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151 CAPÍTULO 7 FAUNA Júlio Neil Cassa Louzada Luis Marcelo Tavares de Carvalho Paulo dos Santos Pompeu Marcelo Passamani Paulo César Lima Ludmila Zambalde Portela Lima 7.1 APRESENTAÇÃO Os mapas de vulnerabilidade ambiental permitem diagnosticar a possibilidade de ocorrência de problemas ambientais em razão da ocupação humana em uma região, permitindo assim recomendações para um melhor aproveitamento das atividades de controle e proteção. Com esse tipo de mapeamento é possível identificar áreas susceptíveis quanto a impactos ambientais potenciais nos mais diversos aspectos biogeofísicos provocados pelo uso de uma área ou a tendência (o “ser passível”) de receber impressões, modificações ou adquirir qualidades diferentes das já existentes, e que tenham pouca possibilidade de serem recuperadas naturalmente. Os componentes faunísticos nativos estão entre aspectos do meio biótico, envolvidos na determinação da vulnerabilidade ambiental de uma região. Este componente ambiental é um dos mais relevantes para a construção de mapas de vulnerabilidade, em função da sua grande susceptibilidade a alterações humanas nos sistemas naturais. A não incorporação deste fator, na maioria dos estudos de zoneamento ecológico-econômico, está certamente ligado à deficiência das bases de informação a respeito da distribuição da fauna e informações sobre áreas de endemismo, de grande diversidade e prioritárias para a conservação. A componente fauna geralmente é analisada tendo-se como foco os grupos de vertebrados (peixes, mamíferos, aves, répteis e anfíbios). Apesar de representar uma pequena parcela da diversidade geral de animais, assume-se que estes grupos apresentam maior sensibilidade e, como vertebrados, os humanos teriam também suscetibilidades semelhantes. Neste capítulo, são apresentados os aspectos metodológicos e resultados que nortearam a confecção do mapa de integridade para o componente fauna do Zoneamento Ecológico-Econômico do Estado de Minas Gerais (ZEE-MG). Este mapa de integridade foi utilizado para inferir-se o grau de vulnerabilidade de regiões geográficas quanto à perda de biodiversidade de fauna, caso esta venha a ser utilizada de maneira inapropriada. 7.2 ABORDAGEM METODOLÓGICA Para cada regional do COPAM estudada foram obtidas informações sobre os aspectos que caracterizam os meios biótico e abiótico. Para cada um destes fatores de vulnerabilidade foi procedida uma classificação e ponderação de seus aspectos que poderiam, de alguma forma, indicar a integridade ambiental do componente e, por conseqüência, sua vulnerabilidade. As variáveis utilizadas para gerar os indicadores do fator condicionante fauna foram obtidas da base de dados do IEF, que orientou a publicação “Biodiversidade em Minas Gerais: um Atlas para a sua conservação” (DRUMMONT et al., 2005). Nesta publicação, estão apresentadas áreas prioritárias para a conservação dos diferentes grupos faunísticos (Ictiofauna, Mastofauna, Avifauna, Herpetofana e Invertebrados) com base na riqueza estimada, ocorrência de espécies endêmicas e ameaçadas de extinção, entre outras variáveis operacionais. Os mapas temáticos para cada grupo formaram a base para o cálculo dos indicadores 1 a 5. Estes indicadores foram sobrepostos para gerar uma medida de integridade do fator condicionante fauna, posteriormente incorporado no Mapa de Vulnerabilidade Natural do ZEE-MG. Para cada área prioritária para conservação da fauna no Estado, fez-se a reclassificação dos critérios de prioridade para conservação, associando as áreas valores de integridade, o que em princípio

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Page 1: CAPÍTULO 7 - ZEE :: Zoneamento Ecológico Econômico · uma classificação e ponderação de seus aspectos que poderiam, ... Os peixes sofrem ameaças de vários tipos, ... critérios

