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Cartilha Feminista 2012

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Cartilha Feminista

2012

A P R E S E N T A Ç Ã OA ampla e conjunta luta das mulheres pela igualdade, reparação e denúncia da

opressão por nós sofrida (opressão de gênero, dado pelo sentido social construído em diferenças impositivas), vem-se estendendo junto a critica à dominação classista, por um futuro sem explorações e sem alienações, mas com cunho mais profundo e necessidade de denúncia irrestrita. Ou seja, não se finda por completo na mudança de sistema econômico propriamente dito, passa ainda pela mudança nos moldes de uma sociedade patriarcal.

A divisão sexual do trabalho - na qual as mulheres ficam encarregadas do trabalho reprodutivo (com a casa e a família, no espaço privado) e os homens do trabalho produtivo (na política, na economia, no espaço público) – gera uma valoração do trabalhador, onde é constatado que as mulheres ocupando o mesmo cargo que homens recebem menores salários. O Brasil ocupa o 82º lugar dentre 134 países analisados de piores condições de igualdade de trabalho e oportunidades para mulheres e homens.

Analisando o ambiente acadêmico, é mais do que evidente a coisificação do corpo da mulher. Basta pegar exemplos de festas e calouradas, qual o meio mais utilizado de propaganda? Uma mulher seminua no cartaz! Essas formas de chamar atenção costumam ter o apelo sexual de uma mulher exposta, acompanhada de hinos cantados com muito orgulho pelos estudantes inferiorizando e coisificando a mulher. Em quantas faculdades se é visto creches? A mulher mãe, na maioria das vezes, é desamparada pelo sistema educacional, interferindo assim negativamente em sua formação estudantil.

Nessa linha, vê-se no histórico de nossa construção enquanto federação as tentativas e avanços para a ampliação da discussão de gênero, iniciadas germinalmente ainda nos anos 2000. A conquista da pasta de Mulheres na Coordenação Nacional da FENED se deu na reformulação estatutária de 2007, ficando esta sob administração da UFPA, eleita no XXVIII ENED Maceió.

Em 2008 houve a tentativa de criação de uma cartilha, não tendo ocorrido, entretanto, sua distribuição. A partir de 2009 os avanços passaram a ser mais expressivos, com representação da pauta de mulheres no painel sobre opressões do ENED Brasília em 2010, sendo seguida das campanhas nacionais contra a violência contra a mulher e pela legalização do aborto, com cartazes e adesivos distribuídos por todo o país. Espalharam-se, impulsionados pela pasta de mulheres, campanhas e manifestos assinados pelos diversos CAs e DAs que compõem a Federação.Passa-se, então, a maior ocorrência e desenvolvimento de debates concernentes à pauta de mulheres e a divulgação de materiais por nós criados para subsidiar ações e debates nas escolas em todo o Brasil.

Eis que as Mulheres da FENED propõem a produção desta cartilha, respondendo à necessidade de se abordar e refletir sobre inúmeros e diversificados temas conflituosos relacionados à mulher, seja desigualdade salarial, coisificação do corpo feminino, a mulher no movimento LGBTT e Negro, aborto, dentre outros.

A luta de classes não elimina a luta de “sexos”.Daí surge a importância e necessidade do engajamento de tod@s na luta feminista. Essa cartilha é direcionada à tod@s, pois essa luta é inerente a todo ser humano que deseja um mundo justo e sem desigualdades.

Mulher e MídiaPor Mulheres da ENECOS

Para entender como a sociedade enxerga a mulher, é importante compreender as principais esferas em que a imagem da mulher é construída, como a família, a escola e a mídia. Cada uma dessas esferas tem o seu papel, mas será a mídia que perpassará por todas elas. Assim, é necessário identificar como somos representadas e como são tratadas as nossas pautas, nos meios de comunicação de massa.

E como nós, mulheres, somos representadas? Enquanto meros objetos destinados a saciar os desejos sexuais masculinos, consumidoras de utensílios domésticos, ou como consumidoras de produtos que recorrem à padronização da beleza. Enquanto objeto sexual, basta verificar as recorrentes aparições de mulheres em publicidades para constatar este fato: propagandas de cerveja são um exemplo nítido da mercantilização do corpo feminino, da “coisificação” da mulher em objeto sexual.

