carla jablonski - os livros da magia i

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  • 7/25/2019 Carla Jablonski - Os Livros Da Magia i

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    CARLA JABLONSKI

    AutoriaCarla Jablonski

    Criao de

    Neil Gaiman e John Bolton

    Digitalizao e Reviso

    Arlindo_San

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    Para Carol e Margot,

    minhas parceiras na busca de um

    corpo melhor por meio da magia...

    Introduo

    Neil Gaiman

    Quando eu ainda era adolescente, poucos anos mais velho que Tim Hunterneste livro que voc tem nas mos, resolvi que estava na hora de escrever meu

    primeiro livro. Ia se chamar Wild Magic (algo como Magia Maluca), e seriaambientado em uma escola particular britnica no muito importante, igualquelas de que eu recentemente escapara. Mas seria uma escola particular

    britnica no muito importante que ensinava magia. Tinha um jovem herichamado Richard Grenville e um par de viles maravilhosos que se chamavam

    Mister Croup e Mister Vandemar. Ia ser uma mistura de A Wizard of Earthsea(Um Mago de Terramar, um livro de fico cientfica para jovens), de Ursula K.Le Guin,A Espada na Pedra, de T. H. White, e, bom, eu mesmo, acho. Essa eraa idia. Parecia que aprender magia era uma histria perfeita, e eu tinha toda acerteza de que poderia ser bem convincente escrevendo sobre a escola.

    Tinha escrito umas cinco pginas do livro quando percebi que no tinha amnima idia do que estava fazendo e parei. (Mais tarde, aprendi que a maior

    parte dos livros na verdade escrita por gente que no tem a menor idia do queest fazendo, mas que mesmo assim acaba de escrever seus livros. Gostaria desaber isso naquela poca.)

    Anos se passaram. Eu me casei, tive filhos e aprendi a acabar de escrever ascoisas que comeava.

    Ento, em um certo dia de 1988, o telefone tocou.Era uma editora norte-americana chamada Karen Berger. Fazia pouco

    tempo que eu tinha comeado a escrever uma srie de quadrinhos chamadaSandman, que Karen estava editando, apesar de nenhum nmero ainda ter sidolanado. Karen tinha percebido que eu reunia uma espcie de conhecimentoobcecado e detalhista de personagens esquisitos e secundrios dos quadrinhos da

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    DC Comics, alm de ter a facilidade bizarra de organiz-los em algo mais oumenos coerente. E ela tambm tinha uma idia.

    Ser que voc no gostaria de escrever um gibi, ela perguntou, quecontasse a histria da magia no universo da DC Comics, abrangendo o passado, o

    presente e o futuro? Tipo um Quem Quem, mas com histria? Poderamoschamar a srie de Os Livros da Magia.

    Eu respondi: No, obrigado. Disse a ela que era uma idia boba umQuem Quem, uma histria e um guia de viagem que tambm era uma histria.Que idia mais ridcula, eu disse, e ela pediu desculpas por ter feito a sugesto.

    Na cama, naquela noite, quando j estava quase pegando no sono, fiqueiremoendo a ligao de Karen, pensando como aquilo tudo era ridculo. Querdizer... uma histria que comeasse no incio dos tempos... e fosse at o fim dostempos... e fazer com que algum se encontrasse com todas aquelas pessoasestranhas... e aprendesse tudo a respeito da magia...

    Talvez no fosse to ridculo assim...Ento dei um suspiro, com a certeza de que, se eu me deixasse levar pelo

    sono, de manh j teria esquecido tudo. Sa da cama e me arrastei pela casa atmeu escritrio, tentando no acordar ningum com minha pressa de anotar todasas idias que fervilhavam na minha cabea.

    Um menino. Isso. Precisava ter um menino. Algum inteligente e engraado,um cara que no se encaixa direito, que ficaria sabendo que tem o potencial deser o maior mago que o mundo j viu mais poderoso que Merlin. E quatroguias, que o conduziriam pelo passado, pelo presente, por outros mundos e pelofuturo, com a mesma funo dos espritos que acompanham Ebenezer Scroogeem Um Conto de Natal, de Charles Dickens.

    Por um instante, pensei em cham-lo de Richard Grenville, como o heri dolivro-que-eu-nunca-escrevi , mas aquele me pareceu um nome herico demais(afinal, o Sir Richard Grenville original era um capito de barco, aventureiro eexplorador). Ento dei a ele o nome de Tim, possivelmente porque a turma do

    Monty Pythontinha demonstrado que Tim era um nome pouco adequado para umfeiticeiro, ou talvez por me lembrar vagamente do heri do livro infantil demagia de Margareth Storey, Timothy and Two Witches(Timothy e Duas Bruxas).Achei que talvez o sobrenome dele poderia ser Seekings, e foi, no primeiro

    projeto que mandei para Karen uma pequena homenagem ao conto assustadorde magia e contrabandistas de John Masefield, The Midnight Folk (O Pessoalda Meia-noite). Mas Karen achou que era literal demais (porque Seekings podeser traduzido como algum que est procurando algo). Ento, com um golpe decaneta, ele se transformou em Tim Hunter (Hunter quer dizer caador emingls).

    E como Tim Hunter ele se sentou, piscou, limpou os culos na camiseta e sepreparou para enfrentar o mundo.

    (Na verdade, nunca cheguei a usar uma escola particular britnica no muitoimportante que s ensinava magia em histria nenhuma, e agora acho que nuncamais vou usar. Mas fiquei muito feliz quando Mister Croup e Mister Vandemar

    afinal apareceram em uma histria sobre os subterrneos de Londres, em umlivro chamadoNeverwhere.)

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    John Bolton, o primeiro ilustrador a desenhar Tim, tinha um filho chamadoJames que tinha exatamente a idade certa, que serviu de modelo para Tim, comcabelos desgrenhados e culos. Em 1990, foram publicados os primeiros quatrogibis que virariam a primeira Graphic Novel de Os Livros da Magia.

    Parecia que logo Tim teria um gibi mensal, que contaria suas aventuras edesventuras e o lento processo de aprendizado pelo qual ele precisaria passar,conforme planejara inicialmente o roteirista Ney Reiber, que deu a Tim vriascoisas entre elas, a mais importante foi Molly.

    Nessa nova srie de histrias-sem-desenhos , Carla Jablonski tomou para siuma tarefa desafiadora: no apenas adaptar as aventuras de Tim, mas tambminventar outras novas e, por todo o trajeto, lanar luz sobre a saga de um jovemque simplesmente pode crescer at se transformar no maior mago do mundo. Se, claro, ele conseguir viver tanto assim...

    Neil GaimanMaio de 2002

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    Prlogo

    Poeira. Por toda parte. A imundcie manchava as paredes. Nuvensfedorentas de fumaa de cigarro, aprisionadas ali por muito tempo, encardiram a

    pintura da parede, que um dia tinha sido branca e agora adotara um tom de guaenlameada. Quadros desbotados pendiam para o lado, como se estivessemcansados demais para ficar retos. Para qu?, pareciam suspirar. Quem vaiolhar para ns agora?

    Um balco comprido, marcado pelo tempo e pelas pontas de cigarro,acompanhava uma das paredes. Velas apagadas, que provavelmente nunca mais

    se acenderiam, pendiam de candelabros na parede, queimadas at a metade. Naltima vez que algum visitara esse local escondido, quase que deslocado notempo, o lugar tinha outros inquilinos. Isso foi antes de acabar o dinheiro, asfestas e as alegres comemoraes, antes de o desespero tomar conta do ambiente.L em cima, a vizinhana tinha mudado, e aquele clube subterrneo, exclusivoem seu tempo, foi abandonado pelas pessoas que buscavam o novo, o reluzente,o puro.

    Estava abandonado, mas no vazio.Agora, naquele poro mal iluminado de uma loja com tbuas nas janelas e

    na porta, em um bairro decadente de Londres, quatro homens de sobretudo

    observavam uns aos outros com cautela. A tenso estalava no silncio carregado.Respeito, precauo, antigas batalhas e novos desafios misturavam-se s sombras.Mesmo um observador distrado perceberia que aqueles quatro no eram homenscomuns. O prprio ar em volta deles era carregado, parecia que at a poeira serecusava a pousar sobre os casacos escuros. Mas ali no haveria nenhumobservador distrado. Aqueles homens eram muito espertos para isso.

    Fazia dcadas que ningum descia at ali, e ningum que passasse na ruapoderia imaginar a opulncia esmaecida naquela sala subterrnea. O edifciotinha passado por diversas mos. Era bem provvel que o atual proprietrionunca tivesse visto o poro. A loja no piso superior tinha janelas e porta fechadas

    com tbuas havia muitos anos, abandonada para apodrecer. Ningum perdiatempo espiando atravs das janelas, ningum tentava ver o que havia atrs dasgrades. O lugar tinha sido esquecido. Ou talvez estivesse escondido, disfarado.Com certeza aqueles senhores sabiam se mover na escurido.

    Algum acendeu um fsforo. O homem loiro, encostado em uma parede,levou a pequena chama at a ponta do cigarro e deu uma tragada profunda. Dosquatro, ele era o mais ambguo, o mais hesitante embora tivesse muitasresponsabilidades.

    No quero ter nada a ver com isso exalou as palavras com uma nuvemde fumaa. Deixou o fsforo se consumir at quase queimar seus dedos e ficou

    observando enquanto a chama se apagava.

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    Aponta do cigarro brilhou quando o homem deu outra tragada vagarosa. Eraa nica luz na sala alm do sol fraco de fim de tarde, que j esmaecia enquantotentava penetrar pelas manchas de sujeira. Mas aqueles homens no precisavamse ver para se comunicar. Tinham passado tempo mais que suficiente emcompanhia da escurido. Alm disso, cada um tinha uma habilidade diferente deenxergar.

    Constantine o homem conhecido apenas como o Estranho disse nadireo do cigarro. A voz dele ressoava de autoridade, mas no revelavanenhuma impacincia, porque sabia que John Constantine sempre representavaum desafio. Principalmente autoridade. Era uma qualidade que lhe agregavamuito valor. Achei que tivesse sido bem claro. No temos escolha.

    Por que no? Constantine quis saber. E no comece a falar daporcaria do livre-arbtrio de novo, porque podemos ficar uma semana discutindoisso.

    Dr. Oculto, que estava observando a rua atravs das janelas imundas, virou-se e pigarreou.

    Acho que o nosso amigo quer dizer que...Constantine o cortou abruptamente.

    Meu amigo no, cara. No hoje em dia o tom de sua voz poderia afiaruma lmina.

    O Estranho e Dr. Oculto trocaram um olhar. Se me permite terminar, senhor Constantine... o que o nosso amigo est

    tentando dizer muito simples: o garoto uma fora natural, para o bem ou parao mal. E s depende de ns canalizar essa fora para o bem e, quem sabe, para amagia.

    Quando acabou de falar, Dr. Oculto lanou outro olhar para o Estranho,perguntando a si mesmo como suas palavras seriam recebidas. Constantine deumais uma longa tragada no cigarro e no disse nada. Os outros sabiam que noadiantava tentar prever a reao de Constantine, nem esperar lealdade por partedele. Nunca era inteligente esperar nada quando se tratava de Constantine.

    O quarto homem surgiu do meio das sombras, com os olhos cegosescondidos atrs de culos escuros.

    Digo que devemos mat-lo declarou Mister Io. E pr logo um fimnesse assunto.

    A energia na sala mudou. Mister Io podia sentir a desaprovao dos outros.Os trs concordavam entre si, e estavam contra ele. No gostava de estar emdesvantagem, mas no aprovava a posio dos outros e estava disposto a levarseu argumento adiante. Sabia que estava certo sobre a questo. Os outros eramtolos, condescendentes. Ele podia gui-los. E esse era seu dever.

