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- >D (M.): La narcolepsie. , 1917-1923. ,-. - Psicopatologia das Condutas Motoras o agir só pode ser concebido em uma dupla polaridade: por um lado, a de um corpo em movi- mento engajado em uma ação justificada pela fina- lidade e, por outro, a de um corpo em relação com um ambiente capaz de influenciar esse mesmo movimento. Assim, uma conduta motora simples poderá ser diferente conforme a criança estiver sozinha, na presença de seus pais, de estranhos, ou de sua professora. No próprio nível da motricidade, distingue-se, primeiramente, o tônus de fundo cuja evolução é fundamental durante os primeiros meses, em se- .guida, a melodia cinética que permite o encadeá- mento no tempo e no espaço de cada momento gestual, enfim, o automatismo do gesto. Porém, fato . essencial, há constantemente uma corréspondên- cia entre o tônus muscular e a própria motilidade que preside à harmonia do gesto, assim como uma correspondência entre o tônus da mãe e o da crian- ça, verdadeiro "diálogo tônico". Freada de início pela hipertonia fisiológica, a motilidade evolui no ritmo da maturação fisiológi- ca (desaparecimento dos reflexos primitivos, aqui- sição da oposição do polegar, etc.), mas também no ritmo das interações possíveis com o meio que ordena, orienta o campo evolutivo da criança e dá- lhe sua coerência. A aquisição de novas capacida- des motoras é indissociável da maneira como a cri- ança se representa e, ao mesmo tempo, da maneira como se sente agir (integração de um esquema cor- poral estático e dinâmico) e, por outro lado, da maneira pela qual o meio da criança acolhe essa motilidade e aceita as modificações que podem resultar disso. Deste modo, a motilidade poderá passar de uma gestualidade de imitação a uma ati- vidade operadora onde a praxia se torna o-suporte de uma atividade simbólica. A integridade das diversas vias motoras (vias piramidais, extrapiramidais e cerebelares) consti- tui, evidentemente, um pré-requisito a uma reali- zação gestual satisfatória, mas a integração do es- quema corporal estático e dinâmico e de sua rela- ção com o meio, com a dimensão afetiva que isso supõe, também são fundamentais. No domínio que vamos abordar aqui, essa segunda vertente é geral- mente a origem das dificuldades motoras encon- tradas. Em contrapartida, excluiremos desse campo as dificuldades motoras oriundas de uma lesão or- gânica manifesta das vias motoras: seqüelas de encefalopatia infantil, de hemip1egia infantil (ver p. 183). DISTÚRBIOS DA LATERALlZAÇÃO Motivo freqüente de inquietação dos pais, so- bretudo quando a lateralização parece ocorrer à esquerda, essas dificuldades devem ser bem explo- radas, antes de favorecer na criança a utilização . preferencial de uma ou de outra mão. A aborda- gem da aprendizagem da leitura e da escrita é, muitas vezes, o motivo aparente para a consulta, e é entre 5 e 6 anos que um parecer é solicitado. Lembremos que, a partir de cerca de 3 a 4 anos, começa a aparecer uma preferência lateral que, aos 4 e 5 anos, 40% das crianças ainda estão mal lateralizadas, aproximadamente 30% em torno de 5 e 7 anos e que, após esse período, além dos des- tros e canhotos homogêneos, sempre restará um certo número de crianças mallateralizadas, sem que tenham necessariamente dificuldades. Na popula- ção adulta, as porcentagens se estabelecem da se- guinte maneira: canhotos puros: 4%, destros pu- ros: 64%, ambidestros: 32% (Tzavaras). O estudo da lateralidade é feito em nível do olho, da mão e do pé. PQr lateral idade homogênea, entende-se uma lateralidade dominante idêntica nos três níveis: o ~lho dominante é aquele que permane- ce aberto, quando se pede que se feche um olho ou aquele com o qual a criança olha através de uma longa luneta (um rolo de papel), ocultando o outro com a mão; a mão dominante passa por cima da ou- tra, quando se pede que se cruze os braços ou que se coloque os punhos fechados um sobre o outro;

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Page 1: cap 5

->D (M.): La narcolepsie., 1917-1923.

,-.

-Psicopatologia dasCondutas Motoras

o agir só pode ser concebido em uma duplapolaridade: por um lado, a de um corpo em movi-mento engajado em uma ação justificada pela fina-lidade e, por outro, a de um corpo em relação comum ambiente capaz de influenciar esse mesmomovimento. Assim, uma conduta motora simplespoderá ser diferente conforme a criança estiversozinha, na presença de seus pais, de estranhos, oude sua professora.

No próprio nível da motricidade, distingue-se,primeiramente, o tônus de fundo cuja evolução éfundamental durante os primeiros meses, em se-.guida, a melodia cinética que permite o encadeá-mento no tempo e no espaço de cada momentogestual, enfim, o automatismo do gesto. Porém, fato

. essencial, há constantemente uma corréspondên-cia entre o tônus muscular e a própria motilidadeque preside à harmonia do gesto, assim como umacorrespondência entre o tônus da mãe e o da crian-ça, verdadeiro "diálogo tônico".

