capítulo 1 - justiça - perse · anjo. ele apresentou-se ... solfeggio sacou o arco que dobrou de...

15
1 Capítulo 1 - Justiça Justiça é um conceito complexo. Ela é totalmente baseada naquilo que é bom ou mau. E o que é o bom e mau? São pontos de vista. Apenas pontos de vistas. O que é bom para alguns pode ser mau para os outros. O que justo para um pode não ser para o outro. Ou talvez a justiça não tenha nada a ver com o bom e o mau. Ela existe para garantir a igualdade entre as pessoas. Nada de bom e mau, só igual. Provavelmente essas duas definições não são totalmente erradas e complementam uma a outra, apesar de parecerem contraditórias. Enfim, é função da justiça julgar e penalizar aquilo que é mau ou que interfere na igualdade. Ao olhar por esse lado, vingança e justiça são a mesma coisa. Ou seria a vingança um tipo de justiça? Ou a justiça um tipo de vingança? Pode-se diferenciar a justiça da vingança através da ideia que a punição da justiça já é pré-definida e sabida, normalmente

Upload: duongdieu

Post on 08-Nov-2018

216 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

1

Capítulo 1 - Justiça

Justiça é um conceito complexo. Ela é totalmente baseada

naquilo que é bom ou mau.

E o que é o bom e mau?

São pontos de vista. Apenas pontos de vistas. O que é bom para

alguns pode ser mau para os outros. O que justo para um pode

não ser para o outro.

Ou talvez a justiça não tenha nada a ver com o bom e o mau. Ela

existe para garantir a igualdade entre as pessoas. Nada de bom e

mau, só igual.

Provavelmente essas duas definições não são totalmente erradas

e complementam uma a outra, apesar de parecerem

contraditórias.

Enfim, é função da justiça julgar e penalizar aquilo que é mau

ou que interfere na igualdade.

Ao olhar por esse lado, vingança e justiça são a mesma coisa.

Ou seria a vingança um tipo de justiça? Ou a justiça um tipo de

vingança?

Pode-se diferenciar a justiça da vingança através da ideia que a

punição da justiça já é pré-definida e sabida, normalmente

2

escrita por meio de leis, enquanto a vingança se dá através de

qualquer meio que se ache suficiente.

Mas as leis podem ser injustas, e logo a justiça pode ser injusta

também.

Não importe o que falem. Não importa o que seja debatido.

Qualquer sistema de penalização e punição que não siga a regra

do “olho por olho, dente por dente” não é um sistema justo.

Praticamente todos os sistemas judiciários são injustos.

Estamos rodeados de injustiças.

O mundo é injusto. A vida é injusta.

Isso já sabemos, mas é sempre bom tentar esquecer isso.

3

Capítulo 2 – Deus Está no Céu, Tudo Está Errado Com o

Mundo

Hoje eu recebi uma visita de Deus.

Uma imensa e brilhante luz branca vinha do céu e ofuscava-me.

Isso é um exagero, mesmo para um Deus!

Não parecia mais ser uma noite, não parecia que eu estava no

mesmo local.

Logo eu que nunca acreditei em Deus, ele apresentou-se para

mim.

“Olá”.

- Olá – Eu o cumprimentei, tentando olhar para a luz, mas

bloqueando meus olhos com a minha mão.

“Eu sou Deus”.

Agora a maioria das pessoas estaria de joelhos pedindo perdão e

benção.

Eu não.

- O que um Deus poderia querer comigo? – Cansado de toda

essa luz, eu virei de costas, de braço cruzado olhando minha

longa sombra projetada no chão.

4

“Eu tenho uma tarefa para você”.

- Uma tarefa de Deus para mim? Deveria eu ficar lisonjeado por

essa oportunidade?

“A Terra não é só habituada por humanos. Seres do bem e

criaturas das trevas existem e estão ocultos nos quatros cantos

do mundo. Por convenção, só humanos podem mudar e fazer a

história da Terra, porém cada vez mais os humanos estão sendo

influenciados negativamente por forças más. Desse jeito, é

apenas uma questão de tempo para a humanidade cair em

ruínas.”

- Ei! Ei! Você é Deus, por que você mesmo não resolve esse

problema? – Num impulso involuntário eu tentei olhar para a luz

novamente, mas a dor nos meus olhos logo me fez voltar a ficar

de costa.

