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105 Via Teológica | João Rainer Buhr, Vol. 14, n.27, jun.2013, p. 105 - 130 PASTORES TAMBÉM SOFREM Pastors also suffer João Rainer Buhr. 1 RESUMO Pastores também sofrem. Passam por situações de angústia ou medo como qualquer outro ser humano. Essa verdade pode surpreender muitos membros de igreja e pessoas da sociedade. A proposta neste artigo é mostrar que pastores não são super-heróis, mas super-humanos como qualquer pessoa. A Bíblia também ensina essa verdade. Quando os pastores assumem sua humanidade, e a igreja aceita isso, há uma esperança para tratar do sofrimento dos líderes. Palavras-chave: Pastores; Sofrimento; A humanidade dos pastores. ABSTRACT Pastors also suffer. They go through situations of distress or fear as any other human being. This fact may surprise many church members and people from the society. The proposal in this article is to show that pastors are not superheroes but super-human as anyone. The Bible also teaches this truth. When the pastors take their humanity and the church accepts this, there is hope for dealing with the suffering of the leaders. Keywords: Pastors; Suffering; The humanity of the pastors. Um tema pouco mencionado nas comunidades evangélicas é o sofrimento dos pastores. Provavelmente, uma parcela dos membros das igrejas nem imagina que um pastor também passa por angústias. Para esses, o pastor é o “ungido de Deus”, o que lhe confere imunidade a sofrimentos. Ed René Kivitz, citado por Marília César, argumenta: “Muitas igrejas evangélicas, em especial as pentecostais e as neopentecostais, tratam hoje a sua liderança como eram tratados os profetas do passado, com reverência 1 Mestrando em Teologia na Faculdade Teológica Batista do Paraná. E-mail: [email protected].

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105Via Teológica | João Rainer Buhr, Vol. 14, n.27, jun.2013, p. 105 - 130

PASTORES TAMBÉM SOFREM

Pastors also suffer

João Rainer Buhr.1

RESUMO

Pastores também sofrem. Passam por situações de angústia ou medo como qualquer outro ser humano. Essa verdade pode surpreender muitos membros de igreja e pessoas da sociedade. A proposta neste artigo é mostrar que pastores não são super-heróis, mas super-humanos como qualquer pessoa. A Bíblia também ensina essa verdade. Quando os pastores assumem sua humanidade, e a igreja aceita isso, há uma esperança para tratar do sofrimento dos líderes.

Palavras-chave: Pastores; Sofrimento; A humanidade dos pastores.

ABSTRACT

Pastors also suffer. They go through situations of distress or fear as any other human being. This fact may surprise many church members and people from the society. The proposal in this article is to show that pastors are not superheroes but super-human as anyone. The Bible also teaches this truth. When the pastors take their humanity and the church accepts this, there is hope for dealing with the suffering of the leaders.

Keywords: Pastors; Suffering; The humanity of the pastors.

Um tema pouco mencionado nas comunidades evangélicas

é o sofrimento dos pastores. Provavelmente, uma parcela dos

membros das igrejas nem imagina que um pastor também passa

por angústias. Para esses, o pastor é o “ungido de Deus”, o que

lhe confere imunidade a sofrimentos. Ed René Kivitz, citado por

Marília César, argumenta: “Muitas igrejas evangélicas, em especial

as pentecostais e as neopentecostais, tratam hoje a sua liderança

como eram tratados os profetas do passado, com reverência

1 Mestrando em Teologia na Faculdade Teológica Batista do Paraná. E-mail: [email protected].

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intocável”.2 As ovelhas estão acostumadas a ver seu líder em

momentos bons como cultos, festas, congressos, reuniões e outros

eventos públicos, e o pastor parece sempre estar bem. Mesmo que

o encontro não tenha motivos para comemorações, como visitas

em hospitais ou funerais, lá está o pastor, aparentando muita

serenidade e calma, tranquilizando e expressando palavras de

conforto aos que sofrem. Poucos imaginam o que se passa nos

“bastidores”, na vida privada e familiar dos líderes. Parece que

o pastor não enfrenta as mesmas dificuldades que afetam os

membros. Ou se passa por problemas, eles não o abalam, afinal

de contas o pastor está muito mais próximo de Deus e treinado

para superar qualquer obstáculo que apareça em sua caminhada.

Todavia, a realidade não é tão bonita como parece. Assim

como médicos precisam de médicos, pastores também precisam

de pastores que cuidem deles, que os escutem e entendam.

Pastores estão sofrendo, muitos deles calados, enquanto tentam

ajudar as pessoas necessitadas à sua volta. Talvez essa afirmação

choque algumas pessoas. Nunca se imagina que um médico

cardiologista tenha um problema sério no coração, por exemplo.

Quando isso acontece, as pessoas ficam surpresas e abaladas.

Porém, o médico também é um ser humano sujeito a diversas

enfermidades, necessitado de cuidados. O mesmo vale para

pastores, que também são pessoas criadas por Deus, sujeitos aos

mesmos problemas e angústias enfrentados pelos membros e

pessoas da comunidade.

É verdade que ele é treinado para aconselhar pessoas

2 Apud CÉSAR, de Camargo Marília. Feridos em Nome de Deus. 1. ed. São Paulo: Editora Mundo Cristão, 2009, p. 47.

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que enfrentam crises. Também se espera que ele tenha grande

intimidade com Deus e, por isso, esteja mais preparado para

enfrentar seus próprios desafios. No entanto, isso não garante que

o pastor nunca passará por dificuldades que o abalem. Também

não garante que sua família sempre estará em perfeita harmonia

e paz. A proposta deste artigo é mostrar que o sofrimento dos

pastores é algo real. Esse fato não pode ser ignorado.

Pastores sofrem?

