caravela | edição 01 | 2º semestre de 2012

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Cataa lores a le sonhos EDIÇÃO 01 SEMESTRE 2012 Cotdiano de catadores de materiais recicláveis é tema de ensaio realizado por fotógrafo que já foi morador de rua Gana: a história desconhecida do país africano no relato de um escritor-viajante porque “navegar é preciso” Imagem: Leonardo Duarte Educação: a emoção da educadora que reconhece o progresso em um estudante com deficiência E a inversão de valores no ensino com o passar das décadas no Brasil

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Catadores de Sonhos:

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Cataalores ale sonhos

EDIÇÃO

0 12 º SEMESTRE

2012

Cotidiano de catadores de materiais recicláveis é tema deensaio realizado por fotógrafo que já foi morador de rua

Gana: a história desconhecida do país africano no relato de um escritor-viajante

porque “navegar é preciso”

Imag

em: L

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Educação: a emoção da educadora que reconhece o progresso em um estudante com deficiência

E a inversão de valores no ensino com o passar das décadas no Brasil

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Mande seus textos, ilustrações, ensaios, comentários e sugestões de pauta para:[email protected]. E acesse nosso blog: www.revistacaravela.com

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Bem-vindos a bordo desta da edição nº 1 da Caravela. Após a edição ex-perimental, lançada em janeiro deste ano, demos um passo a mais na con-cepção do nosso perfil editorial, sem, no entanto, nos fecharmos em padrõesautoritariamente definidos. A ideia é que a Caravela seja sempre um meio deexperimentação e debate sobre cultura, sociedade, arte e comunicação.

É uma grande alegria contar, nesta edição, com a cola-boração do escritor Antonio Lino, que cedeu uma entre-vista sobre o seu livro Encaramujado para a edição zero.Ele nos disponibilizou uma bela crônica publicada original-mente em seu blog sobre sua passagem por Gana, que publica-mos nesta edição.

Nas próximas páginas, apresentamos o trabalho do fotógrafoe atualmente conselheiro tutelar de São Bernardo do Campo(SP) Leonardo Duarte, que busca denunciar e retratar situaçõesde violação de direitos. O seu diferencial está justamente nasensibilidade do seu trabalho, fruto da expe-riência de exclusão que viveu durante a in-fância, como menino em situação de rua.

Leonardo faz da fotografia um instru-mento de debate político sobre desigualdade social e direi-tos humanos. A exclusão o fez crítico e militante na defesade meninas e meninos que vivem na rua. Confira a entrevistacom ele na seção Papo na Proa e na sequência um de seustrabalhos mais significativos, o ensaio Catadores de Sonhos,que retrata o dia a dia de pessoas que tiram seu sustento dacoleta de materiais recicláveis.

Boa viagem!

Bruno FerreiraEditor

Fotografia politizada

Tripulaçao

EditorBruno Ferreira

Projeto gráficoManuela Ribeiro

ArteManuela Ribeiro

Colaboradoresdesta ediçãoAntonio Lino

Eric SilvaGabriela Pessoa

Hugo PazLeonardo DuarteMarize CastilhoRafael MartiniRodrigo Nazca

Rozane GuilhemVanessa Balsanelli

JornalistaResponsá velBruno Ferreira

(MTb 62552/SP)

-

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06. Papo na Proa. Ex-menino em situação de rua que hoje é fotó-grafo e conselheiro tutelar fala sobre seus trabalhos sobre violação dedireitos e vulnerabilidade social

12. CATADORES DE SONHOSCotidiano de catadores de materiais recicláveis é tema de ensaio realizadopor fotógrafo que já foi morador de rua

16. Rozane Guilhem faz uma homenagem Para o Sidney, umaluno muito especial

18. E Rafael Martini destaca a importância de Whitney Houstonpara a música

20. Bruno Ferreira explica a ideologia contida Nas Entrelinhasda Mídia

23. Toda relação é movida pelo interesse, segundo Eric Silva

24.Antônio Lino aborda suas impressões tupiniquins de Gana, um pe-queno país africano.

28. Gabriela Pessoa identifica uma Inversão de valores na edu-cação brasileira

31. Rodrigo Nazca descobre os Esqueletos que enterramossem perceber

32. O pretinho básico pode ser sustentável na constatação deVanessa Balsanelli

34. Marize Castilho mostra a necessidade de nos desarmarmosno dia a dia

35. E Hugo Paz revela a força do seu Peito de aço.

Serviço de Bordo

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Ponto de Partida

Diferenciando conceitos

Os conceitos de liberdade de expressão e liberdade de imprensa confundem-se am-plamente. O primeiro diz respeito ao indivíduo e o segundo, às empresas de comuni-cação, que se apropriam do direito individual para justificar sua atuação. O livroLiberdade de expressão X Liberdade de imprensa, de Venício A. de Lima, abordacom base em 23 artigos, diferentes aspectos dessa relação. A publicação ainda traz im-portantes documentos internacionais, como a Declaração Universal dos Direitos Hu-manos, Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, Declaração Universal dosDireitos do Homem e do Cidadão, entre outros que tratam sobre direitos humanos,inclusive sobre direito humano à comunicação e liberdade de expressão.

Educar para o sonho

Rubem Alves sugere que a Educação estimule o sonho a fim de construir um paísmelhor no livro Conversas sobre a Educação. De forma descontraída, o autor le-vanta reflexões importantes como o futuro da escola, a cooperação entre estudantesde diferentes faixas etárias e a importância de respeitar e conviver com a diversidade.O livro é um convite a pais, estudantes e educadores à reflexão sobre o atual modelode Educação formal do Brasil, questionando sua eficácia na formação de seres hu-manos conscientes e éticos.

Direitos Humanos em Vídeo

Está disponível no site Youtube um documentário de cerca de nove minutos chamado A História dos Di-reitos Humanos. O vídeo em inglês com legenda em português apresenta o percurso histórico, desde a anti-guidade ao pós-segunda Guerra Mundial, do entendimento dos povos sobre direitos que julgavam naturais atéque se consolidaram, com as Nações Unidas, em Direitos Humanos. O documentário ainda apresenta uma re-flexão sobre como esses direitos ainda são violados nos dias de hoje e a importância de lutar pela igualdadeefetiva entre os seres humanos na Terra. Para assistir ao vídeo, basta digitar o nome do documentário no campode pesquisa do site Youtube.

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Na lente da câmerae na própria pele

ENTREVISTA: BRUNO FERREIRA |IMAGENS DO ENSAIO “A PERIFERIA COMO ELA É”, DE LEONARDO DUARTEPapo na Proa

“Aquele menino que até pouco tempo dormia jogado nas ruas, estavafotografando, com uma grande ferramenta de comunicação. Isso medeu notoriedade, fazendo com que hoje eu seja conselheiro tutelar”

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São Bernardo do Campo. 20de abril de 2012. Do Termi-nal Metropolitano de Ônibus

do centro do município paulista ca-minho por cerca de 20 minutos atéchegar na sede da Secretaria Muni-cipal de Direitos Humanos. Se-guindo as placas das ruas e pedindoinformações às pessoas nas ruas,percorri um caminho longo e des-necessário. A secretaria fica a pou-cos metros do terminal. Havia maisde um ano que não ia a São Ber-nardo, e não me dei conta de quãopróximo do local onde desembar-quei estaria o meu entrevistado.

