capitalismo para totós
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A desmascarar a linguagem do sistema capitalista.TRANSCRIPT
Capitalismo para Tótós I - Competitividade
Competitividade - é a disputa entre trabalhadores para ver
quem vende mais barato a sua força de trabalho, fazendo o
jeito ao patronato. O termo em si comporta uma dimensão
anti-progresso porque coloca os povos, os trabalhadores,
em posições antagónicas entre si, iludindo que só a
cooperação e não a competição pode gerar elevação do
bem-estar de todos.
A ideia de competição entre trabalhadores, entre povos,
nações ou estados, desvia para uma avaliação ideológica
dos problemas do capitalismo errada, assente na clivagem
intra-classe e não inter-classe. Os trabalhadores de
qualquer país não competem entre si, mas com o
patronato de todo o mundo.
Capitalismo para Totós II - Colaborador
Colaboradores - termo que designa o conjunto das
assalariados de uma empresa, independentemente do
regime contratual. No essencial, mascara duas dimensões
fundamentais das relações sociais capitalistas: a do
trabalho e a da exploração.
O colaborador colabora, não trabalha.
O colaborador colabora, não é explorado.
Além disso, o termo não comporta uma dimensão
contratual ou referente a relação estável, antes faz uma
remissão subentendida para uma situação volátil. O
empregado ou trabalhador estão relacionados com o
exercício de uma profissão, de um ofício ou de um
conjunto de tarefas que exigem determinada perícia. Já o
termo colaborador induz uma concepção amorfa, não
especializada e efémera. Colaboras hoje, podes não
colaborar amanhã.
Capitalismo para Totós III - Empreendedorismo
Empreendedorismo - termo que designa, no linguajar do
sistema, a vontade de ser patrão. Na verdade, visa
responsabilizar os trabalhadores pela criação do seu
próprio emprego.
Se não tem emprego, é porque não foi empreendedor.
Subjaz ao termo um conceito de responsabilização do
trabalhador pelo seu próprio desemprego. Levado às
últimas consequências, o discurso capitalista sobre
empreendedorismo faria de todos os cidadãos um patrão.
Ora, é o próprio capitalismo que não permite esse
alargamento do patronato por força do processo constante
de acumulação e concentração da propriedade dos meios
de produção.
Empreendedorismo é assim, afinal de contas, um termo
vazio para iludir os povos sobre as reais responsabilidades
perante o desemprego.
Capitalismo para Totós IV - "Sem empresas não há trabalhadores"
"Sem empresas não há trabalhadores" - expressão
dogmática que inverte as premissas das relações sociais.
Não existe trabalho porque existem empresas, existem
empresas porque existe trabalho.
A classe dominante, através desta expressão, não quer
apenas dizer que sem "empresas não há emprego (ou
trabalho)". Quer na verdade ir mais longe, já que a
referência a "empresas", neste caso, é uma referência
específica, ainda que implícita, a "empresas privadas". Ou
seja, a expressão significa, na perspectiva de quem a usa,
exactamente o seguinte:
"sem exploração e sem patrão, não há emprego para os
trabalhadores". Todavia, quer a história, quer o empirismo
nos demonstram sem necessidade de aprofundamentos
em demasia, que existem empresas porque existe trabalho
e existem patrões porque existe trabalho. É, aliás, o facto
de existir desde os primórdios da Humanidade, a realização
de Trabalho que possibilita a apropriação dos seus frutos
por outrém. A realização de trabalho depende
exclusivamente da disponibilidade de mão-de-obra e de
meios de produção. A existência de um explorador, de um
patrão, não entra sequer na equação.
Uma vez mais, o capitalista tenta incutir dogmas e frases
feitas no raciocínio diário do trabalhador, para que o
explorado cristalize em torno de sofismas e falácias que o
condicionam na sua emancipação.
O trabalhador, habituado às relações sociais e produtivas
do capitalismo em que sempre viveu, cria a ideia de que
sem Patrão, não pode trabalhar. Na verdade, se ele não
trabalhar não pode haver patrões.
Capitalismo para Totós V - Propriedade privada
Propriedade privada - o engodo maior do sistema
capitalista. A existência e abrangência da propriedade
privada no sistema capitalista é tendencialmente nula. Na
verdade, ao contrário do que ventilam os meios de
propaganda do sistema, o capitalismo não favorece a
aquisição de propriedade privada, antes a sua
concentração.
Isto significa que a propriedade privada em regime
capitalista tende a concentrar-se em cada vez menos
entidades/pessoas. Em última análise, o regime gera
constrangimentos ao alargamento da propriedade privada,
não potencia a aquisição de propriedade privada para
satisfação das necessidades da população (do indivíduo ou
do colectivo) mas favorece, isso sim, a espoliação da
pequena e média propriedade privada e a sua
concentração, gerando cada vez menos entidades
proprietárias, mas sendo cada uma dessas entidades, cada
vez mais monopolista.
Em suma, o regime capitalista não é o regime da
propriedade privada para todos. É o regime da
concentração da propriedade privada nas mãos de alguns.
O desenvolvimento do sistema capitalista é
inexoravelmente conducente à constituição de monopólios
cada vez maiores e, como consequência, tendencialmente,
de cada vez menos monopólios.
Esta regra inerente à natureza do sistema capitalista não se
aplica somente aos meios de produção (fábricas,
maquinaria, lojas, transportes, ferramenta, etc.) mas
também aos bens e produtos (habitação, veículos, e até
bens de consumo).
Capitalismo para Totós VI - Classe Social
Classe social: termo que designa a distorção aplicada ao
real e historicamente subjacente conceito de "classe
social". Na verdade, o sistema capitalista deturpou o
conceito científico de "classe social" desenvolvido por Marx
na senda do aprofundamento do Materialismo Histórico.
A classe social que as ideologias burguesas (neo-
liberalismo, capitalismo, social-democracia) e seus
ideólogos, políticos e comentadores de serviço, referem é
uma forma de contornar a evidente clivagem social e
económica entre os seres humanos. É, no entanto, uma
classificação económica e não social. A classe baixa, a
classe média-baixa, a classe média, a média-alta, e a alta
(como estamos habituados a ouvir chamar-lhes) são classes
distribuídas em função da disponbilidade de rendimentos
ou de património e não em função da sua posição social.
A intenção é clara: tendo em conta que existem assimetrias
brutais entre as pessoas e que o capitalismo precisa de
negar a relação entre essas assimetrias e a posição social
dos indivíduos, é preciso confundir a compreensão das
massas. Ou seja, a máxima capitalista e fascista que afirma
que "a luta de classes acabou" ou mesmo "a luta de classes
não existe" é válida ao abrigo deste conceito de classe
económica, mas jamais seria válida ao abrigo do conceito
de classe social.
Com esta estratégia de distração, o Capital consegue
enraizar nas massas a sua doutrina e as interpretações
enviesadas sobre as relações de classes. Generalizando a
ideia de que as classes se diferenciam em função do
volume dos seus rendimentos, as massas aceitam
passivamente a conclusão de que "não há luta de classes".
As classes sociais não são classes económicas. Abordemos
o conceito na perspectiva correcta: classe social é definida
em função da relação objectiva que o conjunto de
indivíduos estabelece com os meios de produção e, em
consequência com o Trabalho.
Independentemente do volume dos rendimentos, um
proletário é aquele que não tem outra forma de
sobrevivência a não ser a venda da sua força de trabalho.
Independentemente do volume dos rendimentos, um
burguês é aquele que detém uma parte ou a totalidade de
um meio de produção, podendo assim sobreviver de outras
formas que não a venda da sua própria força de trabalho,
nomeadamente, explorando o trabalho alheio. Essas sim,
são as duas principais classes sociais. O conceito capitalista
de classe económica, que ilude os contornos do conceito-
base de "classe social" atravessa as duas grandes sociais
sem relação absoluta. Ou seja, tal como o proletário é
sempre explorado, mas nem sempre pobre; também o
burguês é sempre dono de parte ou totalidade de um meio
de produção, mas nem sempre rico.
Capitalismo para Totós VII - Mercados
Mercados - um mercado, em strictu sensu é um circuito de
troca de bens, produtos e valor. Um mercado não é uma
entidade, mas nele intervêm entidades. Num mercado
intervém um vendedor, um comprador, um distribuidor,
um produtor, enfim, um conjunto que se pode, para cada
transacção, resumir a vendedor e comprador.
A utilização do termo "mercados" pelos políticos, pelos
opinadores e por todos os teóricos do capitalismo serve,
portanto, não para referir um circuito de trocas (que não
se agita nem se acalma), mas para mascarar a verdade: "o
grande capital" é o tal "mercado" de que falam.
Quando nos dizem que é preciso "acalmar os mercados",
estão a dizer-nos sem assumir que é preciso "acalmar os
patrões". Ora o que acalma os grandes capitalistas?
Simples: o campo aberto à exploração e ao lucro.
