campus nº. 374

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CAMPUS ELES QUEREM MUDAR DE VIDA ZONA RURAL DO DF SEM MÉDICOS Atendimento mais próximo fica a 70 km Quatro histórias de jovens que tentam deixar o vício em centro de reabilitação Foto: Victor Pennington METAL: NOS SUBSOLOS DE BRASÍLIA Força de vontade move som independente MÚSICA Foto: Roberta Pinheiro Foto: Bárbara Cabral DROGAS Jornal-laboratório da Faculdade de Comunicação da UnB de 15 a 21 de novembro de 2011, ano 41, edição 374 SAÚDE CAMPUS

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Jornal-laboratório da Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília (UnB), ano 41, edição 374

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CAMPUS

ELES QUEREM MUDAR DE VIDA

ZONA RURAL DO DF SEM MÉDICOSAtendimento mais próximo fica a 70 km

Quatro histórias de jovens que tentam deixar o vício em centro de reabilitação

Foto: Victor Pennington

METAL: NOS SUBSOLOS DE BRASÍLIAForça de vontade move som independente

MÚSICA

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Jornal-laboratório da Faculdade de Comunicação da UnB

de 15 a 21 de novembro de 2011, ano 41, edição 374

SAÚDE

CAMPUS

A penúltima edição do Campus deste ano tem a obrigação de discutir um fato triste: no dia 06 de novembro, o cinegrafista Gelson Domingos,

da TV Bandeirantes, foi assassinado na favela de An-tares, no Rio de Janeiro. Ele tinha 46 anos de idade e 20 de jornalismo, ofício cada vez mais entregue à espetacularização a todo custo.

O acontecimento instiga a reflexão sobre os limi-tes profissionais da produção da notícia. A sede pelas primeiras imagens – e não pela notícia em si - levou repórter e cinegrafista com coletes à prova de balas pouco resistentes a um campo de batalha que mata mais do que o conflito armado no Afeganistão. Nada justifica tamanho pragmatismo ao tratar a vida e a se-gurança desses profissionais.

Se a função social do jornalismo é desvendar vários aspectos de um mesmo fato, a essência da profissão está se perdendo para o circo da notícia. A denún-cia a qualquer preço, a primeira imagem, a entrevista exclusiva e o furo de reportagem transformam o jor-nalismo bem feito em ejaculação precoce. E não falo

aqui das expedições a endereços perigosos para a produção de reportagens de importância social, mas das incursões puramente espetaculosas.

E o problema não é só o conceito de jornalismo, mas as condições em que trabalham seus profissio-nais. O cinegrafista, que ganhou no ano passado o prêmio Vladmir Herzog de Anistia e Direitos Hu-manos revelou que seus próprios direitos não eram respeitados pela empresa onde trabalhava. Segun-do a Federação Nacional dos Jornalistas, ele era contratado como operador de câmera, com salário mais baixo, mas exercia funções de repórter cine-matográfico.

O ex-diretor da Biblioteca do Congresso dos Es-tados Unidos, Daniel Boorstin, no livro A Imagem, faz boa crítica a imprensa que menos se preocupa em reportar a realidade do que em alimentar as ex-pectativas de seus leitores. No jornalismo, cada vez mais, sai de foco a notícia bem apurada e o espetá-culo ganha o primeiro plano. E a morte de Gelson Domingos é só a ponta dessa história toda.

CAMPUS Jornal-laboratório da Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília

Editor-chefe Emerson Fraga Secretária de Redação Amanda Maia

Diretor de Arte Ricardo Viula Editores Amanda Maia (p. 8),

Emerson Fraga (p. 1 e 2), Livea Chefer (p. 3 e 7) e Paulo Victor Chagas (p. 4, 5 e 6)

Diagramadoras Ana Júlia Melo e Brenda Monteiro Fotógrafos Bárbara Cabral e Mateus Lara

Repórteres Amanda Martimon, Guilherme Alves, Marcella Fernandes, Roberta Pinheiro e Victor Pennington

Monitores Alexandre Bastos e Júlia Libório Jornalista José Luiz Silva Professores Sérgio de Sá e Solano Nascimento ISSN 2237-1850Brasília/DF - Campus Darcy Ribeiro Faculdade de Comunicação - ICC Ala NorteCEP 70.910-900 Telefones 61 3107.6498/6501E-mail [email protected]áfica Palavra Comunicação

O PREÇO DA ESPETACULARIZAÇÃO

Emerson Fraga, editor-chefe

Apresentado em setembro deste ano, o texto da Lei Geral da Copa revelou uma série de divergências entre os de-sejos da Fifa e a legislação brasileira. Uma das principais se refere à meia-entrada para estudantes nos jogos do torneio, o que reacendeu as discussões em torno do bene-fício. Criada para ampliar o acesso dos jovens à cultura no Distrito Federal, a meia-entrada para estudantes em even-tos culturais é assegurada pela Lei 2.768/01. O Campus foi à fila do Teatro Nacional para saber o que os brasilienses pensam sobre a meia-entrada em espetáculos de cultura.

NA FILA

do teatro

OPINIÃO

A ideia é boa, mas tem que igua-lar os valores aos preços de SP e RJ. Um show de 50 reais nesses estados chega aqui por 200. Acaba que a meia-entrada vira inteira.

O esforço em trazer novos elementos para a dia-gramação talvez seja o maior destaque da edi-ção 373 do Campus. Além de chamadas pou-

co criativas, os textos estão insossos, incluindo o da coluna Na Fila. A exceção cabe apenas a Futebol da capital vai mal das pernas e ao perfil, o melhor e mais interessante deste semestre.

Apesar de bem feita, Construção verde é aposta de longo prazo tem narrativa pouco atrativa e traz um Por Trás da Reportagem chato. E faz falta saber quem são os futuros moradores e a variação do preço do apartamento em relação a um imóvel comum. Ah, é es-tranho que a existência de um projeto que prevê cons-trução ecológica inferior a 10% do valor mínimo das obras do Minha Casa Minha Vida não seja destacada.

Música fora de ritmo nas escolas também deixa a desejar. O texto tem várias repetições e torna a leitu-ra cansativa. Diante da recente polêmica em torno da

contratação de docentes pelo GDF, fica a dúvida se professores de música estariam entre os que aguar-dam vaga. A melhor parte é em Infância cheia de sons, que traz as informações que mostram a vali-dade do projeto e tem uma escrita mais cativante.