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CAPÍTULO 7

FAUNA

Júlio Neil Cassa LouzadaLuis Marcelo Tavares de Carvalho

Paulo dos Santos PompeuMarcelo Passamani

Paulo César Lima Ludmila Zambalde Portela Lima

7.1 APRESENTAÇÃO

Os mapas de vulnerabilidade ambiental permitem diagnosticar a possibilidade de ocorrência de problemas ambientais em razão da ocupação humana em uma região, permitindo assim recomendações para um melhor aproveitamento das atividades de controle e proteção. Com esse tipo de mapeamento é possível identificar áreas susceptíveis quanto a impactos ambientais potenciais nos mais diversos aspectos biogeofísicos provocados pelo uso de uma área ou a tendência (o “ser passível”) de receber impressões, modificações ou adquirir qualidades diferentes das já existentes, e que tenham pouca possibilidade de serem recuperadas naturalmente. Os componentes faunísticos nativos estão entre aspectos do meio biótico, envolvidos na determinação da vulnerabilidade ambiental de uma região. Este componente ambiental é um dos mais relevantes para a construção de mapas de vulnerabilidade, em função da sua grande susceptibilidade a alterações humanas nos sistemas naturais. A não incorporação deste fator, na maioria dos estudos de zoneamento ecológico-econômico, está certamente ligado à deficiência das bases de informação a respeito da distribuição da fauna e informações sobre áreas de endemismo, de grande diversidade e prioritárias para a conservação. A componente fauna geralmente é analisada tendo-se como foco os grupos de vertebrados (peixes, mamíferos, aves, répteis e anfíbios). Apesar de representar uma pequena parcela da diversidade geral de animais, assume-se que estes grupos apresentam maior sensibilidade e, como vertebrados, os humanos teriam também suscetibilidades semelhantes. Neste capítulo, são apresentados os aspectos metodológicos e resultados que nortearam a confecção do mapa de integridade para o componente fauna do Zoneamento Ecológico-Econômico do Estado de Minas Gerais (ZEE-MG). Este mapa de integridade foi utilizado para inferir-se o grau de vulnerabilidade de regiões geográficas quanto à perda de biodiversidade de fauna, caso esta venha a ser utilizada de maneira inapropriada.

7.2 ABORDAGEM METODOLÓGICA

Para cada regional do COPAM estudada foram obtidas informações sobre os aspectos que caracterizam os meios biótico e abiótico. Para cada um destes fatores de vulnerabilidade foi procedida uma classificação e ponderação de seus aspectos que poderiam, de alguma forma, indicar a integridade ambiental do componente e, por conseqüência, sua vulnerabilidade.

As variáveis utilizadas para gerar os indicadores do fator condicionante fauna foram obtidas da base de dados do IEF, que orientou a publicação “Biodiversidade em Minas Gerais: um Atlas para a sua conservação” (DRUMMONT et al., 2005). Nesta publicação, estão apresentadas áreas prioritárias para a conservação dos diferentes grupos faunísticos (Ictiofauna, Mastofauna, Avifauna, Herpetofana e Invertebrados) com base na riqueza estimada, ocorrência de espécies endêmicas e ameaçadas de extinção, entre outras variáveis operacionais. Os mapas temáticos para cada grupo formaram a base para o cálculo dos indicadores 1 a 5. Estes indicadores foram sobrepostos para gerar uma medida de integridade do fator condicionante fauna, posteriormente incorporado no Mapa de Vulnerabilidade Natural do ZEE-MG.

Para cada área prioritária para conservação da fauna no Estado, fez-se a reclassificação dos critérios de prioridade para conservação, associando as áreas valores de integridade, o que em princípio

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poderia indicar a possibilidade de perda futura de componentes faunísticos. Neste caso, se a área é considerada prioritária para conservar a fauna em função do grau de endemismos, espécies ameaçadas e riqueza total de espécies, presume-se que a ocupação indiscriminada desta poderá acarretar em perda de biodiversidade. A correspondência entre as classes definidas no Atlas de Áreas Prioritárias para a Conservação e no presente trabalho é apresentada na Tabela 7.1.

