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1 1 CAO – Crim Boletim Criminal Comentado n°129, 3/2021 (semana nº 3) Procurador-Geral de Justiça Mário Luiz Sarrubbo Secretário Especial de Políticas Criminais Arthur Pinto Lemos Junior Assessores Fernanda Narezi P. Rosa Ricardo José G. de Almeida Silvares Rogério Sanches Cunha Valéria Scarance Paulo José de Palma (descentralizado) Artigo 28 e Conflito de Atribuições Marcelo Sorrentino Neira Roberto Barbosa Alves Walfredo Cunha Campos Analistas Jurídicos Ana Karenina Saura Rodrigues Victor Gabriel Tosetto

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CAO – Crim Boletim Criminal Comentado n°129, 3/2021

(semana nº 3)

Procurador-Geral de Justiça

Mário Luiz Sarrubbo

Secretário Especial de Políticas Criminais

Arthur Pinto Lemos Junior

Assessores

Fernanda Narezi P. Rosa

Ricardo José G. de Almeida Silvares

Rogério Sanches Cunha

Valéria Scarance

Paulo José de Palma (descentralizado)

Artigo 28 e Conflito de Atribuições

Marcelo Sorrentino Neira

Roberto Barbosa Alves

Walfredo Cunha Campos

Analistas Jurídicos

Ana Karenina Saura Rodrigues

Victor Gabriel Tosetto

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Boletim Criminal Comentado 129- Março-

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SUMÁRIO

ESTUDOS DO CAOCRIM.........................................................................................................................3

1-Tema: Apelação- tráfico de drogas - causa de diminuição de pena - art 41 da Lei de drogas - não

cabimento.............................................................................................................................................3

2- Tema: ANPP em crimes tributários...................................................................................................3

3- Tema: Agravo em execução penal. Decisão que, diante da pandemia da COVID-19, deferiu em

favor do agravado 60 horas fictas de prestação de serviços à comunidade, por analogia ao art. 126,

§ 4º, da LEP. Impossibilidade................................................................................................................4

STF/STJ: decisões de interesse institucional COMENTADAS PELO CAOCRIM.......................................5

DIREITO PROCESSUAL PENAL:...............................................................................................................5

1-Tema: Sexta Turma reafirma invalidade de prova obtida pelo espelhamento de conversas via

WhatsApp Web.....................................................................................................................................5

DIREITO PENAL:.....................................................................................................................................8

1- Tema: Queixa-crime. Calúnia contra pessoa morta. Retratação cabal antes da sentença. Ato

unilateral. Extinção da punibilidade. Artigos 143 e 107, VI, do Código Penal.......................................8

2-Tema: Mantida regra que permite remuneração de presos em 3/4 do salário mínimo ..................9

MP/SP: decisões do setor art. 28 do CPP............................................................................................12

1-Tema: Acordo de não persecução penal proposto em audiência – não aceitação da defesa quanto

à condição de reparação do dano – inconformismo quanto à recusa em razão de prévia suspensão

condicional do processo – prosseguimento da ação penal.................................................................12

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ESTUDOS DO CAOCRIM

1-Tema: Modelo de Apelação- tráfico de drogas- causa de diminuição de pena- art 41 da Lei de

drogas- não cabimento

Dispõe o art. 41 da Lei 11.343/06 (Lei de Drogas):

Art. 41. O indiciado ou acusado que colaborar voluntariamente com a investigação policial e o

processo criminal na identificação dos demais coautores ou partícipes do crime e na recuperação

total ou parcial do produto do crime, no caso de condenação, terá pena reduzida de um terço a

dois terços.

Percebe-se, da simples leitura do dispositivo, que o reconhecimento da causa de diminuição de

pena nele previsto pressupõe que o indiciado/acusado, por sua colaboração voluntária com a

investigação policial e/ou processo criminal, conduza:

(i) à identificação dos demais coautores ou partícipes do crime; e,

(ii) à recuperação, total ou parcial, do produto do crime.

São cumulativos. Logo, faltando um deles, inviável a aplicação da minorante.

Compartilhamos, nesse estudo, o recurso interposto pelo colega Flávio Turessi, no qual explora

bem a tese acima.

Clique aqui

2- Tema: ANPP em crimes tributários

É sabido que uma das condições legais para o ANPP é a reparação do dano (art. 28-A, I, CPP).

No caso dos crimes tributários, questiona-se o alcance dessa condição, discussão que já existe em

sede de suspensão condicional do processo (art. 89, Lei 9.099/95).

É que a quitação do imposto tem como consequência a própria extinção da punibilidade. Diante

desse cenário, o TJ-SP verificou um “impedimento incoerente ao benefício do artigo 89 da Lei

9.099/95”, concluindo que, “afinal, a lógica evidencia que uma coisa não pode ser e não ser ao

mesmo tempo” (Habeas Corpus 2102385-65.2018.8.26.0000, j. 28/6/18).

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Entendemos legítimo condicionar o ajuste ao ressarcimento do valor principal, mas sem os

assessórios. A reparação global implica, por si só, na extinção da punibilidade, independentemente

do ANPP, podendo prejudicar, consequentemente, qualquer outra condição presente no termo.