Chegando à secretaria, mais al-guns minutos de procura. Preci-sava chegar ao conselho tutelar,um dos departamentos do órgãopúblico. Estava atrasado para aconversa com um dos conselhei-ros, Leonardo Duarte, o mais vo-tado para o cargo de 2012.

Mas o motivo da conversa nãoera, exatamente, o interesse pelocargo que exerce hoje. Na verdadenão apenas por isso. O cearensenatural de Juazeiro do Norte, de32 anos, é fotógrafo. Sua militân-cia pelo direito à moradia é tradu-zida em ensaios que realizou emsua maioria em São Bernardo doCampo sobre desigualdade sociale violação de direitos.

Seu engajamento social nasceuda vivência em situação de rua du-rante a infância e adolescência, oque o motivou a buscar e partici-par ativamente de espaços públi-cos de discussão e denúncia.Dessa forma, chegou a Brasília e

ao Uruguai para representar me-ninas e meninos em situação derua em conferências nacionais einternacionais.

Confira a seguir os principaispontos da entrevista que fiz como fotógrafo e conselheiro tutelarde São Bernardo do Campo, cujotrabalho emociona não apenaspelo que retrata, mas principal-mente pela sensibilidade possívelapenas a quem viveu na pele as si-tuações que registrou.

O que te motivou a ser con-selheiro tutelar? Na sua infân-cia você viveu situações deviolação de direitos?

Eu tive a experiência de ter vi-vido em situação de rua. Quandoeu vim do Ceará para São Pauloeu fiquei em situação de rua poralguns anos. Com 12 anos eu vimpara cá, mas lá no Ceará eu játinha uma relação com o trabalhoinfantil. Eu trabalhava cuidandode carro na frente de uma pizzariae às vezes ficava a noite inteira nafrente da pizzaria para arrumar di-nheiro para levar para casa. Mas aminha primeira experiência com otrabalho infantil foi aos nove anosde idade vendendo fruta para osromeiros que iam para a cidadeonde eu nasci para pagar pro-messa para o Padre Cícero.

Você é de Juazeiro, né?Juazeiro do Norte.

Foi onde você viveu antes devir para São Paulo?

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Sim. Eu vim para São Paulo dentro de um Goltransportado por uma cegonha, eu, minha mãe emeu sobrinho de seis meses, uma irmã e um irmão.Cinco pessoas dentro de um Golzinho quadrado...

O que seria cegonha?Cegonha é um daqueles caminhões que transpor-

tam carros. Tinha um rapaz que morava próximo anossa residência. Esse rapaz trabalhava trazendo car-ros de São Paulo para o Ceará e quando ele vinha paraSão Paulo com o caminhão descarregado, ele pegavaserviços paralelos, trazendo carros usados para cá. Elecobrava a metade do valor da passagem. E foi assimque nós conseguimos vir para São Paulo.

“Era muito forte para as pessoas da minha cidade essa esperançade encontrar em São Paulo alternativas para sair da pobreza.

O que aconteceu de fato é que viemos para cá e as dificuldades colo-cadas foram as mesmas durante um grande período.”

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discutiam os direitos humanos e fui em 1996 parao 4º Encontro Nacional de Meninos e Meninas deRua, representando todos os meninos de rua do es-tado de São Paulo, fui para Montevidéu, no Uru-guai, representar os meninos de rua do Brasil, estivepor três vezes no Fórum Social Mundial, tambémrepresentando os meninos de rua do estado de SãoPaulo. E foi a partir daí que eu fui absorvendo in-formação, entendendo melhor porque existe pobree porque a maioria dos pobres é negra, comecei aparticipar com mais efetividade da luta por mora-dia, por garantia de direitos e coisas do tipo.

Mas antes dessa época você já tinha inte-resse pela fotografia?

Tinha um educador no Projeto que era fotó-grafo e sempre levava o seu equipamento para asatividades que a gente participava. E eu sempremexia de curiosidade, até que eu fui tema dessa ma-téria sobre pessoas autodidatas, e como eu aprendia ler e escrever fora da escola, eles me convidarampara participar dessa matéria para a Folha de S.Paulo e o Paulo Giandália veio me fotografar. E eudisse para ele que eu tinha o sonho de ser fotógrafo.Aí ele me perguntou se eu tinha máquina fotográ-fica e eu disse que não, mas eu estava na semanaem que eu ia completar 18 anos, o que me dava di-reito a comprar qualquer coisa no crediário. Essaera uma prática dos meus amigos da época. Mesmosabendo que ia sujar o nome, ia lá e comprava umabicicleta, um aparelho de som, uma televisão. E eucomprei uma máquina fotográfica. O Paulo Gian-dália tinha me dado três bobinas de filme. Lembroaté hoje que era um filme da Fugi de 36 poses e 800asas e com ele eu fiz uma espécie de filme contandoum pouco sobre as minhas experiências, os lugaresonde eu fiquei na rua, depois eu levei as fotos praFolha de S. Paulo e num domingo saiu na primeirapágina uma foto de minha autoria e uma fotominha e 10 imagens dentro do caderno São Paulo,

Por que vocês quiseram vir para São Paulo?Nós tivemos, até um determinado período das

nossas vidas, lá no Ceará, uma condição razoávelde vida. Meu pai tinha vindo para São Paulo antesde conhecer a minha mãe e tinha conseguido cons-truir um patrimônio considerável comparado à rea-lidade das outras pessoas. Mas meus pais sesepararam. E aí ficou muito difícil pra gente. Eu játinha duas irmãs mais velhas que moravam aqui emSão Paulo e nós viemos para cá com o objetivo desair da condição de miserabilidade. Era muito fortepara as pessoas da minha cidade essa esperança deencontrar em São Paulo alternativas para sair da po-breza. O que aconteceu de fato é que viemos paracá e as dificuldades colocadas foram as mesmas du-rante um grande período. Meu irmão logo em se-guida foi atropelado, quebrou as duas pernas, e foiquando eu comecei a ir para a rua. Só que lá noCeará, além de cuidar de carro, no percurso de casaaté a pizzaria onde eu cuidava de carros, eu passavapelas portas pedindo mantimentos, que é o que agente chama lá de pedir esmola. Chegando em SãoPaulo, eu tentei fazer isso, mas não rolou, porqueaqui as pessoas ficam meio receosas. Lá não. Aquio pessoal fica até com medo de atender achandoque é algum criminoso.

Isso com 12 anos?A partir dos 12 anos...