Tabela 7.1 - Conversão de classes para o sistema utilizado no ZEE-MG.

Classes no Atlas Biodiversitas Classes no ZEE-MG

Nenhuma Baixa

Potencial Média

Alta Alta

Muito alta Muito alta

Extrema Muito alta

Especial Muito alta

7.2.1 Indicador 1: Prioridade para Conservação de Mamíferos

Os mamíferos constituem o grupo de vertebrados onde se observa o maior desenvolvimento de estruturas e adaptações derivadas, do ponto de vista evolutivo. Entre seus representantes temos gambás, morcegos, roedores, gatos, golfinhos, vacas, macacos, o homem entre outras formas vivas e espécies extintas. Estes exemplos ilustram a capacidade desta classe, com cerca de 4600 espécies viventes, de se adaptar e ocupar os mais diferentes habitats do planeta.

Os mamíferos têm grande importância para a sociedade, história e economia humana, fornecendo alimento, vestuário e transporte. Algumas poucas espécies podem se comportar como pragas agrícolas (roedores) e, eventualmente, causar danos à pecuária, atuando como predadores, enquanto outras podem funcionar como reservatórios e/ou vetores de doenças (por exemplo, morcegos hematófagos, roedores silvestres, cães e gatos). Em consequência do seu grande apelo junto à sociedade, os mamíferos são freqüentemente usados como animais “bandeira” em programas de educação ambiental e, eventualmente, como caça em comunidades mais isoladas, principalmente das regiões Centro-oeste, Nordeste e Norte do Brasil.

Para cada área prioritária para conservação de mamíferos no estado, fez-se a reclassificação dos critérios de prioridade para conservação, conforme a Tabela 7.1, associando-se às áreas valores de vulnerabilidade, principalmente a perda futura de biodiversidade de mamíferos. Neste caso, se a área é considerada prioritária para conservar o grupo em função do grau de endemismos, presença de espécies ameaçadas e riqueza total de espécies presume-se que a ocupação indiscriminada desta área poderá acarretar em perda de biodiversidade deste grupo faunístico.

A Figura 7.1 mostra o mapa de Distribuição da integridade do componente fauna para o indicador de prioridade de conservação de mamíferos no Estado de Minas Gerais

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Figura 7.1 - Distribuição da integridade do componente fauna para o indicador de prioridade de conservação de mamíferos no estado de Minas Gerais.

7.2.2 Indicador 2: Prioridade para Conservação de Aves

As aves compreendem o grupo de vertebrados mais facilmente reconhecível, em função de suas características peculiares de coloração e período de atividade, predominantemente diurno. A capacidade de voar permite a este grupo ocupar alguns habitats impossíveis para outros animais.

O grupo das aves é muito utilizado como bioindicadores de qualidade ambiental e o maior conhecimento delas pode subsidiar programas de conservação e manejo de ecossistemas (SILVA, 1998). Por exemplo, espécies típicas de florestas podem ser bastante úteis em programas de monitoramento da recuperação ambiental de áreas degradadas.

A coloração e o canto de algumas espécies chamam a atenção dos olhos e ouvidos humanos, muitas delas são usadas como animais de estimação e algumas espécies que são domesticadas, contribuem para o suprimento da alimentação humana. A caça predatória ou de subsistência, mesmo ilegal, continua a ser praticada em muitas regiões do país.

Para o estado de Minas Gerais, das 780 espécies presentes, 83 fazem parte da lista de espécies ameaçadas do estado (Minas Gerais 1996, Deliberação COPAM 041/95). Além dessas 83 espécies oficialmente reconhecidas como ameaçadas em MG, dezessete outras ocorrentes no estado foram consideradas ameaçadas de extinção por Collar et al. (1994). Portanto, existem cerca de 101 espécies de aves sob algum tipo de ameaça de extinção no estado de Minas Gerais, o que torna este indicador um dos mais importantes para se definir a integridade ambiental do componente fauna.