Nos anúncios de produtos de limpeza, ou mesmo de brinquedos infantis, no qual a presença da figura da “mãe” é certa, nos deparamos com a nossa imagem equiparada à maternidade e à submissão doméstica. Quando falamos da padronização da beleza (“ditadura da beleza”), encaramos um problema sério de tentativa de adequação das mulheres a padrões estéticos, que leva, desde muito cedo, ao desenvolvimento de distúrbios alimentares pelas jovens, como anorexia e bulimia, em busca da beleza a qualquer custo. Outra faceta da mídia é a averiguação de como as reivindicações históricas do movimento feminista como o aborto, as desigualdades enfrentadas no mercado de trabalho e a violência contra a mulher são tratados.

Quando esses assuntos são tratados, o são de forma rasa, sem um debate aprofundado em que o machismo seja a causa da opressão à mulher, ou ainda que evidenciem a intensidade que a opressão recai diferentemente nas mulheres de classes sociais distintas. Quando falamos em mulheres negras, a situação é ainda pior. A imagem da negritude feminina é associada ao binômio puta-empregada. É recorrente ver a mulher negra sendo retratada nas novelas, por exemplo, enquanto empregada doméstica. A alternativa a esse papel é a identificação com a “cor do pecado”, cuja imagem está associada à sensualização da “mulata”, em que a culpa pela “desordem moral” é atribuída à negra.

Na universidade, todas essas reproduções da mídia, transparecem. Práticas opressoras são reproduzidas, com hinos machistas e homofóbicos que pregam a objetificação e a submissão da mulher ao desejo sexual e moral masculino, como concursos de “miss” nos trotes e jogos universitários. Pensar homens e mulheres livres é repensar as nossas relações nos espaços em que estamos inseridas. Para tanto, é necessário um combate diário a práticas opressoras machistas, racistas e homofóbicas na universidade.

Mulheres negras, mulheres também.Para que possamos organizar efetivamente o movimento de mulheres, numa perspectiva emancipatória e comprometida com a realidade dos movimentos sociais, é necessário atentar para recortes sociais que influenciam na construção do papel da mulher. Compreender que a conjunção dos aspectos de raça e gênero modificam sensivelmente a maneira como os sujeitos sociais se identificam, e também como a sociedade rotula estes sujeitos, é o primeiro passo para que possamos avançar na proposição de debates e ações que massifiquem o movimento feminista.

O Movimento de Mulheres Negras surgiu a partir da necessidade de construir espaços de luta que contemplassem as peculiaridades das questões pertinentes às negras. Diferentemente das mulheres brancas, que no auge da construção do movimento feminista no Brasil já ocupavam as cadeiras da academia, as mulheres negras mantinham-se em posições subjugadas, sendo exploradas não só pela sociedade machista, mas também pelo racismo.

As experiências do feminismo negro podem ser consideradas anteriores ao crescimento do movimento feminista como um todo no Brasil. Se avaliarmos a maneira com que as escravizadas organizavam-se para resistir, e entendendo resistência como um processo não só de revolta, mas também de negociação, a dominação do patriarcado colonialista sobre os seus corpos, trabalho e filhos, desmistificaremos os estereótipos racistas e machistas que colocam as mulheres negras como: “mulatas lascivas sempre dispostas a servir com seus corpos e sua sensualidade”.

É importante destacar que para as mulheres negras não foi destinado outro para oprimir. As mulheres brancas podem oprimir as mulheres negras, os homens negros podem oprimir as mulheres negras, as mulheres negras não são institucionalizadas pela sociedade para oprimir ninguém, são vistas sempre como oprimidas.É necessário, que o movimento feminista, compreenda as particularidades da militância das mulheres negras, para além do mero ativismo. Entender e aceitar que a palavra “mulher” não dá conta da realidade e da luta de todas as mulheres, que ao reivindicarmos nossa raça, ao nos auto identificarmos enquanto mulheres negras ressaltamos a diferença na diferença.

Às mulheres negras da FENED, cabe o exercício de aprofundamento da discussão racial, seja no movimento estudantil, seja no movimento de mulheres, desde que seja em movimento, sempre conectado com nossas realidades.

O feminismo negro tem pressupostos diversos de correntes do feminismo que optam por balizar a luta das mulheres através de uma perspectiva individualista e liberal. O movimento de mulheres negras compreende o feminismo de maneira coletiva, pois a experiência de cada uma é vivenciada cotidianamente por todas, em função do racismo sexista.

