caravela | edição 03 | 1º semestre de 2014

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EDIÇÃO 03 SEMESTRE 2014 “Somos muitos neguinhos, iguais em tudo e na sina: trabalhar na biqueira de pé no chão, corre dos home, como ensina os irmão.” porque “navegar é preciso” Ilustração: DiCastro Fora do sistema: educadora defende processo educatvo sem a mediação escolar Memória: minorias sociais ganham pouco destaque nos registros históricos morte e viala periferia

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Morte e Vida Periferia. "Somos muitos neguinhos, iguais em tudo e na sina: trabalhar na biqueira de pé no chão, corre dos home, como ensina os irmão."

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EDIÇÃO

031º SEMESTRE

2014

“Somos muitos neguinhos, iguais em tudo ena sina: trabalhar na biqueira de pé no chão,

corre dos home, como ensina os irmão.”

porque “navegar é preciso”

Ilust

raçã

o: D

iCas

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Fora do sistema: educadora defende processo educativo sem a mediação escolar

Memória: minorias sociais ganham pouco destaque nos registros históricos

morte e vialaperiferia

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Mande seus textos, ilustrações, ensaios, comentários e sugestões de pauta para:[email protected]. E acesse nosso blog: www.revistacaravela.com

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É chegado o momento de, uma vez mais, levantar âncora e içar velaspara partir para mais uma jornada pelos mares de verso e prosa que aCaravela propõe. A grande novidade desta edição é a ousadia – se é queeste é o termo mais apropriado – de colocarmos enquanto conteúdode capa um poema. Talvez essa escolha represente uma inovação, poisraras são as revistas que trazem como conteúdo dedestaque um trabalho em versos.

Mas como a nossa proposta é diferente da maioria dosperiódicos, que ainda privilegiam a linguagem jornalística paracomunicar, queremos mesmo não apenas explorar as diferentesformas de expressão possíveis em uma revista, como também co-locá-las em pé de igualdade.

Por isso, Morte e Vida Periferia, de Marco Aurélio CardosoMoura, é o conteúdo de capa desta edição. Inspirado em Mortee Vida Severina, do imortal João Cabral de Melo Neto, opoema do jovem morador da Brasilândia, zonasul da capital paulista, traz à tona o dramada juventude negra da periferia de SãoPaulo, vítima da truculência de um estadoainda rascista, que orienta a sua Polícia a reprimir com violên-cia a negritude das quebradas, que resiste e se reinventa todosos dias. Os versos de Marco são ilustrados pelo artista curitibanoDiCastro, que apresenta mais do seu trabalho nas páginas se-guintes ao poema de capa.

Há ainda uma entrevista inspiradora com a educadoraAna Thomaz, que acredita na desescolarização comoforma de educar sem ameaça. Esperamos que aproveitemais essa viagem!

Boa leitura!

Bruno FerreiraEditor

Periferia em versos

Tripulaçao

EditorBruno Ferreira

Projeto gráficoManuela Ribeiro

ArteManuela Ribeiro

Colaboradoresdesta edição

Constance BelmarDiCastro

Diego BalbinoManassés de Oliveira

Marco Aurélio Cardoso Natalia Forcat

NovaesRafael Martini

Roger Camacho Vanessa Balsanelli

JornalistaResponsá velBruno Ferreira

(MTb 62552/SP)

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06.Papo na Proa. Educadora opta pela desescolarização dos filhosporque entende a escola como um espaço de ameaça e formatação degente

12. O estilo Plus Size ainda é pouco explorada pelo mercadoda moda, para Vanessa Balsanelli

14. Roger Camacho pensa sobre como as minorias são abordadasnos discursos históricos

16. E Manassés de Oliveira elenca suas Faltas

18. MORTE E VIDA PERIFERIAEstudante do bairro Vila Brasilândia, em São Paulo, adapta Morte e VidaSeverina à difícil realidade da juventude negra e periférica da cidade

22. E a abstração de DiCastro revela o talento de um jovemartista curitibano

24.Rafael Martini celebra o centenário do imortal Vinicius de Moraes

26. E Diego Balbino apresenta seu trabalho fotográfico em Panning

30. Bruno Ferreira identifica o conservadorismo presente nacomunicação cotidiana

33. Enquanto Rodrigo Nazca apresenta seu Meio e o Claro escurode suas dúvidas

34. Natália Forcat apresenta algumas de suas ilustrações

35. E Constance Belmar revela seus Divinos Devaneios.

Serviço de Bordo

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Ponto de Partida

Comunicação e mediação

Um contraponto à ideia de que os meios de comunicação influenciam diretamenteos receptores das mensagens midiáticas é uma das propostas da teoria apresentadapelo espanhol radicado na Colômbia Jesus Martín-Barbero, em sua obra Dos Meiosàs Mediações. O autor desconstrói a ideia de comunicação dos teóricos da antigaEscola de Frankfurt, no entendimento de que ela não pode ser entendida descontex-tualizada da cultura. Barbero discute a questão das negociações de sentido, afirmandoque a relação estabelecida entre os discursos midiáticos e a sociedade vai além de umaoferta de consumo de informações. A ideologia transmitida nas mensagens dos meios,de acordo com o autor, fará sentido para quem recebe se o seu teor vai ao encontro de suas experiênciasconcretas na realidade. “Assim, o eixo do debate deve se deslocar dos meios para as mediações, isto é, paraas articulações entre práticas de comunicação e movimentos sociais, para as diferentes temporalidades dematrizes culturais”, afirma Barbero em um trecho da obra.

Alegria e ativismo

A mais recente produção de Pablo Larraín, diretor e roteirista chileno, reconstróio cenário político do Chile no ano de 1988, em que um referendo foi convocado paraconsultar a população sobre a permanência do ditador Augusto Pinochet na presi-dência do país. O filme No mostra os bastidores da campanha pelo “não”, revelandoas estratégias de comunicação adotadas pelo marqueteiro René Saavedra (interpretadopor Gael Garcia Bernal), que priorizavam mensagens positivas em vez da abordagemdas violações de direitos do governo Pinochet.