E onde vocês moravam nessa época?Aqui em São Bernardo, numa comunidade na

Vila São José. Foi quando eu fui atendido pelo Pro-jeto Meninos e Meninas de Rua e comecei a parti-cipar dos coletivos, dos grupos de discussão. Eudiscutia sobre os direitos da criança e do adoles-cente, comecei a participar de alguns movimentos,como o Movimento Negro, Movimento Nacionalde Meninos e Meninas de Rua. Estive em Brasíliapor diversas vezes participando de encontros que

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pessoas precisavam, com alguma iniciativa, olharpara aquela situação e entender aquilo como violaçãode direitos. Em 2003 nós tivemos um grande fatoaqui em São Bernardo do Campo que foi uma ocu-pação realizada pelo Movimento dos TrabalhadoresSem Teto e pelo Movimento dos Sem Terra. Essamobilização resultou numa ocupação. Foram 19 diasque nós passamos acampados lá e houve uma mo-bilização policial para a reintegração de posse e as fa-mílias tiveram que voltar para suas comunidades.Dentro da ocupação, eu e mais três jovens ficamos

responsáveis pelas atividades culturais que aconte-ciam. Quando teve a reintegração de posse, a gentequeria continuar com aquilo, mas não tínhamos es-trutura para fazer. Logo em seguida, teve uma chuvamuito forte aqui na cidade que resultou num desli-zamento de terra em algumas comunidades, levando12 pessoas à morte. Dessas 12, sete eram crianças daregião onde a gente atuava. Então, nós interrompe-mos as atividades no Núcleo de Comunicação Mar-ginal para acompanhar essas famílias, porque o poderpúblico na época vinha dizer que não era problemada Prefeitura porque ela nunca tinha orientadoninguém a morar em área de risco. Travamos,então, uma batalha bastante rígida com relação àPrefeitura e sofremos algumas ameaças por partede algumas pessoas que eram ligadas à Prefeituradaquela época. Ameaças delicadas, inclusive. Aí agente recuou um pouco, mas em 2009 o cenáriopolítico na cidade se modifica e aí a gente entra,com um pouco mais de força e ferramentas para

um espaço bastante cobiçado por fotógrafos. O tí-tulo era “Ex-menino de rua sonha em ser fotó-grafo”. E aí eu tive várias oportunidades. Muitas.

E você acabou se profissionalizando comofotógrafo...

Isso. Aí eu trabalhei na Folha de S. Paulo, no jor-nal Valor Econômico, trabalhei para a revistaQuem, para o site da UOL, pra revista Trip. Maseu percebi que o que eu estava fazendo não tinha aver com aquilo que eu queria, né? Eu estava foto-

grafando para a revista Quem. A gente ia fotografaraquelas festas glamourosas, com distribuição de os-tras, vinhos, uísque, charutos. Isso à noite. Duranteo dia, eu voltava para casa para dormir no últimobarraco, da última viela, em um morro extrema-mente vulnerável em tudo o que você possa imagi-nar. E isso me incomodava. Foi quando eu abrimão de outras oportunidades para voltar a trabalharna área social, utilizando a fotografia como ferra-menta para denunciar aquilo que eu entendia comoerrado, através do que eu tinha aprendido ao parti-cipar dos movimentos. Nesse período, passei a sereducador social.

E o Núcleo de Comunicação Marginal foimontado de que maneira?

Em 2004, a ideia era trabalhar a comunicação po-pular com o cinema para que as pessoas pudessemidentificar que aquela condição em que estavam sub-metidas não era de fato uma condição humana. As

“A gente ia fotografar aquelas festas glamourosas, com distribuição de os-tras, vinhos, uísque, charutos. Isso à noite. Durante o dia, eu voltava para

dormir no último barraco, da última viela, em um morro extremamente vul-nerável em tudo o que você possa imaginar.”

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denúncias me levaram a ser uma pessoa mais conhe-cida. Aquele menino que até pouco tempo atrás es-tava dormindo jogado nas ruas, vivendo numasituação de vulnerabilidade estava fotografando, comuma grande ferramenta de comunicação. Então, issodeu uma notoriedade, fazendo com que hoje eu sejaconselheiro tutelar, porque eu retratava nas fotografiaseram situações muito semelhantes com o que eu le-vava para as reuniões e espaços de denúncia. Além dedenunciar com a fotografia, eu denunciava com aminha participação em conferências e congressos.Então, eu entendo que a fotografia para mim foi umaferramenta para me trazer onde eu estou hoje. Equando a gente cria o Núcleo de Comunicação Mar-ginal com oficinas de fotografia e vídeo a partir doolhar de um indivíduo que estudou ou não, é enten-dendo exatamente que da mesma forma que a oportu-nidade que eu tive modificou a minha vida, com certezaisso pode modificar a vida de outras pessoas.

desenvolver as nossas atividades dentro de um dosalojamentos que foi criado para acolher essas famí-lias, fruto da nossa luta.

E a fotografia? Como ela entra nesse contextode luta por direitos?

No começo, talvez de forma não racional, eu de-finia a fotografia como uma ferramenta. E hoje eupercebo que de fato ela foi uma ferramenta para queeu pudesse estar aqui (no Conselho Tutelar), porqueeu comecei com uma vontade de me preparar paraser educador social para, a partir da minha interven-ção, da minha atuação, poder modificar a situação deviolência contra crianças e adolescentes e antes dissoeu me tornei fotógrafo atuando em espaços supercobiçados por pessoas que fizeram faculdade, de jor-nalismo inclusive. A partir daí eu comecei a utilizarcom muito mais carinho a fotografia para alcançaraquilo que eu almejava, que era denunciar. E essas

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ENSAIO: LEONARDO DUARTE | TEXTO: BRUNO FERREIRA

Catadoresde sonhos

“Não me surpreendi com os catadores, porque tenho uma história semelhante a deles. Eu já vivi narua e morei, antes de ser fotógrafo, na casa de uma das famílias fotografadas”. Isso foi o que me contouLeonardo Duarte quando, em 2008, fiz uma rápida entrevista com ele por telefone para uma matériaque seria veiculada no portal da minha faculdade. Na época eu estudava jornalismo.

O ensaio Catadores de Sonhos foi realizado em 2008 em São Paulo e mostra o cotidiano de famíliasque tiram seu sustento de materiais visto por muitos como lixo sem qualquer utilidade. Durante doismeses, o fotógrafo não apenas registrou a rotina de dificuldades dos catadores. Mais do que isso, pe-netrou em suas almas, compartilhando os seus próprios sonhos. O resultado desse convívio você acom-panha em algumas das fotos do ensaio, publicadas a seguir.

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Tenho vinte e sete anos de magistério, todoseles dentro da escola pública. Nesses anostodos, tive muitos alunos e conheci muitos

professores, mas nenhum aluno me emocionoumais do que o Sidney e nenhum professor me emo-cionou mais do que a Cátia.

Sidney era uma criança linda, que eu conheciquando ele entrou no primeiro ano na escola emque era diretora. Tinha paralisia cerebral, tetraplegia,não falava e tinha movimentos involuntários dosmembros superiores. Sãopaulino roxo, sua cadeirade rodas tinha muitos adesivos de seu time de co-ração e era fã incondicional do Rogério Ceni. Amãe dele, sempre muito presente, nos ajudava bas-tante, seja no cuidado com ele, seja na luta por me-lhores condições para atender aos alunos deinclusão. Foi adotado por todos da escola, alunos,funcionários e professores. Nos intervalos, ascrianças empurravam sua cadeira e brincavam deesconde-esconde e pega-pega com ele. Os olhosdele brilhavam e ele sorria. Como qualquer criança!

Uma pessoa em especial fez a diferença na vidadessa criança: Cátia, a professora da Sala de Apoioe Acompanhamento à Inclusão (SAAI). Desde aprimeira vez em que nos encontramos, Cátia meencantou. Meiga, mas ao mesmo tempo firme, de-fendia a inclusão com propriedade. Dedicada,

fazia pós-graduação em psicomotricidade e erauma apaixonada pela educação. Dessas pessoas,raras hoje em dia, que a gente tem orgulho emdizer que é amiga.

Estabeleceram uma relação dialógica, mesmo oSidney não falando. Se comunicavam pelo olhar. Àsvezes, entre um memorando para assinar e umamãe para atender, escapava para ver os dois traba-lhando numa salinha do outro lado do corredor. Jáno caminho entre a minha sala e a sala da Cátia,uma alegria imensa me invadia. E lá estavam elestrabalhando com blocos de montar, com figuras eletras e muitas vezes encontrava a Cátia fazendoexercícios com o Sidney no chão.

