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  • Cleudemar Alves Fernandes

    ANLISE DO DISCURSO

    reflexes introdutrias

    Edio revista e ampliada

  • Cleudemar Alves Fernandes

    ANLISE DO DISCURSO

    reflexes introdutrias

    Edio revista e ampliada

  • SUMRIO

    Proposio

    A Noo de Discurso: discurso, ideologia e efeito

    de sentido

    O Sujeito Discursivo: polifonia, heterogeneidade e

    identidade

    Formao Discursiva; Memria e Interdiscurso:

    linguagem e histria

    Anlise do Discurso: entrecruzamento de

    diferentes campos disciplinares

    Metodologia em Anlise do Discurso

    Um Exerccio de Anlise de Discurso

    Uma Volta aos Percursos Tericos: as trs pocas

    da AD e histrias mais

    Palavras Finais

    Indicaes para Leitura

    Referncias Bibliogrficas

  • Proposio

  • Nossa experincia como professor na rea de

    Lingstica, mais especificamente de Anlise do Discurso,

    em cursos de graduao e de ps-graduao, tem nos

    possibilitado compartilhar um anseio comum entre os

    profissionais e estudantes dessa rea. Referimo-nos falta, e

    conseqentemente necessidade, de um material

    bibliogrfico cuja natureza didtica facilite o acesso ou a

    compreenso da Anlise do Discurso como uma disciplina.

    Diante disso, em 2005 produzimos a 1. edio deste

    trabalho na tentativa de preencher essa lacuna na rea em

    questo. Com o mesmo interesse, apresentamos agora uma

    edio revista e ampliada deste livro com o objetivo de

    fornecer aos colegas professores e aos estudantes de Anlise

    do Discurso um material bibliogrfico atualizado que rena

    as questes basilares dessa rea de estudos e que sirva como

    subsdio para as atividades de ensino. Ao apresentar uma

    reflexo de carter introdutrio, procuramos tambm

    fornecer pistas, ou abrir portas, para um estudo mais

  • aprofundado aos que se interessarem pelo discurso como

    objeto de investigao cientfica. Faremos, pois, uma

    reflexo em torno de alguns conceitos bsicos, de carter

    introdutrio a essa rea do conhecimento, e delinearemos

    caminhos, inclusive com indicaes de leitura, para um

    estudo mais acurado.

    Todo campo do saber edifica-se pautado em um rigor

    terico a partir da definio de aspectos metodolgicos, e

    focaliza um objeto que lhe especfico. Para a Anlise do

    Discurso, enquanto disciplina, o prprio nome efetua

    referncia ao seu objeto de estudos: o discurso.

    Para a realizao do nosso empreendimento,

    partiremos de uma interrogao inicial: O que se entende por discurso?. Aps arrolarmos algumas reflexes visando compreenso desse objeto, tendo em vista as suas

    especificidades e complexidade no campo disciplinar em

    questo, estabeleceremos suas inter-relaes tericas,

    abordando alguns conceitos primordiais da Anlise do

    Discurso, necessrios at mesmo para a compreenso de

    discurso enquanto objeto de estudo. O carter de

    complexidade por ns assinalado decorre do fato de discurso

    implicar uma exterioridade lngua, ser apreendido no

    social, cuja compreenso coloca em evidncia aspectos

    ideolgicos e histricos prprios existncia dos discursos

    nos diferentes contextos sociais.

    Iniciaremos nossas reflexes justamente com um

    captulo destinado explanao da noo de discurso e suas

    possibilidades de apreenso para anlise. Nesse momento,

    refletiremos tambm sobre a noo de sentidos e de efeitos

    de sentidos, conceitos decorrentes das representaes sociais

    e imaginrias dos homens em sociedade.

  • Dando continuidade a este estudo, j em um segundo

    captulo, arrolaremos reflexes especficas sobre a noo de

    sujeito discursivo, uma vez que, para a Anlise do Discurso,

    no se focaliza o indivduo falante, compreendido como um

    sujeito emprico, ou seja, como algum que tem uma

    existncia individualizada no mundo. Importa o sujeito

    inserido em uma conjuntura social, tomado em um lugar

    social, histrica e ideologicamente marcado; um sujeito que

    no homogneo, e sim heterogneo, constitudo por um

    conjunto de diferentes vozes. Assim, as noes de polifonia,

    heterogeneidade e identidade tambm constituem objeto de

    reflexo e so necessrias para se compreender o que

    chamamos sujeito discursivo.

    As noes de formao discursiva, de interdiscurso e

    o papel da memria (uma memria de natureza social)

    tambm fazem parte do rol dos conceitos bsicos

    necessrios para se ter uma compreenso da Anlise do

    Discurso. Esses conceitos sero abordados em captulo

    especfico neste estudo, o terceiro apresentado, momento em

    que faremos uma recorrncia Histria, disciplina que se

    entrecruza com a Lingstica para a constituio da Anlise

    do Discurso.

    Mostraremos, tambm em captulo especfico, o

    entrecruzamento de diferentes disciplinas na constituio da

    Anlise do Discurso no rol das cincias da linguagem, uma

    vez que, para referir-se a discurso, necessita-se romper com

    uma viso estritamente lingstica e compreender as inter-

    relaes da linguagem com a Histria e com a Psicanlise.

    Explicitaremos esse carter interdisciplinar visando

    explicao da constituio da Anlise do Discurso como

    subrea da Lingstica.

  • Nessa mesma direo, apresentaremos um captulo

    para explicitar aspectos metodolgicos prprios Anlise

    do Discurso. Nesse campo disciplinar, teoria e metodologia

    so indissociveis, escolha metodolgica vincula-se a

    escolha terica, o que deve ser condizente com a natureza

    do objeto discursivo tomado para anlise.

    Aps a explanao dos conceitos bsicos da Anlise

    do Discurso, faremos um breve exerccio de anlise de

    discurso. Tomaremos como material para anlise o poema

    Leilo, escrito em 1933 por Joraci Schafflr Camargo e

    Hekel Tavares. Com a anlise, apontaremos os diferentes

    discursos materializados nesse texto e explicitaremos o

    entrecruzamento dos aspectos sociais, histricos e

    ideolgicos na linguagem, a partir dos quais apontaremos as

    diferentes vozes constitutivas do sujeito discursivo.

    Finalmente, faremos um retorno, para, com

    recorrncia histria dessa disciplina, explicitarmos, ainda

    que brevemente, seu percurso terico. A construo terica

    da Anlise do Discurso, de suas primeiras proposies aos

    dias atuais, passou por reelaboraes, por alteraes, ao que

    seus proponentes e estudiosos denominaram inicialmente as

    trs pocas da AD: AD1, AD2 e AD3. Aqui, acrescentamos

    o subttulo histrias mais para pincelarmos, ainda que breve

    e superficialmente, os desdobramentos e abrangncia atuais

    dessa disciplina. Optamos por apresentar o percurso terico

    aps a apresentao dos conceitos, como os compreendemos

    atualmente, por acreditarmos que, neste momento, diante de

    uma reflexo acerca dos aspectos basilares da Anlise do

    Discurso, a compreenso da histria desse constructo terico

    ser facilitada.

    A seqncia dos captulos como os apresentamos

    deve-se apenas a uma organizao didtica para este texto,

  • pois, na Anlise do Discurso, os conceitos se implicam. Ou

    seja, cada conceito ao ser arrolado exige a presena e

    explanao de muitos outros, com os quais estabelece uma

    relao de interdependncia.

  • A Noo de Discurso: discurso, ideologia

    e efeito de sentido

  • Como o prprio nome da disciplina em foco Anlise do Discurso indica, discurso o objeto de que essa disciplina se ocupa. Como se trata de um campo do

    conhecimento cientificamente constitudo, a compreenso

    desse objeto de anlise requer um rigor terico, do qual

    devemos nos vestir para referirmos a discurso. Diante disso,

    partiremos da interrogao: o que se entende por discurso? Discurso, como uma palavra corrente no cotidiano da

    lngua portuguesa, constantemente utilizada para efetuar

    referncia a pronunciamentos polticos, a um texto

    construdo a partir de recursos estilsticos mais rebuscados,

    a um pronunciamento marcado por eloqncia, a uma frase

    proferida de forma primorosa, retrica, e muitas outras

    situaes de uso da lngua em diferentes contextos sociais.

    Porm, para compreendermos discurso como um objeto do

    qual se ocupa uma disciplina especfica, objeto de

  • investigao cientfica, devemos romper com essas acepes

    advindas do senso comum, que integram nosso cotidiano, e

    procurar compreend-lo respaldados em acepes tericas

    relacionadas a mtodos de anlise.

    Inicialmente, podemos afirmar que discurso, tomado

    como objeto da Anlise do Discurso, no a lngua, nem

    texto, nem a fala, mas necessita de elementos lingsticos

    para ter uma existncia material. Com isso, dizemos que

    discurso implica uma exterioridade lngua, encontra-se no

    social e envolve questes de natureza no estritamente

    lingstica. Referimo-nos a aspectos sociais e ideolgicos

    impregnados nas palavras quando elas so pronunciadas.

    Assim, observamos, em diferentes situaes de nosso

    cotidiano, sujeitos em debate e/ou divergncia, sujeitos em

    oposio acerca de um mesmo tema. As posies em

    contraste revelam lugares socioideolgicos assumidos pelos

    sujeitos envolvidos, e a linguagem a forma material de

    expresso desses lugares. Vemos, portanto, que o discurso

    no a lngua(gem) em si, mas precisa dela para ter

    existncia material e/ou real.

    Para exemplificar essas consideraes, observemos o

    emprego dos substantivos ocupao e invaso em revistas e

    jornais que circulam em nosso cotidiano. Tais substantivos

    so constantemente encontrados em reportagens e/ou

    entrevistas que versam sobre os movimentos dos

    trabalhadores rurais Sem-Terra e revelam diferentes

    discursos que se opem e se contestam. Em torno do Sem-

    Terra, ocupao empregado pelos prprios Sem-Terra, e

    por aqueles que os apoiam e os defendem, para designar a

    utilizao de algo obsoleto, at ento no utilizado, no caso,

    a terra. Invaso, referindo-se mesma ao, empregado

    por aqueles que se opem aos Sem-Terra, contestam-nos, e

  • designa um ato ilegal, considera os sujeitos em questo

    como criminosos, invasores. As escolhas lexicais e seu uso

    revelam a presena de ideologias que se opem, revelando

    igualmente a presena de diferentes discursos, que, por sua

    vez, expressam a posio de grupos de sujeitos acerca de um

    mesmo tema.