MULHERES, EDUCAÇÃO E

ASSISTÊNCIA ESTUDANTIL

Como todas as demais conquistas das mulheres, a inserção na Universidade foi fruto de muita luta. Somente no sec. XIX, em Ohio - EUA, as primeiras mulheres conseguiram ingressar em uma Instituição Superior. Na Europa, o processo foi ainda mais tardio e no Brasil a primeira mulher a se graduar foi a gaúcha Rita Lobato Velho Lopes, formada em medicina na Bahia em 1887. Com o desenvolvimento do sistema capitalista e a necessidade de mão de obra, as mulheres foram obrigadas a se lançarem no mercado com as piores condições de trabalho e remunerações. Nesse contexto, elas se organizaram, conquistando o direito de se especializarem, buscando melhorias na qualidade de vida e trabalho.

Entende-se que a Universidade deve ser um espaço de formulação e análise crítica. É seu papel construir políticas de erradicação de todo tipo de opressão, inclusive de gênero. Hoje, as mulheres possuem maior nível de escolaridade que os homens e consequentemente, são maioria no Ensino Superior. Apesar deste avanço, as Instituições de Ensino ainda não se adequaram à realidade que já não é mais nova. Muito embora haja abertura do debate de inclusão social na Universidade, a realidade da mulher brasileira e suas demandas não são levadas em consideração. A segurança, o combate ao machismo e as políticas de permanência para as mães, não passam de discursos vazios.

No que tange o acesso ao ensino superior, fica evidente que as mulheres já acumularam várias conquistas, mas o que ainda se encontra é um cenário de muitas debilidades. Um exemplo é o Decreto 6202/75, que garante a licença maternidade por três meses, a partir do oitavo mês de gestação. Mas o que obriga a Universidade a criar condições reais para incentivar a permanência das mães? Além de enfrentarem cotidianamente em seus lares e na sociedade o machismo e o preconceito, na grande maioria das vezes elas também não têm com quem deixar seus filhos, o que as impossibilita de conciliar a rotina do lar às demandas do curso. Fatos como este só contribuem para excluir ainda mais as estudantes oriundas das parcelas mais pobres da classe trabalhadora.

Neste contexto, cabe a todas e todos tomarem para si a responsabilidade de protagonizarem incessantemente as lutas contra as desigualdades e explorações, desconstruir mitos e preconceitos ainda enraizados na sociedade, buscando também alcançar um modelo de Universidade popular. Ao estudante de Direito, cabe o papel de fortalecer suas entidades de representação provocando sempre um debate que não desvincule a pauta de um ensino jurídico mais crítico da luta por justiça social. A garantia da universalização do ensino superior, assistência estudantil real e o combate às opressões dentro da Universidade.

Vale lembrar: “A opressão do homem pelo homem iniciou-se pela opressão da mulher pelo homem”. Karl Marx

VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER

Em tempos de Lei Maria da Penha - esta que foi uma vitória dos movimentos feministas na luta por sua implementação - podemos ter a falsa sensação de que a legislação basta para dar conta da realidade que se aponta. Entretanto, a violência contra às mulheres permanece um grave problema social pouco discutido, matando milhares de mulheres no Brasil todos os anos.

De acordo com a estimativa da Anistia Internacional e da Organização Mundial de Saúde (OMS), 1 em cada 3 mulheres no mundo já sofreu violência, que permanece senso a maior causa de morte em mulheres entre 16 e 44 anos. Calcula-se ainda que 70% dessa violência vêm ocorrendo dentro do ambiente familiar.

Esses números, embora espantosos, lamentavelmente não dão conta de toda a

realidade pesquisada, uma vez que diagnosticam somente a violência física sofrida. Nesse sentido, fundamental compreendermos que a violência contra a mulher vai muito além da agressão física, podendo concretizar-se por meio de palavras, tortura psicológica, limitações à liberdade de ir e vir, destruição de bens materiais, possessividade, entre outras formas, pairando no campo do simbólico. Ainda que sem socos e chutes, a violência psicológica e simbólica contra a mulher é igualmente nociva e deve ser combatida com a mesma severidade.