Já a reparação do valor principal, diferentemente, não impede a persecução penal (que tem no

ANPP uma das formas de o Estado agir), podendo a Fazenda Pública, quanto aos assessórios,

analisando a conveniência e oportunidade da sua cobrança, ajuizar a competente execução fiscal.

Aliás, recomendamos que o promotor de Justiça faça constar do acordo uma cláusula ressaltando

que o ajuste não impede ou inibe outros legitimados a cobrarem valores não abrangidos pela

reparação do dano acordada.

Compartilhamos, nesse estudo, modelo de ANPP encaminhado pelo colega Luiz Henrique Dal Poz.

Clique aqui .

3- Tema: Agravo em execução penal. Decisão que, diante da pandemia da COVID-19, deferiu em

favor do agravado 60 horas fictas de prestação de serviços à comunidade, por analogia ao art.

126, § 4º, da LEP. Impossibilidade

Modelo de Agravo de Execução Penal - Clique aqui

TJSP- Agravo de Execução Penal nº 0017495-69.2020.8.26.0224

Agravo em execução penal. Decisão que, diante da pandemia da COVID-19, deferiu em favor do

agravado 60 horas fictas de prestação de serviços à comunidade, por analogia ao art. 126, § 4º, da

LEP. Impossibilidade. Ao reconhecer horas fictas de prestação de serviços à comunidade, a r.

decisão acaba por favorecer o sentenciado, indevidamente, com uma hipótese de perdão não

prevista no ordenamento vigente. O momentâneo impedimento provocado pela pandemia ao

cumprimento de penas restritivas de direitos, por parte do condenado, impede a sua conversão em

pena privativa de liberdade, desencadeando como consequência a sua suspensão temporária até

cessarem os motivos que a ensejaram. Violação à isonomia. Benefício afastado. Provimento do

agravo ministerial.

Clique aqui para ter acesso ao acórdão

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STF/STJ: decisões de interesse institucional COMENTADAS PELO CAOCRIM

DIREITO PROCESSUAL PENAL:

1- Tema: Sexta Turma reafirma invalidade de prova obtida pelo espelhamento de conversas via

WhatsApp Web

STJ- PUBLICADO EM NOTÍCIAS DO STJ

Por unanimidade, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) aplicou entendimento já

firmado pelo colegiado para declarar que não podem ser usadas como provas as mensagens

obtidas por meio do print screen da tela da ferramenta WhatsApp Web.

No caso julgado, o recorrente e dois corréus foram denunciados por corrupção. Segundo os autos,

telas salvas com diálogos obtidos a partir do WhatsApp Web teriam sido entregues por um

denunciante anônimo aos investigadores.

No recurso, a defesa alegou constrangimento ilegal sob o argumento de que os prints das telas de

conversas, juntados à denúncia anônima, não têm autenticidade por não apresentarem a cadeia de

custódia da prova.

O relator, ministro Nefi Cordeiro, afirmou que não se verificou ilegalidade no inquérito policial,

pois, após a notícia anônima do crime, foi adotado um procedimento preliminar para apurar

indícios de conduta delitiva, antes de serem tomadas medidas mais drásticas, como a quebra do

sigilo telefônico dos acusados.

Sem vestígios

O magistrado esclareceu que as delações anônimas não foram os únicos elementos utilizados para

a instauração do procedimento investigatório, como demonstra o acórdão proferido no RHC

79.848.

Ele apontou ainda que o tribunal estadual não entendeu ter havido quebra da cadeia de custódia,

pois nenhum elemento probatório demonstrou adulteração das conversas espelhadas pelo

WhatsApp Web ou alteração na ordem cronológica dos diálogos.

No entanto, destacou o relator, a Sexta Turma tem precedente que considera inválida a prova

obtida pelo espelhamento de conversas via WhatsApp Web, porque a ferramenta permite o envio

de novas mensagens e a exclusão de mensagens antigas ou recentes, tenham elas sido enviadas

pelo usuário ou recebidas de algum contato, sendo que eventual exclusão não deixa vestígio no

aplicativo ou no computador (RHC 99.735).

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"As mensagens obtidas por meio do print screen da tela da ferramenta WhatsApp Web devem ser

consideradas provas ilícitas e, portanto, desentranhadas dos autos", afirmou.

Ao dar parcial provimento ao recurso, apenas para declarar nulas as mensagens obtidas por meio

do print screen da tela do WhatsApp Web, o ministro determinou o desentranhamento dessas

mensagens dos autos, mantendo as demais provas produzidas após as diligências prévias que a

polícia realizou em razão da notícia anônima.

O número deste processo não é divulgado em razão de segredo judicial.

COMENTÁRIOS DO CAOCRIM

A Constituição Federal é expressa e inequívoca ao dispor que não são admitidas as provas obtidas

por meios ilícitos (art. 5º, inc. LVI, CF/88). O grande desafio, no campo da prova, consiste em

encontrar um ponto de equilíbrio entre, de um lado, o dispositivo constitucional que inadmite a

produção da prova ilícita e, de outro, a garantia a segurança do cidadão, sobretudo em face do

aumento da criminalidade organizada, que exige, para seu combate, meios eficazes, aptos a fazer

frente à sofisticação das organizações.