Freada de início pela hipertonia fisiológica, amotilidade evolui no ritmo da maturação fisiológi-ca (desaparecimento dos reflexos primitivos, aqui-sição da oposição do polegar, etc.), mas tambémno ritmo das interações possíveis com o meio queordena, orienta o campo evolutivo da criança e dá-lhe sua coerência. A aquisição de novas capacida-des motoras é indissociável da maneira como a cri-ança se representa e, ao mesmo tempo, da maneiracomo se sente agir (integração de um esquema cor-poral estático e dinâmico) e, por outro lado, damaneira pela qual o meio da criança acolhe essamotilidade e aceita as modificações que podemresultar disso. Deste modo, a motilidade poderápassar de uma gestualidade de imitação a uma ati-vidade operadora onde a praxia se torna o-suportede uma atividade simbólica.

A integridade das diversas vias motoras (viaspiramidais, extrapiramidais e cerebelares) consti-tui, evidentemente, um pré-requisito a uma reali-

zação gestual satisfatória, mas a integração do es-quema corporal estático e dinâmico e de sua rela-ção com o meio, com a dimensão afetiva que issosupõe, também são fundamentais. No domínio quevamos abordar aqui, essa segunda vertente é geral-mente a origem das dificuldades motoras encon-tradas.

Em contrapartida, excluiremos desse campoas dificuldades motoras oriundas de uma lesão or-gânica manifesta das vias motoras: seqüelas deencefalopatia infantil, de hemip1egia infantil (verp. 183).

DISTÚRBIOS DA LATERALlZAÇÃO

Motivo freqüente de inquietação dos pais, so-bretudo quando a lateralização parece ocorrer àesquerda, essas dificuldades devem ser bem explo-radas, antes de favorecer na criança a utilização

. preferencial de uma ou de outra mão. A aborda-gem da aprendizagem da leitura e da escrita é,muitas vezes, o motivo aparente para a consulta, eé entre 5 e 6 anos que um parecer é solicitado.

Lembremos que, a partir de cerca de 3 a 4 anos,começa a aparecer uma preferência lateral que, aos4 e 5 anos, 40% das crianças ainda estão mallateralizadas, aproximadamente 30% em torno de5 e 7 anos e que, após esse período, além dos des-tros e canhotos homogêneos, sempre restará umcerto número de crianças mallateralizadas, sem quetenham necessariamente dificuldades. Na popula-ção adulta, as porcentagens se estabelecem da se-guinte maneira: canhotos puros: 4%, destros pu-ros: 64%, ambidestros: 32% (Tzavaras).

O estudo da lateralidade é feito em nível doolho, da mão e do pé. PQr lateral idade homogênea,entende-se uma lateralidade dominante idêntica nostrês níveis:

o ~lho dominante é aquele que permane-ce aberto, quando se pede que se feche umolho ou aquele com o qual a criança olhaatravés de uma longa luneta (um rolo depapel), ocultando o outro com a mão;a mão dominante passa por cima da ou-tra, quando se pede que se cruze os braçosou que se coloque os punhos fechados umsobre o outro;

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o pé dominante chuta a bola na maioriadas vezes ou é escolhido para pular numpé só.

O importante é não mostrar à criança o gesto aser feito, pois assim uma imitação seria possível.

Quando a lateralidade é homogênea (direita ouesquerda), não há problema, mesmo que "ser ca-nhoto" possa complicar certos gestos do cotidiano(escrita, utilização de tesouras, chaleira ...). A taxade morbidade dos diversos distúrbios do desenvol-vimento não parece ser significativamente diferen-te entre uma população de canhotos e uma de des-tros.

-" Quando a lateralização não é homogênea, é/ .

importante deixar a criança totalmente livre em suaescolha para as atividades usuais até o início doúltimo ano do maternal (5 anos). Nessa série, ondeuma pré-aprendizagem da escrita pode ocorrer, émelhor não intervir muito cedo, mas, ao final doano letivo, deve-se começar a favorecer a utiliza-ção da mão direita, salvo se existir uma diferençapatente na habilidade gestual a favor da mão es-querda. Na maioria dos casos, a utilização da mãodireita não cria nenhum problema. Convém lem-brar que a aprendizagem e o treinamento intervêmde maneira decisiva até a idade adulta para in-fluenciar, e até mesmo modificar uma assimetriamanual.

Se dificuldades motoras aparecerem (disgrafia,ver abaixo), é preferível ajudar a criança por meiode uma reeducação grafomotora ou psicomotora,em sentido amplo, baseada no relaxamento e naobtenção de uma boa resolução muscular.

Relembremos que, em caso de lesões orgâni-cas (hemiplegia infantil, por exemplo), é semprepreferível favorecer a utilização de um lado nãolesado.

