capitalismo civilizacion y poder

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    hegamos nalmente, neste 21 sculo da era crist, a uma etapa histricaem que todos os povos da Terra, em maior ou menor grau, participam damesma civilizao: a capitalista. No entanto, poucos, no mundo todo,

    do-se conta desse enmeno nico em toda a Histria.Qual a razo dessa inconscincia coletiva? H duas razes principais, a

    meu ver.

    A primeira delas que o curso dessa evoluo histrica s veio a se com-pletar recentemente. At a segunda metade do sculo XX, o capitalismo aindano havia alcanado todos os conns do orbe terrestre. Algumas regies perma-neciam, at ento, isoladas do resto do mundo, envoltas no espesso manto de

    velhas tradies.A segunda razo, pela qual uma boa parte da humanidade ainda no to-

    mou conscincia desse ato histrico sem precedentes, que, ora do crculointelectual marxista, o capitalismo sempre oi apresentado, pura e simplesmente,

    como um sistema econmico; e boa parte dos economistas o analisava, e con-tinua a analis-lo, na esteira dos siocratas ranceses que infuenciaram AdamSmith, como o nico sistema natural da vida econmica.

    Creio chegado o momento de se compreender o enmeno, ou seja, dese tomar o capitalismo em toda a sua riqueza de sentidos (cum prehendere); valedizer, antes de mais nada, como uma autntica civilizao, usando esse conceitoem sentido eticamente neutro. Para tanto, preeri chamar a ateno do leitorpara a poca de surgimento dessa orma de vida geral dos povos.

    Mas, alm disso, pareceu-me tambm importante, dentre os vrios traos

    denidores dessa civilizao, ressaltar aquele que representou, indubitavelmen-te, o de maior relevncia no processo de transormao global da vida em nossoplaneta: o poder capitalista.

    Civilizaes: a herana indo-europeia

    Deve-se entender por civilizaoa reunio de vrios povos, que alam ln-guas da mesma amlia, partilham da mesma mentalidade coletiva, submetem-ses mesmas instituies de organizao social e dispem do mesmo saber tecno-lgico.

    Desse conjunto de elementos ormadores de uma civilizao, convm des-tacar a mentalidade coletiva e as instituies de organizao social.

    Cpilim:ciiliz pr

    FbioKonderComparato

    C

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    As civilizaes, armou Fernand Braudel,1 so, antes de tudo, mentalida-des coletivas.

    A noo de mentalidadeoi elaborada pelos historiadores ranceses ligados revista Annales dHistoire Economique et Sociale, undada em 1929.2 A ideiacentral dessa escola de pensamento historiogrco a de que, contrariamente tese marxista, as ideias e os valores predominantes em uma sociedade no somero produto de suas condies econmicas, mas mantm uma certa autono-mia em relao a essas e, muitas vezes, as transormam.

    A rigor, no existe uma dierena undamental entre o conceito de consci-ncia coletiva ou comum de Emile Durkheim e a noo de mentalidade, desen-

    volvida pelos citados historiadores ranceses.Em sua tese de doutorado, deendida na Faculdade de Letras de Bordeaux

    em 1893, e intitulada De la division du travail social, Durkheim sustentou queo conjunto das crenas e sentimentos comuns mdia dos membros de uma

    sociedade orma um sistema determinado, que tem vida prpria, e que pode serchamado conscincia coletiva ou comum.3 Sem dvida, ela no tem como substra-to um rgo nico, sendo por denio diusa em toda a extenso da sociedade.Mas apresenta caracteres especcos que a tornam uma realidade pereitamentedistinta, notadamente das conscincias individuais: tanto mais distinta, quantomais ortemente o indivduo se ope s crenas, opinies e valores dominantesna sociedade, e sente-se, com isso, constantemente acossado em seu isolamento.

    Alm disso, a durao da conscincia coletiva sempre maior do que a das vidasindividuais. Os indivduos passam, mas a conscincia coletiva permanece viva e

    atuante, de gerao em gerao.O importante risar que esse conjunto de ideias, sentimentos, crenas e

    valores predominantes orma um sistema, que atua na mente de cada um de nscomo uma espcie de reator automtico, no julgamento de atos ou pessoas.Nesse sentido, uma realidade mental muitas vezes subconsciente e, quando re-conhecida pelo sujeito, no raro por ele ocultada, ou ento expressa de modoenganoso.

    Na verdade, as mentalidades individuais variam enormemente entre si, em

    razo do patrimnio gentico e da infuncia do meio social onde vivem os in-divduos. A infuncia da mentalidade coletiva nas mentes individuais tambmmuito variada, escalonando-se em mltiplos graus, desde a rejeio absoluta ata adeso completa.

    No campo da mentalidade coletiva, h sempre, em todas as sociedades,vrias espcies. Sem dvida e nisso os historiadores muito se destacaram exis-te sempre uma mentalidade geral, comum ao conjunto dos membros de umasociedade, em determinada poca.4 Mas no interior de uma grande sociedade,cada grupo mais ou menos extenso e importante dotado de uma mentalidade

    particular, claramente distinta da dos demais grupos. Assim, por exemplo, comosustentou Marx, h incontestavelmente no mundo moderno, plasmado pelo

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    sistema capitalista hegemnico, mentalidades de classe; assim como havia, nasociedade medieval, mentalidades prprias de cada ordem ou estamento. Htambm, necessariamente, mentalidades etrias, de gnero, de casta, de etnia;mentalidades urbanas e campestres; mentalidades regionais e nacionais; e assimpor diante.

    J as instituies de organizao social ormam-se em torno das relaesde poder, com base em sistemas normativos. Nas civilizaes do passado, tais sis-temas eram undamentalmente costumeiros e locais. Nas civilizaes modernas,eles so ormados, de modo predominante, por normas escritas. Alm disso, ombito de aplicao dessas normas ultrapassa hoje as ronteiras de cada Estado etende a estender-se a toda a humanidade.

    A estirpe civilizatria indo-europeia

    At propriamente a metade do sculo XX, distinguia-se uma linhagemlingustica indo-europeia, abarcando os idiomas de quase toda a Europa, do

    planalto iraniano e da sia do Sul. Poucos estudiosos, porm, sustentavam aexistncia de uma estirpe de civilizaes indo-europeias. Em seu clssicoA Studyo History, por exemplo, Arnold Toynbee nada diz a esse respeito.

    Foi somente a partir de meados do sculo passado que alguns eminentesestudiosos europeus, dentre os quais convm destacar Georges Dumzil,5 -xaram sua ateno sobre uma longa linhagem cultural, envolvendo no apenaslnguas, mas mitologias, rituais, ormas de organizao da sociedade, expressasou no em obras literrias; linhagem essa que remonta ao terceiro milnio antesde Cristo, poca em que uma horda de cavaleiros migrantes, oriundos prova-

    velmente do sul da Rssia atual, invadiu a maior parte do continente europeu eavanou at os conns da ndia.

    O conjunto desse enorme acervo cultural articula-se em torno de uma es-truturao da sociedade em trs grupos distintos: sacerdotes, aristocratas-guer-reiros e agricultores. Cada um desses grupos encarrega-se de uma uno deter-minada: os sacerdotes oram, conciliando as boas graas dos deuses; os guerreiroscombatem, deendendo a sociedade contra o inimigo externo; os agricultoresproduzem bens, assegurando a subsistncia sica de todos.

    Trata-se de uma organizao social hierarquizada, na qual os dois primei-ros grupos so os nicos a dispor de poder: os sacerdotes sobre as almas e os mi-litares sobre os corpos, enquanto o terceiro grupo permanece sempre sujeito aosdemais. Para carmos em um s exemplo histrico, em Roma, com a instaura-o da repblica e a distino (mas no separao) entre o direito religioso (as)e o direito leigo (ius), aos magistrados (no sentido antigo de altos uncionriospblicos) oi reconhecida apotestas, isto , o poder de coao sobre outrem. Ograu mximo dapotestasera o imperium, reservado aos comandantes militares.J aos sacerdotes e, segundo a tradio religiosa mantida durante a repblica,

    tambm ao senado reconheceu-se a auctoritas, isto , o prestgio moral, quedignicava o seu titular como merecedor de respeito e venerao.

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    Assinale-se que tanto a potestasquanto a auctoritaseram no direito ro-mano poderes-deveres e no simples aculdades ou direitos subjetivos. Ou seja,todos os agentes pblicos tinham, no regime republicano, o dever de atuar emprol do bem comum do povo (res publica), acarretando sua omisso no cumpri-mento desse dever graves sanes.

    Aos titulares da auctoritasincumbia, primacialmente, zelar pelo escrupu-loso respeito aos valores e costumes tradicionais (mores maiorum) da Urbs. Noperodo republicano, chegou-se a atribuir a magistrados especiais os censores o poder de julgar e sancionar os desvios de comportamento pessoal, em todasas categorias de cidados, tanto na vida privada quanto na pblica. O culpadorecebia uma nota de inmia, que o inabilitava ao exerccio das unes pblicase dos direitos polticos, especialmente o de voto. No edito que esses magistradospublicaram em 92 a.C., para anunciar como haveriam de exercer a uno cens-ria durante o tempo de seu mandato, o repdio s inovaes sociais oi expresso

    de modo peremptrio, com a conciso prpria do estilo romano: Renunciamosa ser homens que instituem um novo gnero de vida. [...] Essas novidades, quesurgem ao lado dos usos e costumes ancestrais, so inaceitveis e imorais.6

    A transio medieval para o mundo moderno

    A Alta Idade Mdia (sculos V a XI) oi, incontestavelmente, o perodoem que a tripartio social de origem indo-europeia atingiu o seu auge.