Em Por dentro da profissão: divas da noite, uma contradição: o sutiã afirma que as drag queens ago-ra são gerenciadas por empresas e não precisam mais trabalhar por contra própria. Entre os per-sonagens, Alice Bombom é autônoma e consegue contratos sem intermédios de produtoras. Há ainda afirmações pouco embasadas, mas o tema é bom e o box que o acompanha é excelente. Por fim, o Q? Curiosidades não é nada explicativo.

FEIJÃO COM ARROZ NÃO BASTA

Raquel Castelo

OMBUDSKIVINNA

EXPEDIENTE

Mateus Lara

Solom Junior, advogado

O brasileiro sempre leva as coisas para o lado errado. Você vê gente com 50 anos mostrando carteira

de estudante e pagando meia.

2 CAMPUS Jornal-laboratório da Faculdade de Comunicação da UnB Brasília, de 15 a 21 de novembro de 2011

É um incentivo que garante mais acesso. Os estudantes não têm dinheiro para pagar os preços das entradas inteiras.

Benevaldo Machado, vigilante

Aqui em Brasília se aproveitam da meia-entrada. Eles dobram o valor e dão meia para todo mundo em

troca de doações de alimentos.

Luciana França, servidora pública

Feminino de ombudsman, termo sueco que significa “provedor de justiça”, a ombudskivinna discute a

produção dos jornalistas a partir da perspectiva do leitor.

Elmano Duarte, analista de sistemas

ACESSE O CAMPUS ONLINE WWW.FAC.UNB.BR/CAMPUSONLINE

Na edição número 332 do Campus, os repórteres Felipe Néri e Gisele Novais se aventuraram pela DF-205, que corta a área norte da zona rural de Brasília, para conhe-cer as histórias de uma região tão próxima e tão distante do ritmo metropolitano na re-portagem Outras terras, outros sonhos.

foi indicado para substituí-lo. Para os moradores que sofrem com diabetes, hi-pertensão, problemas de coluna e outras doenças, fica difícil dar continuidade a tratamentos e conseguir remédios.

Não é só médico que falta. “Este mês não veio medicamento”, conta Maria Le-nice Natividade. Hipertensos e diabéticos estão sem remédios. “E geralmente quan-do vêm, vêm em quantidade insuficien-te”, complementa a agente comunitária. Como o posto está em reforma, o auxiliar de enfermagem e o enfermeiro atendem num prédio improvisado. Em outras co-munidades próximas, as consultas acon-tecem em escolas e igrejas.

Na região onde o PSF não funciona adequadamente por falta de profissionais e infraestrutura, o que diminui os proble-mas é o trabalho dos agentes de saúde. Líderes que levam em cada visita a espe-rança que falta na comunidade. “Eu não acredito mais na vinda dos médicos. Há dez anos moro aqui e a vida é esta”, con-ta Felipa Xavier. Os agentes não possuem formação médica, mas hoje são tudo o que os brasilienses mais isolados têm.

A solução não tem data para chegar. “Quando a gente pensa na expansão do Saúde da Família, as unidades rurais têm que ser priorizadas”, afirma Sérgio Edu-ardo, coordenador de Saúde Rural do DF. “Se isto vai acontecer amanhã ou no co-meço do ano que vem, não tem como sa-ber.” Neste ano, nenhuma equipe do PSF foi criada no Distrito Federal.

SAÚDE

No caminho para Unaí (MG), na DF-285, está localizado o Núcleo Rural Jardim. Construções modes-

tas abrigam uma escola, mercearias, uma igreja, um centro comunitário e o posto da Empresa de Assistência Técnica e Exten-são Rural (Emater). As ruas são de terra batida. As pessoas, de fala simples, estão acostumadas com o sol forte e o trabalho braçal nas plantações que circundam a área. Uma visão diferente da massa de concreto dos grandes centros urbanos.

Famílias estão separadas por mais de 10 km, e as casas de tijolo aparente aco-lhem histórias de angústia. É lá que vivem os brasilienses mais distantes de um mé-dico, que para chegar ao hospital mais próximo precisam percorrer 71 km, parte deles em estradas de terra vermelha pe-las quais o transporte público não passa.

A área rural Jardim, a maior do DF, é formada pelas comunidades Jardim II, Bu-riti Vermelho, Sussuarana, Itapeti, Granja Progresso, São Bernardo e Cabicerinha. Lá vivem quase duas mil pessoas que es-tão há seis meses sem médico. Em outras ocasiões, chegaram a ficar até três anos sem assistência médica.

ISOLADOS“Aqui é ruim, porque falta médico,

né? Às vezes vem um, a gente começa

Os brasilienses mais distantes dos médicosNo Jardim, a maior área rural do Distrito Federal, quase duas mil pessoas estão sem assistência médica há seis meses. Moradores precisam se deslocar 71 km para conseguir atendimento no hospital mais próximo, no Paranoá

a gostar dele, aí ele vai embora e a gen-te fica sem nada”, conta Júlia Martins, 49. Nascida e criada em comunidade ru-ral, ela saiu de Formosa (GO) e mora há oito anos em Sussuarana. Por causa do trabalho braçal da roça, Júlia sofre com problemas na coluna. A agricultora conta que “outro dia mesmo” ficou de cama sem andar e não pôde ir ao médico, já que não tinha condições de se deslocar de ônibus nem de carro. A filha saiu do Recanto das Emas para levá-la ao hospital de Planalti-na, um dos mais próximos.

Os hospitais de referência da região são os regionais do Paranoá e de Planal-tina. De ônibus, o trajeto demora em mé-dia duas horas. Para os brasilienses mais distantes do serviço médico básico, viajar virou rotina.

A comunidade rural está habituada a acordar com o sol nascendo. Entretanto, há algum tempo, o amanhecer começa no ponto de ônibus. A única linha que sai da região para o Paranoá ou Planaltina passa às 6h da manhã e só volta às 4h da tarde. “Lá no Paranoá, a gente vai para resol-ver uma coisa e fica o dia todinho”, conta Conceição Martins de Araújo, de 49 anos. Ela estava com dor de ouvido, já não escu-tava mais e foi até o pronto-socorro. “Eles não olharam para mim, disseram que ti-nha gente pior que eu”, relata. “Eu só não estava escutando.”

Como só chegam ao hospital entre 8h30 e 9h da manhã, os moradores do Jardim não conseguem marcar as consul-tas, já que a fila é grande. O serviço na emergência demora e, quando eles estão prestes a serem atendidos, precisam pe-gar o caminho de volta.