    Integrante da noo de discurso, encontra-se a noo

    de sentido compreendida como um efeito de sentidos entre

    sujeitos em interlocuo (sujeitos se manifestando por meio

    do uso da linguagem). Assim, ocupao e invaso, nos

    discursos supracitados, vo alm de seus significados

    prescritos nos dicionrios. Se observarmos, por exemplo, a

    significao de invaso para ambos os grupos de sujeito (os

    defensores e os contestadores do Sem-Terra) veremos que

    invadir tem sentidos diferentes e peculiares para esses

    sujeitos. Esses sentidos, e no o significado da palavra

    apenas, so produzidos em decorrncia da ideologia dos

    sujeitos em questo, da forma como compreendem a

    realidade poltica e social na qual esto inseridos.

    Para falarmos em discurso, precisamos considerar os

    elementos que tm existncia no social, as ideologias, a

    Histria. Com isso, podemos afirmar que os discursos no

    so fixos, esto sempre se movendo e sofrem

    transformaes, acompanham as transformaes sociais e

    polticas de toda natureza que integram a vida humana.

    Acerca do discurso observado como ao social,

    Orlandi (1999, p. 15) argumenta:

    a palavra discurso, etimologicamente, tem em si a

    idia de curso, de percurso, de correr por, de

    movimento. O discurso assim palavra em

    movimento, prtica de linguagem: com o estudo do

    discurso observa-se o homem falando.

  • Analisar o discurso implica interpretar os sujeitos

    falando, tendo a produo de sentidos como parte integrante

    de suas atividades sociais. A ideologia materializa-se no

    discurso que, por sua vez, materializado pela linguagem

    em forma de texto; e/ou pela linguagem no-verbal, em

    forma de imagens.

    Quando nos referimos produo de sentidos,

    dizemos que no discurso os sentidos das palavras no so

    fixos, no so imanentes, conforme, geralmente, atestam os

    dicionrios. Os sentidos so produzidos face aos lugares

    ocupados pelos sujeitos em interlocuo. Assim, uma

    mesma palavra pode ter diferentes sentidos em

    conformidade com o lugar socioideolgico daqueles que a

    empregam. Para melhor compreender essa pluralidade de

    sentidos de uma mesma palavra, podemos refletir sobre os

    sentidos do substantivo terra quando enunciado, por

    exemplo, pelos Sem-Terra e quando enunciado por

    fazendeiros integrantes da UDR (Unio Democrtica

    Ruralista), uma vez que aqueles representam, de certa

    maneira, uma ameaa a estes (e vice-versa). Se

    acrescentarmos a essa ilustrao os sentidos de terra na

    Bblia e aqueles produzidos por indgenas, entre outros,

    teremos ento uma pluralidade de sentidos integrantes de (e

    decorrentes de) diferentes discursos.

    Essas reflexes permitem afirmar que a lngua se

    insere na histria (tambm a construindo) para produzir

    sentidos. O estudo do discurso toma a lngua materializada

    em forma de texto, forma lingstico-histrica, tendo o

    discurso como o objeto. A anlise destina-se a evidenciar os

    sentidos do discurso tendo em vista suas condies scio-

    histricas e ideolgicas de produo. As condies de

  • produo compreendem fundamentalmente os sujeitos e a

    situao social. As palavras tm sentido em conformidade

    com as formaes ideolgicas em que os sujeitos

    (interlocutores) se inscrevem.

    O sentido de uma palavra, de uma expresso, de uma

    proposio, etc., no existe em si mesmo [...] mas, ao contrrio, determinado pelas posies

    ideolgicas colocadas em jogo no processo scio-

    histrico no qual as palavras, expresses e

    proposies so produzidas (Pcheux, 1997b, p.

    190).

    A noo de discurso implica, nesse processo,

    considerar as condies histrico-sociais de produo que

    envolvem o discurso. Ilustramos, a esse respeito, que a

    palavra terra, ao ser utilizada por determinados sujeitos,

    integra um discurso e no outro tendo em vista a posio, o

    lugar scio-histrico-ideolgico daqueles que a enunciam.

    Como exterioridade lngua e fala, o discurso,

    considerado como um objeto de investigao, constitui-se de

    conflitos prprios existncia de tudo que tem vida social.

    A comear pela busca de um espao na Lingstica, discurso

    no a lngua e nem a fala, mas, como uma exterioridade,

    implica-as para a sua existncia material; realiza-se, ento,

    por meio de uma materialidade lingstica (verbal e/ou no

    verbal), cuja possibilidade firma-se em um, ou vrios

    sistemas (lingstico e/ou semiticos) estruturalmente

    elaborados. Como o discurso encontra-se na exterioridade,

    no seio da vida social, o analista/estudioso necessita romper

    as estruturas lingsticas para chegar a ele. preciso sair do

    especificamente lingstico, dirigir-se a outros espaos, para

    procurar descobrir, descortinar, o que est entre a lngua e a

  • fala, fora delas, ou seja, para compreender de que se

    constitui essa exterioridade a que se denomina discurso,

    objeto a ser focalizado para anlise. Eis que, dessa maneira,

    se instaura um campo de conflitos no qual diferenas sociais

    coexistem. Se h diferenas, h embates no social e,

    consequentemente, no lingstico. O que marca as diferentes

    posies dos sujeitos, dos grupos sociais que ocupam

    territrios antagnicos, caracterizando tais embates, a

    ideologia, a inscrio ideolgica dos sujeitos em cena.

    Portando, ideologia imprescindvel para a noo de

    discurso, no apenas imprescindvel, inerente ao discurso.

    Se na exterioridade do lingstico, no social, h

    posies divergentes que se contrastam, nota-se a

    coexistncia de diferentes discursos concomitantes, isto

    implica diferenas quanto inscrio ideolgica dos sujeitos

    e grupos sociais em uma mesma sociedade, da os conflitos,

    as contradies, pois o sujeito, ao mostrar-se, inscreve-se

    em um espao socioideolgico e no em outros, enuncia a

    partir de sua inscrio ideolgica; de sua voz, emanam

    discursos, cujas existncias encontram-se na exterioridade

    das estruturas lingsticas enunciadas. Porm, o social e o

    ideolgico que possibilitam falar em discursos, assim como

    o discurso, tm existncia na Histria. Os discursos devem

    ser pensados em seus processos histrico-sociais de

    constituio.

    A unidade do discurso constitui-se por um conjunto

    de enunciados efetivamente produzidos na disperso de

    acontecimentos discursivos, compreendidos como

    seqncias formuladas, cuja compreenso possibilitada

    pela indagao seguinte, colocada por Foucault (1995, p.

    31): como apareceu um determinado enunciado e no outro

    em seu lugar?

  • Essa interrogao faz com que busquemos

    compreender a produo dos discursos como elemento

    integrante da Histria. Se pensarmos, por exemplo, o uso

    dos lexemas invaso e ocupao, to recorrentes em textos

    miditicos, conforme assinalamos anteriormente, e

    procurarmos compreend-los a partir da questo colocada

    por Foucault, veremos as condies de produo do

    discurso, ou seja, compreenderemos, a partir de um olhar

    para a histria, os aspectos histricos e socioideolgicos que

    envolvem a produo do discurso. Antes do surgimento dos

    movimentos dos Sem-Terra, tais enunciados (se

    compreendermos esses substantivos como enunciados, face

    aos efeitos de sentido deles decorrentes) no circulavam na

    mdia que integra nosso cotidiano, no havia um espao

    histrico-social que lhes possibilitasse a existncia.

    Trata-se, nesse contexto, de compreender a

    singularidade da existncia do enunciado, suas condies de

    produo. Como atesta Robin (1973), busca-se verificar, a

    partir de enunciados efetivamente produzidos em

    determinada poca e lugar, as condies de possibilidade do

    discurso que esses enunciados integram. Isto equivale a

    dizer que as transformaes histricas possibilitam-nos a

    compreenso da produo dos discursos, seu aparecimento

    em determinados momentos e sua disperso.

    A noo de sentidos dependente da inscrio

    ideolgica da enunciao, do lugar histrico-social de onde

    se enuncia; logo, envolve os sujeitos em interlocuo. De

    acordo com as posies dos sujeitos envolvidos, a

    enunciao tem um sentido e no outro(s), conforme

    exemplificamos referindo-nos ao emprego de invaso e

    ocupao em discursos em torno do Sem-Terra.

    O sentido um efeito de sentido da enunciao entre

  • A e B, o efeito da enunciao do enunciado. Isto,

    considerando que A e B representam diferentes sujeitos em

    interlocuo, inscritos em espaos socioideolgicos

    especficos.

    O sentido de uma seqncia s materialmente

    concebido na medida em que se concebe esta

    seqncia como pertencente necessariamente a esta

    ou quela formao discursiva [...] Trata-se de um

    efeito de sentidos entre os pontos A e B. [...] Os elementos A e B designam algo diferente da

    presena fsica de organismos humanos individuais.

    [...] A e B designam lugares determinados na

    estrutura de uma formao social. (Pcheux &

    Fuchs, 1990, p. 169).

    O lugar histrico-social em que os sujeitos

    enunciadores de determinado discurso se encontram envolve

    o contexto e a situao e intervm a ttulo de condies de

    produo do discurso. No se trata da realidade fsica e sim

    de um objeto imaginrio socioideolgico. Trata-se

    de alguma coisa mais forte - que vem pela histria,

    que no pede licena, que vem pela memria, pelas

    filiaes de sentidos constitudos em outros dizeres,

    em muitas outras vozes, no jogo da lngua, que vai se

    historicizando [...] marcada pela ideologia e pelas

    posies relativas ao poder (Orlandi, 1999, p. 32).

    Isto posto, reiteramos que o discurso tem existncia

    na exterioridade do lingstico, no social, marcado scio-

    histrico-ideologicamente. Na exterioridade do lingstico,

    no social, h posies divergentes pela coexistncia de

    diferentes discursos, isto implica diferenas quanto

  • inscrio ideolgica dos sujeitos e grupos sociais em uma

    mesma sociedade, da os conflitos, as contradies, pois o

    sujeito, ao mostrar-se, inscreve-se em um espao

    socioideolgico e no em outros, enuncia a partir dessa

    inscrio; conforme mostramos, de sua voz, emanam

    discursos, cujas existncias encontram-se na exterioridade

    das estruturas lingsticas enunciadas.

