cantando o brasil pÓs-64*

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CANTANDO O BRASIL PÓS-64* Maria de Fátima da Cunha" RESUMO: Esse artigo tem por objetivo discutir a possibilidade de análise de realidades sociais através de registros históricos variados. Para tanto, procurou-se destacar o período do Brasil pós-64, através do estudo de algumas canções. UNITERMOS: história; linguagens; regime militar; canções. 1 Cultura e Multimeios Se pensarmos cultura entendida enquanto o conjunto de práticas, valores, normas, representações, expectativas, que emergem no confronto entre as classes sociais, é possível conceber que as pessoas criam e imprimem significados aos objetos e situações a partir de suas condições concretas de existência. Isso significa dizer que a definição de cultura está intimamente ligada à questão do imaginário e, portanto, pode ser entendida como um "sistema de significados, atitudes e valores compartilhados e as formas simbólicas nas quais elas se expressam ou se incorporam" (BURKE, 1989). As manifestações culturais de uma sociedade -poesias, memórias, músicas, símbolos- revelam uma totalidade complexa e contraditória de impressões e sentimentos, pois são construídas na diversidade do real vivido. 'Originalmente publicado em História & Ensino, v. 2, p. 55-67, 1996. "' Professora do Departamento de História/UEL - Campus Universitário, Lllndrina-PR, 86051-990 História & Ensino, Londrina, v. 8, edição especial, p. 67-81, out. 2002 67

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Page 1: CANTANDO O BRASIL PÓS-64*

CANTANDO O BRASIL POacuteS-64

Maria de Faacutetima da Cunha

RESUMO Esse artigo tem por objetivo discutir a possibilidade de anaacutelise de realidades sociais atraveacutes de registros histoacutericos variados Para tanto procurou-se destacar o periacuteodo do Brasil poacutes-64 atraveacutes do estudo de algumas canccedilotildees

UNITERMOS histoacuteria linguagens regime militar canccedilotildees

1 Cultura e Multimeios

Se pensarmos cultura entendida enquanto o conjunto de praacuteticas valores normas representaccedilotildees expectativas que emergem no confronto entre as classes sociais eacute possiacutevel conceber que as pessoas criam e imprimem significados aos objetos e situaccedilotildees a partir de suas condiccedilotildees concretas de existecircncia Isso significa dizer que a definiccedilatildeo de cultura estaacute intimamente ligada agrave questatildeo do imaginaacuterio e portanto pode ser entendida como um sistema de significados atitudes e valores compartilhados e as formas simboacutelicas nas quais elas se expressam ou se incorporam (BURKE 1989)

As manifestaccedilotildees culturais de uma sociedade -poesias memoacuterias muacutesicas siacutembolos- revelam uma totalidade complexa e contraditoacuteria de impressotildees e sentimentos pois satildeo construiacutedas

na diversidade do real vivido

Originalmente publicado em Histoacuteria amp Ensino v 2 p 55-67 1996 Professora do Departamento de HistoacuteriaUEL - Campus Universitaacuterio

Lllndrina-PR 86051-990

Histoacuteria amp Ensino Londrina v 8 ediccedilatildeo especial p 67-81 out 2002 67

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A partir dessas consideraccedilotildees eacute possiacutevel dizermos que tudo aquilo que u homem elabora a niacutevel de representaccedilatildeo humana conteacutem uma grande carga de expressatildeo cultural Assim podemos afirmar que as cunstruccedilotildees re~]liwdas sob a influencia de] sociedade em que se vive se constituem em siacutembolos que expressam a cultura e a consciecircncia histoacuterica dessa mesma sociedade

Dessa forma pode-se pensar o uso dos multimeios shyfilmes histoacuteria em quadrinhos TV muacutesica entre outros - no ensirll de Histoacuteria enquanto documento histoacuterico possuidor de significaccedilotildees e de testemunhos conscientes e inconscientl~s visiacuteveis ou natildeo presentes ou ausentes

Esses materiais aguardam somente que o historiador professor utilize-os questione-os em suas inuacutemeras lussi hi Iidades

No entanto antes de aprofundarmos as discussotildees sohre o uso le outras lingu~lgens em Histoacuteric] e nu ensino de uma maneira geral algumas interrogaccedilotildees se fazem presentes a respeito da nossa relaccedilatildeo com uma realidade permeada por imagens e signos

Estaacute claro que vivemos em um mundo de imagens um mundu clllorido p~lredes cobertas ele cartazes vitrines ()utshy

d()()TS editlcios tnultillic](lores de esp1SOS e dsotildees Vivemos o mundo das telas de TV dos tel()es um mundo tnediatizado por imagens As imagens tecircm uma dialeacutetica interna representam o mundo para o homem e ao mesmo tempo interpuumle-se entre este e () mundo (FlZANCE 1991 p 139-156)

Se estamos mergulhados em um mundo de imagens cahe-nos conviver com elas e decifrCl-Ias adentr1-las (FRANCE 1991 p 144)

E como convivemos com tudo isso Como tem sido a relaccedilatildeo entre a escola fundamental e imagens produzidas pela tclcvisfLo pelos viacutedeos pelos computadores

Se levarmos em conta que de uma forma especial as

crianccedil~ls coexistem muito mais talvez do que os adultos com

Histoacuteria amp Erbino Londrina v 8 ediccedilatildeo especial p 67-l11 out 2002

essas imagecircl1s devemos pensar tclmbeacutem na existecircncia de um

permanente c incessante processo de mutaccedilatildeo da percepccedilatildeo da

relaccedilatildeo espaccedilo-tempo do raciociacutenio loacutegico do imaginaacuterio do

simboacutelico das concecircpccedilotildees da realidade atingindo-as

Ainda natildeo temos elementos suficientes para dizer ateacute que

ponto a escola tem refletido sobre esses questionamentos ou sobre

essa realidade imageacutetica na qual estamos mergulhados

principalmente as escolas do ensino puacuteblico devido a carecircncia de reCllrSllS vlriados que permeia o sel cotidiano

Ent r-etanto percebe-se que nas uacuteltimas deacutecadas ocorreu uma hUSCl muito acentuada por parte de vaacuterios professores pela urilizlccedilJo de novos temas e diferenciadas abordagens no processo

ensinu-aprendizagem em especial no acircmhito da Histoacuteria

2 Ensino de Histoacuteria e outras linguagens

Essas novas experiecircncias realizadas aconteceram em um

momento -deacutecada de 80- em que o professorado intensifica () questionamento do proacuteprio trabalho repensando a sua formaccedilatildeo e colocando em discussJo a possibilidade de produccedilflo do conhecimento no 1- e 2 graus As v1rbs publicaccedilotildees em revistas especidiadas atestam a incorporatflu de novos procedimentos

ao trlbalho dos professores de Histoacuteria no ensino fundamental

desde 1 leitura e anaacutelise de documentos estudo llu meiopesquisa

de Gl1npo entrevistas com testemunhus de momentos estudados DllllCSlJ]() IlllllO outras linguagens adentram a sala de aula tais COIllU jornais revistas cartazes loacutetos filmes viacutedeos muacutesicas

poesias textos literaacuterios e outros

Dessa maneira torna-se claro tambeacutem que os professores

natildeo soacute percebem e formulam criacuteticas agrave situaccedilatildeo que vivenciam

mas que igualmente satildeo capazes de formular nuvos

entendimentos sobre a proacutepria disciplina criando outras

I Iisltria amp Ensin() Londrina y 8 ediccedilatildeo p (7 -81 out 2002 69

70

possibilidades e nuvas estrateacutegias par substituiacuterem as

tradicionClis aulls expositivas superando a dependecircncia do livro

didaacutetico e dos manuais contrariando a ideacuteia que comumente

se bziafaz dos professores como passivos e reprodutivistas Algumas experiecircncias com trabalhos atraveacutes da muacutesica

ela literatura do cinema da fotografia e outras linguagens foram

publicadas em revistas especializadas - que passam a dar cada

vez mais atenccedilatildeo agraves questotildees do ensino- como por exemplo na

Revista Brclsileim de I hsuJria

Entre esas exreriecircncias podemos destacar duis trlhalhos

publicados nessa Revista que procuravam incorporar novos

procedimentos e llutras linguagens em sala de auL

Em Linguagem e Canccedilatildeo uma Prol)()sta jJara () ensino de

HistlIacuteria eacute sugerido pelos professores a utilizaccedilflO dl canccedilocirces como

documento histoacuterico possiacutevel de ser trabalhado em sala de aula

Percebendo a importacircncia das canccedilotildees como documento

soacutecio-histoacuterico possuidoras de uma linguagem que age no desejo

os autores propotildeem uma leitura das mesmas fazendo uma ponte

com a realidade social Nessa experiecircncia a anaacutelise das diversas

canccedilocirces permitiu segundo os professores efetuar um contrapomo ao conteuacutedo c() ensino ele Histoacuteria imlJlodindo eXIJiUlccediliies histocircricas fechadas c lmuacuteimcmuacutenlOis (DEUGENIO 1988)

Um outro cxempl() de utilizaccedilatildeo de novas Iinguagcns no

ensino de Hist(lria Jocle ser percebido atnweacutes do trabalho

realizado por Zeacutelia L( lpes da Silva na deacutecaeb de 80 C0111 a revista

em quadrinhos Asterix etn uma turma de 8 seacuterie noturna na

periferia de GUafulhos-Sl com alunos trabalhadores (SILVA

1985 p 234) Segundo Zeacutelia Lopes da Silva a experiecircncia buscava

entre outras coisas responder a desafios pedagoacutegicos como tentar

trabalhar com os alunos noccedilocirces de tempo e ciecircncia bem como

examinar as relaccedilotildees de poder entre dominadores e dominados

I-istoacuteri~l amp Lbin( Londrina v 8 ediccedilatildeo especLll p uuml7 middot8 Ullt 2002

A leitura dos quadrinhos possibilitav~ abrir espaccedilo para a reflexflO oral e escrita cercealLJ IPOacuteS 1 viabilizaccedilatildeo das propostas educacionais poacutes-64 que objetivavam formar ordeiros cidadatildeos

O resultado mais significativo da experiecircncia para a professora consistiu em despertar o interesse dos alunos pela disciplina que surgia entatildeo natildeo como algo obrigatoacuterio mas como parte da vida de cada um

No entanto haacute que se ressaltar que o trabalho com linguagens alternativas requer alguns cuidados pelo professor PlLl que este natildeo caia em certas IrmadilhlS

Se tomarmos as vaacuterias lnanifestlccedilCles culturais como aquelas jaacute sugeridas de uma dada sociedade enquanto registros hist(lricos possiacuteveis de serem interpretados estaremos diante de uma questatildeo bastante complexa e tambeacutem bastante debatida

Estou pensando mais exatamente no aspecto do valor documental que pode ser atribuiacutedo a tais registros histoacutericos

Como lembra Adalberto Marson costuma-se quase sempre assumir duas posiccedilotildees com relaccedilatildeo ao valor documental de um determinado objeto tomaacute-lo como prova fiel da realidade ou como amostra modelo confirmaccedilatildeo do conhecimento que se apresenta externo a ele (SILVA 1984)

Nesse sentido tomando-se uma ou ()utra posiccedilatildeo c~qlece-se que a valoraccedilatildeo dllcumental lle determinado registro hist(rico estaacute ligada ao relaciul1al11ento que se estabekcc entre o ohjeto e o sujeito que () interpreta perdendoshyse de vista desse modo que cada sujeito eacute possuidor de uma memoacuteria particular que o impede de pensar na possibilidade de furmas diferenciadas ou semelhantes da sua de interpretar o vivido

Outras interrogaccedilotildees ainda se fazem presentes acerca da questatildeo do valor documental dos registros histoacutericos como por exemplo o que levou determinado documento a ser considerado como tal e tambeacutem a forma como o mesmo se perpetua como memoacuteri~l) e os significados que encerra entatildeo

Hiiacuteri amp Ensino Londrina v 8 ediccedilatildeo I hiSI (lIlt 2002 71

-

Todos esses questionamentos trazem aacute tona em uacuteltima instacircncia a p()stura 1 ser tomada pelo professorpesljuisador no relacionamento com a cultura sob as mais diferenciadas formas de manifestaccedilatildeo e as suas possibilidades de leitura e interpretaccedilatildeo

Noutra direccedilatildeo Selva Guimaratildees Fonseca fazendo um balanccedilo das publicaccedilotildees sobre ensino editadas nos anos 80 cham~1 a atenccedilatildeo para um problema que agraves vezes se constata com relaccedilatildeo ao uso de outras linguagens em sala de aula pelos professores Segundo Fonseca em alguns casos estas satildeo utilizadas apeacutenas como ilustraccedilatildeo do conteuacutedo tradicional natildeo havendo trabalho de reflexatildeo sobre a natureza das Iingllecirclgens suas especificidades seus limites e sobre os elementos histoacutericos que as constituem (FONSECA 1990 p 206)

Penso que eSRS limites soacute podem ser superados l[uando vivenciados na praacutetica pelos agentes do ensino

Podemos dizer que o significado maior dessas experiecircncias citadas com linguagens diferenciadas no ensino de Histoacuteria e de outras que podericlln ser mencionadas consiste no fato dessas permitirem a efetivaccedilatildeo de um novo ensino calcado na reflexatildeo e no debate

3 Cantando o Brasil poacutes 64

A partir dessas consideraccedilotildees penso que poderia propor enquanto possibilidade () estudo de uma dada realidade social a partir de uma determinada linguagem cu ltmal no caso em particular da mllsica

Tomo como referecircncia para essa anaacutelise uma fase da

histoacuteria hrasileira que nem sempre eacute abordada pelos professores

com os alunos no 1ordm e 2ordm graus - e mesmo na academia - pela djficuldade em esgotar o conteuacutedo e chegar ateacute a nossa histoacuteria

mais recente os anos 60 e 70

72 Histlllid amp Emilll Li gtndrina v 8 ediccedilatildeo especial p Oacuteiacute ti l 011 2002

Os manuais geralmente reservam um espaccedilo pouco representativu a essas deacutecadas da Histoacuteria do Brasil localizando-as sempre ao final dos livros abordando-as rapidamente e muitas vezes sem maior aprofundamento destacando-se via de regra que foi um periacuteodo tenebroso e autoritaacuterio que acaha por findar -natildeo se sabe muito bem como - em abertura e anistia

Procurarei analisar esses anos a partir de alguns acontecimentos -golpe militar guerrilha e repressfiacuteo - que marcaram s()bremaneira a vida poliacutetica e cultural do paiacutes pensando - us atraveacutes de algumas cll1~Cles

Decretado o golpe militar em 64 quase que imldiatamente a atuaccedilatildeo dos vencedores Sl fez sentir centenas de sindicatos caiacuteram sob intervenccedilatildeo as Ligas Camponesas foram dispersls e diversos poliacuteticos tiveram seus direitos cassados possibilidade que se abriu com a ediccedilatildeo do primeiro Ato Institucional que na praacutetica transferiu o poder poliacutetico aos militares coagindo e mutilando o congresso (CUNHA 1993)

Tais providecircncias foram logo denominadas de revolucionaacuterias com a intenccedilatildeo de retirar o caraacuteter golpista do regime e transfonniacute-lo em revoluccedilatildeo que teria sido feita para salvaguardar a mdem no paiacutes atingindo rapidamente diversos setores da sociedade e organizaccedilCles consideradas subversivas COl1lU CGT e 1JNE foram dissohidas em nome da revoluccedilatildeo Os liacutederes ridos tambeacutem como subversivos [oacuteram presos e submctll[()S ~l IPMs isso quando 1130 se viam obrigados a se exilarem em outros paiacuteses

No entanto passado () primeiro momento de eSl)(lnto a esquerda - composta em grande parte por estudantes intelectuais artistas e setores da Igreja progressista tentou se recompor e se refazer Muitos militantes colocaram-se agrave procura de rearticubccedilatildeo mesmo na clandestinidade Comeccedila a aflorar em muitos um sentimento o anseio pela desforra

llisllt)ria amp Ensin() Londrina v 8 ediccedilatildeo especial p () 7 -81 ut 2002 73

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Aos poucos fica cada vez m1is claro a incompatibilizaccedilatildeo

entre alguns setores civis que apoiaram o golpe com o poder

militar Isso ficou expliacutecito em outubro de 1965 com a ediccedilatildeo

do tu Institucional nordm 2 que dissolveu os partidos p()liacuteticos

existentes e estabeleceu a eleiccedilatildeo indireta para presidente da

Repuacuteblica frustrando assim a esperanccedila de vaacuterios possiacuteveis

candidatos como Magalhatildees Pinto Adhemar de Barros e Carlos

Lacercla que rompem cotn Castelo Branco Antes de findar o seu mandato C~lStelO Branco tve o

cuidado de deixar ao seu sucessor lima nova Constituiccedilatildeo

aprovada pelo Congresso

A Constituiccedilatildeo de 1967 aleacutem de legitimar as

prerrogativas autoritiacuterIacute8s conferidas aO Executivo pelo AI-Z inclui tambeacutem a Lei de Imprensa e a Lei de Seguranccedila

N1Cional Essas leis garecircmtiram ao n)V() presidente poderes

praticamente ilimitados o que levou a oposiccedilatildeo a denunciar e a caracterizar a institucionalizaccediliacuteo da ditadura

Em 1968 com a ediccedilatildeo AI-5 que na praacutetica impedia toda c qualquer oposiccedilatildeo moderada ou r~lJical ao regime militar poder-se-Ziacute entatildeo constatar 1 face mais radical do

g()verno e seu total endurecimento

Com o fechamento da vida poliacutetica para a oposiccedilatildeo e o

bloqueio de toda forma de manifestaccedilatildeo contraacuteria ao regime

vaacuterias correntes de esquerda no paiacutes optam por impulsionar uma

perspectiva extrema qle jaacute vinha se encaminhando a Illt~l

armada

A partir desse momento a tortura e a violecircnciaa seriam

a forma do Estado dialogar com seus adversaacuterios poliacuteticos

instaurado-se lima vez mais na vida poliacutetica brasileira um c lima de terror e viulecircncicl

produccedilatildeo cultural hrasileira passa entatildeo a ser l)cllcirada Do final dus anos 60 e iniacuteco dus 70 soacute viriam a ptiacutehlico

Histoacuteria amp Ensino Londrina v 8 ediccedilatildeo especial p 67 -81 out 2002

muacutesiC1S pelt~lS de teatro livros enfim qlalquer produto cllltur~d que os censores julgassem adequados ao momento poliacutetco (CALDAS 1985 p 65)

Desse periacuteodo em termos de produccedilatildeo musical uma

canccedilatildeo acabou se transformando em hino e num siacutembolo da

resistecircncia ao governo militar Foi a muacutesica Praacute natildeo dizer que nagraveu

falei das fiares de Geraldo Vandreacute cantada de forma emocionada

no Festival Internacional da Canccedilatildeo em 1968 e perseguida assim

cmnu o seu C1utllf ateacute 1979 e que passou a ser mais conhecida

por Caminhund()

(l1llinh~mdD e cantando e seguindu ~1 ccmc~u

llOS l()cos iguais braccedilos dados ou 1110

Nas escuL nas ruas campos cOllslruccediluumles

Caminhando c cantando e seguindo a canccedilatildeo

Vem vamos embora que esperar natildeo eacute saber

Quem sabe Uacute1Z a hur~l natildeo espera acontecer

Pelos campos ~la flmle em grandes plantaccedilotildees

Pda rtllS marchando indecisos lorcluumles

limL iacl1ll da tlor seu mais forte rcfr1n

L Icrcditam nas tlores vencendo o canho

Vem IUS embora

Mas o que possui essa muacutesica de tatildeo comprometedor em sua letra Por que a canccedilatildeo teria sido proibida pela Censura

Federal

Jaacute em seus primeiros versos Somos todos iguais braccedilos dados ou natildeo ela evoca uma suposta igualdade soacute pussiacutevel em

I iacutel()riacuteCl amp Emino Londrina v 8 ediccedil1o cspcciacutezd iacute 67 -81 UIlt 2002 75

76

uma socielbde dita igualitaacuteria ou socialista Primeiro vislumbre

do l)erigo vermelho na canCcedillO

Em seu prosseguimento a letra da muacutesica lembra lima

marcw de soldados inclecisos cordotildees (fLUIS e todos perdidos de armas na matildeo que deveriam aprenJer e ensinar uma nova

liccedilatildeo Qual De que esl)erar natildeo eacute saber Quem sabe faz a hora

natildeo esjJcra acontecer Ou seja pregava quase que abertamente a P()ssi1~ilidaade do pOO tomar a Hist(lria em suas miiacuteos

atraveacutes de uma possiacutevel revoluccedilatildeo Expressava-se entatildeo um convite mais que real tu engajamento il luta

A rebeldia contra o regime militar tambeacutem aparece em

vaacuterias canccedilotildees de Caetano Veloso e dos tropicalistas como atraveacutes

da muacutesica EnLlwmto seu lobo natildeo vem do LP Tropicaacutelia gravado tamheacutem em 1968

Valllos passear lia llorcsta escondida meu amor

vamos pasself na aveniJahiacute Ulllltl cordilheira sob

o asJUacutellto A estaccedilatildeo primeinl

de manguclra passa em ruas brgas passa por

debaixo da avellida Prcsilente Vargas Vltl1l10S

jll5ear nos estados lIlldos do Brasil

Vamos passear cscondidus vamos desfilar

pela rua onde a mangueira passou vamos por

Jeb~lix() das nIlS Debaixo l1clS pombas (ou

hombas) hs hmdtims debuumlxu das botls

dchuumlxo dos jmdilh dehlixo da lamackhaix Ll

clllladebaixo dl cama

A letra fala da resistecircncia clandestina daqueles que

tinham que conviver agraves escondidas com o regime militar da

realid8de do guerrilheiro urbano e daquilo que era peculiar lO

seu cotidiano l)asseur eSCIndido pebs nws largas A letra da

muacutesica ainda aponta pmCl o fato do Brasil estar se constituindo

Histoacuteria amp Ensino Londrina v 8 ediccedilatildeo especiaL p 67 -81 out 2002

como que numa filial ou num quintal dos EUA ao falar em estados unidos do Brasil denunciando dessa forma o avanccedilo do imperialismo ianque no paiacutes

Todavia as palavras finais de Caetano apontam para uma criacutetica aberta agrave opccedilatildeo guerrilheira propondo todos irem para debaixo da cama para se refugiarem da sanha do lobo ou seja dos militares Nessa proposta subentende-se uma desconfianccedila de Caetano e dos tropicalistas sobre a validade da opccedilatildeo de enffentamento da esquerda brasileira desse periacuteodo Daiacute por certo explica-se o oacutedio dos militantes contra o Tropicalismo e as vaias recebidas por Caetano no Festival em 1968 1

Com o avanccedilo da repressatildeo especialmente durante o

governo Meacutedici ocorre um processo cada vez mais intenso de dilapidaccedilatildeo da arte e da cultura brasileira Grandes compositores e artistas como Chico Buarque Gilberto Gil Caetano Veloso Edu Lobo Geraldo Vandreacute entre outros exilaram-se ou foram exilados no exterior

E eacute nessa eacutepoca qua a muacutesica ufanista volta agrave cena e ganha destaque

Os compositores Don e Ravel com Eu te amo meu Brasil acabaram por se transformar na maior expressatildeo dessa tendecircncia nesse periacuteodo Observe-se parte da letra

As praias do Brasil ensolaradas laacute laacute laacute

o chatildeo onde o paiacutes se elevou laacute laacute laacute laacute

a matildeo de Deus abenccediloou

mulher que nasce aqui

tem muito mais amor O ceacuteu do meu Brasil tem mais estrelas laacute laacute

O sol do meu paacuteis mais esplendor laacutelaacute laacute laacute

I Essas reHexCles sobre essa mllsica e outras de Caetano Veloso e dos tropicalistas satildeo apontados por Ridenti (1993)

Histoacuteria amp Ensino Londrina v 8 ediccedilatildeo especial p 67-81 out 2002 77

A mflo de Deuo abenccediloou

em terras brasileiras

()u plantar amor

btribilho

Eu te amo mel Brasil eu te 1lllO

meu coraccediluuml() eacute verde amarelo bmnco azul anil

Eu te amo meu Brasil

ClI (c ~l1n()

ningueacuten1 segura ltl jUCnlthle do Brasil

Estribilho

Que leitura podemos fazer dessa muacutesica Que outro vieacutes desse periacuteodo ela aponta Que tipo de proveito ela poderia fornecer ao regime militar

Em tempos de Brasil ame-o ()u dcic-o a letra eles

muacutesica caiu como uma luva para as pretensotildees militares de xenofobia auto-elogio e exaltaccedil50 da paacutetria amacia aspectos muito caracteriacutesticos dos regimes autoritaacuterios

O refratildeo Eu le amIJ meu Brasil eu te amo Ningueacutem segura a jlf1Jcnt1Ule do Brasil ficou tatildeo conhecido que as agecircncias de pu hlicidade do Governo tomaram de empreacutestimo a ideacuteia c criaram o natildeo menos ceacutelebre slogan Ningueacutem segura este paiacutes

Cabe ressaltar que era esse tipo de muacutesica que chegava ao grande puacuteblico via raacutedio e TV criando uma falsa imagem do paiacutes em plena fase de milagre brasileiro Os livros de Educaccedilatildeo Moral e Ciacutevica discillinl obrigatoacuteria na eacutepoca traziam a letra dessa Illllsica para ser 1l111isada e discutidCl pelos alunos em sala de aula natildeo de forma criacutetica eacute claro

Vale lembrar em relaccedilatildeo ainda agrave muacutesica popular brasileira que esse periacuteodo natildeo foi palco unicamente de engcljamento ou ufanismo

Do mesmo modo em que vivia-se u clima dos festivais cb Record quando (orcer por uma ou outr] muacutesica signifiGIV~]

7 8 Histoacuteri~l amp Ensino Londrina v ti ediccedilatildeo especial p 67 -81 out 2002

manifestar uml posiccedilatildeo poliacutetica apresentava-se tambeacutem como opccedilatildeo Cl J()vem Guarda

Liderada por Roberto e Erasmo Carlos a Jovem Guarda surgia como um grupo de jovens cantores e compositores de comportamento aparentemente rebelde Entretanto se o tipo de roupa e o uso de cabelos compridos podiam representar rebeldia agraves normas vigentes ou anseio de transformaccedilocirces o conteuacutedo das canccedilocirces traduzia de outro modo uma outra opccedilatildeo vista por alguns como conservadora e apoliacutetica

NflO ohstante a posiccedilatildeo dos integrantes e fatildes da Jovem Guarda pode representar edeacutem de alienaccedilatildeo eou c()nservadorismo uma descrenccedila nas opccedilotildees de luta que se lprescntav1ll1 A muacutesica Quero que vuacute tudu )(r( () inferno pode resumir llluito bem essa tendecircncia de comportamento2 bull

Penso que atraveacutes da anaacutelise dessas canccedilocirces -- que natildeo prLlende sen-ir de modelo para os professores constituindo-se apenas numa possibilidade apresentada no acircmbito ele um campo permeado por interrogaccedilocirces - podemos pensar numa alternativa aos manuais e agraves cansativas para professor e aluno aulas expositivas Aleacutem do mais () trabalho com as muacutesicas ou outros registros pode tornar possiacutevel que os alunos vozes tatildeo poucas vezes ouvidas expressem slIas opiniocirces

Gostaria de reforccedilar uma vez mais que essas reflexotildees nacirco tecircm a pretensatildeo de servir C()11U formula aos professores tamp()uco representam a fala do cSl)cciulis[(( direcionada a um Iniacuteblicu clistalltc Satildeo reflexocirces que expressam ansiedades de algu~m ljue viveu ateacute haacute bem poucu tempo o cotidiano das saLls de aulas de 1ordm e 2ordm graus e que ainda convive e dialoga de diferellcilllts maneiras com esse espaccedilo