Felizmente essa pergunta tem começado a intrigar pessoas

que convivem com pastores. Para estes, o sofrimento deles é algo

real, comprovado e soluções precisam ser buscadas. Uma das

pessoas que tem estudado o tema é José Cassio Martins, pastor e

psicólogo, que tem a seguinte opinião:

Cada dia se torna mais claro nas denominações em geral: sim, o pastor precisa de um pastor; ele precisa ser pastoreado. Cresce a cada dia o número de pastores com problemas espirituais, emocionais e até mesmo físicos, problemas que não ficam somente com eles, mas terminam por atingir a família, a igreja local ou a instituição em que trabalham, chegando ao âmbito da denominação. O pastor é uma ovelha sem pastor! Algumas denominações já têm criado meios de contato e espaços para ajudar pastores.3

Não é difícil constatar que há muitos pastores em igrejas

evangélicas que estão “‘enfaixando as próprias feridas’, ao mesmo

tempo em que são solicitados a cuidar de outros”.4 Sofrem,

3 MARTINS, C. José. Pastor precisa de pastor? Revista Ultimato 291, nov/dez 2004. Disponível em: www.ultimato.com.br. Acessado em: 03.04.13.4 OLIVEIRA, De Kühnrich M. Roseli. Cuidando de Quem Cuida. Um olhar de cuidados aos que ministram a Palavra de Deus. 2. ed. São Leopoldo, RS: Editora Sinodal, 2005, p. 55.

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mas não têm onde buscar ajuda. Não querem falar sobre seus

problemas com os membros para não chocá-los, porém, muitas

vezes não encontram ajuda. Roseli M. Kühnrich de Oliveira trata

deste assunto:

A necessidade da escuta terapêutica se reflete na vida dos pastores. Sendo eles mesmos ouvintes de muitas situações de angústia e dor, percebem-se por vezes aturdidos ou angustiados, ou simplesmente somatizam suas dores sem se dar conta da demanda emocional que enfrentam e quando procuram um ombro amigo, nem sempre conseguem. Portanto, a pergunta que se impõe é: há lugar para uma escuta misericordiosa, nas estruturas eclesiais quando o confessante é um pastor?5

Pastores estão envolvidos com o sofrimento dos outros.

Muitas vezes, eles serão atingidos pela angústia do próximo e

necessitarão de apoio de alguém que os escute. Todavia, nem

sempre as pessoas ao redor percebem que algo não vai bem com o

líder. Muitas vezes, o problema só se torna visível quando é tarde

demais. Por isso, existem muitos pastores esgotados e doentes,

sofrendo, porém, sem saber onde buscar ajuda. Há também

os que têm medo de admitir que precisam de auxílio. Outros

negligenciam os primeiros sinais de alerta emitidos pelo corpo

e pela alma. Quando finalmente admitem o problema, já estão

em meio a graves crises. Também há aqueles que acham que

nunca precisarão de auxílio, afinal de contas, foram ensinados a

cuidar das suas ovelhas e acham que cuidam bem de si mesmos. A

realidade de angústias sem perspectivas de melhora muitas vezes

só aparece quando o pastor decide abandonar o ministério.

No Brasil, ainda não há muitas pesquisas sobre o assunto,

5 Ibidem, p. 112.

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109Via Teológica | João Rainer Buhr, Vol. 14, n.27, jun.2013, p. 105 - 130

porém algumas denominações já estão percebendo que algo está

errado. Cada vez mais pastores pedem licença do ministério

e vão atuar em outras atividades por não suportarem mais

tantas angústias, pressões ou problemas de saúde. S e g u n d o

Marcelo Brasileiro, em um artigo denominado Pastores Feridos,

“uma das maiores denominações pentecostais do país, a Igreja

do Evangelho Quadrangular (IEQ), com seus 30 mil pastores

filiados - entre homens e mulheres -, registra uma deserção

de cerca de 70 pastores por mês desde o ano passado (2011) 6”. Outro exemplo é a Igreja Presbiteriana Independente. No

mesmo artigo, Marcelo Brasileiro informa: “A própria IPI,

embora muito menor do que a Quadrangular - conta com cerca

de 500 igrejas no país e 690 pastores registrados -, teria algo

em torno de 50 ministros licenciados, número registrado em

relatório de 2009. Pode parecer pouco, mas representa quase dez

por cento do corpo de pastores ativos”.7

Em países como os Estados Unidos, onde há mais estudos

sobre o assunto, os números são mais precisos. Segundo Brasileiro,

“O Instituto Francis Schaeffer, por exemplo, revelou que, no

último ano (2011), cerca de 1,5 mil pastores têm abandonado

seus ministérios todos os meses por conta dos desvios morais,

esgotamento espiritual ou algum tipo de desavença na igreja.

Numa pesquisa da entidade, 57% dos pastores ouvidos

admitiram que deixariam suas igrejas locais, mesmo que fosse

para um trabalho secular, caso tivessem oportunidade”.8 Outra

6 BRASILEIRO, Marcelo. Pastores Feridos. Revista Cristianismo Hoje de 03.05.12. Disponível em: www.cristianismo hoje.com.br. Acessado em: 25.07.137 Ibidem.8 Ibidem.

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110 João Rainer Buhr, Vol. 14, n.27, jun.2013, p. 105 - 130 | Via Teológica

informação preocupante é que os números de pastores esgotados

têm aumentado. Os números de 2011 são bem maiores do que

os observados em 1998 pelo autor Erwin Lutzer: “Certo estudo

mostrou que um terço dos pastores pesquisados tinham pensado

em abandonar o ministério por causa do esgotamento. Embora

este mal possa ocorrer em qualquer profissão, os ministros são

especialmente vulneráveis”.9

Esses dados comprovam que o problema existe, não é

pequeno, está aumentando e não está limitado ao Brasil. Mesmo

que algumas pessoas ainda não tenham conseguido enxergar, não

há mais como negar esse fato. Em seu livro, Pastores em Perigo,

Jaime Kemp compara a situação de alguns pastores com a de uma

pessoa que sofreu um acidente de trabalho e está sob 250 kg de

tijolos. A semelhança entre ambos é como se sentem: “Pastor, será

que acabo de descrever seu drama? Será você a pessoa caída ao

chão, músculos doloridos, ossos quebrados e dezenas de tijolos

sob seu corpo, ferindo-o sem nenhuma piedade? Saiba que, por

mais de uma vez, também me senti assim”.10 Apesar de não parecer,

muitos pastores estão destruídos, se sentindo completamente

desamparados e sem nenhuma perspectiva. Para alguns, a única

solução está sendo pedir o afastamento dos púlpitos. Outros

tantos continuam sua jornada. Muitos deles tristes, machucados

e se sentindo culpados por participarem de um teatro. Não estão

bem, mas precisam representar que tudo está em ordem. Precisam

convencer os membros que são fortes e inabaláveis, porque é isso

que se espera deles.

