campus nº 350

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A NOVA INVESTIDA DO TABACO ANO 40 - Edição 350 Brasília, 2 a 15 de novembro Jornal-laboratório da Universidade de Brasília Faculdade de Comunicação TWITTER professores utilizam microblog como complemento de ensino VIOLEIROS tocar viola na rede tem um novo significado NOSSO PEIXE escamas, barbatanas, gelo e jornal pra embrulhar Campus flagra divulgação de cigarro considerada ilegal pelo Ministério Público e pela Anvisa GABRIELLA FURQUIM GABRIELLA FURQUIM EDEMILSON PARANÁ GUILHERME PERA

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Projeto gráfico e diagramação - Jornal-laboratório da Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília. Edição nº 350. 2 a 15 de novembro de 2010

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Page 1: Campus nº 350

1Brasília, 16 de outubro de 2010

A NOVA INVESTIDA DO TABACO

ANO 40 - Edição 350 Brasília, 2 a 15 de novembro

Jornal-laboratório da Universidade de Brasília Faculdade de Comunicação

TWITTERprofessores utilizam microblog como complemento de ensino

VIOLEIROStocar viola na rede tem um novo significado

NOSSO PEIXEescamas, barbatanas, gelo ejornal pra embrulhar

Campus flagra divulgação de cigarro considerada ilegal pelo Ministério Público e pela Anvisa

Gabriella Furquim

Gabriella Furquim

edemilson Paraná Guilherme Pera

Page 2: Campus nº 350

2 Brasília, 2 a 15 de novembro de 2010

A sala de reuniões é abafada, não tem janelas e mal compor-ta a agitação de toda a equipe do jornal. Mas não temos

do que reclamar. Após um ano e meio da reforma na Faculdade de Comunicação que desalojou o Campus, voltamos a ter uma redação, uma bela redação. E com tudo ainda cheirando a novo, começamos a trabalhar no número 350 do nosso, agora quarentão, jornal-laboratório.

“Queremos um jornal que seja assunto na fila do Restau-rante Universitário.” Provocante, esse foi o tom que regeu a elaboração dos projetos editorial e gráfico. Desse modo, projetos definidos, saímos com uma ideia ousada de jornal e a responsabilidade enorme de concretizá-la.

O único relógio da redação nem dava as 8h daquela terça-feira quando as cortinas foram abertas. Reunião de pauta, hora de montarmos o cardápio da nossa primeira edição. Mui-tos dados, nomes e comentários depois, ali estava, ainda não o jornal, mas o desafio. O desafio de contarmos as histórias dos violeiros que estão se rendendo às invencionices do mundo virtual; o desafio de vermos como anda o atendimento psico-lógico obrigatório nas UTIs dos hospitais públicos do Distrito Federal; e - por que não?- o desafio de vendermos nosso peixe a frequentadores da Feira do Guará e aos leitores que alcança-rem a página oito.

Mas as brincadeiras ficaram restritas à página final. Para a capa, uma denúncia séria: a ação dos atuais caubóis do cigarro pelos bares da cidade. Duas de nossas repórteres foram conferir essa nova forma de

Ao longo do último semestre, esta coluna buscou garantir espaço para diversos leitores expressarem suas opiniões sobre a publicação. No entanto, como também foi explicitado aqui, esse objetivo foi muitas vezes dificultado devido à falta de identificação do público-alvo do Campus – a UnB - com as matérias veiculadas.

Ainda assim, grandes reportagens foram produzidas pelos jovens jornalistas e a última edição do semestre passado não fugiu à regra. Descobrir nas páginas do jornal que desde 1920 Brasília já tinha donos, espalhados pelo país, é instigante. Em uma mesma edição confrontá-los com os cerca de 400 mora-dores da Rodoferroviária, é uma boa experiência. Bem como conhecer a assistente social Edna Moraes e sua “equipe de investigação”, que dedicam a vida a tentar melhorar a vida dos outros.

Apesar de um conteúdo investigativo muito interessante e de reportagens muito bem apuradas, a inserção do Campus entre estudantes, professores, técnicos-administrativos e demais integrantes da comunidade acadêmica ainda é baixa. “Pego o jornal e folheio para ver o que me chama a atenção. Geralmente são as matérias da UnB, mas tem tido poucas este semestre”, explica Lucas Rezende, do 5º semestre de Econo-mia.

Na edição comemorativa dos 40 anos do jornal-laboratório da UnB, foram revividas as matérias que marcaram as primei-

RENASCIMENTO

Carta da editora

EXPEDIENTEOmbudskvinna

propaganda de tabaco e contam tudo na matéria em destaque neste Campus.

Uma denúncia assim, no entanto, não exige apenas uma apuração bem feita e um texto claro. Ela pede também uma imagem que materialize o fato. Primeiro, tentamos utilizar o método tradicional, pedir autorização e tirar a foto. Não deu certo. Então partimos para o clique às escondidas. Como sa-bíamos os dias e aproximadamente os horários em que nossos personagens agiam, plantamos fotógrafos nos bares em que eles já haviam sido flagrados.

Nas duas primeiras noites, os caubóis escaparam das nossas lentes por muito pouco, para desespero da editora responsável. Os 15 minutos que correram entre a saída de um fotógrafo e a chegada do outro bastaram para eles desfilarem onde os estávamos aguardando e saírem ilesos.

Veio a sexta-feira e com ela a nossa última chance, pois os personagens não trabalham nos finais de semana. O risco de ficarmos sem a principal fotografia do jornal levou até editores para os bares da Asa Norte, Asa Sul e Sudoeste naquela noite. E, após horas de uma espera tensa, recebemos a notícia que o leitor bem já conhece: conseguimos.

Campus - jornal-laboratório da Faculdade de Comunicação da Universidade de BrasíliaEditora-chefe: Bárbara VasconcelosSecretária de Redação: Ana Elisa NunesDiretor de Arte: Miguel ReisEditores: Tajla Medeiros (fotografia),Tatiana Tenuto (página 3), Braitner Moreira (páginas 4 e 5), Mariana Costa (página 6), Emanuella Camargo (página 7) e Lorena Bicalho (Cam-pim)Diagramação: Clara Campoli, Letícia Correia, Thaís Cunha, Thiago Vilela e Vanessa RöpkeFotografia: Edemilson Paraná, Gabriella Furquim, Gui-lherme Pera, João Thiago Stilben, Luiza Machado, Rodrigo AntonelliRepórteres: Camila Maia, Camila Vellasco, Carícia Tempo-ral, Daniela Gonçalves, Davi de Castro, Juliana Contaifer, Laís Alegretti, Larissa Leite, Nathália Koslyk, Paulliny Gualberto, Raphaella Bernardes, Renata Rusky e Roberta Almeida. Coluna de Opinião: Edemilson ParanáIlustradores: Iúri Lopes, Guilherme Teles, Vitor FubuProjeto Gráfico: Ana Elisa Nunes, Clara Campoli, Letícia Correia, Lorena Bicalho, Miguel Reis, Tatiana Tenuto, Thaís Cunha e Thiago VilelaProfessores Responsáveis: Solano Nascimento e Sérgio de SáJornalista: José Luiz SilvaCampus Darcy Ribeiro, Faculdade de Comunicação, ICC Ala Norte.Contato: (61) 3107-6498/6501 CEP: 70.910-900 E-mail: [email protected]áfica Plano Piloto - 4000 exemplares

Boas ideias devem ser reutilizadas. Por isso, voltamos a produzir o Campim, que fez parte do Campus do ano de

1984. Saem as palavras cruzadas e tirinhas da última página, e entra nossa homenagem à experiência que marcou este jornal-laboratório na década da redemocratização brasileira.

