cartilha - direito e estado

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Cartilha - Direito e Estado

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  • 1

    1. Quem somos ns?

    O Servio de Apoio Jurdico (SAJU) um projeto de extenso da Faculdade de Direito

    da Universidade Federal da Bahia (UFBA), formado e gerido de forma autnoma por

    estudantes, que tem um compromisso explcito com a transformao social.

    Nosso trabalho pautado no enfrentamento s barreiras presentes no Direito. Para

    tanto, atualmente, o SAJU atua em duas frentes: 1) com assistncia judiciria

    demandas individuais e 2) com assessoria jurdica popular a movimentos sociais e

    comunidades.

    Ns fazemos parte do Ncleo de Assessoria, que pauta o processo de assessoria

    jurdica atravs da educao popular. Hoje temos parceria com o Movimento Sem

    Teto da Bahia (MSTB), a Comunidade Quilombola de Rio dos Macacos e com o

    Movimento CETA, com o qual h algum tempo desenvolvemos atividades em conjunto

    com a regional do Recncavo Baiano.

    Para dar continuidade a esta parceria iniciaremos hoje um ciclo de oficinas com o

    objetivo de trazer um dilogo sobre os principais problemas enfrentados por vocs

    para a concretizao de direitos. Esta cartilha uma ferramenta de estudo que

    elaboramos para ser usada no nosso encontro.

    SAJU? Que

    bicho esse?

    E o que vem fazer aqui?

  • 2

    2. E a educao popular, do que se trata?

    O processo de educao, a educao formal - como chamada a educao que

    conhecemos como padro, aquela ministrada nas escolas e universidades pelo pas,

    repetindo e transferindo conhecimentos de uma pessoa para outra. uma educao

    que se mostra hierrquica, autoritria, distante da realidade e desmotivadora.

    Ensinando obedincia e passividade, a educao formal, vestindo-se do vu da

    imparcialidade, em verdade atua contribuindo para a reproduo da sociedade como

    est posta hoje, ou seja, no promove crtica ao que deve ser repensado e mudado. E

    acaba tornando invisveis outras formas possveis de construir conhecimento e as

    possibilidades de construir uma outra realidade.

    A educao popular surge justamente para demonstrar outra possibilidade do

    processo educao-aprendizagem. Este mtodo se prope a construir coletivamente o

    conhecimento, a partir de uma perspectiva prxima realidade de todos os sujeitos

    envolvidos no processo educacional. Aqui, nenhum dos envolvidos est numa posio

    superior, transferindo o conhecimento para o outro, que cumpre um papel apenas

    passivo, recebendo as informaes sem participar ou contribuir para o processo. Por

    meio de dilogo, aproxima-se da realidade cotidiana de todo o grupo e, coletivamente,

    vai-se pensando, criando e construindo conhecimento.

    Outra coisa bem relevante no processo da educao popular seu comprometimento

    com a sociedade, sem qualquer pretenso de parecer neutro. Isso porque, ao escolher

    uma forma coletiva de construir o conhecimento, empodera-se todo o grupo e

    promove-se a autonomia e a motivao necessrias para atuar-se nas transformaes

    sociais.

  • 3

    A grande referncia quando se fala de

    educao popular o recifense Paulo Freire,

    que considerado um dos maiores

    pensadores da pedagogia mundial. Paulo

    Freire criticava aquilo que chamava de

    concepo bancria de educao. Para ele a

    concepo bancria (depsito de

    conhecimento) causa a imobilidade da

    sociedade. Ele propunha uma educao

    problematizadora, com enfoque na realidade

    de quem aprende, como reforo da

    possibilidade de mudana.

    A Educao Popular , portanto, uma busca pela transformao social!

    2.1. Educao Jurdica popular

    Da mesma maneira que a educao acontece nas escolas, tambm acontece nas

    universidades. As alunas chegam e recebem o conhecimento transmitido pelas

    professoras; e as oportunidades de discutir, criticar e repensar o que est sendo

    ensinado sempre exceo.

    Agora imaginem uma faculdade de Direito, e o que se ensina l:

    J sofreu mudanas ao longo da histria? objeto de Disputa? Tem relao com o

    poder? Legitima e condena as condutas das pessoas?

    Sendo assim, voc acha que o ensino crtico e questionador das demandas sociais?

    Infelizmente, no! Nas faculdades de direito segue-se tambm a chamada educao

    formal. Isso dificulta a formao de advogadas, juzas e promotoras, por exemplo,

    comprometidas com a realidade social e as demandas de grupos que ainda so minoria

    nessas faculdades.

    Mas uma reflexo poltica e com compromisso social do Direito j objeto de

    preocupao e de trabalho de diversos companheiros e companheiras. Esses grupos

  • 4

    perceberam a potencialidade do Direito para instrumentalizar a luta e empoderar os

    sujeitos que tantas vezes apenas so surpreendidos de maneira negativa com a

    atuao do Estado e de pessoas, que se utilizam o Direito para manter e defender seus

    interesses

    Socializar o saber jurdico, compartilhar, coletivizar: esse o meio pelo qual este ciclo

    de oficinas busca contribuir para a autonomia e protagonismo dos movimentos sociais,

    buscando maior equilbrio de foras nas disputas jurdicas tantas vezes enfrentadas

    contra sujeitos conflitantes.

    Como vamos trabalhar...

    Neste Ciclo de Oficinas, acreditamos numa metodologia baseada na Educao Popular,

    ou seja, que se aproxime da realidade dos sujeitos envolvidos, que aproxime a teoria

    da prtica. A construo coletiva do conhecimento, processo de ensino-aprendizagem

    no qual todos tm igual relevncia tambm um compromisso desse ciclo de oficinas,

    essencial para atingir o objeto de democratizar tanto o saber jurdico como o prprio

    processo de educao.

    Aqui o/a facilitador/a (e no professor/a) dialoga com os participantes sempre

    promovendo a aproximao com sua realidade e sua participao. Para isso, o/a

    facilitador/a deve estar sempre atento a sua postura e linguagem diante das pessoas.

    Contamos com vocs para conseguirmos seguir assim durante todo o ciclo de oficinas.

    Cada oficina tratar de temas especficos que se mostram relevantes para as

    demandas dos grupos participantes. Sero realizadas 06 oficinas ao longo de cerca de

    01 ano. E a participao e compromisso de todos os envolvidos essencial para que

    o processo seja realmente coletivo.

    O material didtico principal aquilo que cada participante traz consigo: suas

    vivncias, seus conhecimentos, tudo o que aprendeu ao longo de sua vida e militncia.

    Mas vocs tambm podem trazer outros materiais que acreditem facilitar esse

    processo coletivo: msicas, vdeos, msticas, interpretaes teatrais, por exemplo.