9 LUTZER, Erwin. De pastor para pastor. São Paulo: Editora Vida, 1998, p. 78.10 KEMP, Jaime. Pastores em Perigo. 2. ed. São Paulo: Editora Sepal, 1996, p. 78.

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O autor David Fischer relata algo da realidade americana,

que não é diferente do contexto brasileiro. Lá como aqui, está

evidente que pastores estão sujeitos ao sofrimento:

Por toda parte os ministros evangélicos estão, segundo se diz, desanimados, deprimidos ou frustrados. O consultor Peter Drucker afirma que os pastores estão ‘na profissão mais frustrante da nação’. Em março de 1995, no Clergy Journal (Jornal do Ministério), o conselheiro pastoral Lloyd Rediger resume seu estudo de vinte anos de ministério. Ele diz que ‘elevados níveis de estresse’ estão difundidos junto com um ‘nível crescente de depressão’, acompanhados da crescente ‘ira internalizada’. Talvez mais significativamente, a igreja parece não ouvir os clamores dos seus ministros, e todas as denominações evangélicas são consideradas cada vez mais parte do problema do que a solução.11

Pastores não pertencem a uma classe especial de seres

humanos. Eles são de carne e osso, sujeito às mesmas dificuldades

e angústias que qualquer pessoa. A família do pastor também

é como outra. Mesmo que na maioria das vezes a igreja não

reconheça isso e não faça nada para ajudar seus líderes. Jorge E.

Maldonado resume muito bem esta questão: “Nenhuma pessoa

ou família parece estar imune às crises, independente de sua

classe social, seu pano de fundo ético ou sua religião. As crises

são acontecimentos universais”.12 Essa realidade precisa ser

compreendida com urgência. Somente quando isso acontecer

é que soluções para esse fato poderão ser buscadas. Se isso não

acontecer, veremos cada vez mais líderes deixando seus ministérios

11 FISCHER, David. O Pastor do Século 21. Uma reflexão bíblica sobre os desafios do ministério pastoral no terceiro milênio. 2. impr. São Paulo: Editora Vida, 1999, p. 170.12 MALDONADO, E. Jorge. Crises e perdas na família. 1. ed. Viçosa, MG: Editora Ultimato, 2005, p. 10.

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e migrando para outras atividades.

Algumas vezes o pastor é visto como um super-herói

Apesar das evidências de que pastores também estão

sujeitos a sofrimentos, percebe-se que, em algumas comunidades

evangélicas, os pastores são tratados como se fossem uma classe

superior de pessoas. Não são tratados como seres humanos

comuns, sujeitos a todos os sofrimentos e desafios que qualquer

pessoa tem. Parece que alguns membros veem no pastor da igreja

um ser especial, quase celestial, que está imune a problemas. Se

por ventura alguma dificuldade vem, ele a resolve sem sentir dor,

pois está tão preparado para resolver problemas e tão próximo a

Deus que nada pode afetá-lo.

Roseli M. K. de Oliveira escreve o seguinte sobre esse

assunto, após pesquisa respondia por 18 pastores da IECLB

(Igreja Evangélica de Confissão Luterana do Brasil): “Como o

pastor é visto no mundo de hoje? Em geral, como não sujeito

a dores e tristezas, mas como abnegado e disponível todo o

tempo. Ao pesquisar como as comunidades veem seus pastores,

depara-se com uma visão distorcida e idealizada da pessoa-pastor.

Nos questionários, 24,2% dos entrevistados acreditam que a

comunidade tenha uma imagem idealizada dos pastores”.13

A mesma autora percebeu e definiu o que está acontecendo

em muitos círculos evangélicos:

Visões distorcidas e idealizadas da figura do pastor têm sido detectadas junto às comunidades cristãs, tanto as que têm séculos de história quanto às de recente organização. Neste sentido,

13 OLIVEIRA, De Kühnrich M. Roseli. Op. Cit., p. 97.

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pastores e pastoras por vezes não são percebidos como pessoas, mas como semideuses, não sujeitos ao cansaço, enfermidades e irritações, entre outras mazelas. O poder pastoral a que estão expostos, as questões do tempo familiar e pessoal, as demandas da comunidade religiosa na qual se inserem, podem gerar estresse, visto que manter a imagem idealizada ou mostrar-se como ser humano envolve tensão e ansiedade.14

Com certeza, este tipo de pensamento, esta crença de que

pastor não passa por angústias tem contribuído para as igrejas

não perceberem o sofrimento dos seus líderes. Enquanto essa

idealização da figura do pastor não for removida, há poucas

esperanças. Somente quando os membros e outros líderes

entenderem que o pastor precisa de cuidados, pois também é um

ser humano sujeito a dificuldades, pode haver alguma mudança.