Para nos empoderarmos dos meios de combatê-la, precisamos refletir sobre suas bases de produção: a violência contra a mulher possui uma matriz de produção que se instala em todos nós desde a infância, centrada na heterossexualidade compulsória, no machimo, na misoginia, na supremacia do masculino sobre o feminino, nos modelos de relacionamento baseados em papéis pré-concebidos de gênero, na divisão sexual do trabalho. A produção da violência contra a mulher é lenta e sistemática, reproduzida diariamente na televisão, na escola, nos livros de história, nas formas como a mulher é representada no mundo e como naturalizamos as supostas diferenças de gênero.

Nesse sentido, o combate à violência contra a mulher é uma militância diária, que pode ser feita em uma grande passeata ou, ainda, nos pequenos gestos cotidianos, como estarmos atent@s à exigência de que o gênero das palavras seja flexionado para “eles/elas” - uma maneira de visibilizar as mulheres e combater a universalização do modelo masculino. Lembremos sempre que para indentificarmos as inúmeras violências cotidianas praticadas contra às mulheres - no âmbito doméstico, político e institucional – é preciso aguçar o olhar e desnaturalizar o que está posto.

A mulher objetificada e o machismo nas universidades

A Universidade como instituição de reprodução social assimila o modo de produção, a cultura e a organização social da sociedade na qual está inserida. Por sua pretensão científica da produção do saber, objetiva revelar esta realidade social, mas obviamente mascarada pelo véu da erudição.

Os muros da civilização intelectual que pretendem responder e explicar a estrutura social, na realidade fática somente funcionam como espaço de reflexo do meio histórico que os constroem, servindo à estrutura de dominação vigente. Assim, na pretensão de modificar ou transformar as relações hierarquizadas e de desigualdade, a Universidade acaba por reproduzir as mesmas relações opressivas e, mais ainda, as legitima.

São inúmeros os exemplos concretos de exposição da mulher e violência machista, podemos citar os casos paradigmáticos e midiáticos, como a estudante Geisy Arruda, humilhada massivamente pelos próprios colegas por usar roupas “inadequadas” aos padrões universitários e excluindo a soberania de seu corpo; O “Rodeio da gordas” na Unesp, na qual a ditadura da beleza é imposta pela agressão inescrupulosa da opressão machista; e recentemente a estudante que fora assediada por um professor, cujo crime de estupro pretende desclassificação pelo ministério público estadual, em que o caso é tratado como mera apresentação de uma natural libido masculina.

Na maioria dos casos, a mulher é culpabilizada por sua própria opressão, inferindo a ela responsabilidade sobre a ocorrência e isolando a representação absoluta do machismo no meio universitário. Na realidade, como nos outros âmbitos, a instituição universitária se omite e prefere abdicar da interferência justamente pelo papel predominante de conformação social, evitando tocar no cerne da questão e optando pelo apaziguamento dos “conflitos”.

Nesse aspecto, além da exposição concreta das desigualdades nos órgãos universitários, a omissão da Universidade destaca-se no papel que assumem as “novas” instituições de estudantes universitários, como centros acadêmicos, atléticas e baterias, cuja promoção de festas, trotes, propagandas, jogos e músicas com conteúdo de subcolocação e inferiorização feminina é difundida ampliadamente pela normalização da objetificação da mulher. As Atléticas, propulsionadas no período de Ditadura Militar, cujo objetivo visava à despolitização e alienação pelo desvio de foco estudantil aos movimentos combativos para os grandes eventos desportivos desprovidos de qualquer crítica ao modelo vigente, passam a também garantir a alienação às desigualdades e opressões de gênero.

A exemplo estão as músicas e festas exaltadas por esses grupos, consideradas como uma externalização da diversão, da “brincadeira”, mas cuja opressão feminina ultrapassa a ordem do simbólico e se efetiva pela secundarização e submissão REAL da mulher nestes espaços.

O disfarce do caráter de distração e diversão é pautado numa liberalização sexual masculina pela repressão absoluta feminina através da objetificaçao e da inserção em padrões constituídos pela indústria do consumo estético. Como nos “hits” dos Jogos Jurídicos, o homem assume a centralidade ativa, a dominação, a domesticação, enquanto a mulher canta sua passividade e desarticula a união feminista pela degradação do próprio gênero ou simplesmente pela não percepção da própria submissão.