    Um documento do incio do sculo XI, Carmen ad Rodbertum regem,7atribudo a Adlbero, bispo ranco de Laon, explica com clareza as unes decada um desses trs grupos em que se repartia a sociedade: os clrigos, os aris-tocratas-militares e os camponeses. Trata-se de uma srie de conselhos dirigidosa Roberto, o Piedoso, rei dos rancos, e escritos retoricamente em orma depoema (carmen). Eis a passagem mais importante:

    a rm cliic cmp p m crp, m ci iir iii m r r. a pr j ci crp, li rchc r ci (cii): br r rgm pl mm li. o br grrir, prr igrj. dm p, im gr cm pq, lm prgrm i prpri. a r cl r. e r gr pi m rim. a ,rcm l pri ri, m qi hm lir pc lm.

    aim, pi, ci d, i cm , r rplic. u rzm,r lm r rblhm. a r r im j rrimm pr. o ri c m r rm pi ii- r. e c ql, pr z, pr pi mi. eq- li m igr, m pz. M, gr, li bilim pz prc. Mm cm hm m mbm ii ci.

    Na poca em que oi escrito esse texto, uma clara tendncia modicadora

    da tripartio estamental j se iniciara. Era contra essa mudana de costumesque se dirigia a lamentao de Adlbero, saudoso dos velhos tempos. A revolta

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    dos bares ingleses contra Joo Sem-Terra, em deesa das tradicionais prerro-gativas do clero e da nobreza, de onde se originou a Magna Cartade 1215,combatia da mesma orma a desordem denunciada por Adlbero.8

    Ora, justamente na mesma poca em que o bispo ranco exprimia as suaslamentaes, maniestavam-se na Pennsula Itlica os primeiros sinais distintivosda grande ciso histrica, que separou o mundo antigo do mundo moderno. L,com eeito, a partir do sculo XII, nasceu e prosperou rapidamente uma novaespcie de civilizao, radicalmente diversa de todas as que a precederam, tantosob o aspecto da mentalidade coletiva quanto da organizao das instituiessociais. Era o capitalismo.

    A mudana radical de mentalidade correspondeu ao surgimento, comomodelo global de vida, da busca do lucro mximo pelo exerccio prossional deuma atividade econmica. Foi aquilo que Max Weber denominou, em obra degrande repercusso, o esprito do capitalismo.9

    Em nenhuma civilizao do passado, jamais se considerou o acmulo debens materiais como nalidade ltima da vida. Especicamente de acordo coma tradio indo-europeia, a riqueza no se adquiria pelo trabalho, mas era umatributo vinculado normalmente ao estatuto da nobreza.

    A nova tica capitalista ops-se radicalmente a essa concepo. Como re-comendou o forentino Paolo di Messer Pace da Certaldo, vrios sculos antesde Benjamin Franklin (Advice to a Young Tradesman), citado e largamente co-mentado por Max Weber em sua mencionada obra, se tens dinheiro, no quesinativo; no o guardes estril contigo, pois vale mais agir, mesmo se no se tira

    lucro da ao, do que permanecer passivo sem lucro tampouco.10Escusa lembrar que a condio de senhor eudal undava-se, necessaria-

    mente, na posse legtima da terra, e essa era, em consequncia, um bem inalie-nvel. Foi somente com a decadncia do eudalismo que os burgueses abonadospuderam dar-se ares aristocrticos, comprando terras. De onde o velho provr-bio napolitano: chi ha danari compra eudi ed barone.

    Da mesma sorte, os lavradores da terra, membros do terceiro estamento,viviam, de gerao em gerao, vinculados gleba; de onde a sua designao

    consagrada de servos da gleba. A expresso exata, pois eles eram, de certa or-ma, submetidos antes terra do que ao senhor eudal.A posse legtima da terra era, portanto, em si mesma, um ttulo de nobre-

    za. At a Idade Moderna, prevaleceu incontestada a mxima res mobilis, res vilis:o vilo s era admitido a possuir coisas mveis. Alis, sempre se proibiu a certaspessoas, como os judeus, a posse de terras. De se notar, ademais, que o retornoao conceito romano da propriedade (dominium) como um direito absoluto ain-da no havia ocorrido, e todo o esoro dos legistas burgueses, poca, consistiuem restabelecer esse conceito, vital para o capitalismo.

    Dada, por conseguinte, a vinculao essencial da posse da terra com acondio estamental de nobreza, era evidente que o sistema jurdico medieval

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    jamais poderia admitir que a terra e os demais bens imveis ossem objeto deoperaes mercantis.

    interessante observar que, mesmo aps a Revoluo Francesa, que des-truiu o sistema jurdico eudal, a separao absoluta entre o comrcio e a ativi-dade imobiliria permaneceu em vigor na legislao napolenica. No Cdigode Comrcio rancs de 1807, que serviu de modelo a todas as legislaes co-merciais do Ocidente at o sculo XX, o art. 632 disps: La loi rpute acte decommercetout achat de denres et marchandises pour les revendre, soit en nature,soit aprs les avoir travailles.

    O comerciante , portanto, aquele que lida com mercadorias. Na lnguaptria, o verbo mercar(do latim mercor, -ari; de onde mercatura, isto , a pro-sso do comerciante, dito mercator) signica azer comrcio, comprar pararevender, mercadejar. O componente semntico indissocivel de mercadoriaede mercador justamente a realizao de lucros como objetivo da operao de

    compra para a revenda.Ora, o esprito material do capitalismo para usarmos novamente aexpresso consagrada de Max Weber consiste, como Karl Marx bem advertiu,em tudo transormar em mercadoria: bens, ocios pblicos, concesses admi-nistrativas e at pessoas, como os trabalhadores assalariados ou os consumidores.Deparamos, a, com uma radical desumanizao da vida. O capital, como valorsupremo, transormado em pessoa cta, dita entre ns pessoa jurdica, e emoutras legislaes pessoa moral. Os homens, ao contrrio, quando despidos daposse ou propriedade de bens materiais, so aviltados condio de mercadorias

    vivas, quando no excludos da sociedade capitalista como pesos mortos. Ouseja, a inverso completa do princpio tico kantiano: as pessoas passam a ter umpreo e perdem, desse modo, sua dignidade intrnseca.

    Desumanizar a vida signica excluir da biosera o seu centro de valor uni-versal: a pessoa humana. Cada um de ns um ser nico, insubstituvel e irre-produtvel. A descoberta do DNAveio demonstr-lo. Ora, o sistema de relacio-namento capitalista essencialmente impessoal. Vivemos, cada vez mais, em ummundo de organizaes articiais sem nome, nas quais desaparece inteiramentea gura humana. No , pois, por simples coincidncia histrica se uma das prin-cipais criaes do engenho mercantil capitalista a sociedade annima.

    Eis a razo de havermos, ao mesmo tempo, ingressado em um mundo emcrise de responsabilidade pessoal, como bem assinalou Hans Jonas, em celebra-do ensaio.11 Nas macroempresas capitalistas, ningum sabe, a rigor, quem ocontrolador, pois as participaes de capital, diretas ou cruzadas, constituem umemaranhado ou uma cadeia sem m. Foi preciso, pois, contrariando um dogma

    jurdico de muitos sculos, criar uma responsabilidade penal da pessoa jurdica;como ocorreu entre ns com a promulgao da Lei n.9.605, de 12 de evereiro

    de 1998, relativa a condutas e atividades lesivas ao meio ambiente.O nascimento do capitalismo na Idade Mdia europeia representou, por

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    conseguinte, sem nenhum exagero, a mais prounda cesura vericada em todoo processo histrico. Nas civilizaes do mundo antigo, como tive ocasio deassinalar, sempre se votou o maior desprezo pelos ocios mecnicos e a atividademercantil.12 que nenhum dos que se dedicavam a tais ocios ou ao comrciopertencia, de direito e de ato, a um dos trs estamentos tradicionais da multi-milenar cultura indo-europeia. Os homens de negcio no nasciam guerreirosnem agricultores, e a sua atividade prossional era considerada absolutamenteincompatvel com o statusreligioso.

    Independentemente disso, a vida urbana em geral e a atividade mercantilem especial soreram um verdadeiro colapso em toda a Europa no sculo VIII,quando a regio da bacia do Mediterrneo oi conquistada pelos rabes. A partirde ento, os povos europeus se concentraram sobre si mesmos, abandonandotodo contato com outras civilizaes. Subsistiram, em pontos isolados e semcomunicao regular entre si, cidades episcopais e castelos eudais, estes ltimos

    denominados burgos.13

    O renascimento do comrcio a partir de ns do sculoXII, consequente retomada da navegao martima no Mediterrneo e re-conquista das reas territoriais ocupadas pelos invasores sarracenos, provocouaprecivel crescimento demogrco e ez que surgissem novos centros urbanos,chamados burgos de ora (orisburgus).14 Os que nele se instalaram, notada-mente os comerciantes, passaram a ser chamados burgueses.