Idealizar a figura do pastor não é saudável, pois não corresponde

à realidade. Sempre que isso acontece, tem-se a impressão de que

a igreja participa de uma encenação. Eugene Peterson comenta:

“Toda congregação é uma congregação de pecadores. Se isso não

fosse ruim o bastante, todas elas têm pecadores como pastores”.15

No entanto, parece que muitos frequentadores das igrejas

gostam da ideia de um pastor super-herói. Aquele que está sempre

disponível. Faça chuva ou faça sol, de dia ou de madrugada, em

seu dia de folga ou na hora do almoço em família, no domingo

após o culto. Não importa o momento, se algum problema surgir,

ligam logo para o pastor, que está sempre disponível e sempre

encontra uma solução para a dificuldade. Também conforta e

tranquiliza a ideia de ter um “representante divino”, uma pessoa

14 OLIVEIRA, De Kühnrich M. Roseli. Op. Cit., p. 17.15 PETERSON, Eugene. A Vocação Espiritual do Pastor. São Paulo: Editora Mundo Cristão, 2008, p. 27.

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com acesso direto a Deus e com “poderes especiais” em meio ao

povo. Parece que as pessoas querem acreditar que o pastor é um

super-herói que traz alívio imediato a qualquer angústia. Por isso,

alimentam essa ideia, pois isso traz alívio a suas almas.

O problema só aumenta quando os pastores, influenciados

pelas ideias dos membros vestem a roupa de super-heróis. Esse

pensamento em algumas comunidades evangélicas é tão forte que

tem convencido muitos pastores. Marwa J. Dawn, explica: “Somos

tentados a nos esconder atrás de imagens brilhantes, na esperança

de que, assim, os outros nos aprovem. Preferimos não reconhecer

nossos seres quebrados, com problemas e falhas secretas porque

achamos muito melhor que ninguém mais conheça”. 16

Não é fácil resistir a pressão e manter uma visão saudável

de dependência de Deus quando constantemente é exigido que

você seja um super-pastor. Infelizmente muitos líderes de igreja

têm se sentido mais do que seres humanos. Provavelmente, alguns

estão sendo envolvidos inconscientemente. Não percebem o

perigo a tempo e quando finalmente se dão conta da situação,

não têm mais coragem de retornar e assumir que também são

frágeis seres humanos, dependentes de Deus como qualquer

cristão comum. Em algum momento da vida, perceberão que

estão pagando um alto preço por serem considerados super-

pastores. Todavia, a essa altura da caminhada, muitos terão

medo de demonstrar seus sentimentos, emoções e fragilidades

porque entendem que, se o fizerem, serão vistos como pastores

fracos e incompetentes que não conseguem nem cuidar da sua

16 DAWN, Marva J. e PETERSON, Eugene H. O Pastor Desnecessário. Rio de Janeiro: Editora Textus, 2000, p. 22.

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própria vida. Muitas vezes, mesmo que queiram achar uma saída,

não a encontram. Não enxergam pessoas com quem possam

desabafar, contar tudo o que sentem. Isso seria uma saída, algo

imprescindível para todo pastor.

Roseli M. K. de Oliveira relata:

O desabafo é uma oportunidade de repartir o peso da alma. Algumas pessoas que se confessam cristãs, e entre elas pastores, relatam sua dificuldade de desabafar, por vezes pedem desculpas por fazê-lo e questionam “o que a doutora vai pensar de mim”. Aparentemente o desabafo soa como que um pecado, por haverem sido ensinados a agradecer tudo a Deus. Ao relembrá-los de relatos bíblicos de desabafos, passam a se dar conta da humanidade dos “personagens” bíblicos e a partir daí, resgatar sua própria identidade, num processo de integração.17

Será que muitos pastores teriam coragem e segurança em

desabafar com alguém que os conhece? Os que tentam muitas

vezes escutam como resposta: “o senhor precisa ler mais a Bíblia”,

ou “o senhor precisa buscar mais a Deus”. Essas respostas não

ajudam em nada e somente aumentam o sentimento de culpa

do conselheiro que procura auxílio. Também mostram que

realmente as pessoas enxergam o pastor como um ser humano

de classe superior, dando a entender que eles não aplicam em sua

vida o que muitas vezes falam para os aconselhados. Sendo assim,

muitos preferem continuar representando que estão bem, mesmo

que por dentro sua alma esteja doente e sofrendo.

Também parece que existem pastores que fazem questão de

manter a ilusão de que são super-heróis. Se sentem confortáveis

e orgulhosos com esse rótulo e fazem questão de preservá-lo.

17 OLIVEIRA, De Kühnrich M. Roseli. Op. Cit., p. 116.

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Peterson mostra como surge o orgulho na vida do pastor:

A princípio, é quase invisível essa diferença entre nossa necessidade do Salvador e nosso trabalho pelo Salvador. Sentimo-nos tão bem, tão agradecidos, tão salvos. Essas pessoas a nosso redor se encontram tão necessitadas! Lançamo-nos diretamente à luta. No caminho, a maioria de nós acaba identificando nosso trabalho com o de Cristo de tal maneira que o próprio Cristo é deixado de lado, e nosso trabalho recebe toda a atenção.18

Esses o fazem conscientemente. Quando a dor aparece,

reclamam do título que carregam, porém gostam de ser fazer

passar por um ser especial, dotado de poderes quase divinos. Todo

esse processo acaba virando um círculo vicioso: pastores querem

ser mais que humanos e se alimentam da crença da membresia,

que gosta da ideia de que seu líder é superior aos mortais, dotado

de super poderes. Como geralmente são pouco valorizados pela

sociedade em geral, acabam cedendo o poder que lhes é oferecido

no púlpito da igreja.

A realidade é que a “mitificação” da figura do pastor não

é saudável para ninguém. Causa grandes desgastes e agonias

para os líderes que não desejam esse rótulo. Trazem enganos e

falsos sentimentos de conforto para os membros, porque eles

devem depositar sua confiança em Deus, e não em um pastor

que é totalmente humano e falível. Também é muito perigoso

para os que gostam do título de super-heróis porque quando

perceberem que também são suscetíveis a dores e problemas

pode ser tarde demais. Existe, ainda, o risco dos líderes se

aproveitarem da ingenuidade dos seus liderados e caírem na

tentação de manipularem as pessoas que os seguem. Do mesmo

18 PETERSON, Eugene. Op. Cit., p. 108.

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modo, isso não é desejável, porque o objetivo do pastor deveria

ser ajudar suas ovelhas a serem cristãos maduros e saudáveis, que

possam caminhar sem serem manipulados. Dawn sugere outro

comportamento: “É muito mais fácil – e mais proveitoso para

toda a Igreja – conseguirmos mostrar-nos como somos de verdade.