Aleacuteniacute du mais haacute que se lembrar que fiiacutennulas maacutegicas natildeo existem e que em uacuteltima instacircncia quem escolhe ois caminhos eacute o professor

2 A esse respeito Michel Maffesoli aponta a existecircncia no movimento social de uma recusa de participaccedilatildeo lercehida atraveacutes de muacuteltiplas atitudes que se natildeu satildeo combativecircb parecem Clllll() dissimuladas (Maffesoli 19t34)

llisliacuteril amp Ensino Londrina v 8 ediccedilatildeu cspccill p 67middot81 out 2002 79

Referecircncias

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MARSON A Reflexcs sobre o procedimento Histoacuterico In SILVA M A Rel)ensanJu 11 Histoacuteria Satildeo Paulo Brasiliense 19t34

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RIDENTI M S O FaJltasma da Rcvolll(acirco Satildeo Paulo Ed UNESr 1993

SILVA Z L da Asterix e a dominaccedilatildeo romana Revista Brasileira de Histoacuteria Satildeo Paulo v 5 n 10 1985

HO Hist(rb amp Ensino Londrincl v 8 ediccedilatildeo especial 1 67-ill out 2002

ABSTRACT This article has the objective of discussing the possibility of analysis of social realities through varied historical registrations For so much it was tried to stand out the Brazil after-64 period through the stuJy of some songs

KEY WORDS history languages military regime songs

Histoacuteria amp Ensino Londrina v 8 ediccedilatildeo especial p 67-81 out 2002 81

Page 2: CANTANDO O BRASIL PÓS-64*

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A partir dessas consideraccedilotildees eacute possiacutevel dizermos que tudo aquilo que u homem elabora a niacutevel de representaccedilatildeo humana conteacutem uma grande carga de expressatildeo cultural Assim podemos afirmar que as cunstruccedilotildees re~]liwdas sob a influencia de] sociedade em que se vive se constituem em siacutembolos que expressam a cultura e a consciecircncia histoacuterica dessa mesma sociedade

Dessa forma pode-se pensar o uso dos multimeios shyfilmes histoacuteria em quadrinhos TV muacutesica entre outros - no ensirll de Histoacuteria enquanto documento histoacuterico possuidor de significaccedilotildees e de testemunhos conscientes e inconscientl~s visiacuteveis ou natildeo presentes ou ausentes

Esses materiais aguardam somente que o historiador professor utilize-os questione-os em suas inuacutemeras lussi hi Iidades

No entanto antes de aprofundarmos as discussotildees sohre o uso le outras lingu~lgens em Histoacuteric] e nu ensino de uma maneira geral algumas interrogaccedilotildees se fazem presentes a respeito da nossa relaccedilatildeo com uma realidade permeada por imagens e signos

Estaacute claro que vivemos em um mundo de imagens um mundu clllorido p~lredes cobertas ele cartazes vitrines ()utshy

d()()TS editlcios tnultillic](lores de esp1SOS e dsotildees Vivemos o mundo das telas de TV dos tel()es um mundo tnediatizado por imagens As imagens tecircm uma dialeacutetica interna representam o mundo para o homem e ao mesmo tempo interpuumle-se entre este e () mundo (FlZANCE 1991 p 139-156)

Se estamos mergulhados em um mundo de imagens cahe-nos conviver com elas e decifrCl-Ias adentr1-las (FRANCE 1991 p 144)

E como convivemos com tudo isso Como tem sido a relaccedilatildeo entre a escola fundamental e imagens produzidas pela tclcvisfLo pelos viacutedeos pelos computadores

Se levarmos em conta que de uma forma especial as

crianccedil~ls coexistem muito mais talvez do que os adultos com

Histoacuteria amp Erbino Londrina v 8 ediccedilatildeo especial p 67-l11 out 2002

essas imagecircl1s devemos pensar tclmbeacutem na existecircncia de um

permanente c incessante processo de mutaccedilatildeo da percepccedilatildeo da

relaccedilatildeo espaccedilo-tempo do raciociacutenio loacutegico do imaginaacuterio do

simboacutelico das concecircpccedilotildees da realidade atingindo-as

Ainda natildeo temos elementos suficientes para dizer ateacute que

ponto a escola tem refletido sobre esses questionamentos ou sobre

essa realidade imageacutetica na qual estamos mergulhados

principalmente as escolas do ensino puacuteblico devido a carecircncia de reCllrSllS vlriados que permeia o sel cotidiano

Ent r-etanto percebe-se que nas uacuteltimas deacutecadas ocorreu uma hUSCl muito acentuada por parte de vaacuterios professores pela urilizlccedilJo de novos temas e diferenciadas abordagens no processo

ensinu-aprendizagem em especial no acircmhito da Histoacuteria

2 Ensino de Histoacuteria e outras linguagens

Essas novas experiecircncias realizadas aconteceram em um

momento -deacutecada de 80- em que o professorado intensifica () questionamento do proacuteprio trabalho repensando a sua formaccedilatildeo e colocando em discussJo a possibilidade de produccedilflo do conhecimento no 1- e 2 graus As v1rbs publicaccedilotildees em revistas especidiadas atestam a incorporatflu de novos procedimentos

ao trlbalho dos professores de Histoacuteria no ensino fundamental

desde 1 leitura e anaacutelise de documentos estudo llu meiopesquisa

de Gl1npo entrevistas com testemunhus de momentos estudados DllllCSlJ]() IlllllO outras linguagens adentram a sala de aula tais COIllU jornais revistas cartazes loacutetos filmes viacutedeos muacutesicas

poesias textos literaacuterios e outros

Dessa maneira torna-se claro tambeacutem que os professores

natildeo soacute percebem e formulam criacuteticas agrave situaccedilatildeo que vivenciam

mas que igualmente satildeo capazes de formular nuvos

entendimentos sobre a proacutepria disciplina criando outras

I Iisltria amp Ensin() Londrina y 8 ediccedilatildeo p (7 -81 out 2002 69

70

possibilidades e nuvas estrateacutegias par substituiacuterem as

tradicionClis aulls expositivas superando a dependecircncia do livro

didaacutetico e dos manuais contrariando a ideacuteia que comumente

se bziafaz dos professores como passivos e reprodutivistas Algumas experiecircncias com trabalhos atraveacutes da muacutesica

ela literatura do cinema da fotografia e outras linguagens foram

publicadas em revistas especializadas - que passam a dar cada

vez mais atenccedilatildeo agraves questotildees do ensino- como por exemplo na

Revista Brclsileim de I hsuJria

Entre esas exreriecircncias podemos destacar duis trlhalhos

publicados nessa Revista que procuravam incorporar novos

procedimentos e llutras linguagens em sala de auL

Em Linguagem e Canccedilatildeo uma Prol)()sta jJara () ensino de

HistlIacuteria eacute sugerido pelos professores a utilizaccedilflO dl canccedilocirces como

documento histoacuterico possiacutevel de ser trabalhado em sala de aula

Percebendo a importacircncia das canccedilotildees como documento

soacutecio-histoacuterico possuidoras de uma linguagem que age no desejo

os autores propotildeem uma leitura das mesmas fazendo uma ponte

com a realidade social Nessa experiecircncia a anaacutelise das diversas

canccedilocirces permitiu segundo os professores efetuar um contrapomo ao conteuacutedo c() ensino ele Histoacuteria imlJlodindo eXIJiUlccediliies histocircricas fechadas c lmuacuteimcmuacutenlOis (DEUGENIO 1988)

Um outro cxempl() de utilizaccedilatildeo de novas Iinguagcns no

ensino de Hist(lria Jocle ser percebido atnweacutes do trabalho

realizado por Zeacutelia L( lpes da Silva na deacutecaeb de 80 C0111 a revista

em quadrinhos Asterix etn uma turma de 8 seacuterie noturna na

periferia de GUafulhos-Sl com alunos trabalhadores (SILVA

1985 p 234) Segundo Zeacutelia Lopes da Silva a experiecircncia buscava

entre outras coisas responder a desafios pedagoacutegicos como tentar

trabalhar com os alunos noccedilocirces de tempo e ciecircncia bem como

examinar as relaccedilotildees de poder entre dominadores e dominados

I-istoacuteri~l amp Lbin( Londrina v 8 ediccedilatildeo especLll p uuml7 middot8 Ullt 2002

A leitura dos quadrinhos possibilitav~ abrir espaccedilo para a reflexflO oral e escrita cercealLJ IPOacuteS 1 viabilizaccedilatildeo das propostas educacionais poacutes-64 que objetivavam formar ordeiros cidadatildeos

O resultado mais significativo da experiecircncia para a professora consistiu em despertar o interesse dos alunos pela disciplina que surgia entatildeo natildeo como algo obrigatoacuterio mas como parte da vida de cada um

No entanto haacute que se ressaltar que o trabalho com linguagens alternativas requer alguns cuidados pelo professor PlLl que este natildeo caia em certas IrmadilhlS

Se tomarmos as vaacuterias lnanifestlccedilCles culturais como aquelas jaacute sugeridas de uma dada sociedade enquanto registros hist(lricos possiacuteveis de serem interpretados estaremos diante de uma questatildeo bastante complexa e tambeacutem bastante debatida

Estou pensando mais exatamente no aspecto do valor documental que pode ser atribuiacutedo a tais registros histoacutericos

Como lembra Adalberto Marson costuma-se quase sempre assumir duas posiccedilotildees com relaccedilatildeo ao valor documental de um determinado objeto tomaacute-lo como prova fiel da realidade ou como amostra modelo confirmaccedilatildeo do conhecimento que se apresenta externo a ele (SILVA 1984)

Nesse sentido tomando-se uma ou ()utra posiccedilatildeo c~qlece-se que a valoraccedilatildeo dllcumental lle determinado registro hist(rico estaacute ligada ao relaciul1al11ento que se estabekcc entre o ohjeto e o sujeito que () interpreta perdendoshyse de vista desse modo que cada sujeito eacute possuidor de uma memoacuteria particular que o impede de pensar na possibilidade de furmas diferenciadas ou semelhantes da sua de interpretar o vivido

Outras interrogaccedilotildees ainda se fazem presentes acerca da questatildeo do valor documental dos registros histoacutericos como por exemplo o que levou determinado documento a ser considerado como tal e tambeacutem a forma como o mesmo se perpetua como memoacuteri~l) e os significados que encerra entatildeo

Hiiacuteri amp Ensino Londrina v 8 ediccedilatildeo I hiSI (lIlt 2002 71

-

Todos esses questionamentos trazem aacute tona em uacuteltima instacircncia a p()stura 1 ser tomada pelo professorpesljuisador no relacionamento com a cultura sob as mais diferenciadas formas de manifestaccedilatildeo e as suas possibilidades de leitura e interpretaccedilatildeo

Noutra direccedilatildeo Selva Guimaratildees Fonseca fazendo um balanccedilo das publicaccedilotildees sobre ensino editadas nos anos 80 cham~1 a atenccedilatildeo para um problema que agraves vezes se constata com relaccedilatildeo ao uso de outras linguagens em sala de aula pelos professores Segundo Fonseca em alguns casos estas satildeo utilizadas apeacutenas como ilustraccedilatildeo do conteuacutedo tradicional natildeo havendo trabalho de reflexatildeo sobre a natureza das Iingllecirclgens suas especificidades seus limites e sobre os elementos histoacutericos que as constituem (FONSECA 1990 p 206)

Penso que eSRS limites soacute podem ser superados l[uando vivenciados na praacutetica pelos agentes do ensino

Podemos dizer que o significado maior dessas experiecircncias citadas com linguagens diferenciadas no ensino de Histoacuteria e de outras que podericlln ser mencionadas consiste no fato dessas permitirem a efetivaccedilatildeo de um novo ensino calcado na reflexatildeo e no debate

3 Cantando o Brasil poacutes 64

A partir dessas consideraccedilotildees penso que poderia propor enquanto possibilidade () estudo de uma dada realidade social a partir de uma determinada linguagem cu ltmal no caso em particular da mllsica

Tomo como referecircncia para essa anaacutelise uma fase da

histoacuteria hrasileira que nem sempre eacute abordada pelos professores

com os alunos no 1ordm e 2ordm graus - e mesmo na academia - pela djficuldade em esgotar o conteuacutedo e chegar ateacute a nossa histoacuteria

mais recente os anos 60 e 70

72 Histlllid amp Emilll Li gtndrina v 8 ediccedilatildeo especial p Oacuteiacute ti l 011 2002

Os manuais geralmente reservam um espaccedilo pouco representativu a essas deacutecadas da Histoacuteria do Brasil localizando-as sempre ao final dos livros abordando-as rapidamente e muitas vezes sem maior aprofundamento destacando-se via de regra que foi um periacuteodo tenebroso e autoritaacuterio que acaha por findar -natildeo se sabe muito bem como - em abertura e anistia

Procurarei analisar esses anos a partir de alguns acontecimentos -golpe militar guerrilha e repressfiacuteo - que marcaram s()bremaneira a vida poliacutetica e cultural do paiacutes pensando - us atraveacutes de algumas cll1~Cles

Decretado o golpe militar em 64 quase que imldiatamente a atuaccedilatildeo dos vencedores Sl fez sentir centenas de sindicatos caiacuteram sob intervenccedilatildeo as Ligas Camponesas foram dispersls e diversos poliacuteticos tiveram seus direitos cassados possibilidade que se abriu com a ediccedilatildeo do primeiro Ato Institucional que na praacutetica transferiu o poder poliacutetico aos militares coagindo e mutilando o congresso (CUNHA 1993)

Tais providecircncias foram logo denominadas de revolucionaacuterias com a intenccedilatildeo de retirar o caraacuteter golpista do regime e transfonniacute-lo em revoluccedilatildeo que teria sido feita para salvaguardar a mdem no paiacutes atingindo rapidamente diversos setores da sociedade e organizaccedilCles consideradas subversivas COl1lU CGT e 1JNE foram dissohidas em nome da revoluccedilatildeo Os liacutederes ridos tambeacutem como subversivos [oacuteram presos e submctll[()S ~l IPMs isso quando 1130 se viam obrigados a se exilarem em outros paiacuteses

No entanto passado () primeiro momento de eSl)(lnto a esquerda - composta em grande parte por estudantes intelectuais artistas e setores da Igreja progressista tentou se recompor e se refazer Muitos militantes colocaram-se agrave procura de rearticubccedilatildeo mesmo na clandestinidade Comeccedila a aflorar em muitos um sentimento o anseio pela desforra

llisllt)ria amp Ensin() Londrina v 8 ediccedilatildeo especial p () 7 -81 ut 2002 73

74

Aos poucos fica cada vez m1is claro a incompatibilizaccedilatildeo

entre alguns setores civis que apoiaram o golpe com o poder

militar Isso ficou expliacutecito em outubro de 1965 com a ediccedilatildeo

do tu Institucional nordm 2 que dissolveu os partidos p()liacuteticos

existentes e estabeleceu a eleiccedilatildeo indireta para presidente da

Repuacuteblica frustrando assim a esperanccedila de vaacuterios possiacuteveis

candidatos como Magalhatildees Pinto Adhemar de Barros e Carlos

Lacercla que rompem cotn Castelo Branco Antes de findar o seu mandato C~lStelO Branco tve o

cuidado de deixar ao seu sucessor lima nova Constituiccedilatildeo

aprovada pelo Congresso

A Constituiccedilatildeo de 1967 aleacutem de legitimar as

prerrogativas autoritiacuterIacute8s conferidas aO Executivo pelo AI-Z inclui tambeacutem a Lei de Imprensa e a Lei de Seguranccedila

N1Cional Essas leis garecircmtiram ao n)V() presidente poderes

praticamente ilimitados o que levou a oposiccedilatildeo a denunciar e a caracterizar a institucionalizaccediliacuteo da ditadura

Em 1968 com a ediccedilatildeo AI-5 que na praacutetica impedia toda c qualquer oposiccedilatildeo moderada ou r~lJical ao regime militar poder-se-Ziacute entatildeo constatar 1 face mais radical do

g()verno e seu total endurecimento

Com o fechamento da vida poliacutetica para a oposiccedilatildeo e o

bloqueio de toda forma de manifestaccedilatildeo contraacuteria ao regime

vaacuterias correntes de esquerda no paiacutes optam por impulsionar uma

perspectiva extrema qle jaacute vinha se encaminhando a Illt~l

armada

A partir desse momento a tortura e a violecircnciaa seriam

a forma do Estado dialogar com seus adversaacuterios poliacuteticos

instaurado-se lima vez mais na vida poliacutetica brasileira um c lima de terror e viulecircncicl

produccedilatildeo cultural hrasileira passa entatildeo a ser l)cllcirada Do final dus anos 60 e iniacuteco dus 70 soacute viriam a ptiacutehlico

Histoacuteria amp Ensino Londrina v 8 ediccedilatildeo especial p 67 -81 out 2002

muacutesiC1S pelt~lS de teatro livros enfim qlalquer produto cllltur~d que os censores julgassem adequados ao momento poliacutetco (CALDAS 1985 p 65)

Desse periacuteodo em termos de produccedilatildeo musical uma

canccedilatildeo acabou se transformando em hino e num siacutembolo da

resistecircncia ao governo militar Foi a muacutesica Praacute natildeo dizer que nagraveu

falei das fiares de Geraldo Vandreacute cantada de forma emocionada

no Festival Internacional da Canccedilatildeo em 1968 e perseguida assim

cmnu o seu C1utllf ateacute 1979 e que passou a ser mais conhecida

por Caminhund()

(l1llinh~mdD e cantando e seguindu ~1 ccmc~u

llOS l()cos iguais braccedilos dados ou 1110

Nas escuL nas ruas campos cOllslruccediluumles

Caminhando c cantando e seguindo a canccedilatildeo

Vem vamos embora que esperar natildeo eacute saber

Quem sabe Uacute1Z a hur~l natildeo espera acontecer

Pelos campos ~la flmle em grandes plantaccedilotildees

Pda rtllS marchando indecisos lorcluumles

limL iacl1ll da tlor seu mais forte rcfr1n

L Icrcditam nas tlores vencendo o canho

Vem IUS embora

Mas o que possui essa muacutesica de tatildeo comprometedor em sua letra Por que a canccedilatildeo teria sido proibida pela Censura

Federal

Jaacute em seus primeiros versos Somos todos iguais braccedilos dados ou natildeo ela evoca uma suposta igualdade soacute pussiacutevel em

I iacutel()riacuteCl amp Emino Londrina v 8 ediccedil1o cspcciacutezd iacute 67 -81 UIlt 2002 75

76

uma socielbde dita igualitaacuteria ou socialista Primeiro vislumbre

do l)erigo vermelho na canCcedillO

Em seu prosseguimento a letra da muacutesica lembra lima

marcw de soldados inclecisos cordotildees (fLUIS e todos perdidos de armas na matildeo que deveriam aprenJer e ensinar uma nova

liccedilatildeo Qual De que esl)erar natildeo eacute saber Quem sabe faz a hora

natildeo esjJcra acontecer Ou seja pregava quase que abertamente a P()ssi1~ilidaade do pOO tomar a Hist(lria em suas miiacuteos

atraveacutes de uma possiacutevel revoluccedilatildeo Expressava-se entatildeo um convite mais que real tu engajamento il luta

A rebeldia contra o regime militar tambeacutem aparece em

vaacuterias canccedilotildees de Caetano Veloso e dos tropicalistas como atraveacutes

da muacutesica EnLlwmto seu lobo natildeo vem do LP Tropicaacutelia gravado tamheacutem em 1968

Valllos passear lia llorcsta escondida meu amor

vamos pasself na aveniJahiacute Ulllltl cordilheira sob

o asJUacutellto A estaccedilatildeo primeinl

de manguclra passa em ruas brgas passa por

debaixo da avellida Prcsilente Vargas Vltl1l10S

jll5ear nos estados lIlldos do Brasil

Vamos passear cscondidus vamos desfilar

pela rua onde a mangueira passou vamos por

Jeb~lix() das nIlS Debaixo l1clS pombas (ou

hombas) hs hmdtims debuumlxu das botls

dchuumlxo dos jmdilh dehlixo da lamackhaix Ll

clllladebaixo dl cama

A letra fala da resistecircncia clandestina daqueles que

tinham que conviver agraves escondidas com o regime militar da

realid8de do guerrilheiro urbano e daquilo que era peculiar lO

seu cotidiano l)asseur eSCIndido pebs nws largas A letra da

muacutesica ainda aponta pmCl o fato do Brasil estar se constituindo

Histoacuteria amp Ensino Londrina v 8 ediccedilatildeo especiaL p 67 -81 out 2002

como que numa filial ou num quintal dos EUA ao falar em estados unidos do Brasil denunciando dessa forma o avanccedilo do imperialismo ianque no paiacutes

Todavia as palavras finais de Caetano apontam para uma criacutetica aberta agrave opccedilatildeo guerrilheira propondo todos irem para debaixo da cama para se refugiarem da sanha do lobo ou seja dos militares Nessa proposta subentende-se uma desconfianccedila de Caetano e dos tropicalistas sobre a validade da opccedilatildeo de enffentamento da esquerda brasileira desse periacuteodo Daiacute por certo explica-se o oacutedio dos militantes contra o Tropicalismo e as vaias recebidas por Caetano no Festival em 1968 1

Com o avanccedilo da repressatildeo especialmente durante o

governo Meacutedici ocorre um processo cada vez mais intenso de dilapidaccedilatildeo da arte e da cultura brasileira Grandes compositores e artistas como Chico Buarque Gilberto Gil Caetano Veloso Edu Lobo Geraldo Vandreacute entre outros exilaram-se ou foram exilados no exterior

E eacute nessa eacutepoca qua a muacutesica ufanista volta agrave cena e ganha destaque

Os compositores Don e Ravel com Eu te amo meu Brasil acabaram por se transformar na maior expressatildeo dessa tendecircncia nesse periacuteodo Observe-se parte da letra

As praias do Brasil ensolaradas laacute laacute laacute

o chatildeo onde o paiacutes se elevou laacute laacute laacute laacute

a matildeo de Deus abenccediloou

mulher que nasce aqui

tem muito mais amor O ceacuteu do meu Brasil tem mais estrelas laacute laacute

O sol do meu paacuteis mais esplendor laacutelaacute laacute laacute

I Essas reHexCles sobre essa mllsica e outras de Caetano Veloso e dos tropicalistas satildeo apontados por Ridenti (1993)

Histoacuteria amp Ensino Londrina v 8 ediccedilatildeo especial p 67-81 out 2002 77

A mflo de Deuo abenccediloou

em terras brasileiras

()u plantar amor

btribilho

Eu te amo mel Brasil eu te 1lllO

meu coraccediluuml() eacute verde amarelo bmnco azul anil

Eu te amo meu Brasil

ClI (c ~l1n()

ningueacuten1 segura ltl jUCnlthle do Brasil

Estribilho

Que leitura podemos fazer dessa muacutesica Que outro vieacutes desse periacuteodo ela aponta Que tipo de proveito ela poderia fornecer ao regime militar

Em tempos de Brasil ame-o ()u dcic-o a letra eles

muacutesica caiu como uma luva para as pretensotildees militares de xenofobia auto-elogio e exaltaccedil50 da paacutetria amacia aspectos muito caracteriacutesticos dos regimes autoritaacuterios

O refratildeo Eu le amIJ meu Brasil eu te amo Ningueacutem segura a jlf1Jcnt1Ule do Brasil ficou tatildeo conhecido que as agecircncias de pu hlicidade do Governo tomaram de empreacutestimo a ideacuteia c criaram o natildeo menos ceacutelebre slogan Ningueacutem segura este paiacutes

Cabe ressaltar que era esse tipo de muacutesica que chegava ao grande puacuteblico via raacutedio e TV criando uma falsa imagem do paiacutes em plena fase de milagre brasileiro Os livros de Educaccedilatildeo Moral e Ciacutevica discillinl obrigatoacuteria na eacutepoca traziam a letra dessa Illllsica para ser 1l111isada e discutidCl pelos alunos em sala de aula natildeo de forma criacutetica eacute claro

Vale lembrar em relaccedilatildeo ainda agrave muacutesica popular brasileira que esse periacuteodo natildeo foi palco unicamente de engcljamento ou ufanismo

Do mesmo modo em que vivia-se u clima dos festivais cb Record quando (orcer por uma ou outr] muacutesica signifiGIV~]

7 8 Histoacuteri~l amp Ensino Londrina v ti ediccedilatildeo especial p 67 -81 out 2002

manifestar uml posiccedilatildeo poliacutetica apresentava-se tambeacutem como opccedilatildeo Cl J()vem Guarda

Liderada por Roberto e Erasmo Carlos a Jovem Guarda surgia como um grupo de jovens cantores e compositores de comportamento aparentemente rebelde Entretanto se o tipo de roupa e o uso de cabelos compridos podiam representar rebeldia agraves normas vigentes ou anseio de transformaccedilocirces o conteuacutedo das canccedilocirces traduzia de outro modo uma outra opccedilatildeo vista por alguns como conservadora e apoliacutetica

NflO ohstante a posiccedilatildeo dos integrantes e fatildes da Jovem Guarda pode representar edeacutem de alienaccedilatildeo eou c()nservadorismo uma descrenccedila nas opccedilotildees de luta que se lprescntav1ll1 A muacutesica Quero que vuacute tudu )(r( () inferno pode resumir llluito bem essa tendecircncia de comportamento2 bull

Penso que atraveacutes da anaacutelise dessas canccedilocirces -- que natildeo prLlende sen-ir de modelo para os professores constituindo-se apenas numa possibilidade apresentada no acircmbito ele um campo permeado por interrogaccedilocirces - podemos pensar numa alternativa aos manuais e agraves cansativas para professor e aluno aulas expositivas Aleacutem do mais () trabalho com as muacutesicas ou outros registros pode tornar possiacutevel que os alunos vozes tatildeo poucas vezes ouvidas expressem slIas opiniocirces

Gostaria de reforccedilar uma vez mais que essas reflexotildees nacirco tecircm a pretensatildeo de servir C()11U formula aos professores tamp()uco representam a fala do cSl)cciulis[(( direcionada a um Iniacuteblicu clistalltc Satildeo reflexocirces que expressam ansiedades de algu~m ljue viveu ateacute haacute bem poucu tempo o cotidiano das saLls de aulas de 1ordm e 2ordm graus e que ainda convive e dialoga de diferellcilllts maneiras com esse espaccedilo

Aleacuteniacute du mais haacute que se lembrar que fiiacutennulas maacutegicas natildeo existem e que em uacuteltima instacircncia quem escolhe ois caminhos eacute o professor

2 A esse respeito Michel Maffesoli aponta a existecircncia no movimento social de uma recusa de participaccedilatildeo lercehida atraveacutes de muacuteltiplas atitudes que se natildeu satildeo combativecircb parecem Clllll() dissimuladas (Maffesoli 19t34)

llisliacuteril amp Ensino Londrina v 8 ediccedilatildeu cspccill p 67middot81 out 2002 79

Referecircncias

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MARSON A Reflexcs sobre o procedimento Histoacuterico In SILVA M A Rel)ensanJu 11 Histoacuteria Satildeo Paulo Brasiliense 19t34

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RIDENTI M S O FaJltasma da Rcvolll(acirco Satildeo Paulo Ed UNESr 1993

SILVA Z L da Asterix e a dominaccedilatildeo romana Revista Brasileira de Histoacuteria Satildeo Paulo v 5 n 10 1985

HO Hist(rb amp Ensino Londrincl v 8 ediccedilatildeo especial 1 67-ill out 2002

ABSTRACT This article has the objective of discussing the possibility of analysis of social realities through varied historical registrations For so much it was tried to stand out the Brazil after-64 period through the stuJy of some songs