    E alm de tudo isso, para cada etapa, vocs recebero cartilhas como essa

    apresentando. Essas cartilhas so produzidas pelo SAJU e suas facilitadoras e

    facilitadores atualizam as cartilhas a partir das vivncias, caractersticas, demandas dos

    participantes, seus movimentos, sua militncia, sua comunidade, sua regio e

    realidade.

  • 5

    3. Esse tal de Direito... Que negcio esse?

    Vamos ver algumas definies do que significa a palavra direito, como achamos no

    dicionrio...

    Com certeza voc deve ter tambm os seus prprios conceitos do que direito, que

    podem variar um pouco desses que mostramos acima. Alm disso, quando pensamos

    em direito fcil relacionar tantos outros temas e reflexes, no acha?

    Bem, verdade que existem diferentes conceitos de Direito. importante lembrar

    que cada um reflete posies sociais e vises de mundo distintas. Ao longo da

    histria, muitos autores e autoras tentaram apresentar um conceito nico: alguns

    disseram que Direito a lei, criada pelas pessoas. Outros achavam que o Direito existe

    na conscincia da sociedade... E cada uma dessas teorias prevaleceu em momentos

    diferentes, de acordo com os interesses e as necessidades existentes em cada poca.

    Entretanto, embora com muitas diferenas, a maior parte dessas vises relacionam

    Direito com a ideia de regras que regulam a vida em sociedade. Existem perspectivas

    diferentes sobre se essas regras tem o papel de preservar a liberdade individual de

    DIREITO. s.m. Reunio das regras e leis que mantm, ou regulam, a vida em sociedade;

    cincia que estuda essas normas, leis e regras, em seu aspecto geral ou particular: direito

    civil; direito penal.

    Reunio dessas leis e normas que vigoram num pas.

    Permisso legal. Exp: direito de pesca.

    Prerrogativa legal para impor uma medida a algum; prerrogativa legal para obedecer

    uma medida imposta por algum.

    Aquilo que garantido ao indivduo por razo da lei ou dos hbitos sociais. Exp: direito de

    frequentar qualquer escola.

    Correto; que expressa justia.

  • 6

    Fazendeiro ameaa remoo dos Guarani-Kaiow

    da aldeia Santiago Kue/Kurupi, mas indgenas

    prometem resistir

    22/10/2014.

    Fonte da notcia: Matias Rempel - CIMI Regional Mato Grosso do Sul

    Nas imediaes da cidade de Navira, estado de Mato Grosso do Sul, h quase um ms a paz foi recuperada a duras penas pelo grupo Kaiow e Guarani que retomou parte de seu territrio sagrado de Santiago Kue/Kurupi, mas a comunidade vem sendo ameaada diariamente por jagunos e pistoleiros. Frente aos ataques, os indgenas prometem resistir a qualquer custo e afirmam que retomaram seu territrio definitivamente. Os Guarani-Kaiow se negam a sofrer novamente o peso e o sofrimento dos acampamentos margem das rodovias. Enquanto seguem paralisados os procedimentos demarcatrios das terras indgenas, ordens de despejo e prticas de violncia por parte dos fazendeiros esto sendo exercidas como via de regra contra os povos originrios ao longo de todo o estado.

    cada um ou perseguir o bem-

    comum. Tambm cabe se

    questionar: s Direito

    quando as regras so

    definidas pelo Estado? E

    ainda: quais os interesses

    que so protegidos por essas

    regras?

    Mas... Ser mesmo que s

    Direito aquelas normas

    determinadas pelo Estado?

    Se olharmos ao nosso redor,

    perceberemos muitas regras

    que no so reconhecidas

    pelo Estado. Podemos

    lembrar do conto indgena

    do Caipora, que perseguia os

    caadores que removessem

    do meio-ambiente mais do

    que o necessrio sua

    sobrevivncia. Essa uma

    regra que garante a relao

    harmoniosa entre as

    comunidades indgenas e a

    natureza. Essas regras no

    foram determinadas pelo

    Estado, mas construdas pela

    prpria comunidade e, muitas vezes, entram em conflito com determinados interesses

    existentes na sociedade. o que acontece, por exemplo, quando um territrio

    considerado sagrado por esses povos guarda interesses econmicos de fazendeiros,

    empresrios, etc. (que muitas vezes tem seus interesses protegidos pelas normas do

    Estado). Veja um exemplo desses conflitos de interesses e o Direito na notcia

    destacada no quadro cinza, sobre o povo indgena Guarani-Kaiow.

    E pra voc, o que Direito? Consegue pensar em normas prprias da sua comunidade?

    Alguma delas est em conflito com outros interesses? Como o Estado se posiciona?

    3.2. Direito e poltica: quem faz o Direito?

  • 7

    J vimos acima que o Direito pode ser explicado como um conjunto de regras que

    regulam a vida em sociedade. Muitas pessoas discutem se Direito tambm aquelas

    regras produzidas nas ruas e no campo, como, por exemplo, aquelas regras criadas

    pelos membros de bairros, assentamentos, quilombos... Mas, para alm desta

    discusso, importante saber que usualmente, quando se fala em Direito, estamos

    falando das regras produzidas pelo Estado, atravs das leis. Vimos tambm que este

    Direito produzido pelo Estado protege interesses especficos, que, s vezes, entram em

    conflito com interesses contrrios.

    Para entender melhor como as leis surgem e de que forma elas so aplicadas na

    realidade, precisamos discutir um pouco mais sobre como se organiza o Estado.

    conjunto de regras de

    convivncia em sociedade

    produzidas pelo Estado

    por documentos

    (LEIS)

    Direito!

    Voc tem alguma dvida sobre o que ESTADO?

    De forma rpida, a gente pode dizer que Estado o conjunto de instituies pblicas

    que governam a nao. Voc tambm pode chamar de Poder Pblico. diferente da

    iniciativa privada, porque o Estado no tem um dono. Por isso que o poder

    pblico, porque pertence a todos e todas. E por isso mesmo que necessrio cobrar

    do Estado as suas obrigaes!

    No Brasil, o Estado se organiza a partir de entes federativos. So eles:

    Unio Federal Estados Municpios Distrito Federal

    por isso que as leis podem ser, tambm, federais, estaduais ou municipais. Se

    forem federais, elas valem para todo o territrio do pas; se forem estaduais,

    s valem para o Estado, e se forem municipais, s se aplicam ao municpio.

    Mas ateno: cada ente federativo tem competncia para elaborar leis sobre

    assuntos especficos. Por exemplo, determinadas matrias s podem ser

    tratadas em lei federal.

