carta lausanne reflexoes

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CADERNOS DE SOCIOMUSEOLOGIA Nº 15 - 1999 233 CARTA DE LAUSANNE CARTA PARA A PROTECÇÃO E GESTÃO DO PATRIMÓNIO ARQUEOLÓGICO (1990) Introdução É unanimemente reconhecido que o conhecimento das origens e do desenvolvimento das sociedades humanas assume uma importância fundamental para toda a humanidade, permitindo-lhe reconhecer as suas raízes culturais e sociais. O património arqueológico constitui um testemunho essencial sobre as actividades humanas do passado. A sua protecção e gestão cuidadas são, por conseguinte, indispensáveis para permitir aos arqueólogos e a outros especialistas o seu estudo e interpretação em nome e para benefício das gerações presentes e futuras. A protecção deste património não pode basear-se exclusivamente nas técnicas da arqueologia. Exige uma base de conhecimentos e de competências profissionais e científicas mais alargada. Alguns elementos do património arqueológico fazem parte de estruturas arquitectónicas, devendo nesse caso ser protegidos com respeito pelos critérios relativos ao património arquitectónico enunciados em 1964 na Carta de Veneza sobre a conservação e o restauro dos monumentos e sítios. Outros elementos fazem parte das tradições vivas das populações autóctones, cuja participação se torna essencial para a sua protecção e conservação. Por estas e outras razões, a protecção do património arqueológico deve assentar numa colaboração efectiva entre especialistas de diversas disciplinas. Exige ainda a cooperação dos serviços públicos, dos investigadores, das empresas privadas e do grande público. Em

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Carta de lausanne

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  • CADERNOS DE SOCIOMUSEOLOGIA N 15 - 1999 233

    CARTA DE LAUSANNE CARTA PARA A PROTECO E GESTO DO PATRIMNIO ARQUEOLGICO (1990) Introduo unanimemente reconhecido que o conhecimento das origens e do desenvolvimento das sociedades humanas assume uma importncia fundamental para toda a humanidade, permitindo-lhe reconhecer as suas razes culturais e sociais. O patrimnio arqueolgico constitui um testemunho essencial sobre as actividades humanas do passado. A sua proteco e gesto cuidadas so, por conseguinte, indispensveis para permitir aos arquelogos e a outros especialistas o seu estudo e interpretao em nome e para benefcio das geraes presentes e futuras. A proteco deste patrimnio no pode basear-se exclusivamente nas tcnicas da arqueologia. Exige uma base de conhecimentos e de competncias profissionais e cientficas mais alargada. Alguns elementos do patrimnio arqueolgico fazem parte de estruturas arquitectnicas, devendo nesse caso ser protegidos com respeito pelos critrios relativos ao patrimnio arquitectnico enunciados em 1964 na Carta de Veneza sobre a conservao e o restauro dos monumentos e stios. Outros elementos fazem parte das tradies vivas das populaes autctones, cuja participao se torna essencial para a sua proteco e conservao. Por estas e outras razes, a proteco do patrimnio arqueolgico deve assentar numa colaborao efectiva entre especialistas de diversas disciplinas. Exige ainda a cooperao dos servios pblicos, dos investigadores, das empresas privadas e do grande pblico. Em

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    consequncia, esta carta enuncia os princpios aplicveis em diversos sectores da gesto do patrimnio arqueolgico. Inclui as obrigaes dos poderes pblicos e legislativos, as regras profissionais aplicveis ao inventrio, prospeco, escavao, ao processo de documentao, investigao, manuteno, conservao, reconstituio, informao, apresentao, colocao disposio do pblico e afectao do patrimnio arqueolgico, assim como a definio das qualificaes do pessoal encarregue da sua proteco. Esta carta foi motivada pelo sucesso da Carta de Veneza como documento normativo e como fonte de inspirao no domnio das polticas e das prticas governamentais, cientficas e profissionais. Deve enunciar princpios fundamentais e recomendaes de mbito global. por essa razo que no pode ter em conta as dificuldades e virtualidades especficas das regies ou dos pases. Para responder a essas necessidades, a carta dever ser complementada no plano regional e nacional por princpios e regras suplementares. Artigo 1. Definio e introduo O "patrimnio arqueolgico" a parte do nosso patrimnio material para a qual os mtodos da arqueologia fornecem os conhecimentos de base. Engloba todos os vestgios da existncia humana e diz respeito aos locais onde foram exercidas quaisquer actividades humanas, s estruturas e aos vestgios abandonados de todos os tipos, superfcie, no subsolo ou sob as guas, assim como aos materiais que lhes estejam associados. Artigo 2. Polticas de "conservao integrada" O patrimnio arqueolgico uma riqueza cultural frgil e no renovvel. A agricultura e os planos de ocupao dos solos resultantes de programas de ordenamento devem, por consequncia, ser