KEY WORDS history languages military regime songs

Histoacuteria amp Ensino Londrina v 8 ediccedilatildeo especial p 67-81 out 2002 81

Page 3: CANTANDO O BRASIL PÓS-64*

essas imagecircl1s devemos pensar tclmbeacutem na existecircncia de um

permanente c incessante processo de mutaccedilatildeo da percepccedilatildeo da

relaccedilatildeo espaccedilo-tempo do raciociacutenio loacutegico do imaginaacuterio do

simboacutelico das concecircpccedilotildees da realidade atingindo-as

Ainda natildeo temos elementos suficientes para dizer ateacute que

ponto a escola tem refletido sobre esses questionamentos ou sobre

essa realidade imageacutetica na qual estamos mergulhados

principalmente as escolas do ensino puacuteblico devido a carecircncia de reCllrSllS vlriados que permeia o sel cotidiano

Ent r-etanto percebe-se que nas uacuteltimas deacutecadas ocorreu uma hUSCl muito acentuada por parte de vaacuterios professores pela urilizlccedilJo de novos temas e diferenciadas abordagens no processo

ensinu-aprendizagem em especial no acircmhito da Histoacuteria

2 Ensino de Histoacuteria e outras linguagens

Essas novas experiecircncias realizadas aconteceram em um

momento -deacutecada de 80- em que o professorado intensifica () questionamento do proacuteprio trabalho repensando a sua formaccedilatildeo e colocando em discussJo a possibilidade de produccedilflo do conhecimento no 1- e 2 graus As v1rbs publicaccedilotildees em revistas especidiadas atestam a incorporatflu de novos procedimentos

ao trlbalho dos professores de Histoacuteria no ensino fundamental

desde 1 leitura e anaacutelise de documentos estudo llu meiopesquisa

de Gl1npo entrevistas com testemunhus de momentos estudados DllllCSlJ]() IlllllO outras linguagens adentram a sala de aula tais COIllU jornais revistas cartazes loacutetos filmes viacutedeos muacutesicas

poesias textos literaacuterios e outros

Dessa maneira torna-se claro tambeacutem que os professores

natildeo soacute percebem e formulam criacuteticas agrave situaccedilatildeo que vivenciam

mas que igualmente satildeo capazes de formular nuvos

entendimentos sobre a proacutepria disciplina criando outras

I Iisltria amp Ensin() Londrina y 8 ediccedilatildeo p (7 -81 out 2002 69

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possibilidades e nuvas estrateacutegias par substituiacuterem as

tradicionClis aulls expositivas superando a dependecircncia do livro

didaacutetico e dos manuais contrariando a ideacuteia que comumente

se bziafaz dos professores como passivos e reprodutivistas Algumas experiecircncias com trabalhos atraveacutes da muacutesica

ela literatura do cinema da fotografia e outras linguagens foram

publicadas em revistas especializadas - que passam a dar cada

vez mais atenccedilatildeo agraves questotildees do ensino- como por exemplo na

Revista Brclsileim de I hsuJria

Entre esas exreriecircncias podemos destacar duis trlhalhos

publicados nessa Revista que procuravam incorporar novos

procedimentos e llutras linguagens em sala de auL

Em Linguagem e Canccedilatildeo uma Prol)()sta jJara () ensino de

HistlIacuteria eacute sugerido pelos professores a utilizaccedilflO dl canccedilocirces como

documento histoacuterico possiacutevel de ser trabalhado em sala de aula

Percebendo a importacircncia das canccedilotildees como documento

soacutecio-histoacuterico possuidoras de uma linguagem que age no desejo

os autores propotildeem uma leitura das mesmas fazendo uma ponte

com a realidade social Nessa experiecircncia a anaacutelise das diversas

canccedilocirces permitiu segundo os professores efetuar um contrapomo ao conteuacutedo c() ensino ele Histoacuteria imlJlodindo eXIJiUlccediliies histocircricas fechadas c lmuacuteimcmuacutenlOis (DEUGENIO 1988)

Um outro cxempl() de utilizaccedilatildeo de novas Iinguagcns no

ensino de Hist(lria Jocle ser percebido atnweacutes do trabalho

realizado por Zeacutelia L( lpes da Silva na deacutecaeb de 80 C0111 a revista

em quadrinhos Asterix etn uma turma de 8 seacuterie noturna na

periferia de GUafulhos-Sl com alunos trabalhadores (SILVA

1985 p 234) Segundo Zeacutelia Lopes da Silva a experiecircncia buscava

entre outras coisas responder a desafios pedagoacutegicos como tentar

trabalhar com os alunos noccedilocirces de tempo e ciecircncia bem como

examinar as relaccedilotildees de poder entre dominadores e dominados

I-istoacuteri~l amp Lbin( Londrina v 8 ediccedilatildeo especLll p uuml7 middot8 Ullt 2002

A leitura dos quadrinhos possibilitav~ abrir espaccedilo para a reflexflO oral e escrita cercealLJ IPOacuteS 1 viabilizaccedilatildeo das propostas educacionais poacutes-64 que objetivavam formar ordeiros cidadatildeos

O resultado mais significativo da experiecircncia para a professora consistiu em despertar o interesse dos alunos pela disciplina que surgia entatildeo natildeo como algo obrigatoacuterio mas como parte da vida de cada um

No entanto haacute que se ressaltar que o trabalho com linguagens alternativas requer alguns cuidados pelo professor PlLl que este natildeo caia em certas IrmadilhlS

Se tomarmos as vaacuterias lnanifestlccedilCles culturais como aquelas jaacute sugeridas de uma dada sociedade enquanto registros hist(lricos possiacuteveis de serem interpretados estaremos diante de uma questatildeo bastante complexa e tambeacutem bastante debatida

Estou pensando mais exatamente no aspecto do valor documental que pode ser atribuiacutedo a tais registros histoacutericos

Como lembra Adalberto Marson costuma-se quase sempre assumir duas posiccedilotildees com relaccedilatildeo ao valor documental de um determinado objeto tomaacute-lo como prova fiel da realidade ou como amostra modelo confirmaccedilatildeo do conhecimento que se apresenta externo a ele (SILVA 1984)

Nesse sentido tomando-se uma ou ()utra posiccedilatildeo c~qlece-se que a valoraccedilatildeo dllcumental lle determinado registro hist(rico estaacute ligada ao relaciul1al11ento que se estabekcc entre o ohjeto e o sujeito que () interpreta perdendoshyse de vista desse modo que cada sujeito eacute possuidor de uma memoacuteria particular que o impede de pensar na possibilidade de furmas diferenciadas ou semelhantes da sua de interpretar o vivido

Outras interrogaccedilotildees ainda se fazem presentes acerca da questatildeo do valor documental dos registros histoacutericos como por exemplo o que levou determinado documento a ser considerado como tal e tambeacutem a forma como o mesmo se perpetua como memoacuteri~l) e os significados que encerra entatildeo

Hiiacuteri amp Ensino Londrina v 8 ediccedilatildeo I hiSI (lIlt 2002 71

-

Todos esses questionamentos trazem aacute tona em uacuteltima instacircncia a p()stura 1 ser tomada pelo professorpesljuisador no relacionamento com a cultura sob as mais diferenciadas formas de manifestaccedilatildeo e as suas possibilidades de leitura e interpretaccedilatildeo

Noutra direccedilatildeo Selva Guimaratildees Fonseca fazendo um balanccedilo das publicaccedilotildees sobre ensino editadas nos anos 80 cham~1 a atenccedilatildeo para um problema que agraves vezes se constata com relaccedilatildeo ao uso de outras linguagens em sala de aula pelos professores Segundo Fonseca em alguns casos estas satildeo utilizadas apeacutenas como ilustraccedilatildeo do conteuacutedo tradicional natildeo havendo trabalho de reflexatildeo sobre a natureza das Iingllecirclgens suas especificidades seus limites e sobre os elementos histoacutericos que as constituem (FONSECA 1990 p 206)

Penso que eSRS limites soacute podem ser superados l[uando vivenciados na praacutetica pelos agentes do ensino

Podemos dizer que o significado maior dessas experiecircncias citadas com linguagens diferenciadas no ensino de Histoacuteria e de outras que podericlln ser mencionadas consiste no fato dessas permitirem a efetivaccedilatildeo de um novo ensino calcado na reflexatildeo e no debate

3 Cantando o Brasil poacutes 64

A partir dessas consideraccedilotildees penso que poderia propor enquanto possibilidade () estudo de uma dada realidade social a partir de uma determinada linguagem cu ltmal no caso em particular da mllsica

Tomo como referecircncia para essa anaacutelise uma fase da

histoacuteria hrasileira que nem sempre eacute abordada pelos professores

com os alunos no 1ordm e 2ordm graus - e mesmo na academia - pela djficuldade em esgotar o conteuacutedo e chegar ateacute a nossa histoacuteria

mais recente os anos 60 e 70

72 Histlllid amp Emilll Li gtndrina v 8 ediccedilatildeo especial p Oacuteiacute ti l 011 2002

Os manuais geralmente reservam um espaccedilo pouco representativu a essas deacutecadas da Histoacuteria do Brasil localizando-as sempre ao final dos livros abordando-as rapidamente e muitas vezes sem maior aprofundamento destacando-se via de regra que foi um periacuteodo tenebroso e autoritaacuterio que acaha por findar -natildeo se sabe muito bem como - em abertura e anistia

Procurarei analisar esses anos a partir de alguns acontecimentos -golpe militar guerrilha e repressfiacuteo - que marcaram s()bremaneira a vida poliacutetica e cultural do paiacutes pensando - us atraveacutes de algumas cll1~Cles

Decretado o golpe militar em 64 quase que imldiatamente a atuaccedilatildeo dos vencedores Sl fez sentir centenas de sindicatos caiacuteram sob intervenccedilatildeo as Ligas Camponesas foram dispersls e diversos poliacuteticos tiveram seus direitos cassados possibilidade que se abriu com a ediccedilatildeo do primeiro Ato Institucional que na praacutetica transferiu o poder poliacutetico aos militares coagindo e mutilando o congresso (CUNHA 1993)

Tais providecircncias foram logo denominadas de revolucionaacuterias com a intenccedilatildeo de retirar o caraacuteter golpista do regime e transfonniacute-lo em revoluccedilatildeo que teria sido feita para salvaguardar a mdem no paiacutes atingindo rapidamente diversos setores da sociedade e organizaccedilCles consideradas subversivas COl1lU CGT e 1JNE foram dissohidas em nome da revoluccedilatildeo Os liacutederes ridos tambeacutem como subversivos [oacuteram presos e submctll[()S ~l IPMs isso quando 1130 se viam obrigados a se exilarem em outros paiacuteses

No entanto passado () primeiro momento de eSl)(lnto a esquerda - composta em grande parte por estudantes intelectuais artistas e setores da Igreja progressista tentou se recompor e se refazer Muitos militantes colocaram-se agrave procura de rearticubccedilatildeo mesmo na clandestinidade Comeccedila a aflorar em muitos um sentimento o anseio pela desforra

llisllt)ria amp Ensin() Londrina v 8 ediccedilatildeo especial p () 7 -81 ut 2002 73

74

Aos poucos fica cada vez m1is claro a incompatibilizaccedilatildeo

entre alguns setores civis que apoiaram o golpe com o poder

militar Isso ficou expliacutecito em outubro de 1965 com a ediccedilatildeo

do tu Institucional nordm 2 que dissolveu os partidos p()liacuteticos

existentes e estabeleceu a eleiccedilatildeo indireta para presidente da

Repuacuteblica frustrando assim a esperanccedila de vaacuterios possiacuteveis

candidatos como Magalhatildees Pinto Adhemar de Barros e Carlos

Lacercla que rompem cotn Castelo Branco Antes de findar o seu mandato C~lStelO Branco tve o

cuidado de deixar ao seu sucessor lima nova Constituiccedilatildeo

aprovada pelo Congresso

A Constituiccedilatildeo de 1967 aleacutem de legitimar as

prerrogativas autoritiacuterIacute8s conferidas aO Executivo pelo AI-Z inclui tambeacutem a Lei de Imprensa e a Lei de Seguranccedila

N1Cional Essas leis garecircmtiram ao n)V() presidente poderes

praticamente ilimitados o que levou a oposiccedilatildeo a denunciar e a caracterizar a institucionalizaccediliacuteo da ditadura

Em 1968 com a ediccedilatildeo AI-5 que na praacutetica impedia toda c qualquer oposiccedilatildeo moderada ou r~lJical ao regime militar poder-se-Ziacute entatildeo constatar 1 face mais radical do

g()verno e seu total endurecimento

Com o fechamento da vida poliacutetica para a oposiccedilatildeo e o

bloqueio de toda forma de manifestaccedilatildeo contraacuteria ao regime

vaacuterias correntes de esquerda no paiacutes optam por impulsionar uma

perspectiva extrema qle jaacute vinha se encaminhando a Illt~l

armada

A partir desse momento a tortura e a violecircnciaa seriam

a forma do Estado dialogar com seus adversaacuterios poliacuteticos

instaurado-se lima vez mais na vida poliacutetica brasileira um c lima de terror e viulecircncicl

produccedilatildeo cultural hrasileira passa entatildeo a ser l)cllcirada Do final dus anos 60 e iniacuteco dus 70 soacute viriam a ptiacutehlico

Histoacuteria amp Ensino Londrina v 8 ediccedilatildeo especial p 67 -81 out 2002

muacutesiC1S pelt~lS de teatro livros enfim qlalquer produto cllltur~d que os censores julgassem adequados ao momento poliacutetco (CALDAS 1985 p 65)

Desse periacuteodo em termos de produccedilatildeo musical uma

canccedilatildeo acabou se transformando em hino e num siacutembolo da

resistecircncia ao governo militar Foi a muacutesica Praacute natildeo dizer que nagraveu

falei das fiares de Geraldo Vandreacute cantada de forma emocionada

no Festival Internacional da Canccedilatildeo em 1968 e perseguida assim

cmnu o seu C1utllf ateacute 1979 e que passou a ser mais conhecida

por Caminhund()

(l1llinh~mdD e cantando e seguindu ~1 ccmc~u

llOS l()cos iguais braccedilos dados ou 1110

Nas escuL nas ruas campos cOllslruccediluumles

Caminhando c cantando e seguindo a canccedilatildeo

Vem vamos embora que esperar natildeo eacute saber

Quem sabe Uacute1Z a hur~l natildeo espera acontecer

Pelos campos ~la flmle em grandes plantaccedilotildees

Pda rtllS marchando indecisos lorcluumles

limL iacl1ll da tlor seu mais forte rcfr1n

L Icrcditam nas tlores vencendo o canho

Vem IUS embora

Mas o que possui essa muacutesica de tatildeo comprometedor em sua letra Por que a canccedilatildeo teria sido proibida pela Censura

Federal

Jaacute em seus primeiros versos Somos todos iguais braccedilos dados ou natildeo ela evoca uma suposta igualdade soacute pussiacutevel em

I iacutel()riacuteCl amp Emino Londrina v 8 ediccedil1o cspcciacutezd iacute 67 -81 UIlt 2002 75

76

uma socielbde dita igualitaacuteria ou socialista Primeiro vislumbre

do l)erigo vermelho na canCcedillO

Em seu prosseguimento a letra da muacutesica lembra lima

marcw de soldados inclecisos cordotildees (fLUIS e todos perdidos de armas na matildeo que deveriam aprenJer e ensinar uma nova

liccedilatildeo Qual De que esl)erar natildeo eacute saber Quem sabe faz a hora

natildeo esjJcra acontecer Ou seja pregava quase que abertamente a P()ssi1~ilidaade do pOO tomar a Hist(lria em suas miiacuteos

atraveacutes de uma possiacutevel revoluccedilatildeo Expressava-se entatildeo um convite mais que real tu engajamento il luta

A rebeldia contra o regime militar tambeacutem aparece em

vaacuterias canccedilotildees de Caetano Veloso e dos tropicalistas como atraveacutes

da muacutesica EnLlwmto seu lobo natildeo vem do LP Tropicaacutelia gravado tamheacutem em 1968

Valllos passear lia llorcsta escondida meu amor

vamos pasself na aveniJahiacute Ulllltl cordilheira sob

o asJUacutellto A estaccedilatildeo primeinl

de manguclra passa em ruas brgas passa por

debaixo da avellida Prcsilente Vargas Vltl1l10S

jll5ear nos estados lIlldos do Brasil

Vamos passear cscondidus vamos desfilar

pela rua onde a mangueira passou vamos por

Jeb~lix() das nIlS Debaixo l1clS pombas (ou

hombas) hs hmdtims debuumlxu das botls

dchuumlxo dos jmdilh dehlixo da lamackhaix Ll

clllladebaixo dl cama

A letra fala da resistecircncia clandestina daqueles que

tinham que conviver agraves escondidas com o regime militar da

realid8de do guerrilheiro urbano e daquilo que era peculiar lO

seu cotidiano l)asseur eSCIndido pebs nws largas A letra da

muacutesica ainda aponta pmCl o fato do Brasil estar se constituindo

Histoacuteria amp Ensino Londrina v 8 ediccedilatildeo especiaL p 67 -81 out 2002

como que numa filial ou num quintal dos EUA ao falar em estados unidos do Brasil denunciando dessa forma o avanccedilo do imperialismo ianque no paiacutes

Todavia as palavras finais de Caetano apontam para uma criacutetica aberta agrave opccedilatildeo guerrilheira propondo todos irem para debaixo da cama para se refugiarem da sanha do lobo ou seja dos militares Nessa proposta subentende-se uma desconfianccedila de Caetano e dos tropicalistas sobre a validade da opccedilatildeo de enffentamento da esquerda brasileira desse periacuteodo Daiacute por certo explica-se o oacutedio dos militantes contra o Tropicalismo e as vaias recebidas por Caetano no Festival em 1968 1

Com o avanccedilo da repressatildeo especialmente durante o

governo Meacutedici ocorre um processo cada vez mais intenso de dilapidaccedilatildeo da arte e da cultura brasileira Grandes compositores e artistas como Chico Buarque Gilberto Gil Caetano Veloso Edu Lobo Geraldo Vandreacute entre outros exilaram-se ou foram exilados no exterior

E eacute nessa eacutepoca qua a muacutesica ufanista volta agrave cena e ganha destaque

Os compositores Don e Ravel com Eu te amo meu Brasil acabaram por se transformar na maior expressatildeo dessa tendecircncia nesse periacuteodo Observe-se parte da letra

As praias do Brasil ensolaradas laacute laacute laacute

o chatildeo onde o paiacutes se elevou laacute laacute laacute laacute

a matildeo de Deus abenccediloou

mulher que nasce aqui

tem muito mais amor O ceacuteu do meu Brasil tem mais estrelas laacute laacute

O sol do meu paacuteis mais esplendor laacutelaacute laacute laacute

I Essas reHexCles sobre essa mllsica e outras de Caetano Veloso e dos tropicalistas satildeo apontados por Ridenti (1993)

Histoacuteria amp Ensino Londrina v 8 ediccedilatildeo especial p 67-81 out 2002 77

A mflo de Deuo abenccediloou

em terras brasileiras

()u plantar amor

btribilho

Eu te amo mel Brasil eu te 1lllO

meu coraccediluuml() eacute verde amarelo bmnco azul anil

Eu te amo meu Brasil

ClI (c ~l1n()

ningueacuten1 segura ltl jUCnlthle do Brasil

Estribilho

Que leitura podemos fazer dessa muacutesica Que outro vieacutes desse periacuteodo ela aponta Que tipo de proveito ela poderia fornecer ao regime militar

Em tempos de Brasil ame-o ()u dcic-o a letra eles

muacutesica caiu como uma luva para as pretensotildees militares de xenofobia auto-elogio e exaltaccedil50 da paacutetria amacia aspectos muito caracteriacutesticos dos regimes autoritaacuterios

O refratildeo Eu le amIJ meu Brasil eu te amo Ningueacutem segura a jlf1Jcnt1Ule do Brasil ficou tatildeo conhecido que as agecircncias de pu hlicidade do Governo tomaram de empreacutestimo a ideacuteia c criaram o natildeo menos ceacutelebre slogan Ningueacutem segura este paiacutes

Cabe ressaltar que era esse tipo de muacutesica que chegava ao grande puacuteblico via raacutedio e TV criando uma falsa imagem do paiacutes em plena fase de milagre brasileiro Os livros de Educaccedilatildeo Moral e Ciacutevica discillinl obrigatoacuteria na eacutepoca traziam a letra dessa Illllsica para ser 1l111isada e discutidCl pelos alunos em sala de aula natildeo de forma criacutetica eacute claro

Vale lembrar em relaccedilatildeo ainda agrave muacutesica popular brasileira que esse periacuteodo natildeo foi palco unicamente de engcljamento ou ufanismo

Do mesmo modo em que vivia-se u clima dos festivais cb Record quando (orcer por uma ou outr] muacutesica signifiGIV~]

7 8 Histoacuteri~l amp Ensino Londrina v ti ediccedilatildeo especial p 67 -81 out 2002

manifestar uml posiccedilatildeo poliacutetica apresentava-se tambeacutem como opccedilatildeo Cl J()vem Guarda

Liderada por Roberto e Erasmo Carlos a Jovem Guarda surgia como um grupo de jovens cantores e compositores de comportamento aparentemente rebelde Entretanto se o tipo de roupa e o uso de cabelos compridos podiam representar rebeldia agraves normas vigentes ou anseio de transformaccedilocirces o conteuacutedo das canccedilocirces traduzia de outro modo uma outra opccedilatildeo vista por alguns como conservadora e apoliacutetica

NflO ohstante a posiccedilatildeo dos integrantes e fatildes da Jovem Guarda pode representar edeacutem de alienaccedilatildeo eou c()nservadorismo uma descrenccedila nas opccedilotildees de luta que se lprescntav1ll1 A muacutesica Quero que vuacute tudu )(r( () inferno pode resumir llluito bem essa tendecircncia de comportamento2 bull

Penso que atraveacutes da anaacutelise dessas canccedilocirces -- que natildeo prLlende sen-ir de modelo para os professores constituindo-se apenas numa possibilidade apresentada no acircmbito ele um campo permeado por interrogaccedilocirces - podemos pensar numa alternativa aos manuais e agraves cansativas para professor e aluno aulas expositivas Aleacutem do mais () trabalho com as muacutesicas ou outros registros pode tornar possiacutevel que os alunos vozes tatildeo poucas vezes ouvidas expressem slIas opiniocirces

Gostaria de reforccedilar uma vez mais que essas reflexotildees nacirco tecircm a pretensatildeo de servir C()11U formula aos professores tamp()uco representam a fala do cSl)cciulis[(( direcionada a um Iniacuteblicu clistalltc Satildeo reflexocirces que expressam ansiedades de algu~m ljue viveu ateacute haacute bem poucu tempo o cotidiano das saLls de aulas de 1ordm e 2ordm graus e que ainda convive e dialoga de diferellcilllts maneiras com esse espaccedilo

Aleacuteniacute du mais haacute que se lembrar que fiiacutennulas maacutegicas natildeo existem e que em uacuteltima instacircncia quem escolhe ois caminhos eacute o professor

2 A esse respeito Michel Maffesoli aponta a existecircncia no movimento social de uma recusa de participaccedilatildeo lercehida atraveacutes de muacuteltiplas atitudes que se natildeu satildeo combativecircb parecem Clllll() dissimuladas (Maffesoli 19t34)

llisliacuteril amp Ensino Londrina v 8 ediccedilatildeu cspccill p 67middot81 out 2002 79

Referecircncias

BURKE P Cultura P()J)ular na Idade lv1oderna Satildeo Paulo Cia das Letras 1989

CALDAS W Inicia~li() agrave Muacutesica Populur Brasileira Satildeo PauloAacutetica1985 (Princiacutepios)

CUNHA M de E da Eles Ousaram Lutar A Nova Esquerda Brasileiru no l)eriacuteodo ele 64- 72 1993 Dissertaccedilatildeo (Mestrado)shyUNESI~ Assis

DEUCENIO F N et tI Linguagem c Clllccedilatildeo uma prl )P()st~l

para o ensino de Histoacuteria Revista Brasileira ele Hisuiacuteria Satildeo Paulo v 8 n 15 1988

FONSECA S G Ensino de Histoacuteria diversificaccedilatildeu de abordagens Revista Brasileira de l1isuJria Satildeo Paulo v 9 n 19 1990

FRANCE L Imagens imagizadas nadadeiras para sobrenadm VEIGA L P A (org) Escola Fundamental curriacuteculo e ensino Campinas Papirus 1991

MAFFESOLI 11 A Conquista do Presente Rio Janeiro Rocco 1984

MARSON A Reflexcs sobre o procedimento Histoacuterico In SILVA M A Rel)ensanJu 11 Histoacuteria Satildeo Paulo Brasiliense 19t34

RICCI C S Da intenccedilatildeo ao Gesto - Quem eacute quem no ensino de Histoacuteria em Sio Paulo Dissertaccedilatildeo (Mestrado) - pue S~iacuteo Paulo 1992

RIDENTI M S O FaJltasma da Rcvolll(acirco Satildeo Paulo Ed UNESr 1993

SILVA Z L da Asterix e a dominaccedilatildeo romana Revista Brasileira de Histoacuteria Satildeo Paulo v 5 n 10 1985

HO Hist(rb amp Ensino Londrincl v 8 ediccedilatildeo especial 1 67-ill out 2002

ABSTRACT This article has the objective of discussing the possibility of analysis of social realities through varied historical registrations For so much it was tried to stand out the Brazil after-64 period through the stuJy of some songs

KEY WORDS history languages military regime songs

Histoacuteria amp Ensino Londrina v 8 ediccedilatildeo especial p 67-81 out 2002 81

Page 4: CANTANDO O BRASIL PÓS-64*

70

possibilidades e nuvas estrateacutegias par substituiacuterem as

tradicionClis aulls expositivas superando a dependecircncia do livro

didaacutetico e dos manuais contrariando a ideacuteia que comumente

se bziafaz dos professores como passivos e reprodutivistas Algumas experiecircncias com trabalhos atraveacutes da muacutesica

ela literatura do cinema da fotografia e outras linguagens foram

publicadas em revistas especializadas - que passam a dar cada

vez mais atenccedilatildeo agraves questotildees do ensino- como por exemplo na

Revista Brclsileim de I hsuJria

Entre esas exreriecircncias podemos destacar duis trlhalhos

publicados nessa Revista que procuravam incorporar novos

procedimentos e llutras linguagens em sala de auL

Em Linguagem e Canccedilatildeo uma Prol)()sta jJara () ensino de

HistlIacuteria eacute sugerido pelos professores a utilizaccedilflO dl canccedilocirces como

documento histoacuterico possiacutevel de ser trabalhado em sala de aula

Percebendo a importacircncia das canccedilotildees como documento

soacutecio-histoacuterico possuidoras de uma linguagem que age no desejo

os autores propotildeem uma leitura das mesmas fazendo uma ponte

com a realidade social Nessa experiecircncia a anaacutelise das diversas

canccedilocirces permitiu segundo os professores efetuar um contrapomo ao conteuacutedo c() ensino ele Histoacuteria imlJlodindo eXIJiUlccediliies histocircricas fechadas c lmuacuteimcmuacutenlOis (DEUGENIO 1988)

Um outro cxempl() de utilizaccedilatildeo de novas Iinguagcns no

ensino de Hist(lria Jocle ser percebido atnweacutes do trabalho

realizado por Zeacutelia L( lpes da Silva na deacutecaeb de 80 C0111 a revista

em quadrinhos Asterix etn uma turma de 8 seacuterie noturna na

periferia de GUafulhos-Sl com alunos trabalhadores (SILVA

1985 p 234) Segundo Zeacutelia Lopes da Silva a experiecircncia buscava

entre outras coisas responder a desafios pedagoacutegicos como tentar

trabalhar com os alunos noccedilocirces de tempo e ciecircncia bem como

examinar as relaccedilotildees de poder entre dominadores e dominados

I-istoacuteri~l amp Lbin( Londrina v 8 ediccedilatildeo especLll p uuml7 middot8 Ullt 2002