O Campim original era um espaço dedicado ao humor, com falsas notícias que iam de “Ricardão pega Aids na pisci-na do C.O.” a “Sucuri come homem e GDF investiga”. Como no antigo Campim, a nossa proposta é dedicar um espaço ao diferente. Poesia, crônica, humor: a última página é desti-nada à descontração do leitor após sete páginas de grandes reportagens.

Mas o Campim não deixa de ser também uma diversão para nós, futuros jornalistas. É um local onde podemos deixar as regras do jornalismo um pouco de lado e escrever um texto por prazer.

Aproveite!

ERRAMOS

Vitor Fubu

Na edição especial do Campus 40, ao contrário do informado pela legen-da da página 4, o personagem da foto não é Rafael Pops, mas Albert Steinberger.

BárBara Vasconcelos, editora-chefe

Para a UnB sair do papel Por Mel Bleil Gallo

ras quatro décadas do Campus e da Universidade de Brasília. Todas reportagens profundas, bem apuradas e até então iné-ditas. Nesse material, ficou evidente o papel diferencial deste periódico na cons-trução e registro da história da nossa UnB e, por conse-guinte, do Distrito Federal.

A reportagem A UnB que não saiu do papel cumpre esta função. Ao comparar o projeto original da Universidade com sua situação atual, questiona-se os rumos da instituição que completa 50 anos. Ainda que Darcy Ribeiro tenha afirmado que “o modelo de UnB jamais se concretizaria no mundo das coisas”, cabe à imprensa local - jornal Campus, Campus On-line, Secom, informativos das entidades e o que mais houver - expor o que está sendo feito aqui, para que todos possam fazer parte da construção da melhor UnB que podemos ter.

Leia o

fac.unb.br/campusonline

@campus_online

GustaVo aGuiar

Page 3: Campus nº 350

3Brasília, 16 de outubro de 2010

Agenor Vieira passou 25 dias internado na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do Hospital de Base de Brasília

(HBB). Ele teve a mão mordida por um gato e precisou de ci-rurgia reconstrutiva, porém uma infecção agravou seu quadro. Enquanto internado, não recebeu nenhum apoio psicológico. “Os psicólogos dele foram os amigos”, conta o filho Eduardo Souza. Para ele, os médicos pouco se preocupavam com a situação e quase não explicavam os procedimentos cirúrgicos, além de objetivos e reações dos medicamentos ministrados. Souza reclama da falta de sensibilidade: “Os médicos brinca-vam: ‘Como um gato pode ter feito isso?’”, queixa-se Souza. “Não era hora de brincadeira.”

A Portaria nº 3.432, de 12 de agosto de 1998, assinada pelo então ministro da Saúde, José Serra, determinou a presença de psicólogos em todos os hospitais públicos brasileiros que pos-suem UTI. No Distrito Federal, há 15 hospitais públicos, dos quais 10 têm UTI. Dados levantados pelo Campus apontam que seis desses hospitais têm psicólogos na unidade de alta complexidade, e dois têm os profissionais em ambulatórios que, de forma excepcional, podem ser deslocados para a UTI. Os outros dois não têm o atendimento (ver tabela). Mesmo no grupo dos seis hospitais com atendimento psicológico, a estrutura não é suficiente para todos os pacientes. É o caso do Hospital de Base, onde Agenor Vieira ficou internado.

ATENDIMENTO

A psicologia hospitalar não é voltada apenas para os pacientes, mas também para as as famílias. Em se tratando de UTIs, os familiares quase sempre são o foco, pois, na maioria das vezes, os internados estão inconscientes devido à doença ou aos sedativos. Os psicólogos acompanham os familiares em todas as visitas e conversas com os médicos. Esse acom-panhamento é importante para identificar possíveis falhas na comunicação entre médicos e parentes. Em casos de óbito, a presença dos psicólogos é ainda mais importante. “Muitos familiares reclamam: ‘Os médicos só avisam da morte e vão embora’”, afirma Thayse Lassance, psicóloga do Hospital Regional de Santa Maria (HRSM).

A relação criada entre psicólogos e pacientes e entre psi-cólogos e familiares, por vezes, gera confusões. Thayse conta que as pessoas começam a querer tratar de assuntos que não dizem respeito ao que um psicólogo hospitalar se propõe, como problemas conjugais.

Isso acontece principalmente com pais de crianças inter-nadas. As mães passam quase o dia todo no hospital com os filhos. Abaladas com a situação, chegam em casa estressadas e

sem apetite sexual. Os homens, que normalmente passam me-nos tempo no hospital, têm dificuldade de entender e aceitar o cansaço físico e emocional da esposa.

Os psicólogos orientam como deve ser a relação do fa-miliar com o paciente. Após a alta, muitos voltam para casa com sequelas, o que afeta a rotina de todos. A ideia é prepará-los para lidar com uma nova realidade. Em alguns casos, o atendimento psicológico precisa ser estendido para o período pós-alta. Os pacientes, então, são encaminhados para consul-tas ambulatoriais. No entanto, a partir daí, os psicólogos da UTI deixam de interferir e não sabem se há continuação no tratamento.

vida na uti

Inaugurado em abril de 2008, o HRSM conta com 70 leitos de UTI, divididos entre as especialidades neonatal, pediátrica, adulta e semi-intensiva. Em um dos leitos da UTI infantil, está João Victor Brito de Lima. O menino de um ano e três meses nasceu com a Síndrome de Ondina, doença em que os meca-nismos da respiração involuntária não funcionam adequada-mente, e está na UTI desde o primeiro dia de vida.

A princípio, João Victor ficou internado no Hospital Santa

Lúcia, pois não havia vagas pelo Sistema Único de Saúde

(SUS). Após nove meses, foi transferido para o HRSM, onde

está há cinco. O garoto precisa de ventilação mecânica e não

pode deixar a unidade.