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    regulamentados por forma a reduzir ao mnimo a destruio desse patrimnio. As polticas de proteco do patrimnio arqueolgico devem ser sistematicamente integradas nas polticas da agricultura, ocupao dos solos e planificao, e ainda nas da cultura, do ambiente e da educao. As polticas de proteco do patrimnio arqueolgico devem ser analisadas regularmente, a fim de se manterem actualizadas. A criao de redes arqueolgicas deve fazer parte dessas polticas. As polticas de proteco do patrimnio arqueolgico devem ser tidas em conta pelos planificadores escala nacional, regional e local. A participao activa da populao deve ser integrada nas polticas de conservao do patrimnio arqueolgico. Esta participao essencial sempre que o patrimnio de uma populao autctone esteja em causa. A participao deve basear-se no acesso aos conhecimentos, condio necessria a qualquer deciso. A informao do pblico , portanto, um elemento importante da "conservao integrada". Artigo 3. Legislao e economia A proteco do patrimnio arqueolgico deve ser considerada uma obrigao moral de cada ser humano. Mas tambm uma responsabilidade pblica colectiva. Esta responsabilidade deve traduzir-se pela adopo de uma legislao adequada e pela garantia de fundos suficientes para financiar, eficazmente, os programas de conservao do patrimnio arqueolgico. O patrimnio arqueolgico um bem comum da sociedade humana. Portanto, um dever de todos os pases disponibilizar os fundos adequados para a sua proteco.

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    A legislao deve garantir a conservao do patrimnio arqueolgico em funo das necessidades da histria e das tradies de cada pas e de cada regio, dando especial relevo conservao "in situ" e aos imperativos da investigao. A legislao deve assentar na ideia de que o patrimnio arqueolgico uma herana de toda a humanidade e de grupos humanos, e no de pessoas individuais ou de naes em particular. A legislao deve impedir qualquer destruio, degradao ou alterao atravs da modificao de qualquer monumento, sitio arqueolgico ou da sua envolvencia, sem que exista acordo dos servios arqueolgicos competentes. A legislao deve exigir, como princpio, uma investigao prvia e o estabelecimento de uma documentao arqueolgica completa nos casos em que uma destruio do patrimnio arqueolgico possa ter sido autorizada. A legislao deve exigir uma manuteno correcta e uma gesto e conservao satisfatrias do patrimnio arqueolgico, garantindo os meios necessrios. s infraces legislao do patrimnio arqueolgico devem corresponder adequadas sanes legais. Nos casos em que a legislao estenda a sua proteco apenas ao patrimnio classificado ou inscrito num inventrio oficial, devem ser tomadas disposies de proteco temporria dos monumentos e stios no-protegidos ou recentemente descobertos, at que seja feita uma avaliao arqueolgica.

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    Um dos maiores riscos fsicos do patrimnio arqueolgico resulta dos programas de valorizao. A obrigatoriedade de serem promovidos estudos de impacte arqueolgico, antes da definio desses programas, deve estar contemplada em legislao prpria, estipulando que o custo desses estudos deve ser includo no oramento do projecto. O princpio segundo o qual todo o programa de valorizao deve ser concebido de modo a reduzir ao mnimo as repercusses sobre o patrimnio arqueolgico, deve ser igualmente estabelecido por lei. Artigo 4. Inventrios A proteco do patrimnio arqueolgico deve basear-se no conhecimento to completo quanto possvel da sua existncia, extenso e natureza. Os inventrios gerais do potencial arqueolgico so, portanto, instrumentos de trabalho essenciais para elaborar estratgias de proteco do patrimnio arqueolgico. Por conseguinte, o inventrio deve ser uma obrigao fundamental na proteco e gesto do patrimnio arqueolgico. Da mesma forma, os inventrios constituem uma base de dados susceptvel de fornecer informaes de base para o estudo e investigao cientfica. O estabelecimento dos inventrios deve ser considerado um processo dinmico permanente. Em consequncia, os inventrios devem integrar informao a diversos nveis de preciso e de fiabilidade, porquanto esses conhecimentos, mesmo superficiais, podem constituir um ponto de partida para medidas de proteco. Artigo 5. Pesquisas arqueolgicas Em arqueologia, o conhecimento largamente tributrio da interveno cientfica no local. A interveno no local compreende todos os mtodos de investigao, desde a explorao no- destrutiva

