror do currículo Lattes. É um crime o currículo

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Lattes! Porque ele não quer dizer nada. Eu me recuso a avaliar alguém pelo Lattes!”,

disse Marilena.

“Vejo as pessoas desesperadas porque perderam 7 ou ganharam 7 da Capes

[Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior]. Não significa nada.

„Quero ser 7 porque Porto Alegre é 7‟. A gente incorporou a competição pelas

organizações, pela eficácia”, destacou Marilena. Mais tarde, acrescentou: “Fuvest e

Lattes são a prova da estupidez brasileira”.

A professora da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH)

esmiuçou o processo por meio do qual a universidade pública brasileira vem sendo

transformada e descaracterizada, desde os anos 1970, deixando de ser uma instituição

social para tornar-se uma organização, isto é, “uma entidade isolada, cujo sucesso e

cuja eficácia se medem em termos da gestão de recursos e estratégias de desempenho e

cuja articulação com as demais se dá por meio da competição”.

A “universidade operacional” corresponde à etapa atual desse processo, segundo

Marilena. De acordo com ela, “a forma atual de capitalismo se caracteriza pela

fragmentação de todas as esferas da vida social, partindo da fragmentação da produção,

da dispersão espacial e temporal do trabalho, da destruição dos referenciais que

balizavam a identidade de classe e as formas da luta de classes”. A passagem da

universidade da condição de instituição social (pautada pela sociedade e por uma

aspiração à universalidade) à de organização insere-se, diz Marilena, “nessa mudança

geral da sociedade, sob os efeitos da nova forma do capital, e, no Brasil, ocorreu em três

etapas sucessivas, também acompanhando as sucessivas mudanças do capital”.

Na primeira etapa (anos 1970, “milagre econômico”), a universidade tornou-se

“funcional”, voltada para o mercado de trabalho, sendo “prêmio de consolação que a

ditadura ofereceu à sua base de sustentação politico-ideológica, isto é, à classe média

despojada de poder”; na segunda etapa (anos 1980), passou a ser “universidade de

resultados”, com a introdução da ideia de parceria com as empresas privadas; a terceira

etapa (anos 1990 aos dias de hoje), em que virou “universidade operacional”, marca o

predomínio da forma organização, “regida por contratos de gestão, avaliada por índices

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de produtividade, calculada para ser flexível”, estruturada por estratégias e programas

de eficácia organizacional e “por normas e padrões inteiramente alheios ao

conhecimento e à formação intelectual”.

A tecnocracia associada a esse modelo, explicou, “é aquela prática que julga ser

possível dirigir a universidade segundo as mesmas normas e os mesmos critérios com

que se administra uma montadora ou um supermercado”. De modo que se administra

“USP, Volks, Walmart, Vale do Rio Doce, tudo da mesma maneira, porque tudo se

equivale”.

“A metamorfose da universidade pública em organização tem sido o escopo

principal do governo do Estado de São Paulo”, denunciou Marilena. Ela argumentou

que a reforma do Estado adotada pelo governo FCH (1995-2002) e efetivada pelos

governos estaduais do PSDB, particularmente o de São Paulo, pautaram-se pela

articulação com o ideário neoliberal (Estado mínimo, privatização dos direitos sociais)

e, no caso do ensino superior, realizaram a agenda de mudanças preconizada pelo Banco

Interamericano de Desenvolvimento (BID) para a reestruturação das universidades da

América Latina e Caribe, em 1996, e baseada na redução das dotações orçamentárias

públicas às instituições de ensino superior.

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“Penso que a expressão perfeita dos desígnios do governo do Estado e do BID se

encontra na carta enviada pelo reitor da USP aos docentes em 21 de julho de 2014”,

afirmou a professora. “Sei que se tem debatido a falsidade dos números apresentados

por ele, a manipulação. A carta me interessa pelo vocabulário que ele usa. Ele começa a

carta se referindo a nós como o custeio. Somos o custeio, não somos o esteio da

Universidade. A partir daí já está tudo dito. Ele não começa pelas obras que foram feitas

sem necessidade, pelo esparramamento da USP pela cidade. Não. Ele começa por nós”,

enfatizou.