    Tinha incio, dessa maneira, a lenta desmontagem da estrutura ternriada sociedade, na longa linhagem da cultura indo-europeia. Em lugar das con-sagradas ordens ou estamentos, vinculados terra, surgiam nas novas cidades,

    doravante livres do poder eudal, grupos sociais no dotados de um estatutojurdico prprio e que possuam direitos e deveres ormalmente iguais. O que osdistinguia substancialmente entre si era, to s, o nvel de suas posses pessoais,notadamente a propriedade de bens de produo. Nascia, com isso, a modernasociedade de classes. Como salientam os historiadores, em Flandres j se regis-travam, no sculo XII, maniestaes de luta de classes no setor txtil.15

    Se considerarmos agora a mentalidade caracterstica da sociedade medieva,vericaremos uma mudana sensvel, da Alta (sculos VIII a XI) Baixa IdadeMdia (sculos XII a XV).

    No primeiro perodo, predominou um sentimento de permanente insegu-rana diante dos mltiplos perigos da vida terrena, insegurana essa estendida,como no poderia deixar de ser, perspectiva de uma sobrevivncia alm-tmu-lo.16 Da o prevalecimento de uma viso sobrenatural da vida humana, em que tradio do culto cristo mesclavam-se, intimamente, crenas e prticas de magia.

    Sem dvida, os costumes imemoriais continuavam a servir de ponto deamarrao, a m de evitar o naurgio individual e coletivo. Mas essas vetustastradies passaram aos poucos, na Baixa Idade Mdia, a ser questionadas, tanto

    pela razo crtica no campo especulativo, quanto pela razo inventiva no terrenotecnolgico.

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    Toms de Aquino, por exemplo, s pde renovar a especulao teolgica,utilizando-se do pensamento aristotlico recm-descoberto, porque soube ocul-tar habilmente essa perigosa novidade sob o manto do respeito tradio mul-tissecular. Segundo a mentalidade dominante na poca, os antigos no teriamincorrido em erro algum; suas divergncias de opinio eram apenas aparentes epodiam ser resolvidas mediante uma anlise mais na de seus argumentos.

    No campo das artes sicas e mecnicas, entre os sculos XII e XV, graasem grande parte contribuio dos rabes na renovao das cincias matem-ticas, a Europa conheceu notvel forescncia inventiva, bastando citar, a esserespeito, a bssola (mencionada pela primeira vez em 1195), os navios a velasem remadores, as lentes oculares, os portulanos ou primeiras cartas martimas,o emprego do carvo na indstria, os altos ornos metalrgicos, o uso do vidrona aparelhagem cientca, o relgio mecnico, o moinho elio, a caravela, oscaracteres mveis de imprensa.

    Importa assinalar que essa exploso de invenes correspondeu a uma no-tvel mudana na mentalidade dos povos europeus: os homens passaram a olharos eitos e ensinamentos do passado, no como modelos a serem imitados, massim como pontos de partida para a transormao utura do mundo. Com apoiona tradio, a Europa voltou-se decididamente para o porvir. Gilberto de Tour-nai, no sculo XII, pde armar, peremptoriamente: Jamais encontraremos a

    verdade, se nos contentarmos com o que j oi descoberto. Aqueles que escre-veram antes de ns no so senhores, mas guias. A verdade est aberta a todos,ela no oi ainda possuda integralmente. E Bernardo de Chartres acrescentava,

    na mesma poca, reerindo-se autoridade dos antigos:n m mbr gig. vm, rm, mi- mi ci mi lg q l, pr rm mi ci il, prq r mir, m im prq l ( gig ilci p) crrgm lm cim pr gigc.

    Foi nesse ambiente de extraordinria mudana de mentalidade coletivaque vieram luz os primeiros sinais da grande passagem histrica do Mundo

    Antigo ao Mundo Moderno, com o nascimento do capitalismo.

    Nasce o capitalismoA nova mentalidade burguesa

    Os burgueses maniestaram desde logo uma mentalidade ou viso demundo original, em tudo e por tudo diversa daquela que animava a sociedadeantiga. Essa nova mentalidade, undada em uma taboa de valores diametralmen-te oposta vigente no passado, oi registrada nos mltiplos manuais para usodos comerciantes, largamente diundidos no meio urbano medievo. Eis algumasdas mximas expostas em um manual do sculo XIV, de autoria de um annimoforentino:17

    No requentes os pobres, pois nada tens a esperar deles. Intil dizer que talmxima radicalmente contrria moral evanglica, que regia em princpio a

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    vida dos integrantes do estamento eclesistico, to poderoso na Idade Mdia. importante, no entanto, assinalar como esse desprezo pelos pobres perma-neceu sempre vivo nas sociedades capitalistas ps-medievais, e constitui, athoje, um dos traos salientes da mentalidade brasileira.18

    um grande erro azer o comrcio de modo emprico; o comrcio deve ser eitoracionalmente(il commercio se vuole are per ragione). Alis, a primeira grande

    inveno do sistema capitalista oi a contabilidade por partidas dobradas, queestabeleceu o mtodo racional de apurao das perdas e ganhos na atividademercantil, at hoje utilizado.Tu no deves servir os outros, deixando de te servir em teus prprios negcios. oegosmo racional da atividade econmica capitalista, o qual viria a ser consa-grado como princpio undamental da riqueza das naes por Adam Smith.19

    As ddivas tornam cegos os olhos dos sbios e muda a boca dos justos. Se para ob-ter o resultado esperado da transao mercantil or preciso subornar, por queno az-lo? inegvel que as sociedades que surgiram no curso do proces-

    so capitalista colonizador, como a brasileira, nasceram para sempre marcadaspelo vcio da corrupo administrativa e at mesmo judicial.

    verdade que, dois sculos depois de redigidas essas mximas, muito doseu imoralismo realista acabou sendo redimido na perspectiva de um cristianis-mo renovado, por obra de Joo Calvino. O grande reormador ensinou que arazo humana, embora corrompida pelo pecado, no a prostituta de quealou Lutero, mas o dom divino pelo qual o Senhor habilita cada um de ns,individualmente, a conhecer os seus mandamentos e a interpretar a sua Palavra.Guiado pela razo, o el deve seguir rigorosamente uma ascese de trabalho,

    submetendo o processo de sua prpria santicao a uma anlise constante deperdas e ganhos, como se tratasse de um empreendimento mercantil.20

    Temos, assim, que a combinao da vida asctica, voltada unicamente parao trabalho, sem luxo e ostentao, com a procura metdica do aumento do pa-trimnio, segundo o modelo da parbola evanglica dos servos que receberamtalentos do seu senhor,21 contribuiu decisivamente para avorecer e justicarmoralmente, com o selo da religio, o desenvolvimento do processo de acumu-lao capitalista.

    A insero da burguesia na sociedade medievalTudo isso quanto nova mentalidade ou viso de mundo, introduzida nasociedade medieval pela burguesia montante, e que plasmou denitivamente asgeraes uturas.

    Era mister, no entanto, ao burgus, gura adventcia em um mundo do-minado pela tradio, procurar instalar-se na sociedade estamental que o rejeita-

    va. Essa instalao oi por ele eetuada de duas maneiras: ou pelo enrentamento,ou pela conciliao de interesses.

    O enrentamento ocorreu na Lombardia e na Toscana, cinco sculos antes

    da Revoluo Francesa. Ainda a, como se v, os povos itlicos oram pioneiros.Em Florena, a rivalidade entre os nobres de velha cepa, os magnati, e os bur-

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    gueses associados em corporaes, ditos popolani, resolveu-se em 1293 com aexcluso dos membros das 147 amlias de magnatide todas as unes pblicas,e a sua sujeio a severas sanes penais.

    J o exemplo mais conspcuo de conciliao entre a nova classe burguesa ea velha aristocracia ocorreu em Portugal. No sem razo que ns, brasileiros,herdamos da gente portuguesa, em particular na vida poltica, a tendncia pre-dominante conciliao entre grupos rivais.

    Desde o sculo XIV, com a ascenso ao trono portugus da dinastia deAviz, a alta burguesia comerciante e intelectual instalou-se na Corte.

    Os burgueses lograram obter do monarca a sua paulatina insero no esta-mento privilegiado da nobreza.

    De se notar que, desde cedo, estabeleceu-se no reino a distino entrehomens de negcio e simples mercadores. Os primeiros, tambm chamadosmercadores de sobrado, pelo ato de viverem em casas assobradadas longe de

    suas lojas, jamais pesavam, mediam, vendiam ou empacotavam mercadorias comas suas prprias mos, mas empregavam assistentes especicamente encarrega-dos de exercer tais misteres.22

    O primeiro passo para a assimilao da burguesia rica nobreza consistiuem dar quela, juntamente com os doutores ormados em Coimbra, privilgiospenais. Ou seja, exatamente o contrrio do ocorrido em Florena em ns dosculo XIII. Assim, tal como zera com os membros da nobreza, o rei excluiuda sujeio pena vil23 os mestres e pilotos de navios de propriedade privada demais de cem tonis, bem como os mercadores que tratarem com cabedal decem mil ris e da para cima (Ordenaes FilipinasV, cap.138). J no tocante aplicao no processo penal da prova dos tormentos, isto , da tortura, omonarca dela excluiu, alm dos nobres, os dalgos, cavaleiros, doutores emcnones ou em leis, ou medicina, eitos em universidade por exame, juzes e

    vereadores de alguma cidade (Ordenaes FilipinasV, cap.133).Como se v e esse outro trao caracterstico da tradio poltica lusita-

    na, transportada para o Brasil , agregou-se burguesia comercial e acadmica,como novo detentor de privilgios, o estrato burocrtico.24

    Na verdade, o longo conbio entre poltica e comrcio em Portugal teveincio na segunda metade do sculo XIV, antes mesmo do advento da dinastiade Aviz ao trono real, com a edio por D. Fernando portanto, quase trssculos antes de Cromwell! das leis destinadas a estimular a indstria nacionalda navegao e do seguro martimo. O apoio da burguesia do Porto e de Lisboaao Mestre dAviz em 1385 a primeira revoluo burguesa no Ocidente ezque o soberano portugus passasse a gerir o reino como se ora a sua prpriacasa de comrcio, empregando seus ministros como autnticos prepostos doestabelecimento rgio.