Nessa esteira, o STJ firmou a tese de que viola direitos e garantias fundamentais o exame pericial

realizado em aparelhos de telefone celular diretamente após a apreensão pela polícia, sem a prévia

autorização judicial (REsp 1.727.266/SC, j. 05/06/2018)

Disso decorre que a apreensão de um aparelho de telefone celular pode dar ensejo ao exame e à

obtenção de dados e mensagens armazenadas se a autoridade policial providenciar a devida

autorização judicial.

Ocorre que as diversas formas de comunicação que a tecnologia tem proporcionado podem levar a

situações inusitadas, que escapam ao sistema legal de produção de provas. Uma dessas situações,

envolvendo o próprio WhatsApp, foi recentemente apreciada pelo STJ, que concluiu pela ilicitude

da prova colhida.

No caso, a polícia investigava o crime de tráfico de drogas e, durante diligências, efetuou a

apreensão de um aparelho de telefone celular. A autoridade policial logo pediu autorização judicial

para que os investigadores pudessem acompanhar a troca de mensagens no WhatsApp por meio

do sistema “Web”, que permite a operação do aplicativo em um computador comum. A

autorização foi concedida e o aparelho celular foi devolvido ao investigado, que, sem ter

conhecimento do que ocorria, passou a ser monitorado e, em virtude das informações colhidas,

teve a prisão preventiva decretada.

Julgando recurso em habeas corpus, o STJ considerou a prova ilícita por falta de previsão legal.

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Segundo a ministra Laurita Vaz – relatora do recurso –, a medida decretada tem natureza híbrida,

um misto entre interceptação telefônica e quebra de sigilo de dados. Mas, considerando as

características próprias do sistema interceptado e as consequências advindas da hibridez, a

inexistência de disciplina legal impede que se admita este meio de prova.

Segundo o tribunal, não seria possível equiparar integralmente a medida à intercepção telefônica

porque o acesso ao aplicativo permite não somente a obtenção irrestrita de toda a comunicação

anterior como também possibilita que o agente público interfira na comunicação entre os usuários

– inclusive excluindo mensagens –, o que não é possível no monitoramento de conversas

telefônicas, que são apenas ouvidas e gravadas. Esta possibilidade de interferência e de

manipulação dificulta – quando não impossibilita – que o investigado exerça o contraditório sobre a

prova colhida e demonstre, por exemplo, que não se trata de algo integral e que determinados

trechos da comunicação foram retirados do contexto. Por isso, concluiu-se:

“Cumpre assinalar, portanto, que o caso dos autos difere da situação, com legalidade amplamente

reconhecida pelo Superior Tribunal de Justiça, em que, a exemplo de conversas mantidas por e-

mail, ocorre autorização judicial para a obtenção, sem espelhamento, de conversas já registradas

no aplicativo WhatsApp, com o propósito de periciar seu conteúdo”.

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DIREITO PENAL:

1- Tema: Queixa-crime. Calúnia contra pessoa morta. Retratação cabal antes da sentença. Ato

unilateral. Extinção da punibilidade. Artigos 143 e 107, VI, do Código Penal.

INFORMATIVO 687 STJ

A retratação da calúnia, feita antes da sentença, acarreta a extinção da punibilidade do agente

independente de aceitação do ofendido.

Informações do Inteiro Teor:

Consoante as diretrizes do Código Penal: "Art. 143. O querelado que, antes da sentença, se retrata

cabalmente da calúnia ou da difamação, fica isento de pena. Parágrafo único. Nos casos em que o

querelado tenha praticado a calúnia ou a difamação utilizando-se de meios de comunicação, a

retratação dar-se-á, se assim desejar o ofendido, pelos mesmos meios em que se praticou a

ofensa".

A retratação, admitida nos crimes de calúnia e difamação, não é ato bilateral, ou seja, não

pressupõe aceitação da parte ofendida para surtir seus efeitos na seara penal, porque a lei não

exige isso. O Código, quando quis condicionar o ato extintivo da punibilidade à aceitação da outra

parte, o fez de forma expressa, como no caso do perdão ofertado pelo querelante depois de

instaurada a ação privada.

Como é sabido, não há como se fazer analogia in malam partem, contra o réu, para lhe impor

condição para causa extintiva da punibilidade que a Lei Penal não exigiu.

Na verdade, basta que a retratação seja cabal. Vale dizer: deve ser clara, completa, definitiva e

irrestrita, sem remanescer nenhuma dúvida ou ambiguidade quanto ao seu alcance, que é

justamente o de desdizer as palavras ofensivas à honra, retratando-se o ofensor do malfeito.

Ademais, em se tratando de ofensa irrogada por meios de comunicação - como no caso, que foi por

postagem em rede social na internet -, o parágrafo único do art. 143 do Código Penal dispõe que "a

retratação dar-se-á, se assim desejar o ofendido, pelos mesmos meios em que se praticou a ofensa".