Diferenciando conceitos

O entendimento de comunicação costuma ser dúbio, no senso comum: pode signi-ficar informar ou dialogar. Para o pesquisador francês Dominique Wolton, o sentido decomunicação restringe-se ao segundo entendimento. Em sua obra Informar não é Co-municar, discute a mudança de paradigma com relação à comunicação, entendida porele como negociação, própria da cultura democrática. “Ontem, comunicar era transmitir,pois as relações humanas eram frequentemente hierárquicas. Hoje, é quase sempre ne-gociar, pois os indivíduos e os grupos se acham cada vez mais em situação de igualdade”,afirma Wolton.

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Aprimeira vez que vi AnaThomaz foi em um vídeono Youtube, recomendado

por uma amiga educadora. Con-fesso que demorei cerca de um mêspara resolver abrir o link enviadopor e-mail e indicado por ela comentusiasmo. Mas quando finalmenteresolvi assistir a entrevista com Anana íntegra, compreendi a sensaçãopositiva que teve minha amiga.

A fala da também educadoraAna Thomaz é sedutora. A paixãocom que fala sobre seus filhos e oprocesso educativo em que estão in-seridos é comovente. Ela e seu ma-rido fizeram o que muitos paisdeixam de fazer: ouvir e procurar

entender as queixas dos filhos comrelação à escola. E ela foi além.Aceitou o desafio, com o marido, deassumir a responsabilidade de cons-truir com o filho mais velho, Guto,o seu processo educativo sem a me-diação escolar, logo depois que eleconcluiu o ensino fundamental. Aexperiência bem sucedida com ojovem inspirou Ana a fazer omesmo com suas filhas menores,que não devem ir à escola.

A educadora dedica-se, emcasa, à aplicação da Técnica Ale-xander, que a primeira vista pa-rece uma sessão terapêutica, comtoques relaxantes e firmes nascostas e cabeça, que levam a

quem se propõe a experimentá-laao auto-conhecimento. Anaafirma que a Técnica ajudou a elae ao filho a descobrirem e expe-rimentarem novos caminhos noprocesso de desescolarização.

Enquanto fazia a entrevista, Anaaplicava a técnica em mim. De iní-cio, foi difícil manter a concentraçãona fala dela, que respondeu às pri-meiras perguntas, tocando minhacoluna e cabeça, o que me deixavaembevecido e sonolento. Confira aagradável conversa que tive com aeducadora, em sua casa, no bairroda Aclimação, em São Paulo, emuma tarde de sexta-feira, ainda emmarço de 2013.

ENTREVISTA: BRUNO FERREIRA | IMAGENS: DIVULGAÇÃO/PROGRAMA DIÁLOGOSPapo na Proa

Outra educaçãoé possível

“A escola tem todo um processo ameaçador, como prova,reprovação, aceitação, reconhecimento e eu queria desescolarizaresse processo de ameaça do meu filho. Eu gostaria que a vida se

tornasse um desafio pra ele, não uma ameaça.”

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Talvez se eu tivesse ouvidofalar em desescolarização háum tempo eu pensaria quefosse algo relacionado a nãoeducação. Existe uma defini-ção para o termo?

Ana Thomaz: Eu tenho umadefinição pessoal para otermo. Eu uso a palavra “de-sescolarização” como tirar osistema escolar vigente dedentro da gente e unschoolingé uma prática do desenvolvi-mento educacional fora dainstituição escolar. É uma pa-lavra em inglês e nos EstadosUnidos é muito usada para de-terminar isso. Tem o homes-chooling, em que a escola élevada para dentro de casa. Eno unschooling você temcrianças que não vão à insti-tuição e não levam a escolajunto com elas para outrolugar. A desescolarização, nosentido que eu dou para ela,seria a desculturalização, oprocesso de criar outra cul-tura, outra maneira de pro-cesso educacional, mesmo queseja em escola. Eu posso atépensar em uma escola deses-colarizada do sistema atual.

Na entrevista que assisti nainternet, eu me lembro quevocê fala sobre o processo dedesescolarização do seufilho. Esse foi um processotranquilo?

Não, foi um processo bem as-sustador. Um processo em queexperimentei operar sem refe-rência. E ficar sem referência éassustador, você pensa “e aí,como vai ser?”. Então, eu tiveque criar referências muito pró-prias, tive que inventar. A es-cola tem todo um processoameaçador, como prova, repro-vação, aceitação, reconhecimentoe eu queria desescolarizar esseprocesso de ameaça dele. Eugostaria que a vida se tornasseum desafio pra ele, não umaameaça. Então, eu tinha estesparâmetros: “Ele está alegre,com vontade de viver? Estásentindo que os problemas sãodesafiadores e não ameaçado-res?”. Olhando agora eu possodizer que foi tudo muito tran-quilo, mas quando eu me lem-bro da época, percebo queperdi noites de sono. Eu mequestionei seriamente por um ano.

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Mas quais eram as suas aflições?

As minhas aflições eram ques-tões como: e se eu estiver fa-zendo tudo errado, e se euestiver fazendo meu filho viraruma pessoa que não iria nuncamais se encaixar em nada, queum dia ele poderia virar pramim e dizer: “Mãe, foi umagrande bobagem o que a gentefez e agora eu vou ter que co-lher os frutos disso”. Enfim, eutinha medo de ter escolhido ocaminho errado, de nos perder-mos nesse caminho.

E acabou dando muito certo, né?

Acabou dando muito certo!Muito mais do que eu imagi-nava. Foi isso que me animoumuito, porque se eu pudesseimaginar o certo, não chegariaaos pés do que aconteceu.

E como foi essa metodolo-gia? Eu entendo que encararesse processo não deve serfácil, porque exige muita dis-ciplina, tanto sua e do seumarido, quanto do seu filho.