Ressaltemos, finalmente, um caso particular eparadoxal: a existêncla do que se poderia chamarde "falsos canhotos". Trata-se de crianças latera-lizadas à direita, mas que utilizam a mão esquerdapara as atividades mais valorizadas (em particular,a escrita). Tal utilização ocorre ou em um contextode oposição ao meio, ou como identificação comum membro da família (pai, mãe, avô, avó, tio, tia ...)canhoto. O temor do famoso "sinistrisrno contrari-ado" leva, às vezes, a permitir a essas crianças quese fechem em uma escolha neurótica aberrante,origem de dificuldades posteriores. Concebe-se

que, em tal contexto, a reeducação psicomotora oua psicoterapia consiste, antes de tudo, em fazer acriança tomar consciência de sua melhor habilida-de à direita e permitir-lhe libertar-se de sua esco-lha patológica.

A DlSGRAFIA

Uma criança disgráfica é uma criança cuja qua-lidade da escrita é deficiente, mesmo que não hajanenhum déficit neurológico ou intelectual que possaexplicar essa deficiência.

É difícil encontrar um lugar satisfatório para oproblema da disgrafia, considerando-se as múlti-plas interferências com a motricidade enquanto tal,mas também a relação da criança com seu profes-sor, o lugar que a aprendizagem escolar ocupa nadinâmica familiar, o valor simbólico da escrita, dapreensão de uma caneta, etc. A escrita, momentosignificativo e transcrição gráfica da linguagem,depende, por um lado, de uma aprendizagem esco-lar hierarquizada e, por outro, de fatores matura-tivos individuais, enfim, de fatores lingüísticos,práxicos, psicossociais que presidem em conjuntoà sua realização funcional. Não abordaremos aquia pedagogia da escrita, lembrando apenas a impor-tância que se deve dar ao problema da relação en-tre leitura-escrita, ao valor expressivo da escrita,enfim, à motricidade gráfica própria à criança. So-bre este último ponto, parece que o efeito damaturação funcional seja mais significativo que oda aprendizagem, pelo menos para a cópia de es-crita e isso, aproximadamente até a idade de 5 anose 9 meses - 6 anos (Auzias): antes dessa idade, ascrianças são, em sua maioria, incapazes de execu-tar cópias legíveis e de decifrar o que copiaram.Em compensação, uma vez atingida a maturidademotora e manual, a qualidade da aprendizagem tor-na-se então uma variável essencial.

O estudo clínico da disgrafia mostra que ela seassocia, freqüentemente, a outras séries de dificul-dades. São encontradas as seguintes associações:

desordem da organização matara: debili-dade motora, perturbações leves da orga-nização cinética e tônica (dispraxia menor),instabilidade; çot'(!(ll ~ •....( (\b()ú 1 6.).'

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seqüencial do gesto e do espaço e por dis- • de uma inabilidade da motilidade voluntária,túrbios do conhecimento, da representação os gestos são rudes, pesados, como que obstruídos,e da utilização do corpo, sobretudo em sua a conduta é pouco graciosa, Frente a uma tarefa ouorientação espacial; a uma gestualidade precisa, a criança não se insta-perturbação da linguagem e da leitura: Ver Ia bem (mal sentada, em desequilíbrio __.);dislexia e disortografia, p, 96; • de sincinesias, isto é, de movimentos que se di-distúrbios afetivos: ansiedade, febrilidade, fundem a grupos musculares normalmente não en-inibição, podendo chegar à constituição de volvidos por um gesto preciso, Deve-se distinguirum verdadeiro sintoma neurótico em que o as sincinesias de imitação, difundindo-se, em ge-significado simbólico da escrita e do lápis ral, horizontalmente (os movimentos de pronossu-na mão tornam-se prevalentes. Reais con- pinação da marionete de uma mão estendo-se paradutas fóbicas ou obsessivas face à escrita a outra), e as sincinesias tônicas, difundindo-se,podem se manifestar por meio de uma com freqüência, de acordo com o eixo vertical (mo-disgrafia cuja característica é ser, freqüen- vimentos bucofaciais significativos, quando dotemente, isolada, variável segundo a natu- movimento das mãos, movimentos dos braços du-reza da escrita ou da pessoa a quem se en- rànte gestos feitos pelos membros inferiores), ocor-dereça a escrita, e contrastar com uma ha- rendo apenas em algumas crianças e persistindobilidade gestual e manual conservada ,de com a idade, As sincinesias tônicas parecem muitooutro modo (desenho). . mais patológicas; ,.

• de uma paratonia, enfim, que se caracteriza pelaimpossibilidade ou pela extrema dificuldade dechegar a um relaxamento muscular ativo, Assim, acriança, diante do examinador que segura suas mãosou antebraços, mantém-nos na mesma posição naausência de sustento, mesmo que se peça a ela quese descontraia. Essa paratonia, espécie de contraturacérica que, para alguns, pode chegar à catalepsia,representa um entrave maior para uma motilidadeflexível e harmoniosa.