A norma penal, ao abrir ao ofendido a possibilidade de exigir que a retratação seja feita pelo

mesmo meio em que se praticou a ofensa, não transmudou a natureza do ato, que é

essencialmente unilateral. Apenas permitiu que o ofendido exerça uma faculdade.

Portanto, se o ofensor, desde logo, mesmo sem consultar o ofendido, já se utiliza do mesmo

veículo de comunicação para apresentar a retratação, não se afigura razoável desmerecê-la, porque

o ato já atingiu sua finalidade legal.

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Processo- APn 912/RJ, Rel. Min. Laurita Vaz, Corte Especial, por unanimidade, julgado em

03/03/2021.

COMENTÁRIOS DO CAOCRIM

Dispõe o art. 143 do CP que o querelado (ofensor) pode, antes da sentença, retratar-se da calúnia

ou difamação, ficando isento de pena.

Retratar-se, no entanto, não significa apenas negar ou confessar a prática da ofensa. É muito mais.

É escusar-se, retirando do mundo o que afirmou, demonstrando sincero arrependimento.

É essa uma causa de extinção da punibilidade, tornando o ofensor imune à pena (nada obsta a ação

cível).

A retratação, em regra, como bem destacou o julgado em comento, dispensa a concordância do

ofendido (ato unilateral).

Contudo, o art. 143 do CP foi alterado pela Lei 13.188/15, nele acrescentando parágrafo único,

anunciando que, nos casos em que o querelado tenha praticado a calúnia ou a difamação

utilizando-se de meios de comunicação, a retratação dar-se-á, se assim desejar o ofendido, pelos

mesmos meios em que se praticou a ofensa.

Nessa hipótese, portanto, entendemos que o ofendido deva ser ouvido para manifestar se deseja

(ou não) que a retratação se dê pelos mesmos meios em que foi praticado o crime.

2-Tema: Mantida regra que permite remuneração de presos em 3/4 do salário mínimo

STF- PUBLICADO EM NOTÍCIAS DO STF

Para a maioria do STF, o trabalho do preso apresenta peculiaridades, e a remuneração diferenciada

não viola os princípios da dignidade humana e da isonomia.

O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) considerou recepcionado pela Constituição Federal

de 1988 dispositivo da Lei de Execução Penal (Lei 7.210/1984 - LEP) que fixa o valor de 3/4 do

salário mínimo como remuneração mínima para o trabalho do preso. Na sessão virtual encerrada

em 26/2, a maioria dos ministros julgou improcedente a Arguição de Descumprimento de Preceito

Fundamental (ADPF) 336, ajuizada pela Procuradoria-Geral da República (PGR).

Na ação, a PGR sustentava que o pagamento pelo trabalho realizado por preso em valor inferior ao

salário mínimo violaria os princípios constitucionais da isonomia e da dignidade da pessoa humana,

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além da garantia, a todos os trabalhadores urbanos e rurais, do direito ao salário mínimo (artigo 7º,

inciso IV, da Constituição Federal).

Situação peculiar

Prevaleceu, no julgamento, o voto do relator, ministro Luiz Fux, presidente do STF, que destacou

diversas razões que conferem legitimidade à política pública estabelecida pela lei. Segundo ele, o

trabalho do preso tem natureza e regime jurídico distintos da relação de emprego regida pela

Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Além disso, as peculiaridades da situação do preso

constituem prováveis barreiras à sua inserção no mercado de trabalho.

Estímulo à contratação

Para o relator, é razoável que o legislador reduza o valor mínimo de remuneração pela sua mão-de-

obra, com o intuito de promover as chances da sua contratação. Essa medida, a seu ver, estimula

empregadores a escolher detentos em detrimento de indivíduos não inseridos no sistema

penitenciário e “deixa incólume a dignidade humana do preso contratado”.

Finalidades educativa e produtiva

Fux observou que, nos termos da LEP, o trabalho do condenado constitui um dever, que é

obrigatório na medida de suas aptidões e capacidades. Também salientou suas finalidades

educativa e produtiva, “em contraste com a liberdade para trabalhar e prover o seu sustento

garantida aos que não cumprem pena prisional”.

Ressarcimento ao Estado

Ainda segundo o presidente do STF, o salário mínimo, nos termos do artigo 7º, inciso IV, da

Constituição, visa satisfazer as necessidades vitais básicas do trabalhador e as de sua família com

moradia, alimentação, educação e saúde, entre outras. No caso do preso, porém, conforme

previsão da LEP, boa parte dessas necessidades já são atendidas pelo Estado.

Garantia não uniforme

Por fim, o ministro Luiz Fux observou que o STF já definiu que a Constituição não estendeu a

garantia de salário mínimo de maneira uniforme a toda e qualquer mão-de-obra. Ele citou o

julgamento do RE 570177, no qual o Plenário, por unanimidade, assentou que não há lesão aos

princípios da dignidade humana e da isonomia na fixação de soldo para o serviço militar obrigatório

inferior ao salário mínimo. Esse entendimento foi reproduzido na Súmula Vinculante 6.