    Em sntese, verificamos que, para iniciar uma

    reflexo sobre o discurso, na perspectiva da Anlise do

    Discurso, necessita-se buscar compreender conceitos como:

    - Sentido: trata-se do efeito de sentido entre sujeitos em enunciao; nega-se a idia de mensagem

    encerrada em si; contesta a imanncia do

    significado;

    - Enunciao: posio ideolgica no ato de enunciar e que integra a enunciao, lugar scio-histrico-

    ideolgico de onde os sujeitos dizem e que marcam

    o momento e o ato de dizer;

    - Ideologia: uma concepo de mundo do sujeito inscrito em determinado grupo social em uma

    circunstncia histrica. Linguagem e ideologia so

    vinculadas, esta se materializa naquela. Ideologia

    inerente ao signo em geral. Sendo assim, diante de

    toda e qualquer palavra enunciada, procuraremos

    verificar qual (ou quais) ideologia(s) a integra(m);

    - Condies de produo: aspectos histricos, sociais e ideolgicos que envolvem o discurso, ou que

    possibilitam ou determinam a produo do discurso.

  • - Sujeito discursivo: constitudo na inter-relao social, no o centro de seu dizer, em sua voz, um

    conjunto de outras vozes, heterogneas, se

    manifestam. O sujeito polifnico e constitudo

    por uma heterogeneidade de discursos.

    Esses conceitos, e outros ainda no apresentados,

    esto inter-relacionados e se implicam. noo de sujeito

    discursivo, que exige reflexes sobre as noes de

    polifonia, heterogeneidade e identidade dedicamos o

    captulo seguinte.

  • O Sujeito Discursivo: polifonia, heterogeneidade e

    identidade

  • Na Anlise do Discurso, para compreendermos a

    noo de sujeito, devemos considerar, logo de incio, que

    no se trata de indivduos compreendidos como seres que

    tm uma existncia particular no mundo; isto , sujeito, na

    perspectiva em discusso, no um ser humano

    individualizado. Se no se trata do indivduo, da pessoa,

    como uma instncia plena de individualidade, como um ser

    emprico que tem existncia particular, no se nega tambm

    a existncia real dos sujeitos em sociedade. Com isso,

    afirmamos que o sujeito, mais especificamente o sujeito

    discursivo, deve ser considerado sempre como um ser

    social, apreendido em um espao coletivo; portanto, trata-se

    de um sujeito no fundamentado em uma individualidade,

    em um eu individualizado, e sim um sujeito que tem existncia em um espao social e ideolgico, em um dado

    momento da histria e no em outro. A voz desse sujeito

    revela o lugar social; logo, expressa um conjunto de outras

  • vozes integrantes de dada realidade histrica e social; de sua

    voz ecoam as vozes constitutivas e/ou integrantes desse

    lugar scio-histrico.

    Para a compreenso do sujeito nessa perspectiva,

    verificaremos como o sujeito pode ser apreendido e

    analisado a partir dos discursos. Iniciaremos, pois, com um

    breve e superficial olhar para a maneira como a Lingstica

    Geral considera o sujeito para, ento, contrapormos a essa

    perspectiva geral a acepo da Anlise do Discurso, que

    considera o sujeito constitudo por diferentes vozes sociais,

    e o tem como importante ponto de discusso para a

    compreenso de seu arcabouo terico.

    Na Lingstica, em geral, o sujeito, quando

    considerado, ora idealizado, ora um sujeito falante,

    apreendido em um contexto social imediato. Para o sujeito

    idealizado (ideal e no real), trabalha-se com uma

    concepo de lngua como algo abstrato, um dispositivo que

    o sujeito, nesse caso indivduo, poder apreender e,

    consequentemente, tornar-se usurio. Em relao ao

    contexto imediato, compreendido como momento e local

    especfico em que se d a comunicao, ou seja, em que

    ocorre o uso de uma lngua determinada, destaca-se, por

    exemplo, a organizao e estruturao do dilogo, o maior

    ou menor grau de obedincia gramtica padro em

    conformidade com cada contexto, etc., sendo que o

    contexto, inclusive, pode determinar as formas do dizer.

    Uma das primeiras distines a serem estabelecidas

    refere-se diferena entre sujeito falante e sujeito falando.

    A referncia a sujeito falante retoma as perspectivas acima

    mencionadas, ou seja, trata-se do sujeito emprico,

    individualizado, que, dada a sua natureza psicolgica, tem a

    capacidade para a aquisio de lngua e a utiliza em

  • conformidade com o contexto sociocultural no qual tem

    existncia. O sujeito falando remonta perspectiva

    assinalada quando expusemos a noo de discurso; refere-se

    a um sujeito inserido em uma conjuntura scio-histrica-

    ideolgica cuja voz constituda de um conjunto de vozes

    sociais.

    Compreender o sujeito discursivo requer

    compreender quais so as vozes sociais que se fazem

    presentes em sua voz. Isto posto, se retomarmos o emprego

    de invaso e ocupao, conforme j expusemos, temos, pela

    escolha lexical, a revelao da inscrio socioideolgica do

    sujeito enunciador. Ao utilizar ocupao, por exemplo, o

    sujeito integra, como partcipe, um conjunto de sujeitos cuja

    natureza ideolgica revela-o como solidrio aos movimentos

    dos Sem-Terra, se no um de seus integrantes. Esses

    sujeitos se opem ideologicamente a um outro conjunto de

    sujeitos dispersos no mbito social, contrrios a esses

    movimentos, que utilizariam o lexema invaso.

    Contudo, o sujeito no homogneo, seu discurso

    constitui-se do entrecruzamento de diferentes discursos, de

    discursos em oposio, que se negam e se contradizem. Ao

    considerarmos um sujeito discursivo, acerca de um mesmo

    tema, encontramos em sua voz diferentes vozes, oriundas de

    diferentes discursos. presena dessas diferentes vozes

    integrantes da voz de um sujeito, na Anlise do Discurso,

    denomina-se polifonia (pela composio dessa palavra,

    temos: poli = muitos; fonia = vozes). Face no

    uniformidade do sujeito, polifonia constitutiva do sujeito

    discursivo, temos a noo de heterogeneidade, que, em

    oposio homogeneidade, designa um objeto, no caso um

    ser, constitudo de elementos diversificados.

  • A noo de polifonia foi, originalmente, cunhada

    por Mikhail Bakhtin a partir de estudos desenvolvidos sobre

    o romance de Dostoivski. No estudo dessa produo

    literria, Bakhtin pensou sobre o funcionamento do discurso

    como forma de refletir a complexidade do romance, sua

    estruturao pelos discursos, e as diferentes vozes presentes

    em uma obra literria.

    Inicialmente, encontramos nesse pensador a noo

    de dialogismo, considerada como integrante da composio

    do texto literrio, o que revela o discurso como interao

    entre os sujeitos. Dialogismo refere-se s relaes que se

    estabelecem entre o eu e o outro nos processos discursivos

    instaurados historicamente pelos sujeitos (Brait, 1997, p.

    98), sendo que esse outro (escrito com letras minsculas)

    compreende o mundo social no qual o sujeito se insere. Ao

    constatar que o sujeito dialoga com um amplo conjunto

    composto por outros sujeitos, com a realidade social que o

    envolve, Bakhtin retoma suas reflexes acerca de um

    plurilingismo no romance e ressalta a presena da polifonia

    como as diferentes vozes no romance. Essas vozes so

    socialmente organizadas e possibilitam o estabelecimento de

    relaes sociais.

    Os conceitos de dialogismo e polifonia tiveram

    originalmente o texto literrio como objeto de estudo, mas

    no se limitam a ele, estendem-se aos discursos cotidianos,

    integram a existncia das pessoas no mundo. O estudo do

    romance do literato supracitado possibilitou a compreenso

    e a explicitao da natureza heterognea constitutiva da

    linguagem e dos sujeitos. Assim, o sujeito e o discurso

    resultam da interao social estabelecida com diferentes

    segmentos em um mesmo ou em diferentes mbitos sociais;

    da o entrelaamento de diferentes discursos na constituio

  • do sujeito discursivo, o que nos leva, com Bakhtin,

    constatao de que o sujeito polifnico. A linguagem ser

    apreendida sempre em uma situao social e histrica, na

    qual e com a qual os sujeitos constituem-se pela interao

    social; o eu e o outro so inseparveis e a linguagem possibilita-lhes a interao.

    Como o homem no uma criao literria, as

    observaes acerca da pluralidade de vozes constitutivas do

    sujeito no romance, categorias denominadas por Bakhtin

    como dialogismo e polifonia, ao extrapolarem os limites do

    literrio, so pensadas como elementos integrantes dos

    sujeitos em toda realidade social. So justamente as

    reflexes acerca de dialogismo e polifonia, iniciadas como

    integrantes de certo tipo de romance e compreendidas como

    inerentes existncia humana, que sero retomadas pela

    lingista Jacqueline Authier-Revuz para a proposio do

    conceito de heterogeneidade discursiva.

    A noo de heterogeneidade, conforme prope essa

    autora, visando compreenso do sujeito, subdividida em

    duas formas. Temos a heterogeneidade constitutiva como

    condio de existncia dos discursos e dos sujeitos, uma vez

    que todo discurso resulta do entrelaamento de diferentes

    discursos dispersos no meio social. O sujeito constitui-se

    pela interao social estabelecida com diferentes sujeitos. A

    Segunda forma de heterogeneidade a mostrada. Nesse

    caso, a voz do outro se apresenta de forma explcita no

    discurso do sujeito e pode ser identificada na materialidade

    lingstica.

    Para melhor compreendermos as noes de

    heterogeneidade, como apresentamos acima, podemos nos

    remeter aos discursos cientficos. Se tomarmos como

    exemplo um texto cuja finalidade a de possibilitar a um

  • leitor leigo uma compreenso mnima da Lingstica como

    cincia, verificaremos questes como: a) o sujeito que o

    escreveu deve ser um sujeito autorizado para isso;

    seguramente, trata-se de um lingista; b) para se inscrever

    nesse lugar de enunciao autorizado, o sujeito precisou

    constituir-se como um sujeito discursivo nesse lugar.

    (Dizemos com isso que o processo de constituio do sujeito

    como um lingista implicou, alm dos cursos que fez graduao, ps-graduao, etc. , inmeras leituras e discusses sobre conceitos dessa rea de conhecimento); c)

    para proceder a uma exposio da Lingstica como uma

    cincia, a voz do sujeito enunciador constitui-se por um

    conjunto de diferentes vozes (professores, colegas, textos

    lidos, etc.), e o texto produzido integra uma comunidade

    acadmica. Verificamos, nessa feita, uma heterogeneidade

    constitutiva do sujeito. Entretanto, quando lemos esse texto

    de introduo Lingstica, encontramos referncias

    explcitas ou implcitas a textos e autores que o antecedem,

    por meio de comentrios, citaes, uso de aspas ou itlico.

    A essas diferentes vozes marcadas de maneira explcita, e

    integrantes desse objeto outro texto introdutrio Lingstica recm produzido , temos o que se denominou heterogeneidade mostrada.