Reflexos um tanto vivos, alguns sinais mínimosde irritação piramidal podem acompanhar essasmanifestações. Para Dupré, a origem orgânica des-sa debilidade motora era clara, já que diz respeitoa um processo de parada no desenvolvimento dosistema piramidal. Em compensação, deve serdistinguida das anomalias lesionais das vias motorase das perturbações motoras que acompanham adeficiência mental profunda (ver p. 127).

Após sua descriçãe inicial, essa "debilidademotora" teve uma extensão notável e excessiva,visto que certos autores não hesitavam em rotularsob esse vocábulo perturbações que vão da coréiaà gagueira, passando pelos tiques, pela instabilida-de, pela psicopatia, etc. Assim, encontravam-sereunidas sob um vocábulo único manifestações denatureza e de origem patogênica muito diversas.Pode-se imaginar os riscos de tal extensão.

Em nossa época, esse conceito deve ser delimi-tado com mais rigor. Devem-se dele excluir as sín-dromes neurológicas que revelam uma lesão focal

Essas diversas origens podem ser reagrupadaschegando ao "esboço da cãimbra infantil", cornpa-rável à cãimbra do escritor no adulto. Encontram-se então diversamente associadas:" uma inabilida-de, uma paratonia, reações de-catástrofe diante daatividade de escrita, dificuldades de lateralizaçãoou de leitura, atitudes"cbn.flituais de tipo neurótico.

O exame no'm.om~"h·toda escrita evidencia uma. .crispação muito grande de todo o braço, paradasforçadas durante a escrita, fenômenos dolorosos namão e no braço, uma grande sudorese, os quaisacarretam, evidentemente, um extremo desprazerao escrever.

A abordagem terapêutica depende do registrode dificuldades associadas à disgrafia e da signifi-cação desta na organização psíquica da criança:reeducação grafomotora e psicomotora, quandopredominam as perturbações espaço-temporais eos distúrbios motores; relaxamento, quando adistonia-parece prevalente e manifesta-se uma"cãimbra da escrita"; contorno do sintoma e abor-dagem psicoterápica, quando as condições afetivasestão em primeiro plano e o sintoma parece se in-tegrar em uma estrutura neurótica.

DEBILIDADE MOTORA

Em 1911, Dupré isola uma entidade particularque denomina "debilidade motora", fruto da asso-ciação:

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e reservar esse termo às dificuldades motoras liga-das aos afetos que exprimem na criança tanto o mal-estar de "estar em seu corpo", quanto de ocupar oespaço e nele se mover em uma motilidade intenci-onal e simbolizada suficientemente fluida. A "de-bilidade motora", enquanto sintoma, é encontradaassim em crianças de emotividade invasiva, comfreqüentes mas discretas perturbações do esquemacorporal, e uma vida fantasmática, às vezes, domi-nada por uma distinção medíocre entre o eu e omeio. Todavia, em outras, tal debilidade pode re-duzir-se a uma inabilidade gestual, cuja significa-ção neurótica é evidente, quando estiver ligada auma pessoa ou a um meio específico.

DISPRAXIAS DA CRIANÇA

Não há fronteiras muito precisas entre a debili-dade motora grave e o que se chama agora dedispraxias da criança. Estas últimas se caracteri-zam pela existência de profundas perturbações daorganização do esquema corporal e da representa-ção espaço-temporal.

No plano clínico, trata-se de crianças incapa-zes de executar certas seqüências de gestos ou queo fazem com uma extrema inabilidade: vestir-se,amarrar os sapatos, abotoar a camisa, andar de bi-cicleta sem as rodinhas auxiliares, após 6 a 7 anos.Suas dificuldades são ainda maiores no nível darealização de seqüências rítmicas (por exemplo,bater alternadamente nas mãos e depois nos joe-lhos), nas atividades gráficas (disgrafia maior, me-diocridade do desenho de uma figura humana. Oinsucesso é maciço nas operações espaciais e nasoperações lógico-matemáticas. Provas como as deBender ou da figura de Rey revelam bem essas di-ficuldades. Tudo isso leva, evidentemente, a umamplo fracasso escolar e, em grande parte, reacionalaos distúrbios iniciais.

A linguagem, por outro lado, mesmo que nãoseja estritamente normal, é muito menos perturba-da proporcionalmente.

O exame neurológico é quase sempre normal:os testes de imitação dos gestos, de designação dasdiversas partes do corpo fracassam parcial ou to-talmente.

No plano afetivo, distinguem-se dois grupos decrianças. O primeiro apresenta dificuldades motorasprevalentes, sem traços psicopatológicos marcan-

tes; percebe-se, certamente, uma imaturidade ouatitudes infantis, uma inibição nos contatos, pro-vavelmente em parte reacional, pois a criançadispráxica é, muitas vezes, objeto de risos e de brin-cadeiras de seus congêneres, mas permanece noâmbito de um desenvolvimento psicoafetivo sensi-velmente normal. O segundo grupo, por outro lado,manifesta perturbações mais profundas da organi-zação da personalidade, traduzidas no plano clíni-co por seu aspecto bizarro, pela dificuldade de con-tato, por seu relativo isolamento do grupo das cri-anças. Quanto aos testes de personalidade, as cri-anças desse grupo revelam, em geral, uma vidafantasmática tomada por temas arcaicos. Em taiscrianças, levanta-se a questão de uma organizaçãopré-psicótica ou psicótica.