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O voto do presidente do STF pela improcedência da ação foi acompanhado pelos ministros

Alexandre de Moraes, Marco Aurélio, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski, Nunes Marques e Luís

Roberto Barroso.

Ficaram vencidos os ministros Edson Fachin e Gilmar Mendes e as ministras Cármen Lúcia e Rosa

Weber. Primeiro a divergir, Fachin ressaltou que o sentido da proteção constitucional ao salário

mínimo foi estabelecer a retribuição mínima para todo e qualquer trabalhador.

COMENTÁRIOS DO CAOCRIM

O trabalho do preso deve ser remunerado adequadamente, imperativo reconhecido pelas Regras

Mínimas da ONU (atualizadas pelas Regras de Mandela, preceito 103.1).

No mesmo sentido, o artigo 39 do CP estabelece que o trabalho do preso será sempre remunerado

e que terá garantidos os benefícios da previdência social.

Apesar de o art. 29 da LEP anunciar que a remuneração não pode ser inferior a 3/4 do salário

mínimo, o PGR, na ADPF 338, sustentou que o estabelecimento de contrapartida monetária pelo

trabalho realizado por preso em valor inferior ao salário mínimo viola os princípios constitucionais

da isonomia e da dignidade da pessoa humana, além do disposto no artigo 7º, inciso IV, que

garante a todos os trabalhadores urbanos e rurais o direito ao salário mínimo. A tese não seduziu o

STF, como se percebe do julgado em comento.

Importante destacar que a realidade não consegue cumprir nem mesmo com valor anunciado no

art. 29.

A maioria dos presídios brasileiros não tem acesso a atividades laborais e, tampouco, recebem

remuneração. Segundo dados coletados no INFOPEN 2019, dos custodiados que trabalham, 44,6%

não recebe qualquer remuneração, 25,4% recebe remuneração inferior a 3/4 do salário-mínimo e

apenas 29,8% recebe o quanto estipulado neste artigo (ao menos 3/4 do salário-mínimo). No caso

das mulheres custodiadas, o quadro é ligeiramente melhor: somente 19,8% não recebe

remuneração pelas atividades laborais realizadas na unidade prisional.

O mais importante, no momento, antes mesmo de se pensar em majorar o valor da remuneração, é

assegurar que a Administração Penitenciária, garanta o cumprimento do mínimo estampado em lei

há mais de três décadas.

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MP/SP: decisões do setor do art. 28 do CPP

1-Tema: Acordo de não persecução penal proposto em audiência – não aceitação da defesa quanto à condição de reparação do dano – inconformismo quanto à recusa em razão de prévia suspensão condicional do processo – prosseguimento da ação penal

CÓDIGO DE PROCESSO PENAL, ART. 28-A, §14

Autos nº 00026xx-6x.2019.8.26.0050 – MM. Juízo da 18ª Vara Criminal da Capital

Réus: A.S.R., D.R.P. e É.V.S.C.

Assunto: acordo de não persecução penal proposto em audiência – não aceitação da defesa quanto à condição de reparação do dano – inconformismo quanto à recusa em razão de prévia suspensão condicional do processo – prosseguimento da ação penal

A.S.R. e D.R.P. foram denunciados como incursos no artigo 171, caput, do Código Penal, por

160 vezes, em continuidade; e É.V.S.C. foi dada como incursa no artigo 171, caput, do Código Penal,

por 3 vezes, também na forma continuada (fls. 1/5).

Consta da inicial que A. e D. obtiveram vantagem indevida no valor de R$ 147.877,94 em

detrimento da empresa “M. Shop Comercial Ltda.”, enquanto É. obteve vantagem de R$ 1.133,00

em desfavor do mesmo estabelecimento. Verte dos autos que A. trabalhava no serviço de

atendimento ao consumidor da empresa, setor em que também trabalhava a acusada É.. A.

registrava falsas reclamações contra a empresa e conseguia que a “M. Shop” lhe entregasse novos

produtos, que recebia em casa – com o concurso do marido, o réu D. – ou em outros endereços que

indicava. D. era responsável pela adulteração de planilhas a partir de informações privilegiadas

recebidas de A., alterando documentos para que a esposa reportasse à empresa balanços positivos

do setor pelo qual era responsável. É. também desviou bens da empresa, adulterando notas fiscais

de uma cliente e solicitando fraudulentamente a substituição de mercadorias, que lhe foram

entregues.

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A denúncia foi recebida (fls. 284), instaurando-se o devido processo legal.

As folhas de antecedentes e certidões relativas aos réus foram juntadas aos autos (fls.

301/305).

Em manifestação de fls. 283, o Ministério Público deixou de oferecer a suspensão

condicional do processo aos acusados, silenciando sobre a viabilidade do acordo de não persecução

penal.

Apresentando as respectivas respostas à acusação, os réus A. (fls. 316/341) e D. (fls.

343/373) postularam a manifestação do Ministério Público sobre o cabimento do acordo de não

persecução. O oferecimento de proposta foi recusado: para A., por falta de confissão da prática do

crime; para D., em razão de prévia concessão da suspensão condicional de processo (fls. 380/383).