    Como almas justas, nossa responsabilidade pr um fim nesse assunto Mister Io disse.

    Claro que os outros reconheciam sua sabedoria. Era muito bvia, at mesmopara estas trs figuras de moral ambivalente.

    Precisamos nos assegurar de que esse poder no caia nas mos erradas.

    No vai haver matana nenhuma afirmou o Estranho, mantendo o tomde voz neutro. Nosso papel simplesmente educar, oferecer uma escolha a ele.

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    Por acaso algum d escolha a um co raivoso? argumentou Mister Io. Isso no tem nada a ver com a questo, Io. O garoto no nenhum

    cachorro a voz do Estranho ficou mais dura e seu maxilar quadrado se apertou. Ele uma criana humana. Uma criana humana normal.

    Normal? Por que no podemos deixar o menino em paz? perguntou

    Constantine, aprofundando-se ainda mais nas sombras da sala. Se ele vaidominar a magia, pode muito bem chegar l sozinho. No precisa de ns.

    Constantine, se ele resolver escolher o caminho da magia, ento vaiprecisar decidir com responsabilidade disse o Estranho. Ele sabia queConstantine tinha conscincia disso. Ainda assim, essa afirmao se fazianecessria. Ele precisa conhecer o labirinto bem o suficiente para percorrer ocaminho verdadeiro dentro dele.

    E tambm tem o pessoal que desejaria mostrar a ele um outro caminho avisou Dr. Oculto. A Chama Fria j sabe da existncia dele. Minhas fontesdisseram que ainda esto discutindo o que fazer.

    Como que voc sabe disso, Oculto? perguntou Mister Io. Adesconfiana fazia seus olhos cegos se contorcerem atrs dos culos. Voc secomunica com as foras da escurido?

    Dr. Oculto no se ofendeu. J estava acostumado com Mister Io. Voc v um traidor em cada sombra, Io disse sem rancor. Tenho as

    minhas fontes. Prefiro no fazer comentrios sobre esse assunto por enquanto.Constantine ergueu o corpo, sentou-se sobre o balco e ficou com os ps

    balanando, como uma criana. A nica coisa de que temos certeza que no temos certeza de nada.Para o Estranho, a atitude infantil de Constantine se refletia na afirmao

    adolescente. Esse foi um comentrio particularmente estpido, John Constantine o

    Estranho estava comeando a ficar cansado daquela discusso. Luz eescurido, vida e morte. Essas coisas so eternamente invariveis.

    Constantine suspirou. Tudo bem. No vou mais discutir com voc, chefe. Qual o seu plano?O Estranho quase sorriu. Constantine costumava ser petulante quando tinha

    que se render. Vamos iluminar o menino disse o Estranho. Mostraremos a ele o

    que a magia de verdade, o que era e o que pode ser. Ele tem potencial para setransformar no humano versado mais poderoso de seu tempo. Est em nossasmos assegurar que ele escolha seu caminho com sabedoria. Essa a nossamisso e o nosso fardo e deixou a afirmao ressoar na obscuridade.

    Estamos de acordo? virou-se para onde Dr. Oculto estava parado,perto das janelas. Doutor?

    Concordo respondeu Dr. Oculto com um aceno de cabea brusco. Vou mostrar a ele a Terra das Fadas.

    Mister Io?

    Se vocs so molengas demais para despachar o menino, ento acho quedevo educ-lo. Se ele chegar assim to longe, ento eu o conduzirei at o fim.

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    Constantine?Constantine inclinou-se para a frente, apoiou os cotovelos nos joelhos e

    deixou a cabea cair para o lado. Lanou um olhar oblquo para o Estranho edisse:

    , est certo e, de um salto, desceu do balco. Darei uma viso geral para ele. Vou apresent-lo aos competidores, para

    ele ter uma idia do quanto custa comear. Ento estamos combinados afirmou o Estranho. Comea por mim.

    Vou mostrar as origens e a histria da magia.Um estalar de ansiedade eltrica tomou os quatro homens.

    Vamos embora.Trs deles dirigiram-se porta que s eles sabiam onde ficava. Constantine

    demorou-se um instante, saboreando o restinho do cigarro. disso mesmo que o mundo precisa resmungou, jogando a bituca no

    cho e amassando-a nas camadas de tempo que ali tinham se acumulado , oprotegido da Brigada dos Encapotados.

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    Captulo Um

    Para que serve essa porcaria de produto interno bruto? O que me importa

    o principal produto de exportao do Chile? Tem umas coisas que eu gostaria de

    exportar para o Chile, o Bobby Saunders para comear, mas ningum pergunta

    o que eu acho, no mesmo? Ningum nunca pergunta.

    Ser que a escola precisa mesmo ser to chata? Seria uma exigncia do

    conselho de educao? Deve ter alguma coisa levemente interessante dentro de

    todos aqueles livros. Algum se interessou bastante, tanto que os escreveu. A

    Molly tambm est de saco cheio, d para ver pelo jeito que ela fica rodando o

    lpis de um lado para o outro deve estar desenhando na margem do caderno,

    como sempre faz. Por que a gente nunca aprende nada de interessante, como asrespostas para as questes importantes de verdade, como por que as coisas so

    to aleatrias, ou como que se decide quem nasce pobre e quem nasce rico? E

    por que so sempre as pessoas erradas que do as ordens? Mas a escola no

    lugar para fazer perguntas assim to perigosas.

    * * *

    Timothy Hunter ajeitou os culos em cima do nariz e tentou prestar ateno.Mas no teve muita sorte. Os Estudos Sociais realmente no conseguiam segurar

    seu interesse. No quando havia tantas coisas interessantes bem ali, do lado defora da janela. Talvez no, pensou, com o olhar deslizando pelo ptio vazio daescola, o alambrado, a lmpada quebrada no poste da esquina.

    O que ser que a Molly est fazendo agora?, Tim olhou para trs quandoo professor Carstairs comeou a desenhar um grfico na lousa. Molly tinha umsorriso dos mais estranhos no rosto, por isso Tim sabia que ela no estavaanotando os fatos e nmeros que o professor ditava com aquela voz montona.Claro, eu tambm no, pensou, virando algumas pginas do caderno paraencontrar uma folha em branco. Se o professor resolvesse caminhar pelo meiodas fileiras, Tim no iria querer que ele visse o que tinha escrito.

    Tim inclinou a cabea, como se estivesse escrevendo com muita ateno, edeu mais uma olhada em Molly por baixo da dobra do cotovelo. Neste ano, haviaalgo diferente em Molly. Eles se conheciam a vida inteira e ele tinha passadomuitos anos tentando se esconder dela, mas ultimamente ela j no o irritavamais tanto quanto as outras pessoas. Ultimamente, ela era a nica pessoa comquem ele tinha vontade de conversar, e uma das poucas que ele deixava entrar noapartamento quando seu pai estava em casa.

    O que ocorria na maior parte do tempo, j que ele nunca se levantava de suapoltrona reclinvel.

    Talvez a Molly no tenha mudado, Tim refletiu. Talvez seja eu.

    Nada parecia se encaixar ultimamente. E no era s porque seu tnis tinhaficado pequeno e ele ainda no tinha conseguido pedir um novo para o pai. Tim

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    se sentia irrequieto o tempo todo, como se tivesse crescido por dentro e a parte defora no tivesse espao para acomodar seu novo tamanho. Mas s vezes elesentia exatamente o oposto: que por fora tinha chegado adolescncia oficial(afinal, ele estava com 13 anos!), mas por dentro se sentia menor, desprotegidocomo um caramujo fora da casca. No era por acaso que no encontrava sapatosque lhe servissem.

    Voc mesmo bobo, Tim deu uma sacudida forte na cabea, como quepara clarear as idias. A Molly tinha razo. Um dia desses, ele ia pensar tantoque seu crebro explodiria. Disse a si mesmo para calcular o tempo certo para tal,como se faz em uma prova-surpresa. Pelo menos a classe inteira iria se beneficiarde seu desaparecimento prematuro e dramtico.

    O sinal tocou e Molly ergueu a cabea para olhar para ele. O cabelo escuroe grosso caa sobre um de seus ombros magros. Ela revirou os olhos castanhoscomo quem diz: Por que o sinal demorou tanto?, e levantou-se da cadeira.Pegou os livros e foi at a carteira de Tim, esperando para que voltassem juntos

    para casa.Tinha acabado. O dia chegara ao fim. A semana chegara ao fim. Havia um

    fim de semana inteiro de liberdade pela frente. No que Tim tivesse algum plano.No que houvesse alguma coisa para fazer. Mas pelo menos poderia ir a qualquerlugar, estar em qualquer lugar, na hora que quisesse. Bem, isso no eraexatamente verdade. De bolso vazio e com hora para chegar em casa, seushorizontes eram um tanto limitados.

    Mas tinha a rua, o porto e os terrenos baldios, e toda a imundcie cinzenta deLondres, sem superviso e sem regras (nada de sinais tocando para avisar a horade trocar de matria). Ele poderia ler, escrever, sonhar, flutuar para onde quisessecom a imaginao. E chegaria mais rpido ainda em cima de seu skate.

    Por que voc est demorando tanto? perguntou Molly. Tem colana sua carteira?

    Tim pegou os livros e se levantou com um salto. Vamos explodir a barraquinha de soda disse, repetindo o que ouvira

    em um filme de gngsteres que o pai tinha visto na TV na noite anterior. O que barraquinha de soda? Molly perguntou, enquanto desciam a

    escada da escola. Sei l Tim admitiu. Acho que s quer dizer vamos dar o fora

    daqui. T nessa! Molly respondeu com entusiasmo. Tem algum plano para o fim de semana? perguntou Tim.A famlia de Molly era grande, ento ela sempre estava ocupada em casa.

    Bom, deixe-me ver. Acho que primeiro tenho um discurso marcado noParlamento, para tratar de algumas leis novas. Depois tenho um baile com VossaMajestade, a rainha. E depois, acho que vou ter que levar os menores ao mdicoenquanto a minha me e o meu pai cuidam dos maiores e fazem compras.

    Que vida social Tim disse, rindo. Tirou o ioi do bolso e fez amanobra do cachorrinho passeando, depois a volta ao mundo, enquanto os dois

    caminhavam para casa. Como Molly morava alguns quarteires adiante,chegaram primeiro casa de Tim.

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    E voc? perguntou Molly na entrada do prdio de Tim.Estava torcendo a ponta de seus longos cabelos com os dedos.Tim deu de ombros.

    Voc sabe. O de sempre. Vou ficar vendo a grama crescer. A poeirajuntar em cima do meu pai.

    Se quiser, me liga disse Molly. Adoraria ver se a grama cresce emcima do seu pai e se a poeira junta em cima do gramado!

    Tim riu. Isso sim seria interessante. Ah, no Molly discordou com um sorriso travesso. Interessante

    mesmo seria escapar da morte por tdio. Tdio uma palavra que nem passa pela minha cabea quando eu penso

    em voc, Mol afirmou Tim. mesmo? perguntou Molly. respondeu Tim.Molly sempre tinha as idias mais malucas e mais legais para as aventuras.

    A maioria era apenas sua imaginao, mas eram animadas, divertidas. Timgostava de se refugiar nas idias malucas de Molly junto com ela.