    A heterogeneidade mostrada inscreve o outro na

    seqncia do discurso discurso direto, aspas, formas de retoque ou de glosa, discurso indireto livre, ironia (Authier-

    Revuz, 1990, p. 25).

    Para esboar o conceito de heterogeneidade, Authier-

    Revuz reflete sobre a relao do sujeito com a linguagem a

    partir de consideraes, tambm, de natureza psicanaltica

    possibilitadas por Freud e suas releituras efetuadas por

    Lacan. Essa perspectiva corrobora a compreenso do sujeito

  • como descentrado, considerando que sempre sob as

    palavras outras palavras so ditas. O sujeito tem a iluso de ser o centro de seu dizer, pensa exercer o controle dos

    sentidos do que fala, mas desconhece que a exterioridade

    est no interior do sujeito, em seu discurso est o outro, compreendido como exterioridade social.

    Esse vis psicanaltico revela um olhar sobre o

    inconsciente, sempre em atuao por meio da linguagem. O

    inconsciente, conforme exps Freud, so manifestaes de

    natureza psquica do/no sujeito, que fogem ao mbito de sua

    conscincia, que no se manifestam de acordo com sua

    vontade, mas afloram nos sonhos, nos atos falhos, nos

    lapsos, etc. Assim, o inconsciente, como escape ao controle

    do sujeito e estruturado em forma de linguagem, conforme

    assevera Lacan, d espao manifestao do desejo. Os

    lapsos, por exemplo, provocam sentidos contrrios ao que o

    sujeito discursivo gostaria de mostrar. Nesse sentido,

    comumente ouvimos em situaes cotidianas, aps um

    sujeito fazer alguma afirmao, uma espcie de retificao

    como: no isso que eu quis dizer, ou: nossa, falei demais. Alm dessas constataes do prprio sujeito de que o que falou produziu sentidos alm do que se desejava,

    a produo de sentido se d fora do controle do sujeito e

    fora de seu alcance.

    As reflexes acerca do descentramento do sujeito, a

    afirmao de que o sujeito no o centro de seu dizer,

    encontra lugar tambm em Pcheux (1997b, p. 173), quando

    discorre sobre dois tipos de esquecimentos do sujeito. O

    esquecimento nmero 2 refere-se iluso que o sujeito tem

    de controlar o que diz, de ser a fonte, a origem do seu dizer;

    J pelo esquecimento nmero 1, o sujeito tem a iluso de

    controlar os sentidos de seus dizeres. Essas iluses so

  • necessrias ao sujeito, mas o sujeito no o centro

    organizador da enunciao. A constituio do sujeito

    discursivo marcada por uma heterogeneidade decorrente

    de sua interao social em diferentes segmentos da

    sociedade.

    Por conseguinte, o sujeito no dado a priori,

    resulta de uma estrutura complexa, tem existncia no espao

    discursivo, descentrado, constitui-se entre o eu e o outro. Nesse contexto epistemolgico, os sujeitos resultam de uma ligao da ideologia, inscrita histrico-socialmente,

    com o inconsciente, que d vazo manifestao do desejo.

    No que se refere ao desejo, e sua manifestao no

    discurso, Authier-Revuz (1982) tomou de Lacan a

    designao Outro (com a letra O inicial maiscula). Esse Outro, em contraposio ao outro (minsculo) que designa o exterior, o social constitutivo do sujeito, refere-se

    ao desejo e sua manifestao pelo inconsciente, sob a forma

    de linguagem. Sendo o inconsciente, tambm, constitudo

    socialmente, o Outro refere-se ao desejo do outro como constitutivo do desejo do eu (esse eu seria o Sujeito).

    Dialogismo, polifonia e heterogeneidade constituem

    categorias discursivas que propiciam reflexes visando

    compreenso do sujeito discursivo. Como atesta Authier-

    Revuz (1998, p. 79), reside nessas reflexes o carter no

    somente complexo, mas forosamente heterogneo do

    campo em que se jogam o dizer e o sentido.

    Com a proposio do conceito de heterogeneidade

    discursiva, Authier-Revuz reitera o carter polifnico do

    sujeito discursivo e chama a ateno para o descentramento

    do sujeito: um "eu" implica outros "eus" e o outro se

    apresenta como uma condio constitutiva do discurso do

  • sujeito, afinal, um discurso constitui-se de outros discursos e

    sofre (trans)formaes na Histria.

    A esses apontamentos, acrescentam-se reflexes

    sobre a noo de identidade, tambm compreendida como

    plural, no fixa, ou seja, em constante processo de produo.

    A noo de identidade um tema que vem sendo discutido

    por filsofos e socilogos nos chamados estudos culturais

    ps-modernos. Estudiosos como Stuart Hall, Tomaz Tadeu

    da Silva, Zygmunt Bauman, entre outros, tm caracterizado

    a identidade como plural e fragmentada. A identidade

    apresentada como produto das novas relaes sociopolticas

    na sociedade e inacabada por no se esgotarem as

    transformaes sociais que sofre. Para esses estudiosos, as

    identidades dispem de um carter transitrio, mutante,

    decorrente da perda da estabilidade e da fixidez para o

    sujeito, deslocado, descentrado, e constitudo pelas relaes

    discursivas.

    Dado o carter plural da identidade, as reflexes

    sobre esse conceito corroboram o conceito de sujeito prprio

    Anlise do Discurso. Para esse campo disciplinar, o sujeito

    produzido no interior dos discursos e sua identidade

    resultante das posies do sujeito nos discursos. O sujeito

    discursivo heterogneo, constitui-se pela relao que

    estabelece com o outro, pelas interaes em diferentes

    lugares na sociedade, e, com o Outro, que se materializa na

    linguagem e mostra o sujeito em um lugar desconhecido

    para si. A noo de identidade apresentada por Hall (2003) e

    por Bauman (2005) contribui para a noo de

    heterogeneidade na Anlise do Discurso, porque estes

    autores tratam-na como plural e fragmentada, o que

    colabora a compreenso da constituio do sujeito

    discursivo, uma vez que a existncia do eu se d pela

  • constituio de mltiplos fragmentos do outro. Assim, o

    sujeito est deslocado de seu espao sociocultural e tambm

    de si mesmo.

    As mltiplas identidades que passaram a constituir o

    sujeito fizeram com que, em diferentes momentos, esse

    sujeito assumisse diferentes identidades. No interior dos

    discursos, o sujeito assume diferentes posies, portanto, a

    sua identidade nunca ser a mesma em diferentes momentos

    e lugares em que se encontre. O sujeito, assim como a

    identidade, est sempre em movimento, desloca-se

    constantemente, e cada lugar ocupado por ele o faz mostrar-

    se outro, diferente de si, o que atesta o carter contraditrio

    e inacabado da identidade. Reiteramos ainda que cada lugar

    scio-histrico constitutivo do sujeito e da identidade

    resulta, em sua constituio, de uma heterogeneidade, e se

    constitui pela inter-relao com outros diferentes lugares.

    A heterogeneidade constitutiva do sujeito, reiterada

    nas diferentes identidades, algumas contraditrias, outras

    inacabadas e algumas ainda por se produzirem, e nenhuma

    fixa, todas moventes, revelam-nos a complexa constituio

    do sujeito no discurso. Pelos discursos materializados

    na/pela lngua, vislumbramos os deslocamentos, as

    movncias, e a pluralidade constitutiva do sujeito.

    Na Anlise do Discurso, a subjetividade tambm

    vista da exterioridade, uma construo histrica sob

    determinadas condies, e se d na relao com o discurso.

    Discorrer sobre a subjetividade, assim como sobre o sujeito

    e a identidade, no significa entrar na interioridade do

    sujeito, requer apreend-lo pela exterioridade. No se trata

    de uma relao do sujeito consigo mesmo da tica da

    interioridade, pois ele se constitui sob determinadas

  • condies de produo, construdo na relao da

    exterioridade.

    As transformaes sofridas nas condies sociais

    manifestam-se nas produes discursivas, sempre marcadas

    pelo entrecruzamento de discursos e acontecimentos

    anteriores. Acentua-se, dessa maneira, a fragmentao do

    sujeito, a heterogeneidade constitutiva do discurso. O sujeito

    discursivo plural, ou seja, atravessado por uma

    pluralidade de vozes e, por isso, inscreve-se em diferentes

    formaes discursivas e ideolgicas.

    Com esses apontamentos acerca da constituio do

    sujeito discursivo na/pela interao social marcada por

    contrastes prprios s inscries ideolgicas que se opem,

    e aos diferentes discursos coexistentes, reiteramos que a

    polifonia um aspecto constitutivo dos diferentes discursos

    e os sujeitos sofrem (trans)formaes no cenrio histrico-

    social que lhes possibilitam, pela disperso dos sentidos,

    constiturem-se discursivamente. A identidade, assim como

    o sujeito, no fixa, est sempre em produo, encontra-se

    em um processo ininterrupto de construo e caracterizada

    por mutaes.

    Para a Anlise do Discurso, dada a natureza

    heterognea de seus objetos de estudo, o discurso, o sujeito

    e a identidade devem ser observados a partir de ocorrncias

    lingstico-discursivas, uma vez que os enunciados apontam

    para posies-sujeito. no social que se definem as

    posies-sujeito, no fixas, marcadas por mutabilidade, e a

    anlise de discursos deve fazer aparecer esses elementos e

    explicitar suas formaes e transformaes histricas. No

    se trata, seguramente, de pontos fixos caractersticos dos

    sujeitos, trata-se de movncias, de deslocamentos e

    transformaes constantes na constituio dos sujeitos.

  • guisa de concluso, reiteramos:

    - Sujeito: constitudo por diferentes vozes sociais, marcado por intensa heterogeneidade e conflitos,

    espaos em que o desejo se inter-relaciona

    constitutivamente com o social e manifesta-se por

    meio da linguagem.

    - Polifonia: vozes, oriundas de diferentes espaos sociais e diferentes discursos, constitutivas do sujeito

    discursivo.

    - Heterogeneidade: formas de presena no discurso das diferentes vozes constitutivas do sujeito.

    Heterogeneidade no-mostrada (presena implcita

    de outras vozes constitutivas da voz do sujeito) e

    heterogeneidade mostrada (presena explcita de

    outras vozes, marcadas, na voz do sujeito).

    - Identidade: plural, fragmentada e marcada por mutabilidade, integra, ao mesmo tempo em que

    decorre de, as relaes discursivas; logo, trata-se de

    uma identidade de natureza discursiva, no fixa.

    O sujeito no homogneo, e, ao conceitu-lo,

    referimo-nos s noes de formao discursiva e

    formao ideolgica, e inter-relao linguagem e histria,

    perpassada pela memria, conceitos que constituem o centro

    das reflexes a serem arroladas no tpico seguinte.