Mas um dia foi muito, muito especial... Estava muito aborrecida, cansada, dia difícil

mesmo! Burocracia do final de ano, falta de profes-sores, briga de alunos, prestação de contas...

Eis que surge Cátia na porta da minha sala, comaqueles doces olhos azuis perguntando se eu poderiadar uma paradinha para acompanhá-la até a sala dela.Por um instante hesitei, afinal estava atolada emnotas fiscais e papeis. Mas fui. E que maravilha! Nasala da Cátia estava o Sidney no meio de algumas fi-guras e blocos com letras. A Cátia mostrou então afigura de uma bola. Disse algo como: “Sidney, isso éuma bola. Vou começar a te mostrar as letras!”

Para o Sidney“Ninguém liberta ninguém.

As pessoas se libertam em comunhão.”Paulo Freire

ROZANE GUILHEM

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Pegou uma letra em cadamão, um “b” e um c”.“Olhe para a letra certa edê uma piscadinha”. Sid-ney lentamente virou a ca-beça para a letra b e piscou.E foi assim até terminar a pa-lavra “bola”. Repetiu com váriasoutras palavras. Sidney estava alfa-betizado. Saí da sala para que ele nãome visse chorando. Depois disso, Sid-ney fez as avaliações promovidas pela redemunicipal, com a ajuda de um escriba e sem-pre se saiu muito bem, um dos melhores da es-cola. Excelente aluno em matemática, tinha umraciocínio rápido e sempre surpreendia a todos.

Quando mudei de escola, Sidney começava abalbuciar algumas palavras. Lembro da última con-versa que tivemos. “Sidney, eu vou embora da es-cola”. Ele franziu a testa, disse ”Não” e umalágrima escorreu de seus olhos. Várias escorreramdos meus. Nos abraçamos em silêncio.

Rozane Guilhem é supervisora escolar, formadaem História e Pedagogia. Desde 1987 é funcionária

da Prefeitura Municipal de São Paulo

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RAFAEL MARTINI

Em 11 de fevereiro, numa suíte do quartoandar do Beverly Hilton, hotel de Los An-geles, hospedava-se Whitney Houston,

dona de uma das vozes mais consagradas e premia-das de todos os tempos. Na Califórnia para se apre-sentar em uma premiação em homenagem a CliveDavis, empresário que a descobriu quando tinhaapenas 11 anos de idade, Whitney foi encontradamorta, aos 48 anos, afogada numa banheira.

Menos de dois meses depois da fatalidade, a au-tópsia divulgara que foram encontradas muitas ci-catrizes, 11 dentes falsos, uma marca de agulha,queimaduras, e nove tipos de drogas em seu corpo,como cocaína, maconha, relaxantes musculares eantialérgicos.

E é apesar – ou mesmo em troca – da polêmicae tristeza que a notícia gerou por todo o mundoque esta coluna abre espaço pra contar os fatosmais relevantes dos tempos áureos da artista. Umapincelada nos feitos da carreira da cantora que con-quistou uma legião gigantesca de fãs e bateu recor-des nos quatro cantos do planeta.

Filha da cantora gospel Cissy Houston e sobrinhada também consagrada Aretha Franklin, Whitney co-meçou a trilhar a carreira musical aos 11 anos de idadecomo solista do coral júnior de uma igreja batista.Nascida em Newark, maior cidade do estado deNova Jersey, nos Estados Unidos, ela passou três anosacompanhando a mãe em seus shows. Não muitodistante disso, em 1977, aos 14 anos, passou a atuarprofissionalmente como cantora de suporte (backing

vocal) em álbuns de artistas como Lou Rawls e Jer-maine Jackson – irmão de Michael Jackson.

O mesmo Jermaine foi um dos produtores eresponsáveis pelo álbum que levaria Whitney aomundo. Em fevereiro de 1985 foi lançado o pri-meiro álbum da diva, que de cara já recebeu elogiosestrondosos de importantes fontes críticas como ojornal The New York Times e a revista Rolling Sto-nes. Com hits como You Give Good Love e Grea-test Love of All chegou a ficar, em 1986, 14semanas como o álbum mais vendido em todo omundo, além de ter três indicações ao Grammy.

Empolgada com o começo meteórico de car-reira, Whitney lançou, em junho de 1987, seu se-gundo álbum. Pela primeira vez na história umaartista mulher lançava um disco que já estreava emprimeiro lugar. Com os sucessos I Wanna DanceWith Somebody, Didn’t We Almost Have It All, SoEmotional e Where do Broken Hearts Go ela che-gou a um recorde que perdura até hoje. Whitney setornou a única artista a emplacar sete músicas con-secutivamente em primeiro lugar na lista das maisouvidas da Billboard, principal fonte estatística domundo musical pop.

Na mesma época, no ano de 1989, aproveitandoa onda “infinita” de sucessos, ela inaugurou o TheWhitney Houston Foundation For Children – umaorganização sem fins lucrativos que arrecada fun-dos no mundo inteiro para ajudar crianças doentese sem lar, além de trabalhar com a prevenção deabuso infantil e alfabetização.

Talento alémda polêmica

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Com a carreira em alta e já considerada uma dasmaiores estrelas da música, Whitney não perdeutempo e, desta vez, com mais autonomia e know-how lançou seu terceiro registro, I’m Your Baby To-night, produzido por músicos consagradíssimoscomo Steve Wonder e Baby Face. Whitney atingiunovamente sucesso mundial. Ganhou quatro discosde platina nos Estados Unidos e vendeu 12 milhõesde cópias ao redor do mundo.

Seria então o auge? Quando se pensava queWhitney já havia conquistado tudo o que umagrande estrela da música pode sonhar, ela expandiua atuação profissional e como atriz protagonizou,em 1992, juntamente com o ator Kevin Costner, oblockbuster O Guarda Costas, considerado pormuitos o ápice da carreira da diva.

Não só pelo fato do filme ter arrecadado im-pressionantes 410 milhões de dólares, mas pelo lan-çamento da trilha sonora da superprodução. Elacontribuiu com seis músicas, incluindo o tema dofilme, I Will Always Love You. Escrita e gravadaprimeiramente por Dolly Parton em 1974, foi a in-terpretação de Whitney que marcou história. A mú-sica ficou no primeiro lugar das paradas de sucessospor 14 semanas e proporcionou a honra de receber,em 1994, três Grammys, incluindo o prêmio demúsica e álbum do ano.

É claro que a carreira de Whitney não parou poraí. Mas é mais do que justo aproveitar o espaço quetenho para exaltar alguns fatos que marcaram ostempos áureos de uma das maiores artistas de todosos tempos. Não tenho dúvidas de que ela deve serlembrada muito mais pelo raríssimo talento do quepelas polêmicas que cercaram o fim de sua vida.

Rafael Martini é jornalista e músico

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BRUNO FERREIRA

Hoje em dia é público o conhe-cimento sobre as manobrasdos meios de comunicação de

massa. Ninguém pode dizer que a mídianão manipula, que a imprensa é impar-cial, que tudo o que se vê no Jornal Na-cional é verdade absoluta e inques-tionável. É ótimo que a audiência co-nheça as técnicas de manobra e estejaconsciente de que muitos discursos,mesmo que bem disfarçados de impar-cial, são repletos de valores e ideologia.Mas isso tudo não está evidente. Emmensagens supostamente isentas de po-sicionamento, a escolha por determina-das palavras muitas vezes revela nasentrelinhas a posição das empresas decomunicação de massa.

