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IV CONGRESSO SERGIPANO DE HISTÓRIA & IV ENCONTRO ESTADUAL DE HISTÓRIA DA ANPUH/SE O CINQUENTENÁRIO DO GOLPE DE 64 CAIO PRADO JÚNIOR E HÉLIO SILVA: DISCURSOS SOBRE O GOLPE DE 1964. Olívia Candeia Lima Rocha 1 INTRODUÇÃO Há acontecimentos políticos que ganham relevância pela amplitude de seus impactos na sociedade, o que contribui para que se tornem objetos de análise historiográfica. Os debates e a repercussão midiática sobre o cinquentenário do golpe militar de 1964 destacaram que o passado é problematizado, revisto e reinterpretado continuamente; colocando em evidência as contradições e as disputas em torno do estabelecimento da verdade histórica. Uma das maneiras de se compreender as questões de um determinado período é realizar uma análise do discurso produzido pelos atores históricos, diretamente ou indiretamente engajados na ação política do seu tempo. De forma, a perceber quais são os problemas que são enfrentados e as propostas de solução, a partir dos debates realizados no âmbito da esfera pública, sendo necessário questionar o que o autor estava fazendo, que sentidos estava produzindo, como propõe Pocock 2 . O Golpe de 1964 a principio foi designado de Revolução, declarando-se que o mesmo era necessário para defender a democracia, contra uma ameaça comunista. Os debates realizados na articulação academia e imprensa explicitam a relevância do 1 Mestre em História do Brasil (UFPI), Professora do Curso de História do Campus Senador Helvidio Nunes de Barros da Universidade Federal do Piauí. Email: [email protected] 2 POCOCK, J.G.A. Linguagens do ideário político. Organização: Sérgio Miceli. Tradução Fábio Fernandez. São Paulo: Edusp, 2003, p. 9-82.

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O CINQUENTENÁRIO DO GOLPE DE 64

CAIO PRADO JÚNIOR E HÉLIO SILVA: DISCURSOS SOBRE O

GOLPE DE 1964.

Olívia Candeia Lima Rocha1

INTRODUÇÃO

Há acontecimentos políticos que ganham relevância pela amplitude de seus

impactos na sociedade, o que contribui para que se tornem objetos de análise

historiográfica. Os debates e a repercussão midiática sobre o cinquentenário do golpe

militar de 1964 destacaram que o passado é problematizado, revisto e reinterpretado

continuamente; colocando em evidência as contradições e as disputas em torno do

estabelecimento da verdade histórica.

Uma das maneiras de se compreender as questões de um determinado período é

realizar uma análise do discurso produzido pelos atores históricos, diretamente ou

indiretamente engajados na ação política do seu tempo. De forma, a perceber quais são

os problemas que são enfrentados e as propostas de solução, a partir dos debates

realizados no âmbito da esfera pública, sendo necessário questionar o que o autor estava

fazendo, que sentidos estava produzindo, como propõe Pocock2.

O Golpe de 1964 a principio foi designado de Revolução, declarando-se que o

mesmo era necessário para defender a democracia, contra uma ameaça comunista. Os

debates realizados na articulação academia e imprensa explicitam a relevância do

1 Mestre em História do Brasil (UFPI), Professora do Curso de História do Campus Senador Helvidio

Nunes de Barros da Universidade Federal do Piauí. Email: [email protected] 2 POCOCK, J.G.A. Linguagens do ideário político. Organização: Sérgio Miceli. Tradução Fábio

Fernandez. São Paulo: Edusp, 2003, p. 9-82.

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período para o Brasil contemporâneo, no qual há demandas por esclarecimentos, por

justiça, ao mesmo tempo em que se procura compreender e produzir interpretações

sobre os acontecimentos.

Segundo Arendt3 o sentido de irresistibilidade, trata-se de uma permanência do

sentido original da palavra Revolução, enquanto termo oriundo da astronomia, que

significa restauração, invés de mudança. O sentido de Revolução teria se modificado no

decurso da Revolução Francesa e passado a influenciar os historiadores em relação aos

acontecimentos políticos, adquirindo a noção de novidade e transformação das

estruturas sociais.

