caracterÍsticas e controvÉrsias acerca do crime de
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CARACTERÍSTICAS E CONTROVÉRSIAS ACERCA DO CRIME DE APROPRIAÇÃO
INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA (ART. 168-A DO CÓDIGO PENAL BRASILEIRO)1
Elisandra Bessom Herschdörfer2
RESUMO: O presente trabalho abordou as controvérsias acerca do crime de apropriação indébita
previdenciária, baseando-se em doutrina e jurisprudência construídas ao longo do tempo.
Inicialmente, discorreu-se sobre a importância da Previdência Social e a justificativa da intervenção
penal, além de uma breve evolução histórica do delito em questão. Em seguida, após apresentar
características do artigo 168-A, em especial em relação à definição de crime formal ou material,
analisou-se o momento da consumação do ilícito tributário e penal, com ênfase na exigência do
esgotamento da esfera administrativa para propositura da ação penal (disciplinada no artigo 83 da
Lei 9.430/96) versus a desnecessidade do exaurimento da esfera administrativa para constituição
definitiva do crédito tributário dos tributos sujeitos a lançamento por homologação (conforme a
Súmula 436 do Superior Tribunal de Justiça). A partir daí, procurou-se verificar as consequências
prescricionais de cada corrente de pensamento, contrapondo-as com o procedimento atual e
usualmente adotado para o oferecimento da denúncia pelo Ministério Público Federal. Por fim,
buscou-se demonstrar as alternativas para extinção da punibilidade, assim como as possibilidades
de exclusão da tipicidade e da culpabilidade, e principalmente, se a jurisprudência atualmente
dominante revela-se inconstitucional, sob a perspectiva da proteção deficiente.
PALAVRAS-CHAVE: Consumação do ilícito. Esgotamento da esfera administrativa. Súmula 436
do Superior Tribunal de Justiça. Prescrição.
1 INTRODUÇÃO
O presente trabalho monográfico visa abordar as controvérsias acerca do crime de
apropriação indébita previdenciária, previsto no artigo 168-A do Código Penal, matéria que vem
causando, nos cenários doutrinário e jurisprudencial, um constante e rico debate, seja pela
dificuldade de interpretação dos dispositivos legais aplicáveis, seja pelas aparentes antinomias entre
1 Artigo extraído do Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito parcial para obtenção do grau de
Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Aprovação
com grau máximo pela banca examinadora composta pelo orientador, Prof. Vitor Antônio Guazzelli Peruchin, pelo
Prof. Felipe Cardoso Moreira de Oliveira, e pelo Prof. Alexandre Lima Wunderlich, em 26 de junho de 2014.
2 Acadêmica da Faculdade de Ciências Jurídicas e Sociais. Contato: [email protected]
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as normas que o regulam e/ou que já o regularam, e/ou até em face de alguns princípios inseridos no
âmbito da Constituição da República.
Assim sendo, buscou-se abranger questões como a importância da Previdência Social e da
tutela penal do bem jurídico protegido que se dirige não apenas a favor do produto da arrecadação
(patrimônio), mas também nas funções que ela desempenha e a necessidade de que este valor
coletivo seja merecedor da proteção penal.
Ademais, procurou-se levantar algumas controvérsias doutrinárias e confrontá-las com a
jurisprudência atual, comparando-as com a legislação vigente, principalmente a respeito da
necessidade de exaurimento da esfera administrativa para início da persecução penal, o momento do
ilícito tributário e penal, assim como a influência dessas definições na prescrição do delito.
Mais que simplesmente estudar as normas penais correlacionadas com esse bem jurídico,
investigou-se as controvérsias advindas com a sucessão de leis no tempo, além da estrutura típica do
delito, que têm suscitado debates, os quais devem ser analisados à luz da ciência penal e da
Constituição da República do Brasil.
2 IMPORTÂNCIA DA PREVIDÊNCIA SOCIAL
O fundamento da existência do Estado Democrático de Direito é a busca da dignidade da
pessoa humana, o que direciona todo o sistema jurídico, cujo ápice é a Constituição Federal de 1988
(CF/88). Entre os objetivos do Estado brasileiro, encontram-se, como decorrências lógicas da noção
de dignidade, a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, a erradicação da pobreza e
marginalização, a redução de desigualdades sociais e a promoção do bem de todos.
Para a concretização desse fim, há inúmeros instrumentos e políticas a serem utilizados tanto
pelo Poder Público quanto pela iniciativa privada. A Seguridade Social destaca-se, nesse conjunto
de políticas e instrumentos, por ser um sistema que busca, diretamente, suprir as necessidades
básicas do ser humano, mediante ações integradas do Poder Público e da sociedade.
A Seguridade Social compreende a Saúde, a Previdência Social e a Assistência Social e é
custeada pela União e por contribuições de trabalhadores e tomadores de mão-de-obra, participando
de seu custeio também, nos termos do mesmo dispositivo constitucional, contribuições instituídas
sobre o faturamento e a renda, além de contribuições que incidem sobre concursos de prognóstico.
A Previdência, por sua vez, é tratada na Constituição, em seu art. 201, como “regime geral,
de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio
financeiro e atuarial”, que atenda a alguns determinados riscos sociais.
O Regime Geral de Previdência Social é gerido pela autarquia federal chamada Instituto
Nacional do Seguro Social – INSS. Esta autarquia materializa o conceito de Previdência Social
3
tanto no aspecto de administração do produto da arrecadação de contribuições que a Constituição
Federal cria para o financiamento da Seguridade Social, quanto na concessão e administração de
benefícios previdenciários.
Apesar do caráter previdenciário do INSS, suas funções estendem-se, também, para um
ramo da Assistência Social, que é a concessão e manutenção dos benefícios pecuniários
assistenciais.
De acordo com o art. 167, XI, da CF/88, acrescido pela EC nº 20/98, são destinados
exclusivamente ao pagamento de benefícios inerentes ao Regime Geral de Previdência Social as
contribuições a cargo dos trabalhadores e aquela a cargo da empresa e das entidades a ela
legalmente equiparadas, incidentes sobre as remunerações pagas aos empregados e demais pessoas
que lhe prestam serviços, mesmo sem vínculo empregatício, indicadas nos incisos I, “a” e II, do art.
195 da CF/88.
Conforme ensina Rodrigo Sánchez Rios:
A Previdência Social, para além de ser um valor constitucionalmente considerado, o que lhe
dá esse status de bem jurídico, possui funções essenciais à existência da sociedade e à vida
digna de seus cidadãos. Dessas funções, vislumbra-se como origem a solidariedade entre
todos os cidadãos para a divisão de riquezas, como instrumento de bem-estar e justiça
sociais, a possibilitar a vida digna do cidadão.3
A Previdência Social abrange a cobertura de riscos decorrentes de doença, invalidez,
velhice, morte, proteção à maternidade, entre outros. É um sistema estatal cuja principal função é a
proteção social de trabalhadores que se aposentam ou que, por algum motivo, ficam
impossibilitados de trabalhar, concedendo, por exemplo, benefícios como o auxílio-doença,
aposentadoria, pensão por morte e outros benefícios assistenciais.
2.1 JUSTIFICATIVA DA INTERVENÇÃO PENAL
O Direito Administrativo-Previdenciário prevê a imposição de penalidades administrativas
para o descumprimento de normas de interesse do fisco previdenciário. No entanto, considerando
que as condutas mais graves contra a Previdência Social não se esgotam em ilícitos administrativos,
as sanções administrativas não são suficientes a tutelar esse bem jurídico. Ou seja, a depender da
conduta ilegal contra a Previdência, a sanção administrativa pode, ou não, ser suficiente. Não o
sendo, será legítima a intervenção penal.
Para Rodrigo Sánchez Rios, “o estudo jurídico-penal das normas da Previdência Social e de
suas contribuições não se limita a uma análise dogmática, devendo ser permeada por reflexões de
3 RIOS, Rodrigo Sánchez. Tutela Penal da Seguridade Social. São Paulo: Dialética, 2001, p. 11 apud LEMES,
Alexandre Barbosa. Tutela Penal da Previdência Social. Curitiba, Editora Juruá, 2009, p. 49.
4
ordem político-criminal”4. Assim como nos demais ramos do Direito Penal Econômico, tais
reflexões são essenciais à justificação da intervenção penal.
O Direito Penal Tributário contempla a proteção do erário, mas não se esgota no atributo
arrecadatório: fundamenta-se na função social do tributo em um Estado Constitucional
Democrático.
Assim, a importância do devido recolhimento contempla a potencialidade de influir na
redistribuição das riquezas e no desenho da política econômica voltada ao desenvolvimento
nacional, que são objetivos da República Federal do Brasil. É essa função ético-social do tributo
que demanda proteção pelo Direito Penal.
Dentro da concepção garantista do Direito Penal, em que vige o princípio da intervenção
mínima e seu caráter fragmentário, a intervenção penal apenas é legítima e justificável em face das
condutas mais graves contra os bens jurídicos mais importantes à vida em sociedade.
Silva Sánches resume o que seriam os três requisitos que devem estar presentes para um
valor jurídico ser potencialmente protegido por uma norma penal: “uma referência individual, uma
danosidade social das agressões ao mesmo, uma roupagem constitucional”.5
Assim disposto, necessário verificar se a Previdência Social atende a tais requisitos. A
Previdência possui um tratamento constitucional que lhe confere desde os princípios que orientarão
o regime, até os riscos sociais que serão protegidos e conferirão o direito ao benefício respectivo. A
Previdência está inserida na noção de Seguridade Social e de Ordem Social, a que a Carta Magna
atribuiu, em seu art. 193, “como objetivo o bem-estar e a justiça sociais”.
Para a consecução de seus fins (proteção social, distribuição de riquezas, bem-estar e justiça
sociais), a Constituição Federal estabelece, em seu art. 201, a obrigatoriedade de filiação e a
contribuição, “observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial”. Tão
peculiares e importantes se mostram essas finalidades que o constituinte criou uma espécie própria
de tributo, a contribuição social, cujos contornos estão delineados no art. 195 da Constituição. E,
dentre elas, uma categoria de natureza especificamente previdenciária, prevista no art.195, inciso I,
alínea “a” e inciso II, combinado com art. 167, inciso XI, da Carta Constitucional.
Nesse contexto, é correto afirmar que as condutas atentatórias mais graves à ideia que a
Seguridade Social representa (ou mesmo mais restritamente, à Previdência Social) merecem ser
tuteladas por tipos penais.
Um dos delitos mais comuns contra as contribuições do Regime Geral da Previdência Social
é a omissão de recolhimento, aos cofres da Previdência, de contribuições previdenciárias
4 RIOS, Rodrigo Sánchez. Tutela Penal da Seguridade Social. São Paulo: Dialética, 2001, p. 11 apud LEMES,
Alexandre Barbosa. Tutela Penal da Previdência Social. Curitiba, Editora Juruá, 2009, p.11. 5 SILVA SÁNCHEZ, Jesús-Maria. Aproximación al Derecho Penal contemporáneo: Barcelona: Bosch, 1992, p. 288
apud LEMES, Alexandre Barbosa. Tutela Penal da Previdência Social. Curitiba, Editora Juruá, 2009, p. 52.
5
descontadas de contribuintes (ou a chamada “apropriação indébita previdenciária”, em suas diversas
espécies), previsto no art. 168-A do Código Penal. Sendo que a modalidade mais comum, conforme
afirma Pedro Roberto Decomain6, é a conduta de deixar de recolher contribuição previdenciária
descontada de segurado ou de terceiros.
3 CARACTERÍSTICAS DO CRIME DE APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA
3.1 BREVE EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO CRIME DE APROPRIAÇÃO INDÉBITA
PREVIDENCIÁRIA
A primeira previsão criminal de conduta do empregador que não pagasse as parcelas retidas
do empregado à Previdência foi o art. 5º do Decreto-Lei n° 65, de 14.12.1937.
Na primeira alteração legislativa do crime, houve também a alteração do tipo objetivo. O art.
86 da Lei 3.807, de 26.08.1960 (Lei Orgânica da Previdência Social) não mais falava em “reter”
enquanto núcleo do tipo, mas, em “falta de recolhimento”.
A Lei n° 3.807/60 foi alterada pelo Decreto n° 60.501, de 14.03.1967, que conferiu, no art.
347, inc. II, alínea “a”, a modalidade criminosa.
O artigo 86 da Lei Orgânica da Previdência Social teve sua regulamentação efetivada pelo
art. 146 da antiga Consolidação das Leis da Previdência Social, Decreto 89.312 de 23.01.1984.
A legislação, nesse momento, tinha como grande característica o fato de que a conduta
ilícita permanecia equiparada à apropriação indébita comum, inclusive tendo a mesma penalidade
daquela. Outrossim, preocupava-se o legislador em determinar, de forma exaustiva, o sujeito ativo,
bem como, quais contribuições ensejariam a ocorrência do crime.
Segundo Cícero Marcos Lima Lana, esse emaranhado de disposições sobre o crime de
apropriação indébita previdenciária foi extinto com a edição da Lei n° 8.137/90 que dispõe sobre os
delitos contra a ordem tributária, econômica e as relações de consumo, e também disciplinou toda a
matéria referente a crimes de natureza fiscal.7
Esta inserção do crime previdenciário em uma única legislação sobre os delitos tributários
não durou muito tempo. Já no ano de 1991, com a edição da Lei n° 8.212, de 24 de julho, voltou tal
conduta a ser tratada nas leis previdenciárias, em seu art. 95, “d”.
No dia 17.07.2000, foi publicada a Lei 9.983 que, entre outras alterações introduzidas no
Código Penal Brasileiro, inseriu o crime de apropriação indébita previdenciária.
6 DECOMAIN, Pedro Roberto. Crimes contra a ordem tributária, 4 ed. rev., atual. e ampl. Belo Horizonte: Fórum,
2008, p. 508. 7 LANA, Cícero Marcos Lima Lana. Crime de Apropriação Indébita Previdenciária: Uma Nova Classificação e suas
Consequências. Curitiba: Juruá, 2013, p. 18.
6
Conforme Celso Delmanto, o art. 3° da Lei n° 9.983, de 14.7.00, revogou expressamente o
art. 95 da Lei n° 8.212/91 e, tacitamente, o art. 2°, II, da Lei n° 8.137/90, no que concerne às
contribuições sociais previdenciárias.8
3.2 O ARTIGO 168-A DO CÓDIGO PENAL
O delito de apropriação indébita previdenciária foi inserido no Código Penal pela Lei n°
9.983/2000, que trouxe a seguinte disposição:
Art. 168-A. Deixar de repassar à previdência social as contribuições recolhidas dos
contribuintes, no prazo e forma legal ou convencional:
Pena — reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.