A subordinação intensifica-se pela representação ideológica de difícil ruptura com a estrutura patriarcal, que adapta as novas formas pós-modernas capitalistas e determina novos meios de expressão da dominação. Se a mulher (obviamente com devidos recortes de classe e raça) começa a ingressar no meio acadêmico e equiparar-se ao domínio intelectual nestes espaços, sua inferiorização se demonstra de outras maneiras, como a escravização e marcantilização de seus corpos. A própria valorização profissional feminina está intimamente ligada ao ideal estético de modelo de feminilidade, subordinada aos desejos dos homens e agravada pela estrutura da valorização da forma, a qual representaria imediatamente o conteúdo.

A lógica capitalista remodela os métodos de controle sobre a mulher, se anteriormente o padrão era a constituição familiar e a perpetuação no espaço privado, hoje o processo mascara-se pela intensificação consumista e entrada massiva feminina no mercado de trabalho. As estruturas de dominação necessitavam de adequação para permanecerem vigentes, de forma que o padrão corporal reflete o contexto econômico, político e cultural de uma sociedade, se atualmente estratificada, competitiva e controladora, o corpo feminino continua operando o papel secundário e subordinado, mas como o foco muito maior nos processos mercantis.

Tanto a opressão concreta das manifestações de violência quanto às formas de dominação simbólica, acabam por se legitimar no âmbito universitário pela reprodução massiva, sem questionamento pelas próprias mulheres que o compõe. Mesmo assim, deve-se ressaltar que inexiste o machismo feminino, mas uma educação ideológica patriarcal histórica na qual as mulheres passam por um processo de castração das potencialidades, cuja adequação na ordem estrutural se dá pela absorção dos valores culturais masculinos como predominância absoluta e universal, desse modo, para muitas mulheres a única realidade e possibilidade é aceitação e naturalização desse papel subcolocado como forma de inserção social sem grandes conflitos.

Frente à realidade de opressão de gênero na Universidade, exige-se uma atuação combativa estudantil que desmascare, revele e desmitifique a estrutura social em sua totalidade, evidenciando os papéis de gêneros e sua composição hierarquizada e propondo atuações que os extingam. Deve-se pressionar incessantemente os órgãos institucionais universitários, que se omitem, culpabilizam a mulher e evitam qualquer manifestação e envolvimento nas opressões cotidianas no meio acadêmico e social universitário, que tomem atitudes de rechaço a toda e qualquer forma de violência e sejam responsabilizados pela propositura de ações concretas para a extinção da desigualdade e de ações afirmativas das mulheres nesses espaços.

Por que nos auto-organizamos?

Vivemos hoje um contexto difícil para o feminismo: reiterados casos de violência contra mulheres, a presença gritante do machismo nos meios de comunicação e propaganda, uma reação conservadora aos direitos sexuais e reprodutivos, a repetição insistente do mito da igualdade já conquistada, etc.

Assim, segue sendo necessário um movimento de mulheres, formado por mulheres com consciência feminista de sua opressão e exploração e, mais

importante, tendo bem identificado os inimigos comuns que sustentam o sistema de dominação. Ou seja, compartilhando uma visão comum sobre a explicação de sua própria condição e compartilhando formas de lutas e articulação, de maneira a estabelecer estratégias políticas capazes de corrigir a distorção histórica que coloca o sexo feminino em condição de dependência e submissão.

Trata-se de redescobrir o feminismo como movimento social. E, nesse sentido, entender as mulheres como uma identidade política.

Para elucidar o que significa essa identidade política podemos destacar os espaços de formação do movimento feminista, quando “a produção coletiva da reflexão se faz na articulação entre a biografia individual de cada participante e seu contexto social e histórico. Ali, as feministas se percebem mulher, e compreendem o ser mulher como uma experiência socialmente compartilhada e historicamente situada, ainda que seja uma experiência singular para cada uma. Este conhecimento se faz identificando e analisando, coletivamente, as experiências e os significados das práticas sociais que contextualizam esta experiência: formas sociais do lidar com a menstruação e a puberdade nas meninas, a atenção com a virgindade, a solidão vivida no casamento, a exploração do trabalho das mulheres na movimentada vida doméstica, os desafios na busca da autonomia econômica, as injustiças no mundo do trabalho, a dupla jornada, etc.”¹

Podemos destacar alguns pontos de profunda relevância para a formação feminista hoje: Um primeiro conteúdo é a ideia de que nós, mulheres, somos subjetivamente oprimidas e objetivamente exploradas. Esta ideia, clássica no feminismo, permite-nos explorar a percepção desta dupla dimensão da nossa experiência, permite-nos refletir sobre os elementos simbólicos e os elementos materiais da dominação dos homens sobre as mulheres.