Essa honestidade é capaz, por si só, de levar ao crescimento e à

estabilidade genuínos”.19

O pastor é humano

Um caminho equilibrado e saudável, bom para o líder,

para a igreja e para os membros é que o pastor seja reconhecido e

tratado como um ser humano, sujeito a crises, angústias e medos.

Não é nenhum super-herói, e sim um super-humano. Sua função

de líder da igreja não lhe garante imunidade a sofrimentos. É uma

pessoa que tem suas responsabilidades e precisa ser respeitado

como líder da comunidade, porém continua ser tão humano

como qualquer ovelha. Antes de ser pastor é uma ovelha, que

precisa de atenção e cuidados. Novamente, a autora Roseli M. K.

de Oliveira nos ajuda a entender melhor essa questão:

O pastor não é uma entidade: cada pastor ou pastora tem suas necessidades e características específicas, embora algumas sejam comuns ou pertinentes a todos. O pastor enquanto pessoa é sujeito a todas as questões humanas, tendo, por conseguinte, necessidades, físicas, emocionais e espirituais, entre outras. A busca pela realização pessoal, familiar, e vocacional (ou profissional) é relatada por aqueles que se dedicam ao cuidado de outros, mas nem sempre acontece das comunidades de fé atentarem para as necessidades de seus pastores.20

19 DAWN, Marva J. e PETERSON. Op. Cit., p. 22.20 OLIVEIRA, De Kühnrich M. Roseli. Op. Cit., p. 56-57.

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A constatação e aceitação de que o pastor é super-humano

talvez choque algumas ovelhas e provavelmente alguns pastores.

Todavia, é uma verdade que não pode ser negada. José Cassio

Martins afirma:

O pastor é um ser apenas humano, e não sobre-humano. Assim ele tem fraquezas e limites. Comete erros, equívocos e confusões. Há falhas e imperfeições, assim como neste breve artigo, inclusive. Há também a idealização do pastor e do pastorado, ou seja, a noção de que o pastor ‘está perto de Deus e assim não precisa de nada’. Por vezes o pastorado é visto como sublime, muito elevado, imune às vicissitudes humanas. Isso já se tornou cultura entre nós e acaba se chocando com a realidade no cotidiano, deixando um rastro de frustração, quando não de revolta, pessimismo e desânimo. Falta uma visão teológica articulada do que é, de fato, o pastorado.21

O pastor não pode ser idealizado. Esse não é o caminho

correto. Seus limites devem ser respeitados. Quando isso não

acontece, mais cedo ou mais tarde haverá grandes prejuízos.

Pessoas serão machucadas. Pastores feridos e machucados ferem

suas ovelhas. Muitos estão cansados e irritados porque são mal

tratados e sofrem pressão dos membros. Se tornam agressivos e

vão deixando um rastro de destruição de pessoas pelo caminho.

Ficam desequilibrados, mas não admitem que estejam esgotados.

Ferem outros e, por fim, acabam ferindo-se a si mesmos. O

esgotamento acontece entre líderes que não respeitam os limites

do próprio corpo. Gary R. Collins escreve sobre este processo:

Muitos conselheiros ficam esgotados porque exaurem todas as suas reservas. Dia após dia, despejamos nossas conclusões, sensibilidade, compaixão, técnicas de cura e energias. Vemos as necessidades e sentimos a dor das pessoas. Nosso desejo é vê-

21 MARTINS, C. José. Op. Cit.

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119Via Teológica | João Rainer Buhr, Vol. 14, n.27, jun.2013, p. 105 - 130

las curadas; nosso anseio é ajudá-las. Então nos damos cada vez mais, com o mais nobre dos motivos, até que ficamos secos. Às vezes, de uma hora para outra, quase sem aviso, descobrimos que não temos mais nada para dar. O conselheiro cristão, que um dia foi cheio de compaixão, descobre que está espiritualmente vazio. Seus recursos interiores acabaram.22

Admitir que não são uma classe especial de pessoas é a

solução para os pastores. Mesmo que não seja fácil, reconhecer

isso é sempre melhor. Infelizmente muitos líderes ainda insistem

em fazer o papel de super-homens. Uma pesquisa realizada

por Paulo Ramos dos Santos, entre onze pastores masculinos,

com idades entre 30 e 55 anos, mostra que: “a maioria dos

entrevistados entende que o líder não deve mostrar sua

humanidade (fragilidade)”.23 Enquanto líderes continuarem tendo

essa postura, não há muito que fazer. Entendemos que o melhor

caminho é não esconder da igreja que o líder é de carne e osso. O

pr. Jaime Kemp apoia esta sugestão: “É muito fácil compartilhar

uma vitória dada por Deus, mas no tocante a empatia com seu

rebanho, é bem mais impactante relatar uma luta ou necessidade

que você esteja enfrentando. A plateia não gosta de ter no púlpito

pastores que são fortalezas inexpugnáveis, mas sim um igual, uma

pessoa de carne e ossos, emoções, necessidades, com acertos e

erros, humana, enfim”.24 Ser autêntico é a melhor alternativa. Os

liderados não deixarão de seguir seu líder porque ele admite algo

22 COLLINS, R. Gary. Aconselhamento Cristão. São Paulo: Editora Vida, p. 698.23 SANTOS, R. Paulo dos. Cuidando da saúde mental e espiritual do pastor: uma abordagem a respeito da necessidade do aconselhamento pastoral direcionado a pastores da Igreja Evangélica Assembléia de Deus. Anais da I Mostra de Pesquisa em Teologia e II Jornada Científica da Faculdade Teológica Batista de São Paulo, realizadas em 29 de agosto de 2009.24 KEMP, Jaime. Pastores Ainda em Perigo. São Paulo: Editora Sepal, 1996, p. 99.