A abordagem terapêutica depende da profun-didade dos distúrbios da personalidade associados.É desejável, até mesmo indispensável, uma terapiapsicomotora, um auxílio pedagógico. A abordagempsicoterápica é seguidamente necessária.

INSTABILIDADE PSICOMOTORA

A "instabilidade" é um dos grandes motivos deconsulta em psiquiatria infantil. Na maior parte doscasos, trata-se de meninos (60 a 80%). Ora a soli-citação de consulta vem da família, particularmen-te em crianças em idade pré-escolar, entre 3 a 4 e 6a 7 anos: "ele não pára", "ele não fica no lugar","mexe em tudo", "não ouve nada", "ele me esgo-ta", constituem as observações essenciais da lada-inha familiar. Ora, em idade escolar, entre 6 e 1O a12 anos, o professor leva os pais a consultar umclínico, centralizando suas observações mais so-bre a instabilidade da atenção do que sobre o com-portamento: "está sempre voando", "tem a cabeçana lua", "é distraído", "poderia ser um aluno me-lhor, se fosse atento", etc. Pelas queixas, revela-se,desde já, a dupla polaridade da instabilidade: o pólomotor e o pólo das capacidades de atenção.

Todavia, convém inicialmente limitar o quadroda instabilidade e relembrar a existência de umperíodo na criança de 2 a 3 anos, até mesmo mais,em que sua atenção é naturalmente lábil, em quesua motricidade explosiva a leva a multiplicar suasdescobertas e experiências. O meio que a cerca nemsempre aceita com facilidade essa conduta que, pormuitas razões (atitude rígida dos pais, excessiva

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exigüidade dos espaços de habitação, exigênciaaberrante da escola), não é tolerada. Isso é aindamais importante, porque a criança corre então orisco, diante da intolerância do meio e de suas exi-gências inacessíveis, de acentuar essa conduta e dese instalar em uma verdadeira instabilidade reativa.Observemos, a esse respeito, que a vida urbana atualnão é muito adaptada às necessidades de catarsemotora da criança, e dá provas de uma grande into-lerância ao que se torna com muita facilidade uma"instabilidade" patológica. Citemos, entre outros,os ritmos escolares, a freqüente exigüidade dosapartamentos, a ausência de espaços verdes ou deárea de lazer, etc .

posta, Assim, a instabilidade reativa pode ser en-contrada após intervenções cirúrgicas, separações,dissociações familiares, etc.

Em outras crianças, a instabilidade parece rela-tivamente isolada: não existem dificuldades maio-res nos outros eixos de desenvolvimento, o equilí-brio psicoafetivo não parece francamente pertur-bado. O nível intelectual é normal. Apresenta-seentão o problema do grau de tolerância do meio,particularmente familiar, a esse traço de comporta-mento. É provável que algumas crianças apresen-tem de modo congênito uma motricidade mais "ex-plosiva" que outras. Nestes últimos casos, a res-posta do meio por uma intolerância ou por exigên-cias demasiado grandes corre o risco de fixar, em

.~--• No plano clínico, convém, pois, distinguir ains- seguida, a reação motora em um estado patológi-tabilidade motora propriamente dita, em que a cri- co, determinando de algum modo uma maneiraança se movimenta continuamente (corre daqui para particular de ser: a instabilidade.

e- lá, cruza e descruza as pernas ou braços quando Por 'vezes, outras manifestações psicopato-sentada ...) e a desatenção ou instabilidade psiqui- lógicas associam-se a essa instabilidade: enurese,ca. Se, na maioria das vezes, essas duas formas de -distúrbios do sono, dificuldades escolares, compor-instabilidade estão associadas, uma delas pode so- tamentos agressivos com reação de prestância, con-brepujar a outra em algumas crianças. O exame dutas provocadoras e perigosas, grande susceti-somático é normal.

bilidade e tendência à destruição e autodestruição.O balanço psicomotorevidencia, com freqüên- ,· I' da i bilidad . bilid As vezes, a criança procura punir-se ou ser punida.Cla,a em a msta I I e motora, uma insta I I a- . , , , ,

d I " •. de " - de arestância" L,·..,Nesse caso, a instabilidade pode assumir o sig-e postura e a existencia e reaçao e prestancia ifi d d b d ' - A