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    Bem, se o Estado um conjunto de instituies, importante conhecer melhor essas

    instituies: quem so, quais as suas tarefas... Nos prximos tpicos, ns vamos

    debater um pouco sobre os trs poderes. D uma olhada no quadro abaixo:

    3.1. O poder legislativo: os sujeitos que fazem as leis!

    Como j dissemos um pouco acima, as leis podem ser federais, estaduais ou

    municipais. Ou seja, cada ente federativo tem seu prprio rgo do poder legislativo!

    O poder legislativo o responsvel pela elaborao das leis, fiscalizao das contas

    federais no caso do Congresso, estaduais pelos deputados estaduais e municipais pelos

    vereadores.

    Compete tambm ao poder legislativo a criao de rgos pblicos, e elaborar leis

    sobre tudo que seja importante para a federao, estado ou, municpio. Ou seja, eles

    podem legislar sobre educao, saneamento bsico, transporte pblico, etc.

    Exemplo:

    Ente federativo Tipo de lei rgo do poder legislativo que faz a lei

    Unio Federal Lei federal Congresso Nacional (Cmara dos Deputados + Senado Federal)

    Estado da Bahia Lei estadual Assembleia Legislativa da Bahia

    Municpio de Simes Filho

    Lei municipal Cmara de Vereadores de Simes Filho

    3.2. O poder executivo: quem administra as coisas!

    O poder executivo tem funo administrativa, ele executa as leis j existentes e de

    acordo com a necessidade da populao podem implementar outras leis. Podemos

    dividir o poder executivo em Federal, Estadual e Municipal.

    Estado

    Quem faz a lei?

    Poder Legislativo

    Quem aplica a lei na realidade?

    Poder Executivo

    Quem decide sobre a aplicao da lei?

    Poder Judicirio

  • 9

    O/a presidente da Repblica, que o/a chefe do Poder Executivo, por exemplo, tem

    como obrigao a administrao federal, que consiste em comandar as foras

    armadas, escolher os ministros que sero responsveis por coordenar as polticas

    pblicas... responsabilidade tambm do presidente as relaes com os pases

    estrangeiros que podem envolver negcios, acordos de cooperao e outras aes.

    A funo dos governadores dos estados membros e do Distrito Federal, assim como o

    dos prefeitos similar: a eles competem a administrao de sua regio.

    Os representantes do poder executivo so eleitos atravs do voto popular direto e

    seus poderes so regulados pela Constituio (artigos 76 91). Fazem parte tambm

    do poder executivo os Ministrios e Secretarias Municipais e Estaduais.

    Esferas do Poder Executivo

    Representantes

    Federal Presidncia da Repblica (Vice Presidncia da Repblica, Ministrios de Estados, Advocacia Geral da Unio, Defensoria Pblica da Unio)

    Estadual Governo do Estado (Secretarias Estaduais)

    Municipal Prefeitura da Cidade (Secretarias Municipais)

    3.3. O poder judicirio: quem decide sobre as leis!

    A funo do Judicirio garantir e defender os direitos individuais, resolver os conflitos

    que possam surgir na vida em sociedade e deste modo promover a justia.

    O poder judicirio tem como dever julgar os conflitos existentes dentro do Brasil,

    fundamentando-se nas leis existentes e em vigor. O julgamento deve ser realizado de

    maneira neutra e nunca com a inteno de prejudicar o ru, mas, sim, de fazer cumprir

    a lei.

    O Processo Judicial engloba um conflito, que a situao da vida real, a ser julgada, e

    as leis que falam sobre esse conflito, em abstrato. O Poder Judicirio que vai, no

    processo, confrontar a situao real com as leis. O/a Juiz/a tem que levar em

    considerao tambm as decises j tomadas anteriormente pelo judicirio,

    principalmente nas situaes onde a lei est ultrapassada, ou mesmo no contempla o

    caso a ser julgado.

    E as AUTARQUIAS?

    Autarquias so parte da administrao indireta: isso significa que, apesar de serem vinculadas ao Estado, tem seu prprio patrimnio. Um exemplo de autarquia muito presente na vida das assentadas e assentados da reforma agrria o INCRA: esta uma autarquia vinculada ao Ministrio de Desenvolvimento Agrrio, portanto, est submetida ao Poder Executivo Federal, cuja chefe a Presidente da Repblica. Outro exemplo a Fundao Palmares: esta tambm uma autarquia, dessa vez vinculada ao Ministrio da Cultura.

  • 10

    O poder judicirio formado por trs instncias. Essa organizao hierrquica, ou

    seja, a deciso de uma instncia superior pode anular e reverter a deciso de uma

    instncia inferior.

    1- Na primeira instncia comeam os processos judiciais.

    2- Na segunda instncia, so julgadas as decises da primeira instncia, caso

    algumas das partes pea que haja um recurso (o recurso um pedido de

    reconsiderao da deciso).

    3- Aps a segunda instncia, ainda possvel pedir mais um recurso, e ento o

    processo judicial vai para a terceira instncia.

    Tantos poderes... Mas quem ser que comanda tudo isso?

    No comando do poder estatal, encontra-se uma classe dominante composta por uma

    minoria, porm detentora de grande poro do capital. Esta classe dominante

    encontra no Direito uma importante e eficaz forma de legitimar a sua ideologia, a fim

    de se manter no poder.

    Tal ideologia conduz o ordenamento jurdico a esconder as contradies da sociedade

    de classes, solidificando a dominao, a qual se apoia em mitos como a igualdade

    jurdica, distorcendo a anlise da realidade social.

    No entanto, ao passo que temos uma sociedade carente de realizao de direitos,

    temos uma Constituio Federal que garante estes direitos.

    1

    inst

    nci

    a 3

    in

    stn

    cia

    2

    inst

    nci

    a

  • 11

    Mas se a lei determina, meu direito! Por que no cumprido?

    Pensando sobre o Direito e como ele afeta e regula nosso dia-a-dia e nossas relaes

    com o Estado e outras pessoas (fsicas e jurdicas), chegamos um ponto muito

    importante: a relao entre Direito e Poder.

    Em seu discurso, com o objetivo de se legitimar e no ser alvo de constantes disputas e

    insatisfaes sociais, o Direito se preocupa em parecer neutro, imparcial, interessado

    apenas em fazer justia. Mas no difcil reconhecer que no assim que funciona.

    Dialogando e conhecendo as vivncias de diversos companheiros e companheiras,

    podemos observar o Direito como um instrumento utilizado na conservao de

    relaes de dominao de uma parcela da sociedade sobre outra.