Para se estabelecer o nível de vulnerabilidade do indicador avifauna, fez-se a reclassificação dos critérios de prioridade para conservação conforme a Tabela 1, associando às áreas valores de vulnerabilidade, principalmente a perda futura de biodiversidade de aves. Neste caso, se a área é prioritária para conservar o grupo em função do grau de endemismos, presença de espécies ameaçadas e riqueza total de espécies, presume-se que existe risco de perda de biodiversidade deste caso ocorra a ocupação indiscriminada da área.

A Figura 7.2 mostra o mapa da distribuição da integridade do componente fauna para o indicador de prioridade de conservação de aves no Estado de Minas Gerais.

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Figura 7.2 - Distribuição da integridade do componente fauna para o indicador de prioridade de conservação de aves no estado de Minas Gerais.

7.2.3 Indicador 3: Prioridade para Conservação de Peixes

Os peixes estão entre os componentes da biodiversidade faunística que sofrem a maior pressão antrópica. Em função da ambigüidade da legislação de proteção da fauna em relação a esse grupo de vertebrados, esse é o único grupo faunístico brasileiro onde a caça amadora e profissional é permitida.

O grupo apresenta grande diversidade de espécies e vem sendo utilizado como indicador de qualidade ambiental de corpos d’água submetidos às mais diferentes condições ambientais. Alem disso, espécies domesticadas e introduzidas no país são a base para a atividade de piscicultura, desenvolvida em diferentes escalas no estado de Minas Gerais. As espécies de peixes introduzidas para a piscicultura são também alvo de problemas ambientais por causa das invasões biológicas de riachos e lagos.

Os peixes sofrem ameaças de vários tipos, entre elas as principais são a poluição dos rios, a pesca predatória, a construção de barragens e a introdução de espécies exóticas predadoras.

Para cada área prioritária para conservação de peixes no estado fez-se a reclassificação dos critérios de prioridade para conservação, seguindo o explicitado na Tabela 1, associando às áreas, valores de vulnerabilidade, principalmente a perda futura de biodiversidade de peixes. Neste caso, se a área é prioritária para conservar o grupo em função do grau de endemismos e riqueza total de espécies presume-se que a ocupação indiscriminada da área poderá acarretar em perda de biodiversidade deste grupo faunístico.

A Figura 7.3 mostra o mapa distribuição da integridade do componente fauna para o indicador de prioridade de conservação de ictiofauna no Estado de Minas Gerais.

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Figura 7.3 - Distribuição da integridade do componente fauna para o indicador de prioridade de conservação de ictiofauna no estado de Minas Gerais.

7.2.4 Indicador 4: Prioridade para Conservação de Herpetofauna (Anfíbios e Répteis)

A herpetofauna compreende o conjunto de répteis e anfíbios. O agrupamento de dois grupos tão diferentes em um só reflete o grau de desconhecimento que se tem atualmente de ambos os grupos. Os componentes mais conhecidos deste grande grupo de vertebrados são os sapos, as rãs, pererecas, cobras, lagartos, tartarugas, cágados e crocodilos.

Inseridos na herpetofauna estão muitas espécies de valor cultural (por exemplo, as serpentes) e econômico. Apesar de serem considerados animais resistentes e pouco susceptíveis, muitas espécies do grupo apresentam grande sensibilidade a modificações ambientais.

Para cada área prioritária para conservação da herpetofauna no estado, fez-se a reclassificação dos critérios de prioridade para conservação associando as áreas valores de vulnerabilidade, principalmente a perda futura de biodiversidade. Neste caso, se a área é prioritária para conservar a flora em função do grau de endemismos e riqueza total de espécies, presume-se que a ocupação indiscriminada da área poderá acarretar em perda de biodiversidade. A correspondência entre as classes definidas no Atlas da Biodiversitas e no presente trabalho é apresentada na Tabela 7.1.