“O reitor não está usando essa linguagem porque caiu de paraquedas no mundo e

equivocadamente fala nessa linguagem. Ele tem uma concepção de universidade, uma

concepção política, uma concepção do conhecimento, uma concepção do saber. Minha

fala vai na direção de localizar o que é que tornou possível a um reitor da USP dizer as

coisas que ele diz”.(A palestra inteira da professora Marilena Chauí se encontra no site

http://www.youtube.com/watch?v=llXrRg4BaVg. Vale a pena ver).

Na primeira etapa (anos 1970, “milagre econômico”), a universidade

tornou-se “funcional”, voltada para o mercado de trabalho, sendo

“prêmio de consolação que a ditadura ofereceu à sua base de

sustentação politico-ideológica, isto é, à classe média despojada de

poder”; na segunda etapa (anos 1980), passou a ser “universidade de

resultados”, com a introdução da ideia de parceria com as empresas

privadas

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POR UMA MEDICINA HUMANIZADA E UM CORPO

NÃO FRAGMENTADO

Benedito Carvalho Filho

"Os classificadores de coisas, que são aqueles homens de

ciência cuja ciência é só classificar, ignoram, em geral, que

o classificável é infinito e, portanto, se não pode classificar"

(Bernardo Soares/Fernando Pessoa, in "O Livro do

Desassossego")

As Ciências Humanas são fundamentais para a formação dos profissionais das

mais diferentes áreas, mas vêm sendo abandonadas em nome do aprimoramento técnico

especializado. Isso tem gerado, com vimos nos artigos anteriores, uma série de

problemas quando se trata de pensar os problemas de ordem ética e humanista.

Não é por acaso que temos nos deparado atualmente com fatos absurdos na área

da saúde. Médicos cometendo erros de diagnóstico, outros pedindo a castração química

dos nordestinos, a falta de respeito para com o ser humano, a troca de medicação

involuntariamente por falta de atenção, o tratamento do ser humano como se fosse uma

coisa que se manipula - ou seja, como dizia Max Weber, a transformação dos médicos

em especialistas sem coração, preocupados apenas com os aspectos técnicos,

instrumentais.

Não podemos esquecer que, quando a ciência se desvincula da ética, pode criar

monstros, como os médicos e cientistas no final da primeira metade do século XX, que

torturaram, mataram e cometeram, na época do nazismo, atrocidades bárbaras em nome

da eficiência técnica, usando seres humanos inocentes em experiências médicas e

chegando ao requinte macabro de cortar os cabelos de suas vitimas dentro de um padrão

industrial, que servia para fabricar chinelos para as tripulações dos submarinos alemães,

antes de enviá-las para as câmaras de gás. vitimando, sem distinção, homens e

mulheres, jovens, velhos ou crianças.

O profissional que nunca refletiu sobre temas filosóficos, históricos,

sociológicos e antropológicos possui enorme dificuldade em reconhecer-se no outro e

entender o mundo em que vive e a importância de suas ações para o progresso da

humanidade.

Não é por acaso que o processo civilizatório nos dias hoje está em decadência,

como podemos perceber pelo assustador aumento dos índices de violência em todo

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planeta e a banalização do desrespeito para com a vida, como vemos diariamente

através dos meios de comunicação e, também, ao nosso redor.

É possível repensar o ensino da sociologia, filosofia, psicologia e antropologia

nas universidades, de forma que permita aos profissionais da área médica e paramédica

adquirirem uma visão mais crítica e holística sobre seu campo de saber?

O QUE É O CORPO? UMA MAQUINA?

Relato uma experiência educativa. .