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    escavao integral, passando pelas sondagens pontuais ou pela recolha de amostras Deve assumir-se como princpio fundamental, que toda a recolha de informaes sobre o patrimnio arqueolgico deve destruir o mnimo possvel de testemunhos arqueolgicos necessrio para alcanar os objectivos, conservativos ou cientficos, da campanha. Os mtodos de interveno no-destrutivos - observaes areas, observaes no terreno, observaes subaquticas, recolha de amostras, levantamentos prvios e sondagens - devem ser encorajados em todos os casos como preferveis escavao integral A escavao implica sempre uma seleco dos achados que sero registados e conservados, em detrimento de outras informaes e, eventualmente, da destruio total do monumento ou do stio arqueolgico. A deciso de proceder a uma escavao s deve ser tomada depois de uma adequada ponderao. As escavaes devem ser preferencialmente realizadas nos stios ou nos monumentos condenados destruio, em consequncia de programas de valorizao que modifiquem a ocupao ou a afectao dos solos, de actos de vandalismo ou da degradao provocada por agentes naturais. Em casos excepcionais, os stios que no estejam ameaados podero ser escavados, quer em funo das prioridades de investigao, quer para fins de abertura ao pblico. Nestes casos, a escavao deve ser precedida de uma avaliao cientfica das potencialidades do stio. A escavao deve ser parcial e reservar um sector virgem para posteriores trabalhos de investigao.

  • CADERNOS DE SOCIOMUSEOLOGIA N 15 - 1999 239

    Quando ocorrem escavaes, deve colocar-se disposio da comunidade cientfica um relatrio bem elaborado, o qual deve ser anexado ao inventrio apropriado num intervalo de tempo razovel aps a concluso dos trabalhos. As escavaes devem ser executadas em conformidade com os princpios da UNESCO (recomendao definidora dos princpios internacionais a aplicar nas escavaes arqueolgicas, 1956), assim como as normas profissionais, internacionais e nacionais. Artigo 6. Manuteno e conservao O objectivo fundamental da conservao do patrimnio arqueolgico dever ser a manuteno "in situ" dos monumentos e stios, compreendendo a sua conservao a longo prazo e o cuidado dispensado aos respectivos arquivos, coleces, etc. Qualquer translao viola o princpio segundo o qual o patrimnio deve ser conservado no seu contexto original. Este princpio acentua a necessidade de operaes de manuteno, de conservao e de gesto adequadas. Desse facto decorre que o patrimnio arqueolgico no deve estar sujeito aos riscos e s consequncias da escavao, nem abandonado aps a escavao se no estiver previamente garantido um financiamento que permita a sua manuteno e conservao. O empenhamento e a participao da populao local devem ser encorajados como forma de promover a manuteno do patrimnio arqueolgico. Este princpio especialmente importante se se trata de patrimnio arqueolgico de uma populao autctone ou de comunidades locais. Em certos casos, pode ser aconselhvel confiar-lhes a responsabilidade da proteco e da gesto dos monumentos e stios.

  • CADERNOS DE SOCIOMUSEOLOGIA N 15 - 1999 240

    Dado que os recursos financeiros so inevitavelmente limitados, a manuteno activa s poder efectuar-se de um modo selectivo. Dever, portanto, ser efectuada uma avaliao cientfica do significado e do carcter representativo do conjunto dos monumentos e stios arqueolgicos, e no apenas dos monumentos mais notveis e espectaculares. As principais recomendaes da UNESCO, de 1956, devem aplicar-se igualmente manuteno e conservao do patrimnio arqueolgico. Artigo 7. Apresentao, informao, reconstituio A apresentao do patrimnio arqueolgico ao grande pblico um meio essencial para promover o acesso ao conhecimento das origens e do desenvolvimento das sociedades modernas. Simultaneamente, o meio mais importante para a consciencializao da necessidade de proteco desse patrimnio. A apresentao ao grande pblico deve constituir uma exposio facilmente compreensvel do estado dos conhecimentos cientficos; por conseguinte, deve ser submetida a revises frequentes. Deve ter em conta as mltiplas possibilidades que permitam a compreenso do passado. As reconstituies podem desempenhar duas funes importantes: investigao experimental e interpretao. Devem, no entanto, ser objecto de grandes precaues, a fim de no perturbarem os vestgios arqueolgicos subsistentes e ainda ter em conta todo o tipo de testemunhos de modo a atingirem a maior autenticidade possvel. As reconstituies no devem ser executadas sobre os prprios vestgios arqueolgicos e devem ser identificveis como tal.