A Figura 7.4 mostra o mapa distribuição da integridade do componente fauna para o indicador de prioridade de conservação de herpetofauna no Estado de Minas Gerais.

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Figura 7.4 - Distribuição da integridade do componente fauna para o indicador de prioridade de conservação de herpetofauna no Estado de Minas Gerais.

7.2.5 Indicador 5: Prioridade para Conservação de Invertebrados

Os invertebrados (principalmente os insetos) correspondem a mais de 80% da biodiversidade de animais conhecidas pelo homem. São componentes fundamentais em praticamente todos os ecossistemas terrestres, desempenhando funções tais como a polinização, remoção de detritos orgânicos, controle biológico etc. São também base alimentar de muitas teias tróficas de predadores.

Para cada área prioritária para conservação de invertebrados no Estado, fez-se a reclassificação dos critérios de prioridade para conservação, associando às áreas valores de vulnerabilidade, principalmente a perda futura de biodiversidade de invertebrados. Nesse caso, se a área é prioritária para conservar o grupo em função do grau de endemismos e riqueza total de espécies, presume-se que a ocupação indiscriminada da área poderá acarretar em perda de biodiversidade deste grupo faunístico.

A Figura 7.5 mostra o mapa da Distribuição da integridade do componente fauna para o indicador de prioridade de conservação de invertebrados no Estado de Minas Gerais.

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Figura 7.5 - Distribuição da integridade do componente fauna para o indicador de prioridade de conservação de invertebrados no Estado de Minas Gerais.

7.2.6 Ponderação

A distribuição de pesos para a elaboração do mapa síntese de vulnerabilidade do componente fauna foi a seguinte: cada indicador faunístico (mamíferos, aves, peixes, herpetofauna e invertebrados) recebeu peso idêntico, ou seja 20 %. Assumiu-se também que se uma determinada área apresenta vulnerabilidade ambiental muito alta para qualquer um dos indicadores do componente fauna, esta deveria ser classificada como de vulnerabilidade muito alta independentemente do valor referencial para os demais indicadores. Esta posição, apesar de bastante conservadora, foi necessária dada a deficiência de conhecimento atual sobre a distribuição da fauna e seu real estado de conservação.

7.3 RESULTADOS

A Figura 7.6 apresenta a síntese da vulnerabilidade do componente fauna que, juntamente com os demais componentes do ambiente físico e biótico, compuseram o mapa de vulnerabilidade natural do Estado de Minas Gerais. Adicionalmente, se apresenta uma breve descrição do panorama regional acerca deste componente. A região Sul de Minas Gerais caracteriza-se por apresentar grande parte do território com baixa ou média vulnerabilidade à perda de biodiversidade faunística (Figura 7.6). Este aspecto está relacionado provavelmente ao histórico de ocupação humana secular da região, que resultou em remoção de grande parte da cobertura vegetal original. Esta remoção de cobertura vegetal resulta, de maneira geral, na perda dos componentes faunísticos mais exigentes de habitat e predadores de topo.

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Figura 7.6 - Distribuição da integridade ponderada da fauna no Estado de Minas Gerais

No sul de Minas Gerais observa-se alta vulnerabilidade ambiental em pontos onde, principalmente o relevo, protegeu remanescentes de vegetação nativa e, por conseqüência, a fauna. Destacam-se a Serra da Mantiqueira, onde três grupos faunísticos (mamíferos, herpetofauna e invertebrados) apresentam alta vulnerabilidade, e as regiões próximas a Poços de Caldas e ao Parque Nacional da Serra da Canastra que apresentam alta integridade para todos os grupos de fauna analisados. Este quadro se estende por toda a região sob influência da Serra da Mantiqueira, Serrada Canastra e complexos de serras de menor porte que se encontram na região. De maneira geral, este quadro de conservação ambiental associado à limitação de acesso imposta pelo relevo se observa em outras áreas do estado, como por exemplo a região da Serra do Espinhaço. Contudo, no Sul de Minas Gerais a ocupação antiga resultou em um nível de degradação mais elevado nestas áreas. Estas áreas de relevo acidentado carecem de políticas específicas, visando a conservação da fauna e critérios rigorosos de controle ambiental de empreendimentos que envolvam a ocupação do solo em áreas remanescentes de vegetação nativa.