A Defesa dos réus requereu o pronunciamento da Procuradoria-Geral de Justiça (fls. 385/388),

pleito indeferido pelo Juízo (fls. 389). Contra a decisão, a Defesa dos réus manejou embargos de

declaração, nos quais sustentou, em síntese, que: (i) a confissão a ser exigida da ré A. deveria ter

sido tomada perante o Ministério Público; e (ii) a suspensão condicional pela qual beneficiado o réu

D. não pode impedir o acordo de não persecução, por ter sido anterior à lei que o instituiu (fls.

424/436). A decisão foi mantida pelo MM. Juízo de primeiro grau (fls. 439/442).

A acusada É. também postulou o pronunciamento do Ministério Público sobre o cabimento

do acordo de não persecução penal (fls. 405/406). O Ministério Público instou a Defesa a

manifestar interesse na confissão prévia da agente (fls. 409), que, então, requereu a designação de

audiência para a apresentação da proposta de acordo (fls. 414). O MM. Juízo não se pronunciou

sobre o pedido (fls. 415/416).

A Defesa de A. e D. impetrou habeas corpus perante o Egrégio Tribunal de Justiça de São

Paulo (fls. 484/520), requerendo, em síntese: (i) a rejeição da denúncia, por falta dos pressupostos

processuais; (ii) a declaração de insubsistência dos argumentos do Ministério Público para a recusa

ao acordo de não persecução. Aquela Colenda Corte, em acórdão de fls. 522/541, deu provimento

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liminar parcial à ordem para, suspendendo a audiência de instrução designada, permitir aos réus

novos requerimentos de celebração do acordo de não persecução.

Em audiência realizada no dia 22 de fevereiro de 2021, o Ministério Público se recusou a

propor acordo de não persecução ao réu D., considerando a existência de prévia suspensão

condicional de outro processo; e, em relação a A., ofereceu proposta com as condições de

reparação integral do dano (R$ 147.877,94) e prestação pecuniária no valor de R$ 2.000,00. A

acusada A. manifestou desacordo com a proposta, sustentando a impossibilidade de reparação do

dano. É. não compareceu e postulou nova audiência (fls. 547 e 554). D. e A. requereram a

manifestação da Procuradoria-Geral de Justiça sobre as propostas de acordo de não persecução

penal (fls. 555/590).

Este o relatório.

É preciso sublinhar, de início, na esteira do Enunciado nº 21, PGJ – CGMP – Lei nº

13.964/19, que “a proposta de acordo de não persecução penal tem natureza de instrumento de

política criminal e sua avaliação é discricionária do Ministério Público no tocante à necessidade e

suficiência para a reprovação e prevenção do crime. Trata-se de prerrogativa institucional do

Ministério Público e não direito subjetivo do investigado” (grifo nosso).

Não poderia ser diferente, haja vista sua natureza jurídica similar à transação penal e à

suspensão condicional do processo.

Quanto a essas, inclusive, sedimentou-se de há muito na jurisprudência o entendimento de

que, uma vez negada a elaboração da proposta, cumpre aplicar o artigo 28, caput, do Código de

Processo Penal, a fim de que o órgão ministerial de revisão possa dar a palavra final.

De acordo com o art. 28-A, caput, do Código de Processo Penal, com a redação que lhe deu

a Lei nº 13.964/2019: “Não sendo caso de arquivamento e tendo o investigado confessado formal e

circunstancialmente a prática de infração penal sem violência ou grave ameaça e com pena mínima

inferior a 4 (quatro) anos, o Ministério Público poderá propor acordo de não persecução penal,

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desde que necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime, mediante as seguintes

condições ajustadas cumulativa e alternativamente”.

O trecho em destaque evidencia o primeiro pressuposto jurídico para o cabimento do

instituto, qual seja, que não seja caso de arquivamento ou, a contrario sensu, que exista nos autos

da investigação penal (em sentido lato) prova da materialidade e indícios de autoria ou

participação.

O segundo pressuposto é a existência de confissão formal e circunstanciada da prática da

infração penal pelo agente.

Em seguida, o dispositivo enumera os requisitos materiais objetivos do instituto, a saber:

a) que não se trate de infração praticada com violência ou grave ameaça;

b) que a pena mínima cominada no tipo seja inferior a 4 (quatro) anos (consideradas as causas de aumento e diminuição aplicáveis);

c) que não seja cabível a transação penal, nos termos da lei;

d) que não seja caso de crime praticado no âmbito de violência doméstica ou familiar, ou praticado contra a mulher por razões da condição de sexo feminino, em favor do agressor.

Há, ainda, requisitos materiais subjetivos, consistentes em:

a) que o investigado não seja reincidente;

b) inexistência de elementos probatórios que indiquem conduta criminal habitual, reiterada ou profissional, exceto se insignificantes as infrações penais pretéritas;

c) que o investigado não tenha sido o agente beneficiado nos 5 (cinco) anos anteriores ao cometimento da infração, em acordo de não persecução penal, transação penal ou suspensão condicional do processo;

d) que a celebração do acordo atenda ao que seja necessário e suficiente para a reprovação e prevenção do crime.

