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ANÁLISE COMPARATIVA: VOLUMES ENCRAVADOS As casas analisadas no presente trabalho são produções de cunho residencial que podem ser enquadradas dentro de um mesmo arranjo tipológico, tradados aqui como “volumes encravados”. Dentro da pesquisa A Casa Contemporânea Brasileira: regra e transgressão tipológica no espaço doméstico, essa tipologia agrupa modelos que, por sua estratégia de implantação em um terreno íngreme, se “mimetizam” com a paisagem. Este estudo busca avaliar comparativamente quatro residências: Casa Maia (Yuri Vital), Casa Ubatuba (SPBR), Casa em Itu (UNA) e Casa Brasileira 2 (Arquitetos Associados), através de suas estratégias de implantação, de composição formal, aspectos funcionais e espacialidade, afim de encontrar similaridades ou especificidades entre as produções. Implantação e Partido Formal Das quatro residências analisadas, três delas se localizam no estado de São Paulo – Casa em Itu (UNA), Casa Maia (Yuri Vital) e Casa Ubatuba (SPBR) – ao passo que a quarta, a Casa Brasileira 2 (Arquitetos Associados), está situada em Minas Gerais. A configuração topográfica dos terrenos, semelhante em todos os casos, levou os arquitetos a adotarem soluções de implantação bastante parecidas. Essencialmente, se percebe um posicionamento de “aceitação” desta configuração topográfica, acomodando a edificação no terreno sem promover grandes movimentações de terra e cunhando as suas coberturas como espécie de mirantes impostos nos níveis das vias de acesso 1 . (figura 01) A geometria dos terrenos também parece ter influenciado na implantação das edificações. As residências Casa Brasileira 2 (a) e Ubatuba (d) são implantadas em lotes com forma mais regular, estreitos e profundos, condicionando o uso de 1 Observa-se que apenas a Casa Brasileira 2 possui terreno com duas testadas, sendo adotada a entrada na cota inferior do terreno. CASA MAIA CASA UBATUBA Local: Carapicuíba-SP Local: Ubatuba-SP Ano: 2014 Ano: 2005/06 Escritório Yuri Vital Escritório SPBR CASA EM ITU CASA BRASILEIRA 2 Local: Itu – SP Local: Minas Gerais Ano: 2011 Ano: 2011 Escritório UNA Escritório Arquitetos Associados Autoras: Morgana Scottá, Stefânia Rossato Tonet, Cristina Piccoli e Ana Elísia da Costa

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ANÁLISE COMPARATIVA: VOLUMES ENCRAVADOS

As casas analisadas no presente trabalho são produções de cunho residencial que podem ser enquadradas dentro de um

mesmo arranjo tipológico, tradados aqui como “volumes encravados”. Dentro da pesquisa A Casa Contemporânea Brasileira:

regra e transgressão tipológica no espaço doméstico, essa tipologia agrupa modelos que, por sua estratégia de implantação

em um terreno íngreme, se “mimetizam” com a paisagem. Este estudo busca avaliar comparativamente quatro residências:

Casa Maia (Yuri Vital), Casa Ubatuba (SPBR), Casa em Itu (UNA) e Casa Brasileira 2 (Arquitetos Associados), através de suas

estratégias de implantação, de composição formal, aspectos funcionais e espacialidade, afim de encontrar similaridades ou

especificidades entre as produções.

Implantação e Partido Formal

Das quatro residências analisadas, três delas se localizam no estado de São Paulo – Casa em Itu (UNA), Casa Maia (Yuri Vital) e Casa

Ubatuba (SPBR) – ao passo que a quarta, a Casa Brasileira 2 (Arquitetos Associados), está situada em Minas Gerais. A configuração

topográfica dos terrenos, semelhante em todos os casos, levou os arquitetos a adotarem soluções de implantação bastante

parecidas. Essencialmente, se percebe um posicionamento de “aceitação” desta configuração topográfica, acomodando a edificação

no terreno sem promover grandes movimentações de terra e cunhando as suas coberturas como espécie de mirantes impostos

nos níveis das vias de acesso1. (figura 01)

A geometria dos terrenos também parece ter influenciado na implantação das edificações. As residências Casa Brasileira

2 (a) e Ubatuba (d) são implantadas em lotes com forma mais regular, estreitos e profundos, condicionando o uso de

1 Observa-se que apenas a Casa Brasileira 2 possui terreno com duas testadas, sendo adotada a entrada na cota inferior do terreno.