Eis que, subrepticiamente, de "acalmar os mercados" nasce
toda uma torrente de políticas retrógradas e de
retrocessos civilizacionais como a desregulação das
relações laborais, a diminuição salarial, o corte nas férias
dos trabalhadores, o desemprego e a facilitação dos
despedimentos, as injecções de capital na banca, o
aumento dos preços e o alastramento da pobreza. Sempre,
mas sempre, a bem da concentração da riqueza. Eis,
satisfeitos, os "mercados".
Capitalismo para Totós VIII - Regulação
Regulação - de acordo com a visão capitalista que é
veiculada a toda a hora pelos meios de comunicação e de
educação de massas, o papel dos estados não é o de
intervir na economia. Este é mais um chavão
aparentemente inócuo, mas repleto de significados. Aliás,
demoniza-se sem fundamentação de qualquer tipo a
intervenção do Estado na Economia e fixa-se essa
anatemização como um facto incontornável e imutável -
que importa questionar.
No entanto, o capitalismo já mostrou a sua tendência para
o desregramento total por diversas vezes e os resultados
anunciam-se sempre com fortes prejuízos para as
populações. Assim, o próprio sistema procurou apaziguar
as preocupações levantadas em torno d total liberalização
através do conceito de regulação.
Primeiro o estado não intervém na economia, regula. Mais
tarde, o estado nem regula, apenas legisla e deixa a
regulação para as "entidades independentes". Este
conceito é afinal de contas apenas a ilusão encontrada
para tranquilizar preocupações populares. Ou seja, se
tememos a rédea livre aos grandes grupos económicos,
tranquilizemo-nos porque não é livre, é "regulada".
Mas quem regula e o que regula?
O estado não pode regular, porque é - de acordo com a
perspectiva anarco-capitalista - parcial (!!!). Então entram
em cena as "entidades reguladoras independentes" que
são, na prática, organismos não controláveis
democraticamente e compostos por representantes
directos dos interesses que supostamente deveriam
regular. E assim se retira o estado da economia, da sua
regulação e se entrega de bandeja a fiscalização e
regulação aos próprios grupos económicos que disputam o
mercado que deveria ser regulado.
A regulação deixa de ser um instrumento - que nunca
realmente foi - de controlo em função das necessidades
das pessoas e passa a ser um palco de disputas entre os
diferentes interesses económicos que competem num
determinado mercado. A empresa que dominar a Entidade
Reguladora "independente", terá dela as regalias devidas.
As restantes empresas trabalharão para ter essa posição
dominante.
Quem regula? A empresa dominante.
O que é regulado?
Nada.
O que ganha o capitalismo? A generalização da ideia de
que "os mercados são regulados" e a despreocupação das
pessoas em torno do "capitalismo desregrado", criando a
ideia de que, esse sim, é perigoso.
Capitalismo para Totós IX - "gastou acima das suas possibilidades"
"gastou acima das suas possibilidades" - expressão muito
em voga em Portugal e, sempre que necessário, nos países
afectados pela crise do sistema capitalista, como forma de
colocar a responsabilidade da situação sobre os povos, os
estados e sobre os trabalhadores.
Na economia política, como em muitas outras coisas, há
um certo grau de relatividade em muitos aspectos. Neste
caso, será mais correcto dizer que o Capital "pagou abaixo
das suas possibilidades", ou que os salários "foram pagos
abaixo das necessidades dos trabalhadores", do que dizer
que os trabalhadores "gastaram acima das suas
possibilidades".
Atentos estejamos e verificaremos rapidamente que ambas
as formulações resultam numa crise, mas cada uma das
formulações aborda o problema de forma diferente,
responsabilizando entidades diferentes. O sujeito da
versão capitalista é o cidadão que "gastou demais" e não o
"patrão que pagou a menos".
Ora, a ser verdade, aceitaríamos que fosse sempre o
patronato a ditar univocamente o que são as minhas e as
nossas "possibilidades". Ou seja, ao colocar a questão nas
"possibilidades", colocamos na mão de quem detém o
poder económico a determinação do que é "gastar a mais"
ou "gastar a menos". Se, por outro lado, colocarmos a
questão sob o ponto de vista da "necessidade" e da
"retribuição do trabalho", tudo muda. A verdade tende a
demonstrar que é mais correcto dizer-se que nos "andaram
a pagar abaixo das nossas necessidades" já que é evidente
que os que pagaram abaixo das suas possibilidades e das
nossas necessidades são exactamente os que hoje não são
afectados pela crise e que através dela, não só não sofrem,
como amassam cada vez mais milhões.
Então, esses é que ganharam acima das nossas
possibilidades, porque nos pagaram sempre abaixo das
nossas necessidades. E com isso, empurraram milhões de
portugueses para o crédito como forma de satisfazer
necessidades que podiam ser asseguradas por rendimentos
do trabalho.
Capitalismo para Totós X - Liberdade
liberdade - a liberdade é um conceito abstrato com
tradução concreta no uso de direitos, acções e
comportamentos. A utilização do termo no léxico
capitalista tem, no entanto, sido alvo de uma absolutização
do conceito de "liberdade" em torno de liberdades
capitalistas, como se "liberdade" fosse um conceito
concreto, um conjunto de determinandas "liberdades".
Na prática capitalista só existe uma liberdade efectiva,
sendo que as restantes existem apenas enquanto
decorrem dessa liberdade, ou quando lhe são subsidiárias.
Essa liberdade essencial do sistema capitalista é a da
apropriação do valor gerado por trabalho alheio, estando
sempre associada à posse dos meios de produção. Este
conceito de liberdade que se resume como "ser livre de
explorar" e, no contraponto, ser "livre" de ser explorado.
Ora, sendo a liberdade um "bem" finito e não elástico, as
liberdades de uns são imposições para outros. O que o
capitalismo não diz é que a absolutização desta liberdade é
precisamente a causa da limitação de todas as restantes.
O sistema capitalista também tem habilmente introduzido
um antagonismo ilusório entre "intervenção do Estado" e
"liberdade", criando a ideia de que onde existe um não
pode existir o outro. Isso só é verdade na medida em que o
Estado limita a "liberdade" do capitalista, nomeadamente -
por exemplo - na imposição de limites à exploração (o
Salário Mínimo Nacional, por exemplo). Ou seja, a
liberdade é confundida aqui com o "mercado livre" e
importa questionar "livre de quê?"
Por outro lado, o mesmo argumento do sistema já não é
válido quando se trata de limitar as liberdades dos
explorados. Nesses casos, pode o Estado intervir e até
mobilizar as forças de segurança para bater, prender,
conter, torturar ou matar, limitando a liberdade de todos
os que ousam contestar a liberdade suprema: a de
explorar.
Concluindo, a liberdade máxima do sistema capitalista é a
de poder explorar o trabalho alheio e essa liberdade não é
massificável, nem democratizável. Ou seja, a liberdade de
uns poucos para poder explorar é, para a esmagadora
maioria da população, a obrigação de ser explorado e a não
liberdade para o contestar.
Capitalismo para Totós XI - flexibilidade
flexibilidade - termo utilizado geralmente no universo das
relações laborais. a flexibilidade (laboral) é o termo
enfeitado para dar corpo a várias aspirações do grande
patronato, como forma de aprofundar a exploração.
Há várias forma de flexibilidade (laboral) na terminologia
capitalista:
i. a que se refere à flexibilidade do vínculo, sendo uma
forma mais bonita de dizer "precariedade", mascarada pela
falsa ideia de que essa flexibilidade do vínculo é resultante
do "estilo de vida moderno" e que é mesmo desejada pelo
trabalhador, porque "a malta jovem gosta é de poder
andar de trabalho em trabalho, sem compromissos". Essa
flexibilidade (dos vínculos), na verdade, beneficia apenas o
patronato, na medida em que só o patronato tem
limitações nas rescisões de contrato, podendo o
trabalhador provocá-la a qualquer altura.
ii. a que se refere à flexibilidade do horário, quebrando e
atentanto contra uma conquista social dos trabalhadores.
A flexibilidade do horário de trabalho tem um reverso
brutal: a flexibilidade da vida social, pessoal e familiar do
trabalhador, com consequências fundas no seu bem-estar
e na sua qualidade de vida. O horário de trabalho e o
trabalho não são um elemento de elevação da qualidade
de vida colectiva, mas antes uma imposição na vida
colectiva ao serviço exclusivo dos que lucram com a
exploração através de horários desregrados. Ao invés de o
trabalhador ser remunerado por trabalhar em horários
"flexíveis", a consagração da "flexibilidade" na letra da lei
vem apenas isentar o patronato do justo pagamento do
trabalho realizado fora do horário comum e estabelecido
previamente.
iii. a que se refere ao conteúdo funcional das tarefas do
trabalhador, fazendo crer que a flexibilidade resolve todos
os problemas nas empresas quando na verdade, a
flexibilidade funcional (polivalência) significa apenas que o
mesmo trabalhador pode realizar as tarefas de outros, sem
que o seu estatuto remuneratório seja ajustado. Isto
significa que o patrão pode, explorando um só trabalhador,
apropriar-se de uma mais-valia em diversas tarefas
laborais, sem necessidade de contratação ou de
pagamento além do salário estabelecido. Este conceito,
por si só, demonstra bem que a actual concepção de
"empresa" não está ao serviço da sociedade e dos homens
e mulheres, antes pelo contrário, estão os homens,
mulheres e sociedade ao serviço das empresas.