• Caput acrescentado pela Lei n. 9.983, de 14 de julho de 2000.
§ 1º Nas mesmas penas incorre quem deixar de:
I — recolher, no prazo legal, contribuição ou outra importância destinada à previdência
social que tenha sido descontada de pagamento efetuado a segurados, a terceiros ou
arrecadada do público;
II — recolher contribuições devidas à previdência social que tenham integrado despesas
contábeis ou custos relativos à venda de produtos ou à prestação de serviços;
III — pagar benefício devido a segurado, quando as respectivas cotas ou valores já tiverem
sido reembolsados à empresa pela previdência social.
• § 1º acrescentado pela Lei n. 9.983, de 14 de julho de 2000.
§ 2º É extinta a punibilidade se o agente, espontaneamente, declara, confessa e efetua o
pagamento das contribuições, importâncias ou valores e presta as informações devidas à
previdência social, na forma definida em lei ou regulamento, antes do início da ação fiscal.
• § 2º acrescentado pela Lei n. 9.983, de 14 de julho de 2000.
§ 3º É facultado ao juiz deixar de aplicar a pena ou aplicar somente a de multa se o agente
for primário e de bons antecedentes, desde que:
I — tenha promovido, após o início da ação fiscal e antes de oferecida a denúncia, o
pagamento da contribuição social previdenciária, inclusive acessórios; ou
II — o valor das contribuições devidas, inclusive acessórios, seja igual ou inferior àquele
estabelecido pela previdência social, administrativamente, como sendo o mínimo para o
ajuizamento de suas execuções fiscais.
• § 3º com redação dada pela Lei n. 9.983, de 14 de julho de 2000.
A conduta tipificada no caput tem a finalidade de punir o substituto tributário, que deve
recolher à previdência social o que arrecadou do contribuinte, e deixou de fazê-lo.
Já a figura descrita no § 1º destina-se ao contribuinte-empresário, que deve recolher a
contribuição que arrecadou do contribuinte.
“Deixar de recolher” significa não efetivar o pagamento de contribuição ou outra
importância destinada à previdência social que tenha sido descontada de pagamento efetuado a
segurados, a terceiros ou arrecadada do público. Essa figura corresponde ao antigo art. 95, “d”, da
Lei n° 8.212/91.
Pressuposto dessa infração é que o sujeito ativo tenha descontado de pagamento efetuado a
segurado, a terceiros ou tenha arrecadado do público. Esse pressuposto deixa o sujeito ativo na
8 DELMANTO, Celso. Código Penal Comentado. 6 ed. atualizada e ampliada. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 385.
7
posse do valor correspondente, e não o recolhendo, no prazo legal9, apropria-se indevidamente de
valores pertencentes à previdência.
Deixar de recolher contribuições que tenham integrado despesas contábeis ou custos
relativos à venda de produtos ou à prestação de serviços. O não recolhimento dessa contribuição,
desde que tenha integrado o cálculo dos custos, o que normalmente ocorre, configura a conduta
descrita no tipo em exame. Apresenta certa semelhança com o antigo art. 95, “e”, da Lei n°
8.212/91.
A contribuição previdenciária devida pelo empregador deve integrar as despesas contábeis
ou custos relativos a produtos e serviços. O valor correspondente, por certo, é levado em
consideração no cálculo para a fixação do preço do produto ou do serviço, tratando-se de despesa
operacional (por exemplo, 20% sobre a folha de remuneração, acrescidos do percentual relativo ao
seguro de acidente do trabalho).
Tendo integrado os custos, seu valor correspondente é recebido pelo empresário ou
empregador e, nessas condições, adquire a posse dos valores correspondentes. Não os recolhendo,
apropria-se indebitamente.
Deixar de pagar significa não efetivar o pagamento de benefício devido a segurado, cujos
valores ou cotas já tenham sido reembolsados à empresa pela previdência.
Para a configuração dessa infração, é pressuposto que a previdência social tenha efetuado
“reembolso” à empresa e, tendo-o recebido, esta não o repassa ao segurado. Sem esse pressuposto,
não se poderia falar em apropriação indébita.
A questão da extinção da punibilidade pelo pagamento do tributo tem sido também objeto de
sérias divergências.
Segundo Hugo de Brito Machado, de um lado estão os que pretendem um direito penal
desprovido de utilitarismo, sustentando que admitir a extinção da punibilidade pelo pagamento
implica favorecer os mais abastados, que poderão livrar-se da sanção pagando o tributo cobrado. De
outro, os que sustentam que a criminalização do ilícito tributário é, na verdade, desprovida de
conteúdo ético, prestando-se mesmo como instrumento para compelir o contribuinte ao pagamento
do tributo e que, por isto, deve ser premiado o que paga porque permite seja alcançado o objetivo
afinal buscado com a cominação da sanção penal.10
Com a inclusão no Código Penal do delito de "apropriação indébita de contribuição
previdenciária", art. 168-A, pela Lei 9.983, de 14 de julho de 2000, a norma de regência para a
9 Conforme Guilherme Nucci o prazo legal é norma penal em branco, necessitando de complemento. Deve-se
obedecer, a princípio, o art. 30 da Lei 8.212/91, com as devidas alterações. (NUCCI, Guilherme de Souza. Código
Penal Comentado. 10 ed., revista, atualizada e ampliada. São Paulo: RT, 2010, p. 800). 10 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 24 ed. revista, atualizada e ampliada. São Paulo:
Malheiros, 2004, p. 470.
8
aplicação da extinção da punibilidade ficou mais severa, exigindo, dentre outros requisitos, o
pagamento antes do início da ação fiscal.
Pela lei anterior (n° 9.249/95), segundo o STF, o pagamento extintivo da punibilidade podia
ser feito até o recebimento da denúncia. A nova lei (n° 9.983/2000), nesse particular, mais restritiva,
é muito mais severa, pois admite a extinção da punibilidade somente quando o pagamento for
efetuado antes do início da ação fiscal. Logo, é irretroativa, não se aplicando aos fatos ocorridos
antes de sua vigência (14.10.2000).
O art. 168-A, § 3º, cria a hipótese de perdão judicial ou multa. Caso a ação fiscal já tenha
sido iniciada, ao pagamento de todo o débito pode corresponder somente uma ou outra das
consequências referidas (está afastada a extinção da punibilidade). Conforme ensina Cezar Roberto
Bitencourt, as hipóteses são alternativas (perdão judicial ou pena de multa), mas os requisitos são
cumulativos. Os operadores do art. 59 do CP deverão recomendar uma ou outra alternativa.11
Para Celso Delmanto, dispõe este § 3° ser "facultado ao juiz deixar de aplicar a pena ou
aplicar somente a de multa se o agente for primário e de bons antecedentes" em duas hipóteses
alternativas: a) tenha promovido, após o início da ação fiscal e antes de oferecida a denúncia, o
pagamento da contribuição social previdenciária, inclusive acessórios (inc. I); ou b) o valor das
contribuições devidas, inclusive acessórios, seja igual ou inferior àquele estabelecido pela
Previdência Social, administrativamente, como sendo o mínimo para o ajuizamento de suas
execuções fiscais (inc. II). 12
3.3 O BEM JURÍDICO TUTELADO
O bem jurídico protegido são as fontes de custeio da seguridade social, particularmente os
direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social, conforme o art. 194 da CF. São
protegidas especialmente contra a apropriação indébita que pode ser praticada por quem tem o
dever de recolher os tributos e taxas.
Cezar Roberto Bitencourt diz que o art. 168-A do CP: “É, em outros termos, a tutela da
subsistência financeira da previdência social”.13
11 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. Parte Especial 3. Dos Crimes contra o Patrimônio até
dos Crimes contra o Sentimento Religioso e o Respeito aos Mortos. 8 ed. rev. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2012, p.
685. 12 DELMANTO, Celso. Código Penal Comentado. 6 ed. atualizada e ampliada. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 388. 13 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal, vol. 3, Parte Especial: dos crimes contra o patrimônio até
dos crimes contra o sentimento religioso e o respeito aos mortos, 8 ed. rev. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 674.
9
3.4 CLASSIFICAÇÃO
Para Cezar Roberto Bitencourt e Guilherme de Souza Nucci, trata-se de crime próprio (exige
qualidade ou condição especial do sujeito ativo, o substituto tributário, no caso do caput); omissivo
(a ação tipificada implica abstenção de atividade — “deixar de”); instantâneo (a consumação não se
alonga no tempo, ocorrendo em momento determinado); unissubjetivo (pode ser praticado por uma
única pessoa, como a maioria dos crimes, que não são de concurso necessário); e unissubsistente
(praticado em único ato, dificilmente poderá caracterizar-se a figura tentada). 14 15
Damásio de Jesus e Luiz Flávio Gomes entendem que se trata de crime de conduta mista, ou
comissivo-omissiva. Há uma primeira conduta de caráter comissivo, representada pelo recebimento
da contribuição social devida pelo contribuinte, e uma segunda conduta, esta de cunho omissivo,
representada pelo não-repasse do valor à Previdência Social. Portanto, não basta para a ocorrência
do crime, o não repasse de valores à Previdência Social. É necessário que primeiramente tais
valores hajam sido recebidos em nome dela, com o dever, contratual ou legal, de repassá-los e,
depois que este repasse não aconteça, para que ocorra o crime. 16 17
3.5 SUJEITOS ATIVO E PASSIVO
Sujeito ativo é o substituto tributário do caput, que, por lei, tem o dever de recolher do
contribuinte e repassar as contribuições à previdência social. Sujeito ativo, nas figuras descritas no §
1º, é o titular de firma individual, os sócios solidários, os gerentes, diretores ou administradores que
efetivamente hajam participado da administração da empresa, concorrendo efetivamente na prática
da conduta criminalizada.
Sujeito passivo é o Estado, representado pelo INSS (Instituto Nacional do Seguro Social),
que é o órgão encarregado da seguridade social.
3.6 AÇÃO PENAL
Trata-se de crime de ação penal pública incondicionada.
14 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal, vol. 3, Parte Especial: dos crimes contra o patrimônio até
dos crimes contra o sentimento religioso e o respeito aos mortos, 8. ed. rev. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2012, p.
681. 15 NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 10 ed., revista, atualizada e ampliada. São Paulo: RT,
2010, p. 799. 16 JESUS, Damasio E. de. Código Penal Anotado. 12 ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 623 apud DECOMAIN, Pedro
Roberto. Crimes contra a ordem tributária, 4 ed. rev., atual. e ampl. Belo Horizonte: Fórum, 2008, p. 502. 17 GOMES, Luiz Flávio. Crimes Previdenciários. São Paulo: RT, 2001, p. 32 apud DECOMAIN, Pedro Roberto.
Crimes contra a ordem tributária, 4 ed. rev., atual. e ampl. Belo Horizonte: Fórum, 2008, p. 502.
10
3.7 COMPETÊNCIA
A competência é da Justiça Federal, considerando que haverá um prejuízo aos cofres
públicos da União (art. 109, IV, da CF/88), ente federativo responsável pela Previdência Social.
3.8 TIPO OBJETIVO: ADEQUAÇÃO TÍPICA
A conduta tipificada no caput é “deixar de repassar”, que tem o sentido de não transferir,
não recolher ou não pagar à previdência social as contribuições recolhidas ou descontadas dos
contribuintes, no prazo e forma legal ou convencional.
Conforme Cezar Roberto Bitencourt, trata-se, na verdade, de apropriação indébita
previdenciária, pois somente é possível repassar algo que se tenha recebido ou recolhido.
Segundo Júlio Fabrini Mirabete, o recolhimento ou repasse à Previdência Social não se
traduz, para que o crime possa ocorrer na posse do valor, na soma numerária da obrigação
tributária, mas, sim, no fato contábil, isto é, no registro contábil do dever instrumental (obrigação
acessória) da retenção. Dessa forma, não obstante a legislação tributária se refira à arrecadação,
insinuando a necessidade de posse física do numerário para se concretizar a hipótese, não se faz
necessária a arrecadação material do valor respectivo. 18 Logo, não há arrecadação, recolhimento ou
desconto físico, pois o objeto sobre o qual a operação incide pode sequer estar sob a posse do
agente de arrecadação (por falta de liquidez momentânea ou, ainda, por configurar o conteúdo de
um crédito a ser recebido posteriormente, por exemplo).
3.9 TIPO SUBJETIVO: ADEQUAÇÃO TÍPICA
O elemento subjetivo geral é o dolo, representado pela vontade consciente de deixar de
repassar à previdência social as contribuições recolhidas dos contribuintes. Não há modalidade
culposa.
Uma das controversas a respeito do delito em tela foi relativa à necessidade do dolo
específico para configuração do crime.
Segundo Guilherme de Souza Nucci, a polêmica em torno dessa exigência teve inicio por
ocasião da criação do tipo penal incriminador previsto no art. 95, “d”, da Lei 8.212/91 (ora
revogado pela Lei 9.983/2000), que estabeleceu o tipo omissivo próprio consistente em deixar de
18 MIRABETE, Júlio Fabrini. Manual de Direito Penal. 12 ed. 2. vv. São Paulo: Atlas, 1997, p. 44. apud ELALI André
e ZARANZA, Evandro. Descaracterização do Crime de Apropriação Indébita Previdenciária por Ausência de
Recursos Financeiros da Empresa. In: PEIXOTO, Marcelo Magalhães; ELALI, André, SANT’ANNA; Carlos
Soares (Coord.). Direito Penal Tributário. São Paulo: MP Editora, 2005, p. 36-37.
11
recolher contribuição devida a Seguridade Social. Primeiramente, pretendeu-se equiparar o referido
delito do art. 95, “d”, ao crime de apropriação, previsto no art. 168 do Código Penal. Fazendo-se tal
equiparação, seria natural exigir, para a configuração do delito previdenciário, elemento subjetivo
do tipo específico (dolo especifico), que é ínsito a conduta de “apropriar-se”. 19
Em oposição, havia o entendimento daqueles que defendiam a não equiparação da figura
criminosa previdenciária à apropriação indébita. Assim, com a não equiparação ao crime de
apropriação indébita, não se exige para a consumação do art. 168-A o animus rem sibi habendi20, ou
seja, o propósito de inverter o titulo da posse passando a possuir a coisa como se fosse sua, com a
deliberada intenção de não restituir, própria da acepção do vocábulo apropriar-se. Apenas havendo
o desconto dos empregados das quantias relativas à contribuição previdenciária, e a posterior
omissão no seu recolhimento aos cofres da Seguridade Social, consuma-se o delito, sem que seja
preciso investigar, no animus21 do agente, a intenção de restituir ou não as quantias descontadas.