    Esse processo de assimilao da burguesia abonada nobreza culminou,no sculo XVIII, com a poltica pombalina de estmulos ao comrcio de ultra-

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    mar. Nas companhias de comrcio ento criadas, os detentores de mais de dezaes do capital social tornavam-se dalgos de pleno direito. Ao mesmo tempo,um Aviso de 9 de agosto de 1756 procurou diretamente envolver os nobres nosempreendimentos comerciais dalm-mar.

    Seguia-se, com isso, o exemplo j bem assentado, segundo o qual o eno-brecimento do comrcio vinha de cima. Com eeito, iniciada a grande explora-o martima no sculo XV, estabeleceu-se desde logo o monoplio da Coroapara o comrcio de ultramar.25 A alcunha de Rei da Pimenta, dada a D. Ma-nuel, o Venturoso, por Francisco I, rei da Frana, diundiu-se em todas as corteseuropeias. Por outro lado, nas colnias portuguesas, oi sempre habitual o exer-ccio do comrcio pelos governadores nomeados pela metrpole.26

    Na verdade, no oi apenas a burguesia que se assimilou nobreza; essaseguiu tambm o caminho inverso e tornou-se comerciante.

    A ebre especulativa desde cedo tomou conta dos nobres, que se empe-

    nharam em comprar habitualmente gneros de consumo para revend-los comlucro. O que ez que, j nas cortes de Leiria de 1372, os representantes dospovos (isto , dos municpios) os increpassem, todos eles, de mercadores e re-gates.27 E embora persistisse bem viva a animadverso da plebe por todos osque, intitulando-se dalgos, aziam da mercancia prosso habitual, o pendormercantil da nobreza, equiparvel ao da burguesia, permaneceu inabalado nossculos posteriores, tendo sido vivamente reacendido com a explorao colonial.Nas colnias, alis, a pretensa dalguia conundia-se em regra com a riquezapessoal. Viver lei da nobreza, segundo expresso consagrada, signicava,

    pura e simplesmente, ser homem de posses.O resultado que, aos poucos, estabeleceu-se a assimilao natural, na

    mentalidade coletiva, da situao de riqueza com o estado de nobreza. Nesseparticular, do mesmo modo, somos legtimos herdeiros da cultura portuguesa.Como salientou um destacado historiador,28 durante todo o perodo imperial noBrasil, 41% dos ministros de Sua Majestade oram vinculados propriedade daterra e ao comrcio. E no segundo reinado, do total dos ttulos nobilirquicosoutorgados, quase 77% oram de baro, sabendo-se que o baronato era reserva-do pelo imperador, quase que exclusivamente, aos grandes proprietrios rurais eaos comerciantes de maior cabedal.

    At a, quanto s relaes estabelecidas entre a burguesia, como novo gru-po social, e a nobreza, qual incumbia, tradicionalmente, a uno guerreira.

    Se voltarmos agora os olhos ao relacionamento entre os burgueses e o pri-meiro estamento da sociedade medieva, isto , a ordem clerical, veremos que oscomerciantes lograram, paulatinamente, saar-se da primitiva condenao morale cair nas boas graas da Igreja.

    A condenao eclesistica do comrcio oi, de incio, absoluta e inapelvel.

    No sculo XII, a Igreja ez inserir, no Decreto de Graciano que criou o direitocannico, a sentena: homo mercator nunquam aut vix potest Deo placere[o co-

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    merciante nunca ou dicilmente pode agradar a Deus]. Esse juzo condenatriopunha o comerciante como parte integrante do extenso rol de prossionais, quea Igreja medieval costumava rejeitar s trevas exteriores: prostitutas, malabaris-tas, cozinheiros, soldados, aougueiros, donos de cabars; sem alar dos advo-gados, notrios, juizes, mdicos e cirurgies, os quais mui dicilmente podiamagradar a Deus...

    Aos poucos, porm, as autoridades eclesisticas e os telogos oram mu-dando de opinio.

    No conclio de Latro de 1179, ao regulamentar a chamada trgua deDeus, ou seja, um armistcio religioso durante as guerras privadas que se mul-tiplicavam nessa poca, os padres conciliares incluram entre os benecirios, nocnone 22, padres, monges, clrigos, convertidos, peregrinos, comerciantes,camponeses e bestas de carga. Como se v, os mercadores situavam-se, nessalista, com precedncia unicamente sobre os campnios e os animais.

    Ora, ainda a, a revivescncia econmica da Europa, a partir do nal do s-culo XII, acarretou uma sensvel mudana de atitudes, em relao ao comrcio.Haveria grande indigncia em muitos pases, escreveu Thomas de Cobhamem seu manual de consso do incio do sculo XIII, se os comerciantes notrouxessem o que abunda em certos lugares para outros, onde altam esses mes-mos bens.29

    Quanto ao pensamento teolgico, a mudana de opinio a respeito docomrcio, embora sutil, bem ilustrada pelos desenvolvimentos de Santo Tomsna Summa Theologiae, a respeito dos pecados econmicos. Assim que, na pri-

    meira seo da segunda parte, questo 84, ele sustenta que a avareza est na raizde todos os pecados; e na segunda seo da segunda parte, questo 78, que in-dubitavelmente a usura, isto , o ato de receber juros pelo dinheiro emprestado, um pecado. Curiosamente, porm, ao discutir logo em seguida, nessa mesmaquesto 78, se lcito receber dinheiro emprestado pagando juros, o grandetelogo retorce o seu pensamento, para descambar em pleno sosma:

    d m lgm lci izir lgm pcr. lci, prm, irr pri pc rm pr bm. Pi, mbm d pc

    pr lgm bm; qlqr ml, el ir m bm, iz agih. [...] Igl-m q q cp, frmr- q hm mir lci izir rm mprr cm r; , rcbr mprimcm jr m qm ip z-l xrc r, lci, m i lgm bm, q izr ci prpri rm.

    aim cm lci qm ci m lr xibir-lh b qrz cig ixr cmr pc rb, pr r mr, gii xmpl z hm q irm Iml: m, pim m r cl cmp, cm rr lir Jrmi.

    O direito de apropriao privada de quaisquer bens

    O instituto da propriedade, como bem assinalou K. Marx, a pedra unda-mental do edicio jurdico capitalista. A busca incessante do empresrio capita-

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    lista pela apropriao, sob a orma de direito exclusivo, de toda e qualquer coi-sa material. Ou ento, como sucedeu no campo do chamado direito industrial,a transormao de qualquer tcnica produtiva em bem objeto de propriedade,dita intelectual.

    Acontece que, durante todo o perodo eudal, no havia um s direito realsobre a terra, mas vrios direitos interligados; o que representava um obstculo transormao da terra em bem de explorao capitalista.

    Essa a razo por que, desde a Baixa Idade Mdia, os legistas burgueses,como lembrado sobretudo aps o renascimento dos estudos jurdicos, coma redescoberta do Corpus Juris Civilisde Justiniano reconstruram, contra oparcelamento dos direitos reais sobre a terra, a noo romana de dominium; isto, o direito de usar, ruir e dispor de uma coisa de modo exclusivo e sem limita-o de qualquer espcie. Esse esoro secular desembocou na moderna noo depropriedade, denida no Cdigo Civil rancs de 1804, dito Cdigo Napoleo,

    como le droit de jouir et disposer des choses de la manire la plus absolue, pourvuquon nen asse pas un usage prohib par les lois ou par le rglements.O capitalismo ez desaparecer, de certa orma, a velha noo de bem co-

    mum ou comunidade. Ele se contrape assim, logicamente, ao ideal republica-no. O adjetivoprprio o antnimo de comum. O que conta e sempre contou,na civilizao capitalista, o interesse exclusivo do sujeito de direito.

    Ora, o golpe genial da burguesia consistiu em azer do direito de uso,ruio e disposio de coisas, um poder sobre pessoas. Assim, por exemplo, nocampo das sociedades por aes, oi preciso esperar at o terceiro decnio do

    sculo XX, para que dois ilustres autores norte-americanos zessem a distino,doravante universalmente aceita, entre propriedade acionriae controle empre-sarial.30

    Nem por isso, todavia, os idelogos do capitalismo abriram mo da noode propriedade como conceito-chave. E a razo simples: na Declarao dosDireitos do Homem e do Cidado de 1789, o Tiers Etat, vale dizer, a burguesiaez inserir, no art. 17, a expresso amosa de que a propriedade um direitoinviolvel e sagrado.