Foram selecionadas as obras, A Revolução Brasileira, com primeira edição em

1966, de Caio Prado Júnior e 1964: golpe ou contragolpe publicado em 1975, por Hélio

Silva. As duas obras constituem-se em documentos históricos que apresentam visões

distintas sobre os processos políticos implicados na deposição de João Goulart e na

instituição de uma ditadura, com presidentes militares. Constata-se que A Revolução

Brasileira conta com uma sétima edição, publicada em 2000, pela editora Brasiliense; e

a última edição de 1964: golpe ou contragolpe de Hélio Silva, realizou-se em fevereiro

de 2014, pela editora L&PM, que destaca a isenção do autor ao narrar os fatos:

Hélio Silva recupera com isenção e fidelidade as minúcias da

preparação, da eclosão e os primeiros movimentos de uma ditadura

que mergulharia o país em um longo período de obscurantismo,

perseguições, desprezo às liberdades individuais e aos direitos dos

cidadãos. Rigoroso na exposição dos fatos, isento no tratamento das

personalidades que fizeram a história, Hélio Silva se eleva acima dos

vencedores e vencidos para descrever os fatos como eles se passaram,

sustentado por copiosa documentação. Como destaque deste livro, há

3 ARENDT, Hannah. Da revolução. Revisão: Caio Navarro de Toledo. Tradução: Fernando Didimo

Vieira. São Paulo:Ática; Brasília,DF: Editorada UnB, 1988.

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também preciosos depoimentos de personagens diretamente

envolvidos nos acontecimentos4.

O que está pressuposto tanto pelo o autor como pelo comentário da editora sobre

a última edição da obra, é que o mesmo desvela a verdade sobre os fatos, entretanto,

compreende-se, que a narrativa produz sentidos que possuem a dimensão de veracidade,

mas que não são isentos. Dessa forma, considera-se pertinente considerar os sentidos

lançados sobre o passado e que em certa medida ainda repercutem na sociedade

contemporânea.

CAIO PRADO E A REVOLUÇÃO BRASILEIRA

A Revolução Brasileira, do historiador Caio Prado Júnior, teve sua primeira

edição publicada em 1966, o que propiciou ao autor, o título de Intelectual do ano, com

o prêmio Juca Pato, concedido pela União Brasileira de Escritores. Caio Prado Júnior

produziu diversas obras nas quais buscou compreender a sociedade brasileira, dentre

elas, a Formação do Brasil Contemporâneo (1942), e História Econômica do Brasil

(1945). A atuação intelectual de Caio Prado Júnior foi articulada com a militância

política no Partido Comunista Brasileiro-PCB, pelo o qual foi eleito em 1947, Deputado

Estadual em São Paulo; tendo o mandato cassado com o cancelamento do registro do

PCB pelo governo Eurico Gaspar Dutra (1946-1951).

Em A Revolução Brasileira Caio Prado Júnior buscou refletir sobre os

problemas sociais e econômicos da sociedade brasileira, apontando o que considerou

como equívocos do Partido Comunista Brasileiro e caminhos sobre a Revolução que

41964: GOLPE OU CONTRAGOLPE. Disponível em:

http://www.lpm.com.br/site/default.asp?Template=../livros/layout_produto.asp&CategoriaID=610619&I

D=838253 Acesso em: 30 jun. 2014.

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deveria ser realizada no Brasil. Essas reflexões inserem-se em um contexto, no qual não

se realizou uma revolução de caráter comunista, e a suposição de que ela estaria em

curso serviu de pretexto para a deposição do presidente João Goulart, por meio de um

golpe militar.

Caio Prado Júnior5 frisa que a formação colonial forjou as bases das

desigualdades ainda vivenciadas pela sociedade brasileira em meados do século XX.

Dentre essas condições apresentavam-se a concentração da propriedade da terra, e a

dependência econômica em relação aos interesses do mercado internacional, no qual o

Brasil inseria-se como país agroexportador. Ele critica a teoria sobre a revolução

brasileira que caracterizava essa formação como feudal, incorrendo em um equívoco de

interpretação ao atribuir à luta dos trabalhadores rurais o objetivo de livre ocupação e

utilização da terra:

As aspirações e reivindicações essenciais da grande e principal parte

da massa trabalhadora rural do país não tem aquele sentido apontado.

Refiro-me naturalmente à parcela maior e mais expressiva dos

trabalhadores rurais brasileiros que se concentram nas grandes

explorações agrárias do país - da cana-de-açúcar, do café, do algodão,

do cacau e outros da mesma categoria. [...] Nos maiores e principais

setores da agropecuária brasileira, naqueles que constituem em

conjunto o cerne da economia agrária do país e onde se concentra a

maior parcela da população rural, os trabalhadores, como empregados

que são da grande exploração, simples vendedores de força de

trabalho, portanto, e não “camponeses”, no sentido próprio, aquilo que

aspiram e o que reivindicam, o sentido principal de sua luta, é a

obtenção de melhores condições de trabalho e emprego6.