Mais do que disciplina, exigepresença. Eu trabalhava comele com a Técnica Alexander e

assim eu tinha um recusrso amais para entender questões, oscaminhos se abriam, eu ficavainspirada. Teve um dia em queeu estava trabalhando com eleeu perguntei se ele estava tristecom alguma coisa, se queria mefalar alguma coisa. E ele disseque sim. Aí eu gelei e pergunteio que estava acontecendo. Eleperguntou por que eu não tinhanenhum interesse em que elefosse jogador de futebol (nareal, eu sempre achei que o de-sejo dele em ser jogador de fu-tebol vinha de uma cultura enão dele). Então eu perguntei:“Você tem interesse?”, e eledisse que sim. Perguntei o queele queria fazer a respeito, eleexplicou que queria fazer umapeneira no Juventos e eu con-cordei, tinha que legitimar o de-sejo dele. Aconteceu que agente marcou, mas ele nem foi,pois já havia perdido o inte-resse. Foi o encontro com ocorpo dele, pela Técnica, queme deu essas entradas. E assimpassamos por vários momentosde “desintoxicação”, em que eleparou de ter o desejo de umacultura, para começar a ter de-sejos genuínos.

“A cabeça é o nortedo corpo, mas todosos órgãos têm célulaspensantes, que nosfazem ter vontades,por exemplo. Mas aescola determina quea cabeça é pensante eo resto não é.”

E com o seu toque ele tam-bém se situava?

Sim, com o meu toque, atravésda Técnica Alexander, ele tam-bém entrava mais em contatocom o corpo dele, com elemesmo. Foi um processo muitomais abrangente do que seguirum plano.

Eu queria que você falassemais sobre a Técnica Ale-xander.

Eu vou dizer o que é a Técnicapara mim, porque ela depende

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da experiência, que é sempremuito pessoal, então não é amesma coisa para todo mundo.A gente tem uma estrutura cor-poral biológica, anatômica, fi-siológica, que tem uma lógicaprópria e uma estrutura pró-pria. A cabeça é o norte docorpo, mas todos os órgãos têmcélulas pensantes, que nosfazem ter vontades, por exem-plo. Mas a escola determina quea cabeça é pensante e o restonão é. E isso provoca uma sen-sação de que não temos nortenem corpo. Então, começamosa buscar tudo isso fora de nós.A técnica, para mim, é um re-curso para voltar a coordenarcabeça e coluna e quando issoacontece, a gente entra em mo-vimento, e começamos a viverde uma maneira muito mais in-teira. Nós achamos que somosseres racionais, mas somosseres emocionais. Agimos con-forme a nossa emoção, nãoconforme a nossa razão. Comrelação ao meu filho, eu nãotomei uma decisão racional. Eume coordenei, me conectei e,desse processo, comecei a pen-sar na desescolarização. E aí en-trou a razão, para cuidar dalogística e organizar nossasvidas sem a escola.

É possível para a pessoa que

segue o modelo da desesco-larização fazer um curso su-perior?

Sim. É preciso deixar claroque tivemos esse processo deuma maneira muito tranquila,judicialmente, porque ele jáhavia acabado o ensino fun-damental. E naquela épocaera obrigatório cursar até oensino fundamental, o ensinomédio ainda não era obrigató-rio. O que acontece é que oBrasil contempla o autodi-data. Quem é mais velho eestá estudando sozinho podeprestar o Enem, e se ele tirarnota mínima será aprovado eo governo dá o diploma paraele. Ele precisa ter a partir de21 anos para poder tirar o di-ploma do ensino médio epoder prestar vestibular comoqualquer estudante. Essa éuma possibilidade, mas oGuto é mágico, tem interessepor diversas matérias. Ele fazcursos, vai a encontros, lê li-vros, participa de discussões,de uma maneira autônoma.

Você enxerga relação entre pes-soas escolarizadas que sentemdificuldade em aprender algopor conta própria, como é o meucaso, e pessoas mais antigas,que nunca foram à escola, mas

que são alfabetizadas e cultas?Claro. Durante a escola, vocêtreina para não fazer escolhanenhuma. Na escola, eu não es-colho o que eu quero estudar,como eu quero estudar, ondeeu quero por foco, eu nãotenho perguntas, porque a res-posta já está pronta. Não há umprocesso de elaboração. Agora,o autodidatismo não se dá sozi-nho. Por exemplo, meu filho éautodidata em mágica, porémele sempre teve muitos profes-sores de mágica: amigos, mes-tres, campeões mundiais. Ele éautodidata porque está esco-lhendo o que fazer, como fazer,no tempo que quer fazer, e por-que está escolhendo a coisa fluicom muito desejo, muita von-tade, não tem desgaste, as coi-sas estão sendo muito alegrespara ele.

Pensando assim, a escola po-deria ser diferente, né?

A escola só poderia ser dife-rente se ela estivesse a serviçode algo diferente. A escola estásempre a serviço de algum sis-tema. Se quisesse ser diferente,ela seria uma escola para sereshumanos, seguindo um sistemabiológico, que estivesse deacordo com a potencializaçãodo ser humano e não que o re-

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duzisse a consumidor. Não dápara se iludir e dizer que umaescola que está a serviço dessesistema vai melhorar as pessoas.Vai melhorar o quê? Vai melho-rar a maneira de servir ao sis-tema. Ou seja, é uma escola deformatação de gente e não depotencialização de gente.

“Ensinar é sempreum processo autô-nomo, em que eu sóaprendo aquilo quepassa por mim.Ninguém tem a ca-pacidade de chegarao outro e depositarnele qualquer infor-mação.”

O que você pensa de iniciati-vas não formais de educação,essas em que se reúnem gru-pos para discussão, debatese dinâmicas, por exemplo?

Eu acho que todas essas experi-mentações e iniciativas são fan-

tásticas, são modos de conseguir-mos sair do que está nos emper-rando. Mas viemos de umprocesso escolarizado. É muitocomum, mesmo sem perceber,colocá-lo nas entrelinhas. Ensinaré sempre um processo autônomo,em que eu só aprendo aquilo quepassa por mim. Ninguém tem acapacidade de chegar ao outro edepositar nele qualquer informa-ção. Não vai acontecer de umeducador ter um ótimo planopara uma pessoa e dizer “confiaem mim, que você vai se darmuito bem”. Isso é exercício depoder, em que, de alguma ma-neira, quero que o outro repre-sente o que eu queria ser e nãofui. Isso é um estupro. Todas aspropostas e convites têm que serconstruídos no encontro com ooutro, isso quer dizer que não é oaluno que vai ditar a aula, mastambém não é o professor.

E como foi o processo deaprendizagem do seu filhopela desescolarização? Eletinha aula?