Portanto, o dolo necessário é o genérico, consistente na intenção de descontar do salário dos
empregados as quantias referentes e de deixar de repassá-las a Seguridade Social.
Todavia, Cezar Roberto Bitencourt também concorda com a necessidade do dolo específico
ao afirmar que:
[...] tratando-se de apropriação indébita, é indispensável o elemento subjetivo especial do
injusto, representado pelo especial fim de apropriar-se dos valores pertencentes à
previdência social, isto é, o agente se apossa com a intenção de não restituí-los. 22
Nessa corrente, ilustra-se decisão julgada em 28/05/2013, pela Sexta Turma do Superior
Tribunal de Justiça, em agravo regimental interposto pelo Ministério Público Federal em face de
decisão que conheceu do agravo de instrumento e deu provimento ao recurso especial para,
reconhecida a necessidade de demonstração do dolo específico, com expressa aferição do elemento
subjetivo no caso concreto, absolver o recorrente, conforme ementa a seguir:
AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. PENAL E PROCESSO
PENAL. CONTRARIEDADE AO ART. 168-A DO CP. APROPRIAÇÃO INDÉBITA
PREVIDENCIÁRIA. DEMONSTRAÇÃO DO ANIMUS REM SIBI HABENDI.
NECESSIDADE. 1. O tipo do art. 168-A do Código Penal, embora tratando de crime
omissivo próprio, não se esgota somente no 'deixar de recolher', isto significando que,
além da existência do débito, haverá a acusação de demonstrar a intenção específica
ou vontade deliberada de pretender algum benefício com a supressão ou redução, já
19 NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 10 ed., revista, atualizada e ampliada. São Paulo: RT,
2010, p. 796. 20 Intenção de ter a coisa para si. (ANIMUS rem sibi habendi. In: Dicionário de Expressões Latinas. Disponível em:
<http://www.loveira.adv.br/dicionario.htm>. Acesso em: 10 maio 2014.) 21 Intenção. (ANIMUS. In: Dicionário de Expressões Latinas. Disponível em:
<http://www.loveira.adv.br/dicionario.htm>). Acesso em: 10 maio 2014.) 22 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal, vol. 3, Parte Especial: dos crimes contra o patrimônio até
dos crimes contra o sentimento religioso e o respeito aos mortos, 8 ed., rev. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2012, p.
676.
12
que o agente 'podia e devia' realizar o recolhimento. 2. Agravo regimental improvido.
(grifo nosso) 23
De acordo com a decisão, pode a empresa estar acometida de grave crise financeira, bem
assim, se o empresário comprova a impossibilidade de agir, é evidente que se encontra reconhecida
a atipicidade, ante a não comprovação da responsabilidade subjetiva, consoante comando
constitucional.
No mesmo caminho, opina Juarez Tavares:
[...] nas hipóteses de delitos vinculados exclusivamente a infrações de deveres, nos quais o
legislador negligenciou acerca da identificação do desvalor do resultado, contentando-se
com a mera inatividade, como ocorre na sonegação fiscal, a real possibilidade deve também
englobar a capacidade individual de realizar aquela específica conduta determinada pela
norma, ou seja, a capacidade de pagar, a capacidade de fazer pessoalmente, a capacidade de
prestar informações etc. Evidentemente se o sujeito não possui dinheiro, não se omite de
pagar o débito.24
Portanto, a pretensão de se ver discutido o propósito do agente de enganar o fisco para
perceber uma vantagem indevida, cabe no tipo penal dos crimes tributários e previdenciários, sendo
viável exigir que a denúncia demonstre o dolo específico.
Todavia, não é esse o entendimento que se extrai das últimas decisões do Supremo Tribunal
Federal, onde foi considerado apenas o dolo genérico para configuração do delito do art. 168-A,
como se demonstra de partes da ementa a seguir:
[...] A orientação jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal é firme no sentido de que,
para a configuração do crime de apropriação indébita previdenciária, basta a demonstração
do dolo genérico, sendo dispensável um especial fim de agir, conhecido como animus rem
sibi habendi (a intenção de ter a coisa para si). Assim como ocorre quanto ao delito de
apropriação indébita previdenciária, o elemento subjetivo animador da conduta típica do
crime de sonegação de contribuição previdenciária é o dolo genérico, consistente na
intenção de concretizar a evasão tributária. [...]. 25
Na mesma linha de raciocínio, segue parte de ementa de decisão recente do Tribunal
Regional Federal da 4ª Região:
[...] O núcleo da infração criminal descrita no art. 168-A, parágrafo único, I, do CP
encontra-se nos verbos "deixar de repassar", o que torna clara a caracterização do delito
como omissivo próprio. A omissão de recolhimento de contribuições previdenciárias não
23 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgRg no Ag 1388275/SP. Rel. Ministra Maria Thereza De Assis Moura,
Sexta Turma, julgado em 28/05/2013, DJe 05/06/2013. 24 TAVARES, Juarez. As Controvérsias em torno dos Crimes Omissivos. Rio de Janeiro: Instituto Latino-Americano
de Cooperação Penal, 1996. v. 1, p. 76. 25 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. AP 516. Relator(a): Min. Ayres Britto, Tribunal Pleno, julgado em 27/09/2010,
DJe-235 Divulg 03-12-2010 Public 06-12-2010 Republicação: DJe-180 Divulg 19-09-2011 Public 20-09-2011
Ement Vol-02590-01 PP-00001.
13
exige, o chamado elemento subjetivo do tipo ou dolo específico, bastando que os agentes
deixem de efetuar o repasse ao INSS para que realizem a conduta tipificada. [...] 26
Nota-se que o entendimento atual da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça e da
doutrina majoritária é controverso ao da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, de alguns
dos Tribunais Regionais Federais e principalmente da Suprema Corte.
É firme a jurisprudência do STF no sentido de que para a configuração do delito de
apropriação indébita previdenciária, não é necessário um fim específico, ou seja, o animus sidi
habendi, bastando a simples ausência de repasse das contribuições para configurar o delito.
3.10 NATUREZA JURÍDICA: CRIME FORMAL OU MATERIAL?
Conforme Cleber Masson, antes que se evolua nessa análise, torna-se necessário firmar a
distinção entre crime material e crime formal:
Crimes materiais ou causais: são aqueles em que o tipo penal aloja em seu interior uma
conduta e um resultado naturalístico, sendo a ocorrência deste último necessária para a consumação.
É o caso do homicídio (CP, art. 121). A conduta é “matar alguém”, e o resultado do naturalístico
ocorre com o falecimento da vítima, operando-se a consumação.
Crimes formais: são aqueles nos quais o tipo penal contém em seu bojo uma conduta e um
resultado naturalístico, mas este último é desnecessário para a consumação. Em síntese, malgrado
possa se produzir o resultado naturalístico, o crime estará consumado com a mera prática da
conduta. 27
Destarte, a distinção que se faz entre crimes materiais e crimes formais reside no momento
da realização do resultado, de modo que nos crimes materiais, este ocorrerá posteriormente à
conduta, enquanto nos crimes formais torna-se impossível separá-lo da mesma.
De acordo com Cezar Roberto Bitencourt e Guilherme de Souza Nucci o delito previsto no
art. 168-A trata-se de crime formal (para sua consumação não se exige resultado naturalístico). 28 29,
Perfilhando o mesmo entendimento, Rogério Greco ensina que:
Na qualidade de modalidade especializada de apropriação indébita, o crime de apropriação
indébita previdenciária se consuma no momento em que o agente decide deixar de recolher
26 BRASIL. Tribunal Regional Federal (4 Região). ACR 0004034-80.2003.404.7205. Oitava Turma, Relator Leandro
Paulsen, D.E. 21/11/2013. 27 MASSON, Cleber. Direito Penal esquematizado. São Paulo: Método, 2010, p. 177. Disponível em:
<http://www.ssantosrodrigues.com.br/wp-content/themes/santosrodrigues/artigos/2011-DireitoEmpresarial02.pdf>.
Acesso em: 19 nov. 2013. 28 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal. Parte Especial: dos crimes contra o patrimônio até dos
crimes contra o sentimento religioso e o respeito aos mortos. Vol. 3. 8 ed., rev. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2012, p.
681. 29 NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 10 ed., revista, atualizada e ampliada. São Paulo: RT,
2010, p. 799.
14
as contribuições ou outras importâncias, depois de ultrapassado o prazo legal ou
convencional para tanto.30
Corroborando o entendimento doutrinário de que o delito de apropriação indébita
previdenciária possui natureza formal, Damásio de Jesus aduz que houve uma falha técnica
legislativa em atribuir ao tipo penal em apreço o nomen iuris31 de “apropriação”. O autor afirma não
se tratar de crime de apropriação propriamente dito, posto que para a configuração delitiva não se
exigiria a apropriação do valor, mas apenas a omissão no recolhimento das contribuições à
Previdência Social. 32
Nesse sentido, o Projeto de Lei 7321/2010, proposto, à época, pela Deputada Federal
Luciana Genro, e reapresentado sob o n° 1125/2011 pelo Deputado Federal Chico Alencar,
pretende, dentre outras alterações, a mudança do nome do tipo penal do artigo 168-A para “Crime
de não recolhimento de contribuições previdenciárias”.
Por outro lado, divergindo dos posicionamentos acima apresentados, Celso Delmanto
acredita ser crime material, que ocorre no momento em que o agente que reteve (desconta) a
contribuição deixa de repassá-la à Previdência Social, no prazo e forma legal ou convencional,
usufruindo o sujeito ativo, a partir de então, desse valor como se fosse seu ou de sua empresa. 33
No mesmo sentido, Jefferson Aparecido Dias entende que o aludido crime exige, para sua
caracterização, a ocorrência de um resultado naturalístico, tendo em vista que o efetivo desconto das
contribuições sociais pelo sujeito ativo é condição objetiva prevista no tipo legal. Dessa forma, a
consumação de delito ocorre com o exaurimento do prazo legal para o responsável tributário
recolher as contribuições sociais à Previdência Social, mas pressupõe o efetivo desconto das
mesmas do segurado. 34
Nota-se que não é pacífico o posicionamento dos doutrinadores. Contudo, a doutrina
majoritária vinha entendendo ser o delito de apropriação indébita previdenciária um crime omissivo
próprio e formal, de modo que sua consumação não pressupõe um resultado naturalístico, mas tão
somente a omissão em deixar de repassar à Previdência Social as contribuições arrecadadas, não
sendo, pois, exigida a efetiva apropriação dos valores recolhidos, com inversão da posse, e
consequente ocorrência de dano à Previdência Social.
30 GRECO, Rogério. Código penal comentado. 5 ed. Niterói, RJ: Impetus, 2011, p. 503. 31 Nome de direito. (NOMEN iuris. In: Dicionário de Expressões Latinas. Disponível em:
<http://www.loveira.adv.br/dicionario.htm>. Acesso em: 10 maio 2014.) 32 JESUS, Damásio E. de. Direito penal: parte especial: dos crimes contra a pessoa e dos crimes contra o patrimônio.
30 ed. São Paulo: Saraiva, 2010. v. 2. p. 463. 33 DELMANTO, Celso. Código Penal Comentado. 6 ed., atualizada e ampliada. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p.
386. 34 DIAS, Jefferson Aparecido. Crime de Apropriação Indébita Previdenciária. 2 ed. Curitiba: Juruá, 2008. p. 51.
15
Quanto ao entendimento jurisprudencial, as cortes do país também inclinavam-se para
reconhecer ao delito de apropriação indébita previdenciária a natureza formal, bastando a mera
omissão no recolhimento das contribuições sociais. Contudo, em março de 2008, a partir do
julgamento do Agravo Regimental no Inquérito n° 2537, houve alterações nessa definição, as quais
serão melhores analisadas na subseção que trata do esgotamento da esfera administrativa para
propositura da ação penal.
4 NASCIMENTO E CONSUMAÇÃO DO ILÍCITO TRIBUTÁRIO E PENAL E O
REFLEXO NO TERMO INICIAL DA PRESCRIÇÃO
Como ponto de partida e de forma resumida, procurou-se demonstrar na figura abaixo,
através de uma linha cronológica imaginária, todo o processo de desenvolvimento da relação
jurídico-tributária, desde seu momento de maior abstração até a prática dos atos concretos de busca
da satisfação do crédito, para melhor compreender em que momento se consuma o ilícito tributário.
Figura 1 – Cronologia do Direito Tributário
Fonte: CASTELLANI, 2012, p. 11.
O direito tributário, assim como todos os demais ramos do direito, nasce no texto
constitucional. A Constituição estabelece, dentre outras regras, as normas de competência tributária,
ou seja, a definição da aptidão legislativa dos entes tributantes para a criação de tributos. Aliado a
isso, define as espécies tributárias, os princípios constitucionais tributários e as imunidades.
Competência
Princípios Obrigação Crédito
Imunidades Tributo tributária tributário
CF Lei do ente Fato Lançamento Notificação
competente gerador sujeito passivo
Suspensão da exigibilidade Inscrição em dívida Execução fiscal
CDA
Extinção do crédito
Exclusão do crédito
16
Contudo, não basta, para o direito, a previsão legal de determinadas situações. É necessária,
para o caminho do direito tributário, a ocorrência do fato abstratamente previsto na legislação. Em
outras palavras, é preciso que se verifique a ocorrência do fato gerador da obrigação.35
Ocorrido o fato gerador previsto em lei, nasce a obrigação tributária principal, a obrigação
patrimonial do sujeito passivo que tem por objeto o pagamento do tributo.
A obrigação principal é uma obrigação de dar. Obrigação de dar dinheiro, onde o dar
obviamente não tem o sentido de doar, mas de adimplir o dever jurídico.
A obrigação acessória decorre da legislação tributária e tem por objeto uma obrigação de
fazer ou não fazer prevista em favor da arrecadação ou da fiscalização dos tributos. Se não
cumprida, a obrigação acessória, na modalidade de pena pecuniária, será exigida como se fora um
tributo, com todas as garantias e privilégios inerentes a este, conforme art. 113, § 3º, do CTN. Pode
subsistir ainda que dispensada a obrigação principal.
Somente com a obrigação tributária, porém, ainda não é possível a cobrança do tributo. É
necessário que se faça a constituição do crédito tributário, via lançamento.