“Nós, seres do bem, temos que cumprir nossa parte e não

interferir com mundo dos humanos. Só por que tais criaturas das

trevas não cumprem o Tratado, não nos dá o direito de quebrá-

lo. Fomos nós mesmo que criamos o Tratado a princípio. Seria

ilógico nós desobedecermos ao Tratado”.

Isso não poderia ser mais humanamente semelhante. A lei não

pode penalizar um individuo que quebrou a lei quebrando lei.

5

- Então você quer o que? Que eu livre o mundo dessas criaturas

das trevas?

“Só um humano pode interferir no mundo humano. Um

representante humano, um humano mediador se torna necessário

para o céu poder interferir.”

- Mas eu? Sete bilhões de pessoa no mundo e justo eu sou

escolhido? Eu nem acreditava em você momentos atrás! Com

certeza há alguém bem mais qualificado para essa tarefa!

“Você tem um forte senso de justiça. Você é ideal para essa

função.”

Tem alguma coisa muito estranho ai. Posso ter um forte senso

de justiça sim, mas tem gente com muito mais senso e muito

mais poder pra fazer isso em algum lugar do mundo. Bem, ele é

Deus, se ele está falando, então deve ser verdade. Mesmo que

não seja verdade, ele não deve estar enganado em escolher-me.

- E se... Eu recusar?

Deus não respondeu.

Um calafrio subiu pela minha espinha. Eu sentia a pressão do

silêncio em minhas costas. A pressão esmagadora da presença

de Deus.

- Não é como se eu tivesse algo melhor para fazer mesmo.

Porque não dar uma chance, não é?

6

Sem parecer ter qualquer mudança na intensidade ou na direção

da luz em minhas costas, minha sombra se tornou trêmula e

balançava de um lado para o outro, como a cauda de um cão

animado.

“Muito bem. Então assim seja”.

E assim a luz desapareceu junto com minha sombra.

Abandonado e largado no meio da noite.

O que eu deveria supostamente fazer agora?

Eu peguei o caminho de casa.

Na noite seguinte eu recebi uma visita não tão inesperada de um

anjo. Ele apresentou-se como Solfeggio. Solfeggio Harmonics.

Com seus cabelos louros e encaracolado e suas leves vestimentas

brancas, iluminava harmoniosamente a noite. Tudo o que você já

esperava de um anjo, com pequenas asas, auréola, sandálias e um

arco e flechas guardados em suas costas. Eu não tenho ideia de

como funciona a idade dos anjos, mas o corpo dele semelhava-se a

um corpo por volta da minha idade.

- Então você é Deth?

- Isso.

- Eu estarei te acompanhando durante um tempo, até que você

acostume-se com o seu serviço.

- OK. E por onde começamos?

7

- Hmm. – O anjo estava pensando. Diferente que Deus, esse anjo

não tinha tanto um ar de superioridade. Não parecia nada diferente

de um humano com asas. – Encontrei um local. Segure firme. – Ele

virou de costa e estendeu sua mão direita para mim. Eu segurei a

sua mão firmemente com minhas duas mãos. Suas asas cresceram

quatro vezes de tamanho, jogando penas para todos os lados e

rapidamente, com um forte impulso, partimos em um voo.

Pousamos em um cemitério. O lugar que você menos espera que

um anjo que te leve. Provavelmente estamos aqui na procura

naquilo que Deus chamou de criaturas das trevas.

Independentemente por qual motivo, estar de noite num cemitério

não é nada agradável.

- Olhe ali.

Eu olhei. Uma figura distante ia se aproximando e entrando no meu

campo de visão. Fazendo um som estranho, como se alguém

estivesse tentando falar e vomitar ao mesmo tempo e o cheiro

lembrava o vômito de alguém tinha comido carne podre.

Era uma criatura mundialmente famosa. Um zumbi. Um morto-

vivo. Com a carne de aparência desconfigurada, com olhos caindo,

sem mandíbula, ossos saindo daqui e ali, fez-me perguntar por que

motivo uma criatura tão horrível ser tão cultuada nos tempos de

hoje. Entretanto, eu tinha coisas mais óbvias para fazer no

momento.

8

- E agora? – Perguntei ao anjo.