Ele tinha uma aula por dia pelamanhã. Um dia era de músicacom um professor particular,artes plásticas com um grupo,filosofia com outro grupo dejovens, aula da Técnica Alexan-der comigo, futebol em dois lu-

gares e todos os dias, à tarde,Aikidô, para dar a ele a sensa-ção física de existência, de flui-dez. O resto do tempo eraabsolutamente livre, mas sem sedistrair. Então, ele não podiaassistir TV, ir para frente docomputador nem jogar video-game, porque essa batalha émuito injusta. A televisão éfeita para você ficar ali espe-rando o comercial, para vocêconsumir uma informação. Elenão ficava à frente da televisão,assistindo um programa desin-teressante, mas aceitando.Então, surgiu uma inquietação,uma fome, uma vontade. Elepassou por um processo de de-sintoxicação para ficar sensível,perceptível.

E suas pequenas, estão nesseprocesso também?

Elas estão nesse processo, em-bora não estejam na idade esco-lar obrigatória e eu vejo queelas estão se desenvolvendo deuma maneira plena, singular.Elas têm muitos desejos genuí-nos. Uma delas tem um desejoenorme por cozinhar, só que nacozinha você pode se queimar,se cortar e isso pode virar umaameaça. E nós fazemos de umamaneira que seja um desafio.Então, junto com o processo de

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aprendizagem com a cozinha,onde ela aprende química, ma-temática, português, ela tam-bém está aprendendo o que édesafiador.

Você pretende alfabetizá-lasem casa?

Eu quero que elas fiquem fora daescola, desse sistema. No Brasiltemos o problema de que não élegalizada [a desescolarização],embora não seja ilegal, já que sãoos pais que têm a responsabili-dade pela educação dos filhos –ilegal seria se elas não estivessemnum processo de desenvolvi-mento cognitivo, de abandono in-telectual. Mas como passou umareportagem triste no Fantástico,que deu a ideia de que as pessoasestão sendo processadas – em-bora estejam de fato, mas conti-nuam com seus filhos fora daescola, felizes da vida, e não vãoser presas por isso, mas têm essedesgate, que eu não quero ter –então, é bem capaz que a genteentre em um processo novo, devolta ao mundo, no qual elas vãoter o desenvolvimento delas.

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Estilo de vida desejável e de exclusividade, esse é uns dosrecados que a Moda transmite. Para tanto, se utiliza demodelos que tenham uma estética comumente tida

como “agradável”. Mas esse massivo apelo comercial nãotransmite a ideia de corpo ‘real’. No entanto, essa mensagempropagada a tantos ventos começa a fraquejar e novos ares seabrem para outros biótipos, entre eles o Plus Size, denomina-ção criada como referência a manequins acima do tamanho 44.

Para acabar com a ditadura da magreza, convém consciên-cia, e parece que estamos entrando nessa era, seja pelo cres-cente número de pessoas que são contra a alienação de exibirsomente o biótipo magro, seguindo os padrões de beleza so-cialmente impostos, ou pelo aumento de consumo da modaPlus Size no Brasil. A verdade é que o que antes era um nichode mercado, um segmento particular pouco explorado, háalgum tempo vem ganhando força, movimentando um fatura-mento anual de 4,5 bilhões de reais em todo Brasil, segundodados da Abravest (Associação Brasileira do Vestuário).

Para a consumidora Clarissa G. Eleutério, de 28 anos, a dife-rença na oferta de vestuário para clientes Plus Size de hoje, com-parada há uma década, é notável. “Durante minha adolescência,comprar roupas representava fazer uma via crucis e, em muitoscasos, se conformar com a roupa que coubesse e fosse, no mí-nimo, confortável, pois estilo mesmo era difícil imprimir com opequeno leque de roupas disponíveis em cortes, modelos, cores.”

Atualmente, grandes magazines perceberam a demandacrescente por tamanhos maiores e investem em coleções comgrande variedade de peças, melhores caimentos, e em informa-ção sobre tendências de moda. Thais Sorrentino, de 27 anos,consumidora ávida por calças jeans, afirma que possui dificul-dade para entender a grade de tamanhos de algumas marcas.Como o Brasil ainda não possui uma padronização feminina

VANESSA BALSANELLI

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Plus Size, Plus Happy,Plus Conscious

Vanessa B

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de tamanhos, cada marca possui suas medidas o que gera confusão e, para Thais, um amargor. “Tenho pro-blemas com calças jeans que estão cada vez com modelos menores. O que me deprime mais é que, quandoresolvo comprar alguma calça de marca renomada, acabo por comprar tamanho 48, sendo que uma calçajeans de marca mais popular seria 44.”.

Não somente temos a diferenciação entre tamanhos que deveriam ser o mesmo, mas também biotipos decorpos diferentes a cada marca. Para Clarissa, “muitas das lojas Plus Size lançam peças feitas para um biótipo es-pecífico, estimo que manequim 48 e altura acima da média nacional, fazendo com que muitas das peças fiquemum pouco deformadas ou muito cumpridas no meu corpo, automaticamente reduzindo o leque de opções. Es-sencialmente, esse é o mesmo problema da relação entre as modelos de passarela e as mulheres ‘reais’. É curiosocomo essa relação do ‘modelo’ versus o ‘real’ existe mesmo no universo Plus Size”.

No Brasil, há uma pluralidade de corpos femininos. Não há, portanto, um padrão de mulher brasileira.Devemos buscar celebrar essa diversidade e começar um processo de persuasão para convencer a mídia e amoda de que queremos marcas que expressem essa diversidade.

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E as meninas deixam recado para os jovens que se cobram em busca desse ideal: “Não se sintam malcom suas medidas, o mais importante é manter a saúde do corpo e mente em ordem. Cada geração evoluium pouco em relação à anterior e hoje os exemplos de mulherões Plus Size são tão mais numerosos que emminha adolescência, que quase sinto inveja das adolescentes de hoje. Antes era muito menos comum umamulher se assumir Plus Size e ser absolutamente feliz consigo mesma, era quase tabu ser feliz e realizadasendo gorda. Olha que absurdo!”, diz Clarissa.

E Thais completa: “Se quiserem mudar, que seja de forma saudável e não cheguem a extremos, partindosempre do amor próprio. Que a mudança seja por você e não pelos outros.”