SAÚDE

equilíbrio emocional em segundo planoApenas 60% dos hospitais públicos do Distrito Fede-ral cumprem portaria que exige psicólogos em UTIs

Por CaMila Maia e renata rusky

luiza machado

“Ela é o nosso anjo. A gente reclama, reclama e ela nos

ajuda muito”

Hospitais Tem UTI Psicólogo psicólogo na uti

Apoio (Asa Norte) não sim -

Asa Norte sim sim sim

Asa Sul sim sim sim

Base(Asa Sul) sim sim sim

Brazlândia não não -

Ceilândia sim não não

Gama sim não não

Guará não sim -

Paranoá sim sim não

Planaltina não sim -

Sobradinho sim sim sim

Samambaia sim sim sim

Santa Maria sim sim sim

São Vicente de Paulo

(Taguatinga)não sim -

Taguatinga sim sim não

para ajudar a família a lidar com a situação. “Ela é o nosso

anjo. A gente reclama, reclama e ela nos ajuda muito”, diz Ira-

nei ao se referir à psicóloga Thayse Lassance. Para as crianças,

o atendimento psicológico é importante, pois o ambiente hos-

pitalar está muito longe de ser o ideal para o desenvolvimento

infantil.

Psicólogos ajudam a incentivar a inteligência e os movi-

mentos das crianças. Além disso, eles controlam a agitação de

pequenos como João Victor, que sempre tenta tirar os apare-

lhos do corpo. Thayse conta que as crianças também se agitam

quando ocorre um óbito, pois percebem o clima ao redor.

Procurada pelo Campus, a assessoria de Comunicação da

Secretaria de Saúde do Distrito Federal apresentou números

que divergem dos apurados pelo jornal. Questionada, a asses-

soria se limitou a dizer que recebe

os números de outro departamento e não tem como checá-los.

A assessoria se comprometeu a fornecer

uma explicação, mas até o fechamento da edição não havia se

pronunciado.

O atendimento prestado pela psicóloga Thayse Lassance no Hospital de Santa Maria é exceção na rede pública do DF

Mesmo nos hospitais com atendimento psicológico,

a estrutura não é suficiente

O batizado e o aniversário de um ano foram comemorados

no hospital. Apesar de todos os problemas, João Victor é uma

criança feliz. Evidência disso foram as palmas e os sorrisos

com que recebeu as repórteres.

É a mãe de João, Iranei Souza Brito, quem mais se abala

com a permanência constante do filho no hospital. Ela conta

que já passou 20 dias sem pisar em casa para cuidar dele. O

garoto só conhecerá o lar quando tiver um home care, que per-

mite o tratamento domiciliar e previne infecções hospitalares.

Os aparelhos, entretanto, custam muito caro para a família.

Iranei entrou com um pedido na Secretaria de Saúde, mas ain-

da não foi atendida. Ela acredita que só será por vias judiciais.

Incentivada pela equipe do hospital, Iranei deu início a

uma campanha no Youtube (http://migre.me/1MkkG) para

arrecadar fundos que a ajudem a realizar o sonho de levar o

filho para casa: “Nós já recebemos doação até dos Estados

Unidos”. O vídeo já alcançou quase duas mil visualizações.

Em um caso como esse, o apoio psicológico é fundamental

iranei brito

Page 4: Campus nº 350

4 Brasília, 2 a 15 de novembro de 2010

os novos caubóis da marlboro

Fora dos veículos de comunicação de massa,

indústria do tabaco investe no contato dire-

to com consumidoresPor Paulliny GualBerto

Os vendedores da Marlboro foram flagrados pelo Campus no bar Vale da Lua, da 408 Norte, no último dia 22 de outubro, porvolta das 21h. O bar vende apenas cigarros da Souza Cruz, mas não se incomoda com a “concorrência”

Gabriella Furquim

Eles usam cabelos com cortes modernos, brinco na orelha e tênis All Star. Chamam atenção quando passam pelos

bares de Brasília, não apenas por serem altos e bonitos, mas pelas vitrines luminosas que carregam e que logo despertam a curiosidade dos frequentadores. Poderiam ser representan-tes de uma nova marca de chicletes ou refrigerantes, mas o negócio deles é outro: são promotores de vendas da Marlboro, marca de cigarro fabricada pela Philip Morris. Divididos em casais, os modelos procuram fumantes nas mesas, inclusi-ve entre quem não está fumando. Na vitrine luminosa, são apresentadas quatro variedades da Marlboro, que podem ser compradas diretamente dos representantes, com desconto em relação ao preço de tabela. A exigência é ser maior de 18 anos e apresentar documento de identidade.

A indústria do tabaco tenta compensar o impacto da lei 10.167/00, que restringe a publicidade de cigarros a pôste-res, painéis e cartazes na parte interna dos pontos de venda. Banidos dos veículos de comunicação de massa, como rádio e TV, os fabricantes procuram soluções para manter contato com os consumidores. Para a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), órgão responsável pela fiscalização de pro-dutos que envolvem risco à saúde pública, a abordagem dos novos caubóis está em desacordo com a lei. Em entrevista por e-mail, o gerente de Produtos Derivados do Tabaco da agên-cia, Humberto José Coelho Martins, garante que “o trânsito de modelos/promotores é caracterizado como visita promo-cional, sendo, portanto, proibido”. Questionado pelo Cam-pus, o promotor do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) e professor da Universidade de Brasília Guilherme Fernandes Neto também diz que a prática contraria a legislação brasileira.

Cigarro na redeQuem quiser pode receber novidades da Philip Morris pela

internet. Os promotores de vendas – que têm sido vistos com frequência em bares entre quarta e sexta-feira – cadastram o endereço de e-mail do interessado e exigem assinatura de um termo de autorização. Em mensagem enviada a um consu-midor em 9 de agosto de 2010 pelo remetente [email protected], a apresentação da versão Blue Ice da Marlboro impressiona. A imagem de um cigarro que contém uma cápsula de sabor é cercada por fortes tons de azul, que reproduzem a superfície do gelo. “A experiência mint que vira uma avalanche de sabor extracongelante”, anuncia o e-mail. Outra mensagem, enviada em 6 de outubro, informa sobre a nova embalagem da versão Gold: “A embalagem do seu Marl-boro Gold acaba de mudar. Ficou mais moderna, sofisticada e ganhou uma textura exclusiva”.

Os e-mails contêm as mesmas advertências sobre danos à saúde que maços e publicidade nos pontos de venda são obrigados a apresentar. No pé da página, um aviso de que são dirigidas exclusivamente a maiores de 18 anos, fumantes, ca-dastrados no banco de dados chamado Central de Relaciona-mento Adulto Fumante. Levantamento feito pelo Campus no site Registro.br confirma que o domínio adultofumante.com.br está cadastrado em nome Philip Morris Brasil Indústria e Comércio Ltda.