Conforme leciona Hugo de Brito Machado:
Ainda que, em essência, crédito e obrigação sejam a mesma relação jurídica, o crédito é um
momento distinto. É um terceiro estágio na dinâmica da relação obrigacional tributária. E
lançamento é precisamente o procedimento administrativo de determinação do crédito
tributário. Antes do lançamento existe a obrigação. A partir do lançamento surge o crédito.
O lançamento, portanto, é constitutivo do crédito tributário, e apenas declaratório da
obrigação.36
Segundo Ricardo Cunha Chimenti e Andréa de Toledo Pierri existem três espécies de
lançamento: a) Lançamento direto (de ofício): é aquele feito pela autoridade administrativa sem
qualquer colaboração do sujeito passivo; b) Lançamento por declaração, também denominado
misto: é aquele feito em face da declaração prestada pelo contribuinte ou por terceiro (art. 147 do
CTN), sem a obrigação do pagamento antecipado; e c) Lançamento por homologação: é aquele feito
quanto aos tributos cuja legislação atribua ao sujeito passivo o dever de calcular o tributo e
antecipar o seu pagamento sem prévio exame da autoridade administrativa. É uma forma de
pagamento antecipado sujeito à condição posterior da homologação (art. 150, § 1º, do CTN).
Praticada a homologação, extingue-se o crédito tributário (art. 156, VII, do CTN).37
35 CASTELLANI, Fernando F., Direito Tributário, coordenação geral Fábio Vieira Figueiredo, Fernando Ferreira
Castellani, Marcelo Tadeu Cometti, Coleção OAB nacional. Primeira fase. V. 7. Direito Tributário 4 ed. São
Paulo: Saraiva, 2012, p. 12. 36 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 24 ed. revista, atualizada e ampliada, São Paulo,
Malheiros Editores, 2004, p. 170. 37 CHIMENTI, Ricardo Cunha e PIERRI, Andréa de Toledo. Teoria e prática do direito tributário. 3ª. ed. rev. e
atual. de acordo com as Leis Complementares n. 139/2011 e 141/2012. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 40.
17
No momento em que se faz esse lançamento, transforma-se a obrigação (aquele dever ainda
abstrato) em algo palpável, exigível, líquido: o crédito tributário.
Para que o Fisco exija o cumprimento da sua obrigação, algumas fases intermediárias são
necessárias. Deve-se proceder, em primeiro lugar, a inscrição do crédito. O Fisco materializa a
existência desse crédito tributário na contabilidade pública, em um controle legal chamado dívida
ativa (conjunto de todos os créditos do ente tributante).
Após a inscrição, o ente tributante extrai um título executivo extrajudicial, chamado de
Certidão da Dívida Ativa ou CDA. Com essa CDA (certidão da dívida ativa), o ente tributante
procede ao ajuizamento da ação específica de cobrança do crédito tributário: a execução fiscal,
regulada pela Lei n. 6.830/80.
O ilícito tributário e o ilícito penal nascem do comportamento que implica inobservância de
norma tributária, seja em relação à obrigação tributária, principal ou acessória. Diz-se de conteúdo
patrimonial quando implica o não pagamento, total ou parcial, do tributo. Sem conteúdo patrimonial
é o ilícito consistente no inadimplemento de simples obrigação acessória.
Os atos de descumprimento de leis tributárias ensejam sanções administrativas e penais. A
sanção penal é reservada aos que praticam ilícitos mais graves, que mais seriamente ofendem os
interesses sociais. A distinção residiria na gravidade da violação da ordem jurídica.
Segundo Pedro Roberto Decomain, a consumação do ilícito penal ocorre no momento em
que se encerra o prazo legal ou convencional para que a importância correspondente à contribuição
previdenciária recebida em nome da Previdência Social lhe fosse transferida. Para a consumação é
indiferente que a omissão de transferência da contribuição seja total ou parcial. Mesmo que parte do
valor cobrado seja transferido, se uma outra parcela, todavia, não o for, o crime já estará
consumado. A diferença entre ausência completa de repasse e repasse parcial haverá de ser
administrada exclusivamente na perspectiva da consequência do crime, nos termos do art. 59 do CP,
no momento da aplicação da pena. 38
Registra-se na doutrina de Alécio Adão Lovatto, a observação de que existe, na área penal
tributária, um equívoco consistente em considerar que o crime se consuma quando se consolida o
crédito tributário. 39 Desloca-se, desta forma, para a exigibilidade do crédito tributário a questão,
sendo improcedente a argumentação, pois a exigibilidade é relevante para o exaurimento do crime
tributário, não para a consumação.
38 DECOMAIN, Pedro Roberto. Crimes contra a ordem tributária. 4 ed. rev., atual. e ampl. Belo Horizonte: Fórum,
2008, p. 503. 39 LOVATTO, Alécio Adão. Crimes tributários. Aspectos criminais e processuais. 2 ed. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2003, p.142-143. apud PANOEIRO, José Maria de Castro. As Controvérsias da Lei n° 8.137/90
(sonegação fiscal) e suas repercussões econômico-criminais. In: SOUZA, Artur de Brito Gueiros (Org.). Inovações
no direito penal econômico: contribuições criminológicas, político-criminais e dogmáticas. Brasília: Escola
Superior do Ministério Público da União, 2011, p. 316.
18
4.1 ESGOTAMENTO DA ESFERA ADMINISTRATIVA PARA PROPOSITURA DA AÇÃO
PENAL (ART. 83 DA LEI 9.430/96)
O art. 83 da Lei 9.430/1996 disciplina o envio da representação fiscal para fins penais ao
Ministério Público, fixando a necessidade de prévio esgotamento das instâncias administrativas.
Com o objetivo de uniformizar o procedimento adotado para os crimes tributários e previdenciários,
o dispositivo foi alterado pela Medida Provisória n° 497/2010, posteriormente convertida na Lei n°
12.350/2010, para incluir a menção aos crimes contra a Previdência Social tipificados nos arts. 168-
A e 337-A do Código Penal.
Nesse contexto, a Procuradoria Geral da República ajuizou a Ação Direta de
Inconstitucionalidade (ADI) 4980 contra a nova redação do artigo 83 da Lei nº 9.430/1996, alterado
pela Medida Provisória (MP) nº 497/2010.
O âmago da discussão se volta à desnecessidade de exaurimento da questão tributário-
administrativa para a tipificação dos crimes tributários formais, especialmente o delito de
apropriação indébita previdenciária.
Consta na ADI 4980 que a Suprema Corte teria firmado precedente que, à primeira vista,
caracterizava a natureza material do delito do art. 168-A e a necessidade de constituição definitiva
do crédito tributário para a sua consumação.
Trata-se do Inquérito n° 2.537, julgado em 2008, em que se examinou a prática do crime de
apropriação indébita previdenciária enquanto suspensa a exigibilidade do tributo na esfera
administrativa. O Ministro Marco Aurélio sustentou que o delito possuiria natureza de delito
omissivo material. Assim, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, em decisão unânime, decidiu
que “a apropriação indébita disciplinada no artigo 168-A do Código Penal consubstancia crime
omissivo material, e não simplesmente formal”. Assim, ficou configurada a ementa:
APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA - CRIME - ESPÉCIE. A apropriação
indébita disciplinada no artigo 168-A do Código Penal consubstancia crime omissivo
material e não simplesmente formal.
INQUÉRITO - SONEGAÇÃO FISCAL - PROCESSO ADMINISTRATIVO. Estando em
curso processo administrativo mediante o qual questionada a exigibilidade do tributo, ficam
afastadas a persecução criminal e - ante o princípio da não contradição, o princípio da razão
suficiente - a manutenção de inquérito, ainda que sobrestado. (grifo nosso) 40
Neste contexto, a partir desta suposta mudança de paradigma na jurisprudência da Suprema
Corte, o STJ tem se posicionado no sentido de que o crime de apropriação indébita previdenciária,
40 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Inq 2537 AgR. Relator(a): Min. Marco aurélio, Tribunal Pleno, julgado em
10/03/2008, DJe-107 Divulg 12-06-2008 Public 13-06-2008 Ement Vol-02323-01 PP-00113 Ret v. 11, n. 64, 2008,
p. 113-122 Lexstf v. 30, n. 357, 2008, p. 430-441.
19
previsto no art. 168-A do Código Penal, por consubstanciar delito omisso material, passou a exigir
para a sua consumação o dano efetivo, já que o objeto jurídico protegido é o patrimônio da
previdência social, posto que a constituição definitiva do crédito tributário é condição de
procedibilidade para que se inicie à persecução criminal. Nesse sentido, colaciona-se o seguinte
julgado:
PENAL. HABEAS CORPUS. APROPRIAÇÃO INDÉBITA DE CONTRIBUIÇÕES
PREVIDENCIÁRIAS. ART. 168-A DO CP. CRIME OMISSIVO MATERIAL.
PENDÊNCIA DE PROCESSO ADMINISTRATIVO. FALTA DE JUSTA CAUSA PARA
A AÇÃO PENAL. CONSTITUIÇÃO DEFINITIVA DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO.
CONDIÇÃO DE PROCEDIBILIDADE. ORDEM CONCEDIDA.
1. O crime de apropriação indébita previdenciária consubstancia delito omisso
material, exigindo, pois, para a sua consumação efetivo dano, já que o objeto jurídico
protegido é o patrimônio da previdência social, motivo pelo qual a constituição
definitiva do crédito tributário é condição de procedibilidade para que se dê início à
persecução criminal. Precedente do STF - Inq-AgR 2537/GO.[...] (grifo nosso)41
Ainda, o Ministro Jorge Mussi, do STJ, consignou em seu voto, quando do julgado abaixo
transcrito, que com base no entendimento do STF, a Corte Superior de Justiça passou a considerar o
crime de apropriação indébita previdenciária como delito omissivo material, ou seja, aquele cuja
comprovação do resultado lesivo – necessário para a configuração do delito – ocorre apenas com a
constituição definitiva do crédito tributário das contribuições previdenciárias, supostamente
apropriadas de forma indevida, na órbita administrativa. Assim, quando ainda estando em
andamento os processos administrativos através dos quais se questionam as notificações fiscais de
lançamentos de débito, não há justa causa para o prosseguimento das investigações penais, que
pressupõem a constituição definitiva do crédito previdenciário.
HABEAS CORPUS. SONEGAÇÃO DE CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS E
APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA (ARTIGOS 337-A E 168-A DO
CÓDIGO PENAL). INSTAURAÇÃO DE INQUÉRITO POLICIAL. AUSÊNCIA DE
CONSTITUIÇÃO DEFINITIVA DAS EXAÇÕES NO ÂMBITO ADMINISTRATIVO.
FALTA DE JUSTA CAUSA PARA A PERSECUÇÃO PENAL. CONSTRANGIMENTO
ILEGAL EVIDENCIADO. CONCESSÃO DA ORDEM.
1. Segundo entendimento adotado por esta Corte Superior de Justiça, os crimes de
sonegação de contribuição previdenciária e apropriação indébita previdenciária, por se
tratarem de delitos de caráter material, somente se configuram após a constituição
definitiva, no âmbito administrativo, das exações que são objeto das condutas
(Precedentes).42
Em manifestação mais recente, o STJ manteve o mesmo posicionamento, conforme o trecho
da ementa a seguir:
41 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. HC 122612/SP. Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Quinta Turma, julgado
em 05/03/2009, DJe 30/03/2009. 42 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. HC 137761/SP. Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado
em 07/12/2010, DJe 14/02/2011.
20
[...] É verdade que, na esteira da compreensão firmada pelo Supremo Tribunal Federal, esta
Corte vem entendendo não ser possível a deflagração de ação penal pela prática dos crimes
de sonegação de contribuição previdenciária e apropriação indébita previdenciária,
enquanto não houver lançamento definitivo do tributo, no âmbito administrativo. [...] Com
efeito, o recorrente não comprovou se, na data do oferecimento da denúncia, os
procedimentos fiscais de que aqui se cuida não haviam ainda chegado ao seu termo final.
[...]43
Nessa esteira, também tem se manifestado o TRF da 1ª Região:
[...] Quanto ao crime descrito no art. 168-A do Código Penal, conforme decisão do
Supremo Tribunal Federal, no Inq. 2537 AgR/GO, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em
10.03.2008, "a apropriação indébita previdenciária não consubstancia crime formal, mas
omissivo material - no que indispensável a ocorrência de apropriação dos valores, com
inversão da posse respectiva -, e tem por objeto jurídico protegido o patrimônio da
previdência social, entendeu-se que, pendente recurso administrativo em que discutida a
exigibilidade do tributo, seria inviável tanto a propositura da ação penal quanto a
manutenção do inquérito, sob pena de preservar-se situação que degrada o contribuinte. Inq
2537 AgR/GO, rel. Min. Marco Aurélio, 10.3.2008 (v. Informativo nº 498 do Supremo
Tribunal Federal). Não recebimento da denúncia. Arquivamento do inquérito policial. [...]44
Destarte, seguindo a ementa do precedente do STF, o STJ assim como o TRF da 1ª Região,
passaram a conferir ao delito de apropriação indébita previdenciária a natureza de crime omissivo
material, consignando ser indispensável para a consumação do mesmo que o agente tenha
efetivamente se apropriado dos valores que deveriam ter sido repassados ou recolhidos à
Previdência Social. Nesta linha de intelecção, o esgotamento da via administrativa de constituição
definitiva do crédito tributário também configuraria condição de procedibilidade para o ajuizamento
da ação relativa a este crime.
Ocorre que, conforme argumenta a Procuradoria Geral da República e estudando o inteiro
teor do julgado, e não apenas sua ementa, observa-se que, não ficou pacificada a discussão a
respeito da natureza do delito de apropriação indébita previdenciária ser omissivo material e não
simplesmente formal, embora tenha constado na ementa do julgado.
No julgado, o debate a respeito da natureza do delito prosseguiu até a notícia de que a
exigibilidade do crédito em questão estaria suspensa. Nesse momento, os Ministros afastaram-se da
discussão acerca da natureza formal do crime, entendendo que a circunstância era suficiente para
respaldar o trancamento do inquérito. Não obstante, deixaram claro o entendimento de que
tipificação do delito não dependeria de procedimento prévio para liquidação do valor.