    Um leve rubor se instalou em suas bochechas brancas. A gente se fala disse, apressada, e continuou seu caminho. , a gente se fala gritou Tim atrs dela.Guardou o ioi de volta no bolso, respirou fundo e se preparou para entrar

    em casa.Fazia trs anos que sua me tinha morrido em um acidente de carro, o

    mesmo em que seu pai perdera um dos braos. Desde ento, este tinha umarelao profunda com a bebida e a melancolia. Ainda assim, Tim sempre torcia

    para encontrar alguma coisa diferente quando abria a porta de casa, ou cada vezque descia a escada. Mas seu pai nunca mudava, e isso sempre o fazia se sentirum idiota. O que seria preciso para tirar o pai do mundo em que atualmentevivia? Um milagre. Ou magia.

    E eu?, pensava Tim enquanto abria a porta de casa para entrar naescurido profunda que reinava l dentro. Ele tambm tinha perdido uma pessoaquerida, mas o pai agia como se fosse o nico a sofrer. Tim sentia falta da mecom aquela mesma sensao fantasmagrica que imaginava que seu pai sentia

    pela falta do brao, o mesmo choque repentino de constantemente redescobrir aausncia. E Tim sentia falta do pai tambm. Essa nova verso era um substitutomuito menos do que adequado.

    Voc precisa ver as pernas dessa moa gritou o pai da poltrona nafrente da TV, ao ouvir Tim entrar. Ela era linda mesmo, essa a. Naqueletempo o pessoal sabia como fazer um filme. Virou a garrafa de cerveja,tomou-a de um gole e colocou-a na pilha de garrafas vazias ao lado da poltrona.

    A sala estava escura, as cortinas fechadas, como sempre. A nica luz vinhados filmes antigos em preto e branco da TV. O pai vivia em um mundo em pretoe branco. As cores tinham sido removidas da casa. As cortinas nunca se abriam,

    as luzes raramente se acendiam. No lusco-fusco obscuro em que viviam, s haviasobras e uma iluminao fraca... sempre em tons de cinza.

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    , pai Tim disse, subindo a escada para o quarto com rapidez. Voc quem sabe.

    Tim no conseguia agentar. O dia estava to bonito l fora, ele nosuportava ficar preso com os fantasmas e a escurido permanente. Pegou o skateno canto ao lado da cama, onde ficava guardado, e desceu a escada a todavelocidade. Com o skate embaixo do brao, abriu a porta de casa.

    Vai sair? gritou o pai, sem tirar os olhos da televiso. No demoro respondeu Tim, e deixou a porta bater atrs de si.Respirou fundo. O ar de outono, fresco e claro, encheu seus pulmes. Olhou

    para os dois lados da rua. Nenhum sinal de Molly. Ser que ele devia ir at a casadela? Resolveu que no. No queria companhia naquele momento. S queria semovimentar.

    Colocou o skate no cho e foi dando impulso lentamente, com um p. Essaregio de Londres no era muito mais colorida que sua casa: a sujeira empilhadaem terrenos baldios abandonados, o cinza das caladas, as cores institucionaisdos conjuntos habitacionais, o rosto cinzento e cansado dos desempregados comroupas lavadas tantas vezes que toda a cor j tinha ido embora. Havia manchas

    pretas para quebrar a monotonia (piche, grades, barras de ferro e portes), masem geral era um mundo cinzento de cimento, poluio e sonhos despedaados.De realidade.

    Pelo menos ele podia fugir em cima de seu skate.Tim pegou velocidade e se abaixou bastante, andando junto ao meio-fio.

    Sentiu a brisa bater no rosto, bagunando o cabelo escuro. O mundo virou umborro, e ento algumas manchas coloridas se destacaram da paisagem cinzenta:a samambaia verde da senhora Waltham, alguns maos de cigarro e pacotes desalgadinho jogados no cho, um carro vermelho, um carro amarelo estacionadona frente do bingo. Na velocidade em que estava, dava para imaginar um mundo

    bonito.Tim foi na direo sul, passando por seu terreno baldio preferido. Ele

    conhecia todos os melhores lugares: ruas vazias e semidestrudas onde no teriaque se preocupar nem com carros nem com pedestres, onde podia pegarvelocidade e testar novas manobras. Parou, abriu os braos e gritou:

    Demais! com o melhor (ou o pior) sotaque americano que conseguiu,imaginando as ondas molhando seu rosto.

    Rindo, feliz por no ter ningum ali para ver, parou para calcular o nguloexato para subir na rampa. Ele ia fazer um areo!

    De repente, ouviu um tamborilar estranho e olhou em volta. No dava parasaber de onde vinha, e achou que devia ser alguma coisa batendo contra umaconstruo. Ajeitou o skate e subiu na rampa, executando uma manobra perfeitaquando voltou ao cho.

    Legal! gritou, socando o ar. Pena que no tinha convidado Molly paravir junto. Ela teria ficado impressionada.

    Feliz da vida, rodou mais um pouco at parar e puxou a ponta da camisetapara enxugar o suor do rosto. quela altura, j estava com a respirao acelerada.

    Ergueu a cabea de repente. L estava o tamborilar de novo, cada vez maisalto. Isso no nenhum galho de rvore, pensou. Estava chegando mais perto.

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    Sem ter muita certeza do que estava fazendo, Tim lentamente deu impulsono skate. O som agora parecia vir de todo lugar, ecoando sua volta. Mas notinha como saber exatamente de onde vinha. Parou de novo, com uma estranhasensao de temor.

    De repente, uma mo lhe agarrou o ombro. Virou-se para trs e viu um cegode bengala se debruando sobre ele. Seu cabelo era grisalho nas tmporas.

    Voc acredita em magia? perguntou o homem, com muita nfase. Me larga! Tim gritou, escapando da mo do homem. Pulou em cima

    do skate e se afastou dali rapidinho. O homem no era preo para o melhorskatista de todos os tempos, um super-heri de skate, o campeo olmpico deskate...

    Opa! Ele cantou as rodinhas para parar. Outro homem de sobretudo surgiudas sombras da passarela.

    Tim disse o homem , s queremos conversar com voc.Tim virou o skate como um profissional, tomou impulso e pegou velocidade.

    Sua mente corria to rpido quanto o skate. Como que ele sabe o meu nome?,perguntava a si mesmo, sentindo um arrepio.

    Tim deu uma virada brusca, entrou em um beco e precisou parar de repente,de novo. Mais um homem de sobretudo estava parado ao lado das latas de lixo naoutra ponta. Ningum me avisou que tinha loucos solta. Tim se abaixou,segurou o skate e fez uma rpida curva em U para sair dali.

    Com esse so trs, pensou. O corao dele disparava no peito. Esto emtoda parte. Mas ele no estava com medo. Pelo contrrio, estava animado com a

    perseguio, com o perigo em potencial, tranqilo com a conscincia de queaqueles velhos de sobretudo no conseguiriam acompanh-lo.

    Desceu a toda velocidade uma rua ngreme, sentindo a brisa esfriar o suorde seu rosto. A liberdade de movimento ladeira abaixo o deixou animado.

    Voc no me pegam! gritou.Abaixou-se bem e entrou na rea de carregamento do armazm vazio. Sabia

    que ali poderia escapar sem que ningum o visse. Ningum me pega, pensoucom orgulho. Nem guardas, nem esquisites, nem professores, ningum.

    Tim saiu do outro lado, em uma rua de lojas, na maioria fechadas. Otamborilar j tinha desaparecido havia muito tempo. Estava sozinho. Tinhaescapado.

    Ento, ouviu um som bem baixinho, como se algum tivesse acendido umfsforo. Antes de poder se virar para olhar, sentiu algum agarrar seu ombro comviolncia.

    Peguei! um homem loiro puxou a gola do moletom com tanta foraque o fez escorregar do skate, que saiu deslizando sozinho pela rua.

    Ei! Tim gritou. Me larga.O homem continuou a segurar Tim pela gola, olhando para ele com um

    sorriso cheio de malcia. Tim logo percebeu que no adiantava nada tentarenganar aquele cara. Ele era mais jovem do que os outros.

    Oi Tim disse o homem.

    Sua voz grave parecia simptica, mas todos os sentidos de Tim estavam emestado de alerta mximo.

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    Os olhos azuis do homem se voltaram para a calada. Que skate legal o seu e deu uma tragada no cigarro que acendera

    antes.Tim esperneou, lutando para se livrar da mo do homem. Sabia que

    provavelmente no conseguiria escapar, mas no queria que o homem soubesseque ele sabia.

    Na verdade, o homem loiro nem parecia se dar conta que algum estava sedebatendo contra ele.

    Bom, voc no vai tentar me morder, Tim disse, de modo amvel. Tem umas coisas na minha corrente sangnea que voc no vai quererexperimentar.

    O que ele queria dizer com aquilo? Tim parou de tentar escapar. No vamos machucar voc o homem prosseguiu. S queremos

    uma palavrinha, entendeu?Tim no conseguia dizer com certeza de onde era aquele sotaque, apesar de

    achar que o homem no vinha de nenhum bairro chique. Quem voc? quis saber. da polcia?Ele sabia que nunca tinha feito nada para que a polcia estivesse atrs dele,

    mas meio que gostava da idia de talvez ser suspeito. Fazia com que ele sesentisse perigoso e interessante.

    No. Trabalho com a iniciativa privada respondeu o homem loiro. Os outros trs tambm sorriu, como se estivesse contando uma piada. Mais

    privado do que isso impossvel, no atual estado das coisas.Ento soltou Tim e se recostou numa parede de tijolos. Examinou o garoto

    como se ele fosse um objeto de pesquisa, fazendo Tim ficar acanhado. Passou amo pelo cabelo despenteado e ficou pensando se precisava ou no ir ao barbeiro.

    O cabelo do homem loiro era bem curto, e seu rosto fino tinha rugasprofundas. Tim achou que devia ter quase 40 anos. Ou ento tinha vivido demais.

    O que queriam com ele? Ser que estava encrencado? Talvez fossemgngsteres e quisessem us-lo em alguma onda de crimes, em algum negcio dotipo ningum-vai-suspeitar-de-uma-criana-mesmo .

    O que eu fao se quiserem que eu roube um banco com eles ou qualquercoisa desse tipo? Tim sentiu o corao bater mais rpido.

    O homem loiro deve ter sentido que Tim estava ficando cada vez maisagitado, em vez de se acalmar.

    Relaxe disse. No estamos aqui para machucar voc. No vai terconfuso nenhuma. Quer dizer, no do tipo que voc est pensando.

    Tim corou. Ficou imaginando o que o homem achava que estava passandopela cabea dele.

    Os outros chegaro em um segundo.Como se as palavras do homem tivessem provocado aquilo, de repente Tim

    se viu rodeado pelos quatro homens, todos de sobretudo. Reparou que os quatroeram bem maiores do que ele.

    Um deles, com chapu de aba escura bem enfiado na testa, deu um passo

    frente. O rosto dele era forte e anguloso, mas o chapu envolvia seus olhos emsombras.

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    Timothy Hunter, meu parceiro lhe fez uma pergunta. Voc acredita emmagia?

    Falava como se fosse diretor de escola, como se estivesse acostumado a darordens. Tim ficou incomodado. Com isso e com a pergunta idiota. Esses carasso uns palhaos.

    S Tim retrucou. E acredito na fada dos dentes de leite e nomonstro do Lago Ness tambm Tim cruzou os braos em uma posiodesafiadora. No sejam idiotas.

    No sou idiota o homem disse. Ele no parecia louco, s queriamesmo uma resposta. Vou perguntar de novo: voc acredita em magia?

    Os quatro homens concentraram a ateno em Tim. A intensidade fez comque um fio de suor escorresse por baixo de seu cabelo. Eles estavam falandosrio. Percebeu que, se continuasse respondendo com agressividade, nunca selivraria deles. Refletiu sobre a questo e achou melhor responder comsinceridade.