Capitalismo para Totós XII - Risco
risco - todo o edifício argumentativo do capital para
justificar a exploração do trabalho alheio assenta na
existência de um risco. Esse risco é associado a um
"investimento" realizado pelo capitalista que dá cobertura
à exploração de quem não arriscou e apenas quer
trabalhar.
Independentemente de considerarmos se a existência do
"risco" justificaria eventualmente a possibilidade de
exploração de trabalho alheio, podemos atalhar a
discussão e ir à raiz: a existência do risco propriamente
dita.
O risco pressupõe um investimento de capital próprio que
pode ser perdido. Também pode ser replicado,
dependendo sobretudo da competência da gestão e da
qualidade da produção. Como tal, se é o proprietário
(accionista) que é premiado pelo sucesso, também deve
ser o proprietário (accionista) a ser prejudicado pelo
insucesso. Por aqui começamos a compreender que a
existência de um eventual risco se esbate ao colocar, o
eventual sucesso ou insucesso, na responsabilidade de
quem gere e não de quem é explorado.
Mas adiante, o investimento de um capital próprio
pressupõe que certa entidade ou indivíduo é detentor
desse capital e que o vai arriscar. Importa, pois,
compreender se esse capital não foi já obtido com base nos
mesmos mecanismos de exploração que agora pretende
ampliar. Ou seja, o capital para o investimento foi obtido
através da exploração de mais-valias do trabalho alheio e,
como tal, na verdade, o capitalista está apenas a arriscar a
fatia que já pôde (porque a lei o permite) roubar a outrém.
Se o capitalista ou pequeno patrão inicia o investimento
sem capital próprio, significa que se endividou para
contrair um empréstimo, pedido a outro patrão que será
concedido com capital obtido precisamente através da
exploração do trabalho e neste caso, quem arrisca não é
nem o capitalista da banca que concede o empréstimo
nem o que o contrai, na medida em que a banca realizará
sempre a cobrança da dívida nem que seja através de
garantias materiais que o pequeno patrão pagará com os
bens que adquiriu com o capital emprestado.
Na verdade, o risco do patrão (pequeno ou grande) é
relativamente reduzido e tende a ser mais reduzido quanto
maior for o patrão e maior for o investimento. Acresce a
isto a instrumentalização galopante da lei e do Estado para
satisfação dos interesses da classe patronal que se
encarrega, a todo o momento, de garantir que não existe
risco - principalmente para o grande patrão, mesmo que
por vezes se sacrifique o pequeno patrão e sempre,
sempre, sacrificando o trabalhador.
Mais grave é o facto de a gestão de risco não ser
compatível com actividades fundamentais e
imprescindíveis, como os serviços públicos e a banca. Ou
seja, não pode ficar na dependência do sucesso
empresarial a existência de um sistema financeiro e de
serviços públicos, porque em última análise isso significaria
que o insucesso de um investimento implicaria o
encerramento de um desses serviços.
E, na verdade, qual o verdadeiro risco no sistema
capitalista? Aquele que é assumido por um trabalhador ao
aceitar um salário, dependendo da necessidade de
aquisição da sua força de trabalho por outrém, para
garantir a sua sobrevivência?
Ou aquele que é assumido por um capitalista, para poder
explorar a força de trabalho de outros para garantir a sua
opulência?
É que... ninguém enriquece a trabalhar.
Capitalismo para Totós XIII - Austeridade
austeridade - o termo encontrado pelos teóricos e
governantes do estado capitalista para definir uma política
de supressão do Estado e dos serviços públicos.
"Austeridade" é um termo com uma carga de moralidade,
aliás, "austeridade" significa tanto "severidade", como
"rigor". A questão aqui não é tanto sobre o significado da
palavra, mas sobre o acerto do termo. A utilização do
termo aqui é propositada para confundir a realidade com o
conceito. Ou seja, não é o significado de "austeridade" que
é distorcido, mas é a aplicação desse conceito que tenta
disfarçar a situação real com que estamos confrontados.
Por um lado, porque os povos sujeitos à chamada "política
de austeridade" não são governados com rigor, nem as
imposições de miséria e o esbulho que empobrecem os
trabalhadores estão revestidos de qualquer "ética social"
ou "moralidade". Basta verificar que as maiores fortunas, o
capital nacional e transnacional continuam a crescer a
ritmo alucinante, na proporção directa do
empobrecimento das camadas trabalhadoras e intermédias
da população.
A "austeridade" não é a aplicação de uma qualquer
"disciplina" na economia, é apenas a forçada diminuição de
despesa (e na maior parte dos casos da receita igualmente)
dos Estados, como forma de comprimir totalmente o
serviço público, garantindo a apropriação pelos interesses
privados, amassando mais e mais áreas de negócio e mais e
mais lucros. A disciplina imposta à esfera pública é
contraposta pela total liberdade de aquisições por
privadas, pela desregulação das relações laborais e pela
selvajaria da exploração e do desmantelamento dos
próprios Estados. A contracção do investimento, da
despesa e da receita públicas, são afinal de contas, a
verdadeira expressão da "austeridade" que impõe brutais
constrangimentos económicos a uns para assegurar a
opulência de outros.
A pretexto dessa "austeridade" pública, os patrões
encontram mais uma justificação para impor igualmente
piores condições de exploração do trabalho e assim,
desvalorizando o trabalho, garantir mais lucro. Por isso
mesmo, no actual contexto, a palavra certa para "política
de austeridade" seria "roubo massivo" ou "crime
organizado".
Capitalismo para Totós XIV - Menos estado, melhor estado
"menos estado, melhor estado" - formulação que resume a
máxima capitalista de redução do papel do Estado nas
questões fundamentais da política e da economia. "menos
estado, melhor estado" entranhou-se no vocabulário do
sistema e ganhou uma grande aceitação entre grandes
camadas da população, incluindo as que mais beneficiam
com a intervenção do Estado e com a preservação das suas
funções sociais.
A apologia de um estado minguado, quase inexistente,
ganhou apoio entre as camadas populares porque o Estado
cada vez mais se afasta da sua razão de existência -
assegurar uma organização social tendente à eliminação de
assimetrias, garantindo igualdade e liberdade. Mas são os
mesmos que fazem essa apologia, os responsáveis pela
degradação da qualidade do serviço público e do papel do
Estado na vida quotidiana do cidadão. Ou seja, aqueles que
sempre contribuiram para tornar obsoletos os serviços do
Estado, são os que agora defendem a sua mera
privatização.
"menos estado" é acima de tudo o corolário da
maximização da organização empresarial e privada,
suprimindo a organização social. "melhor estado" é apenas
a partícula que embeleza o conceito retrógrado, criando a
ilusão de que essa "melhoria" teria impactos na vida dos
cidadãos. Porém, esse "melhor estado" é um termo longe
de qualquer inocuidade, antes significa "melhor" para uns,
pior para outros.
Melhor para quem quer um Estado com um mero gestor
ou comissão de negócios do capitalismo. Pior para quem
quer do Estado um sistema público de ensino, gratuito e de
qualidade; um serviço de saúde universal e gratuito; um
serviço de arte e cultura; um serviço de justiça e segurança
pública; um serviço de protecção ambiental; um serviço de
habitação; um apoio no confronto de classe.
"menos estado" esconde ainda a ideia de que o cidadão
será libertado dos encargos de financiamento do Estado,
cavalgando a tese de que se desmontarmos a despesa do
Estado, diminuiremos os impostos. Certo é que, enquanto
o tal "melhor estado" continuar a ser melhor para os
senhores do dinheiro, para os banqueiros criminosos, para
os patrões que abandonam a indústria, para os donos da
terra abandonada, para os donos das cadeias de
distribuição que tudo secam à sua volta, os impostos
continuarão a crescer - como até aqui sucede - para lhes
satisfazer os caprichos.
A vida mostra-nos que, apesar de termos ao longo das
décadas assistido a uma diminuição do peso do Estado nos
serviços e na economia em geral, a carga fiscal -
principalmente sobre os rendimentos do trabalho - não
tende a diminuir, antes pelo contrário, tende a aumentar.
Capitalismo para Totós XV - Ditadura
Ditadura - termo que, na linguagem oficial do sistema
capitalista e seus porta-vozes, se refere a todo o Estado
que não aceite as imposições dos grandes pólos
imperialistas, independentemente da sua forma de poder
ou de governo e da participação popular na definição das
políticas desse Estado.