  • Formao Discursiva; Memria e Interdiscurso:

    linguagem e histria

  • As reflexes arroladas em torno das noes de

    discurso, sentido e sujeito levaram-nos a refletir sobre

    transformaes sociais historicamente marcadas. Quando

    nos referimos a invaso e ocupao, fizemo-lo para mostrar

    a diferena de discursos coexistentes em torno de um

    mesmo tema, e colocamos em pauta uma questo levantada

    por Foucault (1995, p. 31); a saber: como apareceu um

    determinado enunciado e no outro em seu lugar?. Essa

    interrogao, frente apario e circulao desses lexemas

    na mdia, leva-nos a procurar compreend-los como

    enunciados integrantes de diferentes discursos.

    Conseqentemente, recorremos Histria visando a

    explicitar os processos socioideolgicos que fazem com que

    tais lexemas, compreendidos como enunciados integrantes

    de diferentes discursos, tenham lugar em nosso cotidiano.

    Os efeitos de sentido desses ento enunciados revelam

    conflitos sociais decorrentes dos espaos de enunciao, dos

  • lugares sociais assumidos por diferentes sujeitos

    socialmente organizados.

    Invaso e ocupao tm lugar na Histria em razo

    do surgimento dos movimentos dos trabalhadores rurais

    Sem-Terra e revelam a formao de discursos em contrastes.

    O surgimento desses movimentos socialmente organizados

    implicou embates e demarcao de posies

    ideologicamente definidas. Se de um lado encontram-se

    sujeitos atuando como apoio e sustentao de tais

    movimentos, de outro, h os que o combatem, na tentativa

    de coibi-los. Assim, ocorre a formao de diferentes

    discursos que integram os processos de formao e

    transformao sociais prprios existncia do homem na

    histria.

    Uma formao discursiva revela formaes

    ideolgicas que a integram. Se olharmos mais

    detalhadamente para ocupao, considerando esse lexema

    como um enunciado integrante de uma formao discursiva,

    veremos que seu uso envolve sujeitos oriundos de faces

    religiosas, de partidos polticos de carter esquerdista,

    trabalhadores de origem rural, entre outros. H, nessa

    efervescncia, o entrecruzamento de diferentes discursos e

    formaes ideolgicas constituindo uma formao

    discursiva que, grosso modo, caracteriza-se pela

    defesa/aceitao do Sem-Terra. Diante disso, podemos

    atestar que toda formao discursiva apresenta, em seu

    interior, a presena de diferentes discursos, ao que, na

    Anlise do Discurso, denomina-se interdiscurso. Trata-se,

    conforme assinalamos, de uma interdiscursividade

    caracterizada pelo entrelaamento de diferentes discursos,

    oriundos de diferentes momentos na histria e de diferentes

    lugares sociais.

  • Os enunciados apreendidos em dada materialidade

    lingstica explicitam que o discurso constitui-se da

    disperso de acontecimentos e discursos outros,

    historicamente marcados, que se transformam e modificam-

    se. Uma formao discursiva dada apresenta elementos

    vindos de outras formaes discursivas que, por vezes,

    contradizem, refutam-na. Na Histria e no social, observa-se

    uma disperso de discursos e acontecimentos, que, na

    descontinuidade prpria dos elementos e acontecimentos

    histricos, na contradio e negao do que se pode dizer

    somente em determinada poca e/ou lugar, encontra-se a

    unidade do discurso. Consoante com Foucault (1995), todo

    discurso marcado por enunciados que o antecedem e o

    sucedem, integrantes de outros discursos.

    Esses elementos possibilitam a compreenso do

    surgimento de novos cenrios socialmente organizados e/ou

    em organizao, tendo em vista a transitoriedade

    caracterstica do ser humano e da Histria, sempre passando

    por transformaes sociais. O aparecimento do Sem-Terra,

    por exemplo, como grupos de sujeitos socialmente

    organizados atesta uma formao social na histria do

    Brasil.

    Nesse quadro terico, o discurso apresenta-se

    relevante para se compreender as mudanas histrico-sociais

    que possibilitam a combinao de diferentes discursos em

    certas condies sociais especficas, resultando na produo

    de um outro discurso. O aspecto histrico decorre da

    interao social entre sujeitos e grupos de sujeitos como um

    movimento ininterrupto e descontnuo na linha do tempo,

    que conduz para a constituio de novos sujeitos e novos

    grupos sociais, bem como para a formao de novos

    discursos. A interao envolve a natureza dos processos de

  • produo do discurso, tambm chamado de prtica

    discursiva. Na dimenso prtica social, o discurso, ao ser

    produzido e interpretado, constitui uma ao social em um

    contexto situacional, ideologicamente marcado.

    Observando-se ainda o Sem-Terra, o discurso como prtica

    social visvel.

    Nesse nterim, a formao de um discurso resulta da

    combinao de diferentes discursos. Sobre a noo de

    formao discursiva, Foucault (1995), Pcheux (1990 e

    1997b) constituem leituras necessrias, cuja compreenso e

    articulao nas teorias discursivas so imprescindveis para

    se compreender a Anlise do Discurso e para proceder

    anlise de discursos.

    Pcheux (1990b, p. 314), reportando-se a Foucault,

    argumenta:

    a noo de formao discursiva (FD) comea a fazer

    explodir a noo de mquina estrutural fechada na

    medida em que o dispositivo da FD est em relao

    paradoxal com seu exterior: uma FD no um espao estruturalmente fechado, pois

    constitutivamente invadido por elementos que vm de outro lugar (isto , de outras FD) que se repetem

    nela, fornecendo-lhe suas evidncias discursivas

    fundamentais.

    Reiteramos, com essas palavras citadas, que uma

    formao discursiva nunca homognea, sempre

    constituda por diferentes discursos. Um mesmo tema, ao ser

    colocado em evidncia, objeto de conflitos, de tenso, face

    s diferentes posies ocupadas por sujeitos que se opem,

    contestam-se.

  • Quando buscamos compreender, por meio de uma

    anlise, uma formao discursiva dada, vemos que apenas

    parcialmente apreendida, pois caracteriza-se por uma

    incompletude e tem uma natureza complexa na sua prpria

    disperso histrica. Um enunciado, enquanto estrutura

    lingstica, implodir sob o olhar do analista, pois, de opaco,

    torna-se cheio; de to coletivo, torna-se particular; de

    agente, pode tornar-se objeto (e vice-versa). Assim, todo

    enunciado pode tornar-se outro(s).

    Para melhor compreendermos essas consideraes,

    podemos retomar o lexema terra, considerando-o como um

    enunciado integrante de diferentes discursos. Esse

    enunciado, ao ser empregado, por exemplo, pelo Sem-Terra

    e pelos integrantes da Unio Democrtica Ruralista, nunca

    ser o mesmo tendo em vista a inscrio dos sujeitos em

    diferentes formaes discursivas e as diferenas de sentido

    da decorrentes. Conforme j pontuamos, o emprego do

    lexema terra (considerado como um enunciado) e seus

    efeitos de sentido revelam-no como elemento que assegura

    unidade em discursos que se contradizem (de um lado, a

    defesa do Sem-Terra, e de outro, a contestao).

    Na Histria, podemos agrupar uma sucesso de

    acontecimentos dispersos; relacion-los a um nico e

    mesmo princpio organizador (cf.: Foucault: 1995, p. 24).

    Entretanto, quando nos referimos unidade discursiva, no

    estamos diante de um elemento homogneo e nem

    uniformemente aplicvel. O conceito de unidade discursiva,

    oriundo de Michel Foucault, apoia-se na materialidade

    histrica e constitui-se na disperso de acontecimentos.

    A noo de unidade vincula-se de disperso, pois,

    como argumenta Foucault, todo discurso resulta de um j-

    dito (no sabido, apagado) e esse j-dito sempre um

  • jamais-dito. Tudo que foi/ enunciado, secretamente,

    silencia-se na disperso temporal e, pela descontinuidade, na

    Histria, renuncia a temas e acontecimentos que, como

    discursos, permanecem apagados, perdidos no tempo em

    decorrncia das transformaes histrico-sociais que

    ocorrem. Porm, esse j-dito (re)aparece transformado em

    um jamais-dito, como continuidade de acontecimentos e

    discursos que se dispersam no tempo. Nesse nterim,

    unidade e disperso implicam-se, no se opem, e uma

    formao discursiva tem sua regularidade pela constncia de

    unidades inteiramente formadas. (No tocante s formaes

    discursivas em torno dos Sem-Terra, mencionadas como

    exemplo, alm de invaso e ocupao, h um conjunto

    complexo de outros elementos linguagem, sujeito, ideologia, etc. envolvidos).

    Ao falarmos sobre formao discursiva, referimo-nos

    ao que se pode dizer somente em determinada poca e

    espao social, ao que tem lugar e realizao a partir de

    condies de produo especficas, historicamente

    definidas.

    Trata-se de compreender o enunciado na estreiteza e

    singularidade de sua situao; de determinar as

    condies de sua existncia, de fixar seus limites da

    forma mais justa, de estabelecer suas correlaes

    com os outros enunciados a que pode estar ligado, de

    mostrar que outras formas de enunciao exclui

    (Foucault, 1995, p. 31).

    Unidade e disperso, como conceitos integrantes da

    noo de formao discursiva, so marcadas por

    heterogeneidades constantes no jogo das relaes sociais,

    coexistem s concomitantes divergncias ideolgicas que

  • demarcam os campos discursivos. Os enunciados, assim

    como os discursos, so acontecimentos que sofrem

    continuidade, descontinuidade, disperso, formao e

    transformao, cujas unidades obedecem a regularidades,

    cujos sentidos so incompletamente alcanados. Os

    enunciados, compreendidos como elementos integrantes das

    regularidades discursivas, inscrevem-se nas situaes que os

    provocam e, por sua vez, provocam conseqncias, mas,

    vinculam-se, tambm, a enunciados que os precedem e os

    sucedem. Para analis-los, buscamos compreender as

    relaes que os engendram na produo de sentidos.

    No caso em que se puder descrever, entre um certo

    nmero de enunciados, semelhante sistema de

    disperso, e no caso em que entre os objetos, os tipos

    de enunciao, os conceitos, as escolhas temticas,

    se puder definir uma regularidade (uma ordem,

    correlaes, posies e funcionamentos,

    transformaes), diremos, por conveno, que se

    trata de uma formao discursiva (Foucault,1995,

    p. 43) (Grifo nosso).

    Os objetos, os tipos de enunciao, os conceitos e os

    temas obedecem a regras de formao que refletem as

    condies de existncia (mas tambm de coexistncia, de

    manuteno, de modificao e de desaparecimento) em

    determinada formao discursiva, historicamente marcada.