Ainda, pesquisando a jurisprudência da Suprema Corte, verifica-se que não foi subordinada
a tipicidade do delito do art. 168-A à conclusão de procedimento administrativo, tampouco decidiu
43 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgRg no RHC: 17513 GO 2005/0050306-8. Relator: Ministro Og
Fernandes, Data de Julgamento: 11/04/2013, T6 - Sexta Turma, Data de Publicação: DJe 23/04/2013. 44 BRASIL. Tribunal Regional Federal (3 Região). INQ 0038418-95.2007.4.01.0000 / AC. Rel. Desembargador Federal
Hilton Queiroz, Rel.Conv. Juiz Federal Ney De Barros Bello Filho, Segunda Seção, e-DJF1 p.24 de 23/06/2008.
21
que o lançamento tributário definitivo é condição de procedibilidade da ação penal, conforme
decisão a seguir:
DECISÃO: [...] Esta Corte fixou o entendimento, a partir do julgamento do HC 81.611
(Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, DJ 13/05/2005), de que o processo administrativo
suspende o curso da ação penal e da prescrição por crime contra a ordem tributária cujo tipo
dependa do lançamento definitivo. Trata-se, aqui, de estimar se o mesmo tratamento é
aplicável ao caso do art. 168-A do Código Penal. Conforme posição defendida no recente
julgamento do AgR-INQ 2537 (Rel. Min. MARCO AURÉLIO, DJE 18/03/2008),
entendo que a hipótese em questão é distinta da dos crimes contra a ordem tributária.
No caso dos chamados crimes tributários, a definição da instância administrativa é
questão prévia à da existência, jurídica e definitiva, de crédito tributário. Ou seja, na
hipótese de não haver crédito tributário, à falta de lançamento definitivo, ou em caso
de decisão administrativa que não reconheça a existência de crédito, não há o
resultado material previsto pela norma e, pois, não há tipicidade do fato. Mas isso não
se dá na hipótese, pois não há necessidade de nenhum procedimento prévio para
apurar o montante ou o valor da contribuição previdenciária devida. O desconto ou
retenção de certa quantia ao salário é ato que concerne exclusivamente ao poder
decisório do empregador. Ora, se há valor retido, apurado segundo o próprio juízo do
empregador, há a obrigação do recolhimento respectivo aos cofres da Previdência
Social, independente do fato de o valor descontado corresponder, ou não, ao do
crédito exigível. O tipo penal aperfeiçoa-se, em tese, no momento em que nasce ao
empregador a obrigação jurídica de transferir à autarquia as importâncias que reteve
a título de desconto previdenciário. Nesse caso, conjugam-se as duas condutas
previstas no tipo penal - “descontar” e “deixar de recolher”. A discussão
administrativa sobre o valor, portanto, é de todo irrelevante sob tal aspecto. Não
encontro, portanto, razoabilidade jurídica à pretensão. 3. Diante do exposto, indefiro
a liminar. Solicitem-se informações ao Superior Tribunal de Justiça e ao Juízo da 3ª Vara
Federal da Seção Judiciária do Estado do Pará. Após, à Procuradoria-Geral da República.
Publique-se. Brasília, 11 de abril de 2008. Ministro CEZAR PELUSO Relator (grifo nosso) 45
O trecho grifado refere-se à divergência aberta pelo Ministro Cezar Peluso no julgamento do
AgR-INQ 2537, conforme os seguintes termos:
Este caso de apropriação indébita previdenciária não pode ser equiparado aos dos delitos
materiais de débito tributário, porque aqui o núcleo do tipo, sobretudo no caso, que é o 168,
‘a’, inciso I, se compõe de dois verbos. As ações são duplas: primeiro, descontar; segundo,
deixar de recolher. No caso dos chamados ‘crimes tributários’, questão prévia é saber se
existe, ou não, jurídica e definitivamente, crédito tributário; não o havendo, isto é, na
hipótese de não haver crédito tributário, à falta de lançamento definitivo, ou em caso de
decisão administrativa que não reconheça a existência do crédito, evidentemente não há o
resultado material previsto pela norma. Aqui, a hipótese me parece diferente, pois não há
necessidade de nenhum procedimento prévio para saber o montante ou o valor da
contribuição previdenciária, por se tratar de ato que fica no arbítrio e no poder
decisório do empregador. Ele desconta. Se desconta, é porque apura que há valor
certo que deve ser retido. Se retém esse valor, apurado segundo seu próprio juízo, que
pode não corresponder ao total real do débito da contribuição, o qual pode ser maior
ou menor, noutras palavras, se, na sua avaliação, desconta esse valor e deixa de o
recolher, pratica as duas ações previstas no tipo. Isso independe do fato de o valor
descontado, por iniciativa do próprio empregador, corresponder ou não ao débito tributário,
ao do débito da Previdência Social. É diferente. (grifo nosso)
45 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC 93874 MC. Relator(a): Min. Cezar Peluso, julgado em 11/04/2008,
publicado em DJe-072 Divulg 22/04/2008 Public 23/04/2008.
22
De acordo com a ADI, os tipos penais do art. 2°, inciso II, da Lei 8.137/90 e do art. 168-A,
caput e § 1°, I e II, do Código Penal, são delitos formais, realizados pela conduta de deixar de
recolher os tributos aos cofres públicos no prazo legal, após a retenção do desconto. A consumação
ocorre com a ação representada pelo núcleo do tipo, que não exige pronunciamento administrativo
para a sua verificação. Se há adequação típica do fato à norma penal tributária, indícios de autoria e
prova de materialidade, é plenamente viável o oferecimento da denúncia.
A PGR destaca, ainda, que a necessidade de prévio exaurimento da instância administrativa
contribui decisivamente para a impunidade das infrações tributárias e previdenciárias. Tendo em
vista a relevância do bem jurídico supraindividual tutelado pelos tipos penais mencionados pelo art.
83 da Lei 9.430/1996, não se afigura constitucionalmente legítimo o dispositivo que dificulta a
persecução penal ao condicionar a notitia criminis46 ao encerramento do procedimento
administrativo fiscal.47
As premissas que vinculam a consumação do crime à definitividade do crédito apurado
levam à conclusão de que só haverá legitimidade para a propositura da ação penal após o transcurso
dos prazos para impugnação administrativa e judicial, sem manifestação do contribuinte, ou o
trânsito em julgado de eventual decisão judicial.
Diante desse quadro, conclui-se que o expediente veiculado pelo art. 83 da Lei 9.430/96
incrementa a impunidade em relação aos delitos formais. Se, conforme demonstrado, esses crimes
se consumam com a prática da ação descrita no tipo, quando a representação fiscal chegar ao
conhecimento do parquet48, há grande probabilidade de já restar ultimada a prescrição, sobretudo
em sua modalidade retroativa para os fatos delituosos ocorridos antes de 5 de maio de 2010, pois a
Lei 12.234/2010 extinguiu a prescrição retroativa entre a data do fato e a do recebimento da
denúncia. Assim, sendo norma mais gravosa, aplica-se somente aos fatos ocorridos após sua entrada
em vigor. Os Anexos A e B do presente trabalho colacionam exemplos dessa situação.
A PGR conclui que a eficácia da atuação do Ministério Público fica comprometida pela
demora no envio das informações pelos agentes fiscais. O dispositivo impugnado posterga
significativamente a ciência do órgão acusador acerca do crime e, por conseguinte, o início da
persecução penal, enfraquecendo a aptidão da ameaça de sanção penal para conter a inclinação
46 Notícia do crime. (NOTITIA criminis. In: Dicionário de Expressões Latinas. Disponível em:
<http://www.loveira.adv.br/dicionario.htm>. Acesso em: 10 maio 2014.) 47 BRASIL. Ministério Público Federal. PGR: representação contra crime fiscal não necessita de conclusão de
processo administrativo. Disponível em:<http://noticias.pgr.mpf.mp.br/noticias/noticias-do-
site/copy_of_constitucional/pgr-representacao-contra-crime-fiscal-nao-necessita-de-conclusao-de-processo-
administrativo>. Acesso em: 17 abr. 2014. 48 Termo jurídico empregado como de Ministério Público ou de alguns dos seus Membros. (PARQUET. Disponível em:
<http://www.direitonet.com.br/dicionario/exibir/900/Parquet>. Acesso em: 10 maio 2014.)
23
delitiva. A regra desestimula a lisura no comportamento do contribuinte em suas relações com o
Fisco, traduzindo-se, ao revés, em incentivo às práticas criminosas49.
Na visão do Ministério Público Federal (MPF), a defesa jurídico-penal dos direitos é um dos
meios pelos quais o Estado realiza o seu dever de proteger direitos fundamentais. Nesse sentido, as
medidas estabelecidas pelo legislador devem assegurar um padrão mínimo de proteção segundo os
parâmetros constitucionais.
Para o Ministério Público a possibilidade de oferecimento da inicial acusatória não agrava a
situação do contribuinte. Se já houve a instauração de inquérito, ou o oferecimento da denúncia, na
hipótese de superveniente impugnação na via judicial, poderá haver a suspensão da ação penal por
prejudicialidade, nos termos do art. 93 do Código de Processo Penal.
No mesmo sentido, o Projeto de Lei n° 3.670, de 2004, de autoria do Deputado Paulo
Rubens Santiago, visa, entre outros objetivos, revogar o art. 83 da Lei n° 9.430, de 27.12.1996,
permitindo à autoridade competente o encaminhamento da representação fiscal independentemente
da constituição definitiva do crédito tributário.
4.1.1 Condição objetiva de punibilidade
Conforme Luiz Flávio Gomes e Aline Biachini, a condição objetiva de punibilidade
relaciona-se com uma condição exigida pelo legislador para que o fato se torne punível e que está
fora do injusto penal (logo, fora do dolo do agente). Chama-se condição objetiva justamente porque
independe do dolo ou culpa do agente. A condição objetiva de punibilidade não altera a
configuração típica: o ilícito penal continua existindo, porém, em razão da existência de tal causa,
passa a não ser passível de punição. Não afeta, portanto, nem o desvalor da ação, nem o do
resultado. Ela é exterior à conduta e ao resultado e fundamenta-se em razões político-criminais
(necessidade, oportunidade ou conveniência da cominação penal).50
O art. 83 da Lei n° 9.430/96 criou uma condição objetiva de punibilidade ao exigir o prévio
exaurimento da esfera administrativa para a persecução penal dos delitos tipificados nos arts. 1° e
2° da Lei n° 8.137/90, e 168-A e 337-A do Código Penal.
Para Hugo de Brito Machado a exigência de prévio exaurimento da via administrativa, para
que validamente possa ser proposta a ação penal, nos crimes contra a ordem tributária, é
49 BRASIL. Ministério Público Federal. PGR: representação contra crime fiscal não necessita de conclusão de
processo administrativo. Disponível em : <http://noticias.pgr.mpf.mp.br/noticias/noticias-do-
site/copy_of_constitucional/pgr-representacao-contra-crime-fiscal-nao-necessita-de-conclusao-de-processo-
administrativo>. Acesso em: 17 abr. 2014. 50 GOMES, Luiz Flávio e BIANCHINI, Alice. Crimes Tributários: Súmula Vinculante 24 do STF exige exaurimento
da via administrativa. Disponível em: <http://ww3.lfg.com.br/public_html/article.php?story=20091208100127896>.
Acesso em: 17 abr. 2014.
24
indiscutivelmente uma forma de fazer efetivas as garantias constitucionais do devido processo legal
e da ampla defesa, sendo direito do contribuinte o regular e prévio exaurimento da via
administrativa. Por isso a lei determinou que a representação fiscal, para fins penais, relativa aos
crimes contra a ordem tributária será encaminhada ao Ministério Público após proferida a decisão
final, na esfera administrativa, sobre a existência fiscal do crédito tributário correspondente.
Na visão do autor, admitir-se a ação penal antes da decisão definitiva da autoridade
administrativa, afirmando a existência, e determinando o montante do tributo, é admitir a ação penal
como verdadeiro instrumento de coação para compelir o contribuinte ao pagamento de tributo
indevido. Diz o professor que o contribuinte, em face da ameaça de denúncia criminal contra ele,
sentir-se-á coagido a pagar o tributo, ainda que flagrantemente indevido.51
Embora exista eventual exigência da referida condição objetiva de punibilidade, no
julgamento da ADI n° 1.571, prevaleceu o entendimento que os destinatários da norma do art. 83,
são os agentes fiscais, não vinculando a atuação do Ministério Público, que teria autonomia para
ofertar a denúncia sem recebimento de representação fiscal. Portanto, a legislação não instituiu uma
condição de procedibilidade para a propositura de ação penal. O STF prosseguiu declarando que:
São autônomas as instâncias penal e administrativa.(...) não está o Ministério Público
impedido de agir antes da decisão final no procedimento administrativo.Ou seja, não há
impedimento para qualquer investigação a ser realizada pela Polícia Judiciária, tendo em
vista a autonomia e independência da instância penal.52
Contudo, mesmo o STF decidindo que são autônomas as instâncias penal e administrativa,
não estando o Ministério Público impedido de agir antes da decisão final no procedimento
administrativo, na prática atual, o que prevalece é o disposto no artigo 83 da Lei 9.430/96.
4.2 O LANÇAMENTO POR HOMOLOGAÇÃO E A DESNECESSIDADE DO ESGOTAMENTO
DA ESFERA ADMINISTRATIVA PARA CONSTITUIÇÃO DEFINITIVA DO CRÉDITO
TRIBUTÁRIO DO DELITO PREVISTO NO ART. 168-A DO CP
No caso das contribuições previdenciárias, o lançamento é realizado por homologação,
modalidade prevista no art. do CTN. Consoante Hugo de Brito Machado, o lançamento das
contribuições sociais é feito, em regra, por homologação. O sujeito passivo antecipa o pagamento
51 MACHADO, Hugo de Brito. Julgamento Administrativo e Ação Penal nos Crimes contra a Ordem Tributária.
Disponível em:
<http://qiscombr.winconnection.net/hugomachado/conteudo.asp?home=1&secao=2&situacao=2&doc_id=127>.
Acesso em: 17 abr. 2014. 52 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 1571. Disponível em:
<http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=385547>. Acesso em: 17 abr. 2014.
25
respectivo sem que a autoridade administrativa tenha examinado os elementos com base nos quais
foi a mesma calculada.53
A partir do momento em que se faz o pagamento, o Fisco tem o direito de revê-lo, tem o
direito de controlar a legalidade desse pagamento. Essa revisão se dá pela análise da atividade do
sujeito passivo, por intermédio de todas as formas de fiscalização disponíveis ao Fisco. Esse
pagamento (chamado de antecipado pelo CTN) extingue o crédito tributário. Contudo, essa extinção
fica condicionada à posterior confirmação, à posterior homologação.54
A atividade de fiscalização, de análise realizada pelo Fisco, tem por objetivo confirmar ou
não a extinção do crédito tributário. Dessa forma, diante da concordância do Fisco, realiza-se a
homologação (que é sinônimo de confirmação); do contrário, realiza-se um lançamento substitutivo
(sinônimo de não concordância e cobrança dos valores).