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120 João Rainer Buhr, Vol. 14, n.27, jun.2013, p. 105 - 130 | Via Teológica

que todos já perceberam ou vão perceber um dia: ele é humano.

Pelo contrário, um relacionamento autêntico, fundamentado

na sinceridade é muito mais forte do que um construído sobre

suposições falsas. Não é honesto por parte do líder tratar seu

relacionamento com as ovelhas de forma teatral, encenando

uma falsa superioridade. Além de não conseguir aprofundar seus

relacionamentos, porque sempre está acima das pessoas, ainda

corre sérios riscos de machucar as ovelhas e se autodestruir. David

Fischer resume bem a posição dos pastores: “Já não há mais

como fugir da óbvia verdade: somos exatamente tão humanos e

pecadores como o povo a quem servimos”.25

O que a Bíblia ensina

Além da constatação de especialistas, que acompanham

conselheiros espirituais, a Bíblia também deixa claro que pastores

e líderes não são uma classe superior de pessoas. Todos os

personagens bíblicos, que fizeram algo importante em prol do

reino de Deus foram pessoas comuns, cheias de erros e limitações.

Não é difícil citar alguns exemplos: Abrão, Moisés, Davi, Pedro,

Paulo, todos eles impactaram suas gerações, foram grandes líderes,

mas eram tão humanos quanto as pessoas que lideravam. A Bíblia

não esconde a humanidade dessas pessoas. Sendo assim, fica

difícil imaginar que atualmente Deus tenha criado uma categoria

diferente, dotada de superpoderes para liderar seu povo. Paulo é

um ótimo exemplo. Após sua conversão, foi uma pessoa muito

utilizada por Deus para pregar o evangelho, fundar e liderar igrejas.

Ele era o pastor de muitas pessoas. Nem por isso era um super-

25 FISCHER, David. Op. Cit., p. 170.

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121Via Teológica | João Rainer Buhr, Vol. 14, n.27, jun.2013, p. 105 - 130

homem. Tinha suas limitações e dificuldades, não era perfeito,

cometia erros. Sofreu muito por causa do seu comprometimento

com a palavra de Deus. O que chama a atenção é que a Bíblia e

ele próprio não procuram esconder sua humanidade.

Um episódio que mostra Paulo sujeito às mesmas emoções

que qualquer pessoa aconteceu no início da segunda viagem

missionária. Paulo, ao contrário de Barnabé, não queria levar João

Marcos e, por isso, houve uma forte discussão. Esse acontecimento

está relatado em Atos 15: 37-40:

Barnabé queria levar João Marcos. Porém Paulo não queria, pois Marcos não tinha ficado com eles até o fim da primeira viagem missionária, mas os havia deixado na província da Panfilia. Por isso eles tiveram uma discussão tão forte, que se separaram. Barnabé levou João Marcos consigo e embarcou para a ilha de Chipre, enquanto que Paulo escolheu Silas e seguiu viagem, depois que os irmãos o entregaram aos cuidados do Senhor.26

Essa passagem deixa claro que Paulo era totalmente humano.

Estava sujeito a todas as emoções que qualquer pessoa comum.

Ele não havia gostado que João Marcos não os acompanhou até

o final da primeira viagem e, por isso, não queria levá-lo para

a segunda viagem missionária. Barnabé, ao contrário, queria

dar uma nova chance a João Marcos. Essa diferença de opiniões

gerou uma forte discussão entre dois importantes personagens

do evangelho no Novo Testamento. A consequência desse atrito

foi a separação de ambos, seguiram diferentes rumos com novos

companheiros de viagem. Que bela demonstração de humanidade

a Bíblia nos mostra. Uma grande mistura de emoções puramente

26 Bíblia Sagrada. Nova Tradução na Linguagem de Hoje. 1. ed. Barueri, SP: Sociedade Bíblica do Brasil, 2000.

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122 João Rainer Buhr, Vol. 14, n.27, jun.2013, p. 105 - 130 | Via Teológica

humanas. João Marcos desiste de uma viagem importante. Paulo

não gosta, reprova essa atitude e lembra-se do fato no início da

viagem seguinte. Por isso não quer levar João Marcos. Barnabé

tem opinião diferente e insiste em levá-lo. Como ninguém abre

mão de sua opinião, a solução é a separação, com cada um

seguindo seu caminho. Muitos podem até ficar chocados por esse

acontecimento, porém percebe-se que Paulo, um líder útil para

Deus, tem um comportamento tipicamente humano. E nem por

isso é menos importante ou foi menos útil no projeto de Deus.

Aliás, foi Deus que criou os seres humanos e sabe muito bem que

ninguém é perfeito, nem os pastores, líderes ou atuais conselheiros

de igrejas. Nesse ponto, todos são exatamente iguais a Paulo.

A Bíblia também mostra que Paulo sofria. A carta que ele

escreve aos Filipenses não deixa dúvidas disso e mostra alguma

coisa do que ele passou por amor a Cristo. A carta é escrita de uma

prisão, provavelmente em Roma, como é indicado em Filipenses

1: 7: “Vocês estão sempre no meu coração. E é justo que eu me

sinta assim a respeito de vocês, pois vocês têm participado comigo

deste privilégio que Deus me deu. É isso que vocês estão fazendo

agora que estou na cadeia e foi o mesmo que fizeram quando eu

estava livre para defender e anunciar com firmeza o evangelho”.27

No versículo 12 do mesmo capítulo Paulo menciona “as coisas que

me aconteceram”.28 Quando vamos mais a fundo e pesquisamos

o que foi que aconteceu com ele, percebemos que passou por

enormes angústias. O apóstolo ficou quatro anos preso. O calvário

na cadeia iniciou em Jerusalém, passou por Cesaréia e, após uma

27 Ibidem.28 Ibidem.

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123Via Teológica | João Rainer Buhr, Vol. 14, n.27, jun.2013, p. 105 - 130

viagem muito tumultuada, chegou até Roma. Nesse tempo, o

apóstolo foi acusado injustamente, açoitado, ameaçado de morte,

enfrentou um naufrágio e ficou o tempo todo preso. Quanto

sofrimento para um homem dedicado ao Senhor. Esse exemplo

deixa claro que pessoas dedicadas ao Senhor também sofrem.