A mensagem do sistema capitalista é simples: todos os
estados e governos que acatem subservientemente as
ordens dos grandes centros imperialistas e dos grandes
patrões do planeta, são democracias. Os restantes são
estados ditatoriais.
Ou seja, a concepção burguesa de "ditadura" não se refere
à forma de governo de um estado ou à intervenção e peso
real das opções dos povos no destino dos seus países. Na
verdade, refere-se única e exclusivamente à "abertura" ou
"não-abertura" de um Estado à entrada dos grupos
económicos transnacionais.
Como tal, inúmeras ditaduras reais são caracterizadas
como democracias e inúmeras democracias são
caracterizadas como ditaduras.
Todavia, a verdade é que todos os Estados são por
definição ditatoriais - a questão é que as democracias são
ditaduras da maioria sobre a minoria e nos estados
capitalistas a ditadura é exercida por uma minoria sobre
uma maioria.
Capitalismo para Totós XVI -Terrorismo
Terrorismo - refere-se ao conjunto de actividades ou
correntes político-ideológicas que não partilham a
perspectiva dos maiores pólos capitalistas. A tipificação de
diversas expressões políticas como "terroristas" foi um dos
golpes linguísticos mais eficazes do sistema capitalista após
a destruição da URSS e principalmente depois do 11 de
Setembro de 2001. A utilização do medo para criar
inimigos incógnitos tem um efeito muito mais amplo e
muito mais massificado do que crimes cometidos
pontualmente.
O verdadeiro terrorismo está pois, tanto nos actos de
destruição das torres gémeas, como em quem semeou
com isso o terror por todo o mundo. De um lado o
capitalismo avassalador e sanguinário, do outro um grupo
fundamentalista. Esta chantagem é que constitui um
verdadeiro acto global de terrorismo sobre os povos,
incluindo o povo americano.
Todavia, para os capitalistas, "terrorismo" é o pretexto e o
qualificativo para tudo quanto não encaixe nos objectivos
políticos e económicos das potências imperialistas.
Diferentes interesses capitalistas podem ser apelidados de
terroristas por outros interesses capitalistas. Mas serve
igualmente para suprimir todas as opções, principalmente
as revolucionárias, que se oponham e combatam o
capitalismo e os seus interesses.
Por toda a Europa e Estados Unidos se vê cada vez mais a
qualificação de movimentos de libertação e revolucionários
como "terroristas".
Capitalismo para Totós XVII - Democracia
Democracia - tipo de organização social que adopta a
economia capitalista como base das suas relações de
produção. Para o sistema e ideologia capitalistas,
"democracia" não é participação popular, nem decisão
popular, nem poder popular, é apenas poder económico
legitimado por sufrágio.
No dia em que o sufrágio não legitima, como sucede em
vários pontos do globo, o sistema de exploração capitalista,
cessa automaticamente a "democracia".
Capitalismo para totós XIX - Co-gestão/co-responsabilidade
Co-gestão/co-responsabilidade - sistema de administração
capitalista que assenta na ideia da partilha de interesses
entre patronato e proletariado, ou seja, entre Capital e
Trabalho. Este sistema visa, no essencial criar a ilusão de
uma participação do trabalhador na gestão de uma
empresa.
No entanto, qualquer suposta harmonização entre Capital
e Trabalho é em si mesma uma contradição nos termos, na
medida em que numa harmonização de interesses,
também a retribuição deve ser equitativa. Ou seja,
havendo "conciliação" de interesses no quadro das
relações de produção capitalistas, essa "conciliação" não
passa da legitimação da exploração da parte "forte"
(Capital) sobre a parte "fraca" (Trabalho). Os resultados
objectivos dos mecanismos de "co-gestão" são de fazer
inveja aos autores das teses fascistas sobre a "inexistência
da luta de classes" e consistem essencialmente na gradual
capitulação dos trabalhadores perante os interesses do
patrão, a bem dos postos de trabalho. A bem da
manutenção dos postos de trabalho, de cedência em
cedência, se beneficia sempre o mesmo lado da balança - o
do patrão.
Dir-se-á que a manutenção do posto de trabalho é em si
mesmo um ganho, uma vantagem para o trabalhador. No
estrito quadro do raciocínio capitalista e neo-liberal, isso é
verdade. Porém, numa avaliação liberta de
constangimentos impostos pelo sistema, o caso muda de
figura: o progresso social faz-se através da supressão do
privilégio privado em benefício dos direitos colectivos. Isso
significa que o trabalhador não deve mendigar postos de
trabalho, despojando-se da sua dignidade e do valor da sua
força-de-trabalho, antes exigir - em cada empresa, em cada
lugar, em cada país - o respeito pelo seu esforço, a
melhoria da sua vida e a elevação do seu bem-estar.
Capitular nesta questão, não é, nem nunca será "defender
os trabalhadores", mas sim contribuir para a consolidação
do Capital como força social dominante e para a
consolidação da burguesia como classe dominante.
Além disso, desta co-responsabilidade ou co-gestão,
resulta um desequilíbrio insanável: se a empresa se
deslocaliza, quem perde o trabalho é o trabalhador e não o
patrão. Quando há aumentos dos lucros, são para os
patrões e não para os salarios (podendo apenas ser
atribuído ao trabalhador um "prémio" pontual muito
inferior à fatia distribuída pelos patrões). Mas quando há
má-gestão, ou prejuízo, o patrão mantém o jaguar, a
mansão, o caviar, o jogo de golfe, a estância de luxo, a
roupa de alta-costura, a opulência obscena, enquanto que
o trabalhador vai para o fundo de desemprego (enquanto o
patrão não o abocanhar).
Capitalismo para Totós XX - Sociedade Civil
"Sociedade Civil" - talvez por oposição a "sociedade
militar"(?!)
É um conceito utilizado no mundo do "politicamente
correcto" para não referir as forças vivas de uma
sociedade, principalmente as forças sociais. Ou seja, com
"sociedade civil" esconde-se o Povo e os trabalhadores e,
de certa forma, faz-se subliminar referência a movimentos
e ONG's, excluindo Estados e Partidos.
A conversa da "sociedade civil" nasce da mesma fonte que
tende a anatemizar os Partidos e a promover conceitos
difusos, onde se inserem forças sociais antagónicas entre
si. Por exemplo, quando referem "sociedade civil", na
verdade, querem referir não apenas a população e suas
associações, mas também as corporações e empresas
como se de entidades verdadeiramente colectivas se
tratassem.
Capitalismo para totós XXI - solidariedade intergeracional
Solidariedade intergeracional - é um conceito que pertence
à mesma categoria de "desenvolvimento sustentável" e
aliás, corresponde-lhe quase exactamente. Tal como se
estabelece no Relatório Brundtland sobre
"desenvolvimento sustentável", esse conceito corresponde
à capacidade de satisfação das necessidades das gerações
actuais, sem comprometer a satisfação das futuras.
A manipulação de conceitos vai sendo cada vez mais
profunda e de um conceito conservador como o do
"desenvolvimento sustentável" - essencialmente por ter
sido manipulado no sentido de ignorar a insustentabilidade
do modelo de desenvolvimento capitalista e por gerar a
ilusão de que pode o capitalismo auto-conter-se para se
tornar sustentável - passa-se agora para o de
"solidariedade intergeracional" que leva ainda mais longe a
instrumentalização da linguagem e dos conceitos pela
classe dominante.
Ou seja, se com o termo "desenvolvimento sustentável" se
branqueava a impossibilidade de ser sustentável o
capitalismo, com o termo "solidariedade intergeracional"
extingue-se mesmo o conceito de "desenvolvimento" e
permanece apenas o de "sustentabilidade".
No essencial, "solidariedade intergeracional" é uma
distorção do conceito fundamental capitalista de
"exploração", atribuindo às actuais gerações o dever de
contenção em benefício das futuras. Assim, eliminado o
objectivo de desenvolvimento, ficando o de
sustentabilidade, podemos mesmo aceitar que a
"solidariedade intergeracional" signifique regressão
civilizacional, como se vem aliás verificando. A contenção é
obviamente o efeito da exploração. Assim, diz-se aos
actuais trabalhadores que têm de aceitar a exploração
crescente para não comprometer as gerações futuras. Uma
espécie de paraíso futuro na terra à custa do suplício dos
actuais trabalhadores.
Claro está que, tal como vem sucedendo até aqui, a
exploração capitalista é crescente. O que significa que,
quanto maior for neste momento, maior será nas gerações
futuras.
Capitalismo para totós XXII - Comentador político
Comentador político - indivíduo formado em qualquer área
do saber que esteja disponível para deixar pensar ou para
ecoar a mensagem política dos grandes interesses. Na
prática, um porta-voz das mensagens do grande patronato
que usa o tempo de antena de televisões, jornais e rádios,
para reproduzir à exaustão o pensamento da classe
dominante escondido sob uma capa de "imparcialidade", e
"cientificidade".