O carro é a última opção. Cleonei Pereira, 31, mãe de seis filhos e moradora de Sus-suarana, diz que “quando é coisa grave”, os moradores precisam arrumar carro para levá-los ao hospital. “Semana passada mesmo eu paguei R$ 50 para levar a minha filha, porque ela estava reclamando de dor nos rins.” O gasto não é só com transporte. Cleonei vai recorrer ao serviço parti-cular para cuidar do filho que está com o rosto deformado. A mãe conta que levou a crian-ça três vezes ao Paranoá e não conseguiu atendimento.

Roberta Pinheiro

Depois das tentativas fracassadas, os mé-dicos atenderam a criança, mas, sem exa-me, disseram que ela estava com infecção e que só fisioterapia resolveria. “Marquei a fisioterapia para ele, mas nunca chama-ram. Agora eu vou ver se consigo fazer particular”, explica.

“Eu tenho problema de coração. Me mandaram para o Paranoá e lá eu não consigo tratamento. Não sou atendida há nove meses”, reclama Felipa Xavier, 46. Ela sofre de mal de Chagas e hipertensão. O médico disse que o acompanhamen-to era fundamental. “Mas como você vai ter acompanhamento se não consegue?”, questiona Felipa.

ANJOS DA GUARDA O posto de saúde do Núcleo Rural

Jardim faz parte do Programa Saúde da Família (PSF) e segue a metodologia de atenção primária, com foco na prevenção. Nesse modelo, uma equipe composta por um médico, um enfermeiro, dois auxilia-res de enfermagem e agentes comunitá-rios atende as famílias tanto na unidade de saúde quanto em casa. Entretanto, no Jardim a situação difere. A unidade fun-ciona em local improvisado e sua equipe só tem um enfermeiro, um auxiliar técni-co e seis agentes comunitários. O último médico foi transferido para ocupar um cargo no Ministério da Saúde, e ninguém

CAMPUS Jornal-laboratório da Faculdade de Comunicação da UnB Brasília, de 15 a 21 de novembro de 2011 3

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Para a família de Marcelo, marido de Felipa, falta esperança. O trabalhador conta que conversou com um médico uma vez e este reclamou que eram muitas comunidades para um só profissional atender

MEMÓRIA

Foto: Mateus Lara

Os riscos na zona rural são aparentes: casas sem filtro e crianças correndo descalças na terra

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paço

co

letiv

o pe

lo e

smer

o.

Que

m b

ota

orde

m n

a ca

sa s

ão o

s do

is m

onito

res

que

enca

min

ham

os

mal

com

port

ados

par

a a

coor

dena

ção.

G

eral

men

te q

uem

que

bra

as r

egra

s é

desl

igad

o do

pro

jeto

e p

ara

de m

orar

no

cen

tro

tera

pêut

ico.

O a

dole

scen

te

tem

que

esp

erar

qua

tro

mes

es, p

erío

-do

de

uma

inte

rnaç

ão c

ompl

eta,

par

a po

der

se c

andi

data

r a

uma

vaga

na

casa

nov

amen

te.

O o

bjet

ivo

do p

ro-

jeto

é m

uito

cla

ro: o

tra

tam

ento

con

-tr

a as

dro

gas.

Mas

o q

ue o

s ga

roto

s ap

rend

em é

, na

verd

ade,

a li

dar

com

um

nov

o m

undo

de

conv

ivên

cia,

aco

r-do

s e

paci

ênci

a.

“Man

o, n

os p

rim

eiro

s di

as e

u

sonh

ava

com

a p

edra

,

toda

noi

te”,

diz

Opu

s

O A

PAIX

ON

AD

OD

os t

rês

prin

cípi

os d

a ca

sa –

sem

br

igas

, se

m d

roga

s e

sem

rel

acio

na-

men

tos

–, o

últi

mo

é o

que

mai

s fa

z so

frer

o jo

vem

ex-

usuá

rio

de c

rack

de

ombr

os la

rgos

e c

onve

rsa

sim

pátic

a.Pa

ssio

*, 1

6 an

os, h

á tr

ês s

eman

as

na c

asa,

viv

e si

tuaç

ão s

hake

spea

ria-

na.

É a

paix

onad

o po

r G

lóri

a*,

mas

se

u am

or é

pro

ibid

o.

Ambo

s de

ixar

am n

amor

ado

e na

-m

orad

a do

lado

de

fora

da

casa

. Com

o

pass

ar

das

sem

anas

, at

ivid

ades

refe

içõe

s, j

ogos

, m

úsic

as,

film

es,

labo

rter

apia

s, c

onve

rsas

de

grup

o e

pulo

s na

pis

cina

– f

oram

se

torn

ando

te

dios

as e

enf

adon

has

para

os

dois

jo

vens

de

cora

ções

pro

stra

dos.

Des

se

jeito

vei

o a

apro

xim

ação

.G

lóri

a, 1

4 an

os, m

agra

, bon

ita, d

e ca

belo

s be

m e

scur

os,

natu

reza

agi

-ta

da e

cur

iosa

, po

ssui

a m

esm

a si

m-

patia

que

o s

egun

do a

man

te. P

ara

os

desa

visa

dos,

Pas

sio

não

é o

prim

eiro

en

cant

o da

gar

ota,

que

deu

trel

a pa

ra o

men

ino

Astr

um*,

que

tam

bém

vi

ve d

entr

o da

cas

a.A

ques

tão

é: h

ouve

mai

s do

que

pa

quer

a? P

ois

qual

quer

ato

que

ultr

a-pa

sse

um a

braç

o am

igáv

el s

igni

fica,

pa

ra o

s am

ante

s, o

des

ligam

ento

da

casa

. Ele

s nã

o fa

lam

. De

form

as e

scu-

sas

e se

cret

as, a

titud

es i

lícita

s es

tão

sob

os s

orri

sos.

sair,

eu

saio

ago

ra, t

á bo

m?”

, diz

ia a

o am

igo

Iugu

m*,

que

ass

istia

a u

m fi

l-m

e. A

mbo

s sã

o ex

-usu

ário

s de

cra

ck.

Ludu

s po

de

até

sair

do

es

paço

Tr

ansf

orm

e, m

as a

firm

a co

m c

erte

za

que

nunc

a vo

ltará

par

a on

de c

resc

eu.