    Uma formao discursiva caracteriza-se pela existncia de

    um conjunto semelhante de objetos e enunciados que os

    descrevem, pela possibilidade de explicitar como cada

    objeto do discurso tem, nela, o seu lugar e sua regra de

    apario, e como as estratgias que a engendram derivam de

    um mesmo jogo de relaes. Trata-se, como observa Robin

  • (1973), de compreender as condies de possibilidade do

    discurso, como um dizer tem espao em um lugar e em uma

    poca especfica. Uma formao discursiva resulta de um

    campo de configuraes que coloca em emergncia os

    dizeres e os sujeitos socialmente organizados em um

    momento histrico especfico. Porm, uma formao

    discursiva no se limita a uma poca apenas; em seu

    interior, encontramos elementos que tiveram existncia em

    diferentes espaos sociais, em outros momentos histricos,

    mas que se fazem presentes sob novas condies de

    produo, integrando novo contexto histrico, e,

    conseqentemente, possibilitando outros efeitos de sentido.

    Como argumenta Gregolin (1997, p. 56), a

    interpretao de temas re-significados mostra que o discurso,

    a Histria e a memria constrem movimentos de sentidos, e

    analisar o discurso implica fazer aparecer objetos e

    enunciaes que aparecem e desaparecem, coexistem e

    transformam-se em um espao discursivo e possibilitam,

    ainda, verificar a presena de certos temas em dada formao

    discursiva.

    A noo de memria discursiva, cunhada

    inicialmente por Courtine (1981), no se refere a lembranas

    que temos do passado, a recordaes que um indivduo tem

    do que j passou. Como atesta Pcheux (1999a, p. 11): a

    estruturao do discursivo vai constituir a materialidade de

    uma certa memria social. Esse espao de memria como

    condio do funcionamento discursivo constitui um corpo

    scio-histrico-cultural. Os discursos exprimem uma

    memria coletiva na qual os sujeitos esto inscritos. uma

    memria coletiva, at mesmo porque a existncia de

    diferentes tipos de discurso implica a existncia de

    diferentes grupos sociais, sem, contudo, implicar

  • equivalncia. Um discurso engloba a coletividade dos

    sujeitos que compartilham aspectos socioculturais e

    ideolgicos, e mantm-se em contraposio a outros

    discursos. Trata-se de acontecimentos exteriores e anteriores

    ao texto, e de uma interdiscursividade, refletindo

    materialidades que intervm na sua construo.

    A ttulo de ilustrao, voltemos aos sentidos do

    lexema terra na formao discursiva do Sem-Terra. Em

    estudos especficos sobre essa formao discursiva,

    verificamos que os sujeitos denominados Sem-Terra

    pautam-se em experincias vividas no passado, que lhes

    possibilitaram formaes socioculturais as quais procuram

    reconstruir. Os sentidos de terra implicam um espao

    sociocultural rural que se ope s condies socioculturais

    vividas por eles nas cidades, que so recusadas pelos

    sujeitos em questo que priorizam a vida buclica j

    experimentada, portanto, sabida em tempos passados. Em se

    tratando de memria discursiva, no esto em questo as

    lembranas que cada sujeito tem do passado, mas sim a

    existncia de um mundo sociocultural, com formas de

    trabalho, de lazer, etc., especficas.

    Isto posto, diferentes discursos coexistem e

    materializam-se, s vezes, por meio de enunciados

    estruturalmente semelhantes, mas tm sua unidade pelos

    efeitos de sentido decorrentes da inscrio ideolgica desses

    enunciados. Para Robin (1973, p. 107), os discursos so

    governados por formaes ideolgicas. Como formao

    discursiva reflete, tambm, formao social, retoma-se uma

    heterogeneidade prpria coexistncia e miscigenao das diferentes foras sociais.

    Conforme assinalamos em relao aos discursos dos

    Sem-Terra, se a dominncia de um modo de produo

  • representa o primado da vida econmica, a pobreza, por sua

    vez, implica formao social e todas as outras formaes e

    transformaes at ento assinaladas, porque na pobreza

    tambm h lutas econmicas e polticas. Tais lutas tm seus

    impactos em diferentes lugares sociais.

    Os aspectos ideolgicos e polticos, no discurso,

    apresentam-se semanticamente relevantes, pois refletem, na

    interao entre os sujeitos, o lugar histrico-social de onde o

    discurso produzido. A ao poltica, em forma de discurso,

    apresenta valores ideolgicos na construo de

    determinados espaos sociais. Nessa perspectiva, as relaes

    de poder se constroem, e as representaes de poder

    confrontam e alteram-se, mudando, conseqentemente o

    lugar de onde vozes produzem enunciaes, de onde os

    discursos so produzidos. As relaes de poder so

    preenchidas politicamente por ideologia e, em conformidade

    com as mudanas que sofrem, diferentes vozes ideolgicas

    enunciam construindo diferentes rumos na Histria. As

    alteraes poltico-ideolgicas nos discursos decorrem da

    mudana de sujeitos em cena, ou da transformao dos

    sujeitos na linha do tempo, o que implica mudanas no

    espao social. Na verdade, novas perspectivas polticas e

    ideolgicas, que provocam o surgimento de um novo

    cenrio sociocultural, so aspectos inerentes formao de

    um discurso.

    Ao efetuarmos referncia s prticas discursivas,

    referimos, tambm, a prticas sociais, visto que o discurso

    envolve condies histrico-sociais de produo. Essa

    observao torna oportuno refletir sobre as condies de

    produo dos discursos que incluem o contexto scio-

    histrico e ideolgico, incluindo, igualmente, as condies

  • de produo de bens materiais e a (re)produo das prprias

    condies de produo.

    A inter-relao do discurso com suas condies de

    produo envolve tudo o que est no campo da enunciao,

    isto , o contexto histrico-social inerente produo de

    sentidos.

    A recorrncia Histria faz-se presente na anlise do

    discurso, pois trata-se dos sentidos produzidos no discurso,

    de acordo com as condies de produo histrico-sociais

    peculiares existncia dos sujeitos. Evita-se, assim,

    possveis crticas como a que Pcheux (1999b, p. 11) atribui

    Psicologia Social:

    a psicologia social entende fazer experimentos (em

    laboratrio ou em campo) sobre

    construes/manipulaes da interao, e em

    particular da interao verbal. Nesse quadro, a

    situao experimental construda em laboratrio ou provocada em campo uma cena fechada, a-histrica, na qual a linguagem (falas, textos ou

    discursos) imediatamente identificada a seqncias

    observveis de aes (condutas, comportamentos) de trocas entre os protagonistas da interao.

    Contrapondo-se a essa abordagem a-histrica, a

    Anlise do Discurso, ao refletir sobre as condies

    histrico-sociais que envolvem a produo do discurso,

    recorre Histria visando a analisar o material em termos de

    produes localizveis em um lugar scio-histrico (lugar

    de produo socioeconmico, poltico-ideolgico e

    cultural). Essa perspectiva foi explicitada ao refletirmos

    sobre a noo de formao discursiva e outros conceitos da

    decorrentes, conforme sntese apresentada a seguir.

  • - Formao discursiva: refere-se ao que se pode dizer

    somente em determinada poca e espao social, ao

    que tem lugar e realizao a partir de condies de

    produo especficas, historicamente definidas; trata-

    se da possibilidade de explicitar como cada

    enunciado tem o seu lugar e sua regra de apario, e

    como as estratgias que o engendram derivam de um

    mesmo jogo de relaes, como um dizer tem espao

    em um lugar e em uma poca especfica.

    - Formao ideolgica: conjunto complexo de

    atividades e de representaes que no so nem

    individuais nem universais, mas se relacionam mais ou menos diretamente s posies de classes

    em conflito umas com as outras (Pcheux & Fuchs,

    1990, p. 166). segundo as posies dos sujeitos

    que os sentidos se manifestam, em relao s

    formaes ideolgicas nas quais essas posies se

    inscrevem.

    - Memria discursiva: espao de memria como

    condio do funcionamento discursivo constitui um

    corpo-scio-histrico-cultural. Os discursos

    exprimem uma memria coletiva na qual os sujeitos

    esto inscritos. Trata-se de acontecimentos exteriores

    e anteriores ao texto, e de uma interdiscursividade,

    refletindo materialidades que intervm na sua

    construo.

    - Interdiscurso: presena de diferentes discursos,

    oriundos de diferentes momentos na histria e de

  • diferentes lugares sociais, entrelaados no interior de

    uma formao discursiva. Diferentes discursos

    entrecruzados constitutivos de uma formao

    discursiva dada; de um complexo com dominante.

    Reiteramos, com o at ento exposto, que a Anlise

    do Discurso resulta de uma interdisciplinaridade que

    envolve a Lingstica, a Histria e tambm a Psicanlise.

    Para melhor compreenso das bases fundadoras dessa

    disciplina, apresentaremos o captulo seguinte.

  • Anlise do Discurso: entrecruzamento de

    diferentes campos disciplinares

  • Conforme mostramos nos captulos anteriores, pela

    inter-relao Lingstica e Histria e pela recorrncia

    Psicanlise para a conceituao do sujeito discursivo, a

    Anlise do Discurso uma disciplina de carter

    transdisciplinar. Sua constituio na Lingstica, como

    discutiremos a seguir, decorre do entrecruzamento de teorias

    de diferentes campos do saber. Assim, como pontua Orlandi

    (1986, p. 119), temos:

    a) o materialismo histrico: compreendido como teoria das formaes e transformaes sociais.

    na/pela histria que observamos as condies de

    produo do discurso, ou seja, o porqu da

    apario de um enunciado em dado momento e

    lugar e no outro em seu lugar.

    b) a Lingstica: tomada como teoria dos mecanismos sintticos e dos processos de

    enunciao. Para a Anlise do Discurso, trabalha-

    se com elementos lingsticos que possibilitam a

  • materializao dos discursos; observa-se no

    material de anlise a inter-relao constitutiva da

    linguagem face sua exterioridade.

    c) a teoria do discurso: trata da determinao histrica dos processos semnticos. Refere-se

    produo dos sentidos decorrentes dos

    fenmenos histricos.

    Diante dessa enumerao, vemos como um

    enunciado, definido sob seus aspectos formais, tem sentidos

    diferentes ao ser produzido em diferentes momentos

    histricos, e/ou ideolgicos; dessa forma, um enunciado

    torna-se outro. (Aspecto exemplificado nas reflexes

    anteriores pela observao do emprego do lexema terra em

    diferentes discursos).