Estão sujeitos às mesmas intempéries da vida que qualquer ser

humano comum. O mesmo vale para pastores, que continuam

sendo de carne e osso como eram os líderes do tempo bíblico.

Outro ponto interessante é que Paulo assumia sua

humanidade. Nunca escondeu suas fraquezas e dores das igrejas

que dirigia. Além disso, aceitava ajuda das suas ovelhas e ficava

muito agradecido quando isso acontecia. Isso fica claro em

Filipenses 1: 14 – 18:

Mesmo assim vocês fizeram bem em me ajudar nas minhas aflições. Vocês, filipenses, sabem muito bem que, quando saí da província da Macedônia, nos primeiros tempos em que anunciei o evangelho, a igreja de vocês foi a única que me ajudou. Vocês foram os únicos que participaram dos meus lucros e dos meus prejuízos. Em Tessalônica, mais de uma vez precisei de auxílio, e vocês o enviaram. Não é que eu só pense em receber ajuda. Pelo contrário, quero ver mais lucros acrescentados à conta de vocês. Aqui está o meu recibo de tudo o que vocês me enviaram e que foi mais do que o necessário. Tenho tudo o que preciso, especialmente agora que Epafrodito me trouxe as coisas que vocês mandaram, as quais são como um perfume suave oferecido a Deus, um sacrifício que ele aceita e que lhe agrada.29

Entendemos que esse deve ser o modelo a ser seguido por

todos os atuais líderes de igreja. Não adianta tentar ser o que não

se é. Não vale a pena manter a postura de um super-herói quando

na verdade todos são super-humanos. Paulo entendia muito bem

29 Ibidem.

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isso. Não tinha dificuldade nenhuma em mostrar que passava por

aflições e necessitava da ajuda de outros irmãos. Fazendo isso,

transmitia um ensino correto e não criava uma carga adicional

de tensão e estresse para si próprio, pois tentar manter o papel de

super-herói custa muito caro. O que impede os atuais pastores de

seguirem o exemplo de Paulo e assumirem sua humanidade?

Dificuldades para o pastor assumir sua humanidade

Provavelmente, o pastor que deseja seguir o exemplo

de Paulo sofrerá muitas pressões e objeções por parte da

comunidade. Existem alguns conceitos enraizados nas pessoas

que dificultam muito a aceitação do pastor como ser humano.

Pastores e conselheiros estão sempre em contato com pessoas que

sofrem. As pessoas que se aproximam esperam que o líder possa

ajudá-las. Todos querem uma solução para seus problemas e vêm

para buscá-la com o pastor. Erwin Lutzer enxerga esta questão:

“Como as pessoas procuram o pastor para receber e não para dar,

os recursos emocionais dele podem se exaurir rapidamente”.30 O

problema acontece porque muitas pessoas entendem que o pastor

é uma fonte inesgotável de soluções para suas dificuldades. Em

meio à ansiedade e desespero, acham que um pastor não tem

limites e esperam dele uma solução. Sempre que precisam, acham

que ele tem a resposta, mesmo quando o próprio pastor está

esgotado. O problema só fica maior quando os líderes também

não conhecem seus limites.

Ignoram que eles também necessitam de cuidados. A

Bíblia, em Atos 20: 28 recomenda que pastores cuidem de si

30 LUTZER, Erwin. Op. Cit., p. 78.

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125Via Teológica | João Rainer Buhr, Vol. 14, n.27, jun.2013, p. 105 - 130

mesmos: “Cuidem de vocês mesmos e de todo o rebanho que

o Espírito Santo entregou aos seus cuidados, como pastores da

igreja de Deus, que ele comprou por meio do sangue do seu

próprio Filho”.31 Se Deus por intermédio da sua palavra espera

que pastores cuidem não somente dos outros, mas também da sua

própria vida, é preciso respeitar essa recomendação. Os líderes

precisam levá-la a sério. Muitos “se doam por amor à Cristo” e

não atentam para seu próprio estado, não cuidando de si mesmo.

Isso parece bem espiritual, porém, não combina com o exemplo

do próprio Jesus. Ele muitas vezes se retirava em momentos de

grande tensão, consciente que ainda não havia chegado sua hora.

Sabia que por vezes é necessário se ausentar para sobreviver. Gary

R. Collyns observou este ponto:

Em meio a um ministério atarefado, Jesus também separou um tempo para recarregar suas baterias. Às vezes ele usava mini-retiros para orar. Outras vezes, aparentemente, conversava com seus amigos, e talvez houvesse momentos em que ele só descansava. As pessoas estavam procurando por ele, e muitas precisavam de cura, mas ele fazia uma pausa para obter o rejuvenescimento de que necessitava.32

Também é possível que a falta de cuidado de si próprio

entre líderes seja motivada por entendimentos equivocados

sobre os termos conhece-te a ti mesmo e cuide de si mesmo. Para

os gregos, “conhece-te a ti mesmo” significava: não pense que

és um deus. Esse termo estava associado a cuide de si mesmo,

que tinha o sentido de cuide da sua moral, se aperfeiçoe na

sabedoria e na verdade.