    Eu... acreditava quando era pequeno. E s vezes queria que a magiaexistisse. Isso faria as coisas... sei l... melhores? Mais esquisitas? Maisemocionantes? baixou os olhos e olhou para os ps. Mas igual ao Papai

    Noel, no ? A gente cresce e descobre que essas coisas no existem. Timenfiou as mos nos bolsos e ficou remexendo nas moedas, nas chaves, no ioi.

    Menino, a magia existe.Tim ergueu os olhos. Dava para ver cabelo branco saindo de baixo daquele

    chapu. Aquele parecia ser o mais velho do grupo. No era nenhuma surpresa elefalar como um diretor de escola.

    Existem poderes, foras e domnios alm dos campos que voc conhece.Tim deu uma risada.

    Eu no conheo nenhum campo disse. Sou um garoto da cidade. Quando digo campos, menino, no estou falando de...O homem loiro deu uma risada ferina e sorriu para Tim.

    Voc no sabe quando algum est tentando levar voc na conversa? disse, provocando o homem de cabelo branco. Voltou-se para Tim, cheio dehumor brilhando nos olhos azuis. Tudo certo, garoto. No fomos apresentadosda maneira adequada. Eu sou John Constantine.

    Tim percebeu que estava gostando desse a. Alguma coisa na atitude deleparecia... legal. Tipo, nada seria capaz de tir-lo do srio. Tim queria ser assimquando chegasse ao colegial.

    Ah, oi. Eu sou Tim Hunter. S John Constantine jogou o cigarro no cho e o amassou com o p.

    A primeira regra da magia: no deixe que ningum saiba seu nome verdadeiro.Nomes tm fora.

    Mas voc me falou o seu nome Tim retrucou. Falei? Constantine lanou um sorriso torto e uma piscadela para ele.

    No se esquea de que existe uma diferena muito grande entre o nome dealgum e como essa pessoa se chama. Sabemos que voc se chama Timothy

    Hunter, mas, se esse no for seu nome verdadeiro, no pode ser usado paraexercer poder sobre voc. Mas, de qualquer forma, talvez eu esteja aqui s de

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    acompanhante. Diferentemente destes trs aqui. Fez um movimento com acabea, indicando os outros trs homens, um mais srio do que o outro.

    Tim tirou o ioi do bolso e comeou a brincar com ele. Queria parecer todesencanado quanto John Constantine.

    Ento, qual o seu nome? perguntou ao homem parado ao lado dele. Voc no estava escutando? o homem o repreendeu. Este tambm

    usava um chapu de abas, mas o cabelo dele era castanho-escuro, mais escuroque o de Tim. Nunca pergunte o nome de algum. Em vez disso, pergunte s

    pessoas que voc vier a conhecer como elas gostam de ser chamadas. Isso vaievitar muitos problemas.

    Tim revirou os olhos. No precisava levar sermo. mesmo? Ento como que voc se chama? Os homens me chamam de Dr. Oculto.Tim queria perguntar como as mulheres o chamavam, mas achou melhor

    no. Em vez disso, fez mais um movimento com o ioi e se virou para o homemdo outro lado.

    Antes mesmo que Tim tivesse a oportunidade de perguntar, o cego disse: Todo mundo me conhece como Mister Io.Que maneiro, Tim pensou. Como que ele sabia que eu estava olhando

    para ele? Talvez no fosse cego de verdade. Talvez estivesse fingindo. Entopercebeu o nome que o homem tinha mencionado.

    Mistrio? perguntou Tim. Mister Io corrigiu o homem.Que ridculo.

    Voc mesmo que inventou? provocou Tim. Voltou-se para o homemde cabelo branco que parecia diretor de escola. Ento, quem voc?

    perguntou. Professor Esotrico? Capito Ningum? No exijo nome nem ttulo, Timothy Hunter. Mas eu espero que algum

    dia, talvez, voc venha a me chamar de amigo. At esse dia, devo ser umestranho.

    Isso j era um pouco demais. Eles eram graves e pesados demais. Estavamquerendo aprontar alguma, mas Tim no conseguia sequer comear a imaginar oque poderia ser. Queria que andassem logo com aquilo.

    No acredito em nada disso! exclamou. O que est acontecendo? algum tipo de piada? Algum reality showdistorcido da TV?

    Nada de piada disse o Estranho. Nada de truques. Estamos aqui para lhe apresentar uma escolha afirmou Dr. Oculto.

    Voc quer que a magia faa parte da sua vida, menino? Cruzou os braossobre o peito e olhou para baixo, para Tim.

    Estou rodeado por quatro malucos, Tim pensou. Isso uma idiotice. Esse negcio de magia no existe. Recolheu o

    ioi para a palma da mo e acenou para os homens com desdm.Com um movimento rpido, Dr. Oculto tirou o ioi da mo dele.

    Ei!

    Dr. Oculto segurou o ioi com as mos em concha. Os olhos de Tim searregalaram quando uma coruja apareceu com um raio de luz.

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    O-o qu? Isso... m-mas... gaguejou Tim. Ficou observando a corujabater suas asas poderosas e voar at o parapeito de uma janela logo acima. Acoruja prendeu a ateno de Tim por um momento, e ento ele se voltou para Dr.Oculto mais uma vez.

    Voc...? No sacudiu a cabea com firmeza. Foi s um truque. Umtruque de mgica.

    No respondeu John Constantine. Pelo menos no do jeito quevoc est pensando.

    No truque concordou Dr. Oculto. Isso magia.Tim olhou para a coruja novamente. Surpreendente. H um minuto, Dr.

    Oculto estava segurando um brinquedo de plstico nas mos. Agora um pssarovivo, que respirava, olhava para eles.

    Se eu soubesse fazer uns truques desses, pensou Tim, a Molly ficariamesmo impressionada. E por que ficar s transformando brinquedos em

    pssaros? Com a magia, ele poderia arrumar uma bab para a famlia de Molly,para que ela no tivesse que ficar sempre cuidando dos irmozinhos. Poderiagarantir que eles sempre tivessem o que comer e que o apartamento semantivesse limpo mesmo quando a me dela ficava meio esquisita. A magia

    poderia fazer muitas coisas.Tim sentiu uma animao crescer em algum lugar bem dentro dele, alguma

    coisa que s estava l esperando para sair. Virou-se para Dr. Oculto: Eu seria capaz de fazer isso?Os quatro homens trocaram um olhar silencioso. Tim no conseguia decifrar

    aquilo. A expresso deles era impenetrvel. Ser que tinha dito algo errado?O Estranho respondeu:

    Se for este o caminho que voc escolher, sim.Tim sentiu o corao se acelerar, da mesma forma que ocorria quando ele

    dava um salto com o skate e voltava para o cho depois de uma manobra perfeita. por isso que estamos aqui prosseguiu o Estranho. Nosso papel

    educar voc, Timothy. Mostrar o caminho do encantamento, da arte, do oculto edo feitio. Se voc vai escolher seguir este caminho depois, problema seu.Voc quer embarcar nessa viagem, Timothy Hunter?

    Se eu pudesse fazer uns truques daqueles, pensou Tim, todo mundo ia terque me tratar de outro jeito. Eu no ia ter que agentar desaforo de ningum.

    Nunca. Nunca mais.Engoliu em seco. No fazia a mnima idia do que significaria aceitar,

    continuar conversando com aqueles caras esquisitos. Mas no estava nem a. Jsabia a resposta.

    Eu vou com vocs declarou Tim. s me mostrar o que eu precisofazer.

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    Captulo Dois

    Tim ficou esperando a reao dos homens de sobretudo. Em vez de fazeremalgo, s ficaram l, em um silncio pesado.

    Eu j respondi disse Tim. Vamos l. Eles j o tinhamincomodado por tanto tempo, e agora estavam enrolando? No fazia sentido. Ele

    percebeu claramente que nada daquilo fazia o menor sentido. Ele respondeu afirmou o Estranho.Ele parecia desejar que os outros trs reconhecessem aquele fato, mas

    ningum disse nada. Constantine jogou a bituca de cigarro no cho e a amassou

    com o calcanhar. Enfiou as mos nos bolsos do sobretudo comprido. Dr. Ocultoassentiu com a cabea lentamente e sorriu, quebrando a rigidez do rosto. MisterIo continuou imvel, silencioso, com a boca fechada em uma linha firme e cheiade raiva.

    Todo aquele silncio deixou Tim nervoso, mas ele no deixaria que oshomens percebessem. Deu um passo na direo do Estranho.

    Ento, para onde que a gente vai? quis saber. Vamos entrar por aquela porta.Como se aquilo respondesse alguma coisa.

    Vocs so pagos para falar em charadas, por acaso?

    Com um bater de asas, a coruja se acomodou no ombro de Tim. Ele tentouse desviar dela, assustado com o movimento repentino, mas a coruja se agarrouao moletom dele, como se estivesse reclamando o menino para si.

    Ai reclamou Tim. Virou o pescoo para olhar para o animal. Vocprecisa cortar as unhas, Ioi.

    Voc deu um nome a ele Dr. Oculto observou. Agora o pssaro seu.

    Claro que ele meu declarou Tim, sem pensar. No fiquei semcomer chocolate trs dias juntando dinheiro para comprar aquele ioi toa.

    A coruja se ajeitou de modo mais confortvel sobre o ombro de Tim, e ele

    comeou a relaxar com aquele peso. No era exatamente igual a um papagaio noombro de um pirata, mas de certo modo aquele parecia ser o lugar certo para opssaro se empoleirar.

    Agora vamos falar dessa porta que voc citou. O passado est sempre batendo porta, tentando invadir o presente

    disse o Estranho. Vamos ver o passado, mas no podemos interferir nele. Tipo aquela histria de Natal com os espritos. O esprito do Natal

    passado, o do Natal futuro...Constantine riu:

    Mas com efeitos especiais melhores.

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    Tim devolveu o sorriso. Mas ento sua expresso ficou congelada. Atrs doEstranho, bloqueando a viso de um antigo salo de sinuca abandonado, estavase materializando um retngulo gigante.

    Venha comigo por esta porta convidou o Estranho.Tim ficou surpreso. Aquilo era uma porta? Era um bloco enorme de... nada.

    S uma forma grande. No tinha substncia, nem estrutura, s vazio.O Estranho deu alguns passos na direo do espao cheio de vcuo. J

    estava com uns trs andares de altura, era maior do que o prdio que encobria.Tim no conseguia fazer seus ps se moverem.

    E-estou com medo finalmente falou, bem baixinho, ciente de que osquatro homens estavam esperando que ele tomasse uma atitude. Estou commuito medo abaixou a cabea cheio de vergonha. Depois de tanta bravata(aquela sua mania de se fazer de espertinho, de que seus professores tantoreclamavam), depois de enfrentar aqueles esquisites, depois de escolher a

    possibilidade tentadora de aprender magia, ele agora se via incapaz de dar umnico passo.

    Como que pressentindo o medo de Tim, a coruja levantou vo e foi embora.Sua partida fez com que Tim se sentisse pior. At mesmo seu ioi de brinquedoestava decepcionado com ele.

    concordou o Estranho. Para alvio de Tim, o homem no pareciabravo nem decepcionado. Voc est com medo. No h nada de errado em termedo. No so seus sentimentos que interessam, e sim os seus atos.

    Tim concordou com a cabea. Ele no queria se humilhar e desistir bemnaquela hora. Como ele conseguiria viver com aquilo depois? Por alguma razo,queria que eles o respeitassem. Especialmente o cara loiro, o tal de Constantine.Dava para sentir seus olhos azuis apertados sobre ele.