Diante da não concordância do Fisco, não haverá homologação. O Fisco deixa de homologar
e constitui o crédito não declarado. Essa constituição é realizada por meio de um lançamento
substitutivo de ofício, um Auto de Infração e Imposição de Multa (AIIM).
Importa analisar o entendimento do STJ, de que a entrega de declaração pelo contribuinte
reconhecendo o débito fiscal constitui o crédito tributário, dispensada qualquer outra providência
por parte do fisco, conforme Súmula n° 436 do STJ, que dispõe: "A entrega de declaração pelo
contribuinte reconhecendo débito fiscal constitui o crédito tributário, dispensada qualquer outra
providência por parte do fisco". 55
A jurisprudência do STJ é pacífica no sentido de que em se tratando de tributo lançado por
homologação, tendo o contribuinte declarado o débito através de Declaração de Contribuições de
Tributos Federais – DCTF, Guia de Recolhimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço e
Informações à Previdência Social – GFIP ou documento equivalente e não pago no vencimento,
considera-se desde logo constituído o crédito tributário, tornando-se dispensável a instauração de
procedimento administrativo e respectiva notificação prévia.
A constituição definitiva do crédito, condição necessária e suficiente para sua cobrança
executiva, decorre de evento que não precisa estar previsto em lei complementar. Quando o
lançamento é feito pelo Fisco, são exemplos de eventos que constituem definitivamente o crédito
tributário a não impugnação do lançamento no prazo dado e a decisão irrecorrível em processo
administrativo fiscal. Quando o lançamento é feito pelo contribuinte, como nos tributos que o
53 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 24 ed. revista, atualizada e ampliada, São Paulo,
Malheiros Editores, 2004, p. 399.
54 CASTELLANI, Fernando F., Direito Tributário, coordenação geral Fábio Vieira Figueiredo, Fernando Ferreira
Castellani, Marcelo Tadeu Cometti. Coleção OAB nacional. Primeira fase. V. 7. Direito Tributário. 4 ed. São
Paulo: Saraiva, 2012, p. 45. 55 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Súmula n° 436.
26
lançamento é por homologação, o evento que constitui definitivamente o crédito tributário é a
confissão de dívida.
O STF manifestou-se sobre a matéria, conforme ementa a seguir:
EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO.
TRIBUTÁRIO. DÉBITO FISCAL DECLARADO E NÃO PAGO.
AUTOLANCAMENTO. DESNECESSIDADE DE INSTAURAÇÃO DE
PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO PARA COBRANÇA DO TRIBUTO. Em se
tratando de autolancamento de débito fiscal declarado e não pago, desnecessaria a
instauração de procedimento administrativo para a inscrição da dívida e posterior cobrança.
Agravo regimental improvido.56
Assim sendo, o entendimento dominante da Corte Suprema é no sentido de que, se já existe
obrigação tributária, em decorrência da materialização da hipótese de incidência, se a liquidação do
tributo foi feita pelo próprio sujeito passivo, que tem a obrigação de efetuar o pagamento
independentemente de notificação, e se o sujeito passivo confessa esses fatos ao Fisco mediante
documento declaratório previsto em lei, nessa situação, não há necessidade da Administração
Tributária notificar ao sujeito passivo para pagar ou defender-se, até mesmo porque a obrigação de
pagar já existe (lançamento por homologação) e a Fazenda Pública já dispõe de uma prova poderosa
produzida pelo próprio devedor (confissão da dívida). Ademais, torna-se desnecessário o
contencioso administrativo, já que foi o próprio sujeito passivo quem fez a liquidação do tributo.
Nas decisões do STJ em matéria processual civil e tributária, tratando-se de tributo sujeito a
lançamento por homologação, o procedimento administrativo é dispensável, podendo a quantia ser
desde já inscrita em dívida ativa, providenciando-se a execução fiscal, como no trecho da decisão a
seguir:
[...] No caso de tributos sujeitos à lançamento por homologação a declaração do
contribuinte elide a necessidade da constituição formal do crédito, podendo ser realizada a
inscrição em dívida ativa independe de procedimento administrativo. Precedentes. [...] 57
O entendimento pauta-se na ideia de que o contribuinte, assumindo a iniciativa, declarou por
conta própria o débito fiscal por ele reconhecido, por meio de um procedimento não impositivo, o
que, à semelhança de um lançamento, dota o procedimento de suficiente exigibilidade, tendo o
condão de constituir o crédito tributário. Se o próprio sujeito passivo apura o quantum devido e se
“autonotifica” com a entrega da declaração, não teria sentido “lançar” para apurar uma situação
impositiva que já foi tornada clara pelo próprio contribuinte.
56 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. AI 144609 AgR. Relator(a): Min. Maurício Corrêa, Segunda Turma, Julgado
Em 11/04/1995, Dj 01-09-1995 Pp-27385 Ement Vol-01798-04 PP-00694. 57 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 1195286/SP. Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA,
julgado em 17/09/2013, DJe 24/09/2013.
27
Destarte, conforme afirma Thayla Soares Macedo Luna, se o próprio responsável tributário,
sujeito ativo do crime de apropriação indébita previdenciária, reconhece a existência do débito, a
partir do momento em que desconta o valor da contribuição previdenciária do pagamento que efetua
ao contribuinte, e mesmo assim, deixa de repassá-lo, recolhê-lo aos cofres públicos, não há que se
cogitar qualquer necessidade de prévio exaurimento da instância administrativa para que possa ser
proposta a ação penal, ou para que haja a instauração de inquérito policial ou mesmo a instauração
de procedimento investigatório pelo Ministério Público.58
Portanto, o crédito tributário ganha concretude pelo do próprio contribuinte executando os
deveres instrumentais. Até mesmo por ato Judicial, nas ações trabalhistas, é formalizado o crédito
relativo a contribuições previdenciárias.
5 PRESCRIÇÃO, SUSPENSÃO DA PUNIBILIDADE E CAUSAS EXCLUDENTES DA
TIPICIDADE E DA CULPABILIDADE
5.1 PRESCRIÇÃO
A prescrição para cobrança do crédito tributário, que é feita pelo Fisco através de Execução
Fiscal, é disciplinada no art. 174 do CTN.
O prazo é de cinco anos para todos os tributos, contados da constituição definitiva do crédito
tributário. Enquanto tributos, as contribuições também se submetem ao prazo prescricional
quinquenal estabelecido pelo art. 174 do CTN, sendo inconstitucional o art. 46 da Lei 8.212/91 que
estabeleceu prazo decenal, por invasão de matéria reservada à lei complementar (art. 146, III, b, da
CF). Eis o teor da Súmula Vinculante 8 do STF: “São inconstitucionais o parágrafo único do artigo
5º do Decreto-Lei 1.569/77 e os artigos 45 e 46 da Lei 8.212/91, que tratam de prescrição e
decadência de crédito tributário”.59
Nos tributos sujeitos a lançamentos por homologação, como por exemplo o INSS (a
contribuição previdenciária objeto do presente trabalho), IR, IPI, ICMS, entre outros, o sujeito
passivo se antecipa ao Fisco, entrega à Administração a declaração pertinente, informando o valor
dos tributos devidos, e procede ao pagamento do gravame, aguardando o procedimento
homologatório tácito ou expresso, conforme o art. 150 e parágrafos do CTN.
58 LUNA, Thayla Soares Macedo. A natureza jurídica do delito de apropriação indébita previdenciária após o
posicionamento do Supremo Tribunal Federal. Disponível em: <http://www.ambito-
juridico.com.br/site/index.php/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=13657&revista_caderno=3>. Acesso em:
17 abr 2014. 59 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmula Vinculante n° 8.
28
Dessa forma, é o próprio contribuinte que torna clara a situação impositiva, sem qualquer
interferência do Fisco. Com efeito, o débito declarado traduz-se no débito constituído por iniciativa
do contribuinte, que se vale de um procedimento não impositivo.
Consoante ensina Paulsen, declarado o débito e verificado o inadimplemento, inicia-se de
pronto o prazo prescricional para a cobrança do valor respectivo.60
Conforme afirma Eduardo Sabbag, o termo a quo do lustro prescricional para eventual
cobrança do tributo adequadamente declarado e não pago, será a data estabelecida como
vencimento para o pagamento da obrigação tributária, constante da Declaração. No interregno que
medeia a data de entrega da declaração e o vencimento, não corre prazo de prescrição. 61
Contudo, existe divergência nas Turmas do Superior Tribunal de Justiça quanto à data a
partir da qual tem fluência o prazo prescricional da pretensão executiva nos lançamentos por
homologação:
FISCAL. PRESCRIÇÃO. OCORRÊNCIA.
1. Configurada a omissão na decisão embargada, impõe-se o acolhimento dos Embargos de
Declaração para o devido saneamento, em integração ao julgado.
2. Hipótese em que o acórdão embargado não analisou a prescrição das parcelas devidas.
3. "Divergências nas Turmas que compõem a Primeira Seção no tocante ao termo a
quo do prazo prescricional: a) Primeira Turma: a partir da entrega da DCTF; b)
Segunda Turma: da data do vencimento da obrigação." (REsp 644.802/PR, Rel.
Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, julgado em 27.03.2007, DJ 13.04.2007, p. 363).
4. Devem-se distinguir duas situações: a) hipóteses em que a declaração é entregue
antes do vencimento do prazo para pagamento (v.g. Declaração do Imposto de Renda
Pessoa Física); e, b) casos em que a entrega da declaração se dá após o vencimento da
obrigação (v.g. DCTF). 5. Na hipótese "a" - declaração entregue antes do vencimento do prazo para
pagamento -, o lapso prescricional começa a fluir a partir do dia seguinte ao do
vencimento da obrigação (postulado da actio nata). Isso porque, "no interregno que
medeia a declaração e o vencimento, o valor declarado a título de tributo não pode ser
exigido pela Fazenda Pública, razão pela qual não corre o prazo prescricional da
pretensão de cobrança nesse período." (Resp 911.489/SP, Rel. Ministro Castro Meira,
Segunda Turma, DJ 10.04.2007, p. 212).
6. Na hipótese "b" - entrega da declaração após o vencimento da obrigação - não se
pode cogitar do início da fluência do lapso prescricional antes da entrega da
declaração, ainda que já vencido o prazo previsto em lei para pagamento,
simplesmente porque não há crédito tributário constituído. É a declaração que
constitui o crédito, fluindo, até a sua entrega, apenas o prazo decadencial. (grifo nosso)
[...]62
TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE.
OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA INFORMADA EM DECLARAÇÃO. DCTF. DÉBITO
DECLARADO E NÃO PAGO. PRESCRIÇÃO QÜINQÜENAL. TERMO INICIAL.
VENCIMENTO DA OBRIGAÇÃO.
[...] Em se tratando de tributos lançados por homologação, ocorrendo a declaração do
contribuinte, por DCTF, e na falta de pagamento da exação no vencimento, mostra-se
60 PAULSEN, Leandro. Curso de Direito Tributário Completo. 4 ed. revista, atual. e ampl. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2012, p. 270. 61 SABBAG, Eduardo. Manual de Direito Tributário. 4 ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 817. 62 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. EDcl no REsp 363259 / SC Embargos de Declaração no Recurso Especial
2001/0146135-0. Ministro Herman Benjamin (1132) t2 - Segunda Turma Dje 25/08/2008.
29
incabível aguardar o decurso do prazo decadencial para o lançamento. Tal declaração elide
a necessidade da constituição formal do débito pelo Fisco, podendo este ser imediatamente
inscrito em dívida ativa, tornando-se exigível, independentemente de qualquer
procedimento administrativo ou de notificação ao contribuinte.
3. O termo inicial do lustro prescricional, em caso de tributo declarado e não pago,
não se inicia da declaração, mas da data estabelecida como vencimento para o
pagamento da obrigação tributária constante da declaração. No interregno que
medeia a declaração e o vencimento, o valor declarado a título de tributo não pode ser
exigido pela Fazenda Pública, razão pela qual não corre o prazo prescricional da
pretensão de cobrança nesse período. (grifo nosso) [...] 63
De outra banda, o STJ tem defendido que, caso o Fisco, analisando a Declaração entregue,
verifique que há quantia a ser exigida além daquela que foi declarada, terá que necessariamente
proceder a um lançamento de ofício, nos prazos decadenciais convencionais.
É que, prestando o contribuinte a informação acerca do débito, dispõe o Fisco do prazo
decadencial para realizar o eventual lançamento suplementar, acaso existente algum saldo, prazo
este de índole “decadencial”, porquanto constitutivo da dívida. Findo este prazo, inaugura-se o
lapso de prescrição para o ajuizamento do respectivo executivo fiscal, visando à cobrança do
montante não declarado e objeto de lançamento suplementar. Sendo assim, apresentada a
Declaração, pode o Fisco conferir os dados e lançar o resíduo tributário, se entender pertinente. O
STJ entende que só após efetuar tal lançamento ou decorrer o prazo para tanto é que se iniciará o
prazo prescricional.
Ressalte-se que, quanto ao montante declarado, ultrapassado o prazo de 5 anos da data da
declaração, sem qualquer lançamento de ofício, haverá a aquiescência tácita do Fisco com relação a
esse montante declarado. A Declaração, aqui, constitui o crédito, prescindindo-se de ato de
lançamento.
Não há dúvida de que, no caso do pagamento efetuado pelo contribuinte, após a entrega da
Declaração, ser suficiente e correto, ocorrerá a homologação tácita ou expressa, extinguindo
definitivamente o crédito tributário.
O problema começa a surgir quando não há pagamento correspondente ao valor
corretamente declarado. Com a entrega da Declaração, caso o Fisco acolha como correto tudo o que
foi declarado como devido pelo próprio contribuinte, o STF e, com maior retórica jurisprudencial, o
STJ, tem entendido, como já dito anteriormente, que a constituição definitiva do crédito tributário,
para fins de prescrição, ocorrerá no momento da entrega da declaração.
Contudo, o que se constata é que esse entendimento é válido apenas na esfera tributária. Isso
porque, na prática, a maior parte das denúncias oferecidas pelo Ministério Público Federal, pela
conduta prevista no art. 168-A do Código Penal, segue o procedimento padrão adotado para o delito
63 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 658138/PR. Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA,
julgado em 08/11/2005, DJ 21/11/2005, p. 186.