Um comentador político, seja economista, advogado ou
futebolista, é no fundamental, um papagaio. Não lhe cabe
decifrar os fenómenos, mas apenas criar as condições para
que os outros nunca os venham a entender. Curiosamente,
pese o seu "apartidarismo", todos têm o mesmo discurso.
Todos explicam tudo da mesma maneira, todos partem dos
mesmos dogmas, cristalizam em torno das mesmas ideias.
E todos, ou quase todos, são afinal de contas, não
comentadores ou analistas, mas sim agentes partidários do
capitalismo.
Capitalismo para totós XXIII - Politólogo
politólogo - é o estudioso em "ciência política", de acordo
com o léxico moderno do capitalismo. Em boa verdade, a
própria ideia de que é possível leccionar ou formar um
curso superior asséptico em torno da "ciência política",
mereceria um amplo debate.
Porém, como nós tótós não pretendemos ir muito além do
elementar, vamos ficar-nos pela desencriptação do termo
"politólogo". Ora, o termo "politologia" deriva da
justaposição de "logia" - estudo a "política", assim
conduzindo a um termo composto que designa o "estudo
da política", ou deveria designar. Mas vejamos o papel dos
politólogos de hoje em dia, desses que se pavoneiam pelas
tvs para, com a chancela de "estudioso", transmitir ao fim e
ao cabo, exactamente a mesma mensagem que nos
passam os partidos e os grupos capitalistas.
Ou seja, confundir Ciência Política com doutrina capitalista
e ideologia burguesa é um exercício de ilusão de massas.
Na prática, o resultado é claro: transmite-se a mensagem
da burguesia como se de um "ciência" se tratasse. Como se
tudo que não se circunscrevesse a essa ideologia fosse
efabulação ou sonho, delírio colectivo de quem teima em
não aceitar os avanços da "ciência". A "ciência política",
agora convertida em "politologia" é afinal de contas o novo
termo para "ideologia capitalista".
Como tal, o politólogo não é mais do que o "ideólogo do
regime", sendo que a maior parte dos titulares de tão
pomposo título não passam de câmaras de ressonância dos
"ideológos do regime", tal a subserviência que mostram à
fonte jorrante da doutrina da exploração.
Capitalismo para Totós - XXIV - Estado Novo
"Estado Novo" - Nome que o Fascismo em Portugal
adoptou para si próprio (e no Brasil, igualmente). "Estado
Novo" é o termo utilizado agora pelos branqueadores da
história portuguesa, por aqueles que querem esconder a
realidade do passado, da luta anti-fascista, da repressão
fascista, das torturas, prisões, mortes e assassinatos.
Hoje, utilizar o termo "Estado Novo" tem um e só
objectivo: fazer esquecer o fascismo que pisou o povo
português durante 48 anos.
Capitalismo para Totós XXV - "da transmissão de conhecimento à aquisição de competências"
"alteração do paradigma de ensino baseado na transmissão
de conhecimento para a aquisição de competências" é um
chavão comum, parte integrante das frases que - sem nos
darmos conta - passam a integrar o quotidiano da
mensagem política sem que sequer as questionemos.
Porém, uma reflexão, ainda que curta, sobre o chavão,
rapidamente descobre o pendor de classe que o enforma.
Reparemos: "um paradigma de ensino baseado na
aquisição de competências" por oposição a um suposto
"paradigma de ensino centrado na transmissão de
conhecimento"; que significa?
Significa que esta afirmação aparentemente inócua
começa por criar a ilusão de que existe uma inevitável
clivagem entre o saber académico e o saber aplicado,
clivagem que é em si mesma questionável.
Se é certo que o sistema capitalista entende o processo de
ensino/aprendizagem apenas como uma ferramenta para a
reprodução e intensificação das relações sociais de
exploração do Trabalho e que, como tal, o conhecimento e
a sua aplicação são coisas distintas, o mesmo não se pode
dizer que seja aplicável a todas as formas de organização
social.
Aceitar este chavão é aceitar, ainda que
inconscientemente, que o Saber e a sua aplicação não
podem conviver. Que a uns cabe o Conhecimento, aos
restantes a competência. Ou seja, a uns cabe determinar as
regras e aos outros apenas saber cumpri-las.
Do ponto de vista da superação do Capitalismo, saber e
competência são indissociáveis na medida em que a
Humanidade só tem a perder com a limitação do
conhecimento e com a compartimentação e segmentação
do conhecimento. Aliás, a segmentação e
compartimentação do processo produtivo deve ser
acompanhada de uma cada vez maior abrangência do
Saber e de uma elevação transversal da consciência
humana. Com isso, todas as forças produtivas evoluem
muito mais rapidamente.
Com o contrário, a segmentação, a estagnação social e a
manutenção das relações de exploração tende a agudizar-
se ou pelo menos persistir.
Capitalismo para totós XXVI - Natureza Humana
Geralmente, para rebater o mais antigo sonho da
Humanidade - o da Paz, desenvolvimento. fraternidade e
igualdade - o sistema capitalista usa aquilo a que chama de
"natureza humana". Dizem-nos reiteradamente que os
seres humanos são maus por natureza, egoístas e
gananciosos por natureza, que a igualdade e fraternidade
são utopias.
Porém, "natureza humana" não é o termo correcto para
designar este conteúdo que a classe dominante lhe quer
atribuir. Ou seja, "natureza humana" na boca da burguesia
significa "natureza de classe". O Ser Humano comporta um
conjunto variadíssimo de características próprias, das que
se destaca um avançado grau de inteligência em relação
aos restantes animais. Isso significa que a nossa Natureza
Humana tem como fio condutor a reacção ao meio e a
intervenção no meio através da inteligência. Um sistema
que destaque as nossas mais negras propriedades - a
ganância, o egoísmo, individualismo, agressividade,
mesquinhez - através de estímulos, certamente lhes dará
uma dimensão importante no comportamento humano.
Mas não é isso que define a natureza da Humanidade.
Da mesma forma, um sistema que faça elevar as mais
dignas características do Ser Humano - a Solidariedade,
Inteligência, Cooperatividade, Dedicação, Altruísmo,
Genuinidade, Humildade - ou seja, que construa uma
sociedade que estimule os seus membros nesse sentido,
construirá certamente um novo padrão de "natureza
humana".
Capitalismo para totós XXVII - "menos estado" (menos estado, mais mercado)
Habitualmente, associa-se "menos estado" a "melhor
estado", originando um dos mais ilustrativos chavões do
capitalismo contemporâneo. "Menos Estado, melhor
Estado" é um lema absolutamente disparatado do ponto
de vista da lógica, mas profundamente perigoso do ponto
de vista político. É óbvio que nenhuma norma sociológica
ou lei cósmica estabelece uma proporcionalidade inversa
entre a dimensão do Estado e a sua qualidade. Ou seja,
filosoficamente é tão correcto afirmar "menos estado,
melhor estado" como "mais estado, melhor estado".
É verdade que a quantidade influencia a qualidade e vice-
versa e que os factores quantitativos determinam em
grande medida os qualitativos. Porém, se a quantidade é
um factor mensurável e minimamente objectivo, o mesmo
não se pode dizer da qualidade. Neste contexto, a
qualidade é um factor integralmente subjectivo, na medida
em que o que é considerado de "boa qualidade" para um
grande patrão é exactamente o que existe de mais "má
qualidade" para um trabalhador mal pago.
Acresce que o chavão se associa a uma mentira. Na
verdade, "menos estado, melhor estado" não significa nem
"menos estado", nem "melhor estado" taxativa e
transversalmente. Por exemplo, é verdade que defendem
"menos estado" nas escolas, na segurança social, na saúde,
na inspecção do trabalho, na segurança pública, mas
defendem "mais estado" no apoio aos banqueiros
corruptos, nas forças repressivas, no aparelho burocrático
e clientelar.
Na verdade, o chavão não só não se afirma como uma
dedução lógica sem o ser, como é contraditório com o
próprio comportamento do Estado capitalista. O que se
pretende com a propaganda anti-estado é no essencial
retirar ao Estado todo o seu papel de defesa do colectivo
que o compõe (o Povo) e atribuir-lhe única e
exclusivamente o papel de defesa dos interesses
económicos que o instrumentalizam. O "melhor estado"
para o patrão é aquele que usa as forças policiais para
prender trabalhadores em protesto, como no fascismo
sucedia e hoje torna a suceder. O "melhor estado" para o
trabalhador é aquele que coloca as forças policiais ao
serviço da segurança do povo.
O "menor estado" para o patrão é aquele que não se
intromete na exploração dos trabalhadores e que até a
estimula, aquele que não inspecciona as condições de
trabalho, aquele que não lhe cobra impostos para pagar as
pensões de forma solidária, que não lhe cobra impostos
para um serviço nacional de saúde para todos, que não lhe
cobra impostos para assegurar uma rede escolar e um
sistema de ensino, pois ele tem dinheiro para pagar tudo
isso no privado. Mas é simultaneamente aquele estado que
está lá para aguentar a sua empresa quando vai à falência e
para lhe dar fundos para investimento.