    Muitas vezes o contexto poltico e a presso dos Movimentos Sociais contribuem para

    a elaborao de leis mais igualitrias. Porm, s a existncia da Lei no suficiente

    para sua introduo nas estruturas sociais. Assim, muitas vezes a atuao do poder

    pblico (empoderado pela classe dominante) contrria s necessidades sociais,

    mesmo quando essas necessidades j foram formalizadas, como direitos, pela Lei.

    Vamos pensar:

    Se A lei existe, mas no aplicada, existe garantia de direito?

    De que forma podemos efetivar as leis no aplicadas?

    Voc sabe o que constituio?

    A constituio Federal a principal lei do Pas!

    Ela determina a forma do Estado e os direitos

    que devem ser mais protegidos. No Brasil a

    constituio garante o direito moradia, ao

    trabalho, sade, determina que a terra deve

    cumprir uma Funo Social e muitas outras

    coisas, mas infelizmente nem sempre o que a

    Constituio diz garantido.

  • 12

    E se o Direito Justo, mesmo que no aplicada, porque nem todas as leis so justas?

    Aquilo que est na lei foi objeto de uma escolha poltica. Os representantes eleitos

    esto sob influncias e presses dos interesses de sua categoria, e das diversas

    bancadas polticas e grupos econmicos. Por isso, importante conhecer o contexto

    histrico na elaborao das leis, para entender a que interesses ela serve. A lei ento

    passa a se apresentar para ns como resultado de disputas sociais de determinado

    momento e espao.

    Mesmo aps a elaborao das leis, a disputa

    social segue, seja para modific-las, criar novas

    leis, interpret-la de forma diferente ou aplic-

    la (atravs do Poder Judicirio) de maneira

    mais compatvel com determinado interesse.

    Assim podemos entender que o direito est o

    tempo inteiro em favor de quem tem o poder,

    seja pra cri-lo, pra aplic-lo ou para julg-lo. E

    para manter esse poder a forma encontrada

    sempre de afastar o direito da populao.

    Um dos grandes instrumentos para a utilizao do Direito para oprimir e excluir parte

    da sociedade a linguagem especfica, termos e jarges utilizados apenas no mbito

    jurdico e alguns mesmo em latim, uma lngua que no falada nos dias de hoje em

    nenhum pas.

    Vamos testar?

    Marque a baixo as palavras que voc conhece o significado!

    Abolitio criminis Fumus boni juris Lato sensu Bis in idem Concessa venia Habeas corpus Impetrar Desaforamento

    Ex nunc Clusula ptrea Ex tunc In verbis Ab-rogao Jure et facto Res judicata Corpus juris civilis

    Quantas palavras voc marcou? E o Resto da Turma?

    Se nem consigo entender o que esse tal de direito fala, como vou saber como us-lo?

    Ter acesso linguagem jurdica muito importante: um passo importante para se

    apropriar do Direito, e no mais apenas se sentir alheio a tudo o que acontece nos

    fruns e tribunais, e que nos atinge tantas vezes com tamanha violncia. Mas isso deve

  • 13

    ser feito mantendo-se a conscincia de

    que esta linguagem jurdica apenas

    mais uma forma de excluso! Assim,

    precisamos no apenas compreender

    estes termos, mas tambm saber que

    esta linguagem jurdica usada como

    forma de aplicar autoritarismo e

    obstculos na compreenso de direitos e

    na busca por justia.

    Vamos Imaginar:

    Como voc acha que o direito deveria ser? Como fazer ele se aproximar da sua

    realidade? Como ele pode ajudar na luta pela conquista da terra?

    Dessa problematizao, surgem trabalhos como este Ciclo de Oficinas, para

    compartilhar conhecimentos jurdicos que sirvam para potencializar a luta dos

    movimentos sociais nas situaes de disputas jurdicas.

    Para uma apropriao do Direito por parte de grupos de interesses conflitantes com os

    interesses das classes dominantes, preciso discutir, questionar, trazer para a

    realidade vivida, refletir desde a criao at a a efetiva aplicao do Direito, analisando

    criticamente o sistema jurdico, seus interesses e seus fundamentos scio-poltico-

    culturais.

    A construo de um processo assim no apenas uma formao jurdica, mas

    tambm uma formao poltica. Acreditamos que esse um caminho para a

    transformao social. Conhecer, refletir e ter acesso ao Direito uma forma de

    contribuir para que as comunidades possam desenvolver aes polticas e jurdicas na

    defesa de seus interesses, crtica do direito como est posto, reconhecimento de

    novos direitos, na resistncia opresso que se utiliza do Direito.

    Um povo emancipado reconhece quando o Direito instrumento de opresso sobre si

    e segue na luta, resistindo contra essa elaborao e aplicao de leis que promove o

    interesse das classes dominantes como se fossem interesse de todos.

  • 14

    Vestir os interesses de uma parte da sociedade como interesses de toda ela uma

    estratgia que se pode observar em muitas facetas da sociedade para legitimar os

    interesses de uma parcela dela. o mesmo que se faz quando se trata o perfil de

    pessoas brancas como a beleza neutra, padro, comum, normal e o relacionado aos

    negros e negras como diferente, desvalorizado; quando se utiliza o homem e tudo

    relacionado ao masculino como natural do ser humano e padro e ao relacionado s

    mulheres como diferente, especfico, inferior.

    Vamos refletir:

    Uma lei que oprime, exclui e afasta direitos de um grupo social justa?

    E uma lei injusta deve ser seguida? A injustia seria quebrar a lei ou aplic-la?

    sempre muito difcil combater aquilo que est posto e tido como padro e justo.

    Mas esse caminho difcil um caminho a ser percorrido para alcanar uma lei e sua

    aplicao que de fato contemple a realidade social e todos os interesses conflitantes,

    uma lei justa de verdade.

    Uma sociedade atenta s contradies entre discurso e aplicao prtica do Direito

    tambm uma fora de presso poltica, capaz de redirecionar a elaborao e aplicao

    das leis, capaz de manifestar-se e levantar-se contra a defesa de interesses das classes

    dominantes e contra o enfraquecimento de suas lutas e conquistas. preciso estar

    atento para no dar nenhum passo atrs.

  • 15

    4. Anlise de conjuntura

    4.1 ATORES DO JOGO

    A nossa sociedade apresenta uma diviso interna muito grande. H aqueles que so

    ricos e moram na praia. Porm, quem trabalha nem tem onde morar direito, pra

    citar a msica.

    Como uma grande novela, a histria do Brasil tem a ver com a fora dos atores

    sociais. Portanto, necessrio conhec-los. Quem so? Quem mais forte e quais

    suas armas? Como ser o final? Ou seja, quem vencer?

    A. GRANDE MDIA

    Formada pelos veculos de comunicaes de grande alcance Globo; Grupo Abril

    (VEJA, etc.); Bandeirantes; Record etc.