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Há que se observar, por fim, como requisito formal ou procedimental, a formalização por

escrito do acordo, o qual deverá ser firmado pelo membro do Ministério Público, pelo investigado e

por seu defensor.

Cumpridas essas exigências, abre-se a possibilidade de ajustar, com o agente, a barganha

processual, mediante as seguintes condições, a serem ajustadas de maneira alternativa ou

cumulativa:

(i) reparar o dano ou restituir a coisa à vítima, salvo impossibilidade de fazê-lo;

(ii) renunciar voluntariamente a bens e direitos, indicados pelo Ministério Público como instrumentos, produto ou proveito do crime;

(iii) prestar serviço à comunidade ou a entidades públicas por período correspondente à pena mínima cominada ao delito, diminuída de um a dois terços, em local a ser indicado pelo juízo da execução penal;

(iv) pagar prestação pecuniária, a ser estipulada nos termos do art. 45 do Código Penal, a entidade pública ou de interesse social a ser indicada pelo juízo da execução penal, devendo a prestação ser destinada preferencialmente àquelas entidades que tenham como função proteger bens jurídicos iguais ou semelhantes aos aparentemente lesados pelo delito;

(v) cumprir outra condição estipulada pelo Ministério Público, desde que proporcional e compatível com a infração penal aparentemente praticada.

Atendidos os requisitos legais e depois de celebrado, por escrito, o acordo, será ele

submetido à homologação judicial, a fim de que, com a chancela do Poder Judiciário, seja ele

devolvido ao Ministério Público e, na sequência, encaminhado ao juízo da execução penal (art. 28-

A, §6º).

No caso de inadimplemento, o qual deverá ser verificado no âmbito do juízo da execução,

assegurada a ampla defesa, o acordo será rescindido e encaminhado ao juízo de origem, para que o

membro do Ministério Público ofereça denúncia ou realize novas diligências, se necessário.

De acordo com a lei, o descumprimento poderá ser utilizado como justificativa para o não

oferecimento de suspensão condicional do processo (art. 28-A, §11).

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Cumprido integralmente, será declarada a extinção da punibilidade (art. 28-A, §13).

Conforme dispõe o art. 28-A, §14, do Código de Processo Penal, aplicado pelo MM. Juiz, no

caso de recusa, por parte do Ministério Público, em propor o acordo, poderá o investigado requerer

o envio do caso ao órgão superior de revisão, que é, no caso do Ministério Público estadual, o

Procurador-Geral de Justiça, a fim de sejam adotadas as seguintes providências:

(i) oferecer denúncia ou designar outro membro para oferecê-la;

(ii) complementar as investigações ou designar outro membro para complementá-la;

(iii) elaborar a proposta de acordo de não persecução, para apreciação do investigado.

Pois bem.

1. Em relação à acusada É., nada há a ser deliberado por ora. Afinal, pende ainda decisão

sobre o pedido de redesignação de audiência, na qual –se deferido o pleito – o Ministério Público

deverá se pronunciar a respeito do cabimento do acordo de não persecução penal.

2. Com a devida vênia da Ilustrada Defesa, os pedidos dos réus D. e A. não podem ser

acolhidos.

3. D. não faz jus à medida despenalizadora que pleiteia.

Embora o crime em apreço tenha pena mínima cominada inferior a quatro anos e não

tenha sido praticado mediante emprego de violência ou grave ameaça, o acordo se revela inviável

no caso concreto: as certidões juntadas aos autos, em especial a de fls. 301, revelam que o acusado

D. foi anteriormente processado por receptação, nos autos nº 0006503-28.2016.8.26.0050. Depois

de recebida a denúncia, o que ocorreu em 24 de janeiro de 2017, foi beneficiado com a suspensão

condicional do processo, homologada em 3 de março de 2017, tendo a punibilidade extinta em 7 de

setembro de 2019. E, ainda que tal circunstância não configure reincidência ou maus antecedentes,

constitui óbice à celebração do acordo, conforme art. 28-A, §2º, inciso III, do CPP.

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Argui a Defesa a irretroatividade da Lei nº 13.964/2019, neste ponto, porque constituiria

modificação in pejus, ao estabelecer condição antes inexistente. Mas a tese, com renovada vênia,

não pode ser admitida.

Primeiro, porque a afirmação constitui verdadeira armadilha dialética. É que o princípio da

legalidade, do qual decorre a irretroatividade, tem um alcance amplo, “já que deve proteger o

indivíduo contra sanções que não foram previsíveis antes da prática do fato” (CLAUS ROXIN,

Derecho Penal – Parte General, I, Madrid, Civitas, 1999, p. 164). Por isso mesmo, a proibição de

retroatividade é “uma garantia do cidadão, vinculada à segurança jurídica, de incalculável

transcendência ‘política’, pois se não fosse proibida a aplicação retroativa das leis (ex post facto),

aquele poderia ser surpreendido a posteriori com uma norma legal que, aplicada a fatos ocorridos

antes de sua entrada em vigor, burlaria o nullim crimen e tornaria inúteis os direitos e liberdades

individuais” (ANTONIO GARCÍA-PABLOS DE MOLINA, Derecho Penal – Introducción, Madrid,

Universidad Complutense, 2000, p. 343).