O "menor estado" para o trabalhador é aquele que lhe
cobra os impostos de que não pode fugir, mas que não são
suficientes para suportar os custos da escola do seu filho,
do lar dos seus pais, do centro de saúde do seu bairro, a
sua pensão de reforma (porque só os pobres os pagam e os
ricos não). O "menor estado" para o trabalhador é aquele
que vira a cara aos atropelos aos seus direitos e liberdades,
aquele que não interfere em nada. É o Estado peso-pluma.
"Menos Estado", não devia ser seguido de "melhor
estado", mas sim de "mais capital" ou "mais mercado", é
essa a verdadeira intenção dos que criaram e usam o
termo.
Capitalismo para Totós XXVIII - Racionalidade
Racionalidade é o substantivo agora utilizado para
substituir "diminuição". A "racionalização dos recursos
humanos" deve ler-se portanto "o despedimento de
trabalhadores". A "racionalização de meios" deve ler-se
"corte no financiamento". A "racionalização da rede
escolar" deve ler-se como "encerramento de escolas". A
"racionalização da rede de transportes" deve ler-se "corte,
diminuição, extinção e encurtamento de carreiras".
Ou seja, a "racionalidade" na linguagem dominante não
significa o que aparenta. Até porque o termo não é neutro
politicamente. Vejamos: "racionalidade" alude à qualidade
do que é racional. E o que é "racional"? É "racional" o que
resulta do raciocínio.
Como tal, tendo em conta o raciocínio da classe
dominante, "racionalizar" ou aplicar "racionalidade" é de
facto, aplicar a "razão de classe". E que "razão", que
"raciocínio de classe" é esse? É simples: organizar a
sociedade em função do lucro e dos interesses de classe,
subordinar toda as opções políticas à lei da mais-valia e da
acumulação.
Assim, não mentem os fantoches do Capital quando falam
de "racionalidade" porque é verdade que aplicam a sua
"razão". Não é menos verdade que o termo "racionalidade"
aparenta revestir-se de uma neutralidade ideológica, de
alusão à técnica em vez da política, cobre-se de uma
"razoabilidade por ordem divina" que ilude o seu real
significado.
Com "racionalidade" a substituir "corte", "diminuição",
"encerramento", passa-se de uma linguagem que gera
reacção nas massas para uma que as tranquiliza e quase as
faz ansiar o "corte", a "diminuição", o "encerramento".
Capitalismo para Totós XXIX- Voluntariado
Voluntariado é um conceito associado a uma nobre
característica dos seres humanos, geralmente altruísta. O
sistema capitalista, porém, vem desenvolvendo uma nova
ideia de "voluntariado", utilizado especialmente para
disponibilizar trabalho gratuito para os grandes patrões.
Veja-se o caso do "Rock in Rio", um dos maiores eventos
publicitários do país, que angaria milhões de euros à custa
de jovens "voluntários".
O "voluntariado", como chamam a esta nova escravatura,
tem um valor reforçado no currículo, não porque
demonstra a dedicação da pessoa, mas porque ilustra a sua
ingenuidade e a sua disposição para trabalhar sem
remuneração.
Que melhores características pode ter um "colaborador"
numa empresa capitalista? Na mesma linha de distorção do
conceito, surgem as utilizações oportunistas do genuíno e
benévolo voluntariado, através particularmente das
chamadas ONG's que acabam por ser a face visível de
autênticas empresas e interesses político-económicos. Isso,
por si só, representa um aproveitamento da
disponibilidade de muitos jovens, homens e mulheres, que
não compreendem que o melhor e maior contributo que
podem dar para acabar com os problemas é tomar o
poder, usá-lo para resolver os problemas e não reunir
umas esmolas para os esconder.
Mas mais grave é a campanha de branqueamento feita em
torno do real voluntariado, do desprovido de interesses
próprios, do abnegado contributo para a utilização do
Poder (ainda que local) que milhares e milhares de
cidadãos realizam nas colectividades, no associativismos
cultural e desportivo, nos movimentos e partidos políticos
revolucionários. Com esta manipulação do conceito, todo o
voluntariado pelo bem comunitário é substituído pela
"caridade" e, quanto muito, pela escravatura inconsciente.
Capitalismo para Totós XXX - Sindicalismo responsável / Sindicalismo moderno
À semelhança do que sucede com o conceito de
"esquerda", também o de sindicalismo foi afectado desde
cedo nos países europeus por essa maleita da
"modernidade" e da "responsabilidade".
No essencial, o "sindicalismo responsável" é todo o
"sindicalismo" que aceita as regras do patrão. Quanto mais
regras do patrão aceitar, mais resposnável e mais moderno
é. Este "Sindicalismo moderno" surge por oposição a um
outro sindicalismo, o de classe, o que não abdica da
condição de estrutura representativa dos interesses dos
trabalhadores e que não coloca de parte a luta para a
conretização dos objectivos. Afinal de contas, o tal
"sindicalismo responsável" é apenas a camuflagem para a
"intervenção dos patrões nas organizações dos
trabalhadores".
Pena é que não exista possibilidade de os trabalhadores
também terem agentes infiltrados nos conselhos de
administração, nas direcções de empresas e nos governos
da república. É que nesta batalha desigual, a espionagem, a
dissimulação e o engano só estão ao alcance de um dos
lados. Mas isso não faz mossa, porque mesmo que
pudessem, os trabalhadores não usariam esses
expedientes.
Capitalismo para Totós XXXI - dinheiro público vs dinheiro privado
Todo o dinheiro é uma medida da riqueza gerada pelo
Trabalho. A ideia de que existe um dinheiro público sobre o
qual todo o cuidado deve ser tido e um outro sobre o qual
ninguém pode sequer questionar o destino, a origem e os
usos, serve o capital privado no plano ideológico.
Na verdade, o dinheiro colocado nos circuitos privados tem
a mesma origem que o restante: o Trabalho, sendo que é
apropriado por uma entidade que não obedece a
interesses colectivos, mas apenas a interesses privados. Ou
seja, é dinheiro roubado ao colectivo e colocado ao serviço
de um grupo restrito. Para simplificar, daqui excluamos a
componente de dinheiro "privado" que resulta
directamente da retribuição do trabalho, ou seja, os
salários.
Entendendo-se assim por "dinheiros privados" os
dividendos e lucros e por "dinheiros públicos" as receitas
do estado. A utilização dos "dinheiros privados" tem sido,
portanto ilibada de qualquer limitação, tal como quem os
usa tem sido alijado de qualquer responsabilidade. Os
"dinheiros privados", afinal de contas, são apenas a parte
apropriada dos recursos públicos.
Capitalismo para Totós XXXII - externalização
Os termos que o capitalismo inventa servem no essencial
para manipular o entendimento que as pessoas têm dos
impactos das suas políticas e características. As
privatizações geraram, em todos os casos, desastrosas
perdas para o Estado e para as pessoas em geral. Sem
excepções, as privatizações destruíram emprego,
diminuíram a receita pública, aumentaram os preços e
baixaram a qualidade dos serviços e bens afectados. A
"externalização" é um termo muito utilizado pelos Governo
para iludir verdadeiras privatizações.
A "externalização" de um serviço, como por exemplo, as
"actividades de enriquecimento curricular" ou as cantinas
escolares, a realização de planos de ordenamento públicos
por empresas privadas de projecto, ou a generalidade dos
serviços de segurança e vigilância em organismos públicos
(meros exemplos entre milhares de outros), revelam bem
que a "externalização", mais do que do serviço é do capital.
Ou seja, "internaliza-se" o custo, "externaliza-se" o
benefício.
Capitalismo para Totós XXXIII - Precariado
"precariado" é o novo termo utilizado pelas forças da
burguesia (da dita esquerda) para dividir os trabalhadores.
Todos os trabalhadores sem propriedade produtiva e sem
rendas constituem aquilo a que Marx chamou
"proletariado". O sistema capitalista e a classe dominante
não intervêm na luta de classes apenas do lado da direita.
Bem pelo contrário, a sua presença na chamada "esquerda
parlamentar" é também um poderoso instrumento político
de classe.
E é dessas esferas que surgem inúmeras campanhas de
divisão dos trabalhadores, entre as quais a terminológica.
Todo o proletário é precário, por definição. O proletário
depende, ao contrário do escravo, da venda da sua força
de trabalho e da procura dessa venda. Essa procura é
sempre flutuante e, como tal, toda a venda de trabalho é
precária. Ou seja, a criação da barreira fictícia entre
"proletário" e "precário" faz crer que existem diferentes
interesses entre uns e outros e que uns e outros não
partilham a condição social. É certo que no mundo do
trabalho, existem vários graus de precariedade.