Como diagnóstico geral da região Sul de Minas Gerais podemos afirmar que a grande parte das áreas que apresentam grande vulnerabilidade à perda de biodiversidade faunística estão localizadas em regiões de relevo acidentado, onde o difícil acesso dificultou a ocupação. Algumas destas áreas já se encontram protegidas oficialmente por Unidades de Conservação (por exemplo, a Serra da Mantiqueira), mas especialmente as áreas da Serra de Luminárias e Serra de Carrancas encontram-se completamente desprotegidas por mecanismos oficiais, apesar de apresentarem grande vulnerabilidade.

A vulnerabilidade da região deve-se a sensibilidade do grupo de aves à degradação ambiental e, no caso da Serra da Mantiqueira a vulnerabilidade expressa por todos os grupos faunísticos avaliados. Principalmente para esta área a implementação efetiva do Plano de Manejo da APA da Mantiqueira poderá representar uma efetiva ferramenta para a conservação ambiental da região.

A região do Triângulo Mineiro apresenta grande parte de sua área com baixa vulnerabilidade para o componente fauna. Assim como a região Sul de Minas Gerais essa região sofreu grande diminuição da cobertura vegetal o que, provavelmente, afetou muito negativamente a fauna, resultando em grandes

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áreas onde a integridade do componente é baixa. A expansão da agricultura comercial na região a partir da década de 70 resultou em uma ocupação intensa das áreas de relevo plano.

Alguns remanescentes de vegetação, mesmo com áreas relativamente pequenas apresentam grande valor para a conservação e estão muito susceptíveis a influências antrópicas. Neste sentido, destaca-se a RPPN Galheiros e os remanescentes lóticos do rio Paranaíba, que apresentam grande importância regional para a conservação de espécies ameaçadas e com pressões crescentes ligadas à mineração e de construção de barragens.

A região Leste é provavelmente a porção do estado de Minas Gerais com maior grau de desflorestamento recente. Destaca-se na região principalmente aquelas partes que por motivos históricos ou ações do poder público, quando da ocupação da região, permitiram a conservação de fragmentos de vegetação nativa. Um exemplo deste aspecto é a região de Carangola, onde o processo de fragmentação não foi tão intenso como em outras partes da regional e ainda permitiu a manutenção de áreas importantes para a conservação. A regional Leste como um todo vem sofrendo muita pressão antrópica com a criação de gado em sistema de pastoreio extensivo e, mais recentemente, com a expansão da cultura do Eucaliptos. O maior remanescente de vegetação nativa da região é o Parque Estadual do Rio Doce (PERD), que é área prioritária para a conservação de praticamente todos os grupos faunísticos. Neste caso específico, existe grande pressão antrópica sobre os remanescentes de vegetação próximos ao PERD e ações específicas de conservação e monitoramento da zona tampão deste parque devem ser implementadas nesta região. Na região central está localizado um dos complexos mais significativos para a conservação da biodiversidade no Estado de Minas Gerais e, por conseqüência direta onde deve-se adotar mecanismos de controle e fiscalização eficientes. O complexo do espinhaço se estende por uma vasta área territorial que têm início na Regional Centro. Nesta regional, destacam-se as pressões crescentes do turismo desordenado e, principalmente, da criação de gado em áreas de relevo inapropriado e em áreas de vegetação campestre nativa. Além disso, é nesta regional onde se encontra a maior concentração urbana do estado e grande parte da indústria de extração de minério de ferro. A região central do estado é a que apresenta o maior conhecimento acumulado a respeito da fauna. Em função disto é a região também onde se tem um panorama mais preciso de graus de ameaça e vulnerabilidade dos diferentes elementos da fauna. Os efeitos negativos de empreendimentos e crescimento urbano desordenado sobre este componente biótico podem ser notados em diversos exemplos na área.