Sendo assim, não se pode confundir a criação de um âmbito de discricionariedade regrada,

rigorosamente admissível em nosso Direito Processual, com uma alteração in pejus de pressupostos

processuais ou condições da ação. Neste caso, o réu não poderia, de fato, ser alcançado; naquele,

trata-se de regular um círculo ou âmbito objetivo dentro do qual sejam eficazes os juízos de

oportunidade, como, por exemplo, exigir “que o prejudicado pelo delito seja satisfatoriamente

indenizado pelos danos e prejuízos que a conduta delitiva lhe tenha causado, ou que os

responsáveis pelo delito não sejam reincidentes” (ANDRÉS DE LA OLIVA SANTOS, Derecho Procesal

Penal, Madrid, CEURA, 1997, pp. 21-22). Em outras palavras, estabelecer requisitos para a

concessão do acordo de não persecução não é, neste sentido, mais do que um adequado sistema

de contrapeso ao poder de disposição da ação penal, incapaz de abalar, pela retroação, o princípio

da legalidade.

Por outro lado, a solução preconizada pelo acusado permitiria a aplicação fracionada da

reforma processual de 2019, conferindo eficácia ao caput do artigo 28-A do Código de Processo

Penal e negando-a ao § 2º, inciso III, do mesmo dispositivo.

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Mas a Suprema Corte, analisando a possibilidade de cindir a aplicação de novas leis de

caráter híbrido, isto é, com aspectos processuais e materiais, negou essa possibilidade. A conclusão

foi exarada por ocasião da alteração do art. 366 do CPP, que instituiu a suspensão do processo e da

prescrição da pretensão punitiva, quando o acusado, citado por edital, deixa de comparecer em

juízo e não constitui defensor (cf., entre outros, HC n.º 74.695, rel. ex-Min. CARLOS VELLOSO,

julgado em 11 de março de 1997; e, mais recentemente, RHC n.º 105.730, rel. ex-Min. TEORI

ZAVASCKI, julgado em 22 de abril de 2014). No mesmo sentido, o STJ aprovou a Súmula 501: “É

cabível a aplicação retroativa da Lei 11.343/2006, desde que o resultado da incidência das suas

disposições, na íntegra, seja mais favorável ao réu do que o advindo da aplicação da Lei n.

6.368/1976, sendo vedada a combinação de leis”.

Em síntese: não cabe objeção à recusa do acordo de não persecução penal ao acusado

DIEGO, que deve ser mantida por seus próprios fundamentos.

4. Por sua vez, A. também não faz jus ao benefício.

Comentando o art. 28-A, inciso I, do CPP, acrescentado pela Lei n. 13.964/19, os

professores ROGÉRIO SANCHES CUNHA e RONALDO BATISTA PINTO lecionam:

“Na linha de outros instrumentos despenalizadores, o ANPP prestigia a vítima, colocando a reparação do dano ou restituição do objeto do crime como condição para o ajuste. Certamente, haverá discussão quanto à possibilidade de o ajuste abranger (ou não) o dano moral. Para uma corrente, o dano moral, por guardar íntima relação com a dor e o sofrimento experimentado pela vítima, não encontraria, no processo penal, o locus adequado para debate. Para outros, com os quais concordamos, embora reconhecendo a dificuldade em se estabelecer o quantum, não afastam, de plano, essa possibilidade, dependendo sempre da cuidadosa análise do caso concreto, em especial, da gravidade do ilícito, da intensidade do sofrimento, da condição socioeconômica do ofendido e do ofensor, grau de culpa, etc., bem como a utilização dos parâmetros monetários estabelecidos pela jurisprudência para casos similares. Na seara da justiça consensual, tais dificuldades ficam quase que superadas, pois o valor a título de dano moral será discutido com a efetiva participação do ofensor.” (Código de Processo Penal e Lei de

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Execução Penal Comentados, São Paulo, Juspodivm, 4ª edição, p. 185).

Neste caso, a acusada não concordou com a reparação do dano causado pelo delito, não

sugeriu o pagamento de valor diverso, não propôs o parcelamento do débito e não considerou a

restituição dos bens amealhados, em tese, ilicitamente. Em suma, não fez uso da faculdade, que a

Lei lhe conferia, de transacionar com o Ministério Público.

Condição basilar para a celebração do acordo de não persecução penal em crimes

patrimoniais é a reparação do dano à vítima. E o Ministério Público não deve abrir mão dessa

condição, nem substituí-la por outra, que, a toda evidência, não atenderia ao que é necessário e

suficiente para prevenção e reprovação do ilícito cometido.

Diante do exposto, com fundamento no art. 28-A do Código de Processo Penal e nos arts.

1º e 4º, inciso I, ambos da Resolução nº 1.187/2020 – PGJ-CGMP, insiste-se na recusa de oferta do

acordo em relação aos réus A.S.R. e D.R.P., restituindo-se os autos ao juízo competente para o

prosseguimento da ação penal.

São Paulo, 9 de março de 2021.

Mário Luiz Sarrubbo Procurador-Geral de Justiça