31 Bíblia Sagrada. Op. Cit.32 COLLINS, R. Gary. Op. Cit., p. 699.

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126 João Rainer Buhr, Vol. 14, n.27, jun.2013, p. 105 - 130 | Via Teológica

Roseli de Oliveira, citando Foucault, explica:

Por sua vez, Focault salienta que, para os gregos da Antiguidade, o preceito epimeleisthaí autou, ou seja, tomar conta de si mesmo ou cuidado consigo ou preocupar-se, era “uma das regras de conduta da vida social e pessoal, um dos fundamentos da arte de viver”. Entende com isto que o conselho técnico conhece-te a ti mesmo (princípio délfico que significa: não imagines que és um deus) tão valorizado na atualidade, só tem sentido se esta injunção estiver associada ao princípio moral cuide de si mesmo, uma vez que, segundo Foucault, estes dois princípios básicos da tradição neoplatônica precisam ser resgatados para que haja uma ética de liberdade para o ser humano.33

Hoje em dia, houve uma inversão. De acordo com

Roseli M. K. de Oliveira: “o cuidado de si mesmo assume uma

expressão egoísta, que, se voltada apenas para as satisfações

pessoais, levantaria a suspeita de não ser condizente com os

princípios do cristianismo ascético”.34 Atualmente, em um

contexto parece que não é muito espiritual um pastor dizer

que cuida de si mesmo, chega a ser quase imoral ou egoísta.

Assim sendo, não é bom que ele cuide de si mesmo. Se ele

o faz, não renuncia a si mesmo, e não é bíblico. Afinal de

contas, ele serve ao Deus do impossível e deve deixar tudo em

suas mãos. Por isso, quanto mais espiritual, mais vai gastar-se

sem nenhuma preocupação com sua saúde. Parece que para os

pastores vale o seguinte ditado: “conhece-te a ti mesmo e cuide

do outro”.35 Novamente, percebe-se que para grande parte da

comunidade cristã pastor deve ter a postura de um super-herói.

Muito ativo quando se trata da saúde e problemas alheios,

33 OLIVEIRA, De Kühnrich M. Roseli. Op. Cit., p. 26.34 OLIVEIRA, De Kühnrich M. Roseli. Op. Cit., p. 26.35 OLIVEIRA, De Kühnrich M. Roseli. Op. Cit.. p. 26.

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127Via Teológica | João Rainer Buhr, Vol. 14, n.27, jun.2013, p. 105 - 130

porém totalmente passivo e sem iniciativa quando sua própria

vida está em jogo. Sem dúvida alguma, essas interpretações

equivocadas pressionam os pastores, que acabam deixando

de se cuidar e se tornam vítimas em potencial de patologias

associadas à falta de cuidado próprio.

Concluindo

O principal objetivo deste artigo é não encontrar soluções

para esse problema. A proposta é demonstrar que o sofrimento

dos pastores é real. Todavia, só serão buscadas respostas quando

a dificuldade for reconhecida e aceita. Enquanto isso não

acontecer, alternativas não serão procuradas. O alarme já soa há

algum tempo. A notícia para líderes e igrejas é que pastores estão

sofrendo, algo precisa ser feito. Eugene Peterson define muito

bem a solução para o sofrimento:

Também não encontramos na Bíblia um programa criado por Deus para eliminar as dores por meio de um plano quinquenal (ou para usar uma escala maior, pelas dispensações). Não se encontra um processo de diminuição do sofrimento ao percorrer da história, indo da escravidão do Egito para a peregrinação no deserto, à anarquia sem reis, daí ao cerco assírio, depois o cativeiro na Babilônia, a crucificação romana, e o holocausto sob Nero e Domiciano. O sofrimento sempre existiu e Deus sempre está onde alguém está sofrendo.36

Peterson observa que o sofrimento atinge todos os seres

humanos, inclusive os pastores. Se nem Jesus foi poupado, não é

possível esperar que os líderes e conselheiros de igreja o serão. No

entanto, a boa notícia é que “Deus sempre está onde alguém está

36 PETERSON, Eugene. O Pastor que Deus usa. Rio de Janeiro: Editora Textus, 2003, p. 140.

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128 João Rainer Buhr, Vol. 14, n.27, jun.2013, p. 105 - 130 | Via Teológica

sofrendo”. Ele também está com os pastores. Por isso há esperanças,

pois, onde Deus está envolvido, as chances de sucesso são enormes.

Basta que os homens admitam o problema e resolvam agir.

Concluindo, entendemos que um processo de ajuda a

pessoas que sofrem, como é o aconselhamento que os pastores

fazem, só é eficiente quando os dois lados são beneficiados, tanto

conselheiros como aconselhados. Ou que pelo menos ambos

mantenham sua vida em equilíbrio e em paz. Gary R. Collis

novamente nos ajuda a compreender esta ideia:

Tanto para o aconselhando quanto para o conselheiro, a verdadeira paz vem de Deus. Ela vem para aqueles que lançam todas as suas ansiedades sobre o Senhor, que apresentam seus pedidos a Deus com súplicas e ações de graça, que ocupam a mente com pensamentos puros que glorificam a Cristo, que resistem às investidas do diabo, e vivem de um modo que agrada a Cristo. A paz duradoura vem do Espírito Santo, o consolador. Como todos os traços da santidade, a paz se consegue através do exercício espiritual e disciplina – ‘meditando na Palavra e aplicando seus ensinamentos, sob a direção de nosso Mestre, o Espírito Santo.37

O objetivo a ser alcançado é que tanto aconselhando como

conselheiros encontrem e mantenham a verdadeira paz que só

Deus pode oferecer. Quando isso for alcançado, pode-se dizer

que o processo anda por um caminho saudável. Enquanto uns

são beneficiados, mas outros, como os pastores, estão sofrendo,

o equilíbrio ainda não foi atingido. Que Deus possa dirigir essa

busca para se encontrar um ambiente de ajuda mútua saudável.

Um contexto onde tanto membros como pastores encontrem

alívio para suas angústias e sofrimentos.

37 COLLINS, R. Gary. Op. Cit., p. 697.

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129Via Teológica | João Rainer Buhr, Vol. 14, n.27, jun.2013, p. 105 - 130

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