A pr

ópri

a m

ãe é

vic

iada

na

pedr

a e

o ga

roto

de

17 a

nos

já d

ecid

iu q

ue n

ão

volta

rá à

s dr

ogas

. R

apaz

mag

relo

de

cabe

los

clar

os,

já v

iu o

que

mui

tos

hom

ens

de m

ais

idad

e nã

o pr

esen

-ci

aram

. Foi

abu

sado

sex

ualm

ente

por

um

tio

den

tro

de c

asa

quan

do c

rian

-ça

, e n

em s

abe

ao c

erto

qua

ndo

com

e-ço

u co

m o

s na

rcót

icos

.C

onta

a s

ua v

ida

de a

goni

as e

dúv

i-da

s. A

ada

ptaç

ão n

a ca

sa p

arec

e se

r a

part

e m

ais

difíc

il pa

ra e

le. J

á nã

o é

a ab

stin

ênci

a. É

o n

ovo

mun

do q

ue

surg

e di

ante

de

sua

vida

que

o a

ssus

-ta

. Ao

che

gar,

poss

uía

um p

avio

ex-

trem

amen

te c

urto

e s

e en

volv

eu e

m

duas

bri

gas.

Qua

se fo

i des

ligad

o, m

as

a di

reto

ra d

a ca

sa i

nter

veio

e L

udus

fo

i um

dos

pou

cos

que

obte

ve u

ma

segu

nda

chan

ce d

iant

e da

agr

essã

o fís

ica.

Por

iss

o su

a si

tuaç

ão n

a ca

sa

ficou

crí

tica.

“A p

sicó

loga

dis

se q

ue e

stou

aqu

i at

é se

gund

a or

dem

, só

que

eu

não

ente

ndi”

, di

sse

Ludu

s à

tera

peut

a oc

upac

iona

l Jul

iana

Mas

sari

olli.

“Is

so

sign

ifica

que

se

você

se

met

er e

m

qual

quer

bes

teir

inha

de

novo

voc

ê se

rá d

eslig

ado”

, res

pond

eu Ju

liana

.A

vida

na

rua

é se

m t

oler

ânci

a.

Qua

lque

r of

ensa

ou

sina

l é o

sufi

cien

-

CAM

PUS

Jorn

al-la

bora

tóri

o da

Fac

ulda

de d

e Co

mun

icaç

ão d

a Un

B

Br

asíli

a, d

e 15

a 2

1 de

nov

embr

o de

201

1 4

/5

Os

mon

itore

s,

chac

ais

das

vida

s am

oros

as,

nunc

a es

tão

dist

raíd

os.

Vist

oria

m c

om o

lhar

es

desc

onfia

dos

e co

nse-

lhos

sob

re p

aciê

ncia

. Q

ue fi

que

clar

o ao

s jo

vens

ap

aixo

na-

dos:

a c

asa

é ap

e-na

s pa

ra o

trat

a-m

ento

do

cio,

o pa

ra o

am

or.

Ele

s nã

o sã

o os

ún

icos

à

proc

ura

da a

lcov

a. N

a se

gund

a se

man

a em

que

est

ava

na c

asa,

ou-

tro

casa

l se

esco

ndeu

par

a na

mor

ar

e fo

i fla

grad

o em

ple

no a

to.

Sofr

eu

desl

igam

ento

imed

iato

: “M

oço,

est

a-va

gos

toso

dem

ais”

, fr

ase

que

diss

e o

rapa

z do

flag

rant

e ao

s ou

tros

que

co

ntam

, em

m

eio

às

garg

alha

das,

a

hist

ória

. O

s m

onito

res

são

just

os,

só p

unem

se

vire

m c

om o

s pr

ópri

os

olho

s. A

s de

núnc

ias

são

aver

igua

das

com

inv

estig

ação

(ge

ralm

ente

que

m

com

ete

uma

infr

ação

a r

epet

e).

É p

or i

sso

que

o tr

iâng

ulo

Pass

io,

Gló

ria

e As

trum

vem

sen

do m

onito

-ra

do n

as ú

ltim

as t

rês

sem

anas

. É u

m

espi

a-es

pia

na c

asa,

um

a re

de d

e fo

-fo

cas,

intr

igas

e já

nem

se

sabe

mai

s o

que

é ve

rdad

e e

o qu

e é

ficçã

o.

Gló

ria,

bem

esp

erta

, su

gere

um

m

otiv

o pa

ra a

reg

ra d

os r

elac

iona

-m

ento

s.

“Fic

a co

mpl

ica-

do,

afet

a a

conv

ivên

cia

na

casa

. Va

i qu

e eu

nam

oro

algu

ém e

ele

com

eça

a se

ntir

ciú

mes

de

todo

m

undo

. Vai

dar

bri

gas.

” E

stá

cert

a, G

lóri

a, n

a si

tuaç

ão

delic

ada

do

trat

amen

to,

as

emo-

ções

po

dem

tr

azer

m

aior

es p

robl

emas

.M

as

vont

ade

para

fa

zer

o qu

e é

proi

bido

os

inte

rnos

têm

. É q

ua-

se i

nocê

ncia

ped

ir a

os

Rom

eus

e Ju

lieta

s da

s ru

as q

ue e

sper

em q

ua-

tro

mes

es d

o tr

atam

en-

to p

ara

só e

ntão

con

su-

mar

em o

sac

ro a

mor

.

crac

k é

bem

par

ecid

o qu

ando

se

trat

a de

cri

mes

com

etid

os.

Opu

s fo

i en

cont

rado

pró

xim

o ao

C

onic

, mas

pod

eria

ter

sid

o em

qua

l-qu

er o

utra

boc

a do

DF.

Um

a as

sis-

tent

e so

cial

que

cam

inha

va n

a ru

a of

erec

eu-lh

e es

paço

em

um

abr

igo

do

gove

rno.

Ele

ace

itou

e as

sim

sua

vid

a co

meç

ou a

mud

ar.

No

tem

po q

ue p

asso

u no

abr

igo,

ob

serv

ou o

utro

s in

tern

os in

do p

ara

a ca

sa d

e re

abili

taçã

o do

esp

aço

Tran

s-fo

rme.

Con

vers

ou c

om a

dir

etor

a do

ab

rigo

, que

con

segu

iu u

ma

vaga

.N

os p

rim

eiro

s di

as d

e so

frim

en-

to, a

aus

ênci

a do

nar

cótic

o er

a fo

rte.

O

pus

era

mai

s. V

ence

u a

abst

inên

-ci

a, p

erm

anec

eu.

Ele

é u

m v

ence

dor

dent

ro d

a ca

sa. U

m e

xem

plo.