    As referncias fundadoras da AD so precisadas

    tambm por Gregolin (2003), a quem recorremos para

    reiterar alguns elementos que possibilitam a compreenso da

    constituio terica dessa disciplina. A saber:

    a) o atravessamento da Lingstica pelo Marxismo, prprio explicitao do objeto da Anlise do

    Discurso o discurso , que resulta da articulao entre o lingstico e o histrico;

    b) uma constante problematizao das bases epistemolgicas da AD, at mesmo pela

    pluralidade e especificidades dos objetos;

    c) o discurso como objeto de estudo apresenta-se tambm como um lugar de enfrentamento

  • terico. (Cada objeto tomado para anlise

    apresenta, por exemplo, elementos da histria

    que lhes so peculiares, o que implica uma volta

    teoria);

    d) a Anlise do Discurso implica apreender a lngua, o sujeito e a histria, em funcionamento,

    uma vez que a prpria teoria do discurso revela

    uma determinao histrica dos processos

    semnticos, e, com isso, uma disperso dos

    sentidos.

    Consoante com a autora em questo, tem-se a

    constituio de um campo disciplinar na Lingstica,

    voltado para as condies de produo do dizer, cuja

    histria pode ser visualizada a partir dos anos 1960. Desta

    feita, a episteme da Anlise do Discurso origina-se,

    prioritariamente, do entrecruzamento das trs reas do

    conhecimento cientfico supracitadas (materialismo

    histrico, lingstica, e teoria do discurso). Como atesta,

    ainda, Gregolin (2003), esses campos disciplinares

    articulados para a constituio terica da AD so

    atravessados por uma teoria subjetiva de ordem

    psicanaltica, que traz o inconsciente para o interior de suas

    reflexes. O lugar da Psicanlise notrio no que concerne

    s noes de sujeito discursivo e de discurso, conforme

    mostramos.

    Em leitura da bibliografia da Anlise do Discurso

    visando compreenso de sua constituio terica,

    pensamo-la no interior de uma Lingstica que toma a

    linguagem em uma relao constitutiva com sua

  • exterioridade. Diante desse apontamento, destacamos a

    seguinte afirmao de Michel Pcheux:

    se a Lingstica solicitada a respeito destes ou

    daqueles pontos exteriores a seu domnio, porque,

    no prprio interior de seu domnio (em sua prtica

    especfica), ela encontra, de um certo modo, essas

    questes sob a forma de questes que lhe dizem

    respeito (Pcheux, 1997b, p. 88).

    A partir dessa observao, podemos refletir sobre a

    presena de uma exterioridade, aqui denominada

    Materialismo Histrico, que atravessa a Lingstica

    resultando na constituio da Anlise do Discurso como

    uma de suas ramificaes, pois no interior de problemas

    colocados pela linguagem que essa exterioridade tem eco.

    No mesmo texto em que buscamos a citao acima

    apresentada, Michel Pcheux lembra-nos as seguintes

    palavras de Lnin: a lngua sempre vai onde o dente di. Se podem ser muitas as dores, precisam ser muitos, tambm,

    os alvios, portanto, necessitamos, de fato, romper os limites

    discursivos prprios a uma disciplina, como adverte

    Foucault (2000), os quais, muitas vezes, representam-lhe

    limitaes, e recorrermos a outros domnios que o

    atravessam para ento compreendermos a constituio

    disciplinar da Anlise do Discurso.

    Cientificamente, consideramos a Lingstica como

    uma disciplina acadmica devidamente constituda (C.f.

    Lyons, 1981), porm, muitas vezes atravessada por outros

    campos disciplinares. Esse atravessamento, como adverte o

    referido autor, longe de ameaar o seu status de cincia, faz

    com os pesquisadores no aceitem, unanimemente, a

    existncia de um nico mtodo de investigao para todos

  • os ramos da Lingstica, e possibilita a existncia, em seus

    domnios, de diferentes subreas, como a Psicolingstica, a

    Geolingstica, a Sociolingstica, entre tantas outras. Se os

    estudos da linguagem, de uma maneira geral, voltam-se para

    a descrio ou anlise da sua natureza, da sua realidade

    interna (aspectos formais e estruturais) e do seu

    funcionamento, ressaltamos que cada ramificao interna

    Lingstica postula, a partir de um constructo terico

    prprio, o objetivo a ser perseguido na investigao dos

    dados. O constructo terico e o objetivo, por sua vez,

    impem a necessidade de um mtodo especfico. Assim, em

    tempos passados, contrastaram-se o empirismo, que

    considera todo conhecimento como advindo da experincia,

    e o racionalismo, que enfatiza o papel da mente no

    conhecimento. A partir dessa observao de carter

    genrico, poder-se-ia discorrer sobre o carter de

    cientificidade da Lingstica, explicitando, inclusive, que

    no h homogeneidade, haja vista a diversidade de mtodos

    prprios a cada ramificao, conforme assinalamos.

    Entretanto, no escopo dessas questes, interessa-nos

    focalizar a constituio da Anlise do Discurso a partir de

    um atravessamento terico, conforme pontuamos.

    Para atender tal proposio, o analista deve reportar-

    se a uma materialidade lingstica, compreendida como

    materializao de discursos, cuja compreenso e/ou

    explicao faz com que recorramos a aparatos tericos fora

    da Lingstica e tragamo-los para seu interior. Noutros

    termos, tratamos de problemas de linguagem humana,

    objeto de investigao cientfica prprio da Lingstica, que

    impem uma reviso terica para que sua interpretao seja

    alcanada.

  • Em toda e qualquer formao discursiva, as

    contradies representam uma coerncia visto que desvelam

    elementos exteriores materialidade lingstica, mas

    inerentes constitutividade dos discursos e dos sujeitos. Os

    sujeitos so marcados por inscries ideolgicas e so

    atravessados por discursos de outros sujeitos, com os quais

    se unem, e dos quais se diferenciam.

    A ttulo de ilustrao, podemos nos remeter a uma

    pesquisa que realizamos sobre a formao discursiva do

    Sem-Terra. Em entrevistas realizadas com sujeitos

    acampados, quando interrogados sobre a forma de

    realizao do trabalho, encontramos afirmaes valorativas

    do trabalho coletivo em que os integrantes de um acampamento trabalham juntos e dividem igualmente os

    frutos obtidos seguidas da sua negao (o trabalho coletivo muito bo [...] quando eu tiv minha terrinha,

    quero viv do que eu plant). Essa ocorrncia demonstra, no mnimo, dois sujeitos socioideolgicos apreendidos em

    um mesmo sujeito enunciador: de um lado, o Sem-Terra de

    origem rural busca uma reintegrao sociocultural, um

    espao no qual possa ter uma produo material para a auto-

    sustentao; de outro, os lderes do movimento visam a uma

    transformao do sistema poltico brasileiro. So diferentes

    posies sujeito entrecruzadas nessa formao discursiva.

    Dessa maneira, notam-se duas instncias distintas, mas

    inseparveis: uma composta de trabalhadores situados nas

    propriedades que ocuparam, cuidando, prioritariamente, da

    plantao e produo agrcola naquele espao; outra

    composta de lideranas polticas, atuando como as maiores

    responsveis pelas direes da luta. Esta conta com a

    participao efetiva de alguns lavradores acampados e com

    os representantes das entidades de apoio atuantes frente a

  • vrios segmentos sociais, engendrando e subsidiando

    material e ideologicamente a luta. O carter de

    inseparabilidade e separabilidade dessas instncias no

    representa uma mera contradio, revela elementos

    lingstico-discursivos prprios formao discursiva do

    Sem-Terra. Por uma relao de complementaridade e de co-

    dependncia, de um lado, encontram-se os lavradores

    plantando e cultivando a terra; de outro, as lideranas de

    carter poltico tambm em atuao. A contradio revela o

    lugar do sujeito enunciador e as vozes constitutivas de sua

    voz, de uma formao discursiva na qual se inscreve.

    Nos discursos, a ambigidade tem uma aparncia

    fugidia, pois cumpre a finalidade de refletir uma tenso

    entre descrio e interpretao no interior da Anlise do

    Discurso. Assim, enunciados que poderiam ser considerados

    como agramaticais, em conformidade com determinadas

    perspectivas tericas, em especial aquelas voltadas para a

    descrio da lngua(gem), ao se inscreverem em

    determinadas formaes discursivas, asseguram coerncia

    ao seu funcionamento. No exemplo acima, a contradio

    revela a unidade do sujeito, o seu lugar.

    O objeto da Lingstica aparece [...] assim

    atravessado por uma diviso discursiva entre dois

    espaos: o da manipulao de significaes

    estabilizadas, normatizadas por uma higiene

    pedaggica do pensamento, e o das transformaes

    do sentido, escapando toda norma a priori, de um

    trabalho do sentido sobre o sentido, tomado no lance

    indefinido das interpretaes. (Pcheux, 1998, p. 25).

    Usando, ainda, palavras de Pcheux, elimina-se,

    desta feita, o efeito mortal atribudo ambigidade.

  • As reflexes at ento arroladas acerca da natureza

    constitutiva do objeto discursivo e sua relao com a teoria

    reiteram que as contradies funcionam como regularidades

    nas formaes discursivas. Isto posto, analisar o discurso

    implica fazer aparecer e desaparecer as contradies que

    asseguram a coerncia das aes sociais que preenchem o

    cotidiano dos sujeitos. Como assegura Foucault (1995, p.

    173-174),

    a contradio funciona, ento, ao longo do discurso,

    como o princpio de sua historicidade [...] O discurso

    o caminho de uma contradio a outra: se d lugar

    s que vemos, que obedece que oculta. Analisar o

    discurso fazer com que desapaream e reapaream

    as contradies; mostrar o jogo que nele elas

    desempenham; manifestar como ele pode exprimi-

    las, dar-lhes corpo, ou emprestar-lhes uma fugidia

    aparncia.

    Esse entrecruzamento conclamado pela

    interioridade da linguagem, revelando a constituio de um

    lugar terico na Lingstica. Referimo-nos a uma

    formulao terica que engloba, de maneira indissocivel,

    sujeito, histria, ideologia e discurso. Noutras palavras, a

    transdisciplinaridade constitutiva da Anlise do Discurso

    deve-se a problemas encontrados no seio da linguagem.

    Trata-se, por um lado, de questes de linguagem que no

    encontram em outros campos da Lingstica possibilidades

    de interpretao, cujas explicaes remetem-nos s teorias

    do materialismo histrico, compreendidas como teorias da

    formao e transformao histrico-social; e por outro, de

    uma possibilidade de leitura e interpretao de toda e

    qualquer materialidade lingstica, tendo em vista a natureza

  • essencialmente ideolgica do signo, que nega a imanncia

    do significado e aponta uma possvel crise da lingstica

    imanente (referimo-nos a estudos lingsticos que focalizam

    a linguagem sem se preocupar com sua exterioridade).