A leitura dos quadrinhos possibilitav~ abrir espaccedilo para a reflexflO oral e escrita cercealLJ IPOacuteS 1 viabilizaccedilatildeo das propostas educacionais poacutes-64 que objetivavam formar ordeiros cidadatildeos

O resultado mais significativo da experiecircncia para a professora consistiu em despertar o interesse dos alunos pela disciplina que surgia entatildeo natildeo como algo obrigatoacuterio mas como parte da vida de cada um

No entanto haacute que se ressaltar que o trabalho com linguagens alternativas requer alguns cuidados pelo professor PlLl que este natildeo caia em certas IrmadilhlS

Se tomarmos as vaacuterias lnanifestlccedilCles culturais como aquelas jaacute sugeridas de uma dada sociedade enquanto registros hist(lricos possiacuteveis de serem interpretados estaremos diante de uma questatildeo bastante complexa e tambeacutem bastante debatida

Estou pensando mais exatamente no aspecto do valor documental que pode ser atribuiacutedo a tais registros histoacutericos

Como lembra Adalberto Marson costuma-se quase sempre assumir duas posiccedilotildees com relaccedilatildeo ao valor documental de um determinado objeto tomaacute-lo como prova fiel da realidade ou como amostra modelo confirmaccedilatildeo do conhecimento que se apresenta externo a ele (SILVA 1984)

Nesse sentido tomando-se uma ou ()utra posiccedilatildeo c~qlece-se que a valoraccedilatildeo dllcumental lle determinado registro hist(rico estaacute ligada ao relaciul1al11ento que se estabekcc entre o ohjeto e o sujeito que () interpreta perdendoshyse de vista desse modo que cada sujeito eacute possuidor de uma memoacuteria particular que o impede de pensar na possibilidade de furmas diferenciadas ou semelhantes da sua de interpretar o vivido

Outras interrogaccedilotildees ainda se fazem presentes acerca da questatildeo do valor documental dos registros histoacutericos como por exemplo o que levou determinado documento a ser considerado como tal e tambeacutem a forma como o mesmo se perpetua como memoacuteri~l) e os significados que encerra entatildeo

Hiiacuteri amp Ensino Londrina v 8 ediccedilatildeo I hiSI (lIlt 2002 71

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Todos esses questionamentos trazem aacute tona em uacuteltima instacircncia a p()stura 1 ser tomada pelo professorpesljuisador no relacionamento com a cultura sob as mais diferenciadas formas de manifestaccedilatildeo e as suas possibilidades de leitura e interpretaccedilatildeo

Noutra direccedilatildeo Selva Guimaratildees Fonseca fazendo um balanccedilo das publicaccedilotildees sobre ensino editadas nos anos 80 cham~1 a atenccedilatildeo para um problema que agraves vezes se constata com relaccedilatildeo ao uso de outras linguagens em sala de aula pelos professores Segundo Fonseca em alguns casos estas satildeo utilizadas apeacutenas como ilustraccedilatildeo do conteuacutedo tradicional natildeo havendo trabalho de reflexatildeo sobre a natureza das Iingllecirclgens suas especificidades seus limites e sobre os elementos histoacutericos que as constituem (FONSECA 1990 p 206)

Penso que eSRS limites soacute podem ser superados l[uando vivenciados na praacutetica pelos agentes do ensino

Podemos dizer que o significado maior dessas experiecircncias citadas com linguagens diferenciadas no ensino de Histoacuteria e de outras que podericlln ser mencionadas consiste no fato dessas permitirem a efetivaccedilatildeo de um novo ensino calcado na reflexatildeo e no debate

3 Cantando o Brasil poacutes 64

A partir dessas consideraccedilotildees penso que poderia propor enquanto possibilidade () estudo de uma dada realidade social a partir de uma determinada linguagem cu ltmal no caso em particular da mllsica

Tomo como referecircncia para essa anaacutelise uma fase da

histoacuteria hrasileira que nem sempre eacute abordada pelos professores

com os alunos no 1ordm e 2ordm graus - e mesmo na academia - pela djficuldade em esgotar o conteuacutedo e chegar ateacute a nossa histoacuteria

mais recente os anos 60 e 70

72 Histlllid amp Emilll Li gtndrina v 8 ediccedilatildeo especial p Oacuteiacute ti l 011 2002

Os manuais geralmente reservam um espaccedilo pouco representativu a essas deacutecadas da Histoacuteria do Brasil localizando-as sempre ao final dos livros abordando-as rapidamente e muitas vezes sem maior aprofundamento destacando-se via de regra que foi um periacuteodo tenebroso e autoritaacuterio que acaha por findar -natildeo se sabe muito bem como - em abertura e anistia

Procurarei analisar esses anos a partir de alguns acontecimentos -golpe militar guerrilha e repressfiacuteo - que marcaram s()bremaneira a vida poliacutetica e cultural do paiacutes pensando - us atraveacutes de algumas cll1~Cles

Decretado o golpe militar em 64 quase que imldiatamente a atuaccedilatildeo dos vencedores Sl fez sentir centenas de sindicatos caiacuteram sob intervenccedilatildeo as Ligas Camponesas foram dispersls e diversos poliacuteticos tiveram seus direitos cassados possibilidade que se abriu com a ediccedilatildeo do primeiro Ato Institucional que na praacutetica transferiu o poder poliacutetico aos militares coagindo e mutilando o congresso (CUNHA 1993)

Tais providecircncias foram logo denominadas de revolucionaacuterias com a intenccedilatildeo de retirar o caraacuteter golpista do regime e transfonniacute-lo em revoluccedilatildeo que teria sido feita para salvaguardar a mdem no paiacutes atingindo rapidamente diversos setores da sociedade e organizaccedilCles consideradas subversivas COl1lU CGT e 1JNE foram dissohidas em nome da revoluccedilatildeo Os liacutederes ridos tambeacutem como subversivos [oacuteram presos e submctll[()S ~l IPMs isso quando 1130 se viam obrigados a se exilarem em outros paiacuteses

No entanto passado () primeiro momento de eSl)(lnto a esquerda - composta em grande parte por estudantes intelectuais artistas e setores da Igreja progressista tentou se recompor e se refazer Muitos militantes colocaram-se agrave procura de rearticubccedilatildeo mesmo na clandestinidade Comeccedila a aflorar em muitos um sentimento o anseio pela desforra

llisllt)ria amp Ensin() Londrina v 8 ediccedilatildeo especial p () 7 -81 ut 2002 73

74

Aos poucos fica cada vez m1is claro a incompatibilizaccedilatildeo

entre alguns setores civis que apoiaram o golpe com o poder

militar Isso ficou expliacutecito em outubro de 1965 com a ediccedilatildeo

do tu Institucional nordm 2 que dissolveu os partidos p()liacuteticos

existentes e estabeleceu a eleiccedilatildeo indireta para presidente da

Repuacuteblica frustrando assim a esperanccedila de vaacuterios possiacuteveis

candidatos como Magalhatildees Pinto Adhemar de Barros e Carlos

Lacercla que rompem cotn Castelo Branco Antes de findar o seu mandato C~lStelO Branco tve o

cuidado de deixar ao seu sucessor lima nova Constituiccedilatildeo

aprovada pelo Congresso

A Constituiccedilatildeo de 1967 aleacutem de legitimar as

prerrogativas autoritiacuterIacute8s conferidas aO Executivo pelo AI-Z inclui tambeacutem a Lei de Imprensa e a Lei de Seguranccedila

N1Cional Essas leis garecircmtiram ao n)V() presidente poderes

praticamente ilimitados o que levou a oposiccedilatildeo a denunciar e a caracterizar a institucionalizaccediliacuteo da ditadura

Em 1968 com a ediccedilatildeo AI-5 que na praacutetica impedia toda c qualquer oposiccedilatildeo moderada ou r~lJical ao regime militar poder-se-Ziacute entatildeo constatar 1 face mais radical do

g()verno e seu total endurecimento

Com o fechamento da vida poliacutetica para a oposiccedilatildeo e o

bloqueio de toda forma de manifestaccedilatildeo contraacuteria ao regime

vaacuterias correntes de esquerda no paiacutes optam por impulsionar uma

perspectiva extrema qle jaacute vinha se encaminhando a Illt~l

armada

A partir desse momento a tortura e a violecircnciaa seriam

a forma do Estado dialogar com seus adversaacuterios poliacuteticos

instaurado-se lima vez mais na vida poliacutetica brasileira um c lima de terror e viulecircncicl

produccedilatildeo cultural hrasileira passa entatildeo a ser l)cllcirada Do final dus anos 60 e iniacuteco dus 70 soacute viriam a ptiacutehlico

Histoacuteria amp Ensino Londrina v 8 ediccedilatildeo especial p 67 -81 out 2002

muacutesiC1S pelt~lS de teatro livros enfim qlalquer produto cllltur~d que os censores julgassem adequados ao momento poliacutetco (CALDAS 1985 p 65)

Desse periacuteodo em termos de produccedilatildeo musical uma

canccedilatildeo acabou se transformando em hino e num siacutembolo da

resistecircncia ao governo militar Foi a muacutesica Praacute natildeo dizer que nagraveu

falei das fiares de Geraldo Vandreacute cantada de forma emocionada

no Festival Internacional da Canccedilatildeo em 1968 e perseguida assim

cmnu o seu C1utllf ateacute 1979 e que passou a ser mais conhecida

por Caminhund()

(l1llinh~mdD e cantando e seguindu ~1 ccmc~u

llOS l()cos iguais braccedilos dados ou 1110

Nas escuL nas ruas campos cOllslruccediluumles

Caminhando c cantando e seguindo a canccedilatildeo

Vem vamos embora que esperar natildeo eacute saber

Quem sabe Uacute1Z a hur~l natildeo espera acontecer

Pelos campos ~la flmle em grandes plantaccedilotildees

Pda rtllS marchando indecisos lorcluumles

limL iacl1ll da tlor seu mais forte rcfr1n

L Icrcditam nas tlores vencendo o canho

Vem IUS embora

Mas o que possui essa muacutesica de tatildeo comprometedor em sua letra Por que a canccedilatildeo teria sido proibida pela Censura

Federal

Jaacute em seus primeiros versos Somos todos iguais braccedilos dados ou natildeo ela evoca uma suposta igualdade soacute pussiacutevel em

I iacutel()riacuteCl amp Emino Londrina v 8 ediccedil1o cspcciacutezd iacute 67 -81 UIlt 2002 75

76

uma socielbde dita igualitaacuteria ou socialista Primeiro vislumbre

do l)erigo vermelho na canCcedillO

Em seu prosseguimento a letra da muacutesica lembra lima

marcw de soldados inclecisos cordotildees (fLUIS e todos perdidos de armas na matildeo que deveriam aprenJer e ensinar uma nova

liccedilatildeo Qual De que esl)erar natildeo eacute saber Quem sabe faz a hora

natildeo esjJcra acontecer Ou seja pregava quase que abertamente a P()ssi1~ilidaade do pOO tomar a Hist(lria em suas miiacuteos

atraveacutes de uma possiacutevel revoluccedilatildeo Expressava-se entatildeo um convite mais que real tu engajamento il luta

A rebeldia contra o regime militar tambeacutem aparece em

vaacuterias canccedilotildees de Caetano Veloso e dos tropicalistas como atraveacutes

da muacutesica EnLlwmto seu lobo natildeo vem do LP Tropicaacutelia gravado tamheacutem em 1968

Valllos passear lia llorcsta escondida meu amor

vamos pasself na aveniJahiacute Ulllltl cordilheira sob

o asJUacutellto A estaccedilatildeo primeinl

de manguclra passa em ruas brgas passa por

debaixo da avellida Prcsilente Vargas Vltl1l10S

jll5ear nos estados lIlldos do Brasil

Vamos passear cscondidus vamos desfilar

pela rua onde a mangueira passou vamos por

Jeb~lix() das nIlS Debaixo l1clS pombas (ou

hombas) hs hmdtims debuumlxu das botls

dchuumlxo dos jmdilh dehlixo da lamackhaix Ll

clllladebaixo dl cama

A letra fala da resistecircncia clandestina daqueles que

tinham que conviver agraves escondidas com o regime militar da

realid8de do guerrilheiro urbano e daquilo que era peculiar lO

seu cotidiano l)asseur eSCIndido pebs nws largas A letra da

muacutesica ainda aponta pmCl o fato do Brasil estar se constituindo

Histoacuteria amp Ensino Londrina v 8 ediccedilatildeo especiaL p 67 -81 out 2002

como que numa filial ou num quintal dos EUA ao falar em estados unidos do Brasil denunciando dessa forma o avanccedilo do imperialismo ianque no paiacutes

Todavia as palavras finais de Caetano apontam para uma criacutetica aberta agrave opccedilatildeo guerrilheira propondo todos irem para debaixo da cama para se refugiarem da sanha do lobo ou seja dos militares Nessa proposta subentende-se uma desconfianccedila de Caetano e dos tropicalistas sobre a validade da opccedilatildeo de enffentamento da esquerda brasileira desse periacuteodo Daiacute por certo explica-se o oacutedio dos militantes contra o Tropicalismo e as vaias recebidas por Caetano no Festival em 1968 1

Com o avanccedilo da repressatildeo especialmente durante o

governo Meacutedici ocorre um processo cada vez mais intenso de dilapidaccedilatildeo da arte e da cultura brasileira Grandes compositores e artistas como Chico Buarque Gilberto Gil Caetano Veloso Edu Lobo Geraldo Vandreacute entre outros exilaram-se ou foram exilados no exterior

E eacute nessa eacutepoca qua a muacutesica ufanista volta agrave cena e ganha destaque

Os compositores Don e Ravel com Eu te amo meu Brasil acabaram por se transformar na maior expressatildeo dessa tendecircncia nesse periacuteodo Observe-se parte da letra

As praias do Brasil ensolaradas laacute laacute laacute

o chatildeo onde o paiacutes se elevou laacute laacute laacute laacute

a matildeo de Deus abenccediloou

mulher que nasce aqui

tem muito mais amor O ceacuteu do meu Brasil tem mais estrelas laacute laacute

O sol do meu paacuteis mais esplendor laacutelaacute laacute laacute

I Essas reHexCles sobre essa mllsica e outras de Caetano Veloso e dos tropicalistas satildeo apontados por Ridenti (1993)

Histoacuteria amp Ensino Londrina v 8 ediccedilatildeo especial p 67-81 out 2002 77

A mflo de Deuo abenccediloou

em terras brasileiras

()u plantar amor

btribilho

Eu te amo mel Brasil eu te 1lllO

meu coraccediluuml() eacute verde amarelo bmnco azul anil

Eu te amo meu Brasil

ClI (c ~l1n()

ningueacuten1 segura ltl jUCnlthle do Brasil

Estribilho

Que leitura podemos fazer dessa muacutesica Que outro vieacutes desse periacuteodo ela aponta Que tipo de proveito ela poderia fornecer ao regime militar

Em tempos de Brasil ame-o ()u dcic-o a letra eles

muacutesica caiu como uma luva para as pretensotildees militares de xenofobia auto-elogio e exaltaccedil50 da paacutetria amacia aspectos muito caracteriacutesticos dos regimes autoritaacuterios

O refratildeo Eu le amIJ meu Brasil eu te amo Ningueacutem segura a jlf1Jcnt1Ule do Brasil ficou tatildeo conhecido que as agecircncias de pu hlicidade do Governo tomaram de empreacutestimo a ideacuteia c criaram o natildeo menos ceacutelebre slogan Ningueacutem segura este paiacutes

Cabe ressaltar que era esse tipo de muacutesica que chegava ao grande puacuteblico via raacutedio e TV criando uma falsa imagem do paiacutes em plena fase de milagre brasileiro Os livros de Educaccedilatildeo Moral e Ciacutevica discillinl obrigatoacuteria na eacutepoca traziam a letra dessa Illllsica para ser 1l111isada e discutidCl pelos alunos em sala de aula natildeo de forma criacutetica eacute claro

Vale lembrar em relaccedilatildeo ainda agrave muacutesica popular brasileira que esse periacuteodo natildeo foi palco unicamente de engcljamento ou ufanismo

Do mesmo modo em que vivia-se u clima dos festivais cb Record quando (orcer por uma ou outr] muacutesica signifiGIV~]

7 8 Histoacuteri~l amp Ensino Londrina v ti ediccedilatildeo especial p 67 -81 out 2002

manifestar uml posiccedilatildeo poliacutetica apresentava-se tambeacutem como opccedilatildeo Cl J()vem Guarda

Liderada por Roberto e Erasmo Carlos a Jovem Guarda surgia como um grupo de jovens cantores e compositores de comportamento aparentemente rebelde Entretanto se o tipo de roupa e o uso de cabelos compridos podiam representar rebeldia agraves normas vigentes ou anseio de transformaccedilocirces o conteuacutedo das canccedilocirces traduzia de outro modo uma outra opccedilatildeo vista por alguns como conservadora e apoliacutetica

NflO ohstante a posiccedilatildeo dos integrantes e fatildes da Jovem Guarda pode representar edeacutem de alienaccedilatildeo eou c()nservadorismo uma descrenccedila nas opccedilotildees de luta que se lprescntav1ll1 A muacutesica Quero que vuacute tudu )(r( () inferno pode resumir llluito bem essa tendecircncia de comportamento2 bull

Penso que atraveacutes da anaacutelise dessas canccedilocirces -- que natildeo prLlende sen-ir de modelo para os professores constituindo-se apenas numa possibilidade apresentada no acircmbito ele um campo permeado por interrogaccedilocirces - podemos pensar numa alternativa aos manuais e agraves cansativas para professor e aluno aulas expositivas Aleacutem do mais () trabalho com as muacutesicas ou outros registros pode tornar possiacutevel que os alunos vozes tatildeo poucas vezes ouvidas expressem slIas opiniocirces

Gostaria de reforccedilar uma vez mais que essas reflexotildees nacirco tecircm a pretensatildeo de servir C()11U formula aos professores tamp()uco representam a fala do cSl)cciulis[(( direcionada a um Iniacuteblicu clistalltc Satildeo reflexocirces que expressam ansiedades de algu~m ljue viveu ateacute haacute bem poucu tempo o cotidiano das saLls de aulas de 1ordm e 2ordm graus e que ainda convive e dialoga de diferellcilllts maneiras com esse espaccedilo

Aleacuteniacute du mais haacute que se lembrar que fiiacutennulas maacutegicas natildeo existem e que em uacuteltima instacircncia quem escolhe ois caminhos eacute o professor

2 A esse respeito Michel Maffesoli aponta a existecircncia no movimento social de uma recusa de participaccedilatildeo lercehida atraveacutes de muacuteltiplas atitudes que se natildeu satildeo combativecircb parecem Clllll() dissimuladas (Maffesoli 19t34)

llisliacuteril amp Ensino Londrina v 8 ediccedilatildeu cspccill p 67middot81 out 2002 79

Referecircncias

BURKE P Cultura P()J)ular na Idade lv1oderna Satildeo Paulo Cia das Letras 1989

CALDAS W Inicia~li() agrave Muacutesica Populur Brasileira Satildeo PauloAacutetica1985 (Princiacutepios)

CUNHA M de E da Eles Ousaram Lutar A Nova Esquerda Brasileiru no l)eriacuteodo ele 64- 72 1993 Dissertaccedilatildeo (Mestrado)shyUNESI~ Assis

DEUCENIO F N et tI Linguagem c Clllccedilatildeo uma prl )P()st~l

para o ensino de Histoacuteria Revista Brasileira ele Hisuiacuteria Satildeo Paulo v 8 n 15 1988

FONSECA S G Ensino de Histoacuteria diversificaccedilatildeu de abordagens Revista Brasileira de l1isuJria Satildeo Paulo v 9 n 19 1990

FRANCE L Imagens imagizadas nadadeiras para sobrenadm VEIGA L P A (org) Escola Fundamental curriacuteculo e ensino Campinas Papirus 1991

MAFFESOLI 11 A Conquista do Presente Rio Janeiro Rocco 1984

MARSON A Reflexcs sobre o procedimento Histoacuterico In SILVA M A Rel)ensanJu 11 Histoacuteria Satildeo Paulo Brasiliense 19t34

RICCI C S Da intenccedilatildeo ao Gesto - Quem eacute quem no ensino de Histoacuteria em Sio Paulo Dissertaccedilatildeo (Mestrado) - pue S~iacuteo Paulo 1992

RIDENTI M S O FaJltasma da Rcvolll(acirco Satildeo Paulo Ed UNESr 1993

SILVA Z L da Asterix e a dominaccedilatildeo romana Revista Brasileira de Histoacuteria Satildeo Paulo v 5 n 10 1985

HO Hist(rb amp Ensino Londrincl v 8 ediccedilatildeo especial 1 67-ill out 2002

ABSTRACT This article has the objective of discussing the possibility of analysis of social realities through varied historical registrations For so much it was tried to stand out the Brazil after-64 period through the stuJy of some songs

KEY WORDS history languages military regime songs

Histoacuteria amp Ensino Londrina v 8 ediccedilatildeo especial p 67-81 out 2002 81

Page 5: CANTANDO O BRASIL PÓS-64*

A leitura dos quadrinhos possibilitav~ abrir espaccedilo para a reflexflO oral e escrita cercealLJ IPOacuteS 1 viabilizaccedilatildeo das propostas educacionais poacutes-64 que objetivavam formar ordeiros cidadatildeos

O resultado mais significativo da experiecircncia para a professora consistiu em despertar o interesse dos alunos pela disciplina que surgia entatildeo natildeo como algo obrigatoacuterio mas como parte da vida de cada um

No entanto haacute que se ressaltar que o trabalho com linguagens alternativas requer alguns cuidados pelo professor PlLl que este natildeo caia em certas IrmadilhlS

Se tomarmos as vaacuterias lnanifestlccedilCles culturais como aquelas jaacute sugeridas de uma dada sociedade enquanto registros hist(lricos possiacuteveis de serem interpretados estaremos diante de uma questatildeo bastante complexa e tambeacutem bastante debatida

Estou pensando mais exatamente no aspecto do valor documental que pode ser atribuiacutedo a tais registros histoacutericos

Como lembra Adalberto Marson costuma-se quase sempre assumir duas posiccedilotildees com relaccedilatildeo ao valor documental de um determinado objeto tomaacute-lo como prova fiel da realidade ou como amostra modelo confirmaccedilatildeo do conhecimento que se apresenta externo a ele (SILVA 1984)

Nesse sentido tomando-se uma ou ()utra posiccedilatildeo c~qlece-se que a valoraccedilatildeo dllcumental lle determinado registro hist(rico estaacute ligada ao relaciul1al11ento que se estabekcc entre o ohjeto e o sujeito que () interpreta perdendoshyse de vista desse modo que cada sujeito eacute possuidor de uma memoacuteria particular que o impede de pensar na possibilidade de furmas diferenciadas ou semelhantes da sua de interpretar o vivido

Outras interrogaccedilotildees ainda se fazem presentes acerca da questatildeo do valor documental dos registros histoacutericos como por exemplo o que levou determinado documento a ser considerado como tal e tambeacutem a forma como o mesmo se perpetua como memoacuteri~l) e os significados que encerra entatildeo

Hiiacuteri amp Ensino Londrina v 8 ediccedilatildeo I hiSI (lIlt 2002 71

-

Todos esses questionamentos trazem aacute tona em uacuteltima instacircncia a p()stura 1 ser tomada pelo professorpesljuisador no relacionamento com a cultura sob as mais diferenciadas formas de manifestaccedilatildeo e as suas possibilidades de leitura e interpretaccedilatildeo

Noutra direccedilatildeo Selva Guimaratildees Fonseca fazendo um balanccedilo das publicaccedilotildees sobre ensino editadas nos anos 80 cham~1 a atenccedilatildeo para um problema que agraves vezes se constata com relaccedilatildeo ao uso de outras linguagens em sala de aula pelos professores Segundo Fonseca em alguns casos estas satildeo utilizadas apeacutenas como ilustraccedilatildeo do conteuacutedo tradicional natildeo havendo trabalho de reflexatildeo sobre a natureza das Iingllecirclgens suas especificidades seus limites e sobre os elementos histoacutericos que as constituem (FONSECA 1990 p 206)

Penso que eSRS limites soacute podem ser superados l[uando vivenciados na praacutetica pelos agentes do ensino

Podemos dizer que o significado maior dessas experiecircncias citadas com linguagens diferenciadas no ensino de Histoacuteria e de outras que podericlln ser mencionadas consiste no fato dessas permitirem a efetivaccedilatildeo de um novo ensino calcado na reflexatildeo e no debate

3 Cantando o Brasil poacutes 64

A partir dessas consideraccedilotildees penso que poderia propor enquanto possibilidade () estudo de uma dada realidade social a partir de uma determinada linguagem cu ltmal no caso em particular da mllsica

Tomo como referecircncia para essa anaacutelise uma fase da

histoacuteria hrasileira que nem sempre eacute abordada pelos professores

com os alunos no 1ordm e 2ordm graus - e mesmo na academia - pela djficuldade em esgotar o conteuacutedo e chegar ateacute a nossa histoacuteria

mais recente os anos 60 e 70

72 Histlllid amp Emilll Li gtndrina v 8 ediccedilatildeo especial p Oacuteiacute ti l 011 2002

Os manuais geralmente reservam um espaccedilo pouco representativu a essas deacutecadas da Histoacuteria do Brasil localizando-as sempre ao final dos livros abordando-as rapidamente e muitas vezes sem maior aprofundamento destacando-se via de regra que foi um periacuteodo tenebroso e autoritaacuterio que acaha por findar -natildeo se sabe muito bem como - em abertura e anistia

Procurarei analisar esses anos a partir de alguns acontecimentos -golpe militar guerrilha e repressfiacuteo - que marcaram s()bremaneira a vida poliacutetica e cultural do paiacutes pensando - us atraveacutes de algumas cll1~Cles

Decretado o golpe militar em 64 quase que imldiatamente a atuaccedilatildeo dos vencedores Sl fez sentir centenas de sindicatos caiacuteram sob intervenccedilatildeo as Ligas Camponesas foram dispersls e diversos poliacuteticos tiveram seus direitos cassados possibilidade que se abriu com a ediccedilatildeo do primeiro Ato Institucional que na praacutetica transferiu o poder poliacutetico aos militares coagindo e mutilando o congresso (CUNHA 1993)

Tais providecircncias foram logo denominadas de revolucionaacuterias com a intenccedilatildeo de retirar o caraacuteter golpista do regime e transfonniacute-lo em revoluccedilatildeo que teria sido feita para salvaguardar a mdem no paiacutes atingindo rapidamente diversos setores da sociedade e organizaccedilCles consideradas subversivas COl1lU CGT e 1JNE foram dissohidas em nome da revoluccedilatildeo Os liacutederes ridos tambeacutem como subversivos [oacuteram presos e submctll[()S ~l IPMs isso quando 1130 se viam obrigados a se exilarem em outros paiacuteses

No entanto passado () primeiro momento de eSl)(lnto a esquerda - composta em grande parte por estudantes intelectuais artistas e setores da Igreja progressista tentou se recompor e se refazer Muitos militantes colocaram-se agrave procura de rearticubccedilatildeo mesmo na clandestinidade Comeccedila a aflorar em muitos um sentimento o anseio pela desforra

llisllt)ria amp Ensin() Londrina v 8 ediccedilatildeo especial p () 7 -81 ut 2002 73

74

Aos poucos fica cada vez m1is claro a incompatibilizaccedilatildeo

entre alguns setores civis que apoiaram o golpe com o poder

militar Isso ficou expliacutecito em outubro de 1965 com a ediccedilatildeo

do tu Institucional nordm 2 que dissolveu os partidos p()liacuteticos

existentes e estabeleceu a eleiccedilatildeo indireta para presidente da

Repuacuteblica frustrando assim a esperanccedila de vaacuterios possiacuteveis

candidatos como Magalhatildees Pinto Adhemar de Barros e Carlos

Lacercla que rompem cotn Castelo Branco Antes de findar o seu mandato C~lStelO Branco tve o

cuidado de deixar ao seu sucessor lima nova Constituiccedilatildeo

aprovada pelo Congresso

A Constituiccedilatildeo de 1967 aleacutem de legitimar as

prerrogativas autoritiacuterIacute8s conferidas aO Executivo pelo AI-Z inclui tambeacutem a Lei de Imprensa e a Lei de Seguranccedila

N1Cional Essas leis garecircmtiram ao n)V() presidente poderes

praticamente ilimitados o que levou a oposiccedilatildeo a denunciar e a caracterizar a institucionalizaccediliacuteo da ditadura

Em 1968 com a ediccedilatildeo AI-5 que na praacutetica impedia toda c qualquer oposiccedilatildeo moderada ou r~lJical ao regime militar poder-se-Ziacute entatildeo constatar 1 face mais radical do

g()verno e seu total endurecimento

Com o fechamento da vida poliacutetica para a oposiccedilatildeo e o

bloqueio de toda forma de manifestaccedilatildeo contraacuteria ao regime

vaacuterias correntes de esquerda no paiacutes optam por impulsionar uma

perspectiva extrema qle jaacute vinha se encaminhando a Illt~l

armada

A partir desse momento a tortura e a violecircnciaa seriam

a forma do Estado dialogar com seus adversaacuterios poliacuteticos

instaurado-se lima vez mais na vida poliacutetica brasileira um c lima de terror e viulecircncicl

produccedilatildeo cultural hrasileira passa entatildeo a ser l)cllcirada Do final dus anos 60 e iniacuteco dus 70 soacute viriam a ptiacutehlico

Histoacuteria amp Ensino Londrina v 8 ediccedilatildeo especial p 67 -81 out 2002

muacutesiC1S pelt~lS de teatro livros enfim qlalquer produto cllltur~d que os censores julgassem adequados ao momento poliacutetco (CALDAS 1985 p 65)

Desse periacuteodo em termos de produccedilatildeo musical uma

canccedilatildeo acabou se transformando em hino e num siacutembolo da

resistecircncia ao governo militar Foi a muacutesica Praacute natildeo dizer que nagraveu

falei das fiares de Geraldo Vandreacute cantada de forma emocionada

no Festival Internacional da Canccedilatildeo em 1968 e perseguida assim

cmnu o seu C1utllf ateacute 1979 e que passou a ser mais conhecida

por Caminhund()

(l1llinh~mdD e cantando e seguindu ~1 ccmc~u

llOS l()cos iguais braccedilos dados ou 1110

Nas escuL nas ruas campos cOllslruccediluumles

Caminhando c cantando e seguindo a canccedilatildeo

Vem vamos embora que esperar natildeo eacute saber

Quem sabe Uacute1Z a hur~l natildeo espera acontecer

Pelos campos ~la flmle em grandes plantaccedilotildees

Pda rtllS marchando indecisos lorcluumles

limL iacl1ll da tlor seu mais forte rcfr1n

L Icrcditam nas tlores vencendo o canho

Vem IUS embora

Mas o que possui essa muacutesica de tatildeo comprometedor em sua letra Por que a canccedilatildeo teria sido proibida pela Censura

Federal

Jaacute em seus primeiros versos Somos todos iguais braccedilos dados ou natildeo ela evoca uma suposta igualdade soacute pussiacutevel em

I iacutel()riacuteCl amp Emino Londrina v 8 ediccedil1o cspcciacutezd iacute 67 -81 UIlt 2002 75

76

uma socielbde dita igualitaacuteria ou socialista Primeiro vislumbre

do l)erigo vermelho na canCcedillO

Em seu prosseguimento a letra da muacutesica lembra lima

marcw de soldados inclecisos cordotildees (fLUIS e todos perdidos de armas na matildeo que deveriam aprenJer e ensinar uma nova

liccedilatildeo Qual De que esl)erar natildeo eacute saber Quem sabe faz a hora

natildeo esjJcra acontecer Ou seja pregava quase que abertamente a P()ssi1~ilidaade do pOO tomar a Hist(lria em suas miiacuteos

atraveacutes de uma possiacutevel revoluccedilatildeo Expressava-se entatildeo um convite mais que real tu engajamento il luta

A rebeldia contra o regime militar tambeacutem aparece em

vaacuterias canccedilotildees de Caetano Veloso e dos tropicalistas como atraveacutes

da muacutesica EnLlwmto seu lobo natildeo vem do LP Tropicaacutelia gravado tamheacutem em 1968

Valllos passear lia llorcsta escondida meu amor

vamos pasself na aveniJahiacute Ulllltl cordilheira sob

o asJUacutellto A estaccedilatildeo primeinl

de manguclra passa em ruas brgas passa por

debaixo da avellida Prcsilente Vargas Vltl1l10S

jll5ear nos estados lIlldos do Brasil

Vamos passear cscondidus vamos desfilar

pela rua onde a mangueira passou vamos por

Jeb~lix() das nIlS Debaixo l1clS pombas (ou

hombas) hs hmdtims debuumlxu das botls

dchuumlxo dos jmdilh dehlixo da lamackhaix Ll

clllladebaixo dl cama

A letra fala da resistecircncia clandestina daqueles que

tinham que conviver agraves escondidas com o regime militar da

realid8de do guerrilheiro urbano e daquilo que era peculiar lO

seu cotidiano l)asseur eSCIndido pebs nws largas A letra da

muacutesica ainda aponta pmCl o fato do Brasil estar se constituindo

Histoacuteria amp Ensino Londrina v 8 ediccedilatildeo especiaL p 67 -81 out 2002

como que numa filial ou num quintal dos EUA ao falar em estados unidos do Brasil denunciando dessa forma o avanccedilo do imperialismo ianque no paiacutes

Todavia as palavras finais de Caetano apontam para uma criacutetica aberta agrave opccedilatildeo guerrilheira propondo todos irem para debaixo da cama para se refugiarem da sanha do lobo ou seja dos militares Nessa proposta subentende-se uma desconfianccedila de Caetano e dos tropicalistas sobre a validade da opccedilatildeo de enffentamento da esquerda brasileira desse periacuteodo Daiacute por certo explica-se o oacutedio dos militantes contra o Tropicalismo e as vaias recebidas por Caetano no Festival em 1968 1

Com o avanccedilo da repressatildeo especialmente durante o

governo Meacutedici ocorre um processo cada vez mais intenso de dilapidaccedilatildeo da arte e da cultura brasileira Grandes compositores e artistas como Chico Buarque Gilberto Gil Caetano Veloso Edu Lobo Geraldo Vandreacute entre outros exilaram-se ou foram exilados no exterior

E eacute nessa eacutepoca qua a muacutesica ufanista volta agrave cena e ganha destaque

Os compositores Don e Ravel com Eu te amo meu Brasil acabaram por se transformar na maior expressatildeo dessa tendecircncia nesse periacuteodo Observe-se parte da letra

As praias do Brasil ensolaradas laacute laacute laacute

o chatildeo onde o paiacutes se elevou laacute laacute laacute laacute

a matildeo de Deus abenccediloou

mulher que nasce aqui

tem muito mais amor O ceacuteu do meu Brasil tem mais estrelas laacute laacute

O sol do meu paacuteis mais esplendor laacutelaacute laacute laacute

I Essas reHexCles sobre essa mllsica e outras de Caetano Veloso e dos tropicalistas satildeo apontados por Ridenti (1993)

Histoacuteria amp Ensino Londrina v 8 ediccedilatildeo especial p 67-81 out 2002 77

A mflo de Deuo abenccediloou

em terras brasileiras

()u plantar amor

btribilho

Eu te amo mel Brasil eu te 1lllO

meu coraccediluuml() eacute verde amarelo bmnco azul anil

Eu te amo meu Brasil

ClI (c ~l1n()

ningueacuten1 segura ltl jUCnlthle do Brasil

Estribilho

Que leitura podemos fazer dessa muacutesica Que outro vieacutes desse periacuteodo ela aponta Que tipo de proveito ela poderia fornecer ao regime militar

Em tempos de Brasil ame-o ()u dcic-o a letra eles

muacutesica caiu como uma luva para as pretensotildees militares de xenofobia auto-elogio e exaltaccedil50 da paacutetria amacia aspectos muito caracteriacutesticos dos regimes autoritaacuterios

O refratildeo Eu le amIJ meu Brasil eu te amo Ningueacutem segura a jlf1Jcnt1Ule do Brasil ficou tatildeo conhecido que as agecircncias de pu hlicidade do Governo tomaram de empreacutestimo a ideacuteia c criaram o natildeo menos ceacutelebre slogan Ningueacutem segura este paiacutes

Cabe ressaltar que era esse tipo de muacutesica que chegava ao grande puacuteblico via raacutedio e TV criando uma falsa imagem do paiacutes em plena fase de milagre brasileiro Os livros de Educaccedilatildeo Moral e Ciacutevica discillinl obrigatoacuteria na eacutepoca traziam a letra dessa Illllsica para ser 1l111isada e discutidCl pelos alunos em sala de aula natildeo de forma criacutetica eacute claro

Vale lembrar em relaccedilatildeo ainda agrave muacutesica popular brasileira que esse periacuteodo natildeo foi palco unicamente de engcljamento ou ufanismo

Do mesmo modo em que vivia-se u clima dos festivais cb Record quando (orcer por uma ou outr] muacutesica signifiGIV~]

7 8 Histoacuteri~l amp Ensino Londrina v ti ediccedilatildeo especial p 67 -81 out 2002

manifestar uml posiccedilatildeo poliacutetica apresentava-se tambeacutem como opccedilatildeo Cl J()vem Guarda

Liderada por Roberto e Erasmo Carlos a Jovem Guarda surgia como um grupo de jovens cantores e compositores de comportamento aparentemente rebelde Entretanto se o tipo de roupa e o uso de cabelos compridos podiam representar rebeldia agraves normas vigentes ou anseio de transformaccedilocirces o conteuacutedo das canccedilocirces traduzia de outro modo uma outra opccedilatildeo vista por alguns como conservadora e apoliacutetica

NflO ohstante a posiccedilatildeo dos integrantes e fatildes da Jovem Guarda pode representar edeacutem de alienaccedilatildeo eou c()nservadorismo uma descrenccedila nas opccedilotildees de luta que se lprescntav1ll1 A muacutesica Quero que vuacute tudu )(r( () inferno pode resumir llluito bem essa tendecircncia de comportamento2 bull

Penso que atraveacutes da anaacutelise dessas canccedilocirces -- que natildeo prLlende sen-ir de modelo para os professores constituindo-se apenas numa possibilidade apresentada no acircmbito ele um campo permeado por interrogaccedilocirces - podemos pensar numa alternativa aos manuais e agraves cansativas para professor e aluno aulas expositivas Aleacutem do mais () trabalho com as muacutesicas ou outros registros pode tornar possiacutevel que os alunos vozes tatildeo poucas vezes ouvidas expressem slIas opiniocirces

Gostaria de reforccedilar uma vez mais que essas reflexotildees nacirco tecircm a pretensatildeo de servir C()11U formula aos professores tamp()uco representam a fala do cSl)cciulis[(( direcionada a um Iniacuteblicu clistalltc Satildeo reflexocirces que expressam ansiedades de algu~m ljue viveu ateacute haacute bem poucu tempo o cotidiano das saLls de aulas de 1ordm e 2ordm graus e que ainda convive e dialoga de diferellcilllts maneiras com esse espaccedilo

Aleacuteniacute du mais haacute que se lembrar que fiiacutennulas maacutegicas natildeo existem e que em uacuteltima instacircncia quem escolhe ois caminhos eacute o professor

2 A esse respeito Michel Maffesoli aponta a existecircncia no movimento social de uma recusa de participaccedilatildeo lercehida atraveacutes de muacuteltiplas atitudes que se natildeu satildeo combativecircb parecem Clllll() dissimuladas (Maffesoli 19t34)

llisliacuteril amp Ensino Londrina v 8 ediccedilatildeu cspccill p 67middot81 out 2002 79

Referecircncias

BURKE P Cultura P()J)ular na Idade lv1oderna Satildeo Paulo Cia das Letras 1989

CALDAS W Inicia~li() agrave Muacutesica Populur Brasileira Satildeo PauloAacutetica1985 (Princiacutepios)

CUNHA M de E da Eles Ousaram Lutar A Nova Esquerda Brasileiru no l)eriacuteodo ele 64- 72 1993 Dissertaccedilatildeo (Mestrado)shyUNESI~ Assis

DEUCENIO F N et tI Linguagem c Clllccedilatildeo uma prl )P()st~l

para o ensino de Histoacuteria Revista Brasileira ele Hisuiacuteria Satildeo Paulo v 8 n 15 1988

FONSECA S G Ensino de Histoacuteria diversificaccedilatildeu de abordagens Revista Brasileira de l1isuJria Satildeo Paulo v 9 n 19 1990

FRANCE L Imagens imagizadas nadadeiras para sobrenadm VEIGA L P A (org) Escola Fundamental curriacuteculo e ensino Campinas Papirus 1991

MAFFESOLI 11 A Conquista do Presente Rio Janeiro Rocco 1984

MARSON A Reflexcs sobre o procedimento Histoacuterico In SILVA M A Rel)ensanJu 11 Histoacuteria Satildeo Paulo Brasiliense 19t34

RICCI C S Da intenccedilatildeo ao Gesto - Quem eacute quem no ensino de Histoacuteria em Sio Paulo Dissertaccedilatildeo (Mestrado) - pue S~iacuteo Paulo 1992

RIDENTI M S O FaJltasma da Rcvolll(acirco Satildeo Paulo Ed UNESr 1993

SILVA Z L da Asterix e a dominaccedilatildeo romana Revista Brasileira de Histoacuteria Satildeo Paulo v 5 n 10 1985

HO Hist(rb amp Ensino Londrincl v 8 ediccedilatildeo especial 1 67-ill out 2002

ABSTRACT This article has the objective of discussing the possibility of analysis of social realities through varied historical registrations For so much it was tried to stand out the Brazil after-64 period through the stuJy of some songs

KEY WORDS history languages military regime songs

Histoacuteria amp Ensino Londrina v 8 ediccedilatildeo especial p 67-81 out 2002 81

Page 6: CANTANDO O BRASIL PÓS-64*

-

Todos esses questionamentos trazem aacute tona em uacuteltima instacircncia a p()stura 1 ser tomada pelo professorpesljuisador no relacionamento com a cultura sob as mais diferenciadas formas de manifestaccedilatildeo e as suas possibilidades de leitura e interpretaccedilatildeo

Noutra direccedilatildeo Selva Guimaratildees Fonseca fazendo um balanccedilo das publicaccedilotildees sobre ensino editadas nos anos 80 cham~1 a atenccedilatildeo para um problema que agraves vezes se constata com relaccedilatildeo ao uso de outras linguagens em sala de aula pelos professores Segundo Fonseca em alguns casos estas satildeo utilizadas apeacutenas como ilustraccedilatildeo do conteuacutedo tradicional natildeo havendo trabalho de reflexatildeo sobre a natureza das Iingllecirclgens suas especificidades seus limites e sobre os elementos histoacutericos que as constituem (FONSECA 1990 p 206)

Penso que eSRS limites soacute podem ser superados l[uando vivenciados na praacutetica pelos agentes do ensino

Podemos dizer que o significado maior dessas experiecircncias citadas com linguagens diferenciadas no ensino de Histoacuteria e de outras que podericlln ser mencionadas consiste no fato dessas permitirem a efetivaccedilatildeo de um novo ensino calcado na reflexatildeo e no debate

3 Cantando o Brasil poacutes 64

A partir dessas consideraccedilotildees penso que poderia propor enquanto possibilidade () estudo de uma dada realidade social a partir de uma determinada linguagem cu ltmal no caso em particular da mllsica

Tomo como referecircncia para essa anaacutelise uma fase da

histoacuteria hrasileira que nem sempre eacute abordada pelos professores

com os alunos no 1ordm e 2ordm graus - e mesmo na academia - pela djficuldade em esgotar o conteuacutedo e chegar ateacute a nossa histoacuteria

mais recente os anos 60 e 70

72 Histlllid amp Emilll Li gtndrina v 8 ediccedilatildeo especial p Oacuteiacute ti l 011 2002

Os manuais geralmente reservam um espaccedilo pouco representativu a essas deacutecadas da Histoacuteria do Brasil localizando-as sempre ao final dos livros abordando-as rapidamente e muitas vezes sem maior aprofundamento destacando-se via de regra que foi um periacuteodo tenebroso e autoritaacuterio que acaha por findar -natildeo se sabe muito bem como - em abertura e anistia

Procurarei analisar esses anos a partir de alguns acontecimentos -golpe militar guerrilha e repressfiacuteo - que marcaram s()bremaneira a vida poliacutetica e cultural do paiacutes pensando - us atraveacutes de algumas cll1~Cles

Decretado o golpe militar em 64 quase que imldiatamente a atuaccedilatildeo dos vencedores Sl fez sentir centenas de sindicatos caiacuteram sob intervenccedilatildeo as Ligas Camponesas foram dispersls e diversos poliacuteticos tiveram seus direitos cassados possibilidade que se abriu com a ediccedilatildeo do primeiro Ato Institucional que na praacutetica transferiu o poder poliacutetico aos militares coagindo e mutilando o congresso (CUNHA 1993)

Tais providecircncias foram logo denominadas de revolucionaacuterias com a intenccedilatildeo de retirar o caraacuteter golpista do regime e transfonniacute-lo em revoluccedilatildeo que teria sido feita para salvaguardar a mdem no paiacutes atingindo rapidamente diversos setores da sociedade e organizaccedilCles consideradas subversivas COl1lU CGT e 1JNE foram dissohidas em nome da revoluccedilatildeo Os liacutederes ridos tambeacutem como subversivos [oacuteram presos e submctll[()S ~l IPMs isso quando 1130 se viam obrigados a se exilarem em outros paiacuteses

No entanto passado () primeiro momento de eSl)(lnto a esquerda - composta em grande parte por estudantes intelectuais artistas e setores da Igreja progressista tentou se recompor e se refazer Muitos militantes colocaram-se agrave procura de rearticubccedilatildeo mesmo na clandestinidade Comeccedila a aflorar em muitos um sentimento o anseio pela desforra

llisllt)ria amp Ensin() Londrina v 8 ediccedilatildeo especial p () 7 -81 ut 2002 73

74

Aos poucos fica cada vez m1is claro a incompatibilizaccedilatildeo

entre alguns setores civis que apoiaram o golpe com o poder

militar Isso ficou expliacutecito em outubro de 1965 com a ediccedilatildeo

do tu Institucional nordm 2 que dissolveu os partidos p()liacuteticos

existentes e estabeleceu a eleiccedilatildeo indireta para presidente da

Repuacuteblica frustrando assim a esperanccedila de vaacuterios possiacuteveis

candidatos como Magalhatildees Pinto Adhemar de Barros e Carlos

Lacercla que rompem cotn Castelo Branco Antes de findar o seu mandato C~lStelO Branco tve o

cuidado de deixar ao seu sucessor lima nova Constituiccedilatildeo

aprovada pelo Congresso

A Constituiccedilatildeo de 1967 aleacutem de legitimar as

prerrogativas autoritiacuterIacute8s conferidas aO Executivo pelo AI-Z inclui tambeacutem a Lei de Imprensa e a Lei de Seguranccedila

N1Cional Essas leis garecircmtiram ao n)V() presidente poderes

praticamente ilimitados o que levou a oposiccedilatildeo a denunciar e a caracterizar a institucionalizaccediliacuteo da ditadura

Em 1968 com a ediccedilatildeo AI-5 que na praacutetica impedia toda c qualquer oposiccedilatildeo moderada ou r~lJical ao regime militar poder-se-Ziacute entatildeo constatar 1 face mais radical do

g()verno e seu total endurecimento

Com o fechamento da vida poliacutetica para a oposiccedilatildeo e o

bloqueio de toda forma de manifestaccedilatildeo contraacuteria ao regime

vaacuterias correntes de esquerda no paiacutes optam por impulsionar uma

perspectiva extrema qle jaacute vinha se encaminhando a Illt~l

armada

A partir desse momento a tortura e a violecircnciaa seriam

a forma do Estado dialogar com seus adversaacuterios poliacuteticos

instaurado-se lima vez mais na vida poliacutetica brasileira um c lima de terror e viulecircncicl

produccedilatildeo cultural hrasileira passa entatildeo a ser l)cllcirada Do final dus anos 60 e iniacuteco dus 70 soacute viriam a ptiacutehlico

Histoacuteria amp Ensino Londrina v 8 ediccedilatildeo especial p 67 -81 out 2002

muacutesiC1S pelt~lS de teatro livros enfim qlalquer produto cllltur~d que os censores julgassem adequados ao momento poliacutetco (CALDAS 1985 p 65)

Desse periacuteodo em termos de produccedilatildeo musical uma

canccedilatildeo acabou se transformando em hino e num siacutembolo da

resistecircncia ao governo militar Foi a muacutesica Praacute natildeo dizer que nagraveu

falei das fiares de Geraldo Vandreacute cantada de forma emocionada

no Festival Internacional da Canccedilatildeo em 1968 e perseguida assim

cmnu o seu C1utllf ateacute 1979 e que passou a ser mais conhecida

por Caminhund()

(l1llinh~mdD e cantando e seguindu ~1 ccmc~u

llOS l()cos iguais braccedilos dados ou 1110

Nas escuL nas ruas campos cOllslruccediluumles

Caminhando c cantando e seguindo a canccedilatildeo

Vem vamos embora que esperar natildeo eacute saber

Quem sabe Uacute1Z a hur~l natildeo espera acontecer

Pelos campos ~la flmle em grandes plantaccedilotildees

Pda rtllS marchando indecisos lorcluumles

limL iacl1ll da tlor seu mais forte rcfr1n

L Icrcditam nas tlores vencendo o canho

Vem IUS embora

Mas o que possui essa muacutesica de tatildeo comprometedor em sua letra Por que a canccedilatildeo teria sido proibida pela Censura

Federal

Jaacute em seus primeiros versos Somos todos iguais braccedilos dados ou natildeo ela evoca uma suposta igualdade soacute pussiacutevel em

I iacutel()riacuteCl amp Emino Londrina v 8 ediccedil1o cspcciacutezd iacute 67 -81 UIlt 2002 75

76

uma socielbde dita igualitaacuteria ou socialista Primeiro vislumbre

do l)erigo vermelho na canCcedillO

Em seu prosseguimento a letra da muacutesica lembra lima

marcw de soldados inclecisos cordotildees (fLUIS e todos perdidos de armas na matildeo que deveriam aprenJer e ensinar uma nova

liccedilatildeo Qual De que esl)erar natildeo eacute saber Quem sabe faz a hora

natildeo esjJcra acontecer Ou seja pregava quase que abertamente a P()ssi1~ilidaade do pOO tomar a Hist(lria em suas miiacuteos

atraveacutes de uma possiacutevel revoluccedilatildeo Expressava-se entatildeo um convite mais que real tu engajamento il luta

A rebeldia contra o regime militar tambeacutem aparece em

vaacuterias canccedilotildees de Caetano Veloso e dos tropicalistas como atraveacutes

da muacutesica EnLlwmto seu lobo natildeo vem do LP Tropicaacutelia gravado tamheacutem em 1968

Valllos passear lia llorcsta escondida meu amor

vamos pasself na aveniJahiacute Ulllltl cordilheira sob

o asJUacutellto A estaccedilatildeo primeinl

de manguclra passa em ruas brgas passa por

debaixo da avellida Prcsilente Vargas Vltl1l10S

jll5ear nos estados lIlldos do Brasil

Vamos passear cscondidus vamos desfilar

pela rua onde a mangueira passou vamos por

Jeb~lix() das nIlS Debaixo l1clS pombas (ou

hombas) hs hmdtims debuumlxu das botls

dchuumlxo dos jmdilh dehlixo da lamackhaix Ll

clllladebaixo dl cama

A letra fala da resistecircncia clandestina daqueles que

tinham que conviver agraves escondidas com o regime militar da

realid8de do guerrilheiro urbano e daquilo que era peculiar lO

seu cotidiano l)asseur eSCIndido pebs nws largas A letra da

muacutesica ainda aponta pmCl o fato do Brasil estar se constituindo

Histoacuteria amp Ensino Londrina v 8 ediccedilatildeo especiaL p 67 -81 out 2002

como que numa filial ou num quintal dos EUA ao falar em estados unidos do Brasil denunciando dessa forma o avanccedilo do imperialismo ianque no paiacutes

Todavia as palavras finais de Caetano apontam para uma criacutetica aberta agrave opccedilatildeo guerrilheira propondo todos irem para debaixo da cama para se refugiarem da sanha do lobo ou seja dos militares Nessa proposta subentende-se uma desconfianccedila de Caetano e dos tropicalistas sobre a validade da opccedilatildeo de enffentamento da esquerda brasileira desse periacuteodo Daiacute por certo explica-se o oacutedio dos militantes contra o Tropicalismo e as vaias recebidas por Caetano no Festival em 1968 1

Com o avanccedilo da repressatildeo especialmente durante o

governo Meacutedici ocorre um processo cada vez mais intenso de dilapidaccedilatildeo da arte e da cultura brasileira Grandes compositores e artistas como Chico Buarque Gilberto Gil Caetano Veloso Edu Lobo Geraldo Vandreacute entre outros exilaram-se ou foram exilados no exterior

E eacute nessa eacutepoca qua a muacutesica ufanista volta agrave cena e ganha destaque

Os compositores Don e Ravel com Eu te amo meu Brasil acabaram por se transformar na maior expressatildeo dessa tendecircncia nesse periacuteodo Observe-se parte da letra

As praias do Brasil ensolaradas laacute laacute laacute

o chatildeo onde o paiacutes se elevou laacute laacute laacute laacute

a matildeo de Deus abenccediloou

mulher que nasce aqui

tem muito mais amor O ceacuteu do meu Brasil tem mais estrelas laacute laacute

O sol do meu paacuteis mais esplendor laacutelaacute laacute laacute

I Essas reHexCles sobre essa mllsica e outras de Caetano Veloso e dos tropicalistas satildeo apontados por Ridenti (1993)

Histoacuteria amp Ensino Londrina v 8 ediccedilatildeo especial p 67-81 out 2002 77

A mflo de Deuo abenccediloou

em terras brasileiras

()u plantar amor

btribilho

Eu te amo mel Brasil eu te 1lllO

meu coraccediluuml() eacute verde amarelo bmnco azul anil

Eu te amo meu Brasil

ClI (c ~l1n()

ningueacuten1 segura ltl jUCnlthle do Brasil

Estribilho

Que leitura podemos fazer dessa muacutesica Que outro vieacutes desse periacuteodo ela aponta Que tipo de proveito ela poderia fornecer ao regime militar

Em tempos de Brasil ame-o ()u dcic-o a letra eles

muacutesica caiu como uma luva para as pretensotildees militares de xenofobia auto-elogio e exaltaccedil50 da paacutetria amacia aspectos muito caracteriacutesticos dos regimes autoritaacuterios

O refratildeo Eu le amIJ meu Brasil eu te amo Ningueacutem segura a jlf1Jcnt1Ule do Brasil ficou tatildeo conhecido que as agecircncias de pu hlicidade do Governo tomaram de empreacutestimo a ideacuteia c criaram o natildeo menos ceacutelebre slogan Ningueacutem segura este paiacutes

Cabe ressaltar que era esse tipo de muacutesica que chegava ao grande puacuteblico via raacutedio e TV criando uma falsa imagem do paiacutes em plena fase de milagre brasileiro Os livros de Educaccedilatildeo Moral e Ciacutevica discillinl obrigatoacuteria na eacutepoca traziam a letra dessa Illllsica para ser 1l111isada e discutidCl pelos alunos em sala de aula natildeo de forma criacutetica eacute claro

Vale lembrar em relaccedilatildeo ainda agrave muacutesica popular brasileira que esse periacuteodo natildeo foi palco unicamente de engcljamento ou ufanismo

Do mesmo modo em que vivia-se u clima dos festivais cb Record quando (orcer por uma ou outr] muacutesica signifiGIV~]

7 8 Histoacuteri~l amp Ensino Londrina v ti ediccedilatildeo especial p 67 -81 out 2002

manifestar uml posiccedilatildeo poliacutetica apresentava-se tambeacutem como opccedilatildeo Cl J()vem Guarda

Liderada por Roberto e Erasmo Carlos a Jovem Guarda surgia como um grupo de jovens cantores e compositores de comportamento aparentemente rebelde Entretanto se o tipo de roupa e o uso de cabelos compridos podiam representar rebeldia agraves normas vigentes ou anseio de transformaccedilocirces o conteuacutedo das canccedilocirces traduzia de outro modo uma outra opccedilatildeo vista por alguns como conservadora e apoliacutetica

NflO ohstante a posiccedilatildeo dos integrantes e fatildes da Jovem Guarda pode representar edeacutem de alienaccedilatildeo eou c()nservadorismo uma descrenccedila nas opccedilotildees de luta que se lprescntav1ll1 A muacutesica Quero que vuacute tudu )(r( () inferno pode resumir llluito bem essa tendecircncia de comportamento2 bull

Penso que atraveacutes da anaacutelise dessas canccedilocirces -- que natildeo prLlende sen-ir de modelo para os professores constituindo-se apenas numa possibilidade apresentada no acircmbito ele um campo permeado por interrogaccedilocirces - podemos pensar numa alternativa aos manuais e agraves cansativas para professor e aluno aulas expositivas Aleacutem do mais () trabalho com as muacutesicas ou outros registros pode tornar possiacutevel que os alunos vozes tatildeo poucas vezes ouvidas expressem slIas opiniocirces

Gostaria de reforccedilar uma vez mais que essas reflexotildees nacirco tecircm a pretensatildeo de servir C()11U formula aos professores tamp()uco representam a fala do cSl)cciulis[(( direcionada a um Iniacuteblicu clistalltc Satildeo reflexocirces que expressam ansiedades de algu~m ljue viveu ateacute haacute bem poucu tempo o cotidiano das saLls de aulas de 1ordm e 2ordm graus e que ainda convive e dialoga de diferellcilllts maneiras com esse espaccedilo

Aleacuteniacute du mais haacute que se lembrar que fiiacutennulas maacutegicas natildeo existem e que em uacuteltima instacircncia quem escolhe ois caminhos eacute o professor

2 A esse respeito Michel Maffesoli aponta a existecircncia no movimento social de uma recusa de participaccedilatildeo lercehida atraveacutes de muacuteltiplas atitudes que se natildeu satildeo combativecircb parecem Clllll() dissimuladas (Maffesoli 19t34)

llisliacuteril amp Ensino Londrina v 8 ediccedilatildeu cspccill p 67middot81 out 2002 79

Referecircncias

BURKE P Cultura P()J)ular na Idade lv1oderna Satildeo Paulo Cia das Letras 1989

CALDAS W Inicia~li() agrave Muacutesica Populur Brasileira Satildeo PauloAacutetica1985 (Princiacutepios)

CUNHA M de E da Eles Ousaram Lutar A Nova Esquerda Brasileiru no l)eriacuteodo ele 64- 72 1993 Dissertaccedilatildeo (Mestrado)shyUNESI~ Assis

DEUCENIO F N et tI Linguagem c Clllccedilatildeo uma prl )P()st~l

para o ensino de Histoacuteria Revista Brasileira ele Hisuiacuteria Satildeo Paulo v 8 n 15 1988

FONSECA S G Ensino de Histoacuteria diversificaccedilatildeu de abordagens Revista Brasileira de l1isuJria Satildeo Paulo v 9 n 19 1990

FRANCE L Imagens imagizadas nadadeiras para sobrenadm VEIGA L P A (org) Escola Fundamental curriacuteculo e ensino Campinas Papirus 1991

MAFFESOLI 11 A Conquista do Presente Rio Janeiro Rocco 1984

MARSON A Reflexcs sobre o procedimento Histoacuterico In SILVA M A Rel)ensanJu 11 Histoacuteria Satildeo Paulo Brasiliense 19t34

RICCI C S Da intenccedilatildeo ao Gesto - Quem eacute quem no ensino de Histoacuteria em Sio Paulo Dissertaccedilatildeo (Mestrado) - pue S~iacuteo Paulo 1992

RIDENTI M S O FaJltasma da Rcvolll(acirco Satildeo Paulo Ed UNESr 1993

SILVA Z L da Asterix e a dominaccedilatildeo romana Revista Brasileira de Histoacuteria Satildeo Paulo v 5 n 10 1985

HO Hist(rb amp Ensino Londrincl v 8 ediccedilatildeo especial 1 67-ill out 2002

ABSTRACT This article has the objective of discussing the possibility of analysis of social realities through varied historical registrations For so much it was tried to stand out the Brazil after-64 period through the stuJy of some songs

KEY WORDS history languages military regime songs

Histoacuteria amp Ensino Londrina v 8 ediccedilatildeo especial p 67-81 out 2002 81

Page 7: CANTANDO O BRASIL PÓS-64*

Os manuais geralmente reservam um espaccedilo pouco representativu a essas deacutecadas da Histoacuteria do Brasil localizando-as sempre ao final dos livros abordando-as rapidamente e muitas vezes sem maior aprofundamento destacando-se via de regra que foi um periacuteodo tenebroso e autoritaacuterio que acaha por findar -natildeo se sabe muito bem como - em abertura e anistia

Procurarei analisar esses anos a partir de alguns acontecimentos -golpe militar guerrilha e repressfiacuteo - que marcaram s()bremaneira a vida poliacutetica e cultural do paiacutes pensando - us atraveacutes de algumas cll1~Cles

Decretado o golpe militar em 64 quase que imldiatamente a atuaccedilatildeo dos vencedores Sl fez sentir centenas de sindicatos caiacuteram sob intervenccedilatildeo as Ligas Camponesas foram dispersls e diversos poliacuteticos tiveram seus direitos cassados possibilidade que se abriu com a ediccedilatildeo do primeiro Ato Institucional que na praacutetica transferiu o poder poliacutetico aos militares coagindo e mutilando o congresso (CUNHA 1993)

Tais providecircncias foram logo denominadas de revolucionaacuterias com a intenccedilatildeo de retirar o caraacuteter golpista do regime e transfonniacute-lo em revoluccedilatildeo que teria sido feita para salvaguardar a mdem no paiacutes atingindo rapidamente diversos setores da sociedade e organizaccedilCles consideradas subversivas COl1lU CGT e 1JNE foram dissohidas em nome da revoluccedilatildeo Os liacutederes ridos tambeacutem como subversivos [oacuteram presos e submctll[()S ~l IPMs isso quando 1130 se viam obrigados a se exilarem em outros paiacuteses

No entanto passado () primeiro momento de eSl)(lnto a esquerda - composta em grande parte por estudantes intelectuais artistas e setores da Igreja progressista tentou se recompor e se refazer Muitos militantes colocaram-se agrave procura de rearticubccedilatildeo mesmo na clandestinidade Comeccedila a aflorar em muitos um sentimento o anseio pela desforra

llisllt)ria amp Ensin() Londrina v 8 ediccedilatildeo especial p () 7 -81 ut 2002 73

74

Aos poucos fica cada vez m1is claro a incompatibilizaccedilatildeo

entre alguns setores civis que apoiaram o golpe com o poder

militar Isso ficou expliacutecito em outubro de 1965 com a ediccedilatildeo

do tu Institucional nordm 2 que dissolveu os partidos p()liacuteticos

existentes e estabeleceu a eleiccedilatildeo indireta para presidente da

Repuacuteblica frustrando assim a esperanccedila de vaacuterios possiacuteveis

candidatos como Magalhatildees Pinto Adhemar de Barros e Carlos

Lacercla que rompem cotn Castelo Branco Antes de findar o seu mandato C~lStelO Branco tve o

cuidado de deixar ao seu sucessor lima nova Constituiccedilatildeo

aprovada pelo Congresso

A Constituiccedilatildeo de 1967 aleacutem de legitimar as

prerrogativas autoritiacuterIacute8s conferidas aO Executivo pelo AI-Z inclui tambeacutem a Lei de Imprensa e a Lei de Seguranccedila

N1Cional Essas leis garecircmtiram ao n)V() presidente poderes

praticamente ilimitados o que levou a oposiccedilatildeo a denunciar e a caracterizar a institucionalizaccediliacuteo da ditadura

Em 1968 com a ediccedilatildeo AI-5 que na praacutetica impedia toda c qualquer oposiccedilatildeo moderada ou r~lJical ao regime militar poder-se-Ziacute entatildeo constatar 1 face mais radical do

g()verno e seu total endurecimento

Com o fechamento da vida poliacutetica para a oposiccedilatildeo e o

bloqueio de toda forma de manifestaccedilatildeo contraacuteria ao regime

vaacuterias correntes de esquerda no paiacutes optam por impulsionar uma

perspectiva extrema qle jaacute vinha se encaminhando a Illt~l

armada

A partir desse momento a tortura e a violecircnciaa seriam

a forma do Estado dialogar com seus adversaacuterios poliacuteticos

instaurado-se lima vez mais na vida poliacutetica brasileira um c lima de terror e viulecircncicl

produccedilatildeo cultural hrasileira passa entatildeo a ser l)cllcirada Do final dus anos 60 e iniacuteco dus 70 soacute viriam a ptiacutehlico

Histoacuteria amp Ensino Londrina v 8 ediccedilatildeo especial p 67 -81 out 2002

muacutesiC1S pelt~lS de teatro livros enfim qlalquer produto cllltur~d que os censores julgassem adequados ao momento poliacutetco (CALDAS 1985 p 65)

Desse periacuteodo em termos de produccedilatildeo musical uma

canccedilatildeo acabou se transformando em hino e num siacutembolo da

resistecircncia ao governo militar Foi a muacutesica Praacute natildeo dizer que nagraveu

falei das fiares de Geraldo Vandreacute cantada de forma emocionada

no Festival Internacional da Canccedilatildeo em 1968 e perseguida assim

cmnu o seu C1utllf ateacute 1979 e que passou a ser mais conhecida

por Caminhund()

(l1llinh~mdD e cantando e seguindu ~1 ccmc~u

llOS l()cos iguais braccedilos dados ou 1110

Nas escuL nas ruas campos cOllslruccediluumles

Caminhando c cantando e seguindo a canccedilatildeo

Vem vamos embora que esperar natildeo eacute saber

Quem sabe Uacute1Z a hur~l natildeo espera acontecer

Pelos campos ~la flmle em grandes plantaccedilotildees

Pda rtllS marchando indecisos lorcluumles

limL iacl1ll da tlor seu mais forte rcfr1n

L Icrcditam nas tlores vencendo o canho

Vem IUS embora

Mas o que possui essa muacutesica de tatildeo comprometedor em sua letra Por que a canccedilatildeo teria sido proibida pela Censura

Federal

Jaacute em seus primeiros versos Somos todos iguais braccedilos dados ou natildeo ela evoca uma suposta igualdade soacute pussiacutevel em

I iacutel()riacuteCl amp Emino Londrina v 8 ediccedil1o cspcciacutezd iacute 67 -81 UIlt 2002 75

76

uma socielbde dita igualitaacuteria ou socialista Primeiro vislumbre

do l)erigo vermelho na canCcedillO

Em seu prosseguimento a letra da muacutesica lembra lima

marcw de soldados inclecisos cordotildees (fLUIS e todos perdidos de armas na matildeo que deveriam aprenJer e ensinar uma nova

liccedilatildeo Qual De que esl)erar natildeo eacute saber Quem sabe faz a hora

natildeo esjJcra acontecer Ou seja pregava quase que abertamente a P()ssi1~ilidaade do pOO tomar a Hist(lria em suas miiacuteos

atraveacutes de uma possiacutevel revoluccedilatildeo Expressava-se entatildeo um convite mais que real tu engajamento il luta

A rebeldia contra o regime militar tambeacutem aparece em

vaacuterias canccedilotildees de Caetano Veloso e dos tropicalistas como atraveacutes

da muacutesica EnLlwmto seu lobo natildeo vem do LP Tropicaacutelia gravado tamheacutem em 1968

Valllos passear lia llorcsta escondida meu amor

vamos pasself na aveniJahiacute Ulllltl cordilheira sob

o asJUacutellto A estaccedilatildeo primeinl

de manguclra passa em ruas brgas passa por

debaixo da avellida Prcsilente Vargas Vltl1l10S

jll5ear nos estados lIlldos do Brasil

Vamos passear cscondidus vamos desfilar

pela rua onde a mangueira passou vamos por

Jeb~lix() das nIlS Debaixo l1clS pombas (ou

hombas) hs hmdtims debuumlxu das botls

dchuumlxo dos jmdilh dehlixo da lamackhaix Ll

clllladebaixo dl cama

A letra fala da resistecircncia clandestina daqueles que

tinham que conviver agraves escondidas com o regime militar da

realid8de do guerrilheiro urbano e daquilo que era peculiar lO

seu cotidiano l)asseur eSCIndido pebs nws largas A letra da

muacutesica ainda aponta pmCl o fato do Brasil estar se constituindo

Histoacuteria amp Ensino Londrina v 8 ediccedilatildeo especiaL p 67 -81 out 2002

como que numa filial ou num quintal dos EUA ao falar em estados unidos do Brasil denunciando dessa forma o avanccedilo do imperialismo ianque no paiacutes

Todavia as palavras finais de Caetano apontam para uma criacutetica aberta agrave opccedilatildeo guerrilheira propondo todos irem para debaixo da cama para se refugiarem da sanha do lobo ou seja dos militares Nessa proposta subentende-se uma desconfianccedila de Caetano e dos tropicalistas sobre a validade da opccedilatildeo de enffentamento da esquerda brasileira desse periacuteodo Daiacute por certo explica-se o oacutedio dos militantes contra o Tropicalismo e as vaias recebidas por Caetano no Festival em 1968 1

Com o avanccedilo da repressatildeo especialmente durante o

governo Meacutedici ocorre um processo cada vez mais intenso de dilapidaccedilatildeo da arte e da cultura brasileira Grandes compositores e artistas como Chico Buarque Gilberto Gil Caetano Veloso Edu Lobo Geraldo Vandreacute entre outros exilaram-se ou foram exilados no exterior

E eacute nessa eacutepoca qua a muacutesica ufanista volta agrave cena e ganha destaque

Os compositores Don e Ravel com Eu te amo meu Brasil acabaram por se transformar na maior expressatildeo dessa tendecircncia nesse periacuteodo Observe-se parte da letra

As praias do Brasil ensolaradas laacute laacute laacute

o chatildeo onde o paiacutes se elevou laacute laacute laacute laacute

a matildeo de Deus abenccediloou

mulher que nasce aqui

tem muito mais amor O ceacuteu do meu Brasil tem mais estrelas laacute laacute

O sol do meu paacuteis mais esplendor laacutelaacute laacute laacute

I Essas reHexCles sobre essa mllsica e outras de Caetano Veloso e dos tropicalistas satildeo apontados por Ridenti (1993)

Histoacuteria amp Ensino Londrina v 8 ediccedilatildeo especial p 67-81 out 2002 77

A mflo de Deuo abenccediloou

em terras brasileiras

()u plantar amor

btribilho

Eu te amo mel Brasil eu te 1lllO

meu coraccediluuml() eacute verde amarelo bmnco azul anil

Eu te amo meu Brasil

ClI (c ~l1n()

ningueacuten1 segura ltl jUCnlthle do Brasil

Estribilho

Que leitura podemos fazer dessa muacutesica Que outro vieacutes desse periacuteodo ela aponta Que tipo de proveito ela poderia fornecer ao regime militar

Em tempos de Brasil ame-o ()u dcic-o a letra eles

muacutesica caiu como uma luva para as pretensotildees militares de xenofobia auto-elogio e exaltaccedil50 da paacutetria amacia aspectos muito caracteriacutesticos dos regimes autoritaacuterios

O refratildeo Eu le amIJ meu Brasil eu te amo Ningueacutem segura a jlf1Jcnt1Ule do Brasil ficou tatildeo conhecido que as agecircncias de pu hlicidade do Governo tomaram de empreacutestimo a ideacuteia c criaram o natildeo menos ceacutelebre slogan Ningueacutem segura este paiacutes

Cabe ressaltar que era esse tipo de muacutesica que chegava ao grande puacuteblico via raacutedio e TV criando uma falsa imagem do paiacutes em plena fase de milagre brasileiro Os livros de Educaccedilatildeo Moral e Ciacutevica discillinl obrigatoacuteria na eacutepoca traziam a letra dessa Illllsica para ser 1l111isada e discutidCl pelos alunos em sala de aula natildeo de forma criacutetica eacute claro

Vale lembrar em relaccedilatildeo ainda agrave muacutesica popular brasileira que esse periacuteodo natildeo foi palco unicamente de engcljamento ou ufanismo

Do mesmo modo em que vivia-se u clima dos festivais cb Record quando (orcer por uma ou outr] muacutesica signifiGIV~]

7 8 Histoacuteri~l amp Ensino Londrina v ti ediccedilatildeo especial p 67 -81 out 2002

manifestar uml posiccedilatildeo poliacutetica apresentava-se tambeacutem como opccedilatildeo Cl J()vem Guarda

Liderada por Roberto e Erasmo Carlos a Jovem Guarda surgia como um grupo de jovens cantores e compositores de comportamento aparentemente rebelde Entretanto se o tipo de roupa e o uso de cabelos compridos podiam representar rebeldia agraves normas vigentes ou anseio de transformaccedilocirces o conteuacutedo das canccedilocirces traduzia de outro modo uma outra opccedilatildeo vista por alguns como conservadora e apoliacutetica

NflO ohstante a posiccedilatildeo dos integrantes e fatildes da Jovem Guarda pode representar edeacutem de alienaccedilatildeo eou c()nservadorismo uma descrenccedila nas opccedilotildees de luta que se lprescntav1ll1 A muacutesica Quero que vuacute tudu )(r( () inferno pode resumir llluito bem essa tendecircncia de comportamento2 bull

Penso que atraveacutes da anaacutelise dessas canccedilocirces -- que natildeo prLlende sen-ir de modelo para os professores constituindo-se apenas numa possibilidade apresentada no acircmbito ele um campo permeado por interrogaccedilocirces - podemos pensar numa alternativa aos manuais e agraves cansativas para professor e aluno aulas expositivas Aleacutem do mais () trabalho com as muacutesicas ou outros registros pode tornar possiacutevel que os alunos vozes tatildeo poucas vezes ouvidas expressem slIas opiniocirces

Gostaria de reforccedilar uma vez mais que essas reflexotildees nacirco tecircm a pretensatildeo de servir C()11U formula aos professores tamp()uco representam a fala do cSl)cciulis[(( direcionada a um Iniacuteblicu clistalltc Satildeo reflexocirces que expressam ansiedades de algu~m ljue viveu ateacute haacute bem poucu tempo o cotidiano das saLls de aulas de 1ordm e 2ordm graus e que ainda convive e dialoga de diferellcilllts maneiras com esse espaccedilo

Aleacuteniacute du mais haacute que se lembrar que fiiacutennulas maacutegicas natildeo existem e que em uacuteltima instacircncia quem escolhe ois caminhos eacute o professor

2 A esse respeito Michel Maffesoli aponta a existecircncia no movimento social de uma recusa de participaccedilatildeo lercehida atraveacutes de muacuteltiplas atitudes que se natildeu satildeo combativecircb parecem Clllll() dissimuladas (Maffesoli 19t34)

llisliacuteril amp Ensino Londrina v 8 ediccedilatildeu cspccill p 67middot81 out 2002 79

Referecircncias

BURKE P Cultura P()J)ular na Idade lv1oderna Satildeo Paulo Cia das Letras 1989

CALDAS W Inicia~li() agrave Muacutesica Populur Brasileira Satildeo PauloAacutetica1985 (Princiacutepios)

CUNHA M de E da Eles Ousaram Lutar A Nova Esquerda Brasileiru no l)eriacuteodo ele 64- 72 1993 Dissertaccedilatildeo (Mestrado)shyUNESI~ Assis

DEUCENIO F N et tI Linguagem c Clllccedilatildeo uma prl )P()st~l

para o ensino de Histoacuteria Revista Brasileira ele Hisuiacuteria Satildeo Paulo v 8 n 15 1988

FONSECA S G Ensino de Histoacuteria diversificaccedilatildeu de abordagens Revista Brasileira de l1isuJria Satildeo Paulo v 9 n 19 1990

FRANCE L Imagens imagizadas nadadeiras para sobrenadm VEIGA L P A (org) Escola Fundamental curriacuteculo e ensino Campinas Papirus 1991

MAFFESOLI 11 A Conquista do Presente Rio Janeiro Rocco 1984

MARSON A Reflexcs sobre o procedimento Histoacuterico In SILVA M A Rel)ensanJu 11 Histoacuteria Satildeo Paulo Brasiliense 19t34

RICCI C S Da intenccedilatildeo ao Gesto - Quem eacute quem no ensino de Histoacuteria em Sio Paulo Dissertaccedilatildeo (Mestrado) - pue S~iacuteo Paulo 1992

RIDENTI M S O FaJltasma da Rcvolll(acirco Satildeo Paulo Ed UNESr 1993

SILVA Z L da Asterix e a dominaccedilatildeo romana Revista Brasileira de Histoacuteria Satildeo Paulo v 5 n 10 1985

HO Hist(rb amp Ensino Londrincl v 8 ediccedilatildeo especial 1 67-ill out 2002

ABSTRACT This article has the objective of discussing the possibility of analysis of social realities through varied historical registrations For so much it was tried to stand out the Brazil after-64 period through the stuJy of some songs

KEY WORDS history languages military regime songs

Histoacuteria amp Ensino Londrina v 8 ediccedilatildeo especial p 67-81 out 2002 81

Page 8: CANTANDO O BRASIL PÓS-64*

74

Aos poucos fica cada vez m1is claro a incompatibilizaccedilatildeo

entre alguns setores civis que apoiaram o golpe com o poder

militar Isso ficou expliacutecito em outubro de 1965 com a ediccedilatildeo

do tu Institucional nordm 2 que dissolveu os partidos p()liacuteticos

existentes e estabeleceu a eleiccedilatildeo indireta para presidente da

Repuacuteblica frustrando assim a esperanccedila de vaacuterios possiacuteveis

candidatos como Magalhatildees Pinto Adhemar de Barros e Carlos

Lacercla que rompem cotn Castelo Branco Antes de findar o seu mandato C~lStelO Branco tve o

cuidado de deixar ao seu sucessor lima nova Constituiccedilatildeo

aprovada pelo Congresso

A Constituiccedilatildeo de 1967 aleacutem de legitimar as

prerrogativas autoritiacuterIacute8s conferidas aO Executivo pelo AI-Z inclui tambeacutem a Lei de Imprensa e a Lei de Seguranccedila

N1Cional Essas leis garecircmtiram ao n)V() presidente poderes

praticamente ilimitados o que levou a oposiccedilatildeo a denunciar e a caracterizar a institucionalizaccediliacuteo da ditadura

Em 1968 com a ediccedilatildeo AI-5 que na praacutetica impedia toda c qualquer oposiccedilatildeo moderada ou r~lJical ao regime militar poder-se-Ziacute entatildeo constatar 1 face mais radical do

g()verno e seu total endurecimento

Com o fechamento da vida poliacutetica para a oposiccedilatildeo e o

bloqueio de toda forma de manifestaccedilatildeo contraacuteria ao regime

vaacuterias correntes de esquerda no paiacutes optam por impulsionar uma

perspectiva extrema qle jaacute vinha se encaminhando a Illt~l

armada

A partir desse momento a tortura e a violecircnciaa seriam

a forma do Estado dialogar com seus adversaacuterios poliacuteticos

instaurado-se lima vez mais na vida poliacutetica brasileira um c lima de terror e viulecircncicl

produccedilatildeo cultural hrasileira passa entatildeo a ser l)cllcirada Do final dus anos 60 e iniacuteco dus 70 soacute viriam a ptiacutehlico

Histoacuteria amp Ensino Londrina v 8 ediccedilatildeo especial p 67 -81 out 2002

muacutesiC1S pelt~lS de teatro livros enfim qlalquer produto cllltur~d que os censores julgassem adequados ao momento poliacutetco (CALDAS 1985 p 65)

Desse periacuteodo em termos de produccedilatildeo musical uma

canccedilatildeo acabou se transformando em hino e num siacutembolo da

resistecircncia ao governo militar Foi a muacutesica Praacute natildeo dizer que nagraveu

falei das fiares de Geraldo Vandreacute cantada de forma emocionada

no Festival Internacional da Canccedilatildeo em 1968 e perseguida assim

cmnu o seu C1utllf ateacute 1979 e que passou a ser mais conhecida

por Caminhund()

(l1llinh~mdD e cantando e seguindu ~1 ccmc~u

llOS l()cos iguais braccedilos dados ou 1110

Nas escuL nas ruas campos cOllslruccediluumles

Caminhando c cantando e seguindo a canccedilatildeo

Vem vamos embora que esperar natildeo eacute saber

Quem sabe Uacute1Z a hur~l natildeo espera acontecer

Pelos campos ~la flmle em grandes plantaccedilotildees

Pda rtllS marchando indecisos lorcluumles

limL iacl1ll da tlor seu mais forte rcfr1n

L Icrcditam nas tlores vencendo o canho

Vem IUS embora

Mas o que possui essa muacutesica de tatildeo comprometedor em sua letra Por que a canccedilatildeo teria sido proibida pela Censura

Federal

Jaacute em seus primeiros versos Somos todos iguais braccedilos dados ou natildeo ela evoca uma suposta igualdade soacute pussiacutevel em

I iacutel()riacuteCl amp Emino Londrina v 8 ediccedil1o cspcciacutezd iacute 67 -81 UIlt 2002 75

76

uma socielbde dita igualitaacuteria ou socialista Primeiro vislumbre

do l)erigo vermelho na canCcedillO

Em seu prosseguimento a letra da muacutesica lembra lima

marcw de soldados inclecisos cordotildees (fLUIS e todos perdidos de armas na matildeo que deveriam aprenJer e ensinar uma nova

liccedilatildeo Qual De que esl)erar natildeo eacute saber Quem sabe faz a hora

natildeo esjJcra acontecer Ou seja pregava quase que abertamente a P()ssi1~ilidaade do pOO tomar a Hist(lria em suas miiacuteos

atraveacutes de uma possiacutevel revoluccedilatildeo Expressava-se entatildeo um convite mais que real tu engajamento il luta

A rebeldia contra o regime militar tambeacutem aparece em

vaacuterias canccedilotildees de Caetano Veloso e dos tropicalistas como atraveacutes

da muacutesica EnLlwmto seu lobo natildeo vem do LP Tropicaacutelia gravado tamheacutem em 1968

Valllos passear lia llorcsta escondida meu amor

vamos pasself na aveniJahiacute Ulllltl cordilheira sob

o asJUacutellto A estaccedilatildeo primeinl

de manguclra passa em ruas brgas passa por

debaixo da avellida Prcsilente Vargas Vltl1l10S

jll5ear nos estados lIlldos do Brasil

Vamos passear cscondidus vamos desfilar

pela rua onde a mangueira passou vamos por

Jeb~lix() das nIlS Debaixo l1clS pombas (ou

hombas) hs hmdtims debuumlxu das botls

dchuumlxo dos jmdilh dehlixo da lamackhaix Ll

clllladebaixo dl cama

A letra fala da resistecircncia clandestina daqueles que

tinham que conviver agraves escondidas com o regime militar da

realid8de do guerrilheiro urbano e daquilo que era peculiar lO

seu cotidiano l)asseur eSCIndido pebs nws largas A letra da

muacutesica ainda aponta pmCl o fato do Brasil estar se constituindo

Histoacuteria amp Ensino Londrina v 8 ediccedilatildeo especiaL p 67 -81 out 2002

como que numa filial ou num quintal dos EUA ao falar em estados unidos do Brasil denunciando dessa forma o avanccedilo do imperialismo ianque no paiacutes

Todavia as palavras finais de Caetano apontam para uma criacutetica aberta agrave opccedilatildeo guerrilheira propondo todos irem para debaixo da cama para se refugiarem da sanha do lobo ou seja dos militares Nessa proposta subentende-se uma desconfianccedila de Caetano e dos tropicalistas sobre a validade da opccedilatildeo de enffentamento da esquerda brasileira desse periacuteodo Daiacute por certo explica-se o oacutedio dos militantes contra o Tropicalismo e as vaias recebidas por Caetano no Festival em 1968 1

Com o avanccedilo da repressatildeo especialmente durante o

governo Meacutedici ocorre um processo cada vez mais intenso de dilapidaccedilatildeo da arte e da cultura brasileira Grandes compositores e artistas como Chico Buarque Gilberto Gil Caetano Veloso Edu Lobo Geraldo Vandreacute entre outros exilaram-se ou foram exilados no exterior

E eacute nessa eacutepoca qua a muacutesica ufanista volta agrave cena e ganha destaque

Os compositores Don e Ravel com Eu te amo meu Brasil acabaram por se transformar na maior expressatildeo dessa tendecircncia nesse periacuteodo Observe-se parte da letra

As praias do Brasil ensolaradas laacute laacute laacute

o chatildeo onde o paiacutes se elevou laacute laacute laacute laacute

a matildeo de Deus abenccediloou

mulher que nasce aqui

tem muito mais amor O ceacuteu do meu Brasil tem mais estrelas laacute laacute

O sol do meu paacuteis mais esplendor laacutelaacute laacute laacute

I Essas reHexCles sobre essa mllsica e outras de Caetano Veloso e dos tropicalistas satildeo apontados por Ridenti (1993)

Histoacuteria amp Ensino Londrina v 8 ediccedilatildeo especial p 67-81 out 2002 77

A mflo de Deuo abenccediloou

em terras brasileiras

()u plantar amor

btribilho

Eu te amo mel Brasil eu te 1lllO

meu coraccediluuml() eacute verde amarelo bmnco azul anil

Eu te amo meu Brasil

ClI (c ~l1n()

ningueacuten1 segura ltl jUCnlthle do Brasil

Estribilho

Que leitura podemos fazer dessa muacutesica Que outro vieacutes desse periacuteodo ela aponta Que tipo de proveito ela poderia fornecer ao regime militar

Em tempos de Brasil ame-o ()u dcic-o a letra eles

muacutesica caiu como uma luva para as pretensotildees militares de xenofobia auto-elogio e exaltaccedil50 da paacutetria amacia aspectos muito caracteriacutesticos dos regimes autoritaacuterios

O refratildeo Eu le amIJ meu Brasil eu te amo Ningueacutem segura a jlf1Jcnt1Ule do Brasil ficou tatildeo conhecido que as agecircncias de pu hlicidade do Governo tomaram de empreacutestimo a ideacuteia c criaram o natildeo menos ceacutelebre slogan Ningueacutem segura este paiacutes

Cabe ressaltar que era esse tipo de muacutesica que chegava ao grande puacuteblico via raacutedio e TV criando uma falsa imagem do paiacutes em plena fase de milagre brasileiro Os livros de Educaccedilatildeo Moral e Ciacutevica discillinl obrigatoacuteria na eacutepoca traziam a letra dessa Illllsica para ser 1l111isada e discutidCl pelos alunos em sala de aula natildeo de forma criacutetica eacute claro

Vale lembrar em relaccedilatildeo ainda agrave muacutesica popular brasileira que esse periacuteodo natildeo foi palco unicamente de engcljamento ou ufanismo

Do mesmo modo em que vivia-se u clima dos festivais cb Record quando (orcer por uma ou outr] muacutesica signifiGIV~]

7 8 Histoacuteri~l amp Ensino Londrina v ti ediccedilatildeo especial p 67 -81 out 2002

manifestar uml posiccedilatildeo poliacutetica apresentava-se tambeacutem como opccedilatildeo Cl J()vem Guarda

Liderada por Roberto e Erasmo Carlos a Jovem Guarda surgia como um grupo de jovens cantores e compositores de comportamento aparentemente rebelde Entretanto se o tipo de roupa e o uso de cabelos compridos podiam representar rebeldia agraves normas vigentes ou anseio de transformaccedilocirces o conteuacutedo das canccedilocirces traduzia de outro modo uma outra opccedilatildeo vista por alguns como conservadora e apoliacutetica

NflO ohstante a posiccedilatildeo dos integrantes e fatildes da Jovem Guarda pode representar edeacutem de alienaccedilatildeo eou c()nservadorismo uma descrenccedila nas opccedilotildees de luta que se lprescntav1ll1 A muacutesica Quero que vuacute tudu )(r( () inferno pode resumir llluito bem essa tendecircncia de comportamento2 bull

Penso que atraveacutes da anaacutelise dessas canccedilocirces -- que natildeo prLlende sen-ir de modelo para os professores constituindo-se apenas numa possibilidade apresentada no acircmbito ele um campo permeado por interrogaccedilocirces - podemos pensar numa alternativa aos manuais e agraves cansativas para professor e aluno aulas expositivas Aleacutem do mais () trabalho com as muacutesicas ou outros registros pode tornar possiacutevel que os alunos vozes tatildeo poucas vezes ouvidas expressem slIas opiniocirces

Gostaria de reforccedilar uma vez mais que essas reflexotildees nacirco tecircm a pretensatildeo de servir C()11U formula aos professores tamp()uco representam a fala do cSl)cciulis[(( direcionada a um Iniacuteblicu clistalltc Satildeo reflexocirces que expressam ansiedades de algu~m ljue viveu ateacute haacute bem poucu tempo o cotidiano das saLls de aulas de 1ordm e 2ordm graus e que ainda convive e dialoga de diferellcilllts maneiras com esse espaccedilo

Aleacuteniacute du mais haacute que se lembrar que fiiacutennulas maacutegicas natildeo existem e que em uacuteltima instacircncia quem escolhe ois caminhos eacute o professor

2 A esse respeito Michel Maffesoli aponta a existecircncia no movimento social de uma recusa de participaccedilatildeo lercehida atraveacutes de muacuteltiplas atitudes que se natildeu satildeo combativecircb parecem Clllll() dissimuladas (Maffesoli 19t34)

llisliacuteril amp Ensino Londrina v 8 ediccedilatildeu cspccill p 67middot81 out 2002 79

Referecircncias

BURKE P Cultura P()J)ular na Idade lv1oderna Satildeo Paulo Cia das Letras 1989

CALDAS W Inicia~li() agrave Muacutesica Populur Brasileira Satildeo PauloAacutetica1985 (Princiacutepios)

CUNHA M de E da Eles Ousaram Lutar A Nova Esquerda Brasileiru no l)eriacuteodo ele 64- 72 1993 Dissertaccedilatildeo (Mestrado)shyUNESI~ Assis

DEUCENIO F N et tI Linguagem c Clllccedilatildeo uma prl )P()st~l

para o ensino de Histoacuteria Revista Brasileira ele Hisuiacuteria Satildeo Paulo v 8 n 15 1988

FONSECA S G Ensino de Histoacuteria diversificaccedilatildeu de abordagens Revista Brasileira de l1isuJria Satildeo Paulo v 9 n 19 1990

FRANCE L Imagens imagizadas nadadeiras para sobrenadm VEIGA L P A (org) Escola Fundamental curriacuteculo e ensino Campinas Papirus 1991

MAFFESOLI 11 A Conquista do Presente Rio Janeiro Rocco 1984

MARSON A Reflexcs sobre o procedimento Histoacuterico In SILVA M A Rel)ensanJu 11 Histoacuteria Satildeo Paulo Brasiliense 19t34

RICCI C S Da intenccedilatildeo ao Gesto - Quem eacute quem no ensino de Histoacuteria em Sio Paulo Dissertaccedilatildeo (Mestrado) - pue S~iacuteo Paulo 1992

RIDENTI M S O FaJltasma da Rcvolll(acirco Satildeo Paulo Ed UNESr 1993

SILVA Z L da Asterix e a dominaccedilatildeo romana Revista Brasileira de Histoacuteria Satildeo Paulo v 5 n 10 1985

HO Hist(rb amp Ensino Londrincl v 8 ediccedilatildeo especial 1 67-ill out 2002

ABSTRACT This article has the objective of discussing the possibility of analysis of social realities through varied historical registrations For so much it was tried to stand out the Brazil after-64 period through the stuJy of some songs

KEY WORDS history languages military regime songs

Histoacuteria amp Ensino Londrina v 8 ediccedilatildeo especial p 67-81 out 2002 81

Page 9: CANTANDO O BRASIL PÓS-64*

muacutesiC1S pelt~lS de teatro livros enfim qlalquer produto cllltur~d que os censores julgassem adequados ao momento poliacutetco (CALDAS 1985 p 65)

Desse periacuteodo em termos de produccedilatildeo musical uma

canccedilatildeo acabou se transformando em hino e num siacutembolo da

resistecircncia ao governo militar Foi a muacutesica Praacute natildeo dizer que nagraveu

falei das fiares de Geraldo Vandreacute cantada de forma emocionada

no Festival Internacional da Canccedilatildeo em 1968 e perseguida assim

cmnu o seu C1utllf ateacute 1979 e que passou a ser mais conhecida

por Caminhund()

(l1llinh~mdD e cantando e seguindu ~1 ccmc~u

llOS l()cos iguais braccedilos dados ou 1110

Nas escuL nas ruas campos cOllslruccediluumles

Caminhando c cantando e seguindo a canccedilatildeo

Vem vamos embora que esperar natildeo eacute saber

Quem sabe Uacute1Z a hur~l natildeo espera acontecer

Pelos campos ~la flmle em grandes plantaccedilotildees

Pda rtllS marchando indecisos lorcluumles

limL iacl1ll da tlor seu mais forte rcfr1n

L Icrcditam nas tlores vencendo o canho

Vem IUS embora

Mas o que possui essa muacutesica de tatildeo comprometedor em sua letra Por que a canccedilatildeo teria sido proibida pela Censura

Federal

Jaacute em seus primeiros versos Somos todos iguais braccedilos dados ou natildeo ela evoca uma suposta igualdade soacute pussiacutevel em

I iacutel()riacuteCl amp Emino Londrina v 8 ediccedil1o cspcciacutezd iacute 67 -81 UIlt 2002 75

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uma socielbde dita igualitaacuteria ou socialista Primeiro vislumbre

do l)erigo vermelho na canCcedillO

Em seu prosseguimento a letra da muacutesica lembra lima

marcw de soldados inclecisos cordotildees (fLUIS e todos perdidos de armas na matildeo que deveriam aprenJer e ensinar uma nova

liccedilatildeo Qual De que esl)erar natildeo eacute saber Quem sabe faz a hora

natildeo esjJcra acontecer Ou seja pregava quase que abertamente a P()ssi1~ilidaade do pOO tomar a Hist(lria em suas miiacuteos

atraveacutes de uma possiacutevel revoluccedilatildeo Expressava-se entatildeo um convite mais que real tu engajamento il luta

A rebeldia contra o regime militar tambeacutem aparece em

vaacuterias canccedilotildees de Caetano Veloso e dos tropicalistas como atraveacutes

da muacutesica EnLlwmto seu lobo natildeo vem do LP Tropicaacutelia gravado tamheacutem em 1968

Valllos passear lia llorcsta escondida meu amor

vamos pasself na aveniJahiacute Ulllltl cordilheira sob

o asJUacutellto A estaccedilatildeo primeinl

de manguclra passa em ruas brgas passa por

debaixo da avellida Prcsilente Vargas Vltl1l10S

jll5ear nos estados lIlldos do Brasil

Vamos passear cscondidus vamos desfilar

pela rua onde a mangueira passou vamos por

Jeb~lix() das nIlS Debaixo l1clS pombas (ou

hombas) hs hmdtims debuumlxu das botls

dchuumlxo dos jmdilh dehlixo da lamackhaix Ll

clllladebaixo dl cama

A letra fala da resistecircncia clandestina daqueles que

tinham que conviver agraves escondidas com o regime militar da

realid8de do guerrilheiro urbano e daquilo que era peculiar lO

seu cotidiano l)asseur eSCIndido pebs nws largas A letra da

muacutesica ainda aponta pmCl o fato do Brasil estar se constituindo

Histoacuteria amp Ensino Londrina v 8 ediccedilatildeo especiaL p 67 -81 out 2002

como que numa filial ou num quintal dos EUA ao falar em estados unidos do Brasil denunciando dessa forma o avanccedilo do imperialismo ianque no paiacutes

Todavia as palavras finais de Caetano apontam para uma criacutetica aberta agrave opccedilatildeo guerrilheira propondo todos irem para debaixo da cama para se refugiarem da sanha do lobo ou seja dos militares Nessa proposta subentende-se uma desconfianccedila de Caetano e dos tropicalistas sobre a validade da opccedilatildeo de enffentamento da esquerda brasileira desse periacuteodo Daiacute por certo explica-se o oacutedio dos militantes contra o Tropicalismo e as vaias recebidas por Caetano no Festival em 1968 1

Com o avanccedilo da repressatildeo especialmente durante o

governo Meacutedici ocorre um processo cada vez mais intenso de dilapidaccedilatildeo da arte e da cultura brasileira Grandes compositores e artistas como Chico Buarque Gilberto Gil Caetano Veloso Edu Lobo Geraldo Vandreacute entre outros exilaram-se ou foram exilados no exterior

E eacute nessa eacutepoca qua a muacutesica ufanista volta agrave cena e ganha destaque

Os compositores Don e Ravel com Eu te amo meu Brasil acabaram por se transformar na maior expressatildeo dessa tendecircncia nesse periacuteodo Observe-se parte da letra

As praias do Brasil ensolaradas laacute laacute laacute

o chatildeo onde o paiacutes se elevou laacute laacute laacute laacute

a matildeo de Deus abenccediloou

mulher que nasce aqui

tem muito mais amor O ceacuteu do meu Brasil tem mais estrelas laacute laacute

O sol do meu paacuteis mais esplendor laacutelaacute laacute laacute

I Essas reHexCles sobre essa mllsica e outras de Caetano Veloso e dos tropicalistas satildeo apontados por Ridenti (1993)

Histoacuteria amp Ensino Londrina v 8 ediccedilatildeo especial p 67-81 out 2002 77

A mflo de Deuo abenccediloou

em terras brasileiras

()u plantar amor

btribilho

Eu te amo mel Brasil eu te 1lllO

meu coraccediluuml() eacute verde amarelo bmnco azul anil

Eu te amo meu Brasil

ClI (c ~l1n()

ningueacuten1 segura ltl jUCnlthle do Brasil

Estribilho

Que leitura podemos fazer dessa muacutesica Que outro vieacutes desse periacuteodo ela aponta Que tipo de proveito ela poderia fornecer ao regime militar

Em tempos de Brasil ame-o ()u dcic-o a letra eles

muacutesica caiu como uma luva para as pretensotildees militares de xenofobia auto-elogio e exaltaccedil50 da paacutetria amacia aspectos muito caracteriacutesticos dos regimes autoritaacuterios

O refratildeo Eu le amIJ meu Brasil eu te amo Ningueacutem segura a jlf1Jcnt1Ule do Brasil ficou tatildeo conhecido que as agecircncias de pu hlicidade do Governo tomaram de empreacutestimo a ideacuteia c criaram o natildeo menos ceacutelebre slogan Ningueacutem segura este paiacutes

Cabe ressaltar que era esse tipo de muacutesica que chegava ao grande puacuteblico via raacutedio e TV criando uma falsa imagem do paiacutes em plena fase de milagre brasileiro Os livros de Educaccedilatildeo Moral e Ciacutevica discillinl obrigatoacuteria na eacutepoca traziam a letra dessa Illllsica para ser 1l111isada e discutidCl pelos alunos em sala de aula natildeo de forma criacutetica eacute claro

Vale lembrar em relaccedilatildeo ainda agrave muacutesica popular brasileira que esse periacuteodo natildeo foi palco unicamente de engcljamento ou ufanismo

Do mesmo modo em que vivia-se u clima dos festivais cb Record quando (orcer por uma ou outr] muacutesica signifiGIV~]

7 8 Histoacuteri~l amp Ensino Londrina v ti ediccedilatildeo especial p 67 -81 out 2002

manifestar uml posiccedilatildeo poliacutetica apresentava-se tambeacutem como opccedilatildeo Cl J()vem Guarda

Liderada por Roberto e Erasmo Carlos a Jovem Guarda surgia como um grupo de jovens cantores e compositores de comportamento aparentemente rebelde Entretanto se o tipo de roupa e o uso de cabelos compridos podiam representar rebeldia agraves normas vigentes ou anseio de transformaccedilocirces o conteuacutedo das canccedilocirces traduzia de outro modo uma outra opccedilatildeo vista por alguns como conservadora e apoliacutetica

NflO ohstante a posiccedilatildeo dos integrantes e fatildes da Jovem Guarda pode representar edeacutem de alienaccedilatildeo eou c()nservadorismo uma descrenccedila nas opccedilotildees de luta que se lprescntav1ll1 A muacutesica Quero que vuacute tudu )(r( () inferno pode resumir llluito bem essa tendecircncia de comportamento2 bull

Penso que atraveacutes da anaacutelise dessas canccedilocirces -- que natildeo prLlende sen-ir de modelo para os professores constituindo-se apenas numa possibilidade apresentada no acircmbito ele um campo permeado por interrogaccedilocirces - podemos pensar numa alternativa aos manuais e agraves cansativas para professor e aluno aulas expositivas Aleacutem do mais () trabalho com as muacutesicas ou outros registros pode tornar possiacutevel que os alunos vozes tatildeo poucas vezes ouvidas expressem slIas opiniocirces

Gostaria de reforccedilar uma vez mais que essas reflexotildees nacirco tecircm a pretensatildeo de servir C()11U formula aos professores tamp()uco representam a fala do cSl)cciulis[(( direcionada a um Iniacuteblicu clistalltc Satildeo reflexocirces que expressam ansiedades de algu~m ljue viveu ateacute haacute bem poucu tempo o cotidiano das saLls de aulas de 1ordm e 2ordm graus e que ainda convive e dialoga de diferellcilllts maneiras com esse espaccedilo

Aleacuteniacute du mais haacute que se lembrar que fiiacutennulas maacutegicas natildeo existem e que em uacuteltima instacircncia quem escolhe ois caminhos eacute o professor

2 A esse respeito Michel Maffesoli aponta a existecircncia no movimento social de uma recusa de participaccedilatildeo lercehida atraveacutes de muacuteltiplas atitudes que se natildeu satildeo combativecircb parecem Clllll() dissimuladas (Maffesoli 19t34)

llisliacuteril amp Ensino Londrina v 8 ediccedilatildeu cspccill p 67middot81 out 2002 79

Referecircncias

BURKE P Cultura P()J)ular na Idade lv1oderna Satildeo Paulo Cia das Letras 1989

CALDAS W Inicia~li() agrave Muacutesica Populur Brasileira Satildeo PauloAacutetica1985 (Princiacutepios)

CUNHA M de E da Eles Ousaram Lutar A Nova Esquerda Brasileiru no l)eriacuteodo ele 64- 72 1993 Dissertaccedilatildeo (Mestrado)shyUNESI~ Assis

DEUCENIO F N et tI Linguagem c Clllccedilatildeo uma prl )P()st~l

para o ensino de Histoacuteria Revista Brasileira ele Hisuiacuteria Satildeo Paulo v 8 n 15 1988

FONSECA S G Ensino de Histoacuteria diversificaccedilatildeu de abordagens Revista Brasileira de l1isuJria Satildeo Paulo v 9 n 19 1990

FRANCE L Imagens imagizadas nadadeiras para sobrenadm VEIGA L P A (org) Escola Fundamental curriacuteculo e ensino Campinas Papirus 1991

MAFFESOLI 11 A Conquista do Presente Rio Janeiro Rocco 1984

MARSON A Reflexcs sobre o procedimento Histoacuterico In SILVA M A Rel)ensanJu 11 Histoacuteria Satildeo Paulo Brasiliense 19t34

RICCI C S Da intenccedilatildeo ao Gesto - Quem eacute quem no ensino de Histoacuteria em Sio Paulo Dissertaccedilatildeo (Mestrado) - pue S~iacuteo Paulo 1992

RIDENTI M S O FaJltasma da Rcvolll(acirco Satildeo Paulo Ed UNESr 1993

SILVA Z L da Asterix e a dominaccedilatildeo romana Revista Brasileira de Histoacuteria Satildeo Paulo v 5 n 10 1985

HO Hist(rb amp Ensino Londrincl v 8 ediccedilatildeo especial 1 67-ill out 2002

ABSTRACT This article has the objective of discussing the possibility of analysis of social realities through varied historical registrations For so much it was tried to stand out the Brazil after-64 period through the stuJy of some songs

KEY WORDS history languages military regime songs

Histoacuteria amp Ensino Londrina v 8 ediccedilatildeo especial p 67-81 out 2002 81

Page 10: CANTANDO O BRASIL PÓS-64*

76

uma socielbde dita igualitaacuteria ou socialista Primeiro vislumbre

do l)erigo vermelho na canCcedillO

Em seu prosseguimento a letra da muacutesica lembra lima

marcw de soldados inclecisos cordotildees (fLUIS e todos perdidos de armas na matildeo que deveriam aprenJer e ensinar uma nova

liccedilatildeo Qual De que esl)erar natildeo eacute saber Quem sabe faz a hora

natildeo esjJcra acontecer Ou seja pregava quase que abertamente a P()ssi1~ilidaade do pOO tomar a Hist(lria em suas miiacuteos

atraveacutes de uma possiacutevel revoluccedilatildeo Expressava-se entatildeo um convite mais que real tu engajamento il luta

A rebeldia contra o regime militar tambeacutem aparece em

vaacuterias canccedilotildees de Caetano Veloso e dos tropicalistas como atraveacutes

da muacutesica EnLlwmto seu lobo natildeo vem do LP Tropicaacutelia gravado tamheacutem em 1968

Valllos passear lia llorcsta escondida meu amor

vamos pasself na aveniJahiacute Ulllltl cordilheira sob

o asJUacutellto A estaccedilatildeo primeinl

de manguclra passa em ruas brgas passa por

debaixo da avellida Prcsilente Vargas Vltl1l10S

jll5ear nos estados lIlldos do Brasil

Vamos passear cscondidus vamos desfilar

pela rua onde a mangueira passou vamos por

Jeb~lix() das nIlS Debaixo l1clS pombas (ou

hombas) hs hmdtims debuumlxu das botls

dchuumlxo dos jmdilh dehlixo da lamackhaix Ll

clllladebaixo dl cama

A letra fala da resistecircncia clandestina daqueles que

tinham que conviver agraves escondidas com o regime militar da

realid8de do guerrilheiro urbano e daquilo que era peculiar lO

seu cotidiano l)asseur eSCIndido pebs nws largas A letra da

muacutesica ainda aponta pmCl o fato do Brasil estar se constituindo

Histoacuteria amp Ensino Londrina v 8 ediccedilatildeo especiaL p 67 -81 out 2002

como que numa filial ou num quintal dos EUA ao falar em estados unidos do Brasil denunciando dessa forma o avanccedilo do imperialismo ianque no paiacutes

Todavia as palavras finais de Caetano apontam para uma criacutetica aberta agrave opccedilatildeo guerrilheira propondo todos irem para debaixo da cama para se refugiarem da sanha do lobo ou seja dos militares Nessa proposta subentende-se uma desconfianccedila de Caetano e dos tropicalistas sobre a validade da opccedilatildeo de enffentamento da esquerda brasileira desse periacuteodo Daiacute por certo explica-se o oacutedio dos militantes contra o Tropicalismo e as vaias recebidas por Caetano no Festival em 1968 1

Com o avanccedilo da repressatildeo especialmente durante o

governo Meacutedici ocorre um processo cada vez mais intenso de dilapidaccedilatildeo da arte e da cultura brasileira Grandes compositores e artistas como Chico Buarque Gilberto Gil Caetano Veloso Edu Lobo Geraldo Vandreacute entre outros exilaram-se ou foram exilados no exterior

E eacute nessa eacutepoca qua a muacutesica ufanista volta agrave cena e ganha destaque

Os compositores Don e Ravel com Eu te amo meu Brasil acabaram por se transformar na maior expressatildeo dessa tendecircncia nesse periacuteodo Observe-se parte da letra

As praias do Brasil ensolaradas laacute laacute laacute

o chatildeo onde o paiacutes se elevou laacute laacute laacute laacute

a matildeo de Deus abenccediloou

mulher que nasce aqui

tem muito mais amor O ceacuteu do meu Brasil tem mais estrelas laacute laacute

O sol do meu paacuteis mais esplendor laacutelaacute laacute laacute

I Essas reHexCles sobre essa mllsica e outras de Caetano Veloso e dos tropicalistas satildeo apontados por Ridenti (1993)

Histoacuteria amp Ensino Londrina v 8 ediccedilatildeo especial p 67-81 out 2002 77

A mflo de Deuo abenccediloou

em terras brasileiras

()u plantar amor

btribilho

Eu te amo mel Brasil eu te 1lllO

meu coraccediluuml() eacute verde amarelo bmnco azul anil

Eu te amo meu Brasil

ClI (c ~l1n()

ningueacuten1 segura ltl jUCnlthle do Brasil

Estribilho

Que leitura podemos fazer dessa muacutesica Que outro vieacutes desse periacuteodo ela aponta Que tipo de proveito ela poderia fornecer ao regime militar

Em tempos de Brasil ame-o ()u dcic-o a letra eles

muacutesica caiu como uma luva para as pretensotildees militares de xenofobia auto-elogio e exaltaccedil50 da paacutetria amacia aspectos muito caracteriacutesticos dos regimes autoritaacuterios

O refratildeo Eu le amIJ meu Brasil eu te amo Ningueacutem segura a jlf1Jcnt1Ule do Brasil ficou tatildeo conhecido que as agecircncias de pu hlicidade do Governo tomaram de empreacutestimo a ideacuteia c criaram o natildeo menos ceacutelebre slogan Ningueacutem segura este paiacutes

Cabe ressaltar que era esse tipo de muacutesica que chegava ao grande puacuteblico via raacutedio e TV criando uma falsa imagem do paiacutes em plena fase de milagre brasileiro Os livros de Educaccedilatildeo Moral e Ciacutevica discillinl obrigatoacuteria na eacutepoca traziam a letra dessa Illllsica para ser 1l111isada e discutidCl pelos alunos em sala de aula natildeo de forma criacutetica eacute claro

Vale lembrar em relaccedilatildeo ainda agrave muacutesica popular brasileira que esse periacuteodo natildeo foi palco unicamente de engcljamento ou ufanismo

Do mesmo modo em que vivia-se u clima dos festivais cb Record quando (orcer por uma ou outr] muacutesica signifiGIV~]

7 8 Histoacuteri~l amp Ensino Londrina v ti ediccedilatildeo especial p 67 -81 out 2002

manifestar uml posiccedilatildeo poliacutetica apresentava-se tambeacutem como opccedilatildeo Cl J()vem Guarda

Liderada por Roberto e Erasmo Carlos a Jovem Guarda surgia como um grupo de jovens cantores e compositores de comportamento aparentemente rebelde Entretanto se o tipo de roupa e o uso de cabelos compridos podiam representar rebeldia agraves normas vigentes ou anseio de transformaccedilocirces o conteuacutedo das canccedilocirces traduzia de outro modo uma outra opccedilatildeo vista por alguns como conservadora e apoliacutetica

NflO ohstante a posiccedilatildeo dos integrantes e fatildes da Jovem Guarda pode representar edeacutem de alienaccedilatildeo eou c()nservadorismo uma descrenccedila nas opccedilotildees de luta que se lprescntav1ll1 A muacutesica Quero que vuacute tudu )(r( () inferno pode resumir llluito bem essa tendecircncia de comportamento2 bull

Penso que atraveacutes da anaacutelise dessas canccedilocirces -- que natildeo prLlende sen-ir de modelo para os professores constituindo-se apenas numa possibilidade apresentada no acircmbito ele um campo permeado por interrogaccedilocirces - podemos pensar numa alternativa aos manuais e agraves cansativas para professor e aluno aulas expositivas Aleacutem do mais () trabalho com as muacutesicas ou outros registros pode tornar possiacutevel que os alunos vozes tatildeo poucas vezes ouvidas expressem slIas opiniocirces

Gostaria de reforccedilar uma vez mais que essas reflexotildees nacirco tecircm a pretensatildeo de servir C()11U formula aos professores tamp()uco representam a fala do cSl)cciulis[(( direcionada a um Iniacuteblicu clistalltc Satildeo reflexocirces que expressam ansiedades de algu~m ljue viveu ateacute haacute bem poucu tempo o cotidiano das saLls de aulas de 1ordm e 2ordm graus e que ainda convive e dialoga de diferellcilllts maneiras com esse espaccedilo

Aleacuteniacute du mais haacute que se lembrar que fiiacutennulas maacutegicas natildeo existem e que em uacuteltima instacircncia quem escolhe ois caminhos eacute o professor

2 A esse respeito Michel Maffesoli aponta a existecircncia no movimento social de uma recusa de participaccedilatildeo lercehida atraveacutes de muacuteltiplas atitudes que se natildeu satildeo combativecircb parecem Clllll() dissimuladas (Maffesoli 19t34)

llisliacuteril amp Ensino Londrina v 8 ediccedilatildeu cspccill p 67middot81 out 2002 79

Referecircncias

BURKE P Cultura P()J)ular na Idade lv1oderna Satildeo Paulo Cia das Letras 1989

CALDAS W Inicia~li() agrave Muacutesica Populur Brasileira Satildeo PauloAacutetica1985 (Princiacutepios)

CUNHA M de E da Eles Ousaram Lutar A Nova Esquerda Brasileiru no l)eriacuteodo ele 64- 72 1993 Dissertaccedilatildeo (Mestrado)shyUNESI~ Assis

DEUCENIO F N et tI Linguagem c Clllccedilatildeo uma prl )P()st~l

para o ensino de Histoacuteria Revista Brasileira ele Hisuiacuteria Satildeo Paulo v 8 n 15 1988

FONSECA S G Ensino de Histoacuteria diversificaccedilatildeu de abordagens Revista Brasileira de l1isuJria Satildeo Paulo v 9 n 19 1990

FRANCE L Imagens imagizadas nadadeiras para sobrenadm VEIGA L P A (org) Escola Fundamental curriacuteculo e ensino Campinas Papirus 1991

MAFFESOLI 11 A Conquista do Presente Rio Janeiro Rocco 1984

MARSON A Reflexcs sobre o procedimento Histoacuterico In SILVA M A Rel)ensanJu 11 Histoacuteria Satildeo Paulo Brasiliense 19t34

RICCI C S Da intenccedilatildeo ao Gesto - Quem eacute quem no ensino de Histoacuteria em Sio Paulo Dissertaccedilatildeo (Mestrado) - pue S~iacuteo Paulo 1992

RIDENTI M S O FaJltasma da Rcvolll(acirco Satildeo Paulo Ed UNESr 1993

SILVA Z L da Asterix e a dominaccedilatildeo romana Revista Brasileira de Histoacuteria Satildeo Paulo v 5 n 10 1985

HO Hist(rb amp Ensino Londrincl v 8 ediccedilatildeo especial 1 67-ill out 2002

ABSTRACT This article has the objective of discussing the possibility of analysis of social realities through varied historical registrations For so much it was tried to stand out the Brazil after-64 period through the stuJy of some songs

KEY WORDS history languages military regime songs

Histoacuteria amp Ensino Londrina v 8 ediccedilatildeo especial p 67-81 out 2002 81

Page 11: CANTANDO O BRASIL PÓS-64*

como que numa filial ou num quintal dos EUA ao falar em estados unidos do Brasil denunciando dessa forma o avanccedilo do imperialismo ianque no paiacutes

Todavia as palavras finais de Caetano apontam para uma criacutetica aberta agrave opccedilatildeo guerrilheira propondo todos irem para debaixo da cama para se refugiarem da sanha do lobo ou seja dos militares Nessa proposta subentende-se uma desconfianccedila de Caetano e dos tropicalistas sobre a validade da opccedilatildeo de enffentamento da esquerda brasileira desse periacuteodo Daiacute por certo explica-se o oacutedio dos militantes contra o Tropicalismo e as vaias recebidas por Caetano no Festival em 1968 1

Com o avanccedilo da repressatildeo especialmente durante o

governo Meacutedici ocorre um processo cada vez mais intenso de dilapidaccedilatildeo da arte e da cultura brasileira Grandes compositores e artistas como Chico Buarque Gilberto Gil Caetano Veloso Edu Lobo Geraldo Vandreacute entre outros exilaram-se ou foram exilados no exterior

E eacute nessa eacutepoca qua a muacutesica ufanista volta agrave cena e ganha destaque

Os compositores Don e Ravel com Eu te amo meu Brasil acabaram por se transformar na maior expressatildeo dessa tendecircncia nesse periacuteodo Observe-se parte da letra

As praias do Brasil ensolaradas laacute laacute laacute

o chatildeo onde o paiacutes se elevou laacute laacute laacute laacute

a matildeo de Deus abenccediloou

mulher que nasce aqui

tem muito mais amor O ceacuteu do meu Brasil tem mais estrelas laacute laacute

O sol do meu paacuteis mais esplendor laacutelaacute laacute laacute

I Essas reHexCles sobre essa mllsica e outras de Caetano Veloso e dos tropicalistas satildeo apontados por Ridenti (1993)

Histoacuteria amp Ensino Londrina v 8 ediccedilatildeo especial p 67-81 out 2002 77

A mflo de Deuo abenccediloou

em terras brasileiras

()u plantar amor

btribilho

Eu te amo mel Brasil eu te 1lllO

meu coraccediluuml() eacute verde amarelo bmnco azul anil

Eu te amo meu Brasil

ClI (c ~l1n()

ningueacuten1 segura ltl jUCnlthle do Brasil

Estribilho

Que leitura podemos fazer dessa muacutesica Que outro vieacutes desse periacuteodo ela aponta Que tipo de proveito ela poderia fornecer ao regime militar

Em tempos de Brasil ame-o ()u dcic-o a letra eles

muacutesica caiu como uma luva para as pretensotildees militares de xenofobia auto-elogio e exaltaccedil50 da paacutetria amacia aspectos muito caracteriacutesticos dos regimes autoritaacuterios

O refratildeo Eu le amIJ meu Brasil eu te amo Ningueacutem segura a jlf1Jcnt1Ule do Brasil ficou tatildeo conhecido que as agecircncias de pu hlicidade do Governo tomaram de empreacutestimo a ideacuteia c criaram o natildeo menos ceacutelebre slogan Ningueacutem segura este paiacutes

Cabe ressaltar que era esse tipo de muacutesica que chegava ao grande puacuteblico via raacutedio e TV criando uma falsa imagem do paiacutes em plena fase de milagre brasileiro Os livros de Educaccedilatildeo Moral e Ciacutevica discillinl obrigatoacuteria na eacutepoca traziam a letra dessa Illllsica para ser 1l111isada e discutidCl pelos alunos em sala de aula natildeo de forma criacutetica eacute claro

Vale lembrar em relaccedilatildeo ainda agrave muacutesica popular brasileira que esse periacuteodo natildeo foi palco unicamente de engcljamento ou ufanismo

Do mesmo modo em que vivia-se u clima dos festivais cb Record quando (orcer por uma ou outr] muacutesica signifiGIV~]

7 8 Histoacuteri~l amp Ensino Londrina v ti ediccedilatildeo especial p 67 -81 out 2002

manifestar uml posiccedilatildeo poliacutetica apresentava-se tambeacutem como opccedilatildeo Cl J()vem Guarda

Liderada por Roberto e Erasmo Carlos a Jovem Guarda surgia como um grupo de jovens cantores e compositores de comportamento aparentemente rebelde Entretanto se o tipo de roupa e o uso de cabelos compridos podiam representar rebeldia agraves normas vigentes ou anseio de transformaccedilocirces o conteuacutedo das canccedilocirces traduzia de outro modo uma outra opccedilatildeo vista por alguns como conservadora e apoliacutetica

NflO ohstante a posiccedilatildeo dos integrantes e fatildes da Jovem Guarda pode representar edeacutem de alienaccedilatildeo eou c()nservadorismo uma descrenccedila nas opccedilotildees de luta que se lprescntav1ll1 A muacutesica Quero que vuacute tudu )(r( () inferno pode resumir llluito bem essa tendecircncia de comportamento2 bull

Penso que atraveacutes da anaacutelise dessas canccedilocirces -- que natildeo prLlende sen-ir de modelo para os professores constituindo-se apenas numa possibilidade apresentada no acircmbito ele um campo permeado por interrogaccedilocirces - podemos pensar numa alternativa aos manuais e agraves cansativas para professor e aluno aulas expositivas Aleacutem do mais () trabalho com as muacutesicas ou outros registros pode tornar possiacutevel que os alunos vozes tatildeo poucas vezes ouvidas expressem slIas opiniocirces

Gostaria de reforccedilar uma vez mais que essas reflexotildees nacirco tecircm a pretensatildeo de servir C()11U formula aos professores tamp()uco representam a fala do cSl)cciulis[(( direcionada a um Iniacuteblicu clistalltc Satildeo reflexocirces que expressam ansiedades de algu~m ljue viveu ateacute haacute bem poucu tempo o cotidiano das saLls de aulas de 1ordm e 2ordm graus e que ainda convive e dialoga de diferellcilllts maneiras com esse espaccedilo

Aleacuteniacute du mais haacute que se lembrar que fiiacutennulas maacutegicas natildeo existem e que em uacuteltima instacircncia quem escolhe ois caminhos eacute o professor

2 A esse respeito Michel Maffesoli aponta a existecircncia no movimento social de uma recusa de participaccedilatildeo lercehida atraveacutes de muacuteltiplas atitudes que se natildeu satildeo combativecircb parecem Clllll() dissimuladas (Maffesoli 19t34)

llisliacuteril amp Ensino Londrina v 8 ediccedilatildeu cspccill p 67middot81 out 2002 79

Referecircncias

BURKE P Cultura P()J)ular na Idade lv1oderna Satildeo Paulo Cia das Letras 1989

CALDAS W Inicia~li() agrave Muacutesica Populur Brasileira Satildeo PauloAacutetica1985 (Princiacutepios)

CUNHA M de E da Eles Ousaram Lutar A Nova Esquerda Brasileiru no l)eriacuteodo ele 64- 72 1993 Dissertaccedilatildeo (Mestrado)shyUNESI~ Assis

DEUCENIO F N et tI Linguagem c Clllccedilatildeo uma prl )P()st~l

para o ensino de Histoacuteria Revista Brasileira ele Hisuiacuteria Satildeo Paulo v 8 n 15 1988

FONSECA S G Ensino de Histoacuteria diversificaccedilatildeu de abordagens Revista Brasileira de l1isuJria Satildeo Paulo v 9 n 19 1990

FRANCE L Imagens imagizadas nadadeiras para sobrenadm VEIGA L P A (org) Escola Fundamental curriacuteculo e ensino Campinas Papirus 1991

MAFFESOLI 11 A Conquista do Presente Rio Janeiro Rocco 1984

MARSON A Reflexcs sobre o procedimento Histoacuterico In SILVA M A Rel)ensanJu 11 Histoacuteria Satildeo Paulo Brasiliense 19t34

RICCI C S Da intenccedilatildeo ao Gesto - Quem eacute quem no ensino de Histoacuteria em Sio Paulo Dissertaccedilatildeo (Mestrado) - pue S~iacuteo Paulo 1992

RIDENTI M S O FaJltasma da Rcvolll(acirco Satildeo Paulo Ed UNESr 1993

SILVA Z L da Asterix e a dominaccedilatildeo romana Revista Brasileira de Histoacuteria Satildeo Paulo v 5 n 10 1985

HO Hist(rb amp Ensino Londrincl v 8 ediccedilatildeo especial 1 67-ill out 2002

ABSTRACT This article has the objective of discussing the possibility of analysis of social realities through varied historical registrations For so much it was tried to stand out the Brazil after-64 period through the stuJy of some songs

KEY WORDS history languages military regime songs

Histoacuteria amp Ensino Londrina v 8 ediccedilatildeo especial p 67-81 out 2002 81

Page 12: CANTANDO O BRASIL PÓS-64*

A mflo de Deuo abenccediloou

em terras brasileiras

()u plantar amor

btribilho

Eu te amo mel Brasil eu te 1lllO

meu coraccediluuml() eacute verde amarelo bmnco azul anil

Eu te amo meu Brasil

ClI (c ~l1n()

ningueacuten1 segura ltl jUCnlthle do Brasil

Estribilho

Que leitura podemos fazer dessa muacutesica Que outro vieacutes desse periacuteodo ela aponta Que tipo de proveito ela poderia fornecer ao regime militar

Em tempos de Brasil ame-o ()u dcic-o a letra eles

muacutesica caiu como uma luva para as pretensotildees militares de xenofobia auto-elogio e exaltaccedil50 da paacutetria amacia aspectos muito caracteriacutesticos dos regimes autoritaacuterios

O refratildeo Eu le amIJ meu Brasil eu te amo Ningueacutem segura a jlf1Jcnt1Ule do Brasil ficou tatildeo conhecido que as agecircncias de pu hlicidade do Governo tomaram de empreacutestimo a ideacuteia c criaram o natildeo menos ceacutelebre slogan Ningueacutem segura este paiacutes

Cabe ressaltar que era esse tipo de muacutesica que chegava ao grande puacuteblico via raacutedio e TV criando uma falsa imagem do paiacutes em plena fase de milagre brasileiro Os livros de Educaccedilatildeo Moral e Ciacutevica discillinl obrigatoacuteria na eacutepoca traziam a letra dessa Illllsica para ser 1l111isada e discutidCl pelos alunos em sala de aula natildeo de forma criacutetica eacute claro

Vale lembrar em relaccedilatildeo ainda agrave muacutesica popular brasileira que esse periacuteodo natildeo foi palco unicamente de engcljamento ou ufanismo

Do mesmo modo em que vivia-se u clima dos festivais cb Record quando (orcer por uma ou outr] muacutesica signifiGIV~]

7 8 Histoacuteri~l amp Ensino Londrina v ti ediccedilatildeo especial p 67 -81 out 2002

manifestar uml posiccedilatildeo poliacutetica apresentava-se tambeacutem como opccedilatildeo Cl J()vem Guarda

Liderada por Roberto e Erasmo Carlos a Jovem Guarda surgia como um grupo de jovens cantores e compositores de comportamento aparentemente rebelde Entretanto se o tipo de roupa e o uso de cabelos compridos podiam representar rebeldia agraves normas vigentes ou anseio de transformaccedilocirces o conteuacutedo das canccedilocirces traduzia de outro modo uma outra opccedilatildeo vista por alguns como conservadora e apoliacutetica

NflO ohstante a posiccedilatildeo dos integrantes e fatildes da Jovem Guarda pode representar edeacutem de alienaccedilatildeo eou c()nservadorismo uma descrenccedila nas opccedilotildees de luta que se lprescntav1ll1 A muacutesica Quero que vuacute tudu )(r( () inferno pode resumir llluito bem essa tendecircncia de comportamento2 bull

Penso que atraveacutes da anaacutelise dessas canccedilocirces -- que natildeo prLlende sen-ir de modelo para os professores constituindo-se apenas numa possibilidade apresentada no acircmbito ele um campo permeado por interrogaccedilocirces - podemos pensar numa alternativa aos manuais e agraves cansativas para professor e aluno aulas expositivas Aleacutem do mais () trabalho com as muacutesicas ou outros registros pode tornar possiacutevel que os alunos vozes tatildeo poucas vezes ouvidas expressem slIas opiniocirces

Gostaria de reforccedilar uma vez mais que essas reflexotildees nacirco tecircm a pretensatildeo de servir C()11U formula aos professores tamp()uco representam a fala do cSl)cciulis[(( direcionada a um Iniacuteblicu clistalltc Satildeo reflexocirces que expressam ansiedades de algu~m ljue viveu ateacute haacute bem poucu tempo o cotidiano das saLls de aulas de 1ordm e 2ordm graus e que ainda convive e dialoga de diferellcilllts maneiras com esse espaccedilo

Aleacuteniacute du mais haacute que se lembrar que fiiacutennulas maacutegicas natildeo existem e que em uacuteltima instacircncia quem escolhe ois caminhos eacute o professor

2 A esse respeito Michel Maffesoli aponta a existecircncia no movimento social de uma recusa de participaccedilatildeo lercehida atraveacutes de muacuteltiplas atitudes que se natildeu satildeo combativecircb parecem Clllll() dissimuladas (Maffesoli 19t34)

llisliacuteril amp Ensino Londrina v 8 ediccedilatildeu cspccill p 67middot81 out 2002 79

Referecircncias

BURKE P Cultura P()J)ular na Idade lv1oderna Satildeo Paulo Cia das Letras 1989

CALDAS W Inicia~li() agrave Muacutesica Populur Brasileira Satildeo PauloAacutetica1985 (Princiacutepios)

CUNHA M de E da Eles Ousaram Lutar A Nova Esquerda Brasileiru no l)eriacuteodo ele 64- 72 1993 Dissertaccedilatildeo (Mestrado)shyUNESI~ Assis

DEUCENIO F N et tI Linguagem c Clllccedilatildeo uma prl )P()st~l

para o ensino de Histoacuteria Revista Brasileira ele Hisuiacuteria Satildeo Paulo v 8 n 15 1988

FONSECA S G Ensino de Histoacuteria diversificaccedilatildeu de abordagens Revista Brasileira de l1isuJria Satildeo Paulo v 9 n 19 1990

FRANCE L Imagens imagizadas nadadeiras para sobrenadm VEIGA L P A (org) Escola Fundamental curriacuteculo e ensino Campinas Papirus 1991

MAFFESOLI 11 A Conquista do Presente Rio Janeiro Rocco 1984

MARSON A Reflexcs sobre o procedimento Histoacuterico In SILVA M A Rel)ensanJu 11 Histoacuteria Satildeo Paulo Brasiliense 19t34

RICCI C S Da intenccedilatildeo ao Gesto - Quem eacute quem no ensino de Histoacuteria em Sio Paulo Dissertaccedilatildeo (Mestrado) - pue S~iacuteo Paulo 1992

RIDENTI M S O FaJltasma da Rcvolll(acirco Satildeo Paulo Ed UNESr 1993

SILVA Z L da Asterix e a dominaccedilatildeo romana Revista Brasileira de Histoacuteria Satildeo Paulo v 5 n 10 1985

HO Hist(rb amp Ensino Londrincl v 8 ediccedilatildeo especial 1 67-ill out 2002

ABSTRACT This article has the objective of discussing the possibility of analysis of social realities through varied historical registrations For so much it was tried to stand out the Brazil after-64 period through the stuJy of some songs

KEY WORDS history languages military regime songs

Histoacuteria amp Ensino Londrina v 8 ediccedilatildeo especial p 67-81 out 2002 81

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manifestar uml posiccedilatildeo poliacutetica apresentava-se tambeacutem como opccedilatildeo Cl J()vem Guarda

Liderada por Roberto e Erasmo Carlos a Jovem Guarda surgia como um grupo de jovens cantores e compositores de comportamento aparentemente rebelde Entretanto se o tipo de roupa e o uso de cabelos compridos podiam representar rebeldia agraves normas vigentes ou anseio de transformaccedilocirces o conteuacutedo das canccedilocirces traduzia de outro modo uma outra opccedilatildeo vista por alguns como conservadora e apoliacutetica

NflO ohstante a posiccedilatildeo dos integrantes e fatildes da Jovem Guarda pode representar edeacutem de alienaccedilatildeo eou c()nservadorismo uma descrenccedila nas opccedilotildees de luta que se lprescntav1ll1 A muacutesica Quero que vuacute tudu )(r( () inferno pode resumir llluito bem essa tendecircncia de comportamento2 bull

Penso que atraveacutes da anaacutelise dessas canccedilocirces -- que natildeo prLlende sen-ir de modelo para os professores constituindo-se apenas numa possibilidade apresentada no acircmbito ele um campo permeado por interrogaccedilocirces - podemos pensar numa alternativa aos manuais e agraves cansativas para professor e aluno aulas expositivas Aleacutem do mais () trabalho com as muacutesicas ou outros registros pode tornar possiacutevel que os alunos vozes tatildeo poucas vezes ouvidas expressem slIas opiniocirces

Gostaria de reforccedilar uma vez mais que essas reflexotildees nacirco tecircm a pretensatildeo de servir C()11U formula aos professores tamp()uco representam a fala do cSl)cciulis[(( direcionada a um Iniacuteblicu clistalltc Satildeo reflexocirces que expressam ansiedades de algu~m ljue viveu ateacute haacute bem poucu tempo o cotidiano das saLls de aulas de 1ordm e 2ordm graus e que ainda convive e dialoga de diferellcilllts maneiras com esse espaccedilo

Aleacuteniacute du mais haacute que se lembrar que fiiacutennulas maacutegicas natildeo existem e que em uacuteltima instacircncia quem escolhe ois caminhos eacute o professor

2 A esse respeito Michel Maffesoli aponta a existecircncia no movimento social de uma recusa de participaccedilatildeo lercehida atraveacutes de muacuteltiplas atitudes que se natildeu satildeo combativecircb parecem Clllll() dissimuladas (Maffesoli 19t34)

llisliacuteril amp Ensino Londrina v 8 ediccedilatildeu cspccill p 67middot81 out 2002 79

Referecircncias

BURKE P Cultura P()J)ular na Idade lv1oderna Satildeo Paulo Cia das Letras 1989

CALDAS W Inicia~li() agrave Muacutesica Populur Brasileira Satildeo PauloAacutetica1985 (Princiacutepios)

CUNHA M de E da Eles Ousaram Lutar A Nova Esquerda Brasileiru no l)eriacuteodo ele 64- 72 1993 Dissertaccedilatildeo (Mestrado)shyUNESI~ Assis

DEUCENIO F N et tI Linguagem c Clllccedilatildeo uma prl )P()st~l

para o ensino de Histoacuteria Revista Brasileira ele Hisuiacuteria Satildeo Paulo v 8 n 15 1988

FONSECA S G Ensino de Histoacuteria diversificaccedilatildeu de abordagens Revista Brasileira de l1isuJria Satildeo Paulo v 9 n 19 1990

FRANCE L Imagens imagizadas nadadeiras para sobrenadm VEIGA L P A (org) Escola Fundamental curriacuteculo e ensino Campinas Papirus 1991

MAFFESOLI 11 A Conquista do Presente Rio Janeiro Rocco 1984

MARSON A Reflexcs sobre o procedimento Histoacuterico In SILVA M A Rel)ensanJu 11 Histoacuteria Satildeo Paulo Brasiliense 19t34

RICCI C S Da intenccedilatildeo ao Gesto - Quem eacute quem no ensino de Histoacuteria em Sio Paulo Dissertaccedilatildeo (Mestrado) - pue S~iacuteo Paulo 1992

RIDENTI M S O FaJltasma da Rcvolll(acirco Satildeo Paulo Ed UNESr 1993

SILVA Z L da Asterix e a dominaccedilatildeo romana Revista Brasileira de Histoacuteria Satildeo Paulo v 5 n 10 1985

HO Hist(rb amp Ensino Londrincl v 8 ediccedilatildeo especial 1 67-ill out 2002

ABSTRACT This article has the objective of discussing the possibility of analysis of social realities through varied historical registrations For so much it was tried to stand out the Brazil after-64 period through the stuJy of some songs

KEY WORDS history languages military regime songs

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Referecircncias

BURKE P Cultura P()J)ular na Idade lv1oderna Satildeo Paulo Cia das Letras 1989

CALDAS W Inicia~li() agrave Muacutesica Populur Brasileira Satildeo PauloAacutetica1985 (Princiacutepios)

CUNHA M de E da Eles Ousaram Lutar A Nova Esquerda Brasileiru no l)eriacuteodo ele 64- 72 1993 Dissertaccedilatildeo (Mestrado)shyUNESI~ Assis

DEUCENIO F N et tI Linguagem c Clllccedilatildeo uma prl )P()st~l

para o ensino de Histoacuteria Revista Brasileira ele Hisuiacuteria Satildeo Paulo v 8 n 15 1988

FONSECA S G Ensino de Histoacuteria diversificaccedilatildeu de abordagens Revista Brasileira de l1isuJria Satildeo Paulo v 9 n 19 1990

FRANCE L Imagens imagizadas nadadeiras para sobrenadm VEIGA L P A (org) Escola Fundamental curriacuteculo e ensino Campinas Papirus 1991

MAFFESOLI 11 A Conquista do Presente Rio Janeiro Rocco 1984

MARSON A Reflexcs sobre o procedimento Histoacuterico In SILVA M A Rel)ensanJu 11 Histoacuteria Satildeo Paulo Brasiliense 19t34

RICCI C S Da intenccedilatildeo ao Gesto - Quem eacute quem no ensino de Histoacuteria em Sio Paulo Dissertaccedilatildeo (Mestrado) - pue S~iacuteo Paulo 1992

RIDENTI M S O FaJltasma da Rcvolll(acirco Satildeo Paulo Ed UNESr 1993

SILVA Z L da Asterix e a dominaccedilatildeo romana Revista Brasileira de Histoacuteria Satildeo Paulo v 5 n 10 1985

HO Hist(rb amp Ensino Londrincl v 8 ediccedilatildeo especial 1 67-ill out 2002

ABSTRACT This article has the objective of discussing the possibility of analysis of social realities through varied historical registrations For so much it was tried to stand out the Brazil after-64 period through the stuJy of some songs

KEY WORDS history languages military regime songs

Histoacuteria amp Ensino Londrina v 8 ediccedilatildeo especial p 67-81 out 2002 81

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ABSTRACT This article has the objective of discussing the possibility of analysis of social realities through varied historical registrations For so much it was tried to stand out the Brazil after-64 period through the stuJy of some songs

KEY WORDS history languages military regime songs

Histoacuteria amp Ensino Londrina v 8 ediccedilatildeo especial p 67-81 out 2002 81