Hom

em

negr

o de

18

anos

, mui

to b

rinc

alhã

o e

dive

rtid

o. C

hego

u à

mai

orid

ade

den-

tro

do c

entr

o te

rapê

utic

o e

vive

lá h

á no

ve m

eses

. Um

a ge

staç

ão. O

tem

po

este

ndid

o é

um f

avor

par

a o

garo

to

que

agua

rdar

á na

ON

G a

té a

dat

a de

se

apr

esen

tar

ao e

xérc

ito.

Os

outr

os

inte

rnos

fo

ram

qu

em

dera

m o

ape

lido

ao j

ovem

. Q

uand

o el

e ch

ega,

à n

oite

, di

zem

: “L

á ve

m o

O

pus,

o tr

abal

hado

r”.

Um

dos

mon

itore

s é

case

iro

em u

m

luga

r pr

óxim

o ao

cen

tro.

Pre

cisa

va d

e um

aju

dant

e e

conv

idou

Opu

s. A

gora

o

inte

rno

acor

da b

em c

edo

e pa

rte

de

bici

clet

a pa

ra r

etor

nar

quas

e à

noite

. Ad

quir

indo

cal

os,

dinh

eiro

, or

gulh

o.

Ele

che

ga u

m p

ouco

dep

ois

do ja

ntar

. Se

u pr

ato

com

mui

ta c

omid

a é

gua

r-da

do à

sua

esp

era.

aban

dono

u a

mag

reza

doe

ntia

. Com

eça

aos

pouc

os

a fic

ar c

orpu

lent

o gr

aças

aos

dia

s de

la

buta

e à

boa

alim

enta

ção.

“E a

gora

?” p

ergu

nta

o re

pórt

er.

“Ago

ra,

é co

loca

r a

cabe

ça n

o lu

gar

e se

guir

a v

ida.

” An

tes

de d

orm

ir e

le

assi

ste

aos

film

es n

a sa

la d

e te

levi

são

com

os

outr

os i

nter

nos.

Agu

arda

ndo

paci

ente

men

te c

hega

r a

data

par

a pa

rtir

vito

rios

o da

cas

a.

te

para

m

atar

. D

entr

o da

cas

a, o

s m

enin

os

e m

enin

as

têm

qu

e ap

rend

er q

ue o

mun

-do

não

é a

ssim

. O

es-

paço

Tra

nsfo

rme

é pa

ra

mos

trar

um

a no

va v

ida,

co

mpl

eta,

mas

com

o fa

-la

r qu

e é

poss

ível

um

a re

-al

idad

e di

fere

nte

a qu

em s

ó vi

u vi

olên

cia

e do

r?N

a m

anhã

de

bado

, se

m

mot

ivo

apar

ente

, Lu

dus

e Iu

gum

es

tava

m d

e ba

nho

tom

ado

e m

alas

pr

onta

s. Iu

gum

mai

s pa

reci

a se

guir

o

amig

o pa

ra n

ão fi

car

sozi

nho

na c

asa.

Os

mon

itore

s fiz

eram

o q

ue p

o-di

am.

Acon

selh

aram

, di

alog

aram

, lig

aram

par

a os

psi

cólo

gos,

que

con

-ve

rsar

am c

om o

s ga

roto

s. A

té a

co-

zinh

eira

gas

tou

seus

tri

nta

min

utos

co

m o

s do

is a

dole

scen

tes

em v

ão. A

in-

da h

avia

ras

tro

de d

úvid

a no

s de

sis-

tent

es, m

as a

dec

isão

era

fina

l. “S

erá

que

eu e

stou

faz

endo

a c

oisa

cer

ta?”

di

sse

Ludu

s co

m u

m le

ve s

orri

so.

Ele

não

que

ria

espe

rar

que

algu

ma

cois

a ac

onte

cess

e pa

ra s

er d

eslig

ado

da c

asa,

o q

ue, n

a ca

beça

do

adol

es-

cent

e, n

ão p

oder

ia e

vita

r. M

elho

r sa

ir

pela

pró

pria

hon

ra e

von

tade

. Des

de

cria

nça

sem

pre

foi

resp

onsá

vel

pelo

pr

ópri

o de

stin

o. E

ass

im,

dono

de

si

mes

mo,

de

form

a br

usca

e s

em a

viso

, de

pois

dos

doi

s m

eses

e 1

2 di

as q

ue

pass

ou n

a ca

sa, p

artiu

sem

com

plet

ar

o tr

atam

ento

.

O T

RA

BA

LHA

DO

R“M

ano,

nos

pri

mei

ros

dias

eu

so-

nhav

a co

m

a pe

dra,

to

da

noite

.”

Opu

s* a

cord

ava

suad

o, o

fega

nte

pela

fa

lta d

o cr

ack.

Com

o de

seja

va s

air

da-

quel

a ca

sa e

usa

r a

drog

a no

vam

ente

.N

as r

uas,

viu

trê

s am

igos

mor

re-

rem

por

cau

sa d

o tr

áfico

. Pr

eviu

o

próp

rio

dest

ino

no s

aco

do I

ML.

Fez

be

stei

ras

que

pref

ere

não

cont

ar.

O

pass

ado

de m

enor

es e

x-vi

ciad

os e

m

OS

DE

SIST

EN

TES

De

repe

nte,

em

um

a br

inca

deir

a da

se

xta

à no

ite

sobr

e pa

rtir,

al

guns

in

tern

os

con-

cluí

ram

qu

e o

êxod

o er

a um

a bo

a id

eia.

São

ga

roto

s cu

jas

paix

ões

e de

cisõ

es s

ão d

o aq

ui e

ag

ora.

De

horm

ônio

s,

abst

inên

cia

e m

edo.

Ludu

s*

fala

va

alto

na

sex

ta. “

Se e

u qu

iser

PO

R T

S D

A R

EP

OR

TAG

EM

O c

onta

to c

om a

ON

G T

rans

form

e fo

i fei

to p

or m

eio

do g

rupo

de

pesq

ui-

sa V

iole

s, co

orde

nado

pel

a pr

ofes

sora

do

cur

so d

e S

ervi

ço S

ocia

l da

UnB

M

aria

Lúc

ia L

eal.

Dep

ois

de e

ntre

-vi

sta

no e

spaç

o de

ate

ndim

ento

ao

públ

ico,

hou

ve v

isit

ação

à c

asa

cujo

en

dere

ço n

ão é

div

ulga

do,

para

se-

gura

nça

dos

inte

rnos

. A a

pura

ção

na

casa

dur

ou q

uatr

o di

as. P

rim

eiro

um

a se

xta-

feir

a, d

uran

te t

rês

hora

s, pa

ra

apre

sent

ação

ao

s in

tern

os.