Um exemplo é a preferência pelouso da palavra “invasão” por alguns veí-culos de comunicação, quando fazemreferência ao Movimento dos Trabalha-dores Rurais Sem Terra, o MST. “Inva-são” não é o mesmo que “ocupação”.A primeira palavra remete à violência,ataque, roubo, apropriação indébita. Asegunda palavra, por outro lado, carregaum sentido mais ameno, de preencherum espaço vazio. Assim, quando o Jor-nal Nacional diz que o MST “invadiu”

uma propriedade está, de modo implícito, caracterizando o mo-vimento negativamente, como criminoso.

Também no esporte a grande mídia revela nas entrelinhassuas predileções. Ainda que com discrição, mancha a imagemde times quando prefere dizer que um foi “derrotado” poroutro, em vez de dizer que um time foi “vencido” pelo ad-versário. As palavras, isoladamente, têm sentidos positivos ounegativos. Quando usadas num contexto, são capazes de exal-tar ou desgastar personalidades e setores sociais. Elas, por-tanto, não são usadas aleatoriamente pelos meios decomunicação de massa.

Nas entrelinhasda mídia

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por um meio de comunicação de massa exerceuma influência sobre os receptores. Para ele, afunção da mídia é persuadir as pessoas para ado-tarem um comportamento esperado pelo emis-sor da mensagem.

Mas é claro que não é possível generalizar,principalmente nos dias de hoje, em que as pos-sibilidades de acesso à pluralidade de informaçãosão muito maiores que as dos séculos XIX e XX.Certamente, ainda há inúmeras tentativas de in-fluenciar pessoas, mas somente as mais desavi-sadas caem em certos apelos midiáticos. Sãoaquelas que não costumam acessar informaçõesem diversos veículos de comunicação, que difi-cilmente leem, buscando um entendimento emvisões diversificadas de mundo. Elas acabam ad-mitindo com certo automatismo as visões ideo-lógicas e de consumo mais fortemente presentesnos meios de comunicação de massa.

Pensando a comunicaçãoNa década de 1940, com o fortalecimento do

cinema de Hollywood e o crescimento do setorde comunicação dos Estados Unidos, pensado-res elaboram teorias sobre a função dos atoressociais da época, inclusive quanto aos meios decomunicação de massa, procurando identificarnesta última as suas funções e problemáticas.

Era a chamada Escola Funcionalista, que es-tabeleceu uma analogia entre a sociedade e ocorpo humano. Assim como o bom funciona-mento de todos os órgãos do corpo mantémseu equilíbrio e saúde, também na sociedade,escola, família, religião, meios de comunicação,governo e outros setores sociais tinham funçõesespecíficas, todas visando o estabelecimento deuma ordem social baseada no domínio e con-trole das massas.

Segundo o teórico Harold Lasswell, da Es-cola Funcionalista, uma mensagem transmitida

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Coincidência ou não?Um caso marcante e muito polêmico que pode

exemplificar a tentativa de influência da massa estána polêmica edição do debate entre Lula e Collor,quando um era adversário do outro no segundoturno das eleições presidenciais de 1989. No dia se-guinte após o debate, duas edições foram realizadas.A primeira foi uma mais isenta, veiculada na parteda tarde no Jornal Hoje, mas considerada inade-quada pela alta cúpula da TV Globo.

A edição é o olhar que o meio de comunica-ção dá a determinado conteúdo, podendo desta-car aspectos positivos ou negativos de umaquestão ou situação. Por mais que a imprensaafirme exercer o seu papel com “isenção” e “par-cialidade”, olhos treinados podem perceber in-dícios de posicionamento.

A segunda edição do debate favoreceu Collor,destacando os seus melhores momentos e os pioresde Lula. Foi exibido à noite no Jornal Nacional, tal-

vez o programa mais eficiente para difundir a men-sagem implícita de apoio a Collor e repúdio a Lula,por causa da grande audiência do telejornal desdeaquela época.

José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni,então vice-presidente de operações da Rede Globo,confirmou recentemente o favorecimento de Col-lor por parte da emissora, assunto que até então eratabu no canal carioca, mas amplamente discutidopor estudiosos de comunicação, que destacam oacontecimento com um dos mais relevantes da his-tória da imprensa brasileira.

É claro que não é possível dizer com certeza queCollor venceu Lula apenas por conta da edição ten-denciosa do debate. A questão é que o caçador demarajás saiu vitorioso em 1989, o que satisfez a fa-mília Marinho, dona da TV Globo, e marcou anossa história com corrupção e consequente im-peachment do então presidente da república

Bruno Ferreira é jornalista e educador

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Éisso mesmo, temos que aceitar que nossas rela-ções são construídas por nosso puro interesse eegoísmo, e precisamos compreender que isso

não é errado, é algo natural nosso. Família, amigos,religião. TUDO é montado e moldado aos

nossos interesses e nesse texto vou tentarcomprovar isso para vocês.

Na verdade tudo na nossa vida é mo-vido pelo interesse, e o principal é o de

sobrevivência, com base nele tudo semove. Esse nosso instinto de so-

breviver estabelece um "modelo"de como vamos viver no dia a diae que tipos de interesses cabemnesse molde criado por nós.

Parece meio complexo, masé bem simples! Temos nossos

gostos e preferências paramanter o nosso viver dojeito que desejamos, issovai de uma simples opção

de cor de roupa até a religiãoque escolhemos seguir.

Quando criamos esse modo de vida ba-seado nas nossas vontades e escolhas, fazemos

de tudo para garantir que esse molde nãoseja abalado e que esteja sendo melhorado acada dia ou fique estável.

Aí que vem a questão do interesse nasrelações humanas, que são manutenções

contínuas do nosso viver, é nas rela-ções sociais que surgem os inte-

resses egoístas que servemcomo garantia do bem

ERIC SILVA

TODA relação ébaseada no interesse!

Você mequer?

O quevocê podeme dar?

estar do indivíduo, sem elas nunca seria possívelestarmos satisfeitos, ou pelo menos estáveis coma vida que levamos.

Você se relaciona com um outro ser porqueexiste algum interesse por trás desse contato, aspessoas se gostam, querem estar próximas umasdas outras para satisfazerem suas vontades maisprofundas e quase nunca externam esse pensa-mento porque na sociedade em que vivemos isso évisto de forma negativa.

Fomos criados com a ideia de que devemos ajudaro próximo, mas dificilmente alguém nos diz que nos-sos interesses estão por trás desses atos de caridade.

Devemos admitir e aceitar essa realidade daforma mais natural possível. Não é errado seregoísta, porque já nascemos assim por causa donosso instinto de sobrevivência e de preservação emanutenção do nosso viver. O real problema é aforma como apresentamos esses interesses e o jeitoque tentamos saciar as nossas vontades.

Então, perceba e assuma que você é um ser to-talmente individualista e que até em ações coletivasexistem os interesses individuais que reinam e nosguiam para a conservação do nosso viver que pre-zamos tanto.

Era essa a intenção do texto, meu interesse defazer você pensar sobre o assunto e admitir que émais um interesseiro no meio da multidão!