Agora, se você acha difícil ter referência de estilo para manequins maiores que te inspirem, separamosalgumas das blogueiras plus size inspiradoras e estilosas para que você siga: hojevouassimplussize.com.br,grandesmulheres.com e meuespelhodiz.wordpress.com.

Vanessa Balsanelli é designer de moda

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Muitos pensam em História apenas pormeio de pessoas tidas como possuidorasde “grande relevância”: reis, imperadores,

presidentes ou intelectuais. Essas pessoas se lembramdas massas de forma anônima ou como se fossemum grande bloco, no qual todos pensam de formaúnica. Esse olhar sobre o passado omite as experiên-cias pessoais de cada um presente nesses processos,bem como seus diferentes pontos de vista.

Se pararmos para pensar nisso, notamos que essemodo de pensar exclui do passado personagenscomo mulheres, negros, indígenas e homossexuais.No caso da exclusão dos negros, estes aparecempara muitos como associados ao período da escra-vidão, sem levar em conta as mobilizações e as di-ferentes hierarquias e etnias que existiam entre ospróprios escravos. Os indígenas somem após a his-tória do período colonial português na América,formando assim uma visão reduzida da História.Também são postos como um bloco homogêneo,em que não se leva em consideração as rivalidadesétnicas e suas formas de se articular frente às suasnecessidades. Não contam sobre a formação dosmovimentos que lutaram pela delimitação de reser-vas, nos quais eles certamente têm participação.

Engana-se quem pensa que isso não ocorre comoutros setores tidos como minoritários. As mulherestrabalhadoras são esquecidas muitas vezes e o lídersindical aparece em diversos momentos (no que serefere aos trabalhadores) como aquele que levou acabo determinada ação. Pensando a partir desseponto de vista, elas também não recebem a atenção

devida quando se trata do período colonial e nova-mente aparecem como personagens isolados que,com o passar do tempo, tiveram sua imagem cons-truída para fazer parte da memória nacional.

Mulheres das massas raramente aparecem em re-flexões sobre o passado das classes populares. Issoé uma exclusão que também aparece na construçãoda história da esquerda. Se pararmos para analisar,são poucas as mulheres lembradas quando falamosda história dos movimentos operário-sindicais e par-tidários, se levarmos em consideração o número dehomens. E os negros nesses movimentos? No Brasiltambém são negligenciados.

Obviamente, devemos ter em mente que em de-terminados períodos havia, de fato, uma forte ex-clusão desses personagens em variados grupos(inclusive os de contestação), mas não devemospensar que por isso eles não atuavam de algumaforma nas mobilizações populares.

Não participa de uma greve apenas quem estánas ruas, há pessoas que muitas vezes deram fugapara militantes, como ajudaram a socorrer feridosou cederam suas casas para reuniões e esconderijo.Elas também têm participação nesses eventos. Nãopodemos achar que grandes processos históricossão feitos por indivíduos especiais, como manda aregra de uma história nacionalista que por tantotempo foi majoritária e ainda tem fortes traços noensino de História.

E os homossexuais? Só aparecem no séculoXX. Tudo bem que os movimentos em defesade seus direitos ganharam peso após as mudan-

ROGER CAMACHO BARREIRO JÚNIOR

História - Histórias:Minorias e suas experiências

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ças culturais dos anos 1960. Mas, por diversosmomentos geraram alguma forma de resistênciaaos padrões sociais. Seja por meio da escrita ouda arte, como também pelas sutilezas do coti-diano. Aqui devemos ter em mente que a repres-são da sociedade pesava sobre aqueles que eramtidos como degenerados e muitas vezes eles eramlevados aos manicômios por não “se adequaremaos padrões” sociais da época, o que tambémocorria com mulheres que não queriam ser sub-missas. A repressão não se fazia apenas pela vio-lência física, mas também simbólica.

Devemos saber filtrar o nosso ponto de vistapara poder chegar à experiência desses setores so-ciais em determinadas épocas. O que devemos pen-sar ao refletir sobre o passado é que os fatos eprocessos históricos não são obras individuais oude apenas um setor. A ação conjunta de diversaspessoas faz o protesto. Um personagem pode, aomesmo tempo, se identificar com mais de um grupo(um mulher negra homossexual, por exemplo),como pode dar apoio sem se identificar com ne-nhum deles.

Olhando para essas questões, devemos vercomo era a sociedade da época para entender de-terminadas atitudes, mas nunca podemos pensarque determinados grupos surgem ou desaparecemdo nada ou que não têm vontade própria. A his-tória não pode nos ensinar como agir para moldaro futuro, mas por meio dela podemos (e devemos)conhecer diferentes pontos de vista sobre certosacontecimentos e com isso aprendermos a respei-tar as diferentes visões de mundo, bem comoaqueles que as têm.

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Roger Camacho Barrero Junior é mestrando emHistória pela UNIFESP (Universidade Federal deSão Paulo), estuda Gênero e partidos políticos

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MANASSÉS DE OLIVEIRA

Falta o café

da manhã,

falta tênis pra ir à balada,

o sapato, pra entrevista de emprego,

falta emprego,

falta casa.

Falta muito

pra sermos um pouco apenas.

Falta apenas um incentivo

para sermos quase nada.

Falta aplicação, perseverança, esperança.

Falta desejo, motivo, falta garra.

Falta vontade política,

administração devotada,

político com espírito público

que, do público, não leve nada.

Falta um pouco de tudo

e, em tudo, não sobra nada.

Falta juiz honesto.

Falta honestidade em toda vara.

Vara com celeridade

e celeridade para mover a vara.

Falta de tudo um pouco.

Falta tudo, na nossa cara.

Falta a presença de Deus

na missa já decorada.

Falta relação com a prática.

Falta a prática da relação que é pregada.

Falta na missa a verdade.

E a verdade que, pra missa, é sagrada.

Faltas

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Falta uma escola bonita

que para a vida prepara,

no lugar de uma escola antiga

que há muito tempo atrapalha,

botando o talento no lixo

e de frente pro lixo sentada.

Cidadania é o que mais falta.

Falta povo, falta palavra,

falta atitude, falta virtude,

falta diálogo, falta até fala.