1. Nós mulheres e a experiência comum, Silvia Camurça.

Um segundo conteúdo é a ideia de que esta opressão e exploração são feitas nas relações sociais, e não fora delas. Por isso, a dominação não se faz do mesmo jeito sobre todas as mulheres, varia por classe e, nas sociedades racistas, varia por identidade étnico-racial. A dominação sobre as mulheres também varia em decorrência do contexto histórico. Pensando assim, podemos alcançar a variedade e a complexidade de formas que a dominação toma nas distintas relações sociais, considerar o contexto e determinações decorrentes das relações econômicas e políticas e da cultura política de cada sociedade, comunidade, territórios em que as mulheres se situam.

Um terceiro conteúdo é trabalhar com a ideia de que há mecanismos que sustentam o sistema de dominação, através dos quais a dominação se reinventa, reproduz e perdura. A autora Silvia Camurça propõe considerarmos quatro mecanismos principais: 1. A prática da violência contra as mulheres para subjugá-las, 2. O controle sobre o corpo, a sexualidade e a vida reprodutiva das mulheres, 3. A manutenção das mulheres em situação de dependência econômica e 4. A manutenção, no âmbito do sistema político e práticas sociais, de interdições à participação política das mulheres.

A partir dessas reflexões podemos compreender que apenas nós, mulheres, enquanto uma categoria política, podemos conquistar nossa emancipação, porque ao sermos sujeitas da opressão dos homens não podemos esperar deles o reconhecimento da igualdade como prática social, mas devemos ser protagonistas da nossa própria história. E para isso é necessário que nos auto-organizemos, na medida em que adquirimos uma identidade coletiva, e assim, construamos uma luta em comum.

Ela pode e deve ser apoiada por sujeitos comprometidos com a causa das mulheres, mas não pode ser caridade e, portanto, não pode vir de fora. Assim, adotando Paulo Freire, a emancipação passa obrigatoriamente pela pedagogia do oprimido. É ela, a oprimida, que precisa dar-se conta da sua situação e lutar para transformá-la.

Neste sentido, o autor da Pedagogia do Oprimido, nos traz a idéia de que a pedagogia do oprimido é aquela que tem de ser forjada com a oprimida, e não para ela, enquanto mulher e coletividade, na luta incessante de recuperação de sua humanidade. Pedagogia que faça da opressão da mulher e de suas causas objeto de reflexão das mesmas, de que resultará o seu engajamento necessário na luta por sua libertação, em que esta pedagogia se fará e refará.

“Nossa liberdade não será dada, será conquistada pelas mulheres na luta”

O DIREITO AO ABORTONo Brasil, o aborto é crime. Sua prática apenas é permitida em duas

situações: quando a gravidez for resultado de estupro ou quando a gestação apresente risco de morte à gestante. No entanto, o aborto existe independentemente das leis que o proíbam, já que 1,4 milhões são praticados anualmente no Brasil e que 1 em cada 7 brasileiras entre 18 e 39 anos já fez um aborto.

Se os números acima impressionam, estes assustam: os abortos clandestinos e inseguros praticados no Brasil correspondem a 240.000.000 internações anuais e é a terceira maior causa de morte materna no país. É portanto a criminalização da prática que faz com que muitas brasileiras sofram pela falta de amparo nos serviços públicos de saúde pois para as mulheres pobres o aborto é um risco de vida e pode levar à morte. Já para as mulheres ricas, é quase um direito, amparado por clínicas clandestinas de alta qualidade e acompanhamento psicológico. E é o mesmo Estado que proíbe que a mulher que opte por interromper uma gravidez indesejada, que, quando a mulher decide levar adiante a gravidez, a desampara de políticas públicas necessárias para tal escolha, que vão desde pré-natal, parto humanizado, pós-natal, licença-maternidade, creches a seus direitos de moradia adequada, saúde de qualidade, transporte público acessível, educação, assistência social.