Dep

ois,

três

dia

s in

teir

os, d

as 7

h às

22h

, par

a um

a co

nviv

ênci

a m

ais

apro

fund

ada.

A

ON

G a

ceit

a do

açõe

s de

alim

en-

tos,

roup

as, l

ivro

s e,

por

mei

o de

con

ta

banc

ária

, dep

ósit

os e

m d

inhe

iro.

Te

lefo

ne: (

61)

3468

2696

E-m

ail:

tran

sfor

meo

ng@

ig.c

om.b

rS

ite:

ww

w.t

rans

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tos, como o Metal 0800, organizado em frente à oficina mecânica do metaleiro Vagner Lima, o Preto. Para ele, a essência do underground é se opor ao padrão co-mercial, o “mainstream”.

“São dois mundos diferentes, a mídia não tem por que divulgar uma música de metal, isso não vende como ela quer e não é muito palatável”, explica Lourenço Sant’Anna. Os produtores independentes não se importam tanto com o retorno. “A primeira coisa pra mim é divulgar as

Segundo aficionados, o underground é uma cultura que se sustenta sozinho. Tem meios de comunicação, shows, modo de vestir e de pensar. Sustenta-se com o trabalho de organizadores, músicos e fre-quentadores dos shows, já que o metal brasiliense não tem apoio de grandes gra-vadoras, produtoras ou revistas comer-ciais de música.

A divulgação dos shows e músicas é feita pela internet e por revistas indepen-dentes. Muitos desses shows são gratui-

MÚSICA

O som tocado e mantido por poucosApós 30 anos no cenário musical brasiliense, o metal continua underground por escolha própria. Poucas bandas chegam a fazer sucesso, e produtores afirmam que a preocupação com o dinheiro fica em segundo plano

6 CAMPUS Jornal-laboratório da Faculdade de Comunicação da UnB Brasília, de 15 a 21 de novembro de 2011

Guilherme Alves

Bárbara Cabral

Tomar sorvete rápido demais congela cérebro Cefaleia de alimentos gelados dura meio minuto e atinge um terço da população

CURIOSIDADES

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Todo verão é a mesma coisa: praia, sol e muito picolé. De repente, uma tremenda dor de cabeça, que logo passa. A cefaleia de sor-vete, conhecida popularmente como “conge-lamento do cérebro”, é uma dor de cabeça instantânea causada por alimentos gelados, que pode ser explicada cientificamente.

De acordo com estudo publicado na revis-ta britânica British Medical Journal, 30% da população sente dores de cabeça ao co-mer alimentos gelados rápido demais. A ex-plicação está relacionada à sensibilidade do nervo craniano trigêmeo. Segundo Joaquim

Pereira, neurologista do Departamento de Ciências Fisiológicas da UnB, o fenômeno acontece porque o trigêmeo é um nervo hi-persensível que faz a ligação entre as regiões da testa (região oftalmológica), maxilar e mandíbula. “Ao comermos algo muito gelado, estimulamos excessivamente esse nervo, e a sensação se reflete em dor de cabeça.”

No entanto, não há com o que se preocu-par. A cefaleia de sorvete dura no máximo 30 segundos e não causa efeito posterior. Para fugir da dorzinha incômoda nos dias de calor, basta tomar o milk shake com mais calma.

bandas”, afirma Rolldão. Ele já lançou vá-rias bandas com o selo Kill Again, criado e mantido por muito tempo com dinheiro de outros trabalhos. Só agora o selo é sus-tentado pela própria música.

Poucas das bandas deram lucro, e uma delas é o Violator, que lançou dois álbuns pelo selo e já tocou na Europa e no Japão. Mas Rolldão não se importa que nem toda banda seja assim. “O problema da maioria dos selos é que os caras são empresários, querem dinheiro, a banda tem que dar

retorno”, critica ele. “Grana para mim é segundo plano.’’

Na organização dos shows, muitas vezes, por falta de dinhei-ro, os organizadores hospedam os grupos na própria casa. Mes-mo quando há recurso para hotel, eles preferem estar próximos das bandas. “Só deixo os caras em hotel quando não tem espaço em casa”, conta Rolldão. “Se eu pu-desse, deixava eles o dia inteiro tomando cerveja, comendo chur-rasco, ouvindo um som.” Depois, “termina o show e a gente se tor-na amigo”, completa.

Para Sant’Anna, “o under-ground é uma rede de amizades’’. Rolldão escuta e distribui material de várias bandas de Brasília, in-clusive de algumas lançadas inde-pendentemente por colegas.“Tem amigos meus que lançam bandas horrorosas e, mesmo assim, eu pego pra não perder o amigo’’, conta o agitador cultural.

Cinco bandas, CDs e DVDs de brinde e ingressos a R$ 5. O festival Kill Again Metal Fest celebrou em ou-

tubro os dez anos do selo que lança gru-pos de metal underground de Brasília, de outras partes do país e até de fora. E não deu lucro: “Fiz um evento só pra incen-tivar a cena, um cara que pensasse em dinheiro tinha colocado o ingresso a R$ 25”, conta Antônio Moreira, o Rolldão, dono do selo Kill Again e vigia noturno em uma escola no setor P Sul da Ceilândia.

O metal brasiliense começou nos anos 1980 seguindo tendên-cia dos gêneros mais extremos de metal – pouco comerciais, rápidos, pesados, com letras vio-lentas e performance agressiva – sempre independente. “Não precisa ser gênio pra saber que ingressos a R$ 5 não vão bancar tudo isso, mas o underground não vive pelo dinheiro, e sim pelo prazer”, explica Lourenço Sant’Anna, estudante e baterista da banda Blackskull.

E o prazer é conquistado sen-tindo a música. “A gente fez um show pra umas oito pessoas, e foi um dos melhores”, conta Sant’Anna. “Às vezes tocar pra mil pessoas não dá a mesma energia e fervor de tocar pra oito”, afirma. E acrescenta: “O metal é um estilo de vida, você tem que abdicar de muitas coi-sas sem ter muitos frutos, mas isso não é um problema.”

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CAMPUS Jornal-laboratório da Faculdade de Comunicação da UnB Brasília, de 15 a 21 de novembro de 2011 7

Marcella Fernandes

CÂNCER

O DF é a unidade da federação não banhada pelo mar com mais casos de melanoma em homens. A alta incidência de radiação solar e as características de miscigenação da população são os fatores responsáveis pelo número

sidade da vermelhidão de queimaduras sola-res aumenta em 4%.