Para Clarissa Menezes Homsi, coordenadora jurídica da

organização não-governamental Aliança de Controle do Ta-

bagismo (ACT), qualquer forma de promoção de derivados

do tabaco pela rede mundial de computadores é proibi-

da. Ela aponta a lei 9.294, modificada pela lei 10.167 em

dezembro de 2000. O inciso III do artigo 3º especifica que

é proibida “a propaganda por meio eletrônico, inclusive

internet”. Fernandes Neto, que atua na 4ª Promotoria de

Defesa do Consumidor (Prodecon) do MPDFT, é enfático

ao condenar a prática: “A única publicidade permitida pela

lei é no interior do local onde se vende tabaco”. Procura-

da pelo Campus durante três dias, a Philip Morris não se

pronunciou. A assessoria de Comunicação da empresa

solicitou que as perguntas fossem enviadas por e-mail, o

que foi feito, mas não houve resposta até o fechamento

desta edição.

batalha pela publicidade

No cerco ao tabaco, patrocínios culturais e esportivos

pela indústria fumageira estão proibidos desde 2003. Mes-

mo assim, o investimento das empresas em publicidade

continua elevado. Fernandes Neto, especialista em direito

da comunicação, surpreende-se com as verbas destinadas

ao marketing pelos líderes do mercado: “Como eles estão

usando essa verba é o que me choca, se a lei basicamente

restringiu (a publicidade)”. Para Clarissa, a ausência de

anúncios não significa que a indústria tenha deixado de se

comunicar. “Hoje, o marketing é muito mais efetivo, está

onde está o jovem, está na balada. Você tem a comunicação

direta com o consumidor”, afirma.

A tensão entre fabricantes de cigarros e movimento an-

titabagismo aumenta quando o assunto é liberdade. Sob o

argumento de que as pessoas fumam segundo seu livre-ar-

bítrio, as empresas costumam vencer nos tribunais aqueles

que tentam responsabilizá-las por doenças relacionadas ao

fumo. Os antitabagistas defendem que não há liberdade no

vício. A discussão agora é sobre livre publicidade – para o

setor, as restrições ferem um direito fundamental das em-

presas, que é o de fazer a “propaganda” de seus produtos.

Tanto que, em 2004, a Confederação Nacional da Indústria

(CNI) entrou com ação junto ao Supremo Tribunal Federal

(STF) pedindo a inconstitucionalidade da lei que proíbe a

publicidade de derivados do tabaco e impõe as advertências

sanitárias nas embalagens. Para defender a legislação, a

ACT e entidades de proteção ao consumidor ingressaram

no processo. As partes aguardam o parecer do relator, o

ministro Joaquim Barbosa. Enquanto isso, informado pelo

Campus, Fernandes Neto diz que as visitas dos caubóis da

Marlboro estão sujeitas à punição. “Isso pode ensejar uma

multa pesada, uma ação do Ministério Público”, avisa.

Page 5: Campus nº 350

5Brasília, 16 de outubro de 2010

Fumaça de cigarro na

mesa do bar

Até jovens que nunca fumaram são convenci-dos pelos vendedores a experimentar produto pela primeira vezPor Juliana Contaifer

Os vendedores da Marlboro foram flagrados pelo Campus no bar Vale da Lua, da 408 Norte, no último dia 22 de outubro, porvolta das 21h. O bar vende apenas cigarros da Souza Cruz, mas não se incomoda com a “concorrência”

Gabriella Furquim

Opinião

Por edeMilson Paraná

A indústria do tabaco não é uma indústria comum. Uma

frase célebre de Grau Brundtland, ex-diretora da OMS,

resume: “Os produtos do tabaco são os únicos produtos legais

que matam cerca de metade dos consumidores quando usados

como mandam os fabricantes”.

Se vários anos foram necessários para que políticas de

antitabagismo fossem consolidadas em inúmeros países, a in-

dústria descobriu muito cedo o potencial mortal de seu produto.

Com informações privilegiadas, os fabricantes mentiram sobre

aspectos de seu empreendimento e, quando não puderam mais

negar as evidências, passaram a argumentar que seus produtos

não causavam dependência ou que os riscos não eram compro-

vados. A falência da estratégia reorientou a política corporati-

va. O foco agora é o bom e velho discurso liberal da livre escolha.

Nada mais oportuno. Partindo do argumento de que fumar

é uma escolha pessoal e consciente, a indústria tenta fugir da

responsabilidade pelos danos gerados por seu produto, indivi-

dualizando o consumo e os malefícios dele obtido.

Difícil falar em poder de decisão quando viciados, mesmo

depois de desenvolverem câncer ou terem membros amputados

por conta do cigarro, não conseguem deixar o vício. Difícil falar

em escolha individual diante dos comprovados malefícios do

tabagismo passivo.

Toda relação de mercado é uma relação social. Ora, se dessa

relação social - que é a produção e o comércio- a indústria obtém

seus lucros, qual o sentido de individualizar o dano? Se a esco-

lha individual é indiscutível, o consumo puramente individuali-

zado não passa de um mito. Um mito que serve à construção de

uma verdade retórica, de motivos, sabemos, escusos.

Mas se a disposição de verdadeiras indústrias jurídicas e a

utilização de práticas dúbias de marketing, como as apresenta-

das pela reportagem, continuam a ocorrer, o propósito é claro:

relativizar danos, aumentar lucros.

Sobre isso, nada mais oportuno do que um diálogo do filme

Obrigado Por Fumar (2006). Na cena, um lobista da indústria

do tabaco discute com seu filho. “Suponhamos que você defen-

da o sorvete de chocolate; eu, o de baunilha. Você dirá que o

seu é a melhor coisa do mundo. Eu direi que a melhor coisa do

mundo é poder escolher entre chocolate e baunilha.” E o menino

diz: “Mas com isso você não me convenceu de que baunilha é

melhor”.O pai retruca: “Mas eu não quero te convencer, quero

só provar que estou certo e você errado”. Não por acaso, na cena

seguinte, pai e filho tomam juntos sorvete de baunilha.

Fumar sempre foi símbolo de liberdade e independência. O

Brasil que o diga. O maior exportador de tabaco do mun-

do ostenta no Brasão da República, desde 1889, a importância

cultural e econômica da planta. A folha de fumo está ao lado

daquela de café, outro ícone da exportação brasileira, provan-

do que o tabaco continua presente na vida nacional. E não só

entre adultos.

Uma ação judicial movida por estados norte-americanos

contra as companhias multinacionais do tabaco obrigou-as a

entregar documentos internos que deixavam explícito o inte-

resse das empresas nos jovens. “Eles representam o negócio

de cigarros amanhã”, escreveu J. W. Hind, da RJ Reynolds To-

bacco, em memorando interno de 1975. Em 1957, um execu-

tivo da Phillip Morris afirmava que “atingir os jovens pode ser

mais eficiente, mesmo que o custo para atingi-los seja maior”.

Ele dizia que esse público estava desejando experimentar o

tabaco e seria mais leal à primeira marca que consumisse.