    Um passo de cada vez, disse a si mesmo. Avanou alguns centmetroscom o p. O outro p foi atrs. Um passo se seguiu ao outro at que ele se viu aolado do Estranho, no limiar da porta. Assim to de perto, percebeu que oEstranho era mais de meio metro mais alto que ele. No parecia to grandemomentos atrs. Tambm notou que os olhos do Estranho eram completamente

    brancos! No tinham pupila. Tim deu um passinho atrs. Que tipo de criatura eleseria?

    Se isso serve para tranqilizar voc disse o Estranho , nada podeprejudic-lo. Pelo menos, no no passado. Est pronto?

    Tarde demais para dar pra trs. Tim assentiu com a cabea, fechou osolhos e deu um passo em direo porta.

    Argh! ele se dobrou em dois, com o estmago dando cambalhotasdentro da barriga. Teve a sensao de que estava caindo em alta velocidade. Todaa sua estrutura parecia estar sendo esticada e esmagada por uma fora centrfugaque desejava achat-lo como uma panqueca.

    Depois do que pareceu uma eternidade, Tim de repente sentiu-se normal denovo. Dava para pressentir que o Estranho estava atrs dele. Estavam flutuandono que parecia ser o vazio. No havia som. Nada. Nada alm de escurido e

    silncio.

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    Onde ns estamos? perguntou Tim. Pelo menos achou que tinhaperguntado, apesar de no ter certeza se tinha dito alguma coisa em voz alta ouimaginado que o fizera. Mesmo assim, o Estranho respondeu.

    Isto aqui lugar nenhum, menino. Isto o vazio, o espao que existiaantes de haver qualquer lugar para onde ir.

    Tim tentou compreender aquele conceito: Estamos no incio do tempos?Ento... Tim tapou as orelhas. Que barulho! Era horrvel! Altssimo!

    O que isso? gritou. um grito de dor, menino. A dor que vem com o parto. Parto? Quem est nascendo? No quem respondeu o Estranho. alto demais. E di! Tim segurou a cabea, apertando forte, tentando

    espremer a dor para fora. A dor que voc est sentindo s uma frao da dor que fez surgir tudo

    que se transformaria em tudo. Tempo. Calor. Vida. Tudo. Tudo? repetiu Tim. Da mesma maneira intensa e imediata que o

    tinham invadido, os sons e a dor desapareceram. Tim abaixou as mos e olhouem volta. Estamos mesmo no incio de tudo?

    Digamos que sim. Estamos aqui como observadores, no participantes.Agora, menino, olhe para cima. Est vendo a cidade prateada?

    Tim avistou pequenos brilhos de luz sua volta. Estava flutuando no meiodas estrelas. No fazia a menor idia do que o sustentava, ou de como era capazde respirar, mas isso no parecia ter a menor importncia. Na rea que o Estranhoindicara, havia um lindo aglomerado de luzes, rodopiando, movendo-se, mastudo restrito a um lugar, sempre se movendo, juntando-se, separando-se em umadana, e voltando a se reunir.

    Observe com mais ateno.Tim se concentrou na constelao. De repente, viu um claro brilhante, uma

    exploso de luz, de cores novas, caindo em cascata, espalhando-se, rompendo oaglomerado. Ficou imaginando o que teria acontecido. Parecia que alguma coisatinha explodido no meio das luzes brilhantes. Seria algum tipo de supernova?

    Uau! Demais! exclamou Tim. John Constantine no estava brincandoquando falou dos efeitos especiais. Parece Guerra nas Estrelas.

    Que analogia estranha, menino. Mas de fato houve uma guerra no cu eagora voc est vendo os derrotados, queimando medida que vo caindo, comoestrelas. Na escurido antes do amanhecer, foi deles a primeira loucura, foi delesa primeira rebelio.

    Do qu... Do que que voc est falando? Rebelio de quem?Algumas das luzes brilhantes passaram ao lado dele, e Tim engoliu em seco.

    No eram meteoritos nem espaonaves... eram criaturas aladas! Eles parecem... anjos. Exatamente disse o Estranho.Tim observou os anjos caindo, um atrs do outro. O Estranho ia dando os

    nomes medida que desabavam: Lcifer, Uriel, Rafael, Miguel, Saraquel,

    Gabriel, Raquel...

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    Pareciam muito poderosos, msculos, musculosos. Tim se sentia nfimo aolado deles. Sempre tinha pensado em anjos como cupidos rechonchudos noscartes de dia dos namorados, ou como enfeites de Natal, mas nada a ver comaquelas criaturas.

    Eles so to grandes! disse.O Estranho levou seu rosto para mais perto de Tim. Seus olhos brancos

    brilhavam como as estrelas ao redor deles. Tim percebeu que aqueles olhosbrancos eram energia, e que a pele humana do Estranho no passava de umaembalagem para aquilo.

    Esta a sua percepo. Mas, menino, o espao vasto, e h muitosplanos e pontos de vista e dimenses.

    Ento voc est dizendo que eles parecem grandes para mim, mas noesquema geral das coisas, talvez no sejam to enormes assim? respondeuTim, tentando concatenar as idias. Tudo depende do ponto de vista?

    Exatamente. O Estranho se aprumou de novo. Tim se sentia como setivesse passado em uma prova-surpresa, e o franzido de sua testa relaxou.

    Vamos examinar o seu mundo disse o Estranho. Est vendo aquelaestrela? o seu sol. Ou vai ser, daqui a uma eternidade.

    Isso inacreditvel, Tim pensou enquanto ele e o Estranho se deslocavampelo cu noturno em direo a uma esfera vermelha brilhante. Ser que isto tudoest mesmo acontecendo comigo? Ou ser que algum sonho maluco, e eu estoulargado na sarjeta depois de bater a cabea em um acidente de skate? Meu paisempre me disse para usar capacete. Seria terrvel se ele tivesse razo.

    Tim mais uma vez teve uma sensao rodopiante de queda, seu estmagopulava para cima e para baixo, da barriga para o peito. A pele de seu rosto seapertava contra os ossos, e ele tinha certeza de que, se algum olhasse para ele,

    poderia ver seu esqueleto atravs da pele. Dava para sentir imagens, perceber aescurido lutando contra a luz e a luz devolvendo o ataque. Energias de todos ostipos o atravessavam, mas se moviam to rapidamente que ele no conseguia vernada com definio. O ter pelo qual se moviam era espesso devido s tantasalmas que continha (humanas, divinas, demonacas, animais) e todas elasexerciam presso contra ele, fazendo com que gritasse. Por fim, ele e o Estranhoconseguiram atravessar a massa de entidades para desembocar em um cu azul

    brilhante.Flutuaram delicadamente por cima de uma ilha de pedras preciosas e cristais,

    brilhando ao luar. lindo murmurou Tim. Onde estamos? Estamos uns 50 mil anos antes do seu tempo respondeu o Estranho.

    Estamos aqui para ver o ltimo e o maior dos senhores-magos de uma terraque o povo do seu tempo mal pode acreditar que um dia j existiu. H muitotempo, foi tomada pelo mar.

    Voc est falando de Atlntida? perguntou Tim, incrdulo. Ficouobservando enquanto as ondas l embaixo comeavam a se agitar, lanandoenormes jatos de espuma. Achei que era s um conto de fadas.

    Voc vai descobrir que muitas histrias abrigam em si uma verdadeprofunda disse o Estranho.

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    Ondas gigantescas se elevavam, batendo nos edifcios cintilantes abaixodelas. Eles estavam longe demais para ver os detalhes, s conseguiam enxergarestruturas desabando, e Tim era capaz de sentir a tristeza e o horror da destruioque vinha da ilha condenada.

    L disse o Estranho, apontando na direo de uma pequena figurasentada na beira de um penhasco. Uma nvoa espessa escurecia o sop do

    penhasco e a montanha da qual ele se precipitava. Ou ento, Tim pensou, openhasco est flutuando no ar, como ns. Ele e o Estranho se aproximaram eTim pde ver que a figura sentada mudou de posio quando a presena deles foidetectada.

    A velha criatura sbia (ele no sabia dizer se era homem ou mulher) pareciaancestral. Rugas e cabelos brancos bem ralos emolduravam o rosto magro esurrado. O mago (porque parecia ser um) usava uma tnica pesada e estavasentado de pernas cruzadas beira do abismo, observando a linda cidade ruir

    para dentro do mar. O que voc precisa compreender a respeito de Atlntida o seguinte...

    a voz do mago tremia de idade e emoo. Voc est ouvindo, garoto?Confuso, Tim voltou-se para o Estranho, que mantinha os olhos brancos

    apontados para a frente, sem responder sua desorientao. Tim retornou aomago.

    Voc consegue me ver? perguntou. Claro que no estou vendo voc respondeu o mago, impaciente.

    Mas voc j deve estar por aqui, porque foi o que os meus encantos disseram.Tim achou o mago ancio meio rabugento. Ele imaginou que, se fosse velho

    daquele jeito, tambm seria mal-humorado. De qualquer forma prosseguiu o mago , o que a humanidade do seu

    tempo faz de errado imaginar Atlntida como um lugar que tem alguma formade existncia quantificvel. E claro que no tem. Pelo menos no do jeito queas pessoas imaginam. Houve muitas Atlntidas, e ainda haver vrias outras. sum smbolo. A verdadeira Atlntida est dentro de voc, assim como est dentrode todos ns.

    O que voc quer dizer? perguntou Tim. Aquela criatura falava demaneira to enigmtica quanto o Estranho. Ser que todos eles falam assim?,ficou imaginando. Como que pode haver uma cidade dentro de ns?

    a cidade perdida que afundou sob histrias e mitos. O lugar que agente visita nos sonhos e que de vez em quando aparece na superfcie daconscincia. Atlntida o lugar onde a civilizao nasceu, a terra de sombras quese perdeu para ns, mas que permanece para sempre como a verdadeira origem eo verdadeiro objetivo.

    Quer dizer... disse Tim, tentando compreender que como oEstranho disse. Que os contos de fadas podem ser verdade. Atlntida no passade um nome... para uma outra coisa?

    Quase isso. Para comear, est bem perto do que . uma fonte. A fonte. Tuuuudo bem Tim disse, sem muita certeza. Tinha simplesmente que

    fingir que estava entendendo tudo, ou ento ia ter que passar o resto da

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    eternidade tentando absorver aquele nico conceito. Ele poderia pensar noassunto mais tarde, como fazia com as lies de lgebra.

    Ento, vamos falar sobre a arte em si prosseguiu o mago ancio. Amagia. Acho que posso falar sobre esse assunto com certa autoridade. Vivimuitos, muitos anos... muito mais do que voc pode imaginar. E tive tempo de

    pensar bastante mesmo. E o que eu penso o seguinte... a criatura ancestralvirou o rosto bem na direo de Tim. Ele pde ver que o mago tinha os olhosvermelhos (mas no sabia dizer se era por causa de choro, idade ou exausto).

    A coisa toda um engodo disse o mago, de maneira direta. Novale o preo que eu paguei, nem por um segundo!

    Surpreso com a afirmao e o ressentimento, Tim instintivamente deu umpasso atrs. Por que o Estranho o levaria para conhecer algum que obviamenteodiava a magia? Ser que isso era um aviso?

    A criatura ancestral tinha o olhar perdido na distncia. Ser que o magoest observando a cena nossa frente?, Tim se perguntou, ou ser que ele estvendo memrias do passado?

    Se eu pudesse viver de novo, seria algum feliz, comum e pequeno.Nunca teria me metido nos assuntos dos grandes e poderosos. Nunca teriadescoberto o prazer da arte. Esse o problema, sabe... mais uma vez, o magose voltou para encarar Tim de frente. Uma vez que a gente comea a percorrero caminho, no tem como voltar atrs.