    Nesse sentido, ressaltamos que quando recorremos a um

    dicionrio, fazemo-lo para verificar o significado de dada

    palavra, pois o significado j est posto, imanente; porm,

    em se tratando de Anlise do Discurso, nega-se a imanncia

    do significado uma vez que interessam os sentidos

    produzidos em decorrncia da inscrio socioideolgica e

    histrica dos sujeitos envolvidos.

    Ao lado das noes de lngua, linguagem e fala,

    acrescenta-se a noo de discurso, como um objeto

    especfico, de difcil apreenso, cuja natureza constitutiva

    traz em si contradies que funcionam como regularidades,

    como coerncia, como estrutura argumentativa, aspectos que

    rompem a perspectiva da anlise textual e/ou

    comunicacional.

    Entretanto, para alm de um modismo relacionado

    Anlise do Discurso, comum encontrarmos o uso de

    discurso referido como o objeto de estudo de outras

    subreas da Lingstica. Discurso, desprovido de um

    cuidado terico, considerado por vezes como equivalente a

    texto, outras vezes a fala, etc. Observe-se a esse respeito que

    a noo de disciplina, enquanto cincia, e os

    atravessamentos constitutivos das ramificaes da

    Lingstica tm implicaes no tratamento do objeto.

    A Anlise do Discurso implica operaes de leitura e

    interpretao que envolvem campos e problemticas dos

    domnios scio-histricos, uma vez que focaliza campos e

    problemticas encontrados no interior do domnio da

    Lingstica, e no em seu exterior. Mediante a concepo de

  • lngua predominante na Lingstica por longas dcadas, a

    concepo de linguagem (apreendida sempre em

    funcionamento) e a concepo de sujeito prprias Anlise

    do Discurso implicam uma ruptura de paradigmas, pois seu

    objeto encontra-se constantemente em movimento, no

    esttico, e, no o sendo, implica movncia de sentidos e

    deslocamentos.

    Embasado por esse vis terico, todo e qualquer

    corpus tomado para anlise apresenta-se-nos como um

    universo discursivo marcado por instabilidade, que explicita

    as movncias e a inquietude dos sujeitos.

    Para a anlise e interpretao de um corpus nessa

    perspectiva terica, considerando a prpria natureza do

    objeto, precisamos sair da materialidade lingstica em

    questo para compreend-la em sua exterioridade, no social,

    espao em que o lingstico, o histrico e o ideolgico

    coexistem em uma relao de implicncia, compreendidos

    como discursos (exterioridade langue e parole).

    Entretanto, trata-se de problemas encontrados na linguagem

    em funcionamento, que apontam a constituio de uma

    subrea da Lingstica, concomitante com tantas outras, das

    quais se diferencia pelo vis epistemolgico que orienta a

    maneira de focalizar o objeto.

  • Metodologia em Anlise do Discurso

  • Em Anlise do Discurso, h, conforme aponta

    Pcheux (1997a), um batimento entre teoria e interpretao.

    A partir desta considerao, apresentaremos algumas

    possibilidades metodolgicas de abordagem de corpora para

    anlise, tendo em vista que, neste campo disciplinar, teoria e

    metodologia so indissociveis, ou seja, s possvel se

    falar em metodologia envolvendo elementos tericos, a

    partir de alguns conceitos prprios Anlise do Discurso.

    Alm disso, conforme j assinalamos, o objeto tomado para

    anlise tambm pede a teoria, faz com que o analista recorra

    a conceitos ou busque esclarecimentos tericos para sua

    compreenso e anlise.

    Visando exposio de alguns aspectos

    metodolgicos para a anlise de discursos, apresentaremos

    as noes de recorte, conforme encontramos em Orlandi

    (1984); enunciado, segundo Foucault (1995); e trajeto

    temtico, como prope Guilhaumou (2002). Esses conceitos

  • contribuem para a sustentao terica de um trabalho de

    anlise e, ao mesmo, fornecem ao analista procedimentos

    metodolgicos para a seleo e organizao do corpus.

    1 A Noo de Recorte

    A noo de recorte apresentada por Orlandi (1984,

    p. 14) como unidade discursiva [...] fragmentos

    correlacionados de linguagem [...] um fragmento da

    situao discursiva, definido por associaes semnticas,

    acrescenta Voese (1998).

    Trata-se da seleo de fragmentos do corpus para

    anlise; ou seja, quando o analista escolhe seu objeto de

    anlise, ele precisa ainda selecionar pequenas partes,

    escolhidas por relaes semnticas, tendo em vista os

    objetivos do estudo. Se se prope analisar, por exemplo, a

    presena de discursos religiosos em determinado discurso

    poltico, o material tomado para anlise pode ser bastante

    amplo (entrevistas, pronunciamentos de determinados

    polticos, etc.), ento, o analista dever recortar, desse

    material mais amplo, fragmentos nos quais se encontram

    manifestaes de discursos religiosos. Entretanto, para

    proceder anlise, esses recortes devem ser considerados na

    inter-relao como o todo que constitui o corpus.

    O recorte pode atender tambm uma necessidade de

    delimitao do material, dada a sua extenso, pella

    focalizao de enunciados especficos, mas sua natureza e

    seleo so possveis somente mediante os objetivos da

    pesquisa.

    2 A Noo de Enunciado

  • A discusso / exposio da noo de enunciado

    empreendida por Foucault (1995) e sua articulao na

    Anlise do Discurso explicita a eficcia terico-

    metodolgica desse conceito para esse campo disciplinar.

    Como prprio da Anlise do Discurso, no se pensa teoria

    sem pensar metodologia, assim, a teorizao desse conceito

    possibilita tambm refletir sobre a constituio de corpus.

    Acerca da noo de enunciado em Foucault (1995),

    destacamos, inicialmente, que o enunciado se distingue de

    frase, proposio, ato de fala, porque: a) est no plano do

    discurso; b) no est submetido a uma estrutura lingstica

    cannica (no se encontra o enunciado encontrando-se os

    constituintes da frase); c) no se trata do ato material (falar

    e/ou escrever), nem da inteno do indivduo que o realiza,

    nem do resultado alcanado: trata-se da operao efetuada

    [...] pelo que se produziu pelo prprio fato de ter sido

    enunciado (Foucault, 1995, p. 94).

    Acerca desse conceito, Orlandi (1987, p. 17) reitera

    que o enunciado no est escondido, mas no visvel. Em

    suas palavras, a descrio almejada deve ser capaz de se

    mover com o seguinte paradoxo: o enunciado ao mesmo

    tempo no visvel e no escondido. Com Foucault, devemos

    compreender a existncia do enunciado em decorrncia da

    funo enunciativa. Por conseguinte, a compreenso do

    enunciado implica explicitar o exerccio dessa funo, suas

    condies de produo, o campo em que se realiza. Diante

    dessa problematizao, Foucault (1995, p. 100) coloca a

    seguinte interrogao: o que ocorreu para que houvesse

    enunciado? Trata-se de buscar na exterioridade de um

    enunciado determinado, as regras de sua apario; a relao

    que mantm com o que enuncia; aquilo a que se refere, o

  • que posto em jogo por ele. Afinal, como afirma o autor:

    por que esse enunciado e no outro em seu lugar? Nesse

    nterim, h uma relao que envolve os sujeitos, passa pela

    histria, implica um campo correlato, e envolve a

    materialidade do enunciado. Todos esses aspectos, de certa

    forma, j foram apontados por ns quando recorremos aos

    enunciados ocupao e invaso, e mencionados sua

    emergncia na histria, as posies sujeito que apontam e os

    discursos que se opem, os quais esses enunciados integram.

    Concernente relao sujeito e enunciado, sempre

    h um sujeito, um autor, ou uma instncia produtora. No

    enunciado h sempre uma posio-sujeito, ou uma funo

    que pode ser exercida por vrios sujeitos. A anlise do

    enunciado na Anlise do Discurso deve investigar qual

    essa posio-sujeito, que se inscreve na histria, lugar em

    que deve ser analisado. A historicidade do enunciado

    apresenta suas margens povoadas por outros enunciados,

    mostra-o correlacionado a um campo adjacente, um campo

    associativo constitudo por uma srie de outras formulaes,

    e um conjunto de formulaes a que se refere. Face

    historicidade prpria existncia do enunciado, a produo

    de sentidos vincula-se memria e reatualiza outros

    enunciados. Como atesta Foucault (1995, p. 114), no h

    enunciado que no suponha outros; no h nenhum que no

    tenha em torno de si, um campo de coexistncias. Dada a

    relao intrnseca com a histria, um enunciado torna-se

    sempre outro, mesmo havendo um regime de materialidade

    repetvel. A propsito, h sempre uma espessura material

    que constitui o enunciado, que compreende substncia,

    suporte, lugar, data. A mudana desses elementos revela a

    multiplicidade das enunciaes, a alterao de identidade do

    enunciado, caracterizado por mutabilidade (Esses aspectos

  • tambm j foram exemplificados com o enunciado terra e

    sua ocorrncia em diferentes discursos: religioso, do Sem-

    terra, da UDR, etc.).

    As caractersticas da funo enunciativa, conforme

    exposto funo referencial do enunciado, posio-sujeito, campo associativo, materialidade lingstica corroboram a interrogar a linguagem, no na direo a que ela remete,

    mas na dimenso que a produz (Foucault, 1995, p. 129), ou

    seja, quais so os aspectos histricos, sociais, ideolgicos

    que determinam tal produo? A proposta de anlise ento

    se volta para a descrio dos enunciados visando a explicitar

    suas condies de produo e as posies dos sujeitos a ele

    vinculadas.

    A evidncia primeira de um enunciado a sua forma

    material, materialidade lingstica verbal e/ou no-verbal,

    uma vez que o enunciado pode ser tambm uma imagem, ou

    o uso de cores, bandeiras, como a do Sem-Terra, por

    exemplo, etc. Ao discuti-lo no interior da Anlise do

    Discurso, Pcheux (1997a, p. 53) considera:

    Todo enunciado intrinsecamente suscetvel de

    tornar-se outro, diferente de si mesmo, se deslocar

    discursivamente de seu sentido para derivar para um

    outro... Todo enunciado, toda seqncia de

    enunciados , pois, lingisticamente descritvel como

    uma srie [...] de pontos de deriva possveis,

    oferecendo lugar interpretao.

    Essa observao reitera a importncia da

    historicidade do enunciado para a Anlise do Discurso,

    disciplina assim apontada por Pcheux (1997a, p. 60), j no

    contexto dos anos 1980: a Anlise de Discurso, tal como ela

    se desenvolve atualmente [...] se d precisamente como

  • objeto expl