Nos anos 1980, atuando como professor de sociologia numa faculdade da cidade

de Fortaleza, passei por uma experiência de ensino com algumas turmas do curso de

fisioterapia e educação física. Percebi que o currículo da matéria estava voltado para o

ensino dos clássicos (Durkheim, Weber e Marx) e, dessa maneira, não havia como

estabelecer uma relação direta com o campo específico em que eles e elas estavam

estudando, pois estavam voltados exclusivamente para os conhecimentos de sua área.

Tinha consultado e lido diversos autores que afirmava que o corpo, quando

estudado sob diversas perspectivas, permitiria uma abordagem multidisciplinar. Por

isso, comecei o curso com uma pergunta: o que é corpo? E deixava as pessoas falarem

livremente. E os corpos dos alunos e alunas começaram a falar, pois eram corpos

falantes que, através de diferentes modos, simbolizavam o mundo, pois o corpo não é

somente, como apresentado do ponto de vista da física, um agregado de átomos, certa

massa e energia, que funciona de acordo com as leis gerais da natureza. Nem se reduz

somente a elementos químicos, feito de moléculas, funcionando como qualquer corpo

químico. Também não é somente um organismo vivo, membro de uma espécie (animal,

vertebrado, mamífero), capaz de adaptar-se ao meio por operações e funções internas,

dotado de um código genético hereditário, que se reproduz sexualmente.

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Fomos percebendo que corpo guarda muitos mistérios e exige múltiplos olhares.

Fomos percebendo, também, que os corpos humanos vivem em diversas

situações que não são homogêneas, quando pensamos na diversidade social, política e

econômica da sociedade. O corpo de um africano pobre, de um brasileiro que enfrenta a

seca no Nordeste, é muito diferente do corpo de um burguês, ou um remediado da classe

média. O corpo de um detento aprisionado em um presídio, ou de um operário

trabalhando na linha de produção, também diferenciam-se de outros indivíduos da

sociedade.

Fomos percebendo, então, que na sociedade, mesmo possuindo as mesmas

características biológicas, há uma heterogeneidade de situações que, direta e

indiretamente, vão determinar as interações sociais e a construção de um tipo de corpo e

da própria subjetividade. E isso tem a ver, principalmente, com a diferenciação de classe

social, o que nos leva a pensar que não existe um corpo, mas corpos vivendo em

situações muito heterogêneas o que leva a implicações sociais e éticas pois, na maioria

das vezes, a limitada formação dos médicos (oriundos quase sempre de uma classe

social privilegiada) faz com que não percebam que estão tratando seres diferenciados de

forma homogênea, quase sem levar em conta o contexto onde as pessoas vivem.

Os diálogos se aprofundaram e, progressivamente, fomos percebendo os

múltiplos discursos sobre a forma como o corpo foi concebido ao longo da história,

influenciando as correntes de pensamento e as práticas médicas, naturalizando certos

procedimentos na medicina.

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Posteriormente, através de uma pequena bibliografia, fomos fazendo um

levantamento das diversas correntes de interpretação do corpo até chegarmos à

modernidade, quando surge um novo modelo epistemológico que modificou

radicalmente a forma como o corpo passou a ser conceptualizado na medicina (e em

outras profissões da área de saúde). Surge uma nova episteme, como afirma Michel

Foucault, que irá ter profunda influência no campo da medicina.

Qual foi esse modelo?

Ele foi abordado pelo artigo de um professor gaúcho chamado A concepção do

corpo dos acadêmicos do Curso de Educação Física de Santa Maria, escrito em 1998.

No primeiro capítulo, ele aborda as concepções de corpo no Ocidente, desde a Grécia

clássica até à modernidade, demonstrando como Descartes foi o principal pensador do

mundo que concebeu o corpo como uma máquina.

Essa visão de mundo, que via o corpo como máquina, como mostra o autor, tem

se colocado como paradigma emergente, em oposição ao atual paradigma Newtoniano-

Cartesiano, ainda perdurante em nosso meio científico.