Os modelos bonitos e bem vestidos que passam pelos bares

de Brasília são ótimos meios para difundir a ideia. O roteiro

dos vendedores é passar de mesa em mesa perguntando quem

é maior de idade e fumante, para depois fazer uma pequena

publicidade e vender maços pra quem quiser. “Já comprei,

sim. Eles pedem algumas informações, como nome e carteira

de identidade”, relata o universitário Pedro Alves, de 21 anos,

frequentador do Mont Sion, na 209 Norte. Há quem se inco-

mode. É o caso de outro cliente do bar, o estudante Rubens

Almeida, 21. “Nunca comprei deles. Acho bem chato esse

pessoal nos abordando na mesa.”

A abordagem influencia até quem não fuma. O ambiente é

propício. Os bares da cidade abrigam centenas de universitá-

rios e até estudantes menores de idade, alguns alcoolizados,

que perdem o discernimento e fumam sem se importar com

o ato. “Tem gente que só fuma quando está bêbada”, relata

Aline Barbosa, 19. A estudante de Engenharia Elétrica está

convencida de que a publicidade dos vendedores tenta atrair o

público jovem: “Claro, eles estão no Por do Sol (na 408 Norte).

Só tem jovem aqui, e todo mundo bêbado. É o lugar perfeito”.

Também universitária, Renata Martins, 21, conta que já foi

influenciada: “Não sou fumante, mas já tinha bebido demais e

vieram até minha mesa perguntar se eu fumava. O cigarro es-

tava ali, à minha disposição. Sempre tive curiosidade e resolvi

comprar”.

Os vendedores, estilosos e sociáveis, aparecem de repente

nas mesas. “Com certeza, ajuda o fato de eles serem bonitos.

Você já está meio bêbada, daí surge um cara lindo do seu

lado perguntando se você é fumante. A maioria das pessoas

responde que sim, é um pretexto para puxar assunto”, explica

Alessandra Azevedo, 19, estudante de cursinho.

A ação não incomoda os donos de bares. “Não vendo cigar-

ro, então pra mim tanto faz”, afirma Adriano Amorim, dono

do Vale da Lua, também na 408 Norte “Também vendemos

cigarro, mas não vejo como concorrência”, conta Renato de

Souza, gerente do Chiquita Bacana, na 209 Sul. “São pessoas

bonitas, é bom pra quem vê o bar.”

antitabagismo e o mito da livre escolha

miGuel reis

Page 6: Campus nº 350

6 Brasília, 2 a 15 de novembro de 2010

Camila Lobo, 2ª série do ensino médio no Cean: “Geral-

mente é o professor lá e a gente aqui. Com o Twitter, parece

que estamos mais próximos”.

Bruna Schettini, formanda em Direito no Iesb: “Como

não tenho tempo de entrar a toda hora em sites como (os)

do STF e do STJ, por exemplo, é bom já ler as notícias e

casos que ele indica”.

Bernardo Guimarães, 2ª série do ensino médio no

Sigma: “O Twitter aproxima professores e alunos e agiliza

(o processo de) tirar dúvidas. Também fico mais desinibido

para fazer perguntas durante

as aulas”.

Maria Luiza Fialho, 2ª série do ensino médio no Sigma:

“É muito legal o seu professor estar antenado ao mundo de

hoje e se adaptar às tecnologias. É na internet que passo a

maior parte do tempo”.

EDUCaçãoLÁPIS, caderno e 140 toquesPor laís aleGretti e nathália koslyk

A professora de sociologia do ensino médio Mariana Létti criou a TwitAula de revisão para a prova. Ela considera a velocidade de troca de informação o maior benefício do Twitter.

edemilson Paraná Gabriella Furquim rodriGo antonelli

Adisson Leal, professor de Direito do ensino superior, se declara viciado em internet. Segue perfis de órgãos públicos, como Tribunais, e já chegou a encontrar material para sala de aula no Twitter da TV Justiça.

Marcos Brandão passou três meses se familiarizando com o Twitter até divulgar o perfil para os alunos. Em época de eleições, o professor de geografia do ensino médio discute política com estudantes pelo microblog e diz que enxerga neles debatedores.

Professores usam o Twitter para complementar aulas regulares

@sociologiacean @adleal @marcosbau

O Twitter é uma mídia social que mantém contatos atualiza-dos por meio de mensagens de 140 caracteres, conhecidos

como tweets. Para acompanhar as publicações de um usuário em tempo real, basta “seguir” aquele perfil. O Brasil reúne

o segundo maior grupo de usuários do microblog - perde apenas para os EUA.

Twitcam é um serviço de transmissão de vídeo, em tempo real, por meio do Twitter.

alunos em até 140 caracteres

Guilherme teles

Cartazes nas paredes da escola anunciam a revisão para prova. Pelo blog, alunos da segunda série do Centro de

Ensino Médio da Asa Norte (Cean) respondem enquete sobre o melhor dia e horário para a primeira aula a ser ministrada pela internet.

Transmissão ao vivo, direto da casa da professora. Ela brinca: “Sejam carinhosos porque é a minha primeira vez”. O nervosismo aumenta à medida em que o número de espec-tadores cresce. “Fiquei exausta. Quando terminou, escorria suor do meu rosto”, lembra Mariana Létti. Era véspera de prova e 120 pessoas assistiram à estreia da professora de sociologia na Twitcam.

Mariana é parte de um grupo de professores que passaram a utilizar mídias sociais como complemento ao ensino da sala de aula. O Twitter, baseado em mensagens de até 140 caracte-res, atrai docentes de escolas públicas, como a professora de sociologia, e de instituições privadas, como Marcos Bran-dão, professor de geografia do Sigma. O microblog também chegou à graduação e é utilizado por educadores da UnB e do Instituto de Ensino Superior de Brasília (Iesb).

RisadasPara Mariana Létti, o aspecto mais interessante é o am-

biente de ensino. “Na sala de aula, em especial na escola pública, a estrutura é ruim - a cadeira é desconfortável e o ventilador é barulhento -, não é propícia ao aprendizado”, diz a professora.

Camila Lobo, aluna da segunda série, não participou da experiência virtual sozinha. “Às vezes eu soltava algumas risadas e minha mãe foi ver o que eu estava fazendo”, conta. A mãe e as irmãs de Camila acharam interessante a iniciativa da professora. Também aluna do segundo ano, Mariana Ávila não tinha assimilado em sala a matéria. “Não tem reforço de sociologia na escola e a TwitAula substituiu isso”, comparti-lha.

A professora Mariana conta que, para a primeira aula, esperava por volta de 50 estudantes, mas pessoas de fora da escola assistiram à aula e interagiram. “Surgiam perguntas muito interessantes, mas que não estavam exatamente rela-cionadas ao conteúdo da prova. Eu era obrigada a dizer que não poderia responder”, relata.