    Pesquisa recente divulgou que 6 em cada 10 brasileiros pensam que emissora de TV

    uma propriedade privada, um negcio como qualquer outro. No bem assim. Na

    teoria, uma rede de TV, at pelo poder que tem, uma concesso pblica, precisa da

    permisso do governo para funcionar. Portanto, teria o dever de informar as pessoas

    de forma verdadeira. Seu compromisso seria com a informao e no com o proveito

    do prprio dono.

    Por isso, proibido, por exemplo, que polticos sejam donos de rdio e TV, para que

    no se coloque um poder to grande o poder de falar a milhes de pessoas

    diariamente - nas mos de interesses de poucos. Mesmo assim, estudo recente do

    projeto/site Donos da Mdia mostra que 271 polticos so diretores ou scios de 324

    veculos de comunicao. Sabem os atalhos das concesses.

    Tambm proibido, pela Constituio, que exista monoplio ou oligoplio nos meios

    de comunicao. Entretanto, estes existem mesmo assim.

    O interesse de tanta gente pelos veculos de

    mdia no sem motivo. Alm de influenciar as

    opinies das pessoas, o setor responsvel por

    boa parte das fortunas no Brasil. Das quinze

    pessoas mais ricas do pas em 2013, quatro

    eram bares da mdia os trs irmos

    Marinho, das Organizaes Globo, com R$ 17

    bilhes cada um, e Giancarlo Civita, do Grupo

    Abril, com aproximadamente R$ 8 bilhes. A famlia Marinho acumula um patrimnio

    total de mais de R$ 51 bilhes, sendo considerada por muitos como a mais rica do

    pas.

  • 16

    Todo esse dinheiro no existiria sem os investimentos publicitrios. S em

    propaganda comercial nas TVs, empresas brasileiras e multinacionais gastaram R$

    21,4 bilhes em 2013.

    Tanto os donos da mdia quanto os donos das empresas que sustentam a mdia com

    publicidade comercial tm bastante interesse na preservao e at crescimento dessas

    fortunas individuais e/ou de poucas famlias. Por isso mesmo, as ideias e notcias

    divulgadas por esses veculos de comunicao quase sempre escondem ou

    demonizam os atores sociais que lutam por uma sociedade diferente e mais

    igualitria.

    Um exemplo que comprova isso foi uma pesquisa de 2011 com 301 reportagens que

    citavam o MST (na poca estava

    ocorrendo a CPI do MST). De cada 5

    delas, o movimento era ouvido em

    apenas 1. De cada 5 delas, cerca de 3

    continham termos negativos pra

    falar do movimento. Apesar de se

    tratar de um movimento de luta por

    reforma agrria, apenas uma de cada

    sete reportagens tratavam desse

    tema. As outras nem colocavam o

    contexto.

    B. INICIATIVA PRIVADA

    o grupo dos patres, dos detentores do capital. Enfim, so aqueles que acabam

    acumulando o dinheiro gerado pela venda dos bens e servios produzidos pelas/os

    trabalhadoras/es. Podem atuar em diversos setores. So donos de hotis, latifndios,

    construtoras, empreiteiras e muitas vezes praticam a especulao imobiliria.

    Para expandirem seu poder, aliam-se mdia e ao Estado (e a diversos partidos

    polticos). No meio rural, organizam-se em grupos coletivos de presso poltica e

    empresarial, como a UDR (Unio Democrtica Ruralista) e CNA (Confederao da

    Agricultura e Pecuria do Brasil),

    A CNA tinha, at poucos dias, como presidente a latifundiria Ktia Abreu. Esta

    senadora um das vozes mais escolhidas pela mdia para condenar os movimentos

    sociais no campo. E tem mais...

  • 17

    Contra ela, h diversas acusaes. S pra citar algumas: A) desmatar cerca de 776

    hectares, o que lhe rendeu o irnico prmio motosserra de ouro em 2010. B) se

    aproveitar de mau uso do dinheiro pblico

    quando, por exemplo, um aliado poltico lhe

    vendeu terras pblicas a 8 reais o hectare

    terras que valiam 2.400 reais. C) desviar dinheiro

    de ruralistas de sua entidade para sua campanha

    ao Senado surdina. Ou seja, at de desviar

    recurso de aliado ela suspeita.

    Mas no s a

    mdia e o Congresso que d voz a Ktia Abreu, tambm o

    Judicirio a escolhe para dar palestras inclusive sobre

    meio ambiente em eventos luxuosos financiados pelos

    ruralistas da CNA. E, mais recentemente, tambm a

    presidente Dilma a escolheu para o poderoso cargo de

    Ministra da Agricultura, ministrio que controla bilhes

    de reais.

    C. ESTADO

    LEMBRETE:

    O Estado brasileiro formado por 3 poderes. O Poder Executivo tem como principal

    tarefa administrar/governar. o governo, digamos. O Legislativo existe

    especialmente para legislar, ou seja, fazer as leis. So deputados, senadores,

    vereadores. Alm disso, fiscalizam o governo. O Judicirio, com seus juzes e tribunais,

    tem principalmente a misso de julgar os conflitos.

    Falar do Estado , como em muitos outros assuntos, tratar da teoria e prtica. Os

    defensores do Estado costumam insinuar que ele existe para mediar o conflito entre os

    diversos atores sociais, pensando sempre no bem comum, gerando consensos e

    harmonizando as classes. Seria um grande juiz benevolente. Na prtica, entretanto,

    no bem assim.

  • 18

    COMO O ESTADO DIZ QUE

    COMO

    Arrecada recursos de quem pode mais. Todos contribuem, mas quem pode mais, paga mais

    O prprio IPEA, rgo do governo, constatou que os 10% mais pobres perdem 32% de sua renda em impostos (muitos sobre o consumo); j os 10% mais ricos gastam para pagar impostos apenas 21% do que ganham.

    Pega a arrecadao e gasta com quem mais precisa.

    Segundo a associao Auditoria Cidad da Dvida: Em 2014, at 25/10, a dvida consumiu R$ 910 bilhes ou seja um pouco mais que a METADE (50%) de tudo que o governo federal arrecada em imposto. Ocorre que o pagamento de juros e amortizaes dessa dvida vai apenas para o bolso de cerca de 20 mil grupos familiares de pessoas j ricas. verdade que o governo tambm empresta dinheiro, mas empresta a juros baixos (TJLP do BNDES) e toma emprestado a juros mais altos. Para comparar os valores, o gasto federal com Reforma Agrria em 2013 foi pouco mais que R$ 4 bilhes. Bem menos que 1% do oramento.

    Ajuda o pequeno campons.