Aliada à ação dos raios UV está a grande miscigenação, que in-clui indivíduos cauca-sianos vindos do Sul e de outros países. “Bra-sília recebe gente de várias partes do país. O padrão de imigra-ção é outro, diferente do restante das uni-dades da federação”, afirma Flávia. Pessoas de pele branca têm dez vezes mais chance de desenvolver me-lanoma. Em estudo realizado pelo Hospi-tal Universitário de Brasília (HUB), de 32 pacientes com câncer de pele, 87,5% eram caucasianos.

MENOS FREQUENTE,MAIS LETAL

O melanoma repre-senta apenas de 3 a 5% dos casos de cân-cer de pele. Apesar de menos comum, é o responsável pelo maior número de mortes devido à alta capacidade de metastizar (quando o câncer se espalha pelo corpo através da corrente sanguínea). “Ele atin-ge os vasos linfáticos ou sanguíneos e afe-ta diversos órgãos, gerando transtornos que levam o paciente ao óbito”, explica Flávia, que é médica do HUB. Quando ocorre a metástase, 60% a 80% dos pa-cientes morrem depois de cinco anos.

A médica afirma que “a chance de cura do melanoma é o diagnóstico precoce”, quando o tumor está apenas na epiderme, camada mais superficial da pele. Quando atinge a derme, há risco de metástase. Os tumores mais espessos e, portanto, de difícil cura, são mais comuns em homens e em idosos, devido ao diagnóstico tardio nesses grupos.

Segundo o estudo realizado pelo HUB, o melanoma nodular é o mais comum em Brasília e corresponde a 45% dos casos. Esse é o tipo mais agressivo por atingir a camada mais profunda da pele. Ocorre principalmente em indivíduos de 40 a 50 anos. O segundo mais frequente, comum na faixa de 50 a 70 anos, é o melanoma lentigo maligno (35% dos casos) e está di-

Os perigos da luz do Planalto Central

Das unidades federativas não lito-râneas, o Distrito Federal é a que tem o maior índice de homens com

melanoma, tipo mais agressivo de câncer de pele. O dado é do Instituto Nacional de Câncer (Inca). O DF é a sexta unida-de com maior propensão à doença, atrás apenas dos estados do Sul e das unidades litorâneas do Sudeste. Segundo estimati-va elaborada para 2011, surgirão 60 no-vos casos de melanoma em homens no Planalto Central.

São 2,67 ocorrências de melanoma a cada cem mil homens. O número não é alto se comparado à estimativa de outros cânceres de pele: 35,62 para homens e 41,38 para mulheres. No entanto, o mela-noma é o tipo mais agressivo, sendo res-ponsável por 75% dos óbitos.

De acordo com a dermatologista e coordenadora de um grupo de pesquisa independente sobre melanoma, Flávia Vieira Brandão, a alta insolação é um dos fatores responsáveis pelo grande número de tumores: “Aqui há exposição solar in-tensa e o índice de radiação ultravioleta é alto, maior que o de Fortaleza”. Segun-do o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), os meses de julho e agosto são os que registram maior insolação no DF, chegando a mais de 8h por dia de radia-ção solar direta.

Entre os fatores causadores da doença, o principal é a radiação ultravioleta (UV), que provoca dano direto no DNA e ocasio-na a formação de células cancerígenas. A altitude do DF - 1.170m acima do nível do mar - potencializa o efeito da radiação. De acordo com o Inca, a cada 300m a inten-

retamente relacionado à exposição solar.Flávia afirma que é difícil fazer uma

estimativa real das ocorrências de mela-noma. O maior problema está na coleta de dados sobre o câncer de pele. Não é obrigatório o registro médico de casos atendidos nem a realização de exames pa-tológicos. Por esse motivo, a maioria dos estudos realizados é pontual, o que difi-culta o mapeamento da doença.

O ROSTO DA ESTATÍSTICANo caso das mulheres, o Distrito Fe-

deral cai de primeira para terceira uni-dade não banhada pelo mar com a maior incidência de melanoma. São 1,93 casos para cada cem mil habitantes. A lavadeira Maria Pereira, de 66 anos, foi diagnosti-cada em agosto de 2010 e teve o tumor retirado por meio de cirurgia no Hospital Regional da Asa Norte (HRAN).

Maria conta que surgiu uma mancha preta em seu pé que, depois de alguns meses, começou a apresentar bordas ir-regulares. Foi quando ela procurou tra-tamento. A médica do Hospital Regional de Luziânia, cidade onde mora, a enca-minhou para o HRAN. Após a cirurgia, a paciente deveria ter tido acompanhamen-

to, mas isso não aconteceu. “Perguntei se estava tudo bem dois meses depois e nunca mais consegui falar com os médi-cos. Sempre me barravam. Diziam que a médica daqui [Luziânia] precisava me encaminhar e ela é difícil de encontrar”, revela. Sem o acompanhamento, o tumor de Maria voltou. Em março deste ano, fez nova cirurgia no HUB e agora realiza exa-mes e vai a consultas regularmente. Os chamados tumores múltiplos são comuns. “Cerca de 10% dos pacientes apresentam novos tumores. Isso ocorre geralmente dois anos após a detecção do primeiro”, explica a dermatologista Flávia.

CUIDADOSPara se prevenir, é preciso evitar

expor-se ao sol entre 10h e 16h e usar chapéus, óculos escuros e filtro solar. É importante ficar atento a pintas que cres-cem, de múltiplas cores, bordas irregu-lares ou que doem ou coçam. Consultas anuais ao dermatologista também fazem parte da prevenção, já que o melanoma pode não apresentar sintomas. Além dis-so, quando há um caso de melanoma na família, aumenta em duas vezes a chance de desenvolver a doença.

Ilustração: Ana Cecília Schettino/Colaboração

*Ocorrências a cada cem mil habitantes Fonte: Inca

Melanoma em homens

Danos da radiação solar Altitude elevada do Planalto Central pode explicar grande número de casos de melanoma em homens no DF

Estimativa 2011 UF Incidência* Região

Distrito Federal 2,67 Centro-OesteRoraima 2,21 NorteMinas Gerais 2,15 SudesteMato Grosso do Sul 1,98 Centro-OesteGoiás 1,85 Centro-OesteMato Grosso 1,36 Centro-OesteRondônia 1,00 NorteAcre 0,99 NordesteAmazonas 0,95 NortePará 0,79 NorteTocantins 0,48 Norte

MÚSICA

Amanda Martimon

Sentado em uma velha cadeira tendo a luz do poste de iluminação pública como sua luminária pessoal, Paraná atrai os olhares

dos que passam pela parada de ônibus da 303 Norte. Os mais curiosos reduzem a velocidade, diminuem os passos, quase param para obser-var. Os mais atrevidos abaixam os vidros, dão meia volta e tiram fotos.