5 PRADO JÚNIOR, Caio. A Revolução Brasileira. 6ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1978.

6 PRADO JÚNIOR, Caio. A Revolução Brasileira. 6ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1978, p. 49.

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Considerando-se os problemas estruturais e as revindicações que se

apresentavam na sociedade brasileira do período, Caio Prado Júnior acreditava que

estava em desenvolvimento um processo revolucionário, o qual era gradual e inevitável:

[...] As forças revolucionárias vêm adquirindo no Brasil, sobretudo a

partir da última Grande Guerra, um impulso considerável. Não

somente em termos de agregação e acumulação de potencialidades,

mas ainda de consciência coletiva do processo em curso e em que tão

claramente se evidencia a necessidade de reformas substanciais e

profundas de nossas estruturas políticas, econômicas e sociais. A

consciência revolucionária tem hoje no Brasil - e isso já vem de data

relativamente afastada, e ganhando terreno dia a dia - considerável

projeção7.

Constituíam forças potencialmente revolucionárias, os trabalhadores rurais e o

proletariado urbano, compreendido como grupo destituído da propriedade dos meios de

produção, sendo explorado em sua força de trabalho, e que em geral enfrenta condições

de existência precárias. Caio Prado Júnior considerava que essas circunstâncias eram

propícias à maturação do processo revolucionário, entretanto:

[...] o que se tem visto, afora agitação superficial, por vezes aparatosa,

mas sem nenhuma profundidade ou penetração nos sentimentos e na

vida da população, afora isso, o que há de real é a estagnação daquele

processo revolucionário. Ou pior ainda, a sua degenerescência para as

piores formas de oportunismo demagógico, explorando as aspirações

populares por reformas. Foi esse o espetáculo que proporcionou ao

país o convulsionado governo deposto a 1º de abril8.

Para Caio Prado Júnior, os trabalhadores rurais e urbanos encontravam-se

despreparados para exercer o papel revolucionário, que lhes era atribuído, cabendo ao

Partido Comunista atuar de forma a prepará-los para adquirir consciência do mesmo. O

7 Ibidem, p. 22. 8 PRADO JÚNIOR, Caio. A Revolução Brasileira. 6ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1978, p. 22.

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PCB encontrava-se distanciado desses estratos sociais, enquanto, fazia acordos e

conferia apoio a governos que não eram comprometidos com seus ideais e finalidades.

Para o autor isso decorria da ausência de uma teoria revolucionária eficaz, orientada

pelos fatos da realidade, da má compreensão do marxismo e da transposição de um

paradigma revolucionário que não considerava os aspectos sociais e econômicos da

sociedade brasileira. Esses seriam fatores que contribuíram para o insucesso do Partido

Comunista Brasileiro em realizar uma revolução no Brasil. A efusão social em prol de

reformas sem as condições de construir consenso serviu de justificativa para uma reação

conservadora que culminou no golpe de 1964. O qual se apresentou como

revolucionário e defensor da democracia, isso para o autor seria decorrente do fato de

que “seus promotores sabiam, como sabem da ressonância popular dessa expressão e da

penetração que tem em largas camadas da população brasileira”9.

Caio Prado Júnior, observa que o termo revolução era empregado em situações,

nas quais seria mais apropriado utilizar a palavra insurreição. Comumente se tratava de

episódios nos quais se empregavam ações caracterizadas pela força e pela a violência

para derrubar governos, visando a tomada de poder por grupos de oposição ou por

segmentos sociais. Essa acepção eliminava um significado que para ele seria essencial,

o de transformação. Para ele, revolução constitui-se como um:

[...] processo histórico assinalado por reformas e modificações

econômicas, sociais e políticas sucessivas, que, concentradas em

período histórico relativamente curto, vão dar em transformações

estruturais da sociedade, e em especial das relações econômicas e do

equilíbrio recíproco das diferentes classes e categorias sociais10.