No entanto, isso não estratifica os trabalhadores entre
privilegiados e prejudicados. Isso apenas demonstra que a
precariedade laboral é uma característica intrínseca do
Trabalho e que só com o reforço dos direitos do
proletariado se combaterá essa crescente tendência que
caminha para abranger todos os trabalhadores.
Capitalismo para Totós XXXIV - Lucro
O lucro, banalizado por séculos e séculos de exploração e
opressão, e particularmente sacralizado durante o advento
e a consolidação do Capitalismo, é essencialmente o
resultado de uma apropriação, legitimada pela lei que é,
por sua vez, escrita e decretada pelos representantes de
quem se apropria.
Todo o lucro representa uma apropriação dos frutos do
trabalho alheio, e nenhum lucro é legítimo moralmente,
apesar de o ser legalmente.
O lucro é obtido através da apropriação das mais-valias do
Trabalho, descontados os custos fixos. Ou seja, se eu
produzir 1000 euros por mês em peças e o patrão me
pagar 10 euros por mês, isso significa que a mais-valia é de
990 euros, donde descontará as rendas e custos com
matéria-prima.
A obtenção de um lucro é justificada pela existência de um
"risco" subjacente a um investimento. Ora, além de termos
já denunciado o conceito de "risco" em "O capitalismo para
tótós XII", mesmo admitindo a concretização plena do
falhanço do investimento, o "investidor"-patrão tem
apenas a perder uma certa riqueza que já amassou através
de uma apropriação no passado (lucros anteriores) ou, na
pior das hipóteses, tem a perder apenas a sua condição de
patrão e a ver-se forçado a integrar-se em igualdade
perante todos os restantes seres humanos, como
trabalhador.
O lucro, justificado pelo risco e pelo investimento, deixa de
ter justificação quando se percebe que afinal de contas
nem um nem outro são reais. O "risco", quando existe, é
sempre inferior aos riscos que corre um trabalhador. O
"investimento" não é mais do que afinal a utilização de
"lucros" obtidos por roubo e apropriação e, como tal, é
dinheiro de quem trabalha nas mãos de quem não quer
trabalhar.
Capitalismo para Totós XXXV - Responsabilidade social da empresa
Na terminologia do sistema, surge um conceito tratado por
"responsabilidade social da empresa". Na verdade, a
empresa, enquanto organização social é neutra
ideologicamente, mas enquanto organização social inserida
num contexto político, deixa de ser neutra. Ou seja,
inserindo a empresa no cenário político e social em que ela
funciona enquanto organização, o seu papel assume um
determinado pendor.
A empresa, no contexto socialista, tem como objectivo
fundamental a organização do trabalho para garantir a
produção dos bens e serviços necessários ao
funcionamento da sociedade, ao desenvolvimento e ao
progresso, garantindo o bem-estar de todos os que nela
trabalham, dela dependem, ou dos seus bens e serviços
façam uso. A empresa em contexto socialista - privada,
pública ou cooperativa - é uma organização social ao
serviço da sociedade, cujas operações e funcionamento se
subordina ao interesse do Estado ou do colectivo.
A empresa, no contexto capitalista, tem como objectivo
primeiro e último a obtenção de lucro e o enriquecimento
dos seus proprietários. A empresa no contexto capitalista
cristalizou na sua mais reles forma: a de uma propriedade
que contém uma organização social. Ou seja, não é uma
organização social em si mesma, mas é antes disso, uma
propriedade privada ao serviço de quem a detém, fazendo
uso de uma organização social para garantir esses
desígnios.
Ao contrário do que sucede no socialismo, a empresa no
capitalismo, não está ao serviço da sociedade e do
interesse do Estado/colectivo. Antes coloca ao
Estado/colectivo a obrigação de se colocar ao serviço da
empresa para garantir a acumulação de lucro. É uma
subversão do princípio da utilidade social da organização.
Mas adiante, vejamos então o que significa
"responsabilidade social da empresa".
Consistirá essa responsabilidade em assegurar o
cumprimento dos direitos dos trabalhadores? Consistirá
em garantir o vínculo e a estabilidade laboral dos
trabalhadores, assim contribuindo para vidas pessoais e
familiares plenas e felizes? Consistirá em pagar os impostos
sobre o lucro, sobre a exploração? Consistirá em planificar
a exploração dos recursos de forma ambiental e
economicamente sustentável?
Geralmente não. Claro que as pequenas e médias
empresas, excluídas ainda da integração em monopólios
não conseguem contornar todas essas regras como as
grandes empresas e o capital financeiro, mas no essencial,
assim se resumirá a sua vontade, tanto das grandes como
das pequenas.
Geralmente a tal "responsabilidade social" não passa de
uma estratégia de marketing e publicidade para melhor
vender o produto e mais lucrar. Ou seja, a
"responsabilidade social" é na realidade um eufemismo
para "publicidade ambiental" ou "publicidade social",
fazendo uso de preocupações genuínas e legítimas das
pessoas para melhor vender e para mais lucro acumular.
A "responsabilidade social" não é um encargo para a
empresa capitalista, é um investimento em publicidade,
afecto às actividades que o capital detentor entenda e nos
moldes e quantidades que entenda. Ou seja, a
"responsabilidade social" é voluntária e não representa
deveres, mas única e exclusivamente vontades de
maquilhar a exploração e o impacto social da exploração.
Nenhuma empresa capitalista assume um custo com essa
"responsabilidade social", caso isso não represente
potencial retorno financeiro, aliás esta "responsabilidade"
é na maior parte das vezes utilizada para branquear o
incumprimento das reais responsabilidades de uma
organização social.
Capitalismo para Totós XXXVI - Liberdade de Escolha: Educação
A utilização da palavra "liberdade" associada à propaganda
capitalista tem um pendor ideológico marcado, mas não
deixa de gerar propositadamente ilusões entre aqueles que
não distinguem a diferença entre o "livre" de "mercado
liberalizado" e o "livre" de "acesso livre ao conhecimento"
por exemplo.
No mundo da Educação, uma forte campanha em torno da
chamada "liberdade de escolha" vem sendo montada
engenhosamente pelos proprietários das escolas privadas e
com o forte contributo da direita. Por todo o mundo,
coloca-se a questão da "liberdade de escolha em
educação", sempre fruto dos esforços - não do povo - mas
dos proprietários do mercado capitalista da educação. A
"liberdade de escolha em Educação", segundo os
interessados, consiste na adopção pelo Estado de um
mecanismo que financie a Escola Privada tal como a Escola
Pública e assim assegure a "liberdade" de escolha. Numa
primeira abordagem, pensaremos todos: "realmente faz
sentido, se o Estado tem de me assegurar o direito à
Educação, por que não garantir-me esse direito na Escola
que eu quero para os meus filhos?"
Várias questões se levantam e a primeira é a da equidade:
Se todos os pais pudessem escolher a escola dos seus
filhos, como seriam escolhidos os alunos das escolas mais
concorridas? Para onde iriam os restantes? Estarão os pais
a escolher as escolas ou afinal as escolas a escolher os pais
e os alunos?
Assim, a atribuição de um financiamento à família - através
do chamado cheque-ensino - ou de um financiamento à
escola privada, não elimina a triagem feita por cada escola,
na medida em que será de esperar concentração da
procura nas escolas com mais qualidade de ensino. Aqueles
que, mesmo portadores de cheque-ensino, não encontrem
lugar na escola da elite serão relegados para outra, e assim
sucessivamente até à escola degradada e de má qualidade.
Dizem-nos que a liberdade de escolha com base no
cheque-ensino é a única forma de garantir que os filhos
dos pobres consigam aceder aos melhores colégios
privados. Ou seja, que só o financiamento do Estado ao
ensino privado poderia criar essas condições. Obviamente
que o financiamento público do ensino privado não
garantiria em momento algum, o acesso dos mais pobres
ao ensino de luxo, como já vimos antes.
Na prática, estamos perante um embuste para que os
impostos dos portugueses sejam desviados para financiar
as escolas dos ricos, pois vejamos: os impostos hoje já
financiam a escola pública e, através do cheque-ensino,
continuariam a financiar na mesma medida ou até menos;
assim a atribuição do cheque-ensino e a abertura da
suposta "liberdade de escolha" representaria na prática o
desvio massivo de dinheiro proveniente dos impostos para
os colégios onde os ricos entendessem estudar aos quais,
como os próprios colégios se encarregariam de tratar,
apenas os ricos teriam acesso.
Claro que muitas outras questões se levantam,
nomeadamente em torno da elitização do ensino, da
massificação de resposta privada de má qualidade, de
degradação da qualidade da escola pública por ainda maior
diminuição do seu financiamento, etc., mas destacaremos
apenas uma mais: a da natureza política do ensino privado
versus a natureza política do ensino laico.