Mariana divulgou bastante na escola e pouco no Twitter a segunda revisão virtual, para evitar grande quantidade de pessoas. De 120 espectadores na primeira experiência, passou para cerca de 90 na segunda. “Eu avisava o tempo todo: ‘Gen-te, isso é uma TwittAula de revisão para os alunos do Cean, sejam todos bem-vindos, mas eu preciso focar na revisão’”.

A solução encontrada foi apenas para o curto prazo. “Não quero tirar pessoas da minha aula, vou adotar estratégias para comportá-las.” Mariana pretende aprimorar a próxima revisão. Ela vai contar com a ajuda do namorado, que traba-lha com mídias sociais, para fazer a triagem das perguntas relacionadas ao conteúdo da prova. Em resposta a pedidos dos alunos, a professora promete uma aula de revisão por bimestre para cada série.

Liberdade

Mariana Létti enxergou no recurso de transmissão de ví-deo uma possibilidade complementar ao conteúdo ministrado na escola. Cadastrou no Twitter a conta @sociologiacean e apresentou aulas de revisão via

webcam, também expostas em sala. “O Twitter é complemen-

to, porque não são todos que acessam. Não uso a ferramenta

como extensão porque tenho 800 alunos e apenas cem seguem

o @sociologiacean”, justifica.

Essa também é uma preocupação do professor de Geogra-

fia do Colégio Sigma Marcos Brandão. “Quando perguntam

se determinado assunto vai cair na prova,

por exemplo, eu respondo que só dou a informação

em sala”, relata. “Não posso beneficiar um enquanto

tenho 50 em sala.”

Brandão defende que a postura do professor na internet

possa ser diferente da adotada na escola. Ele emite opinião po-

lítica por meio da ferramenta. “No Twitter eu tenho um campo

como pessoa, tenho essa liberdade. Em sala, os professores

tentam ser imparciais”, explica. A intenção, segundo Bran-

dão, é promover a discussão. As mensagens que chegam são

principalmente contra o ponto de vista dele. “E eu fico feliz,

porque além de entender a minha opinião, o aluno promove

um debate.”

Não há consenso sobre o uso adequado do Twitter

e os limites que o professor deve impor. O mestre em Tecnolo-

gias da Educação e professor da Universidade

de Brasília Gilberto Lacerda, que usa o Twitter para

fins pedagógicos, aponta que o microblog pode ser

usado no meio escolar para indicação de aprofundamentos de

conteúdo, dinamização da relação educativa

e troca de experiências.

Lacerda acredita que, apesar da eficácia da ferramenta,

docentes ainda demonstram receio quanto ao uso do Twitter.

“Essa resistência é característica do meio educativo, tradicio-

nalmente linear e baseado em materiais didáticos estáticos e

dominados pelo professor”, afirma.

Para o professor do curso de Direito do Iesb Adisson Leal,

o problema está no fato de docentes entenderem mídia social

como Orkut. “O Twitter possui outras possibilidades”, sugere.

Leal acompanha notícias relacionadas ao Direito e seleciona

as mais importantes para repassar aos seguidores.

Privacidade

Para Leal, o distanciamento entre professor e aluno é

necessário. “O professor, apesar de estar no meio dos alunos,

deve ser encarado como professor.” Segundo ele, o Twitter

é uma ferramenta importante para aumentar o contato, mas

o respeito deve prevalecer entre as partes. Leal opta por não

seguir os estudantes.

Marcos Brandão, presente em várias mídias sociais, não vê

problemas com a proximidade. Defende que a relação é uma

troca e quer saber o que a turma pensa

e escreve. Apenas evita publicar informações sobre

a vida pessoal.

Mariana Létti também cuida da privacidade. Ela tem dois

perfis no Twitter – um para fins pedagógicos e outro para

questões pessoais. “Eu não quero que meus alunos tenham

acesso a recados meus para namorado e amigos”, diz. Ainda

assim, a professora de sociologia defende a importância da

ferramenta para aumentar o contato com os alunos: “A relação

mais próxima não faz com que eu perca a autoridade”.

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7Brasília, 16 de outubro de 2010

CULTURAwww.violanarede.com.brAmbiente virtual promove discussão e aproxima violeiros, gerando parcerias e boa prosa

Caipira de verdade sempre gostou de uma rede, proseia o violeiro Chico Nogueira. E com a internet não foi di-

ferente: logo tratou de se aventurar nas veredas virtuais. O músico vê nos websites, weblogs e redes sociais espaços para os violeiros mostrarem o que andam fazendo com a viola, cada um nos confins onde vive. Nogueira pode ser encontrado, por exemplo, na última tecnologia de informação para artistas como ele: o Voa Viola. Trata-se de um site de relacionamentos, como o Orkut e o Facebook, mas por ser específico tornou-se um banco de talentos.

Os 800 perfis de violeiros disponibilizam o que é feito neste momento no Brasil em termos de produção musical popular. Esta soma ultrapassa o levantamento de cerca de 300 artistas do livro Violeiros do Brasil, lançado em 2008 por Myriam Taubkim, pesquisadora musical. A quantidade supera também o número de 256 registrados neste instrumento no Portal da Ordem dos Músicos.

A rede social Voa Viola faz parte da divulgação do festi-val de mesmo nome, que levará a quatro capitais brasileiras violeiros de diversas regiões e experiências. O internauta pode acessá-la ao navegar pelo portal do evento. A produtora do festival e pesquisadora de viola Juliana Saenger reconhece: “A rede hoje é maior que o projeto”.

Nogueira faz parcerias virtuais

O site de relacionamentos para violeiros e seus usos ain-da são novidades. Encontrar violeiros na internet, não. Como outros músicos, eles estão diluídos na web por meio de sites pessoais, divulgando trabalhos, agendas de shows e contatos. Com a criação do Orkut em janeiro de 2004, até aqueles que não tinham pretensão alguma de fazer sucesso colocaram a cara no mundo virtual. As páginas pessoais, os chamados perfis, estavam então condenadas ao anonimato em meio aos milhares de brasileiros que usam o Orkut. “A rede Voa Viola foi pensada para atender às necessidades de um público específico”, explica Thiago Diniz, um dos idealizadores do ambiente virtual personalizado para violeiros.

É nóis na rede O universo cultural que vem agregado ao violeiro transpa-

rece nas ferramentas de interatividade, como os fóruns da rede Voa Viola. São listas de discussão em torno de temas comuns ao caipira: de dicas para evitar a tendinite a receitas de cozi-nha. Heloisa De Martin e Ubaldo Silva de Souza, a dupla Loa e Bardo, do Espírito Santo, realizaram um “concurso cultural” para escolher o nome da nova cadela. O vencedor da melhor sugestão ganha um queijo caipira feito pelo casal. “A gente quiria istimulá a criatividade do povo, sem aqueles nome tradi-cioná de cachorro: Rex, Totó...”, justifica Loa, que não dispen-sa um estilo próprio para se expressar na internet.