A fala minha, a fala sua,

a fala nossa, a nossa fala.

Falta um pouco ainda

pra eu entender a xarada.

Falta a metade de tudo

em quase tudo e mais nada.

Falta eu terminar esta frase

pra ela ficar acabada.

Falta motivo pra vida.

Falta uma vida motivada.

Pra acordar todo dia,

dia a dia entusiasmada.

Falta liberdade pra vida

em vez de uma vida regrada.

A falta pra nós é tão plena

que dá pena viver nesta falta.

Faltando o passado e o presente.

Futuro? Só uma existência faltada.

Será que num dia, dessa falta,

Vamos poder sentir falta?

Manassés de Oliveira é jornalista

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MARCO AURÉLIO CARDOSO MOURA | ILUSTRAÇÕES: DICASTRO

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Morte e vidaperiferia

(auto de natal paulistano)

O pobre menino explica ao leitor quem é e a que vem.

___ Me chamam de neguinho,Nem sei o verdadeiro de pia.Como há muitos neguinhos,que é vapor de escadaria,deram então de me chamarneguinho de Maria.Como há muitos neguinhos,com mães chamadas Mariafiquei sendo o de Maria,do finado seu Fonsecaque tinha uma canela fina e outra seca.Mas isso ainda diz pouco,há muitos na quebrada,por causa de um traficante,que se chamou Fonseca Grandee que foi o mais antigo comandante do meu quadrante.Como então dizer quem falaora a vossas senhorias?

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Vejamos: é o neguinhoda Maria do seu Fonseca,lá da quebrada do quadrante,com tiroteio a todo instante,nos limites do horizonte.Mas isso ainda diz pouco,ao menos mais cinco haviapor conhecido neguinho,filhos de tantas Marias,mulheres de outros tantos seu Fonseca,das canelas finas e secas,vivendo na mesma dureza,magreza e sonharia em que eu vivia.Somos muitos neguinhos iguais em tudo na vida:na mesma costela aparente,no mesmo ventre crescido,sobre as mesmas pernas finas,iguais também no sangue que se derramaque possui pouca tintadevido a tantas anemias.E somos neguinhos,iguais em tudo na vida.morremos de morte igual, mesma morte por chacina,que é a morte que se morrede velhice antes dos trinta,de emboscada antes dos vinte,de fome um pouco por dia.Somos muitos neguinhosiguais em tudo e na sina:trabalhar na biqueira de pé no chão,corre dos home, como ensina os irmão.Tentar viver como ensinou mãe Maria,E que melhor conheçam vossa senhoria.Que na vossa presençasonha que um dia,teria um natal com alguma alegria.

Neguinho presencia o natal de seu José, mestre carpina.

___ Seu José, mestre carpinaque habita esse lamaçal,sabe me dizer como será esse natal?Sabe me dizer se será vermelho Pelas luzes piscando,Ou pelo sangue derramando?___ Neguinho, de oficio vapor,jamais tive a sorte de dizer que a mortenão fosse a corque nos amargô.___ Mas seu José, mestre carpinanão falam de um tal meninoque está pra nascer,menino homem, que nos permitiria viver.___ Neguinho, de oficio vapor,esse menino de que falasjá está pra nascer,mas por ser pobre não vos deixaram viver.

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___ Seu José, mestre carpinaesse menino por causo é seu filhoque em breve nascerá,que trará alguma alegria,ao menos ao teu lar?___ Neguinho, de oficio vapor,Esse menino é um tal Jesus,Diferente no ser divinoIgual no ser franzino.Dizem que nasceu há muito tempoe o retratam branco.sorte dele...por ser neguinho como tu e eu,não iria cear,talvez apenas beliscaraquilo que sobrar.___ Seu José, mestre carpina,então o que fazer,passar o natal à mínguaesperando a gente morrer?___ Neguinho, de oficio vapor,trazer esperança pra cáé coisa de sonhador.Que Cristo, maior que já existiutome cuidado por aípra não morrer como o últimocom bala de fuzil,que não por acaso,sempre nos atraiu.___ Seu José, mestre carpinaserá que um dia isso vai mudar?Ou será que teremos de esperaros cemitérios lotar?___ Neguinho, de oficio vaporsó acabará a dorno dia em que entendermos que a vida do outronão nos cabe valor.Trazer pra terra a pazÉ realizar o sonho do maior sonhador.

(Adaptação de Morte e Vida Severina,de João Cabral de Melo Neto)

Marco Aurélio Cardoso Moura é

estudante de Ciências Sociais e morador

da Vila Brasilândia, São Paulo

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DICASTRO

Quem sou eu? Umturbilhão de per-guntas me rodeiamtodos os dias, juntocom elas, infinitascores. Perguntas emais perguntas.Transformar o quevejo em arte tomaminha mente porcompleto. DiCas-tro, esse sou eu.Produzo meus tra-balhos em Curi-tiba. Mas desdepequeno já me in-teressava por dese-nho, adorava riscaras paredes com osbatons da minhairmã. Hoje estudoGravura no AtelierCasa.

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DiCastro é estudante de Gravura na Faculdade de

Belas Artes, em Curitiba

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Você sabia que o compositor de Garota deIpanema é um dos nomes mais reconheci-dos do século passado no Brasil se chama

Marcus? Pois é. Marcus Vinicius de Melo Moraesnasceu no Rio de Janeiro, em 19 de outubro de1913. O poeta, compositor, advogado, diplomata,dramaturgo, jornalista... – já deu pra ver que faltarãolinhas nesta folha - começou a trilhar seu caminhoescrevendo versos na infância, mas foi em 1933,quando se formou na Faculdade Nacional de Di-reito, que lançou seu primeiro livro de poemas, “OCaminho para a Distância”.

Apesar de não ter trilhado carreira com a advo-cacia, Vinicius conheceu na faculdade importantesfiguras do cenário intelectual como Otávio de Faria,San Thiago Dantas e Plínio Doyle. Já com o di-ploma em mãos, exerceu no Ministério da Educaçãoo cargo de censor cinematográfico.