  • CADERNOS DE SOCIOMUSEOLOGIA N 15 - 1999 241

    Artigo 8. Qualificaes profissionais Para assegurar a gesto do patrimnio arqueolgico, essencial dominar diversas disciplinas com um elevado nvel cientfico. A formao de um nmero suficiente de profissionais nas respectivas reas especializadas deve, por consequncia, constituir um objectivo importante na poltica educacional de cada pas. A necessidade de formar especialistas em matrias altamente especializadas exige, por seu lado, a cooperao internacional. Devero ser elaboradas e mantidas normas de formao e de tica profissional. A formao arqueolgica universitria deve ter em conta nos seus programas as alteraes ocorridas nas polticas de conservao, segundo as quais prefervel a preservao "in situ" da escavao. Deveria igualmente ter em ateno o facto de que o estudo da histria das populaes locais to importante como o dos monumentos e stios de prestgio para a conservao e compreenso do patrimnio arqueolgico. A proteco do patrimnio arqueolgico um processo dinmico permanente. Portanto, devem ser concedidas todas as facilidades aos profissionais que trabalhem neste domnio, por forma a assegurar a sua actualizao. Devem ser implementados programas de formao ps-graduada especializados nas reas da proteco e gesto do patrimnio arqueolgico. Artigo 9. Cooperao internacional O patrimnio arqueolgico uma herana comum de toda a humanidade. A cooperao internacional , por isso, essencial para enunciar e fazer respeitar os critrios de gesto desse patrimnio.

  • CADERNOS DE SOCIOMUSEOLOGIA N 15 - 1999 242

    Verifica-se a necessidade premente da existncia de circuitos internacionais que permitam o intercmbio de informaes e a partilha de experincias entre os profissionais encarregues da gesto do patrimnio arqueolgico. Isso implica a organizao de conferncias, seminrios, grupos de trabalho, etc. tanto escala mundial como escala regional, assim como a criao de centros regionais de formao ps-graduada. O ICOMOS deveria, atravs dos seus grupos especializados, ter em conta esta situao nos seus projectos a longo e mdio prazo. De igual forma, deveriam prosseguir os programas internacionais de intercmbio de pessoal administrativo e cientfico, de modo a aumentar o nvel de competncias neste domnio. Sob os auspcios do ICOMOS devero ser desenvolvidos programas de assistncia tcnica, na rea do patrimnio arqueolgico. Preparada pelo Comit Internacional para a Gesto do Patrimnio Arqueolgico (ICAHM) e adoptada pela 9 Assembleia Geral do ICOMOS, realizada em Lausanne em 1990.

    SociomuseologiaCentro de Estudos de SociomuseologiaSUMRIOMESAREDONDA DE SANTIAGO DO CHILE............

    1976- Carta de Nairobi Lei n. 13/85, de 6 de Julho- Sobre o Patrimnio Cultural Portugus- Promulgado pela Assembleia da Repblica Portuguesa. I. DEFINIES II PRINCPIOS GERAIS Constituio de coleces centrais e regionais Educao do pblico Autorizao de pesquisas concedida a um estrangeiro Acesso pesquisa Destinao do produto das pesquisas Propriedade cientfica: direitos e obrigaes do pesquisador Documentao sobre as pesquisas Reunies regionais e sesses de discusses cientficas IV. COMRCIO DAS ANTIGUIDADES Colaborao internacional para a represso Repatriamento dos objectos ao pas de origem VI. PESQUISAS EM TERRITRIO OCUPADO RESTAURO STIOS HISTRICOSMESAREDONDA DE SANTIAGO DO CHILE*ICOM, 1972ConsiderandoDecide:

    ANEXO B

    UNESCO - ORGANIZAO DAS NAES UNIDASDEFINIES POLTICA NACIONAL, REGIONAL E LOCAL MEDIDAS DE SALVAGUARDA MEDIDAS JURDICAS E ADMINISTRATIVAS MEDIDAS TCNICAS, ECONMICAS E SOCIAIS PESQUISA, ENSINO E INFORMAO COOPERAO INTERNACIONAL

    CONCLUSES DA CONFRONTAOICOM, 1992Declarao de CaracasSubttulo IIDos Bens Imateriais