Eric Silva é educador e estudante de Ciências Sociais.Seus textos podem ser encontrados em

http://orestante.blogspot.com

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Como um anfitrião cortês recebendoseus convidados à porta, o calor despe-me as coberturas, desnecessárias agora

que o inverno é lá longe. Uma brisa quentevem trazer as boas vindas: - Akwaaba!, sopra-me como bafo nos ouvidos, em dialeto local.No final do desembarque, quem me acolhe éAcra, capital de Gana.

Para completar a fraterna recepção, me es-premo entre os locais dentro de um 'trotro' lo-tado. As numerosas latarias carcomidas,responsáveis pelo transporte público na cidade,disputam (na buzina e na truculência) lentoscentímetros adiante. O trânsito é de abismaraté paulistano.

Empacado no ponto morto do surrado uti-litário, vejo o comércio passar sonoro e cauda-loso. No lugar da África que pede, pintada naminha imaginação com tintas de estereótipos,encontro uma África que oferece.

Pelas janelas feitas vitrines, admiro o equili-brismo dos ambulantes. De bananas fritas aovos cozidos. De alfinetes a dicionários. Dechaves de fenda a cadarços. De crachás a bolasde futebol... Toda sorte de quitutes e parafer-nálias desfila dentro de bacias, carregadas comdestreza em cima de incontáveis carapinhas.

Padecendo de derretimento dentro da es-tufa motorizada, aceno à hidratação. A de-manda aguça a ligeireza de uma moça, que seaproxima frenética. Uma mão sobe para dimi-nuir o estoque de águas de beber ensacadas.Mas antes que a transação se finalmente, o en-garrafamento desentope por uma brevidade.Cliente em movimento, sou perseguido. A obs-tinada se pendura no parapeito fugitivo para

GanaANTONIO LINO

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Gana, contam-se mais de 60 fortificações erguidaspelos homens do Norte, a partir do século XV,para o serviço de escudos militares e entrepostoscomerciais. A roedura da África começou pelasbeiradas. Sigo para uma das primeiras dentadas.

Caranguejo três horas pela orla, tangenciandoo encontro do país com o mar. Elmina é meu atra-cadouro: aqui, há mais de 500 anos, petrificou-seo Castelo de São Jorge da Mina, a edificação eu-ropeia mais antiga ao sul do Saara. No pátio cen-tral, a capela. Em torno da sacristia, os armazénsde gentes. Os negros desplantados violentamentede suas terras foram trazidos a essas dependênciaspara serem convertidos em fiéis e cifrões.

Agrupado a outros turistas, desço para umdos calabouços: fétida ante-sala dos navios ne-greiros. Os ouvidos dessas remotas paredesaprenderam a falar. De tanto escutar agonias,esses muros murmuram.

Mais um porão. Sobre a entrada, a sentença:“Room of no return”. A fresta exígua por ondeentra luz na verdade é saída. Pelas contas de LuizFelipe de Alencastro, mais de 300 mil atravessaramesse vão na muralha tendo a minha pátria comocompulsório destino.

Nas externalidades do sítio histórico, patrimô-nio da desumanidade, reconheço a herança. Asmulheres boiam receitas na fervência do dendê.Os homens fecham escapatórias nas redes de

entregar meu meio litro plastificado e receber napalma aberta em cuia a sua contrapartida: 5 pesawas[algo em torno de R$ 0,07]. A venda se arremata emcorreria. A bacia: sempre atarraxada à cabeça.

Lembro-me de uma nota em Kapuscinski:“Como surgiram os navios nos lagos no interior docontinente? Vieram dos portos oceânicos; lá eramdesmontados e as peças transportadas na cabeça dosnativos até a beira dos lagos, onde os navios erammontados novamente. Também foram levadas parao interior da África, peça por peça, cidades inteiras,fábricas, equipamentos de mineração, usinas elétri-cas e hospitais. Toda a civilização tecnológica doséculo XIX foi transportada para o interior daÁfrica na cabeça de seus habitantes”.

E a multidão de carregadores acrobáticos segueem marcha. Correnteza de corpos entre filas de au-tomóveis estagnados. Ou escoando pelas vielas es-treitas dos mercados labirínticos. É a maré dahistória em refluxo: uma vaga humana cospe-meno colo todo o lixo ocidental.

Para os descapitalizados, os bancos anunciam ten-tadores empurrões financeiros. Os sedentos podemse aplacar com a cevada espumante liquefeita em bar-ris bretões. Não há mais fronteiras no planeta da te-lefonia. Assim é nos dias de hoje: a emergente Acrase adornando com enfeites de publicidade.

Nos idos de ontem, os marcos de posse do co-lonialismo eram menos coloridos. Pelo litoral den EDIÇÃO 01 | 2º SEMESTRE DE 2012

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pesca. As crianças interrompem a amarelinha ris-cada de carvão: “Obrunie [pessoa branca], howare you?” “I'm fine, thank you!”. Só descansam ocoro quando retribuídas com aceno e sorriso. Soba mira dos canhões enferrujados do Castelo de El-mina, passeio por uma Bahia anglófona.

Na marra, os holandeses tomaram a fortalezaaos portugueses. Depois, passaram-na por moedaaos ingleses, que por sua vez ocuparam a Costado Ouro sem etiquetas de lorde. Retornado à ca-pital, aprendo de um artesão no mercado de artesa história de um famoso tamborete: o assento sa-grado dos ashantis foi profanado por um buro-crata britânico que insistiu em acomodar asnádegas no trono exclusivo aos chefes tradicio-nais. O povo indignado armou-se em resistência.

Meio século ainda demoraria até que os súditosda rainha definitivamente se erguessem das cadei-ras nos gabinetes da administração colonial. Lentae constante, como uma maresia comendo gri-lhões, a luta pela independência finalmente preva-leceu. Em 1957, Kwame Nkrumah, o regente daautonomia conquistada, discursou como soberano

num descampado em que os europeus costuma-vam jogar pólo. Acendera um estopim. Nomesmo, três anos depois, dezessete países africa-nos também se desabraçariam de seus algozes.

Hoje, o memorável palanque é mausoléu. Nasadjacências do seu leito perpétuo, o líder nacionalimortalizado em bronze continua fiel a seu lema:“forward ever, backward never”. Sua estátua tentaum passo a frente.

É preciso: novos imperialismos rondam a eco-nomia promissora. Não fazem estardalhaço.Dessa vez, sorriem em painéis de propaganda einfiltram-se sorrateiros nas baciadas de amenida-des importadas que pesam sobre a cabeça dosvendedores ambulantes.

A liberdade é escorregadia. Permanecê-la éeterna vigília. Exige sentidos atentos. Como os dorastafári, que ao chacoalhar meu recém-adquiridobrinquedo de percussão, percebeu um engodo.Abriu as pequenas cabaças redondas. Salpicoupara fora os pedregulhos impróprios para a boamúsica. E recarregou-me o ritmo com o chiadode sementes nascidas em Gana.

Antonio Lino é escritor. Relatos de suasviagens podem ser lidos em seu blog

(http://dizquefuiporai.blogspot.com)nEDIÇÃO 01 | 2º SEMESTRE DE 2012

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Há alguns meses uma charge do cartu-nista francês Emmanuel Chaunu circu-lou nas redes sociais com vários

indícios de que as pessoas aprovaram o seu con-teúdo. Marcada por dois momentos diferentes, oprimeiro quadrinho, datado de 1969, mostra umcasal de pais, em frente a uma professora segurado seu papel, demonstrando aborrecimentopelas notas do filho, indagando-o: “Que notassão estas?”. O segundo momento, com data de2009, mostra a situação inversa, os pais irados in-dagam a professora: “Que notas são estas?”.Desta vez é o filho do casal que está seguro doseu papel, enquanto a professora teme a aborda-gem dos pais.