E se torna mais preocupante quando vemos que essa não é uma prioridade na agenda política brasileira. A legalização do aborto foi suprimida do Plano Nacional de Direitos Humanos – PNDH3. Foi assinado um acordo de reciprocidade mútua entre Brasil e Vaticano.No legislativo vemos um avanço conservador, como a Frente Parlamentar Pró-vida, baseada em fundamentos religiosos, que defende a ampliação da criminalização do aborto configurando-o como crime hediondo. Entre outras ações como a criação do Cadastro de Gravidez, que possibilita uma fiscalização das mulheres para verificar se concluíram a gravidez, bolsa-estupro, CPI do aborto, Disque-Aborto, a proibição do uso de camisinhas.

Deve ficar claro ainda que a luta pela descriminalização e legalização do aborto é a luta pela autonomia da mulher, independente de qualquer religião ou crença. Levantar essa bandeira é lutar contra a ideologia machista e patriarcal que impõe à mulher enquanto destino irremediável a maternidade. Ser mulher não é ser mãe. Ser mulher é podermos ter a opção de traçarmos os rumos da nossa vida, e isso passa por decidirmos sobre o nosso próprio corpo, retirando do Estado a legitimidade de intervir sobre as nossas escolhas.

Defendemos o aborto legal, que possa ser associado a políticas de planejamento familiar, e orientação acerca dos direitos sexuais e reprodutivos. E lutar pela legalização do aborto é defender o fim da morte, perseguição, aprisionamento das mulheres que querem decidir sobre seus futuros. É defender a vida de milhões de mulheres, quase em sua totalidade pobres e negras, que morrem por abortos clandestinos. É lutar pela autonomia do nosso corpo e por um Estado Laico. Lutar pela legalização do aborto é lutar por por uma sociedade livre de opressões.

NEM PAPASNEM JUÍZES

AS MULHERESDECIDEM!

Que mulher? Que política?O ano de 2011 foi marcado por uma série de revoluções populares

protagonizadas pelas mulheres. Seja na Primavera Árabe, na luta da juventude indignada espanhola, nas mobilizações por educação pública no Chile e, mais recentemente, no movimento #occupywallstreet, as mulheres estiveram na linha de frente.

Esse processo não é novidade. Os levantes populares ao longo da história tiveram, em maior ou menor medida, participação das mulheres. Contudo, embora atuantes nos processos de massa, essa participação quase que se anula nas esferas de poder.

São inúmeros os fatores que afastam as mulheres da política, sendo a múltipla jornada de trabalho o fato mais sensível. O patriarcado coloca as mulheres como agentes do âmbito privado, cuidadoras do lar e da família, o público segue sendo compreendido como um espaço masculino e as mulheres que postulam-se ao poder frequentemente são taxadas com estereótipos machistas e opressores que ardilosamente contribuem para o afastamento das mulheres da militância.

O espaço de militância é, por si só, um espaço em que as mulheres estão subrepresentadas. O movimento estudantil é exemplo disso. Somos poucas ocupando cargos de presidência, coordenação geral e similares, nas reuniões não somos nós que desempenhamos o papel de dirigente, ficando constantemente atreladas ás tarefas de secretariado e relatoria. Essa lógica também é responsável por nos sentirmos inseguras em fazer falas que representem nosso espaço de militância, reproduzimos a máxima “atrás de um grande homem sempre há uma grande mulher”. Não podemos mais nos contentar, achar natural, ficarmos atrás dos companheiros. Precisamos romper com o machismo e ocupar os espaços de poder político em nossos centros acadêmicos, coletivos e também na FENED. Para isso, a auto-organização das mulheres cumpre papel fundamental pois é uma experiência emancipadora e que nos educa para o empoderamento, para sermos porta-vozes de todas as bandeiras da FENED.

Há muito os movimentos de mulheres dizem que “lugar de mulher é na política!” e as feministas lutam pela efetivação dessa palavra de ordem ao longo de sua história. Embora hoje tenhamos mulheres ocupando cargos políticos, estas continuam mantendo a lógica machista através de programas de governo que fortalecem o sistema patriarcal.

Precisamos compreender que não basta termos mulheres na política, essas mulheres devem ser aliadas das mulheres, das feministas, da classe trabalhadora para que possamos enfim avançar em uma sociedade equânime, livre de opressões e onde as pautas e demandas das mulheres não sejam compreendidas como barganhas nas mesas de negociações dos governos.