\Ir 11 itudes emni f --,- rJl' m Ica O e uma usca e autopurnçao, como se ve(na on): atitu es empma~s a ultornor as ~. .O d d ~ ,-ç ',. W \Ir. dJ.." d em cnanças que sofrem de um sentimento de culpa

estu o o tonus permite istmgurr, segun o , 'E . - . bilid d 'I . (B )' . b '1'd d neurotico. m outras situações, a msta I I a e ea zuns autores erges Insta I I a es com , 'b. .' ou a resposta a uma angustia permanente, sobretu-

paratorua caractenzadas por um fundo permanen- d d domi , ,. , , O quan O pre ommam os mecamsmos mentaiste de contraturas ou de tensão, onde a instabilidade " , ' . I d d. ", ,,_ projetivos persecutorros ou um equrva ente e e-surge como uma escapada em relaçao a esse es- " , ' .· I' ilid d . b I ~ fesa maruaca diante de angustias depressivas, outado de contro e, e instabi 1 a es cujo a anço to- d b d· d ' e a an ono.

nICOparece normal, mas on e existem, em com- A ' bilid de nsi . d '. , ., . . msta I I a e psicornotora e, antes e maispensação, murneros sinais de uma ernotividade da.um si I d b' ., , . ., na a, um sintoma e, enquanto ta ,po e ser o ser-mvasiva, ate mesmo caouca: olhar mquieto, gran- d di '-' I' ', ' va a em iversas orgamzaçoes psicopato oglcas.de sobressalto a menor surpresa, umidade das mãos, E I' d f ..~ , d 'A', ntretanto, a em a requencia e uma vivenciaacesso vasomotor do rosto ... Essas cnanças pare- d iva subi d - ' bilid d

' • •• A' epresslva su jacente, sen o entao a msta I I a e" cem estar num estado permanente de hipervigilância did d c d' . . . compreen I a como uma elesa contra a epres-ansiosa, como se o meio pudesse ser, a cada ms- - ( 253)' , ,. . sao ver p. , esse sintoma parece, em mumerostante penO'oso ou mseguro. . . _ '

, o casos, integrar-se em uma orgaruzaçao psicopa-• O contexto psicológico é variável. De início, a tológica, de tipo pré-psicose (ver p. 278) ou desar-

< - instabilidade pode fazer parte de um estado reacio- monia de evolução (ver p. 280),nal a uma situação traumatizante ou ansiogênicapara a criança. Lembremos que, quanto mais jo-vem for a criança, mais seu modo de expressão deum mal-estar ou de uma tensão psíquica passaráfacilmente pelo corpo. O agir é, inicialmente, amodalidade mais espontânea e mais natural de res-

• No plano familiar, com freqüência, encontra-senessas crianças instáveis uma constelação particu-lar: mãe próxima de seu filho, mas essa proximida-de normalmente mascara fantasmas agressivos oude morte; pai distante, desqualificado pela mãe ou

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que se desqualifica ele próprio na relação com seufilho, com uma agressividade, às vezes, cruamenteexpressa para com a criança, vista como um con-corrente direto em relação à mãe (Ch. Flavigny).• A resposta terapêutica, face a essa criança ins-tável, a dar à própria criança e à sua família não ébem entendida univocamente. Dependerá da rea-ção do meio à instabilidade, reação que pode ir dapunição ou da coerção franca à complacência, emesmo à provocação; dependerá da existência ounão de distúrbios associados (fracasso escolar,enurese ...); dependerá igualmente da profundida-de dos distúrbios da personalidade. Assim, a açãoterapêutica poderá apoiar-se seja em uma reorde-nação educativa (conselhos educativos aos pais ouà escola, prática de esportes ou de centros de lazer),seja em uma tentativa de reinvestimento libidinalpositivo do conjunto do corpo estático (relaxamen-to) ou dinâmico (diversos jogos psicomotores, dan-ça rítmica), seja em uma busca de libertação dosconflitos psicoafetivos (psicoterapia).

Para concluir, relacionaremos a "instabilidadepsicomotora" ao que os autores anglo-saxões cha-mavam de "criança hipercinética" e que, atualmen-te, chamamos de "distúrbios deficitários da aten-ção", tais como são descritos no DSM-III. Para umacrítica dessa síndrome, remetemos o leitor à p. 282.

OS TIQUES

Os tiques consistem na execução repentina eimperiosa, involuntária e absurda, de movimentosrepetidos que representam geralmente uma "cari-catura de ato natural" (Charcot). Sua execução podeser precedida de uma necessidade, sua repressão,causar um mal-estar. A vontade ou a distração po-dem suspendê-l os temporariamente e, de hábito,desaparecem durante o sono.

Os tiques do rosto são os mais freqüentes:contratura das pálpebras, franzimento dos super-cílios, ríctus, prostração da língua, movimento doqueixo ... No nível do pescoço, observam-se tiquesde aceno, de saudação, de negação, de rotação; ci-temos também os tiques do levantar de ombros, dosbraços, das mãos, dos dedos e, enfim, os tiques res-piratórios (fungar, bocejar, assoar-se, tossir, soprar,etc.) ou fonatórios (estalar da língua, resmungo,gritos mais ou menos articulados, latido).