Já em 1938, Vinícius ganhou uma bolsa de estu-dos para estudar língua e literatura inglesa na Uni-versidade de Oxford e foi trabalhar na BBClondrina. A vida que poderia ter se encaminhadolonge do solo e cultura brasileira teve vida curta. Em1939, Vinicius foi obrigado a voltar para terras tu-piniquins com o início da Segunda Guerra Mundial.

De volta ao Brasil, passou a colaborar com a im-prensa. Por já ter então um nome reconhecidocomo poeta, desenvolveu amizade com váriosnomes importantes de nossa literatura, como Cecília

Meireles , Oswald de Andrade, Mário de Andrade,Carlos Drummond de Andrade e Manuel Bandeira.

Nas décadas de 40 e 50, Vinicius percorreu omundo como diplomata. Morou em Los Angeles,Paris e Montevidéu. Ao retornar ao Brasil, o quasecinquentão filho de músicos - o pai, um poeta e vio-lonista e a mãe, uma pianista - passou a compor emparceria com grandes artistas como Baden Powell ePixinguinha. Naquela década compôs os versos paracanções como "Chega de Saudade", "Insensatez" e"Ela é Carioca", parcerias com Tom Jobim, "Sambaem Prelúdio" e "Canto de Ossanha", com BadenPowell, e "Você e Eu", com Carlos Lyra. Claro quenão esqueceria que em 1962 compôs com o maestroAntônio Carlos Jobim, o segunda música mais to-cada de todos os tempos “Garota de Ipanema”.Para os curiosos, a primeira é “Yesterday”, dos“Beatles”.

Em 1969, foi exonerado do Ministério das Rela-ções Exteriores pelo regime militar. Se este ciclo seencerrava, a parceria mais famosa da vida de Vini-cius estava pra começar. Vinicius de Moraes conhe-ceu um jovem chamado Antonio Pecci Filho, maisconhecido como Toquinho. A amizade e parceriamusical continuaria até o fim de sua vida. Os doisfizeram diversas excursões juntos mundo afora.

Entre as várias composições da dupla se desta-cam “Tarde em Itapoã", "Regra Três" e "Como éDuro Trabalhar"

O Centenáriode Vinicius

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RAFAEL MARTINI

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Durante a vida, Vinicius também ficou fa-moso pela vida amorosa intensa. Casou-senove vezes e teve cinco filhos. Suas esposasforam: Beatriz Azevedo, Regina Pederneira,Lila Bôscoli, Maria Lúcia Proença, Nellita deAbreu, Cristina Gurjão, Gesse Gessy, MartaRodrigues e, a última, Gilda Matoso.

Alguns dos principais livros de poemasque lançou durante a vida são "O Caminhopara a Distância" (1933), "Forma e Exegese"(1935), "Ariana, a Mulher" (1936), "CincoElegias" (1943), "Poemas, Sonetos e Baladas"(1946), "Para Viver um Grande Amor - Prosae Poesia" (1965), e "Para uma menina comuma flor" (1966).

Os problemas mais sérios de saúde co-meçaram a aparecer em 1979. Voltando deuma viagem à Europa, Vinicius sofreu umderrame à bordo do avião. A morte aconte-ceu pouco tempo depois. Em 9 de julho de1980, aos 67 anos, Vinicius de Moraes mor-reu de edema pulmonar, em sua casa, aolado de Toquinho e da última esposa, GildaQueirós Mattoso.

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Rafael Martini é músico e jornalista

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Congelar omovimento

DIEGO BALBINO

Ofotógrafo Diego Balbino trabalha com panning desde oinício de sua carreira. Trata-se de uma técnica de fazerfotos com movimentos e a diferença desse estilo para

uma foto borrada é o controle do borrão na fotografia, uma tarefadifícil, pois existe uma grande dificuldade em controlar o que tec-nicamente muitos fotógrafos consideram como errado. “Ter con-trole de uma foto tremida é como dar pinceladas com luz em umagrande tela.”

Essas fotos fizeram parte da exposição “Pra que marca d’água”,na galeria Artagora, na cidade de Sevilha, Espanha. O fotógrafosempre teve anseio pela desconstrução da fotografia e realiza tra-balhos com outras técnicas, com pinhole, caseina, marrom vandike e outros processos alternativos.

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Ideias hegemônicas, reforçadas há décadaspela mídia, reverberam na sociedade que,mesmo capaz de avaliar, criticar e rejeitar o

teor e conteúdo das mensagens disseminadas,ainda demonstra resistência a novos valores, con-ceitos e paradigmas. Nota-se essa realidadequando a questão envolve crime e violência. A pu-nição, de acordo com a ideia hegemônica vigente,é consequência natural ao erro.

Crianças ficam “de castigo” se desobedecemaos pais, alunos de todas as idades são reprovadosse não atingem uma nota mínima ao término deum ciclo de aprendizagem escolar, pessoas quepraticam a violência são privadas da liberdade, ou– como em países do Oriente Médio, África e al-guns estados dos Estados Unidos – até mesmocondenadas à morte.

Há, no entanto, paradigmas contra-hegemônicosque não entendem a punição como resposta eficazao erro. Defendem o diálogo e a sensibilização parafilhos que desobedecem a regras, novas formas deacompanhamento pedagógico e ensino para que adiversidade de estudantes tenha condições de apren-der coletivamente, e a educação para a ressocializa-ção para pessoas em conflito com a lei.

Os defensores dessas ideias, todavia, trabalhamarduamente para propor a reflexão e a lógica de suasideias para a sociedade, acostumada e condicionadaao paradigma hegemônico vigente. E os meios de

comunicação evitam inserir em suas agendas essetipo de discussão. Observa-se, atualmente, a onipre-sença do “senso comum” enrijecido pelo conserva-dorismo e pouco propenso ao diálogo, à aceitaçãode novos valores, e manifesto não apenas nos meiosde comunicação de massa, mas também pelos cida-dãos comuns, por meio, inclusive, das redes sociais,reforçando a hegemonia desses valores em sua co-municação cotidiana.