- Agora você o derrota.

- Como? – Eu virei rapidamente para ele.

- Não precisa entrar em desespero. Um zumbi é a criatura mais

fraca que tem por ai. Peixe pequeno. Você vai se virar bem.

- Tá. Isso eu já entendi, mas com o que eu vou lutar? Eu não vou

receber nenhum tipo de arma ou poder especial?

O anjo abriu um pouco mais olhos do que o normal.

- Tenho que te dizer que eu também não tenho ideia. Eu só estou

aqui para assegurar que você não se mate sozinho e não para te

ensinar você como lutar. Eu o aconselho a tentar a fazer alguma

coisa com esse zumbi. Como eu já disse, ele é bem fraco, e até um

humano comum pode derrotá-lo. E, contrário do que você deve

estar imaginando, não há nenhum tipo perigo de infecção que irá

transformá-lo num deles caso você seja mordido.

Sem nenhuma arma ou poder especial, eu, com meus punhos nus,

dei um combo de direita e esquerda, finalizando com um chute de

direita. Não tinha nenhuma força sobrenatural em meus golpes,

mas só isso foi o suficiente derrubar o zumbi.

- É. Foi mais fácil do que eu pense- Um pequeno tremor revelou

uma horda de zumbis escondida debaixo do chão. Solfeggio não

demorou em voar.

9

- Saia dai, Deth! – Gritou ele.

Era tarde demais. Duas mãos que viam debaixo da terra seguravam

meus pés e outros zumbis já vinham pulando em cima de mim, mas

eu não fui devorado. Dois zumbis agora agarravam meus braços e

os outros apenas ficaram em minha volta.

Algo está definitivamente errado. Eles não estão sendo zumbis.

Eles estão sendo inteligentes. Eles estão sendo controlados.

- O que você está fazendo aqui no meu território a essa hora? –

Falou um homem encapuzado que saia de trás de um dos túmulos.

- Eu lhe pergunto o mesmo.

- Deth, cuidado, ele é um necromante! – Disse o anjo lá de cima.

- Eu estava trabalhando em meu ritual, até que você o interrompeu!

- Um necromante!? Você não pode estar esperando que eu consiga

derrotar ele não é? – Não intencionalmente, eu ignorei o

necromante e respondi à Solfeggio.

O anjo mostrou uma cara de indeciso. De estar com pensamentos

conflitantes. Claro, ele não podia atacar o necromante e interferir

na história do mundo humano.

- Como você sabe? Você não está sozinho? – Ele deu um grito de

ordem - Vão zumbis, comam-no!

Eu entrei em desespero.

- Você não tem que matá-lo, mas pelo amor de Deus, salve-me!

10

Solfeggio sacou o arco que dobrou de tamanho e atingiu um dos

zumbis que agarrava meu braço, mas outros dois zumbis já subira

em mim e me morderam.

Até o momento em que Solfeggio acertou todos os zumbis, eu já

levara uma dúzia de mordidas.

Eu, deitado no chão, levantei minha cabeça para olhar o resto do

meu corpo. Buracos em meu corpo. Tripas para todos os lados e

estranhos tipos de fluídos misturavam-se numa gosma fétida de cor

enjoável para os olhos.

Voltei a encostar minha cabeça no chão e vi Solfeggio

descendendo dos céus e aproximando-se de mim, como se estivesse

pronto para me carregar para o céu.

Ele olhou para mim e gritou algo que você não ouve anjos dizendo

todo dia:

- Porra!

Bem, porra nada mais é que um fluído criado naturalmente nos

corpos de certos seres vivos usado intencionalmente com outros

significados exceto o do próprio significado da palavra. Não é

como se fosse alguma palavra demoníaca. Na verdade, é uma

palavra verdadeiramente humana com uma interpretação muita

humana também.

Claro que tudo isso não vem ao caso quando estou prestes para

morrer, apesar de eu realmente não estar sentindo morrer.

11

Justamente o contrário. Alguma coisa muito, muito estranha estava

acontecendo com meu corpo.

Uma coisa estranhamente boa.

Eu me levantei com meu corpo meio-comido como se fosse apenas

alguns arranhões.

- Você virou um morto-vivo? – Pergunto Solfeggio.