Todos esses tiques podem ser isolados ou asso-ciados, permanecerem idênticos em um mesmopaciente ou se sucederem. Surgem geralmente porvolta dos 6 aos 7 anos e instalam-se pouco a pou-co. Antes do surgimento do tique, o sujeito experi-menta, às vezes, uma sensação de tensão, e o tiquese manifesta como uma espécie de descarga que oalivia. Não é raro que um sentimento de vergonhaou de culpa acompanhe O tique, sentimento quepode ser reforçado pela atitude do meio.

Devem-se distinguir os tiques dos diversos ou-tros movimentos anormais que não têm nem abrusquidão nem o aspecto estereotipado: movimen-tos coréicos, gestos conjuratórios de certos obses-sivos graves (limpar os pés no capacho, tocar pre-ventivamente um objeto ...), estereotipia psicótica(marcada pela fineza e bizarria do gesto), ritmiasdiversas (dos membros, da cabeça) menos bruscas.A evolução permite distinguir:

• os tiques transitórios, passageiros, que podemser relacionados a diversos hábitos nervosos. De-saparecem espontaneamente e são, de longe, osmais freqüentes;• os tiques crônicos que constituem uma afecçãoduradoura acompanhando uma organização neuró-tica caracterizada.• O significado do tique não é unívoco. Ele fazparte das condutas desviantes que se instalam emuma fase evolutiva particular da criança, e cujapersistência pode servir de ponto de ancoragem amúltiplos conflitos posteriores, assumindo, por essarazão, significados sucessivos, até perder pouco apouco seu(s) significado(s) inicial(s), para tornar-se uma espécie de maneira de ser profundamenteancorada no soma.

No início, o tique pode ser uma simples condu-ta motora reativa a uma situação de ansiedade pas-sageira (durante uma doença, uma separação ...). Noentanto, traduz a facilidade com que algumas cri-anças passam para a motricidade os afetos, confli-tos e tensões psíquicas. A associação com uma ins-tabilidade é, de resto, freqüente. Diante dessa faci-lidade, concebe-se que o tique possa se tornar umavia de descarga tensional privilegiada.

A associação de tiques e de traços obsessivos éfreqüente. Trata-se de crianças que se controlamcom uma grande vigilância, que reprimem ativa-mente uma agressividade cuja intensidade pode serou hereditária ou o resultado de situações trauma-

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tizantes reais; o tique assume então um significadoou diretamente agressivo, em uma simbolizaçãogrosseira, ou autopunitivo, pelo retorno dessaagressividade contra si próprio. O contato com acriança portadora de tiques é, em geral, difícil,mesmo distante. É raro que a criança fale esponta-neamente de seu sintoma, chegando, às vezes, anegá-Io. Aparentemente submissa e passiva, essapassividade mascara, na verdade, uma forte oposi-ção. Não é raro que seus desenhos sejam per-feccionistas e rigorosos, surgindo os tiques em aces-sos e interrompendo esse grafismo controlado.

Em outros casos, o tique assume um significa-do mais direto de conversão histérica. Observa-seisso sobretudo em crianças mais velhas ou em ado-lescentes, após acidentes, intervenções cirúrgicas.

Seja qual for o significado psicodinâmico paraa própria criança, a resposta do meio, sobretudodos pais, às primeiras manifestações de tiques podeser determinante na evolução. Observações dema-siadamente insistentes, brincadeiras, e mesmo umaproibição, vão aumentar a ansiedade ou a angústiae relacioná-Ia diretamente às descargas motoras.Estas últimas se encontrarão assim relacionadas àsimagens parentais e carregarão, por essa razão, acarga libidinal ou agressiva relativa. Deste modo,instala-se uma organização neurótica, servindo O

tique para reforçar o conflito e, ao mesmo tempo,para descarregar a tensão pulsional que permite li-berar o retorno do reca1cado. O significado simbó-lico do tique será, muito evidentemente, variávelpara cada criança, conforme suas próprias linhasde desenvolvimento e seus próprios pontos con-flituais.

Em um nível mais arcaico, o tique pode ocorrerem crianças que apresentam graves distúrbios dapersonalidade, evocando organizações psicóticas.Ele pode, então, assumir o significado de descarga

'.pulsional direta em um corpo cuja vivência frag-mentada está tão próxima que deve sempre ser con-trolado e sob tensão.

• Atitude terapêutica: a maioria dos medicamen-tos psicotrópicos não têm ou tiveram pouca açãosobre os tiques, à exceção dos butirofenonas, cujaposologia eficaz apresenta grandes variações de umpaciente a outro.

No nível da família, é importante que a ansie-dade diante desse sintoma e as reações que ela sus-cita possam ser compreendidas, reconhecidas e

acalmadas, se quisermos que os conselhos (nãoprestar atenção aos tiques, não reprimi-Ios nemsupervalorizá-Ios) sejam seguidos.