9 Idem. 10 Ibidem, p. 11.

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Considerando-se esses parâmetros, depreende-se que para Caio Prado Júnior o

movimento político de 31 de março de 1964, constituiu-se em uma insurreição, ao qual

ele designa de “golpe de 1º abril”, e não uma revolução; tendo em vista que seus efeitos

a curto e em longo prazo, não provocaram mudanças estruturais, sobretudo no sentido

em que o autor as compreendia, e nem proporcionaram um equilíbrio entre os diferentes

grupos sociais. Para ele as medidas tomadas pelo governo militar aguçavam as

contradições da sociedade brasileira, dando continuidade e projetando para o futuro esse

Brasil dependente do mercado internacional e com acentuada desigualdade social:

[...] Foi-se ainda mais longe que anteriormente, abafando

gradativamente e eliminando pela violência e o terror não somente a

ação, mas ainda qualquer voz divergente, em particular aquelas

capazes de representar as forças de renovação, isto é as populares,

maiores interessados na remodelação das velhas estruturas e

reconstrução delas sobre novas bases voltadas para a libertação do

país de suas contingências coloniais herdadas do passado, tanto as

econômicas (a dependência e subordinação ao sistema internacional

do imperialismo) como as sociais, os baixos níveis materiais e

culturais da massa da população brasileira11.

Assim, ainda constituía-se em uma necessidade realizar a revolução brasileira.

Caio Prado Júnior não fornece um modelo de processo revolucionário, composto por

etapas a serem realizadas, nem lança perspectivas temporais; também, não a caracteriza

como uma revolução de caráter comunista, com estatização da propriedade privada. Isso

decorre em parte pelo entendimento de que a ameaça de uma revolução comunista, foi

utilizada muito mais como um pretexto para o golpe de 1º de abril, do que se constituía

em uma possibilidade efetiva. A suposição dessa ameaça era enfatizada pelos Estados

Unidos para justificar seu intervencionismo, frente a qualquer ação contrária aos seus

11 PRADO JÚNIOR, Caio. A Revolução Brasileira. 6ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1978, p. 240.

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interesses. Neste aspecto, havia uma convergência e uma reciprocidade de apoio entre

os governos militares e a política norte-americana.

A Revolução Brasileira se constituiu em uma obra aberta. Sendo posteriormente

acrescentados os capítulos, Adendo a Revolução Brasileira e Perspectiva em 1977. O

primeiro se constitui em uma resposta de Caio Prado Júnior às críticas de Assis Tavares.

Caio Prado Júnior reafirma o cuidado de não emprestar apoio a políticas que não

representam o interesse nacional, ou que se declaram nacionalistas, mas em uma análise

mais detida, percebe-se que representam demandas de setores específicos da sociedade,

principalmente da iniciativa privada. Ele cita como exemplo, o antiimperialismo

discursivo contra a “desnacionalização das empresas brasileiras”, através da demanda

por recursos financeiros junto ao capital externo. Essas preocupações disfarçadas de

nacionalismo visavam reclamar financiamento público para formar o capital de giro

dessas empresas.

Caio Prado Júnior não propõe uma estatização das empresas, mas defende a

regulação da economia pelo Estado. No capítulo, Perspectiva em 1977, inclui-se na

análise do autor a preocupação com o reestabelecimento democrático. Para ele a

finalidade essencial do golpe militar de 1964, foi o alijamento dos grupos populares da

política e o silenciamento das reivindicações dos trabalhadores, o que atendeu aos

interesses do empresariado. Para ele a revolução “não se fará nunca através de manobras

artificiosas de bastidores, mas tem de partir e somente pode partir da ação popular”12.

Para ele a democracia só pode ser adquirida pela prática, assim, o primeiro movimento a

ser realizado na conjuntura do período, seria a participação das camadas populares na

atividade política. Contudo, o autor compreendia que esse segmento social precisava ser

orientado, pois:

12 PRADO JÚNIOR, Caio. A Revolução Brasileira. 6ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1978, p. 218.

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[...] se lhe falta tutela e lhe é dado agir por iniciativa própria, será

vítima da demagogia e de aproveitadores mal-intencionados de sua

boa fé iludida. Terá sido isso muitas vezes o caso, e não é abafando a

voz e ação populares que se corrigirá tal situação. Antes pelo

contrário, é somente por essa ação que o povo adquirirá a experiência

política que eventualmente lhe faça falta, e aprenderá a defender

conscientemente seus verdadeiros interesses e promover com acerto

suas aspirações de maneira racional como os demais setores da

população brasileira13.

A experiência aparece como um fator de promoção do aprendizado democrático,

mas também fica explícito o entendimento das massas como imaturas e despreparas,

portanto manipuláveis. A orientação das camadas populares deveria ser realizada pelas

esquerdas, especialmente, pelo Partido