A região da Zona da Mata apresenta peculiaridades bastante importantes, pois dentro de certos limites apresenta aspectos próximos ao Sul de Minas Gerais, mas também sob forte influencia do Leste de Minas, no que diz respeito ao processo de ocupação da mata Atlântica Mineira. Assim, a regional sofreu historicamente um processo severo de remoção da cobertura vegetal, que resultou em áreas completamente desprovidas de vegetação.

Nesta regional algumas áreas se destacam por apresentarem atividade econômica relativamente alta concomitante com espaços territoriais importantes para a conservação da biodiversidade. Estas áreas estão basicamente no Quadrilátero Ferrífero e na região de entorno da cidade de Viçosa. Também merece destaque o Parque Estadual do Brigadeiro, que abriga grande diversidade de vários grupos faunísticos. Os grupos faunísticos que apresentam maior vulnerabilidade na Regional Zona da Mata são a mastofauna, herpetofauna e avifauna.

A região do Alto São Francisco apresenta grande parte de sua área com baixa integridade faunística, apresentando, contudo um dos maiores maciços de vegetação de cerrado bem conservado de Minas Gerais, o Parque Nacional da Serra da Canastra. Destacam-se também nesta regional a presença de extensas áreas cársticas, nas cercanias de Arcos e Pains, onde a atividade mineraria tem aumentado as pressões sobre a fauna local. Nesta regional também detectam-se problemas com gado bovino, que, freqüentemente, estão ligados ao aumento da incidência de queimadas e invasão por capins africanos de áreas de cerrado.

As pressões antrópicas existentes no entorno do Parque Nacional da Serra da Canastra levantam uma demanda de efetiva fiscalização e ações específicas a esta região do estado. A região do Baixo Rio das Velhas está localizada quase inteiramente dentro da cadeia montanhosa do Espinhaço Meridional, o que incrementa sobremaneira a vulnerabilidade natural da região. Esta cadeia de montanhas é de grande importância para a proteção faunística do estado, pois apresenta grande riqueza

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específica e endemismos. A região sofre com a incidência de queimadas e de turismo desordenado, o que pode agravar os problemas de conservação da biodiversidade. A regional do Jequitinhonha apresenta vulnerabilidade elevada na área sob influência da cadeia do Espinhaço. Nesta região, estão sujeitos a impactos negativos elemento da fauna de aves, herpetofauna, peixes e invertebrados que apresentam grande prioridade para conservação. Nesta regional, também chama a atenção a alta vulnerabilidade, os enclaves florestais da Mata Escura e arredores. Esta área é importante para conservação de todos os grupos faunísticos terrestres e sofre grande influência antrópica de caça e corte irregular de madeira. A regional Jequitinhonha como um todo apresenta alta vulnerabilidade a perda de biodiversidade faunística caso áreas altas sob influencia da Cadeia do Espinhaço e no entrono da Mata Escura. Estas áreas são relevantes para a conservação da biodiversidade de quase todos os grupos faunísticos e vêm sofrendo pressões antrópicas de vários tipos, inclusive turismo desordenado. Estas atividades são passíveis de fiscalização e minimização através de programas de educação ambiental. A Cadeia do Espinhaço é uma das áreas mais relevantes para a conservação da biodiversidade no Estado de Minas Gerais, sua influência afeta várias regionais do estado, inclusive a regional Norte. Nesta, nota-se uma grande discrepância entre as áreas de serra, com terrenos declivosos e de difícil acesso e as áreas mais aplainadas, onde a influencia humana é mais intensa. Nas áreas sob influencia da Cadeia do Espinhaço inseridas na regional Norte se observa grande relevância para conservação do aves, herpetofauna e invertebrados, mesmo padrão já descrito para a regional Jequinhonha. A área inserida no extremo norte do estado é considerada de especial interesse para a conservação, principalmente aquelas cobertas por matas secas e formadas por terrenos cársticos, como, por exemplo, a região do Peruaçú e Jaíba. Nesta região já existem uma série de parques e APA’s, que aguardam sua regularização fundiária e estudos básicos para a elaboração dos planos de manejo. A regional Noroeste do estado é certamente a menos conhecida em termos científico, o que dificulta sobremaneira a verificação de graus de ameaça a integridade da fauna. Esta regional esta sob forte pressão antrópica e representa atualmente uma fronteira agrícola no estado, principalmente para expansão de cultivos de cana-de-açúcar e eucalipto Esforços para ampliação do conhecimento científico regional são fundamentais para todos os grupos de fauna, e podem certamente figurar como medidas compensatórias e prévias a implantação de empreendimentos. Na regional estão inseridas áreas relevantes para conservação de mastofauna e avifauna.