CASA MAIA CASA UBATUBA

Local: Carapicuíba-SP Local: Ubatuba-SP Ano: 2014 Ano: 2005/06

Escritório Yuri Vital Escritório SPBR CASA EM ITU CASA BRASILEIRA 2

Local: Itu – SP Local: Minas Gerais

Ano: 2011 Ano: 2011

Escritório UNA Escritório Arquitetos Associados

Autoras: Morgana Scottá, Stefânia Rossato Tonet, Cristina Piccoli e Ana Elísia da Costa

tipologias lineares. Já nas casas Itu (b) e Maia (c), a geometria do terreno é irregular, direcionando a configuração das

residências com um volume quadrático e centralizado na área. (figura 02)

(a)

(d)

(a) (b)

(c) (d)

(b)

Figura 1: Implantação, (a) Casa Brasileira 2 (Arquitetos Associados); (b) Casa em Itu (UNA); (c) Casa Maia (Yuri Vital); (d) Casa Ubatuba (SPBR). Fonte: SCOTTÁ Morgana (2016); TONET, Stefânia (2016).

Figura 2: Implantação, (a) Casa Brasileira 2 (Arquitetos Associados); (b) Casa em Itu (UNA); (c) Casa Maia (Yuri Vital); (d) Casa Ubatuba (SPBR).

Fonte: SCOTTÁ Morgana (2016); TONET, Stefânia (2016).

(c)

Quanto à composição, três casas seguem o mesmo princípio e se organizam em um bloco compacto que sofre subtrações em sua

forma, configurando assim um partido subtrativo - Casa Brasileira 2 (a), Casa em Itu (b) e Casa Maia (c). Os vazios gerados no

interior da forma se transformam em elementos de conexão visual interna e melhoram a insolação e ventilação dos ambientes das

casas. Já as subtrações externas geram sacadas e balanços que funcionam como mirantes ou dramatizam a questão da topografia..

Somente a Casa Ubatuba (d) possui um partido aditivo, com associação de vários blocos compactos, conectados através de

passarelas e circulações verticais, que também favorecem a integração visual, nesse caso, com o exterior. (figura 03)

Bloco compacto

Subtrações na forma

Blocos compactos

Figura 3: Partido Formal, (a) Casa Brasileira 2 (Arquitetos Associados); (b) Casa em Itu (UNA); (c) Casa Maia (Yuri Vital); (d) Casa Ubatuba (SPBR).

Fonte: SCOTTÁ Morgana (2016); TONET, Stefânia (2016).

(c)

(d)

/

/

/

Subtrações na forma Bloco compacto

Subtrações na forma Bloco compacto

Conexões entre os blocos

(a)

(b)

O tratamento destinado aos volumes os contrasta com o entorno, através do uso de empenas laterais cegas ou dotadas de poucas

aberturas, o que limita o contato visual com o exterior. Em contraposição, grandes planos de vidro voltam-se para o interior da

edificação ou para o lado oposto da rua, que coincide com o melhor panorama.

O sistema estrutural das casas Itu e Brasileira 2 não faz parte da composição formal, ao contrário das casas Ubatuba e Maia. Na

Casa Ubatuba, as alvenarias de vedação são independentes do esquema estrutural - tirantes fixados em robustas vigas invertidas

na cobertura que, por sua vez, se apoiam em três pilares agigantados. O mesmo acontece com a estrutura metálica da Casa Maia,

que é aparente e onde o arquiteto também se fez valer da estratégia das grandes vigas na cobertura para “pendurar” a composição.

Configuração Funcional

Devido a sua posição no lote, as Casas Maia, Ubatuba e Itu apresentam acessos pela cobertura, que se localiza na cota mais alta do

terreno. Já na Casa Brasileira 2, optou-se por colocar o acesso no nível inferior, visto que seu terreno apresenta duas testadas. É

interessante notar que, nessas residências, a cobertura assume um papel maior do que simplesmente proteger a edificação. Além

de servir de acesso, ela também pode funcionar como espaço de lazer e contemplação, como comprovam as piscinas das Casas

Brasileira 2 e Ubatuba, localizadas nesse pavimento.