Quem não está acostumado com o falar da roça poderá ser pego de surpresa ao ler as mensagens na web. O casal, que já escrevia desta maneira na comunidade do Orkut, é só um exemplo da generalização do “internetês” caipira na Voa Vio-la. À vontade para contar causos e histórias, traços da oralida-de do interior contaminam a tela do computador, sem vergo-nha, transgredindo as fronteiras entre o “certo” e o “errado”.

As prosas não só dão origem a amizades como também a parcerias musicais. Foi assim que Nogueira musicou uma letra enviada para o Voa Viola pelo também violeiro Chico Lobo, de Belo Horizonte. Ao ler os versos de Lobo, Nogueira logo começou a cantarolar. Tomou a viola e fez a “mágica” da composição. A filmagem pelo Youtube foi enviada para o outro Chico ver. “Parceria é uma coisa misteriosa”, revela Nogueira, surpreso pela sintonia que estabeleceu com Lobo.

edemilson Paraná

“Tem mais de mil músicas no Voa Viola”, diz Juliana, ao entrever mais uma utilidade para a rede social: o abastecimen-to de programas de rádio e televisão específicos para violeiros. Por sua vez, o blog Um Brasil de Viola reúne cerca de 50 vio-leiros. Este acervo nasceu de um projeto ambicioso: o violei-ro brasiliense Cacai Nunes quis andar Brasil adentro para registrar as diferentes maneiras de tocar o viola. Entre janeiro e junho deste ano, com auxílio de bolsa da Funarte no valor de R$ 30 mil, ele percorreu Bahia, Goiás, Minas Gerais, Mato Grosso, São Paulo, Paraíba, Pernambuco, Paraná, Tocantins e o Distrito Federal. Ao regressar à casa, o violeiro e pesquisador tinha a sua frente 40 horas de vídeo para editar.

Viola online

Antes de usufruir das facilidades da internet, muitos ale-gam que, para conhecer o que o violeiro do outro lado do país andava criando com a sua viola, tinham de recorrer a outro tipo de rede: a “lenta” rede de comunicação interpessoal. De acordo com Juliana Saenger, até a década de 1980 não havia a formalização do ensino da viola. A única maneira de aprender era conhecendo alguém que tocasse. A aprendizagem da viola estava presa à oralidade. Nos últimos 30 anos, pesquisadores desbravaram os interiores do país em busca de uma reposta para a pergunta calada havia 500 anos: como se toca viola?

Hoje, métodos e técnicas de ensino podem ser encon-trados facilmente na web, como os sites Casa dos Violeiros e Viola Caipira, ambos criados em 2005. Entre o final de 2008 e o início de 2009, um violeiro, lá em Minas Gerais, chamado Valmir Ribeiro Carvalho, o Bilora, criou a rede social Violei-ros do Brasil. Hoje, mais de 1,3 mil perfis estão cadastrados. Bilora pensou a rede como forma de encurtar a distância entre os violeiros. “Criei meio que de momento, como um estalo”, define.

Membros dessa rede e donos da recém-batizada cadela Liluia, Loa e Bardo já fizeram muitas amizades em sites de relacionamentos. Acaba não sobrando tempo para tanta vida virtual. O casal não pretende, por exemplo, entrar na onda do Twitter. “Tem qui tê tempo pra ficá contano quiqui nóis tá fazeno, né memo?”, reflete Bardo, para quem bão demais da conta é tocar viola na rede.

Por daniela Gonçalves

Por CaMila vellasCo. ColaBoração: larissa leite

COMPORTAMENTOJOGOS NO INTERIORShows de axé e funk em jogos universitários atraem estudantes de todo o país, cada vez menos interessados em esportes

Bebida e música 24 horas por dia, DJs e shows de axé e funk. O clima de diversão faz parte dos jogos universi-

tários, que vão além de simples competições esportivas entre faculdades. “É loucura. Como eu não jogo, só vou pelas festas mesmo. Rolam o dia todo, durante a tarde e a noite.” A afir-mação é de Fernando da Silva, estudante do quinto semestre da Universidade Católica de Brasília (UCB). Ele já participou de três Intermed, os jogos das faculdades de Medicina, e mais recentemente do Interjurídico, competição dos cursos de Direito, este último em Lavras, Minas Gerais.

Há dois anos o Interjurídico acontece simultâneo ao La-vrasFolia, espécie de carnaval da cidade-sede. Desde então, o número de faculdades participantes subiu de 82 para 140. Hoje, 10 mil universitários comparecem ao evento de três dias de duração, com shows de Asa de Águia, DJ Marlboro e André Lelis.

Pedro Correia, quinto semestre de Direito da Universidade de Brasília (UnB), participou do Interjurídico e deixa clara a preferência pelos gêneros axé e funk: “Gosto da música e dos shows, é o que toca sempre nesses eventos. Fui pela diversão”.

Há 30 anos o Tusca, Taça Universitária de São Carlos, é tradição na cidade de mesmo nome, em São Paulo. Pedro Mendes, estudante do sexto semestre de Engenharia Civil da Universidade de São Paulo (Usp), é um dos integrantes da comissão organizadora. “Antes, contratávamos bandas de axé local, que são mais baratas. Agora, com mais verba, consegui-mos artistas maiores”, lembra.

O aumento de público é reflexo da popularidade do axé e do funk, que contribuem para um maior lucro durante os eventos. Em dois anos, o Tusca ganhou quase o dobro de adeptos, passando de 4,5 mil pessoas, em 2008, para 8,9 mil no ano passado. “Para este ano, esperamos de 10 a 12 mil por dia e um total de 35 mil pessoas”, diz.

Show de axé durante Taça Universitária anima a multidão

Pedro Mendes acredita em uma mudança cultural, o que explicaria a preferência pelos ritmos. “O que o povão gosta mais é de axé, até porque é mais animado. Para jogos, a ideia é ser um fim de semana de curtição”, afirma.

Apesar de o grande atrativo serem as festas, os jogos são parte essencial do evento, segundo Filipe Casellato Scabo-ra, tesoureiro do InterUnesp. “É lógico que grande parte do público presente nos jogos comparece em virtude do evento noturno. Todavia, não é correto falar que os jogos ficam em segundo plano”, analisa. “O objetivo dos eventos noturnos é fomentar a prática do esporte. Isso de que o InterUnesp é só balada é uma lenda. O estudante também valoriza o esporte”, esclarece Scabora.

Aspectos da juventudeHá quem se interesse pela competição esportiva. É o caso

de Nicole Campos, estudante do terceiro ano de Medicina da Escola Superior de Ciências da Saúde (Escs), que foi ao Intermed Centro-Oeste de 2009 para jogar basquete. “O que me motivou a ir foi o fato de ser um momento em que todos os estudantes de Medicina da região se encontram”, explica.

Contudo, “a prática de esportes, ida ao teatro ou ao cinema

diVulGação

são infinitamente menores do que a frequência aos bares”, constata a professora da Universidade Federal de Ouro Preto Rosa Coutrim. Ela estuda hábitos de lazer de jovens universi-tários.