    Na verdade, o Estado empresta muito mais dinheiro ao agronegcio do que agricultura familiar. R$ 156,1 bilhes para o primeiro e R$ 24,1 bilhes para a segunda.

    Composto por juzes imparciais que julgaro sem influencia dos poderosos. A justia cega, dizem. E, na teoria, os dois lados seriam levados em considerao. Protege-se a propriedade privada, mas exigindo que ela cumpra sua funo social; Defende-se a livre iniciativa, mas desde que seja garantido um salrio mnimo justo, um trabalho digno e os direitos sociais.

    Um estudo de 2007 de dois advogados da USP analisou quase 200 decises judiciais e mostrou, porm, o que muita gente j desconfiava. Os fortes so favorecidos. Tm 45% mais chance de vencer invocando uma lei que o mais fraco se este fizer a mesma coisa.

    Outra concluso que o estudo chegou foi a de que quanto maior a desigualdade social numa regio, maior o conforto do poderoso no Judicirio.

    O direito dos peixes grandes quase sempre garantido, j o dos mais pobres tende a ser considerados, por juzes, como promessa sem eficcia plena, haja vista tanta gente ainda sem casa, saneamento, salrio digno, educao...

    Mesmo os poucos direitos trabalhistas, que na teoria so fortemente protegidos, no conseguem, na prtica, ser efetivados. Um estudo dos prprios latifundirios, em 1.020 fazendas, mostrou que nem 1% (1 em cada 100) deles mesmos cumprem as leis trabalhistas no campo. Por essas e outras, os movimentos sociais confiam to pouco no Estado e seu Judicirio.

  • 19

    As leis so feitas e decises so tomadas por representantes do povo.

    Na prtica, as campanhas eleitorais exigem gastos altssimos que apenas ricos e empresas podem bancar e no se pode defender ideias que desagradem a grande mdia e outros grupos dominantes, pois sero escondidas ou demonizadas.

    Com isso, embora a maioria da populao seja trabalhadora, o Congresso composto majoritariamente por fazendeiros, empresrios e/ou pessoas que defendem o interesse destes.

    A Frente Parlamentar da Agropecuria (FPA), por exemplo, dizia em 2012 poder influenciar 41% (quase metade) dos votos da Cmara de Deputados.

    A chamada bancada ruralista atua no interesse do agronegcio, agindo para dificultar demarcao de terras indgenas; avanando sobre as reas de preservao ambiental e at conseguindo perdo de dvidas (ou seja, privatizam terras e socializam prejuzos). Outro objetivo da bancada relativizar o conceito de trabalho escravo a fim de evitar punies aos fazendeiros escravagistas. Ou seja, atendem ao interesse da iniciativa privada lucro a qualquer custo.

    a mesma bancada que cria CPIs para perseguir movimento social, como em 2007, ano em que militantes do MST ocuparam uma fazenda de ps de laranja para denunciar que a rea estava sendo grilada pela empresa Cutrale (empresa que, ainda por cima, acusada de vrias violaes a direitos trabalhistas). Deputados conseguiram aprovar uma CPI contra o movimento, sendo que quatro desses deputados tiveram suas campanhas eleitorais financiadas pela Cutrale.

    O episdio da aprovao do novo Cdigo Florestal tambm ficou famoso pois boa parte dos deputados que discutiram e aprovaram o projeto que afroxou a proteo ambiental tiveram campanhas financiadas por empresas desmatadoras.

    Ministrio Pblico (MP):

    Existe para defender a ordem jurdica, o regime democrtico e os

    interesses sociais e individuais indisponveis.

  • 20

    por isso que... O Ministrio pblico acaba tendo uma fora relativizada e que, infelizmente, nem sempre a favor dos que tm seus direitos historicamente violados.

    Exemplo de gol contra dessa instituio foi quando em 2008 resolveu tentar impedir

    marchas e caminhadas do MST; intervir nas escolas do movimento e at mesmo

    elaborar uma ao civil pblica pedindo a desocupao de acampamentos.

    Defensoria:

    Infelizmente, o nmero de

    defensoras(es) ainda bem menor

    que o ideal, o que dificulta um

    servio de qualidade e abrangente.

    Na teoria...

    Na prtica...

    Elabora sua prpria proposta oramentria, ou seja, teria a chamada autonomia financeira.

    A proposta vem sempre de acordo com a lei oramentria, que exige negociao e boas relaes com o Legislativo.

    Tem autonomia para defender a coletividade, em muitos casos contra as autoridades do Estado.

    Seus membros dependem de escolha do executivo ou do judicirio para se tornarem desembargadores, ministros ou procuradores-gerais (cargo mximo), o que limita essa autonomia.

    Existe para prestar assistncia jurdica integral e gratuita aos

    necessitados, ou seja, aqueles que no podem pagar um advogado

    particular.

    Existem as Defensorias Pblicas

    Estaduais (DPE) e a Defensoria Pblica

    da Unio (DPU), que a da Unio,

    ou seja, para causas da Justia

    Federal, geralmente contra entes e

    empresas do governo federal (ex.

    Caixa Econmica, BNDES)

  • 21

    D. UNIVERSIDADE:

    Financiada com recursos do Estado e, s vezes e cada vez mais, tambm da iniciativa

    privada, tem um pouco das duas coisas. Tanto que vem sendo gerida de forma cada

    vez mais parecida com o setor privado, em

    razo de terceirizaes; da tradicional

    hierarquia interna e dos contratos com

    entidades privadas.

    Ocorre que apenas pequenos grupos de

    estudantes e ou professoras/es defendem

    que a principal misso da universidade seja

    produzir conhecimento em conjunto com o

    povo e para o mesmo.

    Do jeito que se organiza atualmente, a universidade tende a permanecer como um

    ente isolado, direcionando suas energias e recursos mais para a ascenso

    profissional/econmica de seus prprios membros do que para dilogos e alianas

    com sujeitos de transformao social.

    E. PARTIDOS POLTICOS:

    Os partidos polticos so organizaes de pessoas

    com objetivos em comum que visam a conquista do

    Estado para realizar esses objetivos. So financiados

    pelo fundo partidrio (o dinheiro vem do Estado) e,

    como j visto, tambm por empresrios e patres em

    geral, por meio de doaes. Poucos recusam essas

    doaes.

    Como financiada com o dinheiro

    do povo, para o povo que a

    Universidade deveria estar

    voltada!

    Muito se discute hoje como a conquista do poder do Estado pode resultar em

    mudana social, j que o poder econmico (que mantm o prprio Estado) no

    deseja isso.