    No havia razo melhor para a deesa humanista do poderio do capital:tocar no poder de controle violar o direito undamental de propriedade. Athoje, na doutrina e na jurisprudncia, tanto aqui quanto alhures, no consegui-mos entender que a propriedade s direito undamental quando diz respeitoa bens indispensveis a uma vida digna por parte do seu titular. Fora dessa hi-ptese, e notadamente quando a propriedade envolve um poder sobre outraspessoas como o caso, por exemplo, da propriedade do pacote acionrio decontrole de uma empresa ela um direito comum. Em consequncia, nessahiptese, no deve ser aplicada, na desapropriao, a garantia estabelecida no

    art.5, XXIV da Constituio Federal, segundo a qual, o Estado deve pagar aodesapropriado uma justa e prvia indenizao em dinheiro.

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    Repita-se, sem cessar: a propriedade, como direito undamental, um di-reito sobre bens, necessrio preservao de uma vida digna para o seu titular; opoder, dierentemente, uma relao de mando de algum sobre outrem, a serexercida em benecio alheio e no em proveito prprio.

    Temos, pois, que o capitalismo, como civilizao nascente na Baixa IdadeMdia, maniestou, desde logo, uma extraordinria capacidade em consolidar-se eexpandir-se ao mundo todo, graas introduo, de incio ao lado, e logo depoisacima do poder tradicional de aristocratas-guerreiros e autoridades religiosas, deuma nova ora transormadora da vida em sociedade: o poderio econmico.

    o que passamos a ver.

    O poder capitalista

    A expanso do sistema capitalista, da Europa Ocidental ao mundo todo,representou um dos movimentos mais caractersticos daquilo que se denominoua acelerao da Histria. Essa aanha, sem precedentes no longo processo dedesenvolvimento da espcie humana na ace da Terra, oi, sem dvida, o resulta-do do exerccio de uma nova modalidade de poder: o econmico. A dominaodos ricos sobre os pobres to velha quanto a prpria humanidade. O capita-lismo soube, porm, organiz-la de modo a lhe conerir extraordinria ecciatransormadora do meio social. Nesse sentido, como bem salientou Marx, eleexerceu na histria um papel eminentemente revolucionrio.

    Vejamos, pois, quais as caractersticas especcas do poder capitalista.

    Um poder originalmente sem ttulo jurdico,

    exercido em benecio prprioAntes de mais nada, o poder capitalista no dispe, salvo em casos deter-

    minados, de um ttulo no sentido jurdico; isto , de um undamento reconhe-cido pelo direito. Trata-se, em geral, de um poder de ato.

    O poder jurdico implica, necessariamente, a contraparte do dever de obe-dincia pelo sujeito passivo. No assim, o poder de ato. E isso se explica, logica-mente, porque o titular de um poder jurdico deve sempre exerc-lo, no no seuprprio interesse e benecio, mas em prol de outrem. O poder jurdico tem umanalidade ou uno altrusta que lhe intrnseca; no assim o poder de ato.

    Como vimos na primeira seo desta exposio, os dois estamentos privile-giados das sociedades de origem indo-europeia o dos aristocratas-guerreiros eo dos religiosos eram dotados, de acordo com o costume imemorial, de pode-res jurdicos prprios. O estamento aristocrtico tinha o poder de arregimentar atodos, para a deesa da coletividade contra o inimigo externo. E o dos religiososera dotado da necessria auctoritas, para impor a todo o grupo social a obedi-ncia aos dogmas de e o respeito tradio dos antepassados, esses tambmassimilados de certa orma divindade.31

    Ora, o poder que a burguesia principiou a exercer na sociedade medievalno era de ndole jurdica, maspuramente actual; tanto mais que a riqueza dos

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    primitivos burgueses undava-se, como assinalado, no na terra, mas no dinheiroe outros bens mveis. Tratava-se, portanto, de uma riqueza ignbil, no sentidohistrico, isto , possuda por algum que no pertencia nobreza.

    Por isso mesmo, esse poder econmico, desde as origens, no visava realizao do bem comum, mas unicamente satisao do interesse prprio doseu titular.

    Como era natural, esse exclusivismo egosta levou alguns pensadores dosculo XIX, que haviam mal assimilado a teoria darwiniana, a sustentar o prin-cpio, at hoje vigorosamente deendido no ambiente poltico e intelectual ca-pitalista, sobretudo norte-americano, de que ns outros, humanos, devemosagir como os animais, procurando ortalecer-nos sem cessar e desprezando ospobres e os racos. A amosa expresso survival o the ttest, geralmente atribudaa Darwin, oi, na verdade, inventada por Herbert Spencer. Ela representa, comosalientou um primatlogo contemporneo, uma distoro grosseira da realidade

    biolgica no reino animal.32

    Visando, pois, realizao exclusiva do interesse do prprio sujeito ativo, opoder econmico capitalista, como lgico, no conhecia, de incio, deveres po-sitivos correspondentes. O ordenamento jurdico no obrigava o capitalista ou oempresrio a usar de seu poder econmico em benecio de outrem. O nico de-

    ver do empresrio capitalista, no exerccio de sua atividade, era o respeito mxi-ma geral de no lesar ningum (neminem laedere, da tradio jurdica romana).

    Mas como sucedeu no evolver histrico de todas as sociedades, para quetal dever geral osse respeitado, a autoridade poltica oi compelida a baixar proi-

    bies especcas, combinadas com as correspondentes sanes, civis ou penais.Tal ocorreu no incio do sculo XX, como eeito dos ideais socialistas. Em

    1917, a Constituio Mexicana disps, em seu art.27, que a propriedade dasterras e guas, compreendidas dentro dos limites do territrio nacional, perten-ce originalmente Nao, a qual teve e tem o direito de transmitir o domniodelas aos particulares, constituindo assim a propriedade privada. E em 1919, aConstituio Alem, dita de Weimar, estatuiu em seu art.153: A propriedadeobriga (Eigentum verpfichtet). Seu uso deve, ademais, servir ao bem comum.

    Criava-se, destarte, a chamada uno social da propriedade, que a nossaConstituio de 1988 consagrou em seu art.5, inciso XXIII.

    Nessa mesma linha de reao contra a irresponsabilidade capitalista, cons-truram-se, nos dierentes direitos nacionais e no direito internacional, os novossistemas de direito do trabalho, direito do consumidor e direito do meio am-biente.

    Ao mesmo tempo, renovou-se o direito societrio. Com a distino -nalmente estabelecida em lei entre propriedade acionria e poder de controleempresarial, ao titular deste ltimo oram atribudos deveres especcos. Entre

    ns, a lei de sociedades por aes de 1976 disps, em seu art.117, pargraonico, que

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    cii crlr r pr cm fm zr cmphi r-lizr bj cmprir cil, m r rpbilipr cm mi cii mpr, q l rblhm pr cm cmi m q , cj iri ir llm rpir r.

    Ainda no campo das sociedades por aes, a lei alem de 1965 cunhou a

    expresso infuncia dominante (beherschendes Einfuss), para caracterizar a si-tuao de uma empresa que, sem ser, nem direta nem indiretamente, acionistade outra, exerce sobre esta um poder de controle, obrigando os seus administra-dores a seguir diretrizes avorveis controladora, ainda que prejudiciais con-trolada. o que no raro sucede, por exemplo, com um banco que abre largocrdito, a longo prazo, a uma empresa de cujo capital no participa, passando,em razo disso, a dirigi-la na sombra.33

    Pois bem, exatamente essa infuncia dominante camufada o tipo depoder que os protagonistas do capitalismo exercem no campo poltico e admi-nistrativo: os lobbiessobre parlamentares ou membros do governo; a oerta de -nanciamento de campanhas eleitorais; a obteno, lcita ou ilcita, de concessesadministrativas de servios pblicos; ou a privatizao de empresas estatais.

    Seja como or, a procura da realizao do prprio interesse econmico abusca de lucros mximos, em qualquer circunstncia torna a empresa capi-talista uncionalmente imprpria prestao de servio pblico. Eis por que,no rigor do princpio republicano, ela no deveria exercer nenhuma espcie deconcesso administrativa.

    Ficou evidente, porm, aps a grande crise do capitalismo nanceiro ocor-rida em 2008, que o sistema como um todo no traz benecio algum huma-nidade, nem mesmo o alardeado crescimento exponencial da produo. Da, nalinha da autolegitimao do sistema, de que tratarei mais adiante, a iniciativa dealguns multimilionrios capitalistas, sobretudo norte-americanos, de insistir paraque as macroempresas privadas criem undos ou undaes de benemerncia,completando-se assim a ideia lanada pelos intelectuais orgnicos do capitalismo(no sentido gramsciano) de responsabilidade social das empresas.

    Um poder que somente subsiste pela concentrao de capitale a expanso geogrfca

    O poder econmico capitalista est intimamente ligado capacidade depermanente acumulao e centralizao do capital.