Com relação à própria criança, a abordagemterapêutica depende simultaneamente dos distúr-bios psicopatológicos associados e do papel queos tiques continuam a desempenhar aí. Pode-seassim propor:

uma terapia psicomotora ou um relaxamen-to, quando o tique tem um significado es-sencialmente reativo e a ele se associa umcomportamento motor feito de instabilida-de ou de inabilidade;uma psicoterapia quando o sintoma estáinserido em uma organização neurótica oupsicótica que lhe dá sua significação e queo próprio tique reforça;uma terapia comportamental de tipo "irner-são" ou "descondicionamento operante"(pede-se ao paciente que execute o tique,diante de um espelho, durante meia horatodos os dias ou a cada dois dias), quandoo sintoma aparece mais como um hábitomotor, tendo perdido em grande parte seusignificado original.

Quaisquer que sejam essas terapias, um certonúmero de crianças, mesmo melhorando, conser-vam-nos e tornar-se-ão adultos portadores de ti-ques.

• A doença de GilIes de Ia Tourette. Individuali-zada sob esse nome pelo DSM-III, a doença deGilIes de Ia Tourette caracteriza-se pela associa-ção:

a) de tiques numerosos, recorrentes, repeti-tivos, rápidos, estabelecendo-se, na maio-ria das vezes, no rosto e nos membros su-periores;

b) múltiplos tiques vocais sob forma de co-prolalia ("palavrões"), de ecolalia (repeti-ção em eco do que disse o interIocutor), degrunhidos, aspirações, latidos ...

Essa afecção começa, geralmente, entre 2 e 15anos, e é duradoura (um ano ou mais). A intensida-de dos tiques é variável, dependendo em parte docontexto; o sujeito pode suprimir voluntariamenteseus tiques durante alguns minutos ou algumas ho-ras.

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Em associação com essas manifestações, cer-tos autores descreveram anomalias neurológicas"menores" (hiper-reatividade, sinais neurológicosdiscretos, anomalias não específicas no EEG).

Na verdade, esse conjunto sindrômico é bas-tante raro, podendo os tiques motores existirem iso-ladamente sem os tiques vocais, falando-se entãode "doença dos tiques" (Guinon); essa doença deve,entretanto ser distinguida da "doença de Gilles deIa Tourette" propriamente dita.

Ocorreram recentemente inúmeras discussõesetiopatológicas, atualizadas pelo centenário da pri-meira descrição da doença (1885). Classicamenteconsiderada como uma forma neurótica particularentrando, na maior parte das vezes, no quadro deuma psicopatologia obsessiva, alguns autores in-vocam uma etiologia lesional (no nível dos neuro-transmissores) em razão das discretas perturbaçõesobservadas e da eficácia de certos psicotrópicos(butirofenona, pimozide, c1onazepam). No entan-to, os resultados divergentes dos estudos neurobio-químicos não permitem "propor atualmente umaexplicação bioquímica coerente dessa síndrome"(Dugas). Certas psicoterapias, ao contrário, atra-vés do sentido dos diversos tiques reencontrado edesvelado e da evolução às vezes favorável que sesegue, defenderiam uma origem neurótica ou pré-neurótica, borderline (Lebovici e Col.).

~~~B~TRlCOTILOMANL'(- ONIC AGIA

A tricotilomania caracteriza a necessidade maisou menos irresistível de se manipular, de se acari-ciar, de se puxar, até mesmo de se arrancar os ca-belos. Grandes vazios no couro cabeludo podemaparecer, assim, quando os cabelos são arrancadosaos tufos. Em certos casos, a criança come seuscabelos, provocando um bezoar. Mesmo não ha-vendo um significado unívoco para esse sintoma,os autores insistem ora no pólo auto-erótico (carí-cia, auto-estimulação do couro cabeludo), ora nopólo auto-agressivo. Aliás, essa conduta pode apa-recer em situações de frustração ou de carência:separação dos pais, falecimento de um deles, nas-cimento de um irmão, entrada em uma instituição ...e ser apenas uma das condutas desviantes no seiode um quadro mais vasto.

Mais freqüente ainda é a onicofagia, já que,segundo certos autores, seria encontrada em 10 a

30% das crianças. Esse comportamento persiste,aliás, em numerosos adultos. Ainda que não se pos-sa descrever um tipo psicológico de criançaonicofágica, são freqüentemente sujeitos ansiosos,vivos, ativos e autoritários. Outros traços de com-portamentos desviantes não são raros: instabilida-de psicomotora, enurese.

Se a criança não se constrange quando peque-na, com a idade, em particular no caso de uma ado-lescente, um sentimento de constrangimento e atémesmo uma verdadeira vergonha podem acompa-nhar a onicofagia, sendo relevante o prejuízo esté-tico.

No plano teórico, alguns autores determinaramnessa conduta um deslocamento auto-erótico queassocia o prazer da sucção e um equivalente mas-turbatório bastante direto, com uma conotação auto-agressiva e punitiva, tanto pelas lesões provocadasquanto pela reação de desaprovação do meio. Épossível, de resto, que a reação ansiosa, interditoraou agressiva dos pais diante das primeiras tentati-vas de onicofagia de seu filho nele provoque umafixação a essa conduta que assume então um signi-ficado neurótico.

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