    Mais um estrondo e mais um edifcio reluzente se despedaou e desabou nomar revolto l embaixo. Parecia que aquilo desanimava o ancio.

    Pronto. J falei bastante. Leve-o embora, Andarilho Obscuro. Mostre aele a prxima exposio do seu museu de cera do passado. E, garoto, no aceite oque esto lhe oferecendo. um engodo... um engodo bem grande e reluzente.

    Tim ficou observando, perplexo, enquanto a carne enrugada do magoancestral lentamente se dissolvia, deixando s um esqueleto. Um vento fortecomeou a soprar, quebrando os ossos e transformando-os em poeira. Em poucosinstantes, s restava um crnio sorridente. Era como se a nica coisa quemantivera aquela criatura viva fosse a espera por aquele dilogo. Agora que oaviso tinha sido dado, o mago podia seguir em frente... e morrer.

    Abalado, Tim ficou olhando para os buracos dos olhos vazios. Voc sabia que isso ia acontecer? perguntou ao Estranho. Vamos, menino foi a nica resposta. Vamos nos perder no passado.Perder a palavra certa, pensou Tim, enquanto as imagens rodopiavam

    sua volta em um borro. Ento viu que estava em uma caverna. As paredesmidas estavam cobertas de pinturas de animais, iluminadas por um fogocrepitante e feroz. Homens cobertos de peles danavam ao redor das chamas.Tim ficou observando enquanto eles tentavam compreender o mundo do lado defora da caverna: as foras misteriosas que tinham que ser aplacadas e persuadidas,sacrificadas e adoradas, amadas e desacreditadas.

    E assim, l estava a magia. Tim no tinha muita certeza de como sabiaaquilo, mas veio a ele como uma verdade.

    Em seguida, sentiu-se como se estivesse em um museu de fantasmas.Hierglifos dos mortos os rodeavam, nas paredes speras das pirmides, e Tim

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    percebeu que tinham viajado para o Antigo Egito. Deuses com cara de cachorro,escaravelhos azuis, flores de ltus e legies de homens e mulheres pintados

    brilhavam nas paredes. E a magia estava l tambm.De repente, estavam nas margens do Rio Amarelo, na China. No cu, pipas

    de papel flutuavam enquanto sacerdotes se abaixavam e se contorciam, usando asmscaras dos drages sagrados. Isso tambm era magia.

    O mundo mudou de novo, e Tim sentiu o calor do Mediterrneo e o sol.Estava em um antigo vinhedo grego, observando os folies que danavam em umritual repleto de alegria e perigo. O corpo de Tim pulsava com a energia doritual, absorto pela rbita atraente de sangue e vinho.

    Foi ento que ele caiu. Toda a energia tinha sido sugada de seu corpo. Pare com isso implorou ao Estranho. Por favor, faa parar.

    demais para mim. Ficou deitado, arfando sobre o que acreditou ser o chofirme de verdade. Sabia que estava sozinho de novo com o Estranho, as figurasdo passado tinham desaparecido e voltado para o lugar a que pertenciam. Timengolia em seco e ofegava, parecia que continuavam a se mover. Estou

    passando mal.E, como que para comprovar o que tinha dito, virou-se para o outro lado e

    fez fora para vomitar. Peo desculpas, Timothy. Temo ter lhe mostrado coisas demais, rpido

    demais.Timothy limpou o rosto no capim, a boca na manga. Ficou deitado de

    barriga para cima, respirando devagar. Todas aquelas imagens. Todos aqueles lugares. estonteante. A

    solido insuportvel era ainda mais difcil do que a mudana de tempodesorientadora. Tim se sentia separado e parte de tudo que tinha visto. Sobservava, no podia participar. Estava margem dos acontecimentos, sem serconvidado nem includo. Era uma sensao muito parecida com sua vida na parteleste de Londres.

    E, alm de ser lembrado de que no passava de um forasteiro observador, oque mais tinha aprendido? At agora, a nica coisa que sabia a respeito da magia que ela estava l havia muito tempo, que as pessoas a desejavam, precisavamdela e, mesmo assim, em seu primeiro encontro, tinha sido alertado contra ela. E,ainda por cima, pela nica pessoa com quem tinha tido a oportunidade real deconversar, um mago mal-humorado de um milho de anos que se transformaraem esqueleto em um instante. Como que eu vou aprender o que a magia deverdade deste jeito?, Tim ficou se perguntando. Ser que eu no precisoPraticar a magia para entend-la?

    No tem ningum com quem eu possa conversar? perguntou aoEstranho. Para perguntar como a coisa de verdade?

    O Estranho suspirou. Tudo parecia vazio e triste. Estamos deriva no tempo, menino. No temos disposio mais

    realidade do que um vislumbre de sonho. No h ningum com o poder de vervoc. Ano ser... humm...

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    O Estranho parecia ter tido uma idia. Tim se levantou: parecia que estavamse movendo de novo. Estavam parados na frente de uma cabana com telhado de

    palha no meio de uma floresta. Onde que a gente est? perguntou Tim. Mais prximos do seu tempo respondeu o Estranho. Perto de

    Winchester, na Inglaterra. Praticamente em casa.Entraram na cabana, e a primeira coisa que Tim percebeu foi o cheiro. Que

    fedor! Uma espcie de fumaa fedorenta se erguia de um caldeiro pendurado naenorme lareira que tomava uma parede. No consolo, havia ervas secas

    penduradas.Na frente da lareira havia prateleiras repletas de potes de vidro e livros

    grossos. O cho sujo tinha um pentagrama enorme desenhado, com smbolosastrolgicos ao redor.

    Um garoto, poucos anos mais velho do que Tim, estava sentado a uma mesagrande de carvalho, colocando um lquido verde e espesso em uma tigelinha de

    barro. Ergueu os olhos. Por que voc demorou tanto? quis saber. O qu? perguntou Tim. Voc estava me esperando? No posso passar prxima fase sem essas folhas. Foi difcil encontrar

    as plantas? Humm... humm... Tim ficou olhando para o garoto, que parecia achar

    que ele era outra pessoa. Talvez ele s possa me ver nessa poca se achar que eusou, na verdade, algum que existe aqui. Tim no tinha muita certeza sobre oque fazer.

    Voc no trouxe, no mesmo? disse o garoto em tom acusatrio,levantando-se da cadeira. Usava uma tnica de l grossa presa por um cinto porcima das calas e botas de couro de cano baixo. Tim ficou imaginando quem eraele, e depois se perguntou quando aquilo estava acontecendo.

    Irritado, o garoto passou a mo pelos cabelos, loiros e grossos. Tim podiaver que o cabelo comprido dele no estava nada limpo. No viu nenhum banheirona cabana de apenas um cmodo. O garoto provavelmente tomava banho s umavez por ms, se tanto.

    No entendo por que colocaram ns dois juntos para sermos aprendizes reclamou o garoto. Imagine s, eu, Merlin, com algum como voc. Eu souo mago mais poderoso desta poca. Olhou para Tim e deu um sorriso torto.

    No faa essa cara de surpresa. At o nosso mestre, Blaise, fala isso. A magiacorre pelas minhas veias.

    Merlin deu a volta na mesa e foi at Tim. Parou a menos de um metro dele eficou olhando.

    Mas estou sentindo a magia em voc tambm disse com surpresa. Alguma coisa mudou em voc. Houve um despertar. Esse poder no estava aontem. Nem h algumas horas, quando eu mandei voc buscar a Artemsia.

    E-eu estou diferente agora disse Tim. E essa era com certeza a

    verdade.Merlin assentiu com a cabea, pensativo.

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    Devemos voltar ao trabalho. Afinal, ainda estamos aprendendo. Apesarde no saber por que preciso ficar estudando se sei que vou ter todo o poder comque posso sonhar...

    Talvez seja assim que voc vai aprender a usar todo esse poder sugeriu Tim.

    Merlin olhou para ele abruptamente. , voc mudou mesmo. Pareceu refletir a respeito de algo, e ento

    disse: Por que voc no trabalha sozinho no prximo feitio?

    Captulo Trs

    Os olhos de Tim se arregalaram por trs dos culos. Eu? Fazer um feitio?

    Merlin deu de ombros. Por que no? Cedo ou tarde voc vai ter mesmo que trabalhar sozinho.Vamos ver se essa sua mudana tem mesmo algum valor.

    Tim deu uma olhadela para o Estranho, para ver o que ele achava da idia.Mas, como sempre, o rosto do homem no tinha expresso alguma. Bom, seexistisse algum perigo de verdade, ele provavelmente no permitiria que eufizesse, Tim raciocinou, caminhando na direo da mesa de carvalho. A menosque este seja um teste importante. Talvez ele queira que eu no aceite. Eu poderiafazer com que o Merlin desaparecesse sem querer, a no ia existir o Rei Artur,nem os Cavaleiros da Tvola Redonda, e todo o curso da histria da Inglaterra se

    modificaria para sempre. Tudo por minha causa.Humm, Tim cocou a cabea. O que eu fao? Merlin se apoiou nostijolos da lareira, esquentando as costas naquele ar frio. Seus olhos verdessoltavam fasca por causa do desafio.

    Est com medo? provocou o mago adolescente.Tim ergueu o queixo.

    De jeito nenhum. O que eu devo fazer como primeiro truque? Tirar umcoelho da cartola?

    Merlin parecia confuso. Por que voc ia querer fazer isso, se d para pegar quantos coelhos voc

    quiser bem a do lado de fora? Foi uma piada balbuciou Tim. Droga.

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    Faa a poo da prxima pgina. No d para terminar a minha mesmo,j que voc no trouxe a Artemsia que eu pedi.

    Tim virou a pgina pesada e mofada do livro que estava aberto em cima damesa. Para enxergar no escuro, estava escrito em tinta azul, no topo.

    Legal! Tim exclamou. No sei como as leis poderiam interferir no seu feitio disse Merlin.Esse cara mesmo literal, Tim pensou. Ento percebeu que ningum falava

    legal naquele tempo. Interessante, quer dizer arriscou Tim. Este feitio vai ser mesmo

    divertido.Merlin ensaiou um sorrisinho.

    , vai mesmo. Se voc conseguir fazer direito.Ele vai ver s, Tim pensou. Leu todo o feitio.Bem fcil. Ele s precisava misturar alguns ingredientes enquanto falava

    umas palavras esquisitas. No podia ser muito difcil, no ?Tim pegou o livro pesado e foi at a estante de frascos, procurou no texto e

    encontrou a primeira erva: agropiro. Nunca tinha ouvido falar daquilo e no faziaa mnima idia de como seria. Ficou torcendo para que os frascos estivessemorganizados em ordem alfabtica.

    No... no tem etiqueta? Tim quase berrou. Ficou olhando a fileira decima a baixo. Nem um nico frasco tinha etiqueta para indicar o que tinha dentro.

    Normalmente, a gente no precisaria de etiqueta nenhuma respondeuMerlin. Voc no se lembra de nenhum item, no mesmo? Cruzou os

    braos sobre o peito e ficou olhando para Tim. Claro que lembro afirmou Tim, com ar desafiador. Equilibrou o livro

    todo desajeitado em uma mo e esticou a outra para pegar um frasco. Entoparou no meio do movimento e abaixou a mo. Poderia ser perigoso misturaringredientes sobre os quais ele nada sabia. Tinha aprendido isso da maneira maisdifcil, quando ele e Molly explodiram o laboratrio de qumica de brinquedo.

    Tim deixou a cabea cair. Estava com vergonha de ter pensado em tentarenganar Merlin s porque queria se exibir para ele. Mas Merlin entendeu mal suaOpresso.