    Marx procurou distinguir tecnicamente esses conceitos.34 O processo deacumulao do capital, salientou ele, diz respeito ao aumento de seu valor eco-nmico ou contbil. A centralizao, dierentemente, a concentrao doscapitais j ormados, a supresso de sua autonomia individual. Ns diramoshoje, com maior preciso, que a centralizao do capital um processo ligado

    ao poder de controle e no propriedade pura e simples do capital. O acionistaminoritrio pode ver aumentado o valor de sua participao no capital da so-

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    ciedade annima, sem que isso signique, minimamente, mudana no poder decontrole da empresa.

    Ora, o que importa notar que a contnua acumulao de capital umacondio indispensvel sobrevivncia do poder de cada empresa ou grupoempresarial, em um mercado competitivo. Se o capital permanece o mesmo, opoder da empresa no mercado se enraquece.

    O processo interno de acumulao do capital est necessariamente ligadoao aumento constante do lucro lquido e, em consequncia, do volume de neg-cios da empresa; pois cada operao empresarial deve ser lucrativa, e parte do lu-cro lquido apurado em balano normalmente transerida conta de capital.

    Mas alm desse processo de acumulao interna do capital, o seu aumentotambm pode realizar-se por meio de novas subscries, em Bolsa ou ora dela,ou ento mediante uses e incorporaes de outras empresas, ou pelo estabele-cimento de consrcios.

    Pois bem, a par dessa necessidade de contnua acumulao do capital parasobreviver, as empresas capitalistas e o prprio sistema em seu conjunto so or-ados a uma permanente expanso de sua rea de atuao territorial.

    Marx e Engels assinalaram, corretamente, que o ator-chave, a impulsionara burguesia na empresa de dominao mundial, oi a necessidade de se abriremespaos cada vez mais amplos para o escoamento da produo de bens e a absor-o de servios, os quais se multiplicaram em proporo geomtrica, desde quea tecnologia tornou-se a mola mestra do processo produtivo.

    A primeira globalizao capitalista teve incio j no sculo XVI, quando oilanada a grande empresa de imperialismo colonialista, tendo como centro decomando estratgico o continente europeu.

    O nosso pas oi uma das regies pioneiras do capitalismo agroindustrialdo mundo. Para esse empreendimento novo, utilizamos um instituto jurdico,cujas estrutura e unes merecem ser ressaltadas: as sesmarias.

    Elas oram criadas em Portugal por uma lei de D. Fernando, datada de1375. Seu objetivo era remediar a srie crise de abastecimento, que afigia en-to o reino. O monarca determinou, para tanto, o cultivo obrigatrio de todas

    as herdades que som pera dar pam. Em consequncia, se o proprietrio nopudesse ou no quisesse cultivar diretamente o solo, deveria d-lo em arrenda-mento a algum que assumisse essa tarea, sob pena de consco, devolvendo-sea terra ao soberano. Esta, alis, a origem da expresso terras devolutas.

    O instituto j ora aplicado com proveito na colonizao das ilhas portu-guesas do Atlntico, quando, com a descoberta do Brasil, decidiu-se transplan-t-lo ao territrio da nova colnia. Ao instituir, em 1534, o sistema de capitaniashereditrias, D. Joo III determinou que cada donatrio recebesse, como desua exclusiva propriedade, uma aixa de dez lguas, contada a partir da linha

    litornea, e distribusse, a ttulo de sesmarias, o restante do territrio sob seucomando.

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    Ao assim decidir, o soberano portugus investiu os titulares das capitaniasestabelecidas em territrio brasileiro de poderes regalianos. Eles no s tinham

    jurisdio sobre todo o territrio que lhes ora doado, como ainda lhes competiadistribuir sesmarias a quem lhes aprouvesse.

    Intil dizer que a scalizao do exerccio de tais poderes, pelos titularesdas sesmarias, revelou-se desde logo impossvel, no s pelas diculdades bviasde comunicao entre a metrpole e o Brasil, e no interior do nosso vasto ter-ritrio, mas ainda pelo reduzidssimo corpo de uncionrios incumbidos dessascalizao.

    A agroindstria capitalista do acar vicejou entre ns, desde o primeiro s-culo da colonizao, com base no sistema sesmarial, que permaneceu em vigor ata Lei de Terras de 1850. Embora no tivessem mais poderes regalianos ociais, oslatiundirios continuaram a exerc-los deacto, a partir do incio do Imprio, comocoronis da Guarda Nacional. No grande domnio rural, o proprietrio concentrava

    todos os poderes, sem estar obrigado a respeitar os direitos de ningum. Alm disso,o latindio era uma espcie de territrio autrquico, estabelecendo o senhor com osdemais proprietrios relaes de potncia a potncia.

    A segunda vaga de globalizao oi bem dierente da primeira. Ela nomais se undou no imperialismo colonial, mas articulou-se em torno da domina-o nanceira e tecnolgica das regies mais pobres no mundo.

    Os agentes diretos desse segundo processo de globalizao oram as em-presas multinacionais e transnacionais. As primeiras instalam-se em diversos pa-ses e submetem-se legislao local em todas as matrias, notadamente no que

    diz respeito s relaes de trabalho, concorrncia e proteo do meio am-biente. J as transnacionais operam no mundo todo, no mediante investimen-tos locais, mas por meio da criao de uma rede de ornecedores, montadores edistribuidores, a elas ligados por contrato, e substituveis a qualquer tempo.

    No incio do sculo XXI, calculou-se que o volume global de negcios das150 maiores empresas multinacionais e transnacionais superava o PIB de 150pases e equivalia a quase 30% do produto mundial.

    Um poder que conquistou a hegemonia mundial

    Como lembramos no incio desta exposio, em todas as civilizaes deorigem indo-europeia apenas dois grupos sociais eram dotados de poder: osaristocratas-guerreiros monopolizavam o poder das armas e o grupo sacerdotalconcentrava em suas mos o poder sobrenatural.

    Vimos, tambm, como a burguesia nascente oi, aos poucos, conquistan-do espao na sociedade medieval, junto a esses dois estamentos tradicionais.Ela se aproximou da nobreza, como ornecedora de vveres e bens importados,e como nanciadora das expedies militares, regularmente organizadas pelossenhores eudais; quando no se enobreceu por ora do dinheiro. Ela tambm

    se acomodou com o estamento eclesistico, lanando mo desses mesmos recur-sos; sendo certo que bispos, abades e o prprio papa, da mesma orma que os

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    membros da nobreza laica, envolviam-se com requncia em operaes blicas,como as sucessivas cruzadas lanadas para a reconquista dos Lugares Santos, noOriente Mdio.

    Ora, a partir do chamado outono da Idade Mdia,35 na segunda metadedo sculo XV, tornou-se evidente que a conquista do Mar Oceano, alm dosconns do continente europeu, exigia a santa aliana da burguesia empresarialcom a nobreza militar e os missionrios cristos.

    O Maniesto comunistaarmou que a empresa de dominao econmicamundial, iniciada pelo capitalismo, oi levada a cabo sem guerras, unicamentecom o emprego das armas comerciais. O preo reduzido de suas mercadorias a grossa artilharia com a qual ela (a burguesia) demole todas as muralhas daChina e obtm a capitulao dos brbaros mais teimosamente xenobos.

    No verdade. A guerra, no sentido prprio e brutal da palavra, o empre-endimento de destruio em massa de vidas e bens, planejado e executado com

    os mais apereioados recursos da tecnologia, oi um dos principais estmulos aodesenvolvimento do capitalismo. o lado perverso e nada simblico do concei-to de destruio criadora de Schumpeter.

    A partir da segunda metade do sculo XIX, o xito blico tornou-se sem-pre mais dependente do progresso tcnico na produo industrial de armamen-tos, munies e veculos de combate. Desde 1861 e 1866, quando surgiram,respectivamente, a metralhadora e a dinamite, as invenes para ns blicosmultiplicaram-se vertiginosamente, e oi o complexo industrial-militar que de-sencadeou, sob a bela e alsa aparncia de obra civilizadora (ou cultural, comopreerem qualicar os alemes), a primeira onda de globalizao moderna, como estabelecimento de novos imprios coloniais na rica e na sia. Entre 1875 e1915, quase um quarto da supercie do globo terrestre oi distribudo ou redis-tribudo, sob a orma de colnia, entre meia dzia de Estados.36 Antes disso, osEstados Unidos anexaram pelas armas, somente no continente americano, meta-de do territrio mexicano em 1848; zeram intervenes militares em 1824 emPorto Rico, em 1845 e 1847 no Mxico (em preparao guerra de anexaodo ano seguinte), em 1857 na Nicargua, e em 1860 na provncia do Panam

    e outra vez na Nicargua. Antes do nal do sculo, o Estado norte-americanotornou-se senhor do Hava e das Filipinas, retomando, assim, o projeto originalde Cristvo Colombo: alcanar o Oriente pelo Ocidente.

    No decurso do sculo XX, os eeitos de destruio criadora da aomilitar oram ainda mais notveis, com os xitos obtidos no controle da energianuclear para ns paccos, o apereioamento dos avies a jato e o lanamentodos primeiros veculos interplanetrios, mediante a adaptao da tcnica prpriados msseis balsticos. Encerrada a guerra ria com o esacelamento do impriosovitico em 1989, alguns espritos ingnuos esperavam uma acentuada reduo

    dos gastos militares no mundo. Pura iluso: j em 2003, essas despesas atingiamo equivalente a 2,7% do produto bruto mundial, ou seja, uma cira quase igual

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    registrada em 1987. Em 2009, no obstante a grande crise nanceira do anoanterior, as despesas militares mundiais atingiram um recorde histrico, com umaumento de 49% em relao ao incio do sculo.37

    O desecho de toda essa rpida evoluo do mundo moderno claro: opoder econmico capitalista acabou por dominar o poder militar, colocando-o aseu servio, em todos os pases do globo terrestre.