Esse novo paradigma, se referendou primeiramente nas descobertas da física

quântica, nas três primeiras décadas do século XX e tem um caráter holístico e

ecológico.

O caráter holístico, afirma o autor, nos mostra que nenhum elemento possui

identidade e existência em seu interno total; o segundo está relacionado com a nossa

participação e interação nos processos do universo, através da divisão de nossa

consciência, ou seja, pela autotransformação; a terceira considera a síntese como

ponto fundamental na compreensão do mundo; a quarta, afirma que a matéria é dotada

de energia e intencionalidade, onde os elementos se organizam em sistemas de

interação complexos.

Esta concepção, ainda emergente, propõe uma abordagem transdisciplinar sem

desconsiderar outros sistemas filosóficos existentes, e sem hierarquias, onde os

fenômenos podem ser explicados a partir de suas relações com o meio circundante de

uma maneira integrada e independente.

Silva, ao citar outro autor, mostra com Descartes privilegiou a mente em relação

ao corpo e construiu seu raciocínio baseado na ideia de que tudo é constituído da soma

das partes, concluindo que os dois são separados e fundamentalmente diferentes ao

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afirmar que não há nada no conceito de corpo que pertença à mente, e nada na ideia

que a mente pertença ao corpo.

Ou seja, sua concepção de corpo humano concebia-o como indistinguível de um

animal-máquina, movida pela mente, considerando as várias funções biológicas como

operações mecânicas, a fim de mostrar que os organismos vivos eram nada mais que

autômatos.

Nessa concepção, ainda bem presente na formação do médico e outros

profissionais da saúde, o homem não é corpo em ação, mas tem o corpo em ação para

alcançar determinados resultados, enfim, determinados objetivos. Podemos pensar, a

partir desse pressuposto, que temos uma “medicina de resultado”, onde o corpo deve ser

dissecado e classificado e visto como uma máquina onde os especialistas vão dividi-lo,

fragmentá-lo e se tornarem especialistas em cada pedaço.

Ainda segundo Silva, o que irá determinar a condições corporais não é a visão

maquínica, mas as riquezas de experiências e a forma como estas forem vividas. E

conclui: O nosso corpo é mais do que a cabeça, costas, pernas e braços, ele é “nós”.

Com tudo que implica sentimentos, pensamentos, história e cultura reunidas e

impressas em cada célula que se constituí. Por isso, tomar consciência do próprio

corpo é ter acesso a ser inteiro.

O nosso corpo, como afirma a filósofa Marilena Chauí, é visível-vidente, táctil-

tocante, sonoro-ouvinte-falante, meu corpo se vê vendo, se toca tocando, se escuta

escutando e falando. Meu corpo não é uma coisa, não é uma máquina, nem é um feixe

de ossos, músculos e sangue, não é uma rede de causas e efeitos, não é um receptáculo

para a alma ou uma consciência: é meu modo fundamental de ser e de estar no mundo,

de me relacionar com ele, e de ele se relacionar comigo. Meu corpo é um sensível que

sente e se sente, que se sabe sentindo. É uma interioridade externalizada. Esse é o ser

ou essência de meu corpo. Meu corpo tem, como todos os entes, uma dimensão

metafísica ou ontológica.

Diante de uma medicina mercantilizada, como essa que temos diante de nós,

onde a crueldade revela suas tragédias; onde grassa um saber médico que se autointitula

“científico”; que fragmenta o corpo transformando-o numa máquina; é mais do que

necessário e urgente que haja uma profunda transformação na formação do ensino da

medicina nas universidades públicas e privadas de nosso país.

Uma medicina que vê o saber médico como fonte de poder, centrada numa visão

que só enxerga as patologias com seus conjuntos de rótulos e classificações e o corpo

como desprovido e subjetividade, torna-se uma grande tragédia para sociedade. Torna-

se a medicina do holocausto.