    Voc precisa estudar, rapaz debochou. a nica maneira deaprender. No seja to preguioso. preciso levar a magia a srio. um negciomuito srio.

    Eu vou Tim prometeu. Mas tenho muito tempo para aprender afazer essas coisas do jeito certo. Quer dizer, meu futuro est... bom, no futuro.

    Os olhos de Merlin se arregalaram. Voc tambm vidente? Consegue ver o futuro, como eu?Tim ficou estupefato.

    Voc v o futuro?Merlin assentiu com a cabea. Pegou um punhado de ervas secas de um

    gancho ao lado da lareira, atravessou a sala at a mesa e comeou a esmag-lasem uma tigela com um pequeno pilo.

    O que vai acontecer? perguntou Tim.Merlin comeou a amassar um pouco mais forte.

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    Para falar a verdade, vai ser a maior confuso. Quer dizer, vou ter queorientar o Artur. Aquele negcio de espada na pedra e tudo o mais.

    Tim assentiu com a cabea, lembrando-se da histria. Como erasurpreendente descobrir que era verdade! E estar l antes mesmo de tudocomear...

    Criar aquela glria to efmera e frgil que ser Camelot disse Merlin.Foi at os frascos e pegou de um deles um punhado de botes de flor com cheiroadocicado. Segurou-os com a mo aberta, olhando para eles sobre a palma damo, como se estivesse enxergando o futuro naquelas ptalas delicadas. Camelot.

    Vai ser um instante glorioso que lanar luz sobre a Idade das Trevas eento desaparecer sem deixar vestgios.

    Voltou para a mesa e jogou as flores dentro da tigela de trabalho. Amassou-as com o pilo.

    Tudo funcionaria bem se eu pudesse estar l para supervisionar asatividades. Mas no vou estar. Merlin comeou a trabalhar com mais afinco,transformando seus ingredientes em uma pasta. Seus dentes se apertaram, elesegurava o pilo com tanta fora que os ns dos dedos ficaram brancos.

    Por que no? perguntou Tim, com medo de que suas perguntasestivessem deixando o garoto-mago bravo. Mas precisava saber.

    A Nimue vai aparecer e eu vou sair atrs dela, arfando feito um cachorrono cio. Vou ensinar a ela um tanto de mgica que pouco ir lhe servir, mas queser o bastante para coloc-la em perigo. E tudo s para ver se eu consigo entrarnas anguas dela. E da ela vai me atrair para uma caverna e me prender com aminha prpria magia e me deixar l at apodrecer.

    Merlin fez uma pausa para tirar o cabelo comprido do rosto. Ficou olhandopara a tigela com tristeza, mas aos poucos um sorriso foi se espalhando Por seurosto.

    Ainda assim disse, voltando-se para Tim com um sorriso , tudo vaiser muito, muito interessante.

    Mas, se voc j sabe o que vai acontecer, por que no muda tudo? Porque no faz as coisas de outro jeito? Por que no evita essa tal de Nimue?

    Merlin pareceu surpreso com as perguntas. Eu preciso fazer o que eu vou fazer. A magia no garante nenhuma

    liberdade. Voc sabe disso. Tudo que ela compra tem um preo. Merlin voltouat os frascos, passando o dedos pela prateleira at encontrar o ingredienteseguinte.

    Tim viu que Merlin estava desaparecendo, a sala toda, o fogo, os frascos,tudo ia escurecendo... voltando para o lugar de onde tinha vindo no passado. Emais uma vez Tim se viu no limbo, ao lado do Estranho.

    Ele s tinha a minha idade disse, com os olhos ainda fixos no lugarem que Merlin estivera momentos antes. S um pouquinho mais velho.

    isso mesmo respondeu o Estranho. Eu poderia fazer o que ele faz? Eu poderia ser to poderoso quanto

    Merlin? Poderoso? Uma palavra estranha para se usar em relao a ele.

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    Por qu? perguntou Tim. S porque ele terminou em uma cavernapor causa de uma garota qualquer? Eu seria mais esperto! Tim ergueu osolhos e olhou para o estranho de novo. Eu posso ser igual a ele?

    Se voc escolher aquele caminho, pode, voc pode ser o mesmo tipo decondutor do poder que Merlin foi.

    Eu bem que ia gostar! Tim exclamou.O Estranho ficou olhando para ele um bom tempo, em silncio.

    Talvez gostasse mesmo.Tim sentiu o corao bater mais rpido. Isso era demais! Suas sobrancelhas

    se juntaram na testa quando ele comeou a se concentrar de verdade. Queriaentender tudo e no cometer nenhum erro. Lembrou-se da fora com que Merlintinha misturado sua poo, do tom de sua voz ao descrever o futuro.

    Parecia que ele estava dizendo que sabia que a vida dela no ia dar certo.Quer dizer, ele parecia bem incomodado com aquilo. Mas ia fazer tudo domesmo jeito!

    isso mesmo disse o Estranho. exatamente isso que ele pareciaestar dizendo.

    O mundo inteiro conhece o Merlin... at hoje! prosseguiu Tim,animado com as possibilidades que se apresentavam, rpida e furiosamente. Isso sim ser famoso. Esse negcio de magia deve valer a pena, considerando osacrifcio que ele acabou por fazer. Tim abriu os braos no vazio, tentandocaptar sua energia. Imagine ter todo aquele poder sendo s um garoto! Virou-se para olhar para o estranho de frente. Conte mais. Mostre mais. Querover tudo!

    Instantaneamente, Tim se dobrou em dois de novo, mas desta vez estavamais preparado. No ficou com medo nem se sentiu enjoado; seu entusiasmo pornovas experincias afastou o enjo rapidinho.

    Urros de medo e de dor se ergueram ao seu redor. Tim engoliu em seco,horrorizado. Mulheres, e tambm alguns homens, estavam sendo torturadas noscalabouos da Inquisio. O fogo ardia por toda parte, mulheres presas a postesde madeira gritavam ao ser queimadas na Alemanha, na Inglaterra, nos EstadosUnidos. Afogamentos, apedrejamentos, acusaes, urros, choros e berrosecoavam nos ouvidos dele. Tim cobriu os olhos.

    Que horror! gritou por sobre aquela algazarra. Pavoroso! O tempo das fogueiras disse o Estranho. Sempre reaparecem na

    histria. No s durante o que se chama de Idade das Trevas, mas tambm napoca conhecida como Idade das Luzes.

    Por qu? perguntou Tim, caindo de joelhos. As pessoas matam aquilo de que tm medo explicou o Estranho. E

    a magia uma fora poderosa. Merece ser respeitada. Mas misteriosa, entopode ser assustadora.

    Tim tirou as mos da frente dos olhos e ficou vendo as imagens seacumularem, uma se sobrepondo outra.

    Essas pessoas so ms? perguntou Tim, ao ver cenas de velhos e

    jovens, bonitos e desfigurados, sendo mortos de diversas maneiras aceitas pelasociedade de cada poca.

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    No! O mal existe e a magia pode se curvar a seus propsitos. Mas essagente que foi acusada raramente era m. Na verdade, a maior parte era de seresnem um pouco mgicos.

    Ento por qu...? Tim no conseguia formar as palavras para falar detortura e assassinato de inocentes. Por qu?

    Foi uma oportunidade a ser explorada. As pessoas que eles noentendiam, ou no aceitavam, eram todas mandadas para a carnificina.

    Os gritos foram se dissipando. As imagens se congelaram, e ento sedissolveram. Tim e o Estranho flutuavam mais uma vez no espao vazio esilencioso.

    Depois de tudo isso disse Tim, abalado pela violncia que tinhatestemunhado , a magia no teve mais chance?

    Teve. Nas florestas e nas montanhas, perto de grandes pedras, as antigasreligies e as antigas memrias resistiram.

    Tim pensou sobre a vez em que sua classe tinha estudado as pedras deStonehenge1. O professor dissera que tinham sido colocadas em um local sagrado.Era difcil de imaginar, j que se transformaram em um ponto turstico toimportante, mas agora Tim acreditava.

    Parece que no existe mais magia de verdade. No como antes. Paraonde tudo isso foi?

    A magia no se perdeu completamente afirmou o Estranho. Achoque a melhor expresso mal guardada. Muitos dos poderes do Mundo dasFadas abandonaram este plano para sempre. E, medida que a cincia foi sedifundindo, sobrou pouco espao para a magia.

    Por qu? Ambos so sistemas de crena. A cincia acredita naquilo que pode ser

    explicado, verificado. A magia requer capacidade de mergulhar no desconhecidoe no que no possvel ver. As duas quase nunca so compatveis. No seu mundo,a cincia se transformou na realidade que todo mundo compartilha.

    O que voc est dizendo? Que no meu tempo toda a magia jdesapareceu? Se houvesse alguma coisa ali para chutar, Tim teria chutado.Isso sacanagem! A magia desaparece logo no meu tempo, e eu fico sem?

    No, ela no desapareceu completamente. Mas a magia em estado bruto,aquela que est presente em todas as coisas, em cada folha, em cada pedra... isso coisa do passado. E, como sempre tem gente disposta a queimar qualquer

    pessoa que ache que uma bruxa, muitos magos verdadeiros adotaram novaconduta, evitando o reconhecimento, disfarando sua plumagem.

    Ento ainda existem magos concluiu Tim , mas cada vez maisdifcil encontr-los.

    Correto. Fico feliz por saber que a magia ainda existe. Seria muito deprimente

    pensar que acabamos com tudo. A raa humana quase extinguiu a magia mais de uma vez disse o

    Estranho. Mas o poder, a arte, os talentos e o dom inato sempre conseguem se

    1. Santurio de pedra, localizado na Inglaterra, construdo por povos antigos h cerca de cinco mil anos(NE.)

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    manter acesos, ainda que em brasas, e inevitavelmente acabam entrando emignio de novo. Desde que haja o combustvel adequado.

    No parece existir muita magia no lugar em que eu moro reclamouTim. E ento se iluminou e sorriu para o Estranho. Eu bem que gostaria de sero responsvel por trazer a magia de volta.

    O Estranho fez uma pausa. Ficou pensativo. Sua jornada apenas comeou. At o final do seu caminho, voc ter toda

    a informao necessria para decidir se isso que quer. No entanto, eu j oconduzi at onde podia, menino.

    Mais uma vez, o nada reluzente em forma de um enorme retngulo sematerializou na frente deles.

    Passe por aquela porta o Estranho orientou. Dentro dela hmonstros, santos, pecadores e loucos mais notveis do que qualquer coisa quevoc tenha visto pela nossa viagem atravs da Antigidade.

    Depois de tudo que Tim tinha visto, ficou imaginando o que o esperava dooutro lado da porta dessa vez. Ser que podia mesmo ser mais extico do queAtlntida, Merlin e a Inquisio espanhola?

    Tomou flego e atravessou a porta.Entrou na Londres de hoje.

    Captulo Quatro

    Tim teve que apertar os olhos, ofuscado pela claridade. Depois da escuridodo passado, o dia ensolarado de outono foi um choque para seu organismo.

    Ao examinar a rua, percebeu que os outros trs homens de sobretudo ainda

    estavam por ali. Constantine estava apoiado na janela suja, folheando um jornal.O cego, Mister Io, andava para cima e para baixo na calada, resmungando,bravo, batendo a bengala no calamento. Dr. Oculto estava com o chapu bemenfiado, por sobre o rosto. Tim ficou se perguntando se ele no estaria tirandoum cochilo. Isso o deixou curioso: quanto tempo ser que ficara ausente?