A sobrevivência da democracia depende do acesso ao
conhecimento e às ferramentas interpretativas do mundo
que nos rodeia. Como tal, a escola representa um pilar
fundamental da concretização dessa democracia, pois só
em igualdade de circunstâncias existe democracia. A
concentração do saber numa elite e a generalização da
ignorância nas restantes camadas das massas gera uma
iniquidade matricial que impede objectivamente o
aprofundamento da democracia. Como tal, a democracia
está condicionada pela existência de uma escola da
república, uma escola laica e liberta de qualquer interesse
que não o do colectivo e do Estado. O financiamento com
frutos dos impostos de escolas que podem servir interesses
alhieos aos do povo e do estado é um caminho suicidário
para a democracia.
Na verdade, os filhos dos ricos continuariam a frequentar
colégios de luxo, mas pagos por todos nós ao mesmo
tempo que a Escola Pública não tem recursos para cumprir
o seu papel constitucional. Além disso, a questão da
"liberdade de escolha em Educação" ilude uma questão
central: é papel do Estado permitir que todos estudem no
ensino privado - seja ele de luxo ou de miséria - ou é papel
do Estado assegurar que ninguém precisa de acorrer ao
privado por encontrar no público tudo o que precisa?
Capitalismo para Totós XXXVII - utilizador-pagador
O termo "utilizador-pagador" seduz os incautos e reveste-
de uma certa capa de justiça social, aludindo à ideia de
quem beneficia de um serviço deve ser quem o paga.
Contudo, rapidamente verificamos que o conceito vem
sendo aplicado cada vez mais, precisamente, aos bens e
serviços dos quais resultam benefícios colectivos e
pagamentos colectivos.
Ou seja, o conceito é justo se falarmos de jeans de marca,
de um carro de luxo, de um bem privado da escolha do seu
proprietário. Quem os quer usar, paga-os. Certo.
Mas vejamos ao que hoje se aplica: estradas, energia, água,
saúde, educação, áreas protegidas, transportes públicos,
infra-estruturas desportivas, etc.. Ou seja, a todo um
conjunto de bens e serviços públicos que são já pagos pelos
impostos e tributações ao Estado por todos os cidadãos e
de que todos usufruem mesmo que as não utilizem
directamente com igual intensidade.
Claro que no caso da água e da energia, a sua utilização
para fins de sobrevivência não pode ser confundida com a
utilização para outros fins, como a alimentação da bomba
da piscina ou o conteúdo da piscina que, sendo opções,
devem ser pagas.
Mas nos restantes casos, vejamos: estradas, pontes,
transportes públicos, saúde, educação, e outros serviços
públicos são elementos fundamentais da coesão e unidade
nacional e da preservação do interesse público. Será que o
único beneficiário da estrada é quem a percorre? Ou é
fundamental para o país a existência de uma rede viária?
Será que deve pagar propina quem estuda, estudando
apenas quem pode, ou deve estudar quem quer, pagando
colectivamente o ensino?
Da mesma forma, se a aplicação do princípio do "utilizador-
pagador" se vem afirmando com crescente força, por que
então não vemos diminuir o pagamento tributário dos bens
e serviços agora pagos em função da utilização? Ou seja, se
cada vez mais se paga a propina, a portagem, a tarifa da
água, os transportes públicos, a saúde, etc.. por que não
são diminuídos os custos que esses bens e serviços
significam nos impostos?
Capitalismo para Totós XXXVIII - Caridade
"Caridade" é o termo que designa o conjunto de acções,
motivadas ou não por convicção ou convenção religiosa,
que consistem na circulação de um bem entre pessoas sem
outro fim que não o de manter o desequilíbrio na fruição
da riqueza. Ou seja, o suposto desprendimento de um
certo bem não se verifica, na medida em que quem doa
determina pela doação a continuidade das relações sociais
existentes. O pior que poderia suceder para o capitalismo
seria os pobres e miseráveis tomarem por suas mãos o que
por direito podem ter.
Como tal, o capital e as classes dominantes, determinam
assim aquilo que tem direito o pobre. A caridade é o
inverso da solidariedade, pois ser solidário implica fazer
tudo para que a situação colectiva melhore
equitativamente. Ser caridoso implica fazer tudo para que
a situação e a relação social se mantenha.
Com a caridade, muitas classes não dominantes são
também envolvidas - principalmente por influência
religiosa ou ideológica - em mecanismos de caridade,
fazendo assim com que os miseráveis recebam alguns bens
ou alimentos de outras camadas igualmente pobres da
população. Ou seja, o capital e as classes dominantes, para
não abdicarem de um milímetro das suas regalias e
privilégios, chegam ao cúmulo de colocar os pobres a
abdicar de bens para satisfazer as necessidades básicas de
outros mais pobres. Com isso, a burguesia mantém as
relações de classe intocadas e, com sorte, descansa
algumas consciências manipuladas.
Capitalismo para Totós XXXIX - Paz Social
Paz social é o termo utilizado pela direita para mascarar o
conflito permanente entre os interesses de cada classe.
Convém sempre à classe dominante que a classe dominada
não decifre e não compreenda que sofre domínio. Na
prática, também a um ladrão é muito conveniente que a
vítima se julgue a ser amparada em vez de roubada.
A "paz social" não comporta qualquer dimensão de "paz",
pois é apenas o termo utilizado para encobrir uma guerra
sem trincheiras, sem fronteiras, uma guerra enraizada e
sulcada na matriz genética da organização social
capitalista. Uma guerra em que o agressor sabe que agride,
mas que atordoa de tal forma o agredido que este se pensa
protegido pelo seu próprio inimigo.
A "paz social" não é paz. Não é prosperidade, não é
felicidade, não é crescimento, não é progresso. A "paz
social" não é harmonia, não é amizade entre as pessoas,
entre os povos. A "paz social" não é ver as crianças no
jardim e passear nas férias. Não: a "paz social" deles é o
empobrecimento, a infelicidade, o desemprego, o
retrocesso social e civilizacional. A "paz social" deles é
guerra, é roubo, é enriquecimento assimétrico, corrupção.
É não ter como deixar as crianças ir ao jardim porque
entretanto o crime, a prostituição, a toxicodependência
alastram brutalmente. É ficar no desemprego à procura de
biscates porque não há trabalho. É não ir de férias porque
não há dinheiro.
Enquanto tudo isso, a "paz social" deles é também
opulência, lucros, iates, charutos, ferraris, lamborghinis,
jaguares, submarinos, contas em off-shores, banquetes,
sapatos mais caros que a nossa casa, desperdício, luxo.
A "paz social" é tudo isso, desde que tu não protestes. No
dia em que protestas, abres a "guerra" e és um vândalo
criminoso.
A "paz social" é o termo que o capitalismo encontra para
lançar o anátema sobre todos os que lutam, todos os que
protestam. Mussolini fê-lo primeiro, os de hoje seguem-
lhe, fiéis, os passos.
Capitalismo para Totós XL - Eleições
As eleições como base do sistema democrático burguês
representam a operação de ilusionismo mais bem montada
pela classe dominante, criando uma percepção distorcida
sobre o desempenho do poder e sobre as relações sociais.
As eleições burguesas não resultam do conhecimento que
os candidatos têm da realidade concreta e das
preocupações populares e não dependem do
conhecimento concreto que os eleitores detêm sobre os
programas eleitorais e políticos de cada força eleitoral.
Antes pelo contrário, o sucesso das eleições, para o
capitalismo, dependem precisamente do inverso - do
desconhecimento generalizado sobre as propostas de cada
partido e sobre os compromissos de classe de cada força.
No essencial, as eleições são a máscara democrática de
uma ditadura económica de classe que mantém intocadas
as relações sociais, eleições após eleições, criando
inclusivamente sistemas em que todos os partidos e forças
eleitorais representam os mesmos interesses, apesar das
siglas ou designações que adoptam, eliminando na prática
a liberdade de escolha teórica.
Num sistema burguês, as eleições são o alfa e o ómega da
democracia, enquanto os seus resultados foram favoráveis
à classe dominante. Quando deixam de ser, e casos os há e
houve, então o sistema eleitoral rapidamente se converte
numa insuficiência e numa falha dos sistemas e
rapidamente se resolve repor a ordem democrática das
formas possíveis, seja pela bomba, seja pela finança.
Portanto, no essencial, as eleições não são um mal em si
mesmas, mas a forma como decorrem ilustra bem a
fragilidade da democracia formal burguesa e desmontam
bem o próprio conceito de democracia. A democracia será
plena quando à escolha dos protagonistas corresponder
uma consciente escolha de políticas e apenas e só, quando
os escolhidos forem acompanhados no desempenho do
poder por todos os que nele queiram participar, elevando
o exercício do poder a popular, democratizado na escolha e
na política, democratizado na teoria e na prática.
Enquanto as eleições forem uma festa mediática, uma
novela irracional, uma disputa de bandeirinhas e slogans,
um desfile de vaidades e mentiras, o povo limita-se a
escolher quem o engana melhor. Isso pode ser uma
eleição, mas não é uma democracia consciente.