cantando e contando histÓria carimbÓ

24
CANTANDO E CONTANDO HISTÓRIA: Um estudo do Carimbó em Belém do Pará na década de 1970 José Belém da Costa Motivados pela importância da música regional como símbolo de identidade cultural. Realizamos a pesquisa bibliográfica e de campo com o intuito de conhecer o carimbó, que apesar de fazer parte de nossa cultura é um gênero musical ao mesmo tempo muito distante do conhecimento da grande maioria da comunidade paraense. O interesse pela música no ensino de História surgiu também durante nossa participação em um seminário na Escola de Aplicação da UFPA “História encantos”, onde diversos professores palestraram sobre a importância da música no ensino como fomento de aprendizagem. A discussão teórica que deu suporte as questões analisadas foi a partir de abordagens promovidas pela escola dos annales que levou historiadores a repensar as fontes, as temáticas e os sujeitos sociais. Neste contexto o carimbó traz contribuições para a história ao contar e cantar história da cultura de nossa região. A pesquisa ocorreu no acervo de Vicente Salles no Museu da UFPA, foi o primeiro passos de fato com a especificidade da música paraense, naquele espaço podemos ter acesso aos discos de carimbó recorte de jornais e algumas bibliografias sobre o esse tema. Visitamos a

Upload: jose-belem-coosta

Post on 30-Jul-2015

674 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

CANTANDO E CONTANDO HISTRIA:Um estudo do Carimb em Belm do Par na dcada de 1970 Jos Belm da Costa

Motivados pela importncia da msica regional como smbolo de identidade cultural. Realizamos a pesquisa bibliogrfica e de campo com o intuito de conhecer o carimb, que apesar de fazer parte de nossa cultura um gnero musical ao mesmo tempo muito distante do conhecimento da grande maioria da comunidade paraense. O interesse pela msica no ensino de Histria surgiu tambm durante nossa participao em um seminrio na Escola de Aplicao da UFPA Histria encantos, onde diversos professores palestraram sobre a importncia da msica no ensino como fomento de aprendizagem. A discusso terica que deu suporte as questes analisadas foi a partir de abordagens promovidas pela escola dos annales que levou historiadores a repensar as fontes, as temticas e os sujeitos sociais. Neste contexto o carimb traz contribuies para a histria ao contar e cantar histria da cultura de nossa regio. A pesquisa ocorreu no acervo de Vicente Salles no Museu da UFPA, foi o primeiro passos de fato com a especificidade da msica paraense, naquele espao podemos ter acesso aos discos de carimb recorte de jornais e algumas bibliografias sobre o esse tema. Visitamos a fonoteca Satyro de Mello a fim de consultar o acervo e escutar msicas relativas ao carimb. Realizamos visitas aos coordenadores da campanha que busca tornar o carimb patrimnio histrico imaterial cultural brasileiro no IPHAN, essa visita foi muito importante, pois l conhecemos o Isaac Loureiro o qual nos forneceu o contato de alguns mestres do carimb de Belm, entre eles mestre Coutinho e dona Nazar do , mestra de carimb de Icoaraci, conhecemos ainda o mestre Pinduca, e escutar as histrias desses mestres do carimb foi fundamental para entendermos um pouco desse grande universo que o carimb em Belm, nossa pesquisa ainda uma incurso tmida, tendo em vista o vasto campo a ser explorado dentro da msica regional paraense, ainda h muito a ser investigado. Ao dizer sobre publicaes historiogrficas de cunho musical Napolitano (2005), escreve que ainda insipiente os levantamentos das obras fonogrficas dos compositores brasileiros, ele diz que geralmente esses dados

so levantados pelos jornalistas, [...] se faz necessrio estudos monogrficos que realizem um levantamento exaustivo da obra fonogrfica dos compositores e estilos. Busca ainda enfatizar a msica carimb como linguagem relevante ao ensino na escola, houve a experimentao atravs das oficinas com alunos do ensino fundamental e ensino mdio, muito apreciada por professores e alunos que ressaltaram a importncia da presena do carimb no Ensino de Histria. Com isso, pretendemos neste trabalho exercitar a nobre tarefa da docncia que pelas novas perspectivas educacionais est muito alm de transmitir informaes aos estudantes e sim buscar dentro de um processo interdisciplinar aguar o interesse dos alunos pela pesquisa e tornar o processo de ensino aprendizagem algo significativo.

SEMEANDO UMA HISTRIA NUMA TERRA FRTIL Hoje, toda ao humana e as percebidas num tempo histrico passado so segundo a nova histria, passiveis de serem consideradas como fatos histricos. Se contrapondo aos adeptos da historiografia tradicional, onde somente os documentos e os feitos oficiais merecem a apreciao histrica, sem levar em conta as particularidades do cotidiano dos sujeitos sociais. A Historiografia Social permite que o homem comum e suas aes passem a fazer parte da historia, merecendo a devida ateno de pesquisadores contemplando os atores sociais esquecidos pelos positivistas, que utilizam as narrativas, o factual e os atos dos vencedores como fontes historiogrficas, uma histria encomendada pelas elites. Com isso no estamos descartando a historiografia tradicional nem sua importncia, tendo em vista que os processos histricos no so para serem julgados, e sim analisados (HOBSBAWM, 2008). Portanto, a historiografia positivista teve sua importncia no seu tempo, no entanto hoje ela no contempla os campos de ao da historiografia contempornea. Vemos na Historia Cultural a possibilidade de estabelecer um olhar investigativo e problemtico nossa proposta consiste em analisar dentro dessa temtica da msica regional paraense, especificamente o carimb, um estudo desse gnero musical para salientar o motivo pelo qual se tornou um sucesso na dcada de 1970, aps ser combatido nas primeiras dcadas do sculo XX, almejar inserir o carimb metodologicamente no Ensino de Histria, por conter expresso da cultural e da identidade nas letras e em sua melodia. No que tange a msica e ensino de histria, destaca-se:

[...] alm de ser veculo para uma boa idia, a cano tambm ajuda a pensar a sociedade e a Histria. A msica no apenas boa para ouvir, mas tambm boa para pensar. O desafio bsico de todo pesquisador que se prope a pensar a musica popular [...]. sistematizar uma abordagem que faa jus a essas duas facetas da experincia musical (NAPOLITANO 2005 p. 11).

Ou seja, o desafio est proposto, afinar os instrumentos de trabalho e mo na massa, ou melhor, preparemos os ouvidos e nossa capacidade de anlise e de pensamento. A Histria enquanto cincia tem alargado suas fronteiras de investigao, adentrando em campos que outrora eram especficos da Antropologia, a nova Histria Cultural, como afirma Pesavento (2003). O ensino de Histria tambm reflete as mudanas paradigmticas da Histria pensada. Assim o currculo de Histria tem passado por transformaes, abordando novos temas e metodologias. A msica tem sido um bom recurso para o ensino, mas para a Histria ela no s motivao, representa um novo objeto da pesquisa histrica. A discusso em torno das questes histricas, sociolgicas e estticas da msica popular brasileira no uma novidade das ltimas dcadas. J nos anos 30, cronistas como Francisco Guimares e Orestes Barbosa debatiam sobre as origens e trajetrias do samba gnero que assistia um rpido processo de consagrao (NAPOLITANO, 2005, p. 136). Para Napolitano a msica deve ser compreendida numa perspectiva global sem preconceitos de erudito ou popular, precisa ir alm dessa dicotomia, pois uma no se sobrepe a outra. Para se ter uma idia, Kiefer (1923), quando analisa a obra do compositor Ernesto Nazareth, esse autor pretende discutir sobre que rtulo atribuir s composies de Nazareth, pois apesar de alguns crticos europeus classificarem as msicas como sendo eruditos no padro das msicas europias, os ttulos eram bem populares como, por exemplo, Mariazinha sentada na pedra, podia ser pior, pipoca, entre outras. Logo, a discusso entre o que pode ser considerado popular ou erudito so conceitos no to relevantes para as anlises da Histria tendo em vista que algo bem relativo, seja no sentido espacial geogrfico ou no aspecto temporal, ou seja, o que hoje considerado popular em outro espao de tempo pode ter sido erudito ou vice versa. Essa flexibilidade destacada nos escritos de Naves:

[...] h certa linhagem de composies que concilia o apego vida que corre no cotidiano, tanto em sua banalidade sedutora quanto em situaes menos triviais, mais dramticas, com o interesse por textos j instaurados em tradies musicais, literrias e, at mesmo, visuais. Ao proceder dessa maneira, o compositor popular passa a dialogar com a de seus interlocutores [...] (NAVES, 2004, p.81).

O fato do artista popular est cotidianamente produzindo sua arte no cotidiano de sua comunidade e no ter freqentado uma instituio formadora, geralmente num tempo posterior ocorre o reconhecimento de suas obras podendo alcanar o carter erudito. Com a Globalizao no qual o discurso ideolgico de Aldeia Global cria indivduos ps-modernos sem referencia de lugar, provocando uma crise de identidades. Possibilitando o domnio cultural das naes economicamente hegemnicas. No ensino de Histria pode est uma excelente possibilidade atravs de um currculo multicutural para a formao dos educando a partir do fortalecimento da identidade cultural e local. Contribuindo assim para que os estudantes tenham uma percepo critica e cidad, reagindo a qualquer forma de dominao imposta, mesmo estando consciente que a hibridez cultural seja inevitvel, pois o transito de informaes em nossa contemporaneidade muito intenso, no entanto, a manuteno de princpios culturais locais essencial como resistncia dominao considerada global. Dentro da perspectiva da historia cultural contemplada no paradigma da nova historiografia, propomos o estudo de um gnero da Msica Popular Paraense como fonte e possibilidade metodolgica em sala de aula. Analisando na poesia, no ritmo, das msicas de carimb presena da fauna, da flora, a simplicidade do homem caboclo da Amaznia nelas representada, entendemos que dependendo do contexto histrico a msica toma sentido diverso, como diz Paranhos (2007, p. 62):

Uma composio , por assim dizer, um novelo de muitas pontas [...] pode ser inclusive ponto de convergncia de diversas tradies e contestaes, espao aberto para pluralidade de significados e para as incorporaes de vrios sentidos, at mesmo conflitantes.

Esse autor alude ao uso de msica como metodologia de ensino, a msica no pode ser utilizada simplesmente no seu aspecto textual, s vezes o professor em sala de aula prope o uso de uma determinada msica pedindo para que os alunos interpretem o

texto isoladamente fora de um contexto, Paranhos aconselha que devemos analisar a msica levando em conta quem a gravou, em que circunstancia ela foi gravada, pois uma mesma msica dependendo do contexto citado pode ter sentido at contrrio com o mesmo texto, por exemplo durante o perodo do regime militar no Brasil os compositores utilizavam de artifcios para driblar a censura com um gesto com um simples corinho etc. O docente deve est atento quanto a esses detalhes para no cometer equvocos alerta o autor. Apesar do carimb, compor caractersticas semelhantes nas diversas, sub-regies do Estado do Par, em cada local verifica-se algumas especificidades de cada localidade como escreve (BLANCO, 2004).

[...] A maioria dos versos curtos que so repetidos e a simplicidade expressa nas letras. Dizem respeito ao cotidiano do povo, descrevem seus amores, trabalhos, locais onde vivem e suas lendas, enfim, expressam a morenice da regio, a fauna e flora do local. As rimas esto sempre presentes imprimindo uma sonoridade ritmada aos versos [...] marcam a espontaneidade na adequao rtmica entre letra e msica (BLANCO, 2004, p. 56).

Sendo que dependendo das peculiaridades locais, as caractersticas das composies podem ser variveis, e tambm os instrumentos podem sofrer pequenas modificaes, tanto na confeco quanto nas composies. Mas o que o carimb tem haver com ensino de histria? Buscamos o auxlio de quem atua na docncia de histria na educao bsica, conforme depoimentos desses professores, verificamos que tem sim grande relevncia trabalharmos contedos de Histria atravs do carimb. Para a professora ngela que trabalha na Escola Municipal Palmira Lins, o carimb pode ser uma ferramenta importante no processo de ensino aprendizagem nos contedos de histria podemos est trabalhando, por exemplo, a formao de nossa cultura, desde o contato dos europeus no processo de colonizao.

Hoje os jovens so mais influenciados por uma cultura de massa externa do que pela cultura de nosso Estado a escola poderia est buscando amenizar essa mentalidade propiciando um olhar mais crtico no aluno sobre sua cultura e sua identidade. (ngela, professora de Histria na Escola Municipal Palmira Lins, Entrevista 08/11/2009)

Outra maneira de utilizao do carimb na escola seria segundo a professora ngela, a aproximao da escola com a comunidade, o carimb seria uma espcie de

elo de aproximao entre a famlia do aluno com a escola. Os professores interessados deviam entrar em contato com a comunidade no bairro para saberem o que est sendo feito nesse sentido, e o que que pode ser aproveitado para contribuir em sua ao pedaggica. A escola devia ser tambm um frum de discusso das questes culturais. Alm desse aspecto, existe outra questo que nos inquietou para a pesquisa foi desvelar o processo que o carimb tem seu carter marginalizado do final do sculo XIX e inicio do sculo XX, para adquirir o sucesso dos anos 70. O carimb no era bem visto pela sociedade da capital e algumas localidades do interior. O Cdigo de Postura do Municpio de Belm, por exemplo, dispondo da Lei de n 1.028, de 05 de Maio de 1880, descreve no Captulo XIX, sob o titulo Das bulhas e vozerias:

Artigo 107. proibido, sob pena de 30.00 ris de multa. Pargrafo 1. Fazer bulhas, vozerias e dar altos gritos sem necessidade. Pargrafo 2. Fazer batuques ou samba. Pargrafo 3. Tocar tambor, corimbo ou qualquer instrumento que perturbe o sossego durante a noite, etc. Este era uma das predilees dos escravos e da populao mais humilde. Confundia-se com os batuques e com todas as bulhas perturbadoras do sossego pblico. O carimb era visto como msica marginal.

Esse foi um perodo que Belm estava passando por um intenso processo de urbanizao, e a intendncia municipal providencia uma legislao que permita a expulso dos indivduos considerados da ral dos espaos do centro da cidade, nessa ocasio h uma grande disposio das classes abastadas de Belm em adaptar-se ao estilo europeu seja no que tange ao modo de se vestir, a cultura, principalmente aos hbitos franceses, e no cabia, portanto, nessa sociedade o canto que lembrasse uma classe da ral, por isso o motivo de extirpar a presena negra a renegando e condicionando essas pessoas nas periferias da cidade. Situao semelhante ao que aconteceu no Rio de Janeiro no inicio do sculo XX, como escreve Chalhoub, referente ao cortio cabea de porco, constri uma anlise acerca dos mecanismos de dominao e coero praticados pelo Estado a fim de tornar a cidade mais atrativa e dentro dos padres internacionais. Alm disso, h o interesse das elites em excluir a classe pobre (a classe perigosa) do mesmo ambiente de convivncia. Como assinala Sarges, sobre esse contexto:

O intendente Antonio Lemos, ao adotar uma poltica sane-adora preventiva, propunha no somente zelar pelo bem-estar social, como tambm cuidar de certos aspectos da vida urbana, como saneamento, sade pblica, esttica da cidade etc., para que no fossem prejudicados pelos maus hbitos de uma populao indisciplinada e ftida. (SARGES, 2002, p.143.).

Essa postura do poder pblico provocou a dispora dos praticantes do carimb para as periferias de Belm de alguma forma contribuiu para o seu fortalecimento, os cantadores foram atravs das festas de santo, principalmente no distrito de Icoaraci realizando as rodas de carimb. Diz o mestre Coutinho, de Icoaraci em (Coutinho 23/09/2009, entrevista) que antigamente de 1950, em diante, ele cantava ladainha junto com outras pessoas, e um cidado conhecido como Maracan, perguntou se no havia interesse deles cantarem carimb, pois era um ritmo muito tocado em seu municpio de origem, Maracan, foi a que junto com seu tio o mestre Coutinho comeou com o grupo que se denominou de Os africanos, uma aluso aos inventores do ritmo, segundo ele. Conforme o Mestre Coutinho seu grupo o mais antigo de Icoaraci. Ele lembra que tocavam nas festas de santo, mas tambm junto com a aparelhagem de som Alvi azul, uma das aparelhagens mais antigas de Belm, era assim, o carimb tocava meia hora e a aparelhagem tocava uma hora, desse modo iam noite toda. Numa dessas festas o Mestre Coutinho foi convidado pelo amo de boi Verequete para compor um grupo de carimb chamado Uirapuru, j na dcada de 1970, o Verequete vendia peixe frito l em Icoaraci e alguns radialistas da Rdio Marajoara AM freqentavam seu pequeno estabelecimento, com isso havia o contato para a gravao das msicas. Em pouco tempo chegaram o pessoal da rdio com imensos rolos de fita para efetuarem a gravao das primeiras msicas do grupo Uirapuru. Posteriormente, diz o mestre Coutinho, o radialista Eloy Santos, o primeiro empresrio do grupo, anuncia no seu programa A patrulha da cidade, meus amigos vamos escutar agora uma msica muito especial vinda l de Icoaraci, gravada pelo grupo de carimb do meu grande amigo Verequete, e foi assim que comeou o sucesso.

Logo surgiram convites de colgios para que fossem se apresentar, mestre Coutinho conta que eles foram uma vez ao colgio Moderno fazerem uma apresentao, seria um grupo de alunos que iriam ser avaliados pela atividade de convidar um grupo de msica folclrica. Eles tiraram nota dez. Diferentemente da condio repressiva em que foi submetido no incio do sculo XX, o carimb de 1970 ressurge desta vez com caractersticas que vem ao encontro da sociedade, ao indagar o Pinduca sobre as questes (Pinduca, 22/10/2009, entrevista), relativas a poltica por exemplo, ele foi categrico em dizer que ele estando fazendo parte do quadro da polcia militar do Par, no houve nem um impedimento por parte da instituio em impedir ou por algum obstculo, pelo contrrio seus superiores sempre o incentivaram, dando licena para viagens para fora do Estado e at para fora do Brasil, havia um sentimento nacionalista quando Pinduca ia divulgar uma expresso da cultura paraense l fora. Ao ser questionado a respeito dessas questes Pinduca afirmou no ter nada contra o fato de outras bandas ou artistas que gravaram o carimb nesse perodo, pois o carimb s foi gravado por esses artistas por ser uma msica viva e contagiante, diz ele: Fale mal ou fale bem, mas fale de mim. (Pinduca, 22/10/2009, entrevista). Deste modo, percebemos que o carimb assim como outras expresses culturais no se manteve esttico, ele sofre modificaes, como foi tentativa da indstria fonogrfica na dcada de 1970, essas resignificaes no deixaram de promover de algum modo a divulgao da msica paraense como uma forma de expandir para outras regies a essncia da msica paraense, existem muitas divergncias quanto a finalidade e interesses, entretanto, dificilmente chegaremos a um consenso, tendo em vista a diversidade de atores envolvidos nesse processo. Dentro desse debate sobre o processo de deturpao ou no do carimb, o Pinduca, que muitas vezes criticado por ter inserido em seu trabalho inovaes que antes ningum havia experimentado com isso os adeptos do carimb de raiz o criticam por isso esse gnero musical sem se importar com as origens. Entretanto, Pinduca justifica seu trabalho, diz que a msica deve acompanhar as evolues tecnolgicas.

Quando eu comecei a minha carreira, o equipamento para se ouvir musica era um, hoje em dia existe aparelho que armazena uma quantidade antes inimaginvel de dados musicais, logo se eu no acompanhar essa evoluo estou fadado a permanecer no

esquecimento. Eu no tenho nada contra quem pretende permanecer com o carimb de raiz, mas eu fao o que eu acredito esse o meu estilo.

Portanto, no cabe nessa reflexo o olhar homogeneizador ou comparativo de determinados estilos musicais, todas as contribuies dependendo do olhar do historiador podem ser vistos com relevncia para o fortalecimento da cultura paraense atravs de sua msica. Neste contexto, estabelecem-se no eixo do Rio de Janeiro e So Paulo as referncias da musicalidade brasileira. Intitulando-se como representante nacional da msica brasileira, onde determinadas expresses musicais assumiram a identidade musical nacional, hegemnica, reservado a produo musical considerada regional, onde se inclui o carimb uma posio perifrica. (Moraes, 2000, p.132). As produes artsticas, especificamente a msica em geral esto intimamente ligadas ao desenvolvimento econmico e industrial das sociedades no sentido de reconhecimento cultural. com esse foco que iniciamos a analise do carimb urbano de Belm do Par muitas vezes criticado por ter inserido inovaes em relao ao carimb de raiz que antes ningum havia experimentado o processo de evoluo do ritmo. Enquanto isso germina das periferias de Belm o carimb, atravs do mestre Verequete e de Pinduca. Uma msica que no possua carter de contestar o regime poltico da poca, como as msicas dos compositores considerados mais intelectualizados, que procuravam acompanhar o que estava sendo feito nos festivais do eixo Rio de Janeiro e So Paulo. O carimb urbano de Belm pode ser definido, levando em conta essa diversidade, metaforicamente como uma rvore, o prprio instrumento que d nome ao mesmo deriva de um tronco oco, porm essa rvore com a qual estamos comparando o carimb muito viva e frtil no sentido da dinmica de criao. Existe o carimb considerado de raiz o carimb pau e corda, muitos o conhecem como o legtimo carimb, essa vertente que d sustentao para os galhos que brotam, principalmente a partir de 1970, com Pinduca e Verequete. O carimb de Pinduca como ele mesmo define um estilo diferenciado dos mestres que o antecederam por permitir influencia de ritmos muito criticados por alguns adeptos do carimb de raiz.

J no caso o carimb de Verequete procura permanecer no estilo pau e corda, mas incluindo instrumentos como o saxofone, que s para se ter uma idia quanto ao carimb de raiz, numa entrevista a uma rdio comunitria l em Marapanim, um dos componentes do grupo do mestre Lucindo dizia que jamais ele permitia que em seu grupo de carimb tocasse outro instrumento de sopro que no fosse flauta de bambu, nem pensar incluir o clarinete ou qualquer instrumento mais sofisticado, j Verequete inclui no seu grupo uirapuru esses instrumentos mais sofisticados, claro que no chega nem prximo das transformaes introduzidas por Pinduca. Parece-nos que no foi o Pinduca que transformou o carimb e sim o carimb que modificou o estilo desse artista, pois como ele nos afirma sua banda tocava msica de salo, se apresentava em bailes para as elites, e posteriormente adota o carimb como carro chefe de seu trabalho.Tudo comeou, quando fui me apresentar no municpio de Irituia, minha banda foi tocar em uma festa para a sociedade daquele lugar. De repente eu percebi um movimento muito grande de pessoas se dirigindo a uma estrada vicinal, eu quis saber do que se tratava, fui perguntar a um menino e disse: que movimento esse a pra dentro? O menino respondeu que era uma festa de carimb, convidei meus msicos e fomos l ver. Eram muitas pessoas tocando e danando num barraco, foi a que decidi incluir o carimb em meus shows, at hoje eu tenho um carinho muito bom com o povo de Irituia. (PINDUCA, 2009).

Mesmo antes de estourar com sucesso em 1970, o carimb permanecia nas periferias sendo considerado a msica da ral como a sociedade paraense o denominou, quando nos referimos a sociedade estamos tratando de uma elite privilegiada que adotou no final do sculo XIX, a cultura francesa como referencia. A respeito do gnero carimb em Belm, para tanto de suma importncia saber suas origens e evoluo. Segundo alguns historiadores que pesquisaram o assunto em questo, s experincias literrias do padre jesuta Frei Joo Daniel, que escreveu sobre o carimb em 1767, a dana genuinamente paraense criada pelos ndios tupinambs incrementada pelo ritmo contagiante do batuque africano dando origem ao gnero. O carimb sofreu vrias influncias atravs dos sculos, herana culturais de ndios, negros, portugueses (Dirio de Minas), e est localizada em plos distribudos no Estado do Par, como Maraj, Baixo Amazonas, Camet, (COSTA, 2008) de acordo com a professora da UFPA, Maria do Socorro Mendes, relata que outras regies do Par contriburam com o engrandecimento desta cultura folclrica que so aos municpios de So Caetano de Odivelas, Vigia e regio metropolitana de Belm.

Podemos notar geograficamente que o gnero carimb e facilmente encontrado nas mais variadas localidades da regio norte, e que pode ser classificado como um indicativo dos inmeros aspectos ligados formao da identidade cultural da nossa regio. Falar do carimb falar do Par e da grande diversidade das regies que apresentam realidades socioeconmicas diferentes dando origem a tipos diferentes de carimb. H basicamente trs tipos. O carimb praieiro, tpico da zona Atlntica do Par, a qual costuma se chamar zona do salgado, na qual se destaca Marapanim, Algodoal onde a atividade principal a pesca. O carimb rural ou agrcola mais praticado no baixo Amazonas, Santarm, bidos e Alenquer.. Em algumas destas regies o carimb ainda resultado de uma espontaneidade potica principalmente de caboclos ou cantadores do carimb. Etimologicamente a palavra carimb de origem tupi: curi que significa oco e imb que expressa furado (pau oco que produz som) com o passar do tempo foi ocorrendo uma variao fontica: curimb, coremb, curim e ultimamente conhecido como carimb (webartigo.com). Para Maciel, pesquisador do Museu Paraense Emlio Goeldi (1986, p. 87),

O carimb uma manifestao folclrica musical das regies do salgado e regio marajoara entre outras regies do Par. O carimb se constitui de dana, msica e poesia [...] apresenta-se como a resultante do contato de culturas africanas, europia e do indgena.

Havemos de registrar que apesar do carimb compor caractersticas semelhantes nas diversas sub-regies do Estado do Par, a pesquisa evidencia em cada local verifica-se algumas particularidades especficas de cada localidade, pelo fato de ser um canto que retrata o cotidiano das populaes simples do interior do Estado do Par. Blanco (2004), retrata o modo de vida do compositor do carimb na Ilha de Algodoal, os temas abordados na msica esto relacionadas religiosidade, a natureza, ao trabalho do caboclo da Amaznia. Neste sentido, dependendo das particularidades locais, as caractersticas das composies podem ser variveis, e tambm os instrumentos podem sofrer pequenas modificaes, tanto na confeco quanto nas composies.

Nota-se que essas diversidades que percebemos nas diferentes regies do Par e mesmo no carimb urbano, principalmente o de Icoaraci, pode ser atendido como a msica de raiz, pois, so mantidas as caractersticas pau e corda. Sendo que a partir de 1970, Pinduca comea a incluir em seu repertrio o carimb, conforme ele mesmo afirmou, houve muita resistncia do pblico para que o carimb fosse aceito em seus shows, ele relata que:

Eu nunca me esqueo da maior vaia que eu levei na minha vida, foi no clube satlite, minha banda foi convidada para tocar numa festa, s que era dana de salo, e o que as pessoas responsveis mais me recomendavam era pra no tocar carimb, mas mesmo assim eu me atrevi a tocar, meu amigo foi uma vaia que nunca eu vou esquecer na minha vida. (PINDUCA, 2009)

Ele afirma que o carimb criado depois de sua iniciativa est ligado diretamente com os mestres do carimb de raiz, porm no existe nenhuma pretenso de se comparar a seus antecessores, pois seu trabalho representa uma vertente que brotou e se desenvolveu sob influncia de outros ritmos como os caribenhos e at mesmo do rock internacional dos Beatles (ie, ie, i). Da dcada de 1970, o carimb alcanou um sucesso muito grande [...] o pblico do litoral brasileiro em geral do Centro Sul, [...] teve a oportunidade de conhecer um ritmo que nos ltimos tempos prpria cidade de Belm conhecera a procurar conhecer [...]. (TINHORO, 1976, p. 5). Em 1974, foi lanado o LP (long-playing) o legtimo carimb com Verequete e o grupo Uirapuru, conforme Tinhoro, essa obra primava pela manuteno do carimb de qualidades rtmicas legitimas. Nesse mesmo perodo foi lanado o LP Carimb e Sirimb de Aurino Gonalves, o Pinduca, cujo trabalho foi responsvel em divulgar fora territrio paraense de forma massificada o ritmo paraense. Posteriormente Eliana Pitman, o grupo Bambucas, lana msicas de carimb com uma roupagem comercial, fugindo conforme Tinhoro (1976) as caractersticas autenticas do ritmo apresentado pelo grupo Uirapuru e Verequete. Em sua coluna no Jornal do Brasil em 1974, Tinhoro lamenta a deturpao, que segundo ele, est acontecendo ao ritmo paraense, o ttulo da Coluna esse: O Carimb chegou (s que de carimb no tem nada), ele dispensa comentrios sobre as descaracterizaes que o carimb submetido, segundo ele as transformaes

(evolues) a qual o ritmo est sendo submetido nesse momento so preocupantes, tendo em vista que em nada contribui para alterar as condies de vida do caboclo que criou essa arte, o compositor pouco foi beneficiado pelo alcance comercial que o carimb surgiu e permanece com sua autenticidade. No entanto, esse novo estilo do carimb apresentado por Pinduca foi um arranjo musical que veio atender a expectativa da indstria fonogrfica perfeitamente, o segundo LP, conforme Tinhoro, o banjo e o cavaquinho do lugar aos instrumentos eltricos, a guitarra e o baixo, dando um clima sonoro de i-i-i caboclo. O processo de redundncia do ritmo contribuiu para descaracterizar o carimb, massificando seu consumo e ganhando muito dinheiro. O carimb deixa de ser [...] para se tornar [...] alguma coisa parecida com marcha de carnaval com um balano um pouco diferente (TINHORO, 1976, p. 6).

REFERNCIAS

COSTA, Tony Leo da. Msica do norte: intelectuais, artistas populares, tradio e modernidades na formao da MPB no Par (anos 1960-1970). Belm, 2008.

COUTINHO, Pedro Nunes (mestre Coutinho). Entrevistador: Jos Belm da Costa, Belm, 2009.

Entrevista.

[23.11.2009].

DIRIO DE MINAS, Belo Horizonte, 12 out. 1975.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessrios prtica educativa. So Paulo: Paz e Terra, 1996.

GONALVES, Aurino Quirino (Pinduca). Projeto depoimento. Belm: Museu da Imagem e do Som do Par (MIS), 18 nov. 1993.

______. Entrevista [22.11.2009]. Entrevistador: Jos Belm da Costa. Belm, 2009.

LEO, ngela Sanchez. Entrevista. [08.11.2009]. Entrevistador: Jos Belm da Costa, Belm, 2009. LIMA, Elza. Cupij: Mestre do cancioneiro popular. In: O Liberal, Belm, 1 agosto 1993. Caderno 3, p. 10.

MACIEL, Antonio Francisco de. A literatura do carimb I. A literatura do carimb. O Liberal, Belm, dom. 6 abr. 1986, 2 caderno, p. 18.

MODESTO, Mrcia. A influncia negra na dana e no canto paraense. Belm: Cultural, set. 2007. HOBSBAWM, Eric J. A Era dos extremos: o breve sculo XX(1914-1991). So Paulo. Companhia das Letras, 2008. NAPOLITANO, Marcos. Histria & msica. Histria cultural da msica popular. 2 ed. Belo Horizonte: Autntica, 2005. LOUREIRO, Alicia Maria Almeida. O ensino de Msica na escola fundamental. Campinas, SP: Papirus, 2003. SARGES, Maria de Nazar. Riquesas produzindo a belle-poque (1870-1912). Belm: Paka-Tatu, 2002. NAVES, Santuza Cambraia. A cano popular entre a biblioteca e a rua. IN: Berenice Cavalcante [et al] Decantando a Repblica: outras conversas sobre os jeitos da cano. Rio de Janeiro. Editora Nova Fronteira, 2004. BLANCO, Sonia Maria Reis. Anlise do Carimb em Algodoal. IN: VIEIRA, Lia Braga &LAZZETA, Fernando (orgs.). Trilhas da Msica. Belm. EDUFPA, 2004.

, Maria de Nazar do (Mestra de carimbo). Dia da entrevista 17 de agosto, entrevistador Jos Belm;

RAMOS, Eliete. Tambores da esperana. In: A Provncia do Par, Belm, 22 julho 1998.

SALLES, Vicente; SALLES, Marena Isdebski. Carimb: trabalho e lazer do caboclo. In: Revista Brasileira do Folclore. Rio de Janeiro, 9 (25), set./dez. 1969. p. 257-282.

______. Sociedade de Euterpes. Braslia: Edies do Autor, 1985.

________. Msica e Msicos do Par. Belm: Secult/Seduc/Amu-PA, 2007.

TINHORO, Jos Ramos. Msica popular: um tema em debate. So Paulo: 1976