Vozes nas redes

Períodos eleitorais, por exemplo, são importan-tes épocas para analisar de que forma os diferentesgrupos sociais lidam com ideias e propostas diver-gentes, a partir das mensagens da grande mídia.Dilma Rousseff, quando candidata à presidênciaem 2010, foi acusada em diversas correntes pelainternet de ter sido terroristadurante a juventude e deser incompetente e“sem histórico” para

Direito à expressão:conflito e conciliação

BRUNO FERREIRA

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exercer o cargo de presidente da república. Emais recentemente, inúmeros foram os compar-tilhamentos e comentários contrários, no Face-book, às polêmicas declarações sobre gays,negros e religião do presidente da Comissão deDireitos Humanos da Câmara dos Deputados.

É inegável que a internet possibilitou que cida-dãos comuns tornassem suas opiniões públicas eabrangessem as possibilidades de diálogo sobre osacontecimentos da sociedade, em razão de suas fer-ramentas tecnológicas que possibilitam a interação.Mas é importante destacar o teor ofensivo dasmensagens, em ambos os casos mencionados, equestionar se apenas a possibilidade de expor opensamento em rede seria o auge da comunicação.

As tecnologias da informação, cada vez maisacessíveis, permitem um intenso compartilha-mento de ideias. Mas a igualdade da qual sedesfruta em rede não garante a revisão ou

desconstrução de valores sociais hegemônicos eo estabelecimento de relações humanas baseadasno respeito e na solidariedade. O direito à expres-são é exercido nesses espaços virtuais, no entanto,os sujeitos ainda são retransmissores de sensocomum e de conservadorismo.

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Comunicação mediadora

É preciso entender que os valores disseminadospelos meios de comunicação não exercem, necessa-riamente, influência direta sobre o sujeito social. Asnotícias sobre Dilma e Marco Feliciano ecoam dis-tintamente em cada pessoa, pois cada um possuiparticularidades inerentes a fatores antropológicos,sociais, psicológicos e intelectuais, vivenciados emdiferentes contextos.

Por isso, a comunicação enquanto processo deinteração com o diferente, seja no contato com asmensagens midiáticas, nas opiniões divergentesnas conversações cotidianas, na imersão em dife-rentes realidades, envolve, necessariamente, con-flito. Então, o desafio que se coloca àcomunicação não se limita à garantia de manifes-tação da diversidade de pontos de vista. É neces-sário que se reflita sobre o seu papel conciliador.

Os meios de comunicação enfatizam a violênciapresente no cotidiano da juventude periférica, suge-rindo em suas mensagens a redução da maioridadepenal como solução. A indignação provocada a par-tir desses conteúdos, que reverberam no cotidianode muitos jovens e adultos, faz com que essa pro-posta seja aceita como melhor alternativa ao enfren-tamento da violência.

No entanto, para que o paradigma da puniçãonão persista hegemônico, é necessário pensar emuma comunicação mais mediadora, voltada às ne-cessidades de revisão de valores, de questionamento

da ordem vigente, que propicie uma constante re-flexão sobre a vida cotidiana para desconstruir es-truturas esgotadas que ainda fundamentam opensamento coletivo. A escola, a família e a religiãotêm, portanto, o importante papel de promover odebate e a reflexão acerca dos valores sociais que amídia reforça, especialmente entre crianças, adoles-centes e jovens.

Por isso, não é possível pensar em comunica-ção efetiva – mediadora, portanto – ignorando-se o seu papel educativo (e vice-versa). Tambémnão é possível falar em educação e desconsideraro seu caráter dialógico – comunicacional, por-tanto – como sempre destacou Paulo Freire.Atualmente, são os movimentos sociais que as-sumem o papel mediador da comunicação, umavez que são eles que mais insisivamente procu-ram dar o contraponto aos valores hegemônicose conservadores da sociedade, amplamente re-forçados pelos meios de comunicação de massa.

Bruno Ferreira é jornalista e educador

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Arrumar a casa?Quero uma casa minimalistaPouca coisa, muito espaçoFluído, móvel,LivreComeço por mimMe fazendo minimalistaMínimo´Minino´...

Muito nada...Pra caber tudoPoder tudoDa dança de rodaÀ brincadeira de cordaTrança, tinta, madeira, gizGente linda de tanto sorrirAconchego, corpo,Água gelada,Rede, vela, palhaçada,Nesse cantosem jeitocertoSó possibilidadesde ser sincero...

Meu Meio

RODRIGO NAZCA

Compreendendo a criação de laços, o que me falta? Por que me é algo tão desco-nhecido essa multiplicidade de próximos? Por que não se aproximam? Assusto? O quepareço? Estaria eu ocupado demais comigo, que não consigo me dar? Tantos planos eideias, sonhos demais, que me custa parar e chegar? Ou seria porque caminho por fluxose paisagens que doem caminhar e por isso não atraio caminhantes nessa trilha? O quedigo quando não digo? O que ouvem de mim? O que significo? Incômodo, é a sensaçãoque tenho, que causo... inquieto com meus próprios incômodos, levo-os, compartilho-os,afastando, assim... Então o que fazes ao meu lado? Contigo, quero cuidar, de um modoque não se pode cuidar de todos... Não dá para conhecer a todos como te conheçoou quero conhecer... por quê? Faltam ocasiões para de fato conhecer? Será isso?Não me conformo com as superfícies, n´uma mania desatinada de mergulhar...e, mergulhando, disturbo? Perturbo a limpidez da água? Intempestivo, balançoas raízes em volta? Cavo em busca de ar... Túneis em busca de lar... escureço paraclarear... enlouqueço para salutar... enlouqueço para descarar... enlouqueço para desmandar...enlouqueço para acalmar...

http://www.oceudaquelaterra.blogspot.com.br/

Claro escuro

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NATÁLIA FORCAT

http://natcartoons.daportfolio.com/

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Se faz presente a melancoliaSoprando em minha vida eterna maresia,Com fortes tufões;Saudades explodindo coraçõesE no final do horizonte alémNão há nada nem ninguém...

Somente o árido deserto indiferente,A vida indo sempre para frente, Eu luto e não venço;E às vezes até pensoQue serei assim dissimuladaRindo e chorando alucinada...

Sendo poeta, vivendo em mundo diverso,E é todo azul este meu universo,Cleópatra, Maria e Madalena;Amando, santificando e dando penaRasgo a realidade e sonho gozandoO paraíso que sempre estive almejando...

CONSTANCE BELMAR

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DivinosDevaneios

Constance Belmar é escritora

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