    Constantine ergueu a cabea e aprumou o corpo quando viu Tim. Oi, garoto. Como estava o passado?Os dois outros homens se aproximaram. Dr. Oculto sorriu, mas o rosto do

    cego continuou rgido e impassvel. Tudo bem, acho respondeu Tim, e fez uma retrospectiva de tudo que

    tinha visto. Aprendi umas coisas disse sorrindo. Vomitei.Constantine deu alguns passos para trs.

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    Ento tente no vomitar no meu casaco. um saco ter que mandar para alavanderia. Mas Constantine sorriu, de modo que Tim compreendeu que eleestava brincando. Mas no s brincando.

    Constantine jogou o jornal em uma lata de lixo prxima. Est certo. Ento agora somos voc e eu. Vou lev-lo para um pequeno

    passeio, apresent-lo para algumas pessoas.Depois da intensidade do Estranho, Constantine parecia muito vontade, o

    que fez Tim sentir-se bem. Mesmo assim, ele no fazia a menor idia do que oesperava. Queria encontrar uma maneira de se preparar, para no parecer umimbecil na frente de John.

    Tim olhou para os dois lados da rua. Os outros homens ficaram l parados.Esperando. Um movimento sobre a cabea de Tim chamou sua ateno. A coruja(seu ex-brinquedo ioi) voava em forma de oito l em cima. Tim sorriu,lembrando-se do truque surpreendente. A magia.

    Constantine deixou a cabea cair para o lado. Quer levar a coruja com voc? perguntou. H? Claro que sim respondeu Tim. Ele bem que ia gostar de ter seu

    pssaro-brinquedo consigo, independentemente do lugar para onde estavam indo. Vem c, Ioi.

    O pssaro desceu e pousou direitinho no ombro de Tim. Que pouso suave disse ao pssaro. Est a um truque que a gente j

    est aprendendo. A coruja piscou seus olhos amarelos. Ento so dois bilhetes para o passeio completo, comigo aqui de guia.

    Constantine esfregou as mos. Onde ns estamos? perguntou Tim, olhando ao redor. Aquilo no

    fazia o menor sentido. De repente, a rua no estava mais ali, Ioi no estava maisali e estavam sentados...

    um avio Constantine disse. Um negcio grando de metal, quevoa pelo ar. E manda sua bagagem na direo oposta. S que a gente no tem

    bagagem nenhuma, ento tudo bem. Quero dizer, como que a gente chegou aqui? Tim ergueu o corpo,

    apoiando-se nos braos da poltrona, e olhou em volta. Comissrios de bordoconversavam no compartimento da comida, atrs de cortinas. Tinha gentecochilando, lendo e gente ouvindo alguma coisa nos fones das poltronas. Timabaixou o corpo mais uma vez. A ltima coisa de que me lembro queestvamos naquele lugar de lojas, e voc ia dizendo...

    Que apresentaria voc para algumas pessoas John terminou a frasepara ele, e tomou um gole da bebida. Bom, a maior parte delas mora nosEstados Unidos, ento para l que estamos indo.

    Mas eu no me lembro de nada Tim reclamou. Chegou mais perto deJohn e cochichou: E eu no tenho passaporte.

    Uma comissria de bordo, ruiva e bonita, veio sorrindo pelo corredor. Johnficou observando quando ela passou pela fileira deles.

    Eu tambm no. J tive um passaporte, mas perdi. Fico falando que vou

    tirar um novo, mas nunca tiro.

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    Mas como que a gente entrou no avio? Aquilo ali era to esquisitoquanto viajar atravs do tempo com o Estranho. Talvez mais esquisito, j queagora as coisas estranhas estavam acontecendo no mundo real. Ento Tim

    pensou em outra coisa e disse: O que vai acontecer quando precisarmosdescer? Quando tivermos que passar pela imigrao e tudo o mais?

    John ajeitou o cabelo e arrumou o colarinho. Voc se preocupa demais. E cad o Ioi? Voc disse que eu podia traz-lo comigo. Carregar uma coruja dentro do avio? Seria uma idiotice. Ele vai estar

    sua espera quando chegarmos. Constantine o tranqilizou. Fechou abandejinha frente, desdobrou-se do assento de avio apertado e ficou em p. Pousaremos em Nova York daqui a meia hora. Agora vou ali bater um papo comaquela aeromoa simptica.

    Tudo bem. Tim se acomodou no assento. Voc ajuda muito balbuciou.

    Tirou os culos, voltou a fechar os olhos e resolveu que simplesmenteaceitaria tudo que fosse estranho dali para a frente.

    O piloto anunciou o pouso no aeroporto JFK. Tim colocou os culos denovo e olhou pela janela. A esto os Estados Unidos, pensou, Nova York.Dentro dele, a animao ia crescendo. Ficou com os olhos colados janelinha.Ser que igual aos filmes?

    John retornou para o assento ao seu lado. Parece bem bonito daqui de cima, voc no acha? disse.Tim concordou com a cabea, sem tirar os olhos da paisagem desconhecida

    l embaixo. Dava para ver arranha-cus, pontes, trnsito catico, tudo emminiatura. A comissria de vo teve que lembr-lo duas vezes de afivelar o cintode segurana para o pouso.

    Tim ficou bem firme no assento enquanto o avio taxiava at o porto. Teveque se conter para no dar um pulo e sair correndo at a porta. Queria ver tudo...naquele instante! Os Estados Unidos! A terra dos caubis, dos operadores da

    bolsa de Wall Street, dos rappers, da cala Levis 501 original, dos gngsteres,dos filmes e dos milionrios. Nova York!

    Podemos ir? perguntou a John no instante em que a luz de apertar oscintos se apagou.

    John sorriu. Calma a, amiguinho. A cidade no vai fugir, no precisamos atropelar

    todo mundo.Passaram facilmente pelo corredor estreito, j que no tinham bagagem de

    mo. Tim reparou que a comissria de bordo ruiva encostou levemente no braode John quando deixaram o avio.

    O aeroporto estava lotado, cheio de gente, avisos tagarelavam pelos alto-falantes. Era to enorme! Como que as pessoas se acham por aqui?, Timficou imaginando, olhando em volta, tentando absolver tudo. Se ele tivesse quese achar sozinho ali, entraria em um avio para Timbuktu, e no para Londres.

    Que bom estar ali com John. Espera a! Cad ele? Tim correu os olhos peloaeroporto de maneira frentica, com o corao acelerado. Ento avistou John

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    atrs de uma grande famlia reunida. No seja to turista assim, Tim tirou umsarro de si mesmo. John simplesmente continuou caminhando enquanto Timficou l parado feito um bobo, olhando para tudo de boca aberta. Tim se apressou

    para alcan-lo, no queria se perder ali. E isso aqui s o aeroporto, pensou.Espere s at eu sair l fora!

    Sabe, quando eu era criana comeou Constantine, dando passos depernas compridas, como se no tivesse percebido que Tim ficara para trs ,talvez? quando eu tinha a sua idade, achava que os Estados Unidos eram umaterra mgica. tudo to grande... ei a gente ouvia falar de todas aquelas histriasde super-heris e acreditava, porque aconteciam nos Estados Unidos.

    Tim passou rpido pela longa fila de pessoas que esperavam para passarpela imigrao. Em que fila ser que ele e John ficariam? Tim olhou em volta,confuso, mas John continuava a falar e caminhar. Tim achou que ele devia sabero que estava fazendo, e tentou acompanhar o ritmo acelerado do homem.

    Quer dizer, quando eu era criana, os Estados Unidos eram um lugaronde tudo poderia acontecer John disse. Tinha tanta coisa incrvel, sabecomo . Pizzas, hidrantes na rua, Hollywood, o Empire State Building. Tinhasuper-heris, magia, aliengenas e sei l mais o qu.

    John continuou avanando. Passou pela imigrao, pelas esteiras debagagem, estava se dirigindo para a sada! Tim olhou ao seu redor. A qualquerminuto a polcia ou os inspetores da imigrao, ou algum, iria det-los. No ia?

    Bom, mais a eu cheguei aos Estados Unidos e descobri que eraigualzinho a todo filme ou programa de TV ou qualquer outro clich sobre osEstados Unidos que voc j ouviu ou sonhou. Est tudo l, em algum lugar. Sevoc puder imaginar.

    Mas isso bom, no ? Tim perguntou, confuso com o tom dedecepo de Constantine.

    John deu de ombros. Eu prefiro a Inglaterra. Prefiro morar em um pas que seja pequeno e

    antigo e onde ningum nunca teria coragem de usar uma capa em pblico. Nofaz mal se so ou no capazes de escalar um prdio.

    No instante em que puseram o p para fora, John enfiou a mo no bolso etirou um mao de cigarros. Acendeu um e tragou profundamente.

    E, ainda por cima, eles tm as regulamentaes mais primitivas possveisem relao ao cigarro.

    Essas coisas vo matar voc, sabia? debochou Tim. E no fiqueachando que voc parece legal s porque fuma. Fica parecendo que voc temuma sentena de morte escrita na testa.

    John deu outra tragada profunda e sorriu. Voc daqueles que fala tudo que pensa, no mesmo? Eu gosto disso.

    Ergueu uma sobrancelha para Tim. Eu acho. E apoiou-se em umapilastra.

    Tim apoiou-se em um pilar tambm, imitando a postura de John. Como foi que a gente fez aquilo? perguntou.

    Fez o qu? Passou pela imigrao e pela alfndega. Tudo isso. A gente foi passando!

  • 7/25/2019 Carla Jablonski - Os Livros Da Magia i

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    mesmo? disse John, como se nem tivesse percebido. Aprumou ocorpo e deu alguns passos em direo rua. Agora voc tem uma novaexperincia a caminho.

    Tim no pde deixar de notar que John no respondera a sua pergunta, masresolveu deixar para l. Descobrir o que viria a seguir parecia mais importante.

    No me diga fez piada, nervoso. Vou ser iniciado nos mistrios daLemria perdida e do antigo Mu?

    Voc vai dar um passeio em um txi de Nova York!John desceu da calada e ergueu o brao. Instantaneamente, um carro

    amarelo cantou os pneus e parou na frente dele. John apagou o cigarro e abriu aporta de trs.

    Sua carruagem o aguarda, senhor disse para Tim. Tim entrouapressado no carro. O banco era cheio de calombos (uma mola o estavaincomodando, por isso ele se ajeitou melhor, tentando achar uma posio que nomachucasse). John deu ao motorista um endereo e ento se recostou no banco.

    Para onde estamos indo? perguntou Tim, ainda tentando encontraruma posio confortvel. Cada vez que achava, o motorista fazia algumamanobra brusca que o fazia deslizar para um lado ou para o outro. O cinto desegurana era mais necessrio no txi do que no avio!

    Vamos visitar uma amiga minha. Ela vai ficar encantada de nos ver. uma moa adorvel.

    O visual do lado de fora da janela do txi mudou. J no estavam mais emvias expressas rpidas. Tinham cruzado uma ponte e agora trafegavam por ruasapertadas e pequenas. Os prdios eram mais baixos do que Tim esperava. Osarranha-cus que vira do avio e pelo trajeto tinham desaparecido. Essa rea dacidade lembrava os bairros mais chiques de Londres.

    Onde a gente est? Em Greenwich Village. Uma das partes mais antigas de Nova York. Quem a sua amiga? Ela se chama Madame Xanadu. E j chegamos. Desceram do carro e

    ficaram parados na frente de uma construo antiga, de tijolinhos. No andar mais alto disse John. Voc no vai tocar o interfone primeiro? perguntou Tim, seguindo

    John pela escada estreita. Para ver se ela est em casa? Ela vai gostar da surpresa garantiu John quando abriu a porta do

    apartamento (sem nem bater, Tim reparou, surpreso). Ele ach