    Quanto ao tradicional poder religioso, algo de semelhante sucedeu. Asorganizaes religiosas tornaram-se sempre mais dependentes, para sua sobre-

    vivncia material, do concurso nanceiro dos bancos, ou da rentabilidade dosundos nanceiros, dos quais adquiriram participaes.

    J na empresa colonial europeia, a submisso da Igreja catlica aos ditamesdo poder econmico capitalista oi total. Exemplo conspcuo justamente o donosso pas, onde o genocdio indgena e a escravatura de milhes de aricanos earodescendentes zeram-se salvo episdica exceo, quanto ao primeiro, pela

    resistncia dos jesutas no sculo XVII com as bnos eclesisticas. Quando aCompanhia de Jesus oi expulsa do Brasil, em 1759, ela explorava 17 azendas deacar, bem como sete azendas de gado com mais de 100 mil cabeas.

    No sculo XX, a moderna cruzada, lanada pelo mundo livre contra operigo comunista, realizou-se com o apoio integral das grandes religies; semque os lderes religiosos zessem quase nenhum reparo crtico imoralidade dadominao capitalista.

    Mas, nesta altura da exposio, o leitor no poder deixar de se perguntar: De que modo logrou o poder capitalista a aanha de se impor cabalmente, e

    no decurso de to curto perodo histrico, em praticamente todos os pases doglobo terrestre?

    o que se tentar explicar a seguir.

    O poder ideolgico capitalista

    Como salientou Max Weber, em nenhuma sociedade o titular do que elechamou dominao(Herrschat), isto , do direito de comandar e ser obedecido,pode satisazer-se com o ato, puro e simples, da obedincia dos subordinados.Ele procura sempre, de uma orma ou de outra, obter a conana deles, ou seja,

    alcanar o que se consagrou denominar a legitimidade do poder.38

    Pois bem, essa relao de conana (no sentido mais amplo da palavra) o que explica a pacca aceitao de qualquer espcie de poder: poltico, militar,econmico, amiliar ou religioso. O poder puramente undado na ora, queBertrand Russel denominou poder nu (naked Power), no pode subsistir pormuito tempo.

    Ora, enquanto no mundo antigo, todo voltado para o passado, a conan-a inspirada por uma pessoa ou instituio, investida de poder, era undada natradio, no mundo moderno, essencialmente inovador, sempre de olhos postos

    no uturo, essa relao de credibilidade ou aprovao passou a ser, cada vez mais,construda pelo prprio titular do poder. Ou seja, toda organizao social dos

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    nossos dias, em grau menor ou maior, deve revestir-se, para subsistir, de umacapacidade de autoarmao ideolgica.

    As religies missionrias oram pioneiras nesse sentido, bastando citar,para ilustrao, a Sagrada Congregao de Propaganda Fide, criada pela Igrejacatlica no sculo XVII. O exemplo oi escolhido de propsito, pois o termopropagandapassou, no vocabulrio poltico, a ser amplamente utilizado paradesignar essa atividade programada de suscitar, entre todos de modo geral, eentre os sujeitos ou subordinados em particular, a conana em relao ao poderproposto ou j estabelecido.

    Na Ideologia alem, Marx sustentou que a classe que aspira dominao,numa sociedade, obrigada a apresentar a todos o seu interesse prprio de clas-se como interesse geral.39 Assim oi com a burguesia e assim deveria ser com oproletariado.

    O que o grande pensador no soube ou no era capaz de explicar que,

    para realizar esse intento, a classe dominante ou, no caso dos Estados tota-litrios, como os Estados comunistas, o estrato burocrtico dominante temnecessidade de criar uma organizao de propaganda.

    Os lderes capitalistas criaram essa organizao, simplesmente concentran-do em suas mos, a partir do incio do sculo XX, sob a orma de um oligoplioempresarial, os mais importantes veculos de comunicao de massa: jornais erevistas, empresas cinematogrcas, estaes de rdio e televiso. Agora, o pr-ximo passo adquirir o controle dos principais provedores de internet.

    Seguindo a tendncia inelutvel do poder capitalista, essa organizao ideo-

    lgica privada sore um processo contnuo de concentrao de capital e de expan-

    so geogrfca.

    Nos Estados Unidos, a presso neoliberal logrou revogar em 1996 a leide 1934, que estabelecia limites na concentrao de controle empresarial desses

    veculos. No mesmo sentido, em 2003 a Federal Communications Commissioneliminou as proibies ento existentes para a participao cruzada no capitaldas empresas do setor. O resultado no se ez esperar: enquanto em 1983 haviano mercado de comunicao de massa 50 empresas de mdio porte, hoje esse

    dominado por apenas cinco macroempresas.40

    No Brasil, assistimos ao mesmo enmeno. Quatro grandes redes domi-nam quase todo o mercado nacional de televiso: a Globo controla 340 empre-sas; o SBT, 195; a Bandeirantes, 166; e a Record, 142.

    Como exemplo de expanso geogrca do poder ideolgico capitalista,basta citar News Corporation, criada por Rupert Murdoch na Austrlia, e que apartir de 1981 passou a controlar empresas de comunicao de massa nos Esta-dos Unidos, na Gr-Bretanha e na sia.

    O mtodo capitalista de autopropaganda oi inspirado na publicidade co-

    mercial, e se reveste das mesmas caractersticas: convencer o pblico no pela ra-zo, mas pelos sentimentos; caprichar na aparncia das mensagens, sem grandes

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    explicaes sobre o seu contedo; insistir em que a aceitao do que propostono demanda grandes esoros nem custos ingentes, e somente produz bene-cios, ao contrrio do que propem os concorrentes.

    Com a aplicao mundial desse mtodo propagandstico, o capitalismologrou um eito sem dvida indito na histria: o poder eetivo permaneceuoculto. O grande princpio tico, por ele apresentado a todo tempo e de milmaneiras, a liberdade. O Estado deve ser reduzido ao mnimo possvel, pois asua existncia signica, em si mesma, uma mutilao da liberdade privada.

    Na verdade, a nica liberdade que o capitalismo procura preservar a em-presarial. Caso essa seja mantida, todas as demais podem e mesmo devem, con-orme as circunstncias, ser suprimidas. Foi o que se cansou de ver na AmricaLatina, com a multiplicao de regimes autoritrios, estreitamente associados aoempresariado capitalista.

    Em amosa conerncia pronunciada no Ateneu Real de Paris em 1819,41

    salientou Benjamin Constant, sem mencionar minimamente o sistema capitalis-ta, a oposio radical entre o mundo antigo e o mundo moderno no tocante liberdade.

    Mostrou que, no mundo greco-romano, os indivduos, embora sobera-nos em quase todos os assuntos pblicos, eram escravos em todas as relaesprivadas. Como cidados, eles decidiam nas assembleias populares a guerra e apaz; como particulares, porm, eram observados, coarctados e reprimidos emquase todos os seus movimentos. Como membro do corpo coletivo, o indivduointerpelava, destitua, julgava, conscava, exilava e condenava morte os gover-nantes; mas como particular, podia ser interditado, banido, considerado indignode ocupar cargos pblicos, ou condenado morte pela vontade discricionria daassembleia do povo, da qual azia parte.

    Tal situao, risou Benjamin Constant, contrasta vivamente com a reali-dade do mundo moderno. Na modernidade, o indivduo, independente em sua

    vida privada, j no , mesmo nos Estados que mais prezam a liberdade, sobera-no seno na aparncia. Sua soberania sempre restrita, requentemente suspen-sa. Repetindo Rousseau sem o citar,42 assinalou que se o indivduo, em pocas

    determinadas, mas pouco requentes, exerce essa soberania, sempre cercado detodos os limites e precaues, somente para abdic-la.Dessa vericao histrica, concluiu Benjamin Constant que o homem

    moderno j no pode gozar da liberdade dos antigos, isto , da participao ati-va e constante no exerccio do poder coletivo. A liberdade moderna nada mais do que a ruio tranquila da independncia privada. O objetivo dos antigosera a partilha do poder social entre todos os cidados de uma mesma ptria. Erao que eles denominavam liberdade. O objetivo dos modernos, dierentemente, de garantir a todos o gozo das liberdades privadas. A independncia indivi-

    dual a primeira das necessidades modernas. Em conseqncia, no se devenunca sacric-la, a m de estabelecer a liberdade poltica.

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    Mas, concluiu ele, o grande perigo da liberdade moderna que, absorvi-dos, como estamos, na ruio de nossa independncia privada e na busca inces-sante de nossos interesses particulares, acabamos por renunciar ao nosso direitode participar do poder poltico. Os depositrios da autoridade, advertiu ele,

    ixm c xrr mr ci. el mpr ip-

    ppr pci icm, xc bcr pgr!el ir: Ql , , fli r, mi rblh, bj pr? n lici? Pibm, ixm cc r: lh rm lici.