30
do art. 337-A, ou seja, são baseadas na Representação Fiscal para Fins Penais, encaminhada pela
Receita Federal do Brasil, conforme preconiza o art. 83 da Lei 9.430, de 27 de dezembro de 1996.
Lembra-se que o art. 337-A é crime material e necessita do prévio exaurimento da esfera
administrativa para constituir definitivamente o crédito tributário.
Ademais, embora a 2ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal, o
Tribunal Regional da 4ª Região e, em tese, diante das controvérsias apresentadas, também o STF,
entendam que se trata de crime formal, não necessitando, assim, do exaurimento da via
administrativa com a constituição definitiva do crédito para oferecimento da denúncia, não existe,
até o presente momento, procedimento padrão adotado que possibilite o conhecimento, por parte do
Ministério Público, da conduta prevista no artigo 168-A do Código Penal, sem que seja por meio da
Representação Fiscal para Fins Penais, salvo raras exceções.
Pelo exposto, a celeuma quanto à prescrição fica em torno da consumação do delito e da
demora dos agentes ficais no envio das informações. Isso porque, considerando que o delito do art.
168-A consuma-se quando vencido o prazo para recolhimento das contribuições ou com a data da
entrega da declaração quando já vencido o prazo para pagamento, e considerando a eventual
demora no envio da Representação Fiscal para Fins Penais ou de qualquer outro meio de envio da
notícia-crime, a eficácia da atuação do Ministério Público fica comprometida e há grande
probabilidade de já restar prescrito o delito quando a representação fiscal chegar ao conhecimento
do parquet.
5.2 SUSPENSÃO DA EXIGIBILIDADE
5.2.1 Parcelamento
Com o objetivo de promover a regularização dos créditos da União decorrentes de tributos,
foi editada a Lei nº 9.964, de 10 de abril de 2000, que criou o Programa de Recuperação Fiscal -
REFIS de tributos federais. Dito programa trata da extinção da punibilidade e da suspensão
punibilidade do Estado, em seu artigo 15.
Verifica-se assim, que pelo REFIS 1 (Programa de Recuperação Fiscal), o parcelamento e a
inclusão no programa, feitos antes da denúncia, suspende a pretensão punitiva na forma do art. 15,
caput da Lei nº 9.964, de 10 de abril de 2000 e também a prescrição. Já o pagamento integral do
parcelamento feito antes da denúncia, extingue a punibilidade dos crimes referidos no art. 15, por
força do § 3º do mesmo artigo.
31
Em fins de maio de 2003, mais exatamente, 30/05/2003, o governo federal sancionou a Lei
nº 10.684/2003, criando do PAES, que também trata da extinção e suspensão da punibilidade do
Estado.
Diferentemente do REFIS 1, o PAES (REFIS 2), não condiciona que a adesão do programa
seja anterior à denúncia, logo, mesmo denunciado, poderá o contribuinte aderir ao programa e
suspender a pretensão punitiva do Estado na forma do art. 9º do caput da Lei nº 10.684/2003. O
mesmo se diz do pagamento integral do parcelamento, que também extinguirá a punibilidade do
Estado, mesmo feito em momento posterior à denúncia.
Em interpretação sobre esta norma, e atentos a este “pequeno grande detalhe”, os Tribunais
foram se orientando no sentido de que ela não se aplicava somente àqueles que conseguiram
ingressar no parcelamento (que tinha um prazo de adesão específico, há muito já encerrado), mas a
qualquer cidadão devedor que conseguisse pagar direto o valor de tributos devidos, mesmo que já
processado, mesmo que já condenado (com pena ainda não cumprida), reconhecida a natureza de
novatio legis in mellius (lei nova mais favorável que a anterior) ao dito art. 9°, porquanto possui
aplicação retroativa nos termos no inciso XL, do art. 5º da CF e do art. 2º do CP. A seguir, exemplo
de decisão:
RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. APROPRIAÇÃO INDÉBITA
PREVIDENCIÁRIA. PAGAMENTO INTEGRAL. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE.
ARTIGO 9, § 2º, DA LEI 10.684/03. RECURSO PROVIDO. 1. O pagamento integral dos
débitos provenientes da falta de recolhimento dos tributos ou contribuições sociais, a teor
do artigo 9º, parágrafo 2º, da Lei n.º 10.684/03, extingue a punibilidade dos crimes
tipificados nos artigos 1º e 2º da Lei n.º 8.137/90, 168-A e337-A do Código Penal. 2. A
benesse conferida não estipula limite temporal para o pagamento do tributo ou
contribuição social, pois, tão-somente, coloca como requisito a integralidade do
pagamento para extinguir a punibilidade. Assim, mesmo que o pagamento seja
posterior ao recebimento da denúncia, é causa extintiva da punibilidade do agente. 3.
Recurso provido para determinar o trancamento da ação penal. (grifo nosso) 64
Em 2006, a Medida Provisória 303/2006 instituiu parcelamento especial de débitos em até
130 (cento e trinta) prestações mensais e sucessivas para os débitos de pessoas jurídicas junto à
Secretaria da Receita Federal - SRF, à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional - PGFN e ao
Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, com vencimento até 28 de fevereiro de 2003. Foi o
chamado PAEX (REFIS 3).
Em 2009 foi publicada a Lei 11.941/09, mais conhecida como a lei do “REFIS da crise”
(REFIS 4), que manteve a disciplina já estabelecida na Lei 10.684/03, não produzindo quaisquer
alterações no trato do tema.
64 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. RHC 17367 / SP. Relator: Ministro Hélio Quaglia Barbosa. Órgão julgador:
Sexta Turma. Data do julgamento 17.11.2005. Publicação: DJ, 05.12.2005, p. 378.
32
A última norma a respeito do tema veio exertado na última lei sobre o valor do salário
mínimo, Lei n 12.382/2011, que alterou o art. 83 da Lei n° 9.430, de 27 de dezembro de 1996,
passando a vigorar acrescido dos seguintes §§ 1° a 5°, renumerando-se o atual parágrafo único para
§ 6°.
Esta última lei, aparentemente, devolveu a disciplina ao seu estado em 1995, conforme a Lei
9.249/95: a) em caso de parcelamento obtido antes do recebimento da denúncia, fica suspensa a
pretensão punitiva estatal até o integral pagamento, quando haverá a extinção da punibilidade; b) o
pagamento integral do débito somente terá o efeito de extinguir a punibilidade se efetuado até antes
do recebimento da denúncia. Abaixo, decisões do STF, STJ e TRF4, respectivamente:
HABEAS CORPUS. APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA.
PARCELAMENTO DA DÍVIDA. INADIMPLEMENTO. EXTINÇÃO DA
PUNIBILIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. ORDEM DENEGADA. Conforme registrou o
acórdão atacado, a pessoa jurídica da qual o paciente é sócio ingressou no Refis “sob a
vigência da Lei 9.964/00.” Portanto, não há como prosperar a tese da ultratividade do
disposto no art. 34 da Lei 9.249/1995. De qualquer forma, ainda que se admita esse
argumento, não basta o mero parcelamento da dívida para que ocorra a extinção da
punibilidade do autor do crime de apropriação indébita previdenciária (CP, art. 168-A, § 1º,
I). É necessário que o débito seja integralmente quitado. Precedentes (HC 76.978, rel. min.
Maurício Corrêa, DJ de 19.02.1999, p. 27; e HC 98.777-MC, rel. min. Celso de Mello, DJe
de 30.04.2009). Habeas corpus denegado.” 65
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. APROPRIAÇÃO INDÉBITA
PREVIDENCIÁRIA. PLEITO DE EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE PELO
PAGAMENTO INTEGRAL DO DÉBITO. ACÓRDÃO RECORRIDO NO SENTIDO DA
QUITAÇÃO PARCIAL, RESTANDO SALDO DEVEDOR. REEXAME DE PROVA.
PEDIDO SUBSIDIÁRIO DE EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE QUANTO ÀS
PARCELAS PAGAS. INVIABILIDADE. INOVAÇÃO RECURSAL. IMPROPRIEDADE
DA VIA ELEITA. AGRAVO REGIMENTAL PARCIALMENTE CONHECIDO E
DESPROVIDO.
1. Consignado pela Corte de origem que o débito fiscal não foi integralmente quitado, não é
possível pleitear a extinção da punibilidade com relação ao crime do art. 168-A, § 1.º,
inciso I, do Código Penal, apurado nos autos. Incidência da Súmula n.º 07 deste Superior
Tribunal de Justiça. [...]66
PROCESSO PENAL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. PARCELAMENTO.
EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. PAGAMENTO INTEGRAL DO DÉBITO.
INEXISTÊNCIA DE CONTRADIÇÃO, OMISSÃO E OBSCURIDADE. 1. Havendo
notícia da exclusão do contribuinte do programa de recuperação fiscal, impõe-se o imediato
prosseguimento da ação penal, nos termos do artigo 68 da Lei 11.941/2009. 2. Os temas
ventilados nos Embargos foram devidamente analisados pelo Colegiado, não se fazendo
presente nenhuma das hipóteses elencadas no art. 619 do Diploma Processual, porquanto
não há obscuridade, contradição e muito menos omissão no Acórdão hostilizado.”67
65 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC 99943. Relator(a): Min. Joaquim Barbosa, Segunda Turma, julgado em
08/02/2011, DJe-039 Divulg 25-02-2011 Public 28-02-2011 Ement Vol-02472-01 PP-00049. 66 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgRg no REsp 1265106/RS. Rel. Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma,
julgado em 04/12/2012, DJe 11/12/2012. 67 BRASIL. Tribunal Regional Federal (4 Região). ACR 2007.71.16.000173-0. Sétima Turma, Relatora Salise
Monteiro Sanchotene, D.E. 17/10/2013.
33
Em 2013, o prazo para adesão ao “Refis da Crise” (Lei 11.941/2009) foi reaberto até
31.12.2013, pelo artigo 17 da Lei 12.865/2013, podendo o contribuinte parcelar o débito, se estiver
dentro dos requisitos exigidos pela Lei.
5.3 CAUSA EXCLUDENTE DA TIPICIDADE
5.3.1 Princípio da insignificância
Aplica-se o princípio da insignificância jurídica ou da bagatela, como excludente da
tipicidade do delito de apropriação indébita previdenciária, quando, para fins de persecução penal,
observada a prescrição da pretensão punitiva, o valor dos tributos iludidos remanescentes é inferior
a R$ 10.000,00 (dez mil reais), montante estabelecido pela Administração como sendo o mínimo
para o ajuizamento de suas execuções fiscais.
A aplicação do princípio da insignificância de modo a tomar a conduta atípica exige sejam
preenchidos, de forma concomitante, os seguintes requisitos:
1) Mínima ofensividade da conduta do agente;
2) Nenhuma periculosidade social da ação;
3) Reduzido grau de reprovabilidade do comportamento; e
4) Relativa inexpressividade da lesão jurídica.
O Tribunal Regional Federal da 4ª Região aplica o princípio da insignificância, utilizando o
patamar de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), definido na Portaria MF n° 75/201268, alterada pela
Portaria MF n° 130/2012 do Ministério da Fazenda, conforme trechos de decisões abaixo:
[...] Na linha da orientação jurisprudencial, aplica-se o princípio da insignificância jurídica,
como excludente de tipicidade, aos crimes em que não há repasse de contribuições
previdenciárias à autarquia federal em montante não excedente ao patamar considerado
irrelevante pela Administração Pública para efeito de processamento de execuções fiscais
de débitos inscritos como Dívida Ativa da União, atualmente no valor de R$ 20.000,00
(vinte mil reais), conforme Portaria 75/2012 do Ministério da Fazenda. 3. Afeiçoando-se a
hipótese dos autos a esses parâmetros, uma vez que o valor devido apurado é inferior ao
limite mínimo de relevância administrativa, está-se diante de conduta atípica.69
68 BRASIL. Portaria MF n° 75, de 29 de março de 2012. Dispõe sobre a inscrição de débitos na Dívida Ativa da
União e o ajuizamento de execuções fiscais pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional. Alterada pela Portaria
MF nº 130, de 19 de abril de 2012. 69 BRASIL. Tribunal Regional Federal (4 Região). ACR 0002976-52.2006.404.7103. Oitava Turma, Relator Victor
Luiz dos Santos Laus, D.E. 26/09/2013.
34
[...] Cumpre reconhecer a parcial prescrição da pretensão punitiva estatal e a aplicação do
princípio da insignificância para as competências restantes, haja vista que o valor é inferior
a R$ 20.000,00 (vinte mil reais).70
Tal valor não é utilizado pelo Superior Tribunal de Justiça pois tanto a 5ª como a 6ª Turmas
do STJ decidiram que o valor de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), estabelecido pela Portaria MF n.
75/12 como limite mínimo para a execução de débitos contra a União, não pode ser considerado
para efeitos penais (não deve ser utilizado como novo patamar de insignificância).
Assim se manifestou o Min. Marco Aurélio Bellizze, em decisão do STJ:
[...] mostra-se, a meu ver, incontroverso não ser possível majorar referido parâmetro por
meio de Portaria do Ministro da Fazenda, conforme procederam as instâncias ordinárias na
análise do presente caso. Com efeito, portaria emanada do Poder Executivo não possui
força normativa passível de revogar ou modificar lei em sentido estrito (...). Portanto,
inviável se falar em alteração do valor trazido na Lei nº 10.522/2002.71
Assim, para o Superior Tribunal de Justiça o valor máximo para fins de aplicação da
insignificância continua sendo R$ 10.000,00 (dez mil reais), não tendo sido aumentado para R$
20.000,00 (vinte mil reais), conforme a Portaria 75/12, consoante decisões a seguir:
PENAL E PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL.
CONTRARIEDADE AO ART. 168-A DO CP. APROPRIAÇÃO INDÉBITA
PREVIDENCIÁRIA. RESP REPETITIVO Nº 1.112.748/TO. DÉBITO NÃO SUPERIOR
A R$ 10.000,00 (DEZ MIL REAIS). PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICAÇÃO.