Feminismo

As relações entre os diversos movimentos sociais muitas vezes se mostram carregadas de considerações preconceituosas e pejorativas, que lesam a construção pela igualdade e a busca pela libertação do indivíduo de uma sociedade opressora e que o mutila em sua subjetividade.

Tanto o movimento LGBTT como o movimento feminista buscam a ruptura com o modelo de sociedade patriarcal e a igualdade plena e universal. Entretanto, apesar de existir uma sincronia bem evidente entre esses movimentos, há ainda, a presença da desigualdade e opressão dentro da própria militância; Afirmação que se mostra na negativa de alguns setores do movimento feminista em reconhecer em si a presença das lésbicas e priorizar a desconstrução das categorias de gênero em detrimento das sexuais.

Talvez, a negação se deva a um receio da própria militância de que lésbicas assumidas enquanto lésbicas passem a atuar na linha de frente do movimento, fazendo com que ele perca sua credibilidade perante a sociedade machista. Isso porque, a sociedade tenderia a descaracterizá-lo ao generalizar todas as feministas como lésbicas, dificultando a assimilação das idéias feministas. Esse medo da inserção de lésbicas é apenas a reprodução do próprio machismo heteronormativo que tanto combatemos, e que também se oculta no movimento feminista. Acabamos, assim, por cindir a pauta em lésbica e não lésbica, afastando a idéia de união de todas as mulheres e dificultando a luta pela igualdade.

Importante lembrar que existe uma grande desproporção entre os membros e lutas do movimento LGBTT. Se por um lado travestis e transexuais são jogados às margens da sociedade, sofrendo abusos e muita violência, os homens gays, brancos e ricos, lutam não por uma ruptura social para igualdade coletiva, mas sim para que a sociedade os aceite como “homoafetivos’.

Porém, essa homoafetividade, por vezes, não passa de equiparação ao modelo heteronormativo e monogâmico que tem por base a família. Acaba, assim, por excluir todos os outros homossexuais que não se encaixem no padrão, marginalizando negros, pobres e os caricaturizando.

Essa figura de gay “certinho” é gradativamente permeada pelos meios de comunicação, como o gay bonito, rico, gentil e com dotes culinários ou decorativos, que pretende constituir família no molde nuclear, sendo assexuado e superficial. Assim, a sociedade os aceita, como animais dóceis e domesticados.

Até mesmo nas relações homossexuais é presente a construção de gênero heteronormativizado, presumindo-se que no relacionamento deve existir, sempre, aquele que faz o papel de homem e aquele que faz o papel de mulher, mudando apenas o objeto do desejo, mas dando continuidade à coisificação e, conseqüentemente, a desigualdade entre as partes. Ignora-se que a forma como alguém se veste ou se porta nada tem a ver com um suposto papel sexual que desempenhe. Ademais, essa definição de “papel sexual” é por si só opressora, apenas por tentar impedir que se transite livremente na fronteira do sexo.

Já a lesbofobia, assunto pouco tratado entre os movimentos feministas e LGBTT, normalmente é incluída na generalidade da homofobia. Lesbofobia pode se descrever como um desdobramento do machismo, pois nega a identidade da mulher como homossexual, na tentativa de inferiorizá-la; Leva até a limites extremos como o estupro, em que o agressor tenta “feminilizar” a vítima para firmar sua supremacia sexual e de gênero. A grande utilização de cenas lésbicas pela indústria pornô em muito contribui para a continuidade da lesbofobia, pois aparece sempre de forma fetichista e reificada.

Logo para que se construa uma sociedade igualitária e libertária é necessário desconstruir as amarras culturais que nos prendem. Os movimentos sociais devem agregar os que eles já consideraram diferentes, ao invés de os empurrar para outros movimentos. Todos devem integrar-se na busca cotidiana pela diversidade dentro da diversidade e por contrariar os preconceitos já internalizados mesmo por aqueles que sofrem preconceito. Já é visto, e precisamos reconhecer que essa transformação não se dará com a mera reprodução inconsciente de preceitos teóricos e intelectualizados.

R e a l i z a ç ã o:

Coletivo de Mulheres da FENEDFederação Nacional de Estudantes de Direito

Pasta de Mulheres da CONEDCoordenação Nacional de Estudantes de Direito 2011-2012