7.4 SINOPSE ESTADUAL

O estado de Minas Gerais apresenta um panorama complexo de vulnerabilidades em relação à fauna. Várias áreas que apresentam vulnerabilidade ambiental elevada para o componente fauna ainda não foram estudadas em detalhe e apresentam inclusive potencial para a descoberta de novas espécies. A atividade econômica atualmente instalada no estado é fruto de uma ocupação secular do território, em sua maioria ocorrida sem o devido planejamento ambiental. Muitas áreas foram ocupadas em função de sua qualidade ambiental, ou possibilidade de acesso. Algumas regionais, tais como o Sul de Mias e a Zona da Mata, foram extensivamente desmatadas, o que resultou em uma pressão muito grande sobre os componentes faunísticos. Várias espécies atualmente listadas como ameaçadas de extinção no estado têm sua área de distribuição original nestas regionais.

A incorporação de informações relativas à fauna no Zoneamento Ecológico-Econômico de Minas Gerais traz em si uma inovação em relação aos zoneamentos propostos para outras regiões do Brasil. A carência de dados primários acerca da distribuição da fauna impede em grande parte das vezes a incorporação de dados que apontem espacialmente a possibilidade de perda ou dano a fauna nativa por influência antrópica.

De maneira geral a região central do estado apresenta uma grande concentração de áreas onde o uso se planejamento do solo pode gerar perdas para o componente fauna. Este padrão deve-se principalmente à presença da Cadeia do Espinhaço, onde se encontram ainda íntegros diversos aspectos da fauna e existem pressões antrópicas das mais diversas. Adicionalmente, áreas inseridas na regional Norte, Noroeste e Jequitinhonha são também relevantes no aspecto de vulnerabilidade. Parte destas áreas estão protegidas na forma de unidades de conservação estaduais, entretanto existe grande pressão antrópica sobre estas em função do baixo potencial social que se observa nestas regiões.

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São necessárias ações de aprimoramento das bases de dados sobre a distribuição e diversidade da fauna no estado como um todo, de modo a permitir análises mais profundas sobre o componente fauna dentro da estatégia de ZEE, Estas ações passam pela melhoria, ampliação e financiamento das coleções científicas e pelo levantamento sistemático da fauna dos principais sistemas vegetacionais do estado.

7.5 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

COLLAR, N.J.; CROSBY, M.J.; STATTERSFIELD, A.J. Birds to watch 2: the world list of threatened birds. Cambridge, U.K., Birdlife International (Conservation Series no 4). 1994.

DRUMMOND, et. al. Biodiversidade em Minas Gerais: um atlas para a sua conservação. Belo Horizonte: Fundação Biodiversitas. 222p. 2005.

LEWINSOHN, T.; PRADO, P.I. Biodiversidade brasileira: síntese do estado atual do conhecimento. São Paulo: Editora Contexto, 176p. 2002.

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