DÍVIDA ATIVA DA UNIÃO. LEI 11.457/07. ACÓRDÃO EM CONFORMIDADE COM
A JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE. SÚMULA 83/STJ. AGRAVO REGIMENTAL A
QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. A Lei 11.457/07 considerou como dívida ativa da
União também os débitos decorrentes das contribuições previdenciárias, dando-lhes
tratamento semelhante ao que é dado aos créditos tributários. Assim, não há porque fazer
distinção, na seara penal, entre os crimes de descaminho e de apropriação ou sonegação de
contribuição previdenciária, razão pela qual deve se estender a aplicação do princípio da
insignificância a estes últimos delitos, quando o valor do débito não for superior R$
10.000,00 (dez mil reais). 2. Agravo regimental a que se nega provimento.72
Em posição contrária, Rogério Greco diz que não há falar em reduzido grau de
reprovabilidade da conduta, uma vez que o delito em comento atinge bem jurídico de caráter
supraindividual, qual seja, o patrimônio da previdência social ou a sua subsistência financeira. 73,
Nesse sentido, ilustra-se a seguir, trecho de decisões da Suprema Corte e do Tribunal
Regional Federal da 3ª Região:
70 BRASIL. Tribunal Regional Federal (4 Região). ACR: 156483320084047100 RS 0015648-33.2008.404.7100.
Relator: Paulo Afonso Brum Vaz, Data de Julgamento: 22/05/2013, Oitava Turma, Data de Publicação: D.E.
04/06/2013. 71 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 1409973/SP. Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, Quinta Turma,
julgado em 19/11/2013, DJe 25/11/2013. 72 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgRg no REsp 1389169/MG. Rel. Ministra Maria Thereza De Assis Moura,
Sexta Turma, julgado em 24/10/2013, DJe 04/11/2013. 73 GRECO, Rogério. Código Penal Comentado. 5 ed. Niterói, RJ: Impetus, 2011, p. 506.
35
PENAL. HABEAS CORPUS. ART. 168-A DO CÓDIGO PENAL. APROPRIAÇÃO
INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA. BEM JURÍDICO TUTELADO. PATRIMÔNIO DA
PREVIDÊNCIA SOCIAL. CARÁTER SUPRAINDIVIDUAL. PRINCÍPIO DA
INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. REPROVABILIDADE DO
COMPORTAMENTO. ORDEM DENEGADA. I - A aplicação do princípio da
insignificância de modo a tornar a conduta atípica exige sejam preenchidos, de forma
concomitante, os seguintes requisitos: (i) mínima ofensividade da conduta do agente; (ii)
nenhuma periculosidade social da ação; (iii) reduzido grau de reprovabilidade do
comportamento; e (iv) relativa inexpressividade da lesão jurídica. II - No caso sob exame,
não há falar em reduzido grau de reprovabilidade da conduta, uma vez que o delito em
comento atinge bem jurídico de caráter supraindividual, qual seja, o patrimônio da
previdência social ou a sua subsistência financeira. Precedente. III - Segundo relatório do
Tribunal de Contas da União, o déficit registrado nas contas da previdência no ano de 2009
já supera os quarenta bilhões de reais. IV - Nesse contexto, inviável reconhecer a
atipicidade material da conduta do paciente, que contribui para agravar o quadro deficitário
da previdência social. V - Ordem denegada. 74
APELAÇÃO CRIMINAL. ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA. APROPRIAÇÃO INDÉBITA
PREVIDENCIÁRIA (ART. 168-A DO CP). PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA.
INAPLICABILIDADE. SONEGAÇÃO DE CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA.
OMISSÃO DE SEGURADO EMPREGADO NA FOLHA DE PAGAMENTO (ART. 337-
A, INCISO I, DO CÓDIGO PENAL). PROCEDIMENTOS ADMINISTRATIVOS
FISCAIS. INDÍCIOS DE AUTORIA E PROVA DA MATERIALIDADE. TIPICIDADE
DA CONDUTA. NECESSIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA. SENTENÇA
REFORMADA. 1. O princípio da insignificância é inaplicável ao crime de apropriação
indébita de contribuição previdenciária, à vista da relevância do bem jurídico protegido, ou
seja, a subsistência da Previdência Social, consoante precedentes do e. Supremo Tribunal
Federal e desta c. Corte Regional. [...] 75
Existem, portanto, duas correntes jurisprudenciais em relação ao princípio da insignificância
para o crime do art. 168-A.
5.4 CAUSA EXCLUDENTE DA CULPABILIDADE
5.4.1 Inexigibilidade de conduta diversa
É uma causa excludente da culpabilidade dos sócios de empresas em grandes dificuldades
financeiras. No caso, um contribuinte de direito, pessoa jurídica que paga rendimentos ao segurado,
promove a retenção das contribuições, mas, por comprovada ausência de disponibilidade financeira,
não repassa os valores à Previdência Social.
Nessa hipótese, não há como se vislumbrar dolo e, pois, culpabilidade, não sendo possível
apurar ilicitude.
Segundo André Elali e Evandro Zaranza, se o crime de apropriação indébita previdenciária
exige, como elemento subjetivo, o dolo, há que se atentar para uma efetiva análise do fato tido por
74 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC 98021. Relator(a): Min. Ricardo Lewandowski, Primeira Turma, julgado
em 22/06/2010, DJe-149 Divulg 12-08-2010 Public 13-08-2010 Ement Vol-02410-03 PP-00516 RMDPPP v. 7, n.
37, 2010, p. 99-105 LEXSTF v. 32, n. 381, 2010, p. 425-433 RT v. 100, n. 904, 2011, p. 516-520. Disponível 75 BRASIL. Tribunal Regional Federal (3 Região). ACR: 1814 SP 0001814-85.2010.4.03.6108. Relator: Juiz
Convocado Fernão Pompêo, Data de Julgamento: 10/12/2013, Segunda Turma.
36
ilícito, ou seja, se houve ou não vontade dirigida no afã de realizar a conduta típica: deixar o agente,
por vontade própria, de repassar a contribuição social retida. De outra forma só deve ser condenado
aquele que tem disponibilidade financeira e opta por não repassar o tributo retido ao INSS. 76
Nesse sentido, apresenta-se decisões do STF e TRF4:
[...] A inexigibilidade de conduta diversa consistente na precária condição financeira da
empresa, quando extrema ao ponto de não restar alternativa socialmente menos danosa do
que o não recolhimento das contribuições previdenciárias, pode ser admitida como causa
supralegal de exclusão da culpabilidade do agente. [...]77
[...] Para configurar a excludente de culpabilidade (inexigibilidade de conduta diversa), é
necessário que a grave dificuldade financeira alegada esteja sobejamente comprovada
documentalmente, a ponto de ter afetado não só a empresa, mas também o patrimônio
pessoal do denunciado. 4. Configurada a opção gerencial do réu pelo não recolhimento das
contribuições previdenciárias, resta afastada a excludente de culpabilidade da
inexigibilidade de conduta diversa.[...].78
Portanto, sendo provadas pelo administrador as dificuldades que se encontra a pessoa
jurídica, com repercussão inclusive na sua vida pessoal, impera-se o afastamento da pena prevista
no artigo 168-A do Código Penal, pois inexigível conduta diversa.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
No que tange ao momento consumativo do delito previsto no art. 168-A do Código Penal,
conclui-se que, por tratar-se de tributo sujeito a lançamento por homologação, incidindo a Súmula
436 do STJ, a posição mais correta é a que considera consumado o delito no dia posterior ao
vencimento do prazo de pagamento, ou caso de declaração feita posterior ao vencimento, no dia do
envio da declaração.
Contudo, o Ministério Público Federal apenas tem ciência da ocorrência do delito com o
envio da Representação Fiscal para Fins Penais, enviada após o exaurimento da via administrativa,
o que acarreta, em razão da demora dos agentes fiscais, prescrição dos crimes consumados
principalmente antes da alteração do Código Penal, promovida pela Lei n° 12.234/2010.
Dessa forma é possível dizer que para propositura da ação penal o crime do 168-A é
considerado material, tal qual o crime de sonegação fiscal previdenciária (art. 337-A do CP),
condicionado à apresentação da Representação Fiscal para Fins Penais com a devida data da
constituição definitiva do crédito tributário, sem, contudo, suspender a prescrição enquanto perdurar
76 ELALI André e ZARANZA, Evandro. Descaracterização do Crime de Apropriação Indébita Previdenciária por
Ausência de Recursos Financeiros da Empresa. In: PEIXOTO, Marcelo Magalhães, ELALI, André, SANT’ANNA,
Carlos Soares, (Coord.). Direito Penal Tributário. São Paulo: MP Editora, 2005, p. 41. 77 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC 113418. Relator(a): Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em
24/09/2013, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-206 DIVULG 16-10-2013 PUBLIC 17-10-2013. 78 BRASIL. Tribunal Regional Federal (4 Região). ACR 0002871-98.2008.404.7105. Sétima Turma, Relator Luiz
Carlos Canalli, D.E. 03/12/2013.
37
o procedimento administrativo-fiscal. Por outro lado, nesta mesma ação penal, o juiz ao analisar a
prescrição em sua modalidade retroativa, acaba considerando o crime como formal, consumado
quando da conduta tipificada no artigo. Assim, os fatos mais antigos acabam prescritos, sobretudo
aqueles ocorridos antes de 05 de maio de 2010, considerando que a Lei n° 12.234/2010 extinguiu a
prescrição retroativa entre a data do fato e a do recebimento da denúncia.
A inteligência de nascer a ilicitude tributária e penal depois de decisão definitiva no plano
administrativo apresenta, como primeira aporia, a frustração de todas as justificativas do instituto da
prescrição sob a ótica material e processual. Essas justificativas arrancam o fundamento legitimador
de toda persecução penal de ser útil e capaz de alcançar, por meio do processo, uma justiça
materialmente correta, prevenindo crimes, reprovando com justiça o agente e operando a
pacificação social com justiça. Tais objetivos são completamente frustrados, gerando um déficit
democrático, se o exercício do direito de punir está distanciado temporalmente do fato histórico-
social relevante penalmente.
Com efeito, há uma carência democrática na persecução penal distanciada do fato histórico e
social decorrente do grande risco de as provas dispersarem-se, a tornar extremamente arriscado o
exercício do magistério punitivo, especialmente sob o ângulo da justiça material da decisão.
Ademais, sob o prisma do direito punitivo, em especial à luz do princípio da culpabilidade e da
natureza preventiva da sanção penal, o cidadão-réu ao final condenado já não merecerá a
reprimenda penal em virtude de uma culpa esmaecida no tempo e sobre ele, portanto, a resposta
estatal já não exercerá efeito preventivo.
Ainda, com a prescrição de algumas competências, dependendo dos valores das
competências restantes, o acusado poderá ser beneficiado pelo princípio da insignificância. Assim,
muitas ações penais estão fadadas ao insucesso (dependendo do defensor que se tenha), apenas
utilizando a máquina pública sem objetivo algum.
Portanto, o art. 83 da Lei n° 9.430/1996 viola os artigos 3°; 150, inciso II; 194, caput e
inciso V; e 195 da Constituição, segundo uma lógica de proporcionalidade na proteção aos bens
jurídicos neles contemplados. Com efeito, o expediente que veicula constitui medida que torna
insuficiente a defesa do funcionamento do sistema tributário constitucionalmente exigida.
Outra questão que se faz relevante são as leis que permitem o parcelamento dos débitos
tributários que permitem a suspensão da pretensão punitiva e a extinção da punibilidade após anos
de parcelamento, além de não proteger o bem jurídico objeto das normas penais (hipótese de
violação do Princípio da Proporcionalidade na faceta da Proibição Deficiente), acabam, em verdade,
aumentando a prática de atos ilícitos e diminuindo a arrecadação tributária espontânea.
A lógica econômica dá o verdadeiro sentido na interpretação apresentada. Se o empresário
tem diante de si duas opções, pagar ou não pagar o tributo, e, neste segundo caso, se eventualmente
38
o tributo vier a ser apurado e lançado, puder pagar o débito de modo parcelado, por certo que o
risco, consistente nos acréscimos legais, em muitos dos casos, compensará o não pagamento do
tributo.
Não é necessário reforçar uma evidente quebra no princípio da isonomia fiscal. Aqueles
sujeitos a uma fiscalização mais rigorosa e eficaz cumpririam a obrigação tributária, ao passo que
outros, concorrentes no mesmo mercado, teriam a seu favor uma atuação mais negligente por parte
dos agentes estatais, com nítida afetação da ordem econômica no que diz respeito à igualdade entre
os concorrentes.
Como por ora sabido, se o homem é motivado por relações de custo–benefício, não há
dúvidas de que o crime patrimonial, pela busca do lucro fácil, será algo que contará sempre com
uma motivação natural por parte do agente, não é necessário que o sistema proporcione facilidades
ainda maiores para que o delito ocorra.
As benesses de parcelamentos e extinção da punibilidade aos sonegadores geram o que se
tem denominado de “efeito espiral”, incentivando a prática delitiva por outros agentes em situação
idêntica, devido também à concorrência desleal causada pelos criminosos e à certeza da impunidade
mediante a simples devolução do que foi sonegado.
É inquestionável que a evasão implica um agravamento da carga fiscal, com sacrifícios
significativamente acrescidos para os contribuintes que acabam por suportar não só seus próprios
impostos como os dos outros também.
Faz bem lembrar que o mundo dos tributos está ancorado num jogo de resultado ou soma
zero, de alocação de receitas e distribuição de ônus, pelo que o que não é pago por uns acaba
inevitavelmente sendo pago pelos outros.
Para além da sobrecarga fiscal inerente à redução ilegal da arrecadação, aos infratores,
quando empresários, é possível o aproveitamento indireto da evasão por meio da prática de preços
fictícios, sensivelmente abaixo dos disponíveis no mercado, por vezes menores que o próprio custo
real de produção do bem ou de prestação do serviço, auferindo vantagem ilícita sobre as demais
empresas e ferindo diretamente o princípio da livre concorrência expresso no art. 170, IV, da
CRFB, como pilar fundamental de nossa ordem econômica. Nesse ponto, a ação criminosa é nociva
a todo o mercado envolvido, particularmente às empresas concorrentes, que são “penalizadas” por
cumprirem com seus deveres fiscais.
Por fim, trazem-se a lume critérios de controle da elaboração e aplicação das leis penais
fiscais em vigor a partir do bem jurídico-penal tributário. Por um lado, não podem atingir condutas
que, em concreto, não abalem a estabilidade do sistema, como só acontece com as evasões em
montante insuficiente ao ajuizamento da execução fiscal, mas, por outro, não podem apresentar uma
motivação meramente arrecadatória, numa função escusa de cobrança de créditos, o que leva a se
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repudiar a exclusão legal da punibilidade dos delitos fiscais em função da restituição do montante
sonegado aos cofres públicos e o anômalo aguardo do esgotamento das vias administrativas de
discussão do débito.
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