O zoneamento em níveis é a estratégia recorrentemente utilizada nos quatro exemplares, contudo, é possível identificar uma

segunda organização dependendo do partido adotado. Nas casas Brasileira 2 (a), Itu (b) e Maia (c), observa-se o arranjo em faixas,

e, na Ubatuba (d), em blocos (figura 04).

As circulações não obedecem a um padrão, mas definem em todos os casos uma complexa rede circulatória, cujo arranjo parece

buscar a promoção de “passeios” que convidam os usuários a desfrutar visualmente do entorno. Neste contexto, a casa Maia é uma

exceção, visto que a sua circulação vertical se concentra espacializada no núcleo da composição. Ora periféricas, ora centralizadas,

espacializadas ou en suíte, não importa, o que interessa nestas casas é promover um percurso rico em contrastes e surpresas

(figura 04).

A disposição dos elementos irregulares de composição também favorece essa promenade, Posicioná-los nas extremidades da

edificação - Casa em Itú (b), Casa Brasileira 2 (a) e Casa Ubatuba (d ) - ou junto do núcleo de circulação - Casa Maia (c) -

favorece, especialmente nos setores social, a configuração da planta livre.

Espacialidade

Todas as quatro casas analisadas proporcionam um percurso que vai do acesso aos dormitórios marcado por alguns ou vários

pontos de extremo contraste entre dilatação e compressão espacial. Este contraste é promovido, em grande parte, pelas

configurações das circulações verticais espacializadas, dos ambientes de planta livre, com dimensões generosas e grandes planos

de vidro, e das varandas que se abrem às visuais. Os grandes planos verticais de vidro, inseridos de maneira estratégica em

(a)

(c)

Elementos irregulares

(b)

(d)

Circulação secundária Circulação principal

Setor de Serviço Setor Social Setor Íntimo

Figura 4: Configuração Funcional, (a) Casa Brasileira 2 (Arquitetos Associados); (b) Casa em Itu (UNA); (c) Casa Maia (Yuri Vital); Casa Ubatuba (SPBR).

Fonte: SCOTTÁ Morgana (2016); TONET, Stefânia (2016);

diversos ambientes promovem recorrentemente tensões multidirecionais, uma de suas características mais marcantes nestas

casas. (figuras 05 e 06)

Considerações Finais

A topografia íngreme do terreno onde estão implantadas é, à primeira vista, o denominador comum dos quatro projetos estudados

nessa análise. Porém, ao observá-los mais atentamente, é possível identificar outros diversos pontos de confluência entre eles. As

intenções de mimetização da topografia e de preservação do entorno parecem ser as mais evidentes, mas dela decorrem outras

tão importantes quanto:

a) O uso da cobertura como extensão da rua ou para criação de espaços de lazer e contemplação;

b) A estreita relação visual com o ambiente externo, promovida pelo uso estratégico das empenas laterais pouco permeáveis

e o abundante uso do vidro voltados para o “vale”;

c) A organização do zoneamento em níveis

d) O favorecimento da planta livre, pela localização dos elementos irregulares de composição, liberando, mais uma vez os

ambientes para a vista da paisagem;

Aces

so p

rinc

ipal

Se

tor

soci

al

Corr

edor

íntim

o

c – Casa Maia d – Casa Ubatuba

Dorm

itóri

os

a - Casa Brasileira 2 b – Casa em Itu

Figura 5: Espacialidade, (a) Casa Brasileira 2 (Arquitetos Associados); (b) Casa em Itu (UNA); (c) Casa Maia (Yuri Vital); Casa Ubatuba (SPBR).

Fonte: SCOTTÁ Morgana (2016); TONET, Stefânia (2016);

e) Os percursos no interior das edificações, cuidadosamente planificados para promover o deleite visual.

Ao final, parece ser coerente afirmar que todas essas estratégias permitem classificar as quatro casas analisadas como partes

de um mesmo grupo tipológico.