  • 22

    F. ASSOCIAES CIVIS E SINDICATOS:

    Tambm so formas de organizao da sociedade civil em torno de interesses comuns,

    porm no objetivam diretamente a conquista do poder poltico. Tambm no podem

    visar lucro (como visam os patres da iniciativa privada!). Geralmente existem para

    lutar por direitos coletivos ou difusos.

    No Brasil, ao contrrio de outros pases, os sindicatos so financiados

    obrigatoriamente pelo trabalhador (ou patro, se for um sindicato patronal). Tambm

    so limitados pelo Estado, que s aceita um por categoria/empresa ou delimitao

    territorial.

    J no caso das associaes civis, no h financiamento obrigatrio. Muitas delas

    dependem de projetos com o Estado ou de doadores privados, o que pode gerar

    dificuldades para se contrapor a estes. O Estado exige que toda associao, para existir

    legalmente, se registre num cartrio.

    G. MOVIMENTOS SOCIAIS:

    Grupo de pessoas tambm com objetivos

    e interesses comuns e no voltadas para a

    conquista direta do Estado, mas que se

    organiza para alm de qualquer

    financiamento ou limitao/controle

    estatal. Fazem suas reivindicaes atravs

    das aes diretas, tendo em vista a

    ineficcia dos outros meios.

    Surgem como uma forma de tentar

    impedir que as decises polticas sejam

    tomadas apenas por aqueles que detm o

    poder econmico capaz de influenci-la.

    Trata-se da unio que faz a fora.

    Sindicatos ou associaes podem ser aliados ou no dos movimentos sociais e

    trabalhadoras(es) em geral. Isso depender do nvel de burocratizao, que, se

    for muito alto, significa que a prtica dos parceiros deixou de se basear na

    transformao da sociedade e agora busca apenas a manuteno de cargos e

    hierarquias.

    Um movimento social

    tambm corre riscos

    de se burocratizar ou

    perder suas origens de

    luta caso se abandone

    a organizao coletiva!

  • 23

    4.2 DESIGUALDADE HISTRICA NO CAMPO

    Todos esses "atores" e "personagens", com bem sabemos, esto de algum modo

    envolvidos nas disputas que vemos no campo: de um lado a "iniciativa privada" (ou os

    patres) - e s vezes o Estado tambm - e do outro os trabalhadores, s vezes

    organizados em movimentos sociais, tendo por trs dessa disputa diversos outros

    atores (os partidos, os sindicatos, os polticos, o INCRA, etc). E toda essa disputa vem

    de muito tempo atrs.

    Desde que os portugueses chegaram nessas terras que um dia iriam se chamar "Brasil"

    as classes dominantes tem tentado enfraquecer e controlar o as demais classes, em

    um processo de opresso. As terras no Brasil era de quem podia ocup-las: e s quem

    podia era o homem branco e livre. E esses mesmos homens brancos e livres

    pertencentes as classes dominantes que hoje tem "tanto medo" das ocupaes de

    terras por parte dos movimentos sociais, conseguiam as terras assim: ocupando.

    Como explicam Miguel Baldez e Paulo Torres, professores, advogados e militantes da

    luta agrria:

    Quando em 1850 foi proibido o trfico de escravos no Brasil, comea a se tornar

    dominante uma nova forma de relao de trabalho: o trabalho assalariado. A partir da

    os donos de terras preocupados com a possibilidade do povo comear a ocupar as

    terras comearam a pensar formas que limitassem esse acesso: o preo da terra

    comeou a subir e surgiram leis para dificultar a forma de se ter acesso a essas terras.

    A lei de terras de 1850 determinou que s se poderia adquirir terras atravs da compra

    e venda: ou seja, a partir de ento s quem possua dinheiro poderia adquirir as terras

    e as ocupaes que foram to comuns antes dela tornaram-se proibidas.

    Com as impossibilidades de acesso terra e o fortalecimento da concentrao

    fundiria os conflitos agrrios tambm fortaleceram-se. Com o tempo, na dcada de

    1950, a partir das ligas camponesas, iniciou-se tambm o processo de organizao da

    luta do campo que assumiu grandes propores no senrio nacional e mundial na

    dcada seguinte.

    "At 1850 (...) a ocupao, ou posse, mais do que uma

    prtica, era um modo (tido como legtimo porque s

    acessvel s classes dominantes) de adquirir a propriedade.

    Foi a poca da consagrao da grilagem. A terra pertencia a

    quem ocupasse, sem maiores riscos para o sistema porque,

    sendo escravista o regime de trabalho, a ocupao jamais

    poderia ser feita pelo prprio trabalhador."

  • 24

    Assim, com o inicio da ditadura militar, os movimentos do campo tornaram-se uma

    ameaa na mesma medida em que concentrao improdutiva de terras passou-se a

    configurar um obstculo ao crescimento econmico do pas. Torna-se interessante,

    portanto para alguns grupos dominantes o processo de redistribuio de terras como

    estimulo produtividade e crescimento econmico do pas para sustentar o prprio

    sistema de concentrao de riquezas.

    Neste contexto surge o Estatuto da Terra (Lei n. 4504) em 1964, que passa a

    possibilitar a redistribuio de terras pelo estado, prevendo o processo de reforma

    agrria. Com a combatividade dos movimentos agrrios o Estatuto trouxe muitos

    avanos legais, porm sem romper com os interesses da elite dominante. Assim, o

    conceito de Reforma Agrria que surge com Estatuto da Terra, e prevalece at os dias

    atuais, reconhece tanto a finalidade social, como econmica de aumento da

    produtividade como forma de manuteno do sistema capitalista.

    Com o fim da ditadura a sociedade brasileira passa a construir um processo

    democrtico, e com ele a reorganizao das elites brasileiras dentro da democracia.

    Neste contexto surge a Constituio Federal de 1988 que trouxe legislao brasileira

    alguns avanos em termos de reforma agrria, bem como retrocessos. Vejamos alguns

    exemplos:

    AVANOS RETROCESSOS

    A constituio reconhece a desapropriao de imveis rurais por Improdutividade

    No recepcionou o dispositivo do Estatuto da Terra que previa a desapropriao de latifndios por

    Reconheceu como funo da Unio a desapropriao de terras que no cumprisse a Funo Social.

    extenso A constituio no definiu claramente o que seria funo social, nem como se daria o processo de desapropriao, que s veio a ser regularizado 5 anos depois com a Lei n. 8.629/1993.

    Art. 1, 1, Lei 4504/64: Considera-se reforma agrria o conjunto de medidas

    que visam a promover melhor distribuio da terra, mediante modificaes no

    regime de sua posse e uso, a fim de atender aos princpios de justia social e ao

    aumento da produtividade.

    Muito se discute hoje como a conquista do poder do Estado pode resultar em

    mudana social, j que o poder econmico (que mantm o prprio Estado) no

    deseja isso.