- Não sei, mas me sinto mais vivo do que nunca. – Falei,

caminhando para o necromante.

- Com quem voc- Eu segurei a garganta do necromante e o levantei

com uma só mão. Finalmente algum tipo de poder apareceu. Será

porque eu me aproximei da morte? Isso é muito cliché.

- Deth, cuidado com ele, apesar de ser um necromante, ele é apenas

um humano.

Hã. E só agora você me fala isso?

Eu o desci e retirei seu capuz.

Era um garoto um pouco mais novo do que eu. Tinha uns dezesseis

anos. Tinha o rosto esbranquiçado artificialmente, sombra nos

olhos e cabelos negros. Tinha uma tatuagem de uma cruz invertida

que ia de sua têmpora direita até perto dos lábios.

Eu não acredito.

Eu abri um grande sorriso e soltei uma bela gargalhada.

12

- Ha! Ha! Um emo. Um emo. Um emo necromante!

- Vai se foder! – Disse ele, enquanto eu figurativamente rolava de

rir. – E você? Que porra você é?

- Eu? Sou um humano como você, ou talvez um zumbi agora por

sua culpa.

- Não existe essa coisa de zumbificação. Seu corpo deveria estar

apodrecendo devido à praga maligna que as mordidas dessas

criaturas carregam. Será que eu errei em alguma coisa? Isso não

importa. Apenas com essas mordidas um humano normal já deveria

estar morto.

- Deth, eu me enganei. Ele não é um necromante, é apenas uma

criança brincando com o que não deve. E como um humano normal,

ele não pode me ver. – Disse Solfeggio.

- Eu sou um representante do céu. Eu luto contra criaturas das

trevas e gente estúpida que nem você que mete o nariz onde não

deve. Volte para casa da sua mãe.

- Eu nunca mais volto para aquela casa!

Ah, eu já estava me esquecendo de que ele era emo...

- Você brigou com seus pais, é? Será por causa dessa tatuagem

ridícula?

- Ridículo é você!

13

- É. Deve ter sido. Bem, isso não é de minha importância. Se você

quer viver num cemitério eu não me importo. Se você quer brincar

com magia negra e invocar zumbis o problema não é meu. Mas. Se

você ferir mais alguém, eu nem preciso te contar o que vai

acontecer com você. OK?

- Tá bom. Tá bom.

- Então vamos Solfeggio. Já brincamos muito por uma noite.

Eu virei e fui caminhando para a saída. Solfeggio veio me

acompanhando.

- Quem... Quem é Solfeggio?

Eu olhei para trás.

- Solfeggio? Solfeggio é meu anjo da guarda.

E dei uma piscadela e voltei a andar.

- Você sabe muito bem que eu não sou seu anjo da guarda, certo?

- Eu sei. Eu só queria aparecer ser cool por um momento. –

Mudando de assunto. – Solfeggio, é normal um humano conseguir

usar magia negra?

- Com treinamento adequado é possível, mas não acho que um

garoto jovem daquele deva conhecer algum mestre nas artes de

magia negra para ter aprendido assim tão novo.

14

Solfeggio não deve saber, mas é possível aprender tudo pela

Internet hoje me dia. Seja fazer um bolo, seja burlar sua conta de

telefone, seja conjurar zumbis.

- É. Definitivamente algo está errado com esse mundo.

- Um humano é o menor dos seus problemas, Deth, nós vamos;

quer dizer, você vai ter que lutar contra coisa muito pior.

- Hmm.

...

- Solfeggio, e sobre meu corpo?

- Não tenho ideia do que fazer.

- Você não tem nenhum tipo de cura?

- Não é só porque sou um anjo ou uma criatura sagrada que eu

tenho poderes de cura.

Pois deveria.

- A cultura de vocês humanos faz várias suposições sobre o que

não conhecem.

- A gente faz suposições justamente porque não conhecemos. E

apesar de não estarem totalmente corretas, nossas suposições estão

bem acuradas. Quero dizer, quem diria que anjos e zumbis

realmente existiam.

15

Depois de umas conversas fúteis, Solfeggio trouxe-me de volta

para casa. Eu já tinha reparado que meu corpo estava

vagarosamente se recuperando.

Quando eu acordei no dia seguinte, meu corpo já estava totalmente

recuperado.