Ler não é coisa para morador de rua, pare-cem pensar os que assistem à cena como uma atração peculiar. “Os livros são meu único ví-cio”, Paraná declara, orgulhoso de si. Não fosse esse detalhe, o homem de pele morena e olhos atentos passaria despercebido. Os frentistas do posto de gasolina ao lado de sua ‘casa’ são testemunhas e categóricos na opinião a respei-to do vizinho: não faz mal a ninguém e é um cara muito inteligente.

A paixão pela leitura sempre foi uma fuga. Surgiu quando era criança, daquelas levadas, que brigam todo dia no recreio. Para evitar as confusões e as broncas, se refugiava na bi-blioteca da escola. De lá para cá, perdeu as contas de quantos livros leu. Lamenta por não ter onde guardá-los, mas aproveita para trocá--los em sebos. “Já li muito Jorge Amado, mas minha preferência é [literatura] estrangeira”, afirma Paraná, que adora livros antigos e de ficção científica. O Parque dos Dinossauros, de Michael Crichton, é o número um da sua lis-ta de favoritos, que inclui os dois volumes de Shogun, ficção histórica de James Clavell, e o livro de aventuras sobre a 2 Guerra Mundial Os Canhões de Navarone, de Alistair MacLean.

ANDARILHO“Minha cabeça não para, ou eu coloco algu-

ma coisa dentro dela ou enlouqueço.” Paraná lê para fugir da loucura e do mundo. “Viajo sem sair daqui”, gaba-se o paranaense que cruzou o país. Há 20 anos, saiu de casa quan-do a mãe morreu. Acreditava que nada mais o prendia à terra natal, havia perdido o pai e não se dava bem com os irmãos. Com sua segunda paixão, saiu pelas estradas sem rumo.

A bicicleta é a companheira inseparável. Ainda moleque, pedalava 150 km de Cascavel até Foz do Iguaçu para ganhar um trocado aju-dando sacoleiros na divisa com o Paraguai. Aos 18 anos, saiu do estado que lhe serve de apeli-do em direção ao sul e cruzou a fronteira com o Uruguai. A vontade de conhecer Buenos Aires ficou nos planos para o futuro. “Na época, a Argentina era mais rica e em país estrangeiro é melhor não abusar”, diz.

Paraná está há nove anos na capital federal, e a rota que o trouxe deu muitas voltas. Passou pelo Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Ron-dônia e se aventurou em pedaladas na rodo-via Transamazônica, seguindo para Amazonas, Pará, Tocantins, Maranhão, Piauí, Ceará e Para-íba. Desceu o litoral nordestino até a Bahia e quando chegou a terras mineiras foi convidado para conhecer Brasília. Veio e ficou.

Das viagens trouxe histórias que se confun-dem com as dos livros de ficção. Na Amazônia, conheceu uma onça tão mansa que até posou para foto. Viu por três vezes naves espaciais, não discos voadores, faz questão de esclare-cer. Para ele, o que presenciou na Chapada dos Guimarães não deixa dúvidas, existe vida extraterrestre, mas Paraná tranquiliza os ame-drontados. “Não precisa ter medo. Eles não vão fazer mal pra gente, são mais evoluídos.” Em Cuiabá, criou raízes e é para onde retorna todo ano. Lá tem um filho, de 12 anos, que visita sempre no Natal.

Em Brasília, garante seu sustento com a bi-

cicleta. Perambula pelas ruas e percorre cerca de 60 km por dia, catando latinhas e outros objetos recicláveis vendidos por R$ 2 o quilo em um ferro velho da 713 Norte. Colorida, com rádio, farol e retrovisores, a bicicleta chama atenção e deixa o dono popular: “Sou um dos mais conhecidos dos desconhecidos. Todo mundo conhece, mas ninguém sabe quem é”.

IDENTIDADEOuvinte fiel das rádios CBN, BandNews e

Nova Brasil, Paraná se mantém bem informa-do. Soube da doença do ex-presidente Lula e não se sensibilizou. “Ele é falso.” Apesar de não gostar de política, diz que é necessário sa-ber o que acontece para não ser um alienado. E se indigna com as recentes suspeitas de cor-rupção no Ministério dos Esportes.

A aliança na mão esquerda é disfarce para espantar quem se engrace com ele na rua, principalmente os homossexuais. Paraná não tem companheira nem amigos. “Eu escolhi viver sozinho”, esclarece o homem que não acredita em religião, só em Deus, e é fascina-do por animais. “Tenho até o mesmo nome do santo dos animais.” Só assim revela seu nome, Francisco Kaefer.

Todos são anônimos na vida de Francisco. São as duas senhoras que conversam com ele enquanto passeiam com os cachorros, o coro-nel implicante que insiste em perguntar quan-do ele vai embora, os frentistas, o dono do ferro velho e os conhecidos de pedaladas pelo Brasil que se identificam como ele. Tem o Ce-arazinho, o Paraíba, o Mineirinho e o Paulista, amigos durante a viagem, depois cada um se-gue o seu caminho.

Entre gargalhadas e pesar, Paraná fala das pessoas que atravessam a rua para não passar por ele. Um dia estava capinando o gramado, e da janela um morador do prédio à frente gri-tou: “Olha aí, o sem terra já quer invadir”. Ele ri, diz que não se importa, gosta de ficar sozi-nho, mas deixa escapar: “Eu sou um solitário, mas não quero ficar na solidão”.

Fotos: Bárbara CabralDa esquerda para a direita:

1- Paraná lê gibis, revistas e livros;2- Sua bicicleta é conhecida nas ruas;

3- “Desde que me lembro, gosto de ficar sozinho”;

4- Aos sábados escuta samba e MPB; 5- Aeroporto 1977 é a próxima leitura;

6- Há três anos mora na 303 norte.

S o z i n h o p o r o p ç ã o Perfil: Paran á

“Sou um dos mais conhecidos dos des-conhecidos. Todo mundo conhece, mas ninguém

sabe quem é”

8 CAMPUS Jornal-laboratório da Faculdade de Comunicação da UnB Brasília, de 15 a 21 de novembro de 2011

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