  • 25

    E hoje como estamos?...

    Embora a desigualdade do campo seja histrica, a luta camponesa e a organizao dos

    trabalhadores rurais permitiram alguns avanos na legislao, como j vimos,

    possibilitando alguns processos de distribuio de terras. Entretanto a desigualdade

    ainda gritante. Vejamos alguns dados:

    Hoje 130 mil latifndios concentram 47,3% das terras no pas, enquanto

    3,75 milhes minifndios ocupam 10,2% das terras.

    Conforme os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica IBGE,

    em 1995, cerca de 1% de propriedades detinham cerca de 45% da rea

    agricultvel.

    Ainda segundo o IBGE, pelos dados de 2000, cerca de 5.000.000 de famlias

    vivem com menos de 2 salrios por ms.

    Os dados do INCRA mostram que as grandes propriedades improdutivas

    ainda representam cerca de 133.000.000 ha.

    Atualmente existem mais de 200 mil famlias sem terra na luta pela reforma

    agrria

    Embora a desigualdade prevalea, as aes do governo vm freando o processo de

    reforma agrria. No ano passado apenas 30 reas foram destinadas a desapropriao

    por decreto da presidente.

    Ao todo o primeiro mandato

    de Dilma desapropriou

    apenas 186 imveis. O

    discurso do governo de

    voltar-se aos projetos de

    assentamento antes da

    desapario tambm cai por

    terra quando em 4 ano

    apenas 75.335 famlias

    foram assentadas.

    O processo de titulao para as comunidades tradicionais tambm se encontra parado.

    Em 2014 no existiu nenhum decreto da presidncia que concedesse a titulao de

    territrio tradicional s comunidades.

  • 26

    Outro fator de retrocesso na reforma agrria a burocratizao do processo que teve

    inicio com a edio das portarias n 05, 06 e 07 de 31 de Janeiro de 2013 pelo

    Ministrio do Desenvolvimento Agrrio. Em linhas gerais, a portaria cria novos

    requisitos para que um latifndio improdutivo seja

    considerado adequado para a reforma agrria. O

    discurso oficial do governo o de que os novos

    procedimentos criados por essa Portaria serviriam

    para agilizar a desapropriao e tornar o processo

    de obteno de terras mais objetivo. Mas o

    Governo no explica como uma Portaria que cria

    novas formalidades e trmites burocrticos pode

    contribuir para uma reforma agrria mais gil e

    eficiente. Outro fator de burocratizao da reforma agrria foi a portaria N. 83 editada

    pelo INCRA em dezembro de 2014, que alonga o processo administrativo de obteno

    de imveis rurais para reforma agrria.

    Essa poltica tem como uma das consequncias graves o estrangulamento dos movimentos de luta pela terra, que se enfraquecem diante das dificuldades impostas na ocupao de terras improdutivas e conquista de desapropriaes. A noo de que a desconcentrao fundiria no mais assunto central para o Brasil reflete a influncia dos Ruralistas em Braslia.

    Embora a conjuntura atual seja difcil a Luta dos trabalhadores rurais sempre persistiu.

    Hoje necessrio somar foras e fortalecer para garantir conquistas e avanos,

    portanto, para encerramos este encontro:

    Vamos construir:

    Nesta conjuntura, quais as formas de garantir a conquista da terra?

  • 27

    FONTES:

    1.http://www.revistaforum.com.br/blog/2013/08/entre-15-mais-ricos-do-brasil-estao-quatro-baroes-da-midia/ 2.http://www.meioemensagem.com.br/home/midia/noticias/2014/02/24/Mercado-cresce-681-e-chega-a-RS-479-bilhoes.html 3.http://www.adufrj.org.br/index.php/destaque3/844-pesquisa-afirma-que-82-dizem-ver-tv-diariamente.html 4.http://pt.wikipedia.org/wiki/Donos_da_M%C3%ADdia 5.http://donosdamidia.com.br/levantamento/politicos 6.http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2014/10/141003_justica_tributaria_ru 7. http://www.auditoriacidada.org.br/ 8.http://www.auditoriacidada.org.br/e-por-direitos-auditoria-da-divida-ja-confira-o-grafico-do-orcamento-de-2012/ 9.http://memoria.ebc.com.br/agenciabrasil/noticia/2008-01-29/maior-parte-dos-juros-da-divida-publica-vai-para-20-mil-grupos-familiares-revela-ipea 10.http://dinheiropublico.blogfolha.uol.com.br/2014/02/13/reforma-agraria-perde-verbas-e-prestigio-no-governo-petista/ 11.http://agro.gazetadopovo.com.br/noticias/politicas-agricolas/juro-maior-orcamento-reforcado/ 12.http://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc0402200713.htm 13.http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2012/05/120524_ruralistas_abre_jf.shtml 14.http://www.mst.org.br/node/8460 15.http://www.ihu.unisinos.br/noticias/42065-deputados-que-aprovaram-novo-codigo-florestal-receberam-doacao-de-empresas-desmatadoras-- 16.http://www.mst.org.br/node/9092 17.https://www.youtube.com/watch?v=KgCX2ONf6BU 18.http://www.viomundo.com.br/denuncias/katia-abreu-faz-palestra-em-encontro-de-600-juizes-patrocinado-pela-cna.html 19.http://www.mst.org.br/node/8165 20.http://www.mst.org.br/node/10609 21.http://www.brasildefato.com.br/content/vozes-silenciadas 22.http://www.bahiaeconomica.com.br/noticia/6367,nem-1-das-leis-trabalhistas-sao-cumpridas-no-campo.html 23.http://cartamaior.com.br/?/Editoria/Politica/Acao-do-MP-gaucho-contra-MST-repete-discurso-anti-comunista-pre-1964%0D%0A/4/14312 24. Questo Agrria - Distribuio e Concentrao Fundiria. Aspectos Histricos e Atuais - Miguel Lazelloti Baldez e Paulo Rosa Torres 25.http://oglobo.globo.com/brasil/concentracao-de-terra-cresce-latifundios-

    equivalem-quase-tres-estados-de-sergipe-15004053

    26. http://www.cptnacional.org.br/index.php/noticias/artigos/2378-ta-na-hora-da-

    virada-as-pessimas-mudancas-de-dilma-contra-reforma-agraria-na-marra-e-na-bala

    27. http://urca.br/ered2008/CDAnais/pdf/SD3_files/Francisco_SILVA_FILHO.pdf

    28. http://www.cptnacional.org.br/index.php/noticias/cpt/2381-balanco-da-reforma-

    agraria-2014-e-do-primeiro-mandato-da-presidenta-dilma-rousseff