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A RATAZANA COM PHD

Alguns dias depois de ter feito os comentários acima sobre os profissionais que a

universidade está formando, o jornal Folha de São Paulo, no dia 17 de novembro de

2014, publicou um artigo do filósofo, escritor e ensaísta Luiz Felipe Pondé chamado A

ratazana com PhD.

Não concordo com muitas coisas que Pondé escreve, mas, apesar de suas ironias

e exageros, nesse artigo ele reflete sobre coisas que revelam o mal estar nas

universidades e provocam discussões, pois toca em questões que estão diante de nossa

realidade e, muitas vezes não queremos ver.

Ironicamente, introduz o seu texto levando o leitor para o ambiente universitário:

- Imagine que você está numa reunião de colegiado de qualquer universidade

brasileira. Desafio você a contar quantas vezes ouvirá a palavra “alunos” ao longo de

uma reunião. Provavelmente nenhuma. Refiro-me aqui especificamente ao universo do

mestrado e do doutorado.

Perguntará o leitor assustado: “Como assim? A universidade não foi feita para

os alunos??!”. Responderá o professor: “Coitadinho dele, ingênuo. Não: a

universidade existe para fazer relatórios burocráticos que supostamente medem a

qualidade da pós-graduação. Servimos a burocracia da produtividade e só isso”.

Citando Franz Kafka (1833-1924), em uma de suas obras chamada O Processo,

publicada em 1925, ele afirma que se ele vivesse hoje escreveria um conto no qual nós,

acadêmicos, seríamos representados como ratos aterrorizados pela grande ratazana

“empoderada” (essa palavra horrível que alguém inventou em alguma noite em que

vomitava continuamente...), a rainha de todos os burocratas, seres nascidos para

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tornar qualquer criatividade real inviável. A originalidade é perseguida a pauladas nos

corredores das universidades.

Segundo Pondé, o aluno é a variável menor porque ele não “conta” ponto

nenhum para a Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível

Superior), apenas como média quantitativa que medem a rapidez com a qual mestrados

e doutorados são concluídos.

Ao se referir às universidades públicas e privadas, Pondé é implacável:

Se a for uma universidade pública, então, em que o salário não depende do

número de orientandos e alunos em sua disciplina, o aluno é menos importante do que

banheiros limpos. Se for numa privada, ele contará, é claro, nos contratos dos

professores com números que garantem salários. E só.

Diante dessa situação, o aluno, como todo miserável numa cadeia alimentar em

que é parte mais fraca, sonha em virar predador: submete-se ao matadouro porque

quer passar em algum concurso. Mas, se quiser, trate de arranjar alguém que manipule

uma banca a seu favor. Além, claro, de atender às exigências da ratazana rainha.

E prossegue:

Todo professor sabe que deve correr atrás de pontuar nos relatórios, porque,

inclusive, se não o fizer, derruba a nota do seu departamento, e isso será punido das

mais diversas formas. Você até pode dar aula medíocre, repetindo conteúdos ou

fazendo o aluno dar seminários no seu lugar. Isso em nada impacta a “produtividade”.

A ratazana rainha no enxerga números.

Citando alguns livros, Pondé mostra que no ensino médio, nem sempre

quantidades implicam qualidades (vale muito a autoajuda e as tecnobobagens

aplicadas à educação, na moda aqui no Brasil). Ainda que o livro se ocupe do ensino

médio, ele pode servir de luz para o tema em geral.

Sobre as “listas qualis”, Pondé é taxativo:

Espero que um dia superemos esse paradigma vazio das “listas qualis” que, na

realidade, aferem nada, em termos de conteúdo, do que significa a relação com a

formação do aluno. Por quê? Simples: porque, mesmo que publiquemos muito segundo

parâmetros “qualis”, a qualidade do ensino de pós-graduação no Brasil é cada vez

mais burocrática.

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