Bárbara Siqueira, quinto semestre de Moda na Universi-dade Anhembi Morumbi, procura esse tipo de evento apenas pela diversão. A estudante foi ao Economíadas 2010, jogos dos graduandos de Economia, em Americana, São Paulo. “Nunca tinha ido, não gostava dessas coisas de faculdade. Só vi um jogo, fui pra ficar chapadona mesmo. Curto axé e pagode, e o legal das tendas é que mistura tudo isso. Próximo ano vou com certeza.”

O psicólogo Hernandez Juarez diz que eventos desse tipo contribuem para que os jovens se expressem longe de normas e regras sociais. “O evento é uma oportunidade de os jovens obterem os prazeres que um carnaval oferece: os objetos de gozo, como vícios, sexo, sensação de liberdade e impunidade”.

Rosa discorda: “Dentro desse contexto, não podemos fazer uma análise apressada. Isso não significa que sejam uma ‘geração perdida’, a juventude universitária não se resume à escolha de seu estilo de música”.

Lucro interioranoAs cidades que recebem os universitários têm de 35 a 300 mil habitantes, e em algumas delas os eventos já fazem parte do alendário oficial. Apesar de reclamações dos habitantes, as prefeituras enxergam os eventos como oportunidade de lucro. Em Araraquara, interior de São Paulo, estima-se que o faturamento em torno do período do InterUnesp seja de R$ 5 milhões, segundo a organização do evento. A conta é simples: são 12 mil universitários, cada um gasta em média R$ 400 nos jogos.

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8 Brasília, 2 a 15 de novembro de 2010

rendo, gritando e se esbarrando o tempo todo. Empurramos a sardinha de lado para dar espaço ao maior saco de camarão que já vi na vida. Iniciamos o processo de descascar os crus-táceos. Não é tão difícil quanto operar uma sardinha, mas o bichinho é tão gelado que depois de meia hora de traba-lho, já não dá mais pra sentir a ponta dos dedos.

Com frequência, funcionários são requisitados de seus serviços para fazer outro trabalho. Assim, antes de acabar com o camarão e dois pares de luvas, fui chamada à frente da loja para fazer minha primeira venda. Fora promovida. Agora o trabalho era ficar ao lado do gerente, Antônio, para chamar – mais precisamente gritar – os fregueses e atender quem aparecesse. Uma senhora se aproximou e, sob a vigilância do gerente, mostrei a qualidade dos produtos: “Pescada Amarela é de água salgada, boa pra fazer moqueca. Tá fresquinha!” Convencida a freguesa, efetuei a venda: 300g de sardinha, meio quilo de tilápia e 200g de camarão. Antes de entregar a mercadoria, uma surpresinha: a cliente queria que descamasse o peixe. Eu mesma faria o serviço – peixeiro é como estagiário, tem que fazer de tudo. Com uma escova de metal, aprendi a esfregar – sem esfolar – as tilápias, fazendo voar escama para todo lado.

Superadas as dificuldades, adaptar-me ao trabalho não de-morou muito. Apesar da presença de um fotógrafo, as pessoas quase não notaram que eu não era do ramo. Na verdade, a presença do fotógrafo causou mais impacto entre as funcioná-rias da peixaria, que posavam para as fotos e me perguntavam bastante sobre ele. Mesmo sem conseguir ver uma cabeça de bacalhau, o dia terminou de maneira tranquila. No fim da tarde, é hora de retirar tudo que não foi vendido do mostruário e lavar toda a loja com água e sabão. Parte do peixe que sobra é congelado e o que não servir mais vira ração... de peixe. Na volta, depois de me acostumar ao fedor do peixe, descobri que sabonete, xampu e condicionador têm um cheiro muito melhor do que imaginava. De recordação, trouxe a espinha encravada no polegar e possivelmente alguma escama que só será encontrada daqui a algum tempo.

No fim das contas, a distância entre fazer jornalismo e vender pescados é tão curta quanto o espaço que os separa no dia seguinte, quando jornal velho só serve mesmo é para embrulhar o peixe.

QUANDO O JORNAL MORRE PELA BOCA

Quem costuma ler sabe o pei-xe que compra. O Campim foi à Feira do Guará aprender a puxar brasa para a sua sardinha. Por CaríCia teMPoral

Nem as cigarras começaram a cantar e o trabalho está acelerado nas peixarias do Guará. Todos os funcionários

devidamente uniformizados para ficar do lado de dentro do balcão. Rapidamente a repórter que vos fala recebe avental, touquinha, boné e as indefectíveis botinas de borracha. Vesti-da a caráter, assumi meu posto de auxiliar de Eliane Silva, no ramo há mais de 20 anos.

“Surubim, pintado, vermelho, linguado, pescada amarela, pescada branca, salmão, corvina, cação...” Ela me apresen-tou aos pescados falando extremamente rápido seus nomes e como diferenciá-los. Para mim foi impossível memorizar aquela quantidade absurda de informações sobre os peixes. Todos me pareciam iguais: cinzentos, gelados e molhados. O linguado particularmente ficou gravado na minha cabeça. O peixe não era em nada parecido com o homônimo da Disney: muito achatado nas laterais com dois olhos vidrados em um mesmo lado. Assustador.

Na verdade, a visão é apenas um dos sentidos que ficam aguçados em uma peixaria. A textura do animal escorregadio e grudento balançando fresco em minhas mãos, na primeira vez em que segurei um deles, foi algo memorável! Isso para não mencionar o cheiro. Nascer no litoral não faz a menor diferen-ça nessa situação. Na peixaria não adianta se gabar de ter sido criada ao lado do mar quando, a vida inteira, só cheguei perto de peixe quando ele estava no prato.

Minha primeira tarefa foi a de tratar sardinhas. Em uma mesa grande, um funcionário raspava os pequenos peixes. Meu trabalho era abri-los ao meio para tirar as tripas, cortar a cabeça e puxar suavemente o esqueletinho para fora. Levei cerca de dez minutos para conseguir o primeiro sem trans-formar a sardinha em uma massa de carne destroçada. Os peixeiros se divertiram com minha total inabilidade, porque mesmo depois de “pegar o jeito” acabei com uma espinha de peixe enfiada debaixo da unha. Ossos do ofício.

Depois, a operação sardinha foi bruscamente interrompi-da. Um freguês, dono de um buffet, encomendou nada menos do que dez quilos de camarão. A notícia teve o efeito de uma bomba no local. Assim como na redação de um jornal, em uma peixaria, a velocidade com que tudo tem que ser feito conta muito. Para atender os clientes com rapidez, o lado de dentro do balcão transforma-se em uma loucura. Todo mundo cor-

Depois de ler o Campim, recicle! Use-o para embrulhar seu peixe

Guilherme Pera

iúri loPes