    Pois exatamente esse o mote de toda a propaganda que o capitalismoaz de si mesmo: conem em ns, deixem conosco a nica coisa que importa na

    vida, a elicidade; ns somos os nicos capazes de azer o mundo inteiro eliz!

    Arremate: a necessria construo do ps-capitalismo

    A grande crise nanceira mundial que eclodiu em 2008 veio demonstrar

    que a civilizao capitalista apresenta claros sintomas de esgotamento. Desde1980, a parte correspondente aos rendimentos de capital na ormao do pro-duto mundial no cessa de aumentar, enquanto a dos rendimentos do trabalho,assalariado ou autnomo, continua a decrescer. O aumento do desemprego emmbito mundial, provocado pela mencionada crise, ainda no maniestou sinaisde reabsoro. Quase que instantaneamente vimos reproduzida, no interior decada pas, a ratura aberta no plano internacional entre pases desenvolvidos esubdesenvolvidos.

    O novo sistema de transnacionalidade empresarial, alis, muito tem contri-budo para tanto, ao promover grandes deslocamentos de empresas, dos antigospases desenvolvidos para os novos pases ditos emergentes. Alm disso, eleaz que uma empresa dominante, com sede em determinado pas, estabelea re-laes de senhorio e servido com outras em vrias partes do mundo, obrigandoas empresas servas a operar em sistema de dumping social e negao dos maiselementares direitos trabalhistas.

    Ao mesmo tempo, nessa ase de hegemonia incontrolada do capitalismonanceiro, verica-se, no mundo todo, uma inquietante reduo dos investi-

    mentos produtivos, em relao ao total das riquezas produzidas.Todos esses atos compem o quadro tpico de uma verdadeira crise, nooriginal sentido hipocrtico do termo: o momento exato em que o olhar expe-riente do mdico observa uma mudana sbita no estado do paciente, para obem ou para o mal; o instante em que se declaram, nitidamente, os sintomas damolstia, permitindo o diagnstico e o prognstico.

    A exposio que ora se conclui no tem outro intuito seno o de suscitar,por parte dos mais doutos e experientes, no meio acadmico e ora dele, o tra-balho coletivo de construo de um modelo de civilizao ps-capitalista. Para

    tanto, preciso suscitar uma nova mentalidade coletiva e criar novas instituiessociais, uma e outras intimamente associadas; advertindo-se que, enquanto a

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    mudana de mentalidades , sobretudo, um trabalho de educao coletiva, amudana de instituies sociais pressupe a montagem de uma nova estruturade poderes.

    Ora, como o capitalismo a primeira civilizao mundial surgida na his-tria, o ps-capitalismo aponta, necessariamente, para a construo de uma so-ciedade poltica do gnero humano, com base em trs princpios undamentais:1) o princpio republicano, com predominncia absoluta do bem comum sobreos interesses particulares; 2) o princpio democrtico, assegurando-se ao con-

    junto dos povos a titularidade do poder soberano; e 3) o princpio do Estadode Direito, por ora do qual todos os poderes, incluindo o soberano, so ne-cessariamente limitados, submetendo-se o seu exerccio aos ditames do sistemauniversal de direitos humanos.

    Notas

    1G s cvlzs(Pri: arh; Flmmri, 1987, p.53 .).2 a br, Mrc Blch Lci Fbr, r; gr gi, Grg dby,

    Fr Brl Jcq L G.

    3 Pri: Qrig, . . (7..), p.46.

    4 vj-, prpi, rig Grg dby, Hs s mls, m LHs ss mhs, ecycl L pl(Pri, 1961, p.937 .).

    5 vj- l , myh i, ii, iii(Pri: Gllimr).

    6 ruu s s ss hs, qu vu gus scl suu... Hc

    v, qu csuu c u fu, qu lc qu cvu.

    7 tr- m mcri gr, cmpr ri rq, q c-r rgir b .14192 Biblic ncil Fr. el i miclmli pr Cl Crzzi m i m 1972 uiri Pri (LC ru g al L, uc ss xlc),ci pr Grg dby m Ls s s u lg u ls(Pri: Glli-mr, 1978. Biblihq Hiir).

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    10 Ci pr Jcq L G, m mchs qus u my ag (4.., Pri:Pr uiriir Frc, 1969, p.83).

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    13 C. clic Hri Pir, Hs cqu scl u my ag

    (Pri: Pr uiriir Frc, 1963, cp.II).14Fuug, m rc.

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    15 C. Rgi Pr, Ls gs l ugs(4.., Pri: Pr uiriir Frc, 1969, p.25/26).

    16 C. Jcq L G, L cvls locc mvl(Pri : arh, 1967, cp.IX).

    17 ap Jcq L G, mchs qus u my ag(p. ci., 1969, p.84-5).

    18 C. drcy Ribir, o v sl a s bsl(s Pl: Ci. Lr, 1995, p.210 .).

    19i s h vlc h uch, h w, h k h w xc u -, u h g h w s. W ss uslvs, h huyu h sl-lv, v lk h u w csss u h vgs(th Wlh ns, lir I, cp.II).

    20 Mx Wbr (p. ci., p.63).

    21 M 25, 14-30.

    22 C. C. R. Bxr, th pugus S e 14151825(Crc, 1991, p.333).

    23 sg Prir sz, ci pr Ci M almi (Cg phl,14.., Ri Jir, 1870, 3 tl CXXXvIII Lir v), rm ci-r i, ig diri Prg, gi p: rc, gl, mil mmbr, i, mrc c br cm ci pc, chmbr-prg.

    24 sbr i, c. ai Ml Hph,as vss Lvh isus lc, pugl sc. XVii(Cimbr: Lirri almi, 1994, p.312 .). n Bril,Rym Fr l m m os s (3.. r., Ri J-ir: Glb, 2001).

    25 C. J. Lci az, cs pugl ecc(4.. Lib: Lirri Cliceir, . .,ss pcifcm p.111).

    26 C. C. R. Bxr, th Gl ag bzl 1695-1750 (uiriy Cliri Pr,1962, cp.v); sr B. schwrz, Svgy Scy Cll bzl(uiriy Cliri Pr, 1973, p.194/195).

    27 J. Lci az (p. ci., . ., p.82).

    28 J Mril Crlh, i a Csu o, ii t Ss(2.. Ri Jir: eir uFRJ; Rlm dmr, . ., p.99 237).

    29 Jcq L G, mchs qus u my ag(p. ci., 1969, p.81).

    30 C. a. Brl G. M, th m C pv py. sbr -, j- Fbi Kr Cmpr Clix slm Filh, o cl sc (5.., Ri Jir: Fr, 2008).

    31 C., rpi, cir Fl Clg, m br clic LC aqu(Lir I, cp.II).

    32 H d Wl,a (s Pl: Ci. Lr, 2009, cp.2).

    33 sbr crl xr ci im, c. Fbi Kr Cmpr Clixslm Filh (p. ci., 2008, cp.III).

    34o cl(lir 1, cp.13).

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    39 Krl Mrx, Fririch egl, Wk, m 3, i pl Ii r Mrxim-Liim bim ZK r sed (Brlim: diz vrlg, 1958, p.32/33).

    40 s l: tim Wrr, vicm, vii uirl, Wl diy nw Crp.41 d l l s acs c cll s ms.

    42 C. du c scl(Pr II, cp.5).

    resumo n pr rig, cpilim xmi hiricm cm ciiliz- cm pr. Cm primir ciiliz mil hiri, cpilim c-ir rgim, fl I Mi, cm r grg ciiliz i-rpi, q mli cli prmi, mmbm q iii cii. n c pr cil cpilim,

    rig prcr mrr cm brgi mrcil, iri- ci l,cb pr brpr- m l mi: cliic ricric-milir. embr rigi r m jric, cm pr prm pri, cpilim mi, ici Mri, c hgmic,prp- m pc mp pr pblic ricii. o pr cpili,pr biir, xig c ccr cpil m xp ggrfc mlimi. s r ilgic, l ci m, - prpri mr mi cmic cil. o xrcci pr mil, limcl, prc mir irp cil q hiri jmi chc.

    palavras-chaves:Cpilim, Ciiliz, Pr, Mli, Iii cii.

    abstract thi ricl xmi cpilim rm hiricl iwpi ciilizi pwr. a h fr glbl ciilizi i hiry, cpilim i hr, ic iicpi i h l Mil ag, iggrgig rc I-erp ciiliz-i wih rgr ly h prilig cllci mi, b l i cil i-ii. Ccrig h cil pwr cpilim, hi ppr mp hw hwh cmmrcil brgii, by iig il l ciy, lly prh mi : h ccliicl ricric-miliry. alhgh ri rmi h jicil wrl prly pri pwr, cpilim mi i hgmicmmm ic h mriy ppl h riil pblic p-

    wr. Hwr, cpili pwr, ri, rqir ci ccri wl-h limi ggrphic xpi. I ilgicl rgh i y m ciyi i pprprii mr mi. th xrci hi wrl pwr irc cri h l h gr cil irpi hiry h r kw.

    keywords: Cpilim, Ciilizi, Pwr, Mi, scil iii.

    F K C profeor titlar a Faclae e direito a univeriaee so Palo, otor hs cusa univeriae e Coimbra e otor em direito

    pela univeriae e Pari. @ [email protected] em 31.12.2010 e aceito em 7.2.2011.