A charge é francesa, mas quem acompanhaminimamente as notícias sobre a educação bra-sileira não teme em concordar com a charge emsua totalidade. Afinal, no passado os professoreseram mais valorizados mesmo, os pais acompa-nhavam mais a rotina escolar de seus filhos e asescolas não eram essa “bagunça” que são hoje.

Mas aqui vamos tentar apontar algumas ques-tões, pensando na situação nacional.

Desde 1969, muita coisa mudou. Vamoslembrar, já que há muito esforço para que es-queçamos esse fato, que em 1969 vivíamos aDitadura Militar. Em um estado de exceção, háum esforço para “conter” a população, fa-zendo-a aceitar o regime. A instituição escolarera um prato cheio para esse objetivo e suas re-formas visavam orientar o aluno, de forma queacreditasse viver em uma democracia e a ter or-gulho de sua pátria, sem espaço para questio-namentos. Associar a “educação boa” à épocado Regime Militar pode ser perigoso para aque-les que acreditam na educação como exercícioreflexivo e formador de um indivíduo social-mente ativo.

Quem acredita que na década de 60 a educa-ção era melhor, talvez não saiba que o acesso aeste direito era extremamente limitado. Todostinham direito à educação, mas à educação pri-mária, e não ao curso como um todo. Todos os

Inversão devalores naeducação brasileira

GABRIELA PESSOA

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atual, de salas lotadas e sem estrutura, queda nossalários, desvalorização da profissão.

Outro aspecto a ser considerado é a formaçãodas famílias e a relação com o mercado de trabalho.Em meados da década de 1960, a função femininaera zelar pelo bem estar da família, da casa e da edu-cação dos filhos, enquanto o pai, responsável finan-ceiro pela casa, trabalhava para prover o sustento.Hoje, a situação mudou. Com as novas tecnologias,o trabalho não fica mais restrito ao ambiente pro-fissional, trabalha-se cada vez mais. Os filhos, cadavez mais sozinhos precisam ser “recompensados”

alunos frequentavam o curso primário, mas parao prosseguimento dos estudos era necessárioprestar um exame de admissão. Não é necessáriomuito esforço para imaginar quais alunos con-seguiam passar no exame e cumprir todos osanos escolares e quais eram excluídos do am-biente escolar. Ou seja, com poucos alunos, compoucas aulas e com um ensino restrito, os pro-fessores tinham melhores condições para traba-lhar e o sistema, obviamente, funcionava bem.Uma vez que a massificação do ensino brasileirofoi feita sem planejamento, caímos no dilema

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pela ausência dos pais. Nesse sentido, a escola éuma ótima ideia, pois é um depositário, público ouprivado, de filhos que ficam por determinado pe-ríodo, enquanto os pais trabalham. O que eles estãofazendo na escola não é a questão principal, pelomenos não estão sozinhos ou na rua.

A educação mais básica à formação completa édelegada ao professor, responsável por educar eformar todos aqueles filhos, já que os pais não têmtempo. Nessa situação, os pais não querem ser paisna totalidade, e sim pais legais. Instaura-se a sín-drome do “meu filho pode tudo”: “meu filho xin-gou a professora, mas não foi culpa dele”, “meufilho bateu no amiguinho, mas não foi culpa dele”,e daí para casos mais graves ou, como retrata acharge, “meu filho tirou notas baixas, mas a culpanão é dele”. Nunca a culpa é do filho, é sempre dosoutros, aos olhos desse novo perfil de pais.

A educação é um fenômeno social e uma socie-dade que não a valoriza não deveria reclamar de seumau funcionamento. Valorizamos as profissões querendem um rápido retorno financeiro, ao invés deestimular diversas atuações profissionais, como as

científicas. Nos esquivamos de educar, de orientaraqueles que não estão sob nossa responsabilidadedireta pelo simples fato de que os pais, ou a escolasão os únicos responsáveis por aquele ser. Uma so-ciedade individualista parece não ser compatívelcom uma educação realmente transformadora.

Todos esses apontamentos são complexos e desoluções nada fáceis. No entanto, é necessário re-pensarmos estas questões não tão antigas para quenão caiamos no saudosismo simplista de modo aachar que “o antigo era bom e o atual é ruim”.Essa postura em nada ajuda a compreender a si-tuação que está diante de nós. Refletir sobre quaisfatores geraram essas mudanças e repensar nossasposturas e responsabilidade sobre a educação,como pais, professores, alunos, ou minimamentecomprometidos com este tema, é fundamentalpara reverter o quadro da educação brasileira.

Gabriela Pessoa é historiadora e educadora

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RODRIGO NAZCA

Esqueletos...Um assassino cruel. Sem piedade, sem parcimônia. Não poupa nenhuma

vítima, quer todas cinzas, todas passadas...

Matou os primeiros 24 demoradamente, com prazer, pois tudo era novo, eramsó possibilidades, descobertas! 1440 dilacerou com gana, gula, emoção,

rapidamente, com uma metralhadora! 86.400 já deu mais trabalho... Mas aindajovem, perseguia-os, não escapava um. Depois de matar 2.592.000 vinte e uma

vezes, pelo Diabo, está exausto. Quer férias! Gastou tudo que tinha, cada munição,cada dente, cada fôlego. Mas não! Não pode! Algo não o deixa, que será? Que

merda! É preciso parar! Milhões, milhões! É uma calamidade! Não a morte, mas ocansaço! O tédio, a arrastar, a demora... Mas não, é preciso mais! 31 milhões e 104

mil vítimas indiferentes... em um período que parece longo, mas que a cadageração torna-se menor... É uma chacina enorme, é verdade, quanto trabalho!

Sente-se explorado por esses malditos que têm que matar...

E até hoje, desesperadamente sem aguentar mais tarefa tão insípida, tão sem graça,tão desagradavelmente insossa, pois os sentidos já não reagem a essa desmedida,

é forçado a admitir que matou, sem paz, sem trégua, 653 milhões e 184 mil...

segundos...

canalhas...

desnudos...

e contando...Milhões de segundos, minutos e horas... anos e décadas... mortos, no inferno! E

intermináveis! Tempocidas, todos nós, pois tudo que fazemos é matar O TEMPO.

http://www.oceudaquelaterra.blogspot.com.br/

Esqueletos...

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Amoda é conhecida por seu sistema capita-lista, no qual se lança um produto, se esta-belece o desejo, consome-se, torna-se

obsoleto, desenvolve-se um novo produto, pro-paga-se como novo sonho de consumo. A roda docapitalismo gira em torno do produto, desejo, aqui-sição, e descarte, tornando o consumismo compul-sivo e com grande impacto ambiental.

Mas há alguns anos, a preocupação com o con-sumo sustentável aumenta, tornando conscientegrande parcela da população não somente no âm-bito financeiro, como uma forma de economizar,mas também com a escolha de marcas que são so-cial e ambientalmente responsáveis, ou na assistên-cia a projetos que utilizam a moda para arrecadarfundos para instituições de caridade.

Assim foi a ideia de Sheena Matheiken, irlandesaque passou sua infância na Índia, ao criar o TheUniform Project com intenção de ajudar a Funda-ção Akanksha, organização não governamental vol-tada à educação de crianças que vivem em

VANESSA BALSANELLI

condições precárias, com o objetivo de arrecadarfundos para colocar essas crianças nas escolas, co-brindo suas despesas educacionais. Na Índia sãomais de 10 mil crianças que não têm a oportunidadede estudar, tornando a diferença social ainda maisevidente no país.

The Uniform Project nasceu em meados demaio com a colaboração de Eliza Starbuck que pro-jetou e confeccionou o Litlle Black Dress (LBD),um vestido que pudesse ser usado frente ou verso,que fosse versátil para ser utilizado de diferentesformas, com itens feitos a mão, doados, já existen-tes no guarda roupa de Sheena e de artistas social eambientalmente responsáveis que a ajudassem acompor o visual dos 365 dias do ano em um exer-cício de sustentabilidade e desafio de criatividade.Com o engajamento de pessoas que comentarame apoiaram a causa foi possível ajudar 287 criançasda fundação.

Sheena conta, como convidada de um TEDx –uma espécie de evento para que pessoas de grandes

Pretinho básicosustentável

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ideais possam partilhar suas experiências – , que tor-nar o projeto interativo com classificações e comen-tários foi decisivo para que mais pessoasparticipassem diariamente e se sentissem parte doprojeto, comentando, avaliando, doando além de di-nheiro, acessórios que foram leiloados ao final doprojeto com a renda total revertida para a Fundação

Akanksha. Inspirada pelas ideias de Martin LutherKing sobre filantropia, ela iniciou o projeto, que apósum ano de duração, conscientizou e conscientiza ou-tras mulheres que partilham desse ideal e fazem seuspróprios LBDs.

India S. Menuez, Angie Johnson, Summer R. Oakese Aki Goto foram algumas das escolhidas pelo Uni-form Project no segundo ano do projeto para criaremseus próprios vestidos pretos e no período de um mêsparticipar desse desafio criativo ajudando entidades deseu interesse como Our Shool at Blair Grocery, Free theChildren, Charity: Water, entre outras. Cada desafio domês foi divulgado no site oficial, além dos blogs das pró-prias participantes, mostrando seus estilos diferentes ecomo podem ser criativas utilizando um mesmo tipo devestido ao longo do mês. Além delas, outras pessoas seenvolveram com o projeto pelo mundo, comentando,apoiando, fazendo seus próprios blogs e contando acada dia sobre as instituições que apoiam.

Destaque no The New York Times, CNN, LondonTimes, BBC, Vogue, Elle, The Guardian, Marie Claire,e o Uniform Project tornou-se popular e ampliou suainfluência nas mídias sociais com o apoio do grupoGreen Team no Ebay, que indica marcas sociais ambien-talmente responsáveis, além de um fórum de discussõespara interessados. Atualmente a atualização do projetono site está suspensa, mas somente enquanto o grupose concentra em criar mais oportunidades interativas ecomunidades baseadas na plataforma do projeto.

Como o Uniform Project demonstrou, a moda podeser usada como uma alternativa divertida de se expressare poder propagar sustentabilidade social e responsabili-dade de consumo, o que falta é propagar essa ideia e con-seguir mais pessoas engajadas. Para saberem mais desseprojeto visitem a página: theuniformproject.com.

Vanessa Balsanelli é designer de moda

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Não raro, a mídia divulga as iniciativas dopoder público de campanhas para o de-sarmamento como uma medida no com-

bate à violência. Todavia, basta um olhar maiscuidadoso à nossa volta, para percebermos que, pa-ralelamente às facilidades do mundo moderno,principalmente nós que vivemos nas grandes me-trópoles, desenvolvemos um senso de urgência etambém de desconfiança, nem sempre necessários,que estão nos transformando em seres humanos“acelerados e arredios”.

Vivemos num ritmo que, a uma leve interrupçãoou uma abordagem inesperada, transformamos anossa expressão facial e o nosso olhar em farpas, embarricadas para evitarmos qualquer tentativa de apro-ximação de quem quer que seja. Será que não está nahora de colocarmos um pé no freio e um pouco debom senso e humanidade nas nossas atitudes?

Essa forma de nos conduzirmos como se esti-véssemos 24 horas por dia em vias de “apagarmosum incêndio”, não deixa de ser uma espécie de vio-lência, praticada contra aqueles com quem convi-vemos e também com consequências permanentescontra nós mesmos. Vejamos.

• A pressa exagerada e a desconfiança estãonos impedindo de enxergar o lado bonito da vida,presente nas belezas da natureza, no contato como nosso semelhante. Estamos cada dia mais foca-dos no que é feio, mau ou errado, sob o nossoponto de vista.

• Vivemos hoje a era digital. Graças a isso,desenvolvemos um dialeto próprio, que limita anossa capacidade de comunicação com a maioriadas pessoas.

• A paciência e a atenção tornaram-se virtu-des raras e, muitas vezes, frustramos a expectativadaqueles que se aproximam de nós, no intuito deobterem uma informação ou esclarecimento. Onosso “dialeto” ou a nossa pressa nos leva a falarde forma ininteligível, não permitindo que o nossointerlocutor acompanhe o nosso raciocínio e, de-sanimado, simplesmente se afasta. E nós, sem nosdarmos conta, nos voltamos para as nossas tarefasinadiáveis e “mega importantes”, usando um termobem atual.

Nesses grupos, incluem-se, geralmente, os nossospais, avós, idosos ou qualquer pessoa que, por faltade recursos ou oportunidades, não acompanharama evolução do conhecimento e da tecnologia. Se nãorepensarmos esse nosso comportamento, em poucotempo, seremos vistos como “estrangeiros” poraqueles que não falam o nosso “idioma”.

A desconfiança e o medo, muitas vezes infunda-dos, presente em todos os lugares e em todos os mo-mentos, tira de nós a oportunidade de conhecer, deverdade, pessoas com as quais poderíamos estabele-cer boas relações, trocando experiência, conheci-mento e, acima de tudo, afeto. Mais do que nunca,essa postura imediatista e de desconfiança está nostransformando em pessoas profundamente solitáriasou, quando muito, de relacionamentos superficiais.

É claro que o bom senso tem que haver, maspor que não experimentarmos? Que tal suavizar-mos o olhar e a expressão séria e, ainda que timi-damente, esboçarmos um sorriso? Mas que seja umsorriso sincero, daqueles que “abre portas”, queaquece a alma de quem chega e contribui para o au-mento da nossa carteira de verdadeiros amigos.

Marize Castilho é dona de casa

MARIZE CASTILHO

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O ato dedesarmar-se

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Hugo Paz é escritor

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No meu peito de açoNão entra a bala perdidaDo desgosto.

No encostoDa relvaNo calabouço primário.

A secundária vitima Da desordem conturbanteDos irrelevantes e palpitantes.

No meu peito de açoNão entra a bala perdidaDa ironia.

A fazer apologiasAo desrespeito mútuoCom o discursoDa falsa vitória.

No meu peito de açoEntra a bala certa.

Perfura meu coração enlatadoContempla-me com louvorCom amorCom a palavra da verdade.

No meu peito de açoEntram as balas da coragem!!!

HUGO PAZ

Peitode aço

Hugo Paz é escritor

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