campus nº 352

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ANO 40 - Edição 352 Brasília, 30 de novembro a 13 de dezembro Jornal-laboratório da Universidade de Brasília Faculdade de Comunicação corais estilo de vida usa o canto para educar e divertir perdas da unb sem apoio, atletas competem por instituições privadas Arte na rua Campim leva música erudita ao metrô de brasília LAÍS ALEGRETTI MIGUEL REIS LETÍCIA CORREIA EDEMILSON PARANÁ aumenta adoção de crianças mais velhas

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Jornal-laboratório da Faculdade de Projeto gráfico e reportagem - Comunicação da Universidade de Brasília. Edição nº 352. 30 de novembro a 13 de dezembro de 2010

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1Brasília, 30 de novembro a 13 de dezembro de 2010ANO 40 - Edição 352 Brasília, 30 de novembro a 13 de dezembro

Jornal-laboratório da Universidade de Brasília Faculdade de Comunicação

coraisestilo de vida usa o canto para educar e divertir

perdas da unbsem apoio, atletas competem por instituições privadas

Arte na ruaCampim leva música erudita ao metrô de brasília

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Brasília, 30 de novembro a 13 de dezembro

aumenta adoção decrianças mais velhas

2 Brasília, 30 de novembro a 13 de dezembro de 2010

A reportagem é o gênero mais brilhante, conforme definiu Gabriel García Márquez. Reportagem é densidade, por isso demanda mais tempo, investigação, reflexão e domínio da arte de escrever. A redação do Campus é o ambiente propício para essa prática cada vez mais cara às redações. Mas para um jornal-laboratório, custa aos estudantes apenas alguns dias de transpiração.

Nesta edição, os repórteres mergulharam a fundo para tra-zer à tona realidades que passam despercebidas. A reportagem Correndo por fora revela a migração de atletas da UnB para as instituições particulares em busca de melhores condições de desenvolvimento profissional na área esportiva. O que esporte tem a ver com universidade? Com a nossa, aparentemente, muito pouco. Seria suficiente considerar os jovens talentos vira-casacas? Ou seria ainda necessário entrever neles vítimas do desinteresse acadêmico pelas competições esportivas?

Enquanto a UnB não é jogo para uns, a matéria de capa, Adotivos e flexíveis, mostra a implicação da nova regra no cam-po da adoção. Sancionada há um ano, a lei é enquadrada pelos repórteres sob o aspecto da mudança de perfil das crianças adotadas. O leitor agora poderá saber o que a teoria mudou na prática: crianças com mais de quatro anos e adolescentes, que representavam os esquecidos nos abrigos, hoje têm mais chances de encontrar um lar.

E para aqueles que acreditam que good news is bad news, exemplos de honestidade foram garimpados pelos repórteres de “Não preciso mais”. Duas mulheres, ao reconhecerem

Uma das maiores vantagens do Campus é a possibilidade de seguir uma linha editorial aber-ta, sem qualquer tipo de censura. Mais do que treino, esse espaço deve ser valorizado para exprimir o senso crítico do repórter e partir para além da notícia, com questionamentos e levantamentos de questões importantes. Em um jornal recheado de temas sobre a UnB, de grande interesse para a maioria dos leito-res, essa abordagem não pode faltar – e fez falta.

Na matéria Faltam nove, a gestão do atual reitor veio à tona. Após dois anos no cargo, 40% das metas foram atin-gidas, valor inclusive valorizado em função das dificuldades encontradas neste período, como a greve da UnB e a crise no GDF. A ideia do balanço da atuação do reitor é boa quando se questiona, cobra prazos e avança em outros problemas da Universidade que não constam nos planos, como a violência e a URP. A entrevista com o José Geraldo deveria ter sido apro-veitada para solucionar essas e as outras questões apontadas no box Falta muito mais. Da forma como saiu, a reportagem mais parece uma divulgação da Secretaria de Comunicação interna.

E essa cobrança não deve ser restringida a quem está no po-der. Na Universidade do barulho, são apontadas as vítimas, mas não os reais causadores do ruído. Os trotes durante as aulas, a

RENASCIMENTO

Carta da editoraEXPEDIENTE

Ombudskvinna

que não há mais a necessidade de receberam a Bolsa Famí-lia, desmentem a idéia generalizada do “jeitinho brasilei-ro”. Além disso, a experiência da reportagem indicou um obstáculo não raro ao período de apuração: aquele imposto ao acesso à informação de interesse público, direito que é, contudo, garantido constitucionalmente.

Os casos de devolução do benefício são inspiradores, assim como os personagens da matéria Canto que dá o tom. O texto dá corpo às vozes dos corais de Brasília. Mais do que hobby ou profissão, a música é estilo de vida que agrega, reduzindo as diferenças a tons de uma mesma escala. E por falar em mú-sica, nesta edição do Campim, a arte, banida do metrô, volta para o local, incorporada nas partituras de Bach. É possível haver harmonia entre erudito e popular? Se a arte é também espelho do povo, a rua é o melhor lugar para pendurá-lo.

O frio na barriga começa durante o fechamento e só termina ao se ter o jornal impresso, ainda quente nas mãos. Por mais que a cada edição nos habituemos melhor à rotina produtiva, cada vez conserva uma boa dose de imprevisibilida-de para toda a equipe. Novamente recorro a García Márquez que melhor expressa esse sentimento, que nunca se esgota: “Ninguém que não tenha nascido para isso e esteja disposto a viver só para isso poderia persistir numa profissão tão incom-preensível e voraz, cuja obra termina depois de cada notícia, como se fora para sempre, mas que não concede um instante de paz enquanto não torna a começar com mais ardor do que nunca no minuto seguinte”. Benditos sejam os recomeços!

Campus - jornal-laboratório da Faculdade de

Comunicação da Universidade de Brasília

Editora-chefe: Daniela Gonçalves

Secretária de Redação: Juliana Contaifer

Diretora de Arte: Clara Campoli

Editores: Renata Rusky (fotografia),Vanessa Röpke (página

3), Camila Maia (páginas 4 e 5), Rodrigo Antonelli (página 6),

Carícia Temporal (página 7) e Guilherme Pera(Campim)

Diagramação: Davi de Castro, Emanuella Camargo,

Gabriella Furquim, Larissa Leite, Tajla Medeiros

Fotografia: Edemilson Paraná, Laís Alegretti, Letícia Correia,

Lorena Bicalho, Miguel Reis, Nathália Koslyk, Thiago Vilela

Repórteres: Ana Elisa Nunes, Bárbara Vasconcelos,

Braitner Moreira, Camila Velasco, Edemilson Paraná, João

Thiago Stilben, Luiza Machado, Mariana Costa, Paulliny

Gualberto, Raphaella Bernardes, Tatiana Tenuto,

Thaís Cunha

Coluna de Opinião: Roberta Diniz

Ilustrador: Vitor Fubu

Projeto Gráfico: Ana Elisa Nunes, Clara Campoli, Letícia

Correia, Lorena Bicalho, Miguel Reis, Tatiana Tenuto, Thaís

Cunha e Thiago Vilela

Professores Responsáveis: Sérgio de Sá e Solano Nascimento

Jornalista: José Luiz Silva

Campus Darcy Ribeiro, Faculdade de Comunicação,

ICC Ala Norte.

Contato: (61) 3107-6498/6501 CEP: 70.910-900

E-mail: [email protected]

Gráfica Plano Piloto - 4000 exemplares

Daniela Gonçalves, eDitora-chefe

Marcela Mattos

música alta nos C.As, os alunos que ficam do lado de fora batendo papo – todos têm parte de culpa, e isso

não é dito. Não adianta reforçar as paredes ou implantar leis enquanto não houver uma conscientização do grau de perturbação que

causam e que isso impacta diretamente na edu-cação de uma turma inteira.

O Campus também é um espaço reservado para grandes histórias. É sempre animador

conhecer personagens que superam problemas em busca de um objetivo, ainda mais quando os fatos são passados com riqueza de detalhes da vida da pessoa e do meio em que vive. Por outro lado, faltou trazer algo novo. O desenvolvimento da matéria, ainda que muito bem feito, não traz o imprevisível e dificilmente segura o leitor até o final - fato corroborado por um texto grande e sem quebras gráficas.

O bem explorado em uma, faltou em outra. Em A univer-sitária do próximo, matéria que causa enorme curiosidade, fica aquele sentimento de “quero mais”. Por que um texto tão pequeno? Cadê a exploração de detalhes, até os sórdidos? Onde está o sentimento de medo de ser flagrado em uma situação como essa? E (Por que não?) por que o Campim não pôs à prova e tentou faturar a chave da biblioteca, ou até não deu uma espionada para flagrar casais? De forma geral, faltou ousadia na segunda edição do Campus.

Na edição 174 de abril de 1993, o Campus contou que a UnB não incentivava o desenvolvimento do esporte competiti-vo. Nessa época, a Federação Atlética da Universidade de Brasília (FAUNB) começava a investir em eventos esportivos. Na ocasião, os estudantes reconheciam a “importância dos jogos para motivar a prática do esporte na universidade”.

A discussão sobre o papel da universidade volta agora, 17 anos depois. A promessa de apoio ao esporte universitário continua, em grande parte, no campo das ideias. Nesta edição, o Campus mostra atletas que, com pouco incentivo da UnB e falta de infra estrutura para treinar, têm que gastar o próprio dinheiro para representar a Universidade em competições nacionais. Alguns migram para faculdades particulares atrás de patrocínio, melhores espaços para treino, facilidades como fisioterapeutas e nutricionistas, além de receber uma bolsa para estudar. Conheça, na página 6, as histórias desses alunos.

ErramosHá uma informação incorreta na reportagem Faltam Nove

da edição passada. As promessas que seguem como metas são marcadas com a cor vermelha e não verde como consta no texto.

A repórter Paulliny Gualberto em atividade no metrô

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making of

3Brasília, 30 de novembro a 13 de dezembro de 2010

SOCIEDADE

“NÃO PRECISO MAIS”Conheça a história de duas manicures que abriram mão do Bolsa Família

Mary Ruth Nunes Sobral, 37 anos, mora em uma casa em construção no lote de mil metros quadrados na Colô-

nia Agrícola Samambaia, em Taguatinga. Ela e o marido, o servidor público Wildson Prado Oliveira, já planejam a piscina que vai ser construída nos fundos da residência. A decoração natalina da sala divide espaço com um tapete estampado de zebra, cadeiras estofadas com o mesmo padrão, dois computa-dores de mesa e um notebook.

No último mês de maio, a brasiliense Mary Ruth devolveu o cartão do programa Bolsa Família. Ela recebia assistência de programas sociais do governo federal há quase dez anos. “Me ajudou bastante quando eu precisei. Aí resolvi cancelar porque decidi passar pra alguém que precise mais do que eu. Afinal, graças a Deus, eu não preciso mais”, comemora.

Eram R$ 150 mensais para manter Felipe, hoje com 15 anos, e David, 18, saudáveis e na escola. Há dois anos, Mary Ruth se casou com o primo Oliveira e saiu de Ceilândia Norte, onde trabalhava como cabeleireira em casa para ficar perto dos filhos. “Ganhava pouquíssimo, a renda variava demais. Lá não adianta trabalhar com preço tabelado, é o preço que eles podem pagar.”

Tempos de renda bem distante da atual. Hoje, o marido recebe cerca de R$ 7 mil por mês no Tribunal de Contas da União e a ex-cabeleireira e manicure se apresenta de unha feita e cabelo escovado, com um Astra na garagem. “Não tinha nem como eu ficar recebendo o Bolsa Família”, brinca Mary Ruth, que hoje recebe um “salário simbólico, de marido e mulher mesmo” para cuidar da casa enquanto estuda pelo sonho de passar no vestibular para o curso de Psicologia na Universidade de Brasília.

Mary Ruth sabe que não precisaria cancelar o benefício. “Muita gente dá um jeito de driblar o sistema e consegue. Já mudou de vida e continuou recebendo”, afirma. De acordo com ela, a fiscalização – uma visita que acontece a cada dois anos – poderia ser mais rígida. Quando ela morava em Cei-lândia, via pessoas que se escondiam ou diziam não estar em casa para evitar o descadastramento do Bolsa Família. “Se (os fiscais) entrassem (nas casas), iriam ver tudo do bom e do melhor e iriam cortar o programa. É a consciência de saber que tem gente que precisa muito mais.”

MUDANÇAS EM CURSOOutra manicure beneficiada pelo Bolsa Família também

se casou recentemente. Para ela, no entanto, a união não foi o motivo de devolver o cartão do programa, em fevereiro deste ano. Leila Rosane de Abreu Silva, de 36 anos e quatro filhos, morava em uma chácara no loteamento Incra, próxima a Brazlândia. Segundo o Portal da Transparência do Governo Federal, ela recebia R$ 44 por mês. “Tive uma melhoria de vida. Comecei a fazer cursos de cabeleireira e manicure e não precisei mais do benefício”, conta.

Na chácara, era difícil o acesso à cidade. Hoje, Leila mora

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por Braitner Moreira e thaís cunha

na zona urbana de Brazlândia, trabalha como manicure em um salão de beleza e faz unha e cabelo em casa. O trabalho de hoje é reflexo da conclusão dos cursos técnicos realizados nos últimos anos. Para ela, a renda já é suficiente para não receber mais a ajuda mensal. “Se eu tenho condições, não tem por que continuar recebendo.” Em dezembro, mês de festas, a expectativa de Leila é ganhar R$ 700.

CONDIÇÕES POLÊMICASEmbora vários jornais tenham divulgado em agosto de

2008 que já existiam no Brasil cerca de 60 mil casos como

ENTENDA A POLÍTICA SOCIAL

O programa Bolsa Família surgiu com a lei 10.836, de janeiro de 2004, no governo Lula. Ele agregou algumas políticas sociais do governo FHC, como Bolsa Escola e Cartão Alimentação. Segundo dados do Ministério do Desenvolvimento

Social, no último mês de agosto 12,7 milhões de famílias receberam o benefício, que é uma forma de transferência direta de recursos do Estado para pessoas em situação de pobreza (renda mensal entre R$ 70 e R$ 140 por pessoa) e pobreza extrema (até R$ 70).

Ainda assim, 3,3 milhões de famílias seguem na lista de espera pelo Bolsa Família. Para receber o benefício, não basta estar abaixo da linha de pobreza. Uma série de condicionalidades devem ser observadas após a inscrição no Cadastro Único para Programas Sociais. Na área de educação, as famílias devem manter os filhos de seis a 15 anos matriculados na escola, com frequência mínima de 85%. Na saúde, gestantes devem fazer pré-natal e mães de menores de sete anos têm que manter a vacinação atualizada.

O valor do auxílio varia de R$ 22 a R$ 200. Famílias em condição de pobreza extrema recebem o benefício básico no valor de R$ 68, além de outros variáveis: R$ 22 por cada criança de até 15 anos e R$ 33 por cada adolescente de 16 e 17 anos. No máximo três crianças e dois adolescentes podem ser inscritos. Para famílias em situação de pobreza, não há o benefício bási-co, apenas os variáveis por cada jovem.

No Distrito Federal, as famílias também se inscrevem no Programa Vida Melhor. Quando o benefício federal do Bolsa Fa-mília é inferior ao distrital, o governo do DF complementa o valor. O auxílio vai de R$ 130 a R$ 180, dependendo do número de crianças e adolescentes de três a 17 anos na família.

os de Mary Ruth e Leila, de devolução voluntária do benefício, a assessoria de Comunicação do Ministério do Desenvolvi-mento Social (MDS) nega o número e diz que não consegue precisar quantos beneficiários já deixaram o programa voluntariamente. Através das prefeituras de cidades e da Caixa Econômica Federal, sabe-se apenas que são “poucos” os que devolvem o cartão.

Para o economista Evilásio Salvador, professor do Departa-mento de Sociologia da UnB, o ato de honestidade de benefi-ciários de programas sociais como o Bolsa Família não deveria causar espanto. “As pessoas têm um conceito de que o pobre tem mania de fraudar o Estado.” Salvador se coloca contra as condicionalidades impostas (veja box) pelo MDS para a participação no programa, como baixa renda, frequência escolar e cartão de vacinas em dia. “A experiência internacio-nal de programas desse tipo na França e em outros lugares não submete o cidadão a condicionalidades. Os beneficiários acabam em situação vexatória”, observa.

Denilson Bandeira, professor do Instituto de Ciência Política (Ipol) da UnB, discorda. Para ele, o Estado só cumpre sua função quando controla o bem-estar que gera à população, portanto as condicionalidades são fundamentais. “Mas há problemas de fiscalização no programa, que exige que a gestão municipal interaja com outros nichos e partidos. Isso faz com que as disputas partidárias influenciem o funcionamento do Bolsa Família”, analisa.

Mesmo com as condições que impõe aos beneficiários, o Bolsa Família se tornou a maior política de transferência de renda do país. “Somos um país rico, porém injusto. Precisa-mos tratar de forma desigual aos desiguais. O assistencialismo é necessário porque há pessoas que não têm condições de sair sozinhas da situação em que se encontram”, defende Paulo Afonso de Carvalho, também professor do Ipol. Afinal, não são todos os que têm a sorte de Mary Ruth.

“É a consciência de saber que tem gente que precisa

muito mais”

Mary Ruth se casou, devolveu o cartão do Bolsa Família e hoje tem um Astra na garagem

Mary Ruth

4 Brasília, 30 de novembro a 13 de dezembro de 2010

Adotivos e flexíveisDados mostram que crianças mais velhas e adolescentes passaram a ter maiores chances de conseguir uma nova família no Distrito Federalpor BárBara Vasconcelos e Mariana costa

Felipe aguarda ansioso pelo guarda-roupa que será só dele. O jovem de 12 anos está prestes a ser o novo filho de

Elania de Souza e Antônio Pereira, também pais “de coração”, como definem, da agitada Vitória, de quatro anos, adotada nos primeiros meses de vida. Felipe não era o que casal desejava quando decidiu pela segunda adoção. Para preencher o espaço na casa deixado pelos filhos biológicos, agora casados, os dois queriam uma criança da faixa etária de Vitória. Não encontra-ram. Após muitas visitas a abrigos, Felipe apareceu à Elania e perguntou: “Quer ser minha mãe?”.

A exemplo dessa família, outros postulantes a pais adotivos têm deixado para trás a preferência por bebês. Dados da 1ª Vara da Infância e Juventude do Distrito Federal mostram um aumento considerável nas adoções de crianças mais velhas nos últimos anos. Em 2008, houve 12 adoções tardias no DF, ou seja, de crianças acima dos quatro anos de idade. Em 2009, foram 14; e até outubro de 2010, 16, número que deverá cres-cer levado por casos como o de Felipe, esperado para o Natal na casa de Elania e Pereira. Neste ano, as adoções tardias já representam 40% do total.

São números que revelam uma distância entre intenção e prática. As estatísticas da 1ª Vara mostram que 99% dos inte-ressados em adotar afirmaram, ao se cadastrar, que preferem crianças com até um ano. Ainda assim, as adoções fora desse perfil aumentaram de 44%, em 2008, para 58% em 2009. Os números de 2010 ainda não estão disponíveis.

A nutricionista Daisy Castellano ainda se exalta ao lembrar de quando adotou Clara, em 2005. “Na reunião para determi-nar o perfil das crianças, parecia que os pais estavam escolhen-do uma mercadoria”, conta.

Em 2007, época em que a funcionária pública Maria Hele-na Silva e o marido Roberto Shayer optaram por adotar uma criança, foi consenso uma adoção tardia. Eles escolheram um menino de sete anos, pois já tinham passado pela experiência de ter bebês em casa.

Na ocasião, a filha mais velha do casal já estava com 21 anos e havia saído de casa. O caçula estava com quatro anos e queria muito um irmão mais velho. “Nosso perfil inicial era um menino de três a seis anos, mas achamos que não havia muita diferença entre seis ou sete anos”, conta Maria Helena.

Quanto à adaptação, ela relata que não foi simples: “É preciso ensinar em poucos meses tudo o que se ensina para uma criança ao longo de sete anos. O mais difícil é fazê-lo crer que ele é realmente nosso filho e que nós cuidaremos dele para sempre”.

A psicóloga do abrigo Casa do Caminho, Wanessa Montes, confirma. “A adoção tardia é realmente complicada. A criança bebezinha se adapta mais fácil à sua casa e à sua família do que a criança com cinco, seis anos. Tem também a questão dos vínculos que a criança estabelece nas instituições”, explica. Para Maria Helena, no entanto, a adoção tardia tem um forte ponto positivo: “A gente pula a fase de grande trabalho braçal, de zero a três anos”.

MotivosA realidade dos abrigos é uma das razões apontadas pelos

especialistas para a atual mudança na idade das crianças adotadas (ver infográfico). Hoje, nas chamadas instituições de

acolhimento do Distrito Federal, existem apenas duas crianças com menos de um ano à espera de família. Ambas, porém, já estão com o processo de adoção encaminhado. Assim, o descompasso entre a oferta e a demanda pelos bebês faz com que a espera por eles passe de cinco anos. “O tempo de espera é enorme, então muita gente, quando está na fila para adoção, tende a ir aos abrigos visitar e acaba vendo que as crianças mais velhas não são esse bicho de sete cabeças que as pessoas pensam”, afirma Wanessa.

Historicamente, crianças acima dos três anos e adoles-centes têm sido maioria nas instituições. O diferencial agora, apontam a presidente do grupo Projeto Aconchego de Apoio à Adoção, Soraya Pereira, e o supervisor da Seção de Colo-cação em Família Substituta da 1ª Vara, Walter Gomes, é a influência do curso preparatório para os futuros pais adotivos, transformado em pré-requisito para o processo de adoção pela lei 12.010, de agosto de 2009. Segundo a lei, este mês de no-vembro é o último para que todos os requerentes cadastrados

façam o curso, sob pena de terem os processos suspensos.De acordo com a legislação atual, além de preparar os pre-

tendentes à adoção para receber os novos filhos, o curso deve estimular a aceitação das crianças constantemente esquecidas nos abrigos. “O curso é focado para que as pessoas tenham consciência da filiação e dá uma noção de realidade, traz a pessoa para o dia-a-dia da adoção”, explica Soraya. “A prepa-ração está mudando o perfil dos requerentes e aumentando o sucesso das adoções.”

Entretanto, segundo a pesquisadora da área de adoção da UnB Elizabeth Nunes, ainda é cedo para afirmar que o curso pré-adoção esteja surtindo tal efeito. “Eu acredito que, sem dúvidas, o curso vai mudar o futuro da adoção, nós vamos ter um outro olhar sobre ela. Acredito que pode haver uma ten-dência de as crianças mais velhas saírem dos abrigos, mas não acho que isso já esteja acontecendo”, afirma.

ParceriasEntre 2000 e 2004, a 1ª Vara da Infância e Juventude ofe-

receu o curso chamado Pré-Natal, que era facultativo e fazia a preparação de pessoas que estavam na fila de adoção. Depois de suspenso, o curso foi retomado em 2007, coordenado por entidades parceiras da Justiça. A lei de 2009, porém, determi-na que o curso, agora obrigatório, é responsabilidade das Varas de Infância e Juventude. “A lei diz que o Judiciário deve oferecer esse curso, mas nós não temos número de servidores para tal, não temos espaço suficiente para tal, então o legislador se esqueceu de dotar o Judiciário de condi-ções mínimas para dar efetividade à lei”, reclama o supervisor da 1ª Vara, Walter Gomes. Com isso, o grupo Aconchego é atualmente a entidade que ministra o Pré-adoção, em parce-ria com o projeto Berço da Cidadania, a Universidade Católica (UCB), a Universidade Paulista (Unip) e recentemente o Instituto de Educação Superior de Brasília (Iesb). A 1ª Vara apenas supervisiona o trabalho.

“Pela lei, todos que se inscreveram até final de novembro

“O mais difícil é fazê-lo crer que ele é realmente nosso

filho e que nós cuidaremos dele para sempre”

Maria Helena Silva

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Na Casa do Caminho, crianças brincam enquanto esperam para fazer parte de uma nova família

5Brasília, 30 de novembro a 13 de dezembro de 2010

Dados mostram que crianças mais velhas e adolescentes passaram a ter maiores chances de conseguir uma nova família no Distrito Federal

de 2009 têm que passar pelo curso, senão o processo (de adoção) caduca. Neste primeiro ano, foi uma loucura, porque nós tivemos pessoas que deram entrada há um mês e estão no curso, e pessoas que estão há três anos na fila”, relata Soraya, do Aconchego. Para evitar que requerentes perdessem o processo, além dos parceiros, a própria 1ª Vara ministrou o curso para três turmas em 2010, em caráter excepcional.

Atualmente, as pessoas que decidirem adotar uma crian-ça ou adolescente têm que enfrentar uma fila de espera para fazer o curso. “Como agora é obrigatório, a procura é maior. E as vagas são limitadas”, explica a presidente do Projeto Aconchego. “São várias filas”, diz Gomes. “Uma para fazer o curso, outra para o estudo psicossocial (realizado pela 1ª Vara e também pré-requisito para adoção) e outra para o estágio de convivência com a criança pretendida.”

PreparaçãoO Pré-adoção consiste em seis encontros de três horas,

com turmas de 25 a 30 participantes. São cinco profissionais por grupo, dois psicólogos e três estagiários no último ano

de Psicologia, que trabalham com técnicas de psicodrama, simulações da realidade. No total, são formadas oito turmas por ano, totalizando mais de 200 pessoas.

A periodicidade dos encontros ainda está em fase de experimentação. O curso já foi ministrado em seis sá-bados alternados, isto é, de 15 em 15 dias; em sábados seguidos; e agora em encontros semanais, às quartas e sextas, no período da noite. “O curso noturno teve uma boa aceitação, mas nós ainda vamos avaliar qual o melhor modelo”, explica Soraya. O Pré-adoção ocorre nos campi da Católica e Unip, e os inscritos são indicados pela 1ª Vara da Infância e Juventude.

Além das pessoas cadastradas para adoção, amigos e fami-liares dos requerentes também podem participar dos encon-tros. A ideia é que todos os envolvidos no processo de acolhi-mento da criança sejam preparados para lidar com a situação.

De acordo com Wanessa Montes, psicóloga que participou de vários encontros do Pré-adoção, o curso gera uma diferença no processo de adoção. “A pessoa fica mais preparada para enfrentar as dificuldades, até porque vê que os problemas são comuns a todas as famílias, principalmente nos casos de adoção tardia”, comenta. Elania de Souza, que se prepara nos encontros noturnos para ser a futura mãe do Felipe, explica: “No curso você aprende como vai lidar. É uma coisa muito boa. No meu caso, vou perdendo o medo: ‘Como é que vai ser um menino de 12 anos na minha casa?’”.

O Aconchego promove, também, um trabalho voltado para a adoção tardia, o Preparação da Criança para Adoção. “Nós começamos a perceber que muitas crianças que tinham dificuldade com a adaptação, nos casos de adoção tardia, não conseguiam na verdade entender o que estava se passan-do com elas, o que era ser adotado”, esclarece Soraya. Esse trabalho visa capacitar todos os profissionais que lidam com as crianças institucionalizadas, como pessoas do Conselho Tutelar, técnicos da Justiça e funcionários dos abrigos.

Apesar do curso preparatório e de todos os trabalhos voltados para a adoção tardia existentes, o retrato da atual fila de adoção, em que o número de famílias aptas a adotar é quase três vezes o de crianças disponíveis nos abrigos, revela que essa alteração segue lenta. Os últimos dados da 1ª Vara de Infância e Juventude podem até significar uma esperança para os garotos institucionalizados, mas ainda contrastam com o dia-a-dia dos abrigos, cheios de crianças com o abandono como destino.

Apesar do aumento no número de adoções tardias, crianças com mais de quatro anos ainda são maioria nos abrigos

A nova lei de adoção é um avanço, mas sozinha não dá conta das exigências idealistas da maioria dos pais que

decidem pela adoção. Ainda hoje, depois de inúmeros pro-testos, o preconceito emerge de um país mais multicor do que qualquer outro no planeta. Bebês de pele branca são os mais cotados para adoção dos que os de pele negra. Cotados porque são vistos como mercadorias em uma prateleira onde se escolhe o que se vai levar ou não.

Nosso Brasil é nitidamente miscigenado e sabemos muito bem a história toda. Não seria transparente a conclu-são de que as crianças aqui sejam bem diversas do modelito pele clara sem um pinguinho de cor? Simplesmente uma exigência caprichosa.

O perfil desejado pelos futuros pais adotivos não corres-ponde ao perfil das crianças reais dos abrigos. E isso deve ser encarado, pois adoção não é supermercado.

De abril de 2008 até janeiro de 2010, o Cadastro Nacio-nal de Adoção registrou 26.138 pretendentes à adoção e 4.364 crianças e adolescentes aptas a serem adotadas. Isso significa que a procura ultrapassa quase seis vezes a oferta. Se não houvesse tantas exigências no momento de adotar, todas essas crianças estariam em um lar agora.

Na mídia, novelas como a atual Passione, da emissora Globo, têm mostrado o assunto de maneira clara e incenti-vadora. Contudo, é preciso mais. É preciso campanhas que abordem a questão e transmitam um novo olhar sobre a adoção. Um olhar que se importa em primeiro lugar com a necessidade da criança e não com a sua cor, sexo ou idade. Um olhar humano e solidário acima de vontades egoístas de se ter um filho à sua imagem e semelhança. Um olhar livre de preconceitos e aberto a aceitar o diferente como sua parentela, não de sangue, mas de alma.

Opinião

Fora do ModeloroBerta Diniz

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6 Brasília, 30 de novembro a 13 de dezembro de 2010

Em um universo de 29 mil alunos, a Universidade de Brasília (UnB) conta hoje com 247 atletas que a represen-

tam em competições universitárias. O número corresponde a 0,85% do corpo discente. Na Universidade Católica de Brasília (UCB), os atletas equivalem a 1,6% do total de alunos (são 402 para os 25 mil estudantes). Na Upis-Faculdades Integra-das, a relação chega a 3,6% (são 180 para os cinco mil estu-dantes).

Além de apresentar proporcionalmente um número menor de desportistas, a UnB teve uma presença tímida nos Jogos Universitários Brasileiros (JUBs) de 2010, que acontece-ram na primeira quinzena de novembro em Blumenau (SC). Apenas quatro atletas disputaram os jogos pela Universidade, enquanto pela Católica foram 109 e pela Upis, 45.

Por falta de incentivo, alunos-atletas que poderiam defen-der o nome da UnB no esporte universitário são atraídos por instituições privadas que oferecem melhores oportunidades de desenvolvimento profissional. “Essa é uma situação calami-tosa, porque a nossa Universidade tem de contribuir para a realização de sonhos, não de frustração”, lamenta a diretora do Departamento de Esportes, Artes e Cultura (DEA), Lucila Souto Mayor.

Quando Angélica Gama, 29 anos, passou no vestibular da UnB para Educação Física em 1998, já era uma apaixonada por artes marciais. Desde os oito anos treinava karatê e, aos 12, integrava a seleção brasileira infantil. Dentro da Universi-dade, teve apoio em pequenos campeonatos e custeio de parte das despesas de viagens. Em 2000, competindo pela UnB, ficou em quinto lugar no Mundial Universitário. Foi então que a Upis ofereceu apoio profissional: bolsa integral para o curso de Direito, musculação, equipe de médicos e fisioterapeutas, alimentação, além do patrocínio dos circuitos universitário, em 100%, e profissional, em 50%. “Foi um investimento pesa-do e me dava muita segurança. Era uma proposta irrecusável”, conta Angélica.

Ela não abriu mão do curso na UnB, mas passou a repre-sentar a Upis em competições. Entre 2000 e 2008, tornou-se bicampeã mundial profissional. “Foi dolorido deixar a ban-deira da UnB, porque eu sempre fui e ainda sou apaixonada pela Universidade”, revela a karateca. “Lutar por uma univer-sidade pública que passa por tantas dificuldades e conseguir

vencer tem o mesmo gostinho de uma vitória do Brasil sobre os Estados Unidos. Claro que ganhar pela UnB é melhor, mas tenho gratidão à Upis por todo o apoio”.

A jogadora de futsal Letícia Có, 20 anos, também optou por competir por uma instituição privada. Passou em 2007 para Educação Física na UnB e chegou a fazer matrícula, mas desistiu do curso porque recebeu uma proposta da Católica. Letícia ganhou bolsa de 80% no curso de Fisioterapia e todo o apoio e estrutura adequados. “Fui porque no time da UCB estavam as melhores jogadoras, tinha destaque na mídia. Na época, a UnB não tinha time de futsal, e nunca teve muita pro-paganda”, explica. Para ela, a escolha foi correta: “Em Brasí-lia, ganhamos quase todos os campeonatos, inclusive ficamos em segundo lugar no JUBs do ano passado. Na Católica, tenho tudo que preciso.”

Sem basqueteA falta de estrutura e apoio da UnB comprometeram a

equipe de basquete. No começo de 2011, 80% do time da Universidade irá competir pela Faculdade Planalto, segundo informações da instituição. “Eles me disseram: ‘A gente não quer jogar pela UnB’. Então pensei em montar um time nosso, para expandir o nome da faculdade, estar na mídia”, afirma Allann Vieira, diretor de esportes da Planalto. “Hoje, dos 12 atletas do nosso time profissional, quatro ou cinco são da UnB. Do time universitário do ano que vem, 14 de 15 serão da UnB”. Vieira diz também que a reforma do ginásio contribuiu para atrair os atletas.

O novo ginásio da Planalto conta com piso flutuante, pla-car com telas LCD, cabine de imprensa, área vip, vestiários, centro de recuperação e academia. O estudante de Educação Física João Paulo Diniz, 21 anos, recebeu proposta da facul-dade. “Na UnB o ginásio é precário, sofremos com a estrutura física para treinar”, diz. Entre os benefícios oferecidos pela instituição privada, estão bolsa de estudo, preparador físico, psicólogo, despesas com viagens e academia. Além disso, o técnico do time é João José Vianna, mais conhecido como Pipoka, ex-jogador da seleção brasileira de basquete e atual assistente técnico do Uniceub/BRB/Brasília.

Estrutura precária

Atualmente existem três técnicos desportivos profissionais na UnB e nenhum deles atua diretamente à frente de equipes dentro da quadra. Alunos de Educação Física ocupam o lugar de técnicos como estagiá-rios remunerados. “Se tivéssemos técnicos profissionais, daríamos um salto maior. Mas enquanto não tiver professor na sala de aula, não teremos técnicos”, diz Lucila Souto Mayor, diretora do DEA.

Os atletas também sofrem com a precariedade do Centro Olímpico. Ana Paula Cordeiro, 22 anos, com-pete no atletismo da UnB há quatro anos e já pensou em correr por outra instituição. “Eles oferecem melhores condições. Hoje a UnB peca pela falta de estrutura, as pistas de atletismo

universidade

Correndo por foraFalta de infraestrutura e apoio leva atletas da UnB a competir por instituições privadaspor caMila Vellasco e raphaella BernarDes

Esporte é bom negócioPara instituições particulares, um atleta de destaque é si-

nônimo de divulgação da marca. Só no primeiro semestre de 2010, por investir em esporte, a Universidade Católica de Brasília teve um retorno de R$ 1,7 milhão com mídia gratuita, segundo cálculos da coordenação. “Ainda é pouco, a expecta-tiva é de atingirmos R$ 5 milhões por ano”, afirma o coorde-nador de esportes da Católica, Paulo Mariano.

Para o diretor da área esportiva da Upis, Flávio Thiessen, o esporte funciona como propaganda, como ferramenta de divulgação. É o chamado marketing esportivo. “É tudo ques-tão de ‘momento’, um negócio”. Thiessen estima que, para cada R$ 1 aplicado em esporte, a Upis tem um retorno de R$ 2,5 com mídia espontânea. Apesar das vantagens econômicas para as instituições, o diretor acredita que o desportista é o maior beneficiado: “Chega uma hora em que o atleta tem de optar entre competir e estudar. A gente consegue fazer com que ele tenha os dois”.

Carlos Alberto Diniz, coordenador de esporte do DEA da

UnB, aponta que a diferença entre pública e privada está na utilização do modelo americano, que prioriza atletas de alto rendimento. “As privadas valorizam o talento individual, e investem muito nisso. Esses atletas se tornam espécies de garotos-propaganda. Quem não quer ter um Cielo [nadador brasileiro, medalhista olímpico] competindo pela universida-de?”. Os atletas que recebem bolsa da Católica e da Upis assi-nam um contrato semestral, que cede às instituições o direito de uso de imagem. “O aluno pode ser convocado para fazer qualquer tipo de propaganda pela instituição, sem receber nada além da bolsa”, explica Paulo Mariano.

A diretora do DEA, Lucila, admite que as universidades federais não têm investido o que deveriam no desporto, ao contrário das instituições privadas. “A ordem de prioridade é ensino, pesquisa e extensão. O esporte é importante, mas não é a finalidade maior da univer-sidade” analisa Lucila. “Temos um celeiro de talentos, mas ainda não dá para competir com as privadas.”

A bicampeã de karatê Angélica Gama, formada na UnB, emprestou seu talento à Upis

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existem, mas estão inutilizáveis”, afirma. Para quem pratica natação, o quadro também é grave. Ana Luiza Correia, 17 anos, conta que, como as piscinas estão vazias, treina no Iate Clube de Brasília. “Não temos ajuda de custo, bancamos o nosso próprio treinamento. A UnB ajuda, mas só no sentido de nos levar para as competições.”

Outra atleta que compete pela UnB e treina em outro lugar é Nayara Lunière, 22 anos, do atletismo. Ela acredita que, nos últimos anos, o apoio da UnB tem aumentado. “O que eu percebo é que o esporte não é o foco da universidade pública, mas acho que o incentivo está crescendo. Agora temos uma espécie de bolsa-viagem, mas algumas vezes ainda temos que ir por conta própria”, diz.

Segundo o DEA, hoje a UnB oferece aos atletas auxílio viagem para competições fora da cidade, academia de ginás-tica e material para os alunos de luta. O Bolsa Atleta, projeto da própria Universidade que deveria ter sido implementado neste ano, para beneficiar de 200 a 250 atletas, foi prejudicado pela greve. Até agora nenhum estudante recebeu o benefício. De acordo com a diretora Lucila, 50 bolsas estão previstas, a princípio, para 2011, no valor de R$ 465.

A diretora atribui as dificuldades enfrentadas pelos atletas à falta de agilidade da UnB: “Por sermos uma federal, não con-seguimos recursos com facilidade. Não temos como concor-rer com as particulares porque não podemos fazer concurso sempre, e, por isso, a entrada e a capacitação de novos profis-sionais ficam prejudicadas”.

Os alunos da UnB Jean, Muhammed, Filipe e Marcus Vinícius jogam pela Faculdade Planalto

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Futuro promissor

Até 2012 o Centro Olímpico da Universidade de Bra-sília passará por uma reforma no valor de R$ 303

milhões. As mudanças incluem a construção de uma arena esportiva com capacidade para 15 mil pessoas, um patinódromo, um centro náutico às margens do Lago Paranoá, quadras de areia, alojamento para atletas e centro de treinamento. Além disso, as quadras de tênis, piscinas, pista de atletismo e campo de futebol serão reformados.

O início das obras está previsto para março de 2011. “Com o novo Centro Olímpico tudo vai mudar. Vamos ser uma das melhores, se não a melhor universidade do país”, almeja Carlos Alberto Diniz, coordenador de esportes do Departamento de Esportes, Artes e Cultura.

7Brasília, 30 de novembro a 13 de dezembro de 2010

CULTURA

Canto que dá o tomAlém de permitir o contato com a música, participar de corais ajuda na educação de jovens e na superação de problemas

Nogueira faz parcerias virtuais

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por ana elisa nunes e tatiana tenuto

Quando você ouve uma música que lhe toca, o que ela causa em você? “Em alguns momentos gratificantes,

ela te leva a um patamar diferente de vida, você está atingindo algo de realização pessoal diferente de todas as outras ativi-dades. Música tem esse poder sobre o ser humano”. É assim que David Junker define a influência da música na vida de uma pessoa. Primeiro doutor em canto coral do Brasil, o professor da Universidade de Brasília fundou diversos coros ao longo dos mais de 30 anos de carreira.

O sentimento de Junker é compartilhado por Danielle Baggio, regente do Coral Marista de Brasília e cantora do Madrigal de Brasília. “Eu acredito muito no poder da músi-ca, para tudo. Música é o remédio da alma”, diz a maestrina, que rege um coro de adolescentes e percebe o quanto o canto coral ajuda na formação dos alunos. Junker explica que a música está muito ligada à região na parte de trás do cérebro, próxima ao cerebelo, que está relacionada à lógica. “Então, quanto mais você desenvolve a música, sua atenção, seu envolvimento, mais você desenvolve a área da lógica do seu cérebro”, completa.

Danielle também acredita que a música ajuda no desen-volvimento pessoal de seus alunos. A regente conta a história uma aluna que sofria de fobia social. A mãe da menina já havia colocado a filha em diversas atividades extras para ela se integrar com os colegas, mas nada havia dado certo. Até ela conhecer o coral. Por estar em um grupo, a aluna não se expu-nha e ao mesmo tempo tinha de cantar. “Ela era aparentemen-te desafinada, pois tinha tanta vergonha que não conseguia soltar a voz. A partir do momento em que conseguiu sentir a segurança daquele grupo, ela pôde se soltar e demonstrou ser uma menina muito musical e afinada”. A estudante passou em um vestibular no Espírito Santo, mas, apesar da distância, a regente teve um retorno. “A mãe veio me agradecer e a meni-na me contou que a primeira coisa que fez quando entrou na faculdade foi se matricular no canto coral da universidade”, lembra Danielle, emocionada.

Ricardo Calixto, ex-aluno de Danielle Baggio, conta que o coral o ajudou a superar o problema da timidez. Antes, ele não conseguia nem cantar na primeira fileira. “Ainda sou bastante tímido, mas melhorei, eu superei o trauma. A Dani fazia o esforço para me colocar na frente, me botava para fazer solo - e eu odeio fazer solo, até hoje eu detesto, mas ajuda também”, admite. Ele é coralista há dez anos e não tem vontade de parar.

Também uma pessoa muito tímida, Alexandre de Paula estudante do segundo semestre do curso de Música na Univer-sidade de Brasília (UnB). Ele passou por diversos corais e, nos primeiros coros que participou, ficava muito tenso para as

apresentações. “Lembro da minha primeira apresentação do Coro Sinfônico da UnB. São quase 300 pessoas cantando e eu estava nervoso. Hoje já fico mais tranquilo pra cantar em coro, mesmo tendo 10 pessoas. Agora eu até falo mais nas aulas, expresso minhas opiniões.”

Além de serem um ambiente que proporciona crescimento individual, os grupos corais ajudam no desenvolvimento do trabalho em equipe. São várias vozes diferentes cantando ao mesmo tempo e, se os coralistas não prestam atenção aos colegas, a música não sai. “O desenvolvimento em grupo é di-ferente. Você tem que trabalhar muito próximo, muito atento ao seu amigo, ao seu colega de coro, e isso faz as relações se estreitarem”, explica Alexandre de Paula.

Danielle Baggio também acredita que o trabalho em equipe ajuda em outras diversas situações, não serve apenas enquan-to a pessoa estiver no coral. “Trabalhar em coro é maravilhoso, porque esse espírito de equipe faz com que as pessoas sejam mais unidas e pensem mais umas nas outras. Não só no grupo, mas na vida”. Ricardo Calixto compartilha desse sentimen-to. “No trabalho em equipe, você está contando com outras pessoas para cantar junto de você. Então, o coral me ensinou também a conviver melhor com os outros. Diferenças sempre vão existir, sempre vai ter gente chata, é normal, mas você aprende a conviver melhor com as pessoas.”

Regente de três corais, inclusive o coro independente Laugi, Paulo Santos acredita que, dependendo do grupo, a empatia é tanta que eles se tornam uma família. “No Laugi, não tem como não me envolver. Coral é totalmente família. Tem uns que a gente tem que pegar pra criar, botar debaixo do braço, dar bronquinha. Tem outros que dão bronquinha na gente. Então é bem essa, eu gosto dessa relação, humana, com os cantores”, conta Santos, que é casado com uma das coralistas do Laugi. Outros dois participantes foram padri-nhos do casamento.

Um vício bomQuando perguntado sobre a sensação de reger um coro,

o maestro David Junker dá a simples resposta: “In-des-cri-tí-vel”. Essa relação com o canto coral é compartilhada por outras pessoas, e existe até explicação científica: “Música tem poder sobre o ser humano. Em alguns momentos gratifican-tes, ela te leva a um patamar diferente de vida, porque os seus hormônios estão jogando mais serotonina no cérebro e você está atingindo algo de realização pessoal diferente de todas as outras atividades”, conta Junker.

A paixão pela música motivou Alexandre de Paula a largar o curso de Letras para poder cursar Música e se tornar regen-te. Seu vício por corais começou justamente na disciplina de canto coral da UnB. Ele se matriculou porque precisava de créditos, mas acabou tomando gosto. Depois de terminar a matéria, participou de outros grupos e decidiu que queria se dedicar integralmente à Música. “Assim que eu comecei a trabalhar com coral e cantar em coral, eu sempre quis estar à frente. Acho que isso que me guia, querer ser regente, ser maestro de coro.”

Outro que também trocou de curso para entrar na Música por-que se envolveu com coral foi o maestro Paulo Santos. Ele estava no sexto semestre de Psicologia quando decidiu se tornar regen-te. Um dos sonhos do maestro era criar um coro que mostrasse como um coral pode ser interessante. Por isso ele criou o Laugi, em 2004, um grupo vocal independente e, por isso, díficil de man-

ter. Mesmo com as crises pelas quais o Laugi já passou, Santos não abandona o sonho. “Estou aprendendo a administrar e fui ajudado por muitas pessoas também. O que para mim sempre foi motivador para manter o coro foi o trabalho, a vontade de fazer música vocal diferenciada.”

Quem já estava cursando Música quando decidiu ser regente foi Danielle Baggio. Ela fazia bacharelado em flauta, mas mudou de rumo na faculdade quando se apaixonou pelo canto coral. Hoje, Danielle rege um coro e canta em outro, porque não consegue separar as duas atividades. “O reger pra mim é como se estivesse cantando. É como um escultor quando está manipulando a peça na argila. Eu moldo a voz dos meus alunos”. Quando trabalha com voz, Danielle sente como se estivesse cantando junto. “Eu passo a emoção que eu sentiria e como eu interpretaria essa música se eu estivesse cantando. E aí eu moldo no meu gesto o sentimento que eu teria e passo para os alunos cantarem. Então eles são meu sentimento”, descreve.

PreconceitoO mundo dos corais sofre com o preconceito da socie-

dade. “Só gosta de coral quem faz coral”, conta o regente Paulo Santos. No Laugi, ele tenta fugir do estereótipo que os grupos recebem ao mudar a forma de divulgação. “O Laugi está fugindo do rótulo coral, apesar de ser um. As pessoas pensam em coral e imaginam um coro de empresa, de igreja. Então nós dizemos que somos um ‘grupo vocal performático’. Então a pessoa vai querer descobrir o que é isso e vê que é um coro bacana.”

O maestro David Junker diz que, “dependendo da for-mação cultural da pessoa, existe, sim, preconceito, princi-palmente nos homens”. Ele acredita que só fazendo música para derrubar o estereótipo. “A partir do momento em que as pessoas começam a participar, o preconceito cai num instante”. E diz que “a sociedade pode estar crescendo, mas nós estamos muito atrasados, há muito o que se fazer ainda”. No Brasil, a obrigatoriedade do ensino da música nas escolas só veio por meio de uma lei de 2008. A partir de 2011, a disciplina deverá constar no currículo do ensino fundamental e médio.

“Eu acho que, na hora em que os políticos perceberem que cultura não é só entretenimento, as coisas podem melhorar, porque a cultura permeia a sociedade. Não é só pão e circo, ela pode fazer as pessoas terem sensibilidade e poderem se agregar e se unir”, diz Danielle Baggio.

O maestro David Junker dá aula de canto coral na Universidade de Brasília e considera o ensino da música “o elemento nobre da educação”

No grupo Laugi, alunos fazem performances durante as apresentações

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Danielle Baggio rege coral de alunos do ensino médio

8 Brasília, 30 de novembro a 13 de dezembro de 2010

Falta povo na obra de arte que é a capital federal. Encolhidas no grande espaço aberto que é Brasília, as pessoas seguem

por rodoviárias e metrôs sem tempo nem direito ao que é seu por definição: a cidade. Nas palavras do poeta Nicolas Behr: “arte pra arquiteto ver poema pra analfabeto ler”. E se a cidade anseia por humanidade, pede desesperada-mente um pouco mais de arte. Mas não a arte dos museus e monumentos imponentes, mas a arte do tempo real, da vida real. Porque, na imitação da vida, arte é gente e vice-versa.

O metrô de Brasília proíbe músicos e outros artistas. Abriu

uma exceção para a experiência relatada nesta página. Indignado, o maestro Jorge Antunes, professor do De-partamento de Música da UnB, doutor em Estética pela Sorbonne de Paris, dispara: “É uma coisa que deveria ser corriqueira em Brasília, que acontece no mundo todo. Para mim, o verdadeiro lugar habitual [da arte] é a rua”. Em 1984, na Sinfonia das Diretas, Antunes desceu da toga para reger 300 automóveis numa orquestra de buzinas em plena Esplanada dos Ministérios.

Levando arte para a rua, notamos espanto, contemplação, curiosidade. O maestro Antunes explica: “Sempre que a gen-te faz música clássica na rua gera recepção, sobretudo por conta da dúvida das pessoas. O povo anseia por arte, mas não tem acesso. Quando tem oportunidade, gosta e começa a procurar”.

Para Nietzsche, a vida seria insuportável sem arte. Mas,

se a arte é a redenção da vida, deixamos escapar parte de nossa salvação ao transfigurar a obra em produto cultural, a fruição em consumo descartável. Na vida cotidiana burocratizada, mata-mos a vitalidade da arte relegando-a ao tempo artificial do “lazer”.

“Uma educação de qualidade muda isso. O sistema atual é opressivo. As crianças são criativas, mas, na infância, pais e professores proíbem que elas continuem a emitir fonemas que hoje são música de vanguarda. A educação precisa se voltar para a arte”, atesta o maestro Jorge Antunes, que também trabalha com educação musical.

“O poema é área pública invadida pela imaginação”, definiu Behr. E o que é educação, o que é a arte da existência senão pura imaginação? Para Antunes, “a beleza é alcançada também na surpresa, no inesperado, no momento de frustação da expec-tativa”. O mesmo nos lembrou o escritor Franz Kafka ao defen-der que um livro deve ser um “machado para romper a espessa camada de gelo em nosso interior”. Em pleno metrô de Brasília, na hora do rush, o arco do violinista foi nosso machado.

A Rodoviária do Plano Piloto escapou pela tangente da ordem e do progresso. Tem algo de mercado medieval e

de Serra Pelada: cheiro de fumaça, de mijo e uma multidão tentando ganhar a vida. A dois lances de escada, a estação do metrô estanca a hemorragia. É um mundo de regras. No me-tropolitano de Brasília, vulgo metrô, mendicância é proibida e num país onde artista leva rótulo de desocupado também não é permitido espetáculo sem autorização prévia. Mas a equipe do Campus não teve dificuldade em aprovar a versão tupiniquim de uma experiência realizada pelo jornal The Washington Post, em 2007. Na ocasião, o virtuose Joshua Bell se meteu à paisana na estação L’Enfant Plaza, frequentada por executi-vos, e tocou pérolas da música erudita num Stradivari, violino avaliado em US$ 3,5 milhões. A excepcionalidade quase não foi notada por lá.

O público que circulava na estação brasiliense, por volta das 18h do dia 5 de novembro, não estava familiarizado com erudição. Nossa estação não é feita da mesma matéria humana que a chique L’Enfant Plaza, porém não ignora o violinista da Orquestra Sinfônica do Teatro Nacional Claudio Santoro (OSTNCS). Daniel Cunha Rego foi convocado pelo Campus e deixa claro que não é um Joshua Bell, mas muitos param para escutar as notas afinadas da Sonata para Violino Solo, de Bach. Martinho Pereira dos Santos, 50, é o primeiro a frear o passo. Operário da construção civil, nunca havia visto ou ouvido um violino, a não ser na televisão. E gostou: “É bom escutar essa música do fundo do coração”.

O instrumento também foi uma descoberta para a babá Taís do Nascimento, o corretor de imóveis Denis Silva, a dona de casa Helena Demétrio, o aposentado Manoel Macedo. Gen-te que diz nunca ter tido oportunidade de ouvir um violino, ainda que a OSTNCS toque de graça, toda terça-feira, numa

sala ao lado da Rodoviária. Difícil entender como algo pode estar tão perto e tão distante. O teatro virou abismo que separa arte do povo. Mas quando a música vai para rua, fascina. Priscila Rodrigues, 16, fica bastante tempo diante do artista, cheia de brilho nos olhos. Entre dois movimentos, Cunha interrompe a melodia e a estudante se apressa, quer saber se ele dá aulas de música. Desejo espontâneo que a beleza da arte desperta.

Duas pessoas tentam dar dinheiro ao violinista. Pecado mortal segundo as regras locais. Um sujeito não resiste e joga uma moeda aos pés de Cunha. A estudante Vânia Amorim, 22, quer levar o espetáculo para casa e pede licença para filmar. Como a maioria, era a primeira vez que estava diante do ins-trumento que forma a coluna vertebral de uma orquestra. “A música embeleza a alma”, diz, com sorriso escancarado. Ao fim de uma hora de concerto, o músico está disposto. Habitu-ado aos palcos, gostou da experiência. Resume dizendo que achou “muito interessante”. No chão, a moedinha reluzente insiste. É o aplauso silencioso de quem talvez tenha escutado o único violino de sua vida.

O LUGAR DA arte

A música desafia a pressa A insistência em dar uma moedinha

por eDeMilson paraná

por paulliny GualBerto

Martinho freia o passo para ouvir a sonataO violino ecoa na estação

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SONATA PARA METROPOLITANO

Daniel Cunha Rego leva Bach à hora do rush

Na estação de metrô, violinista desafia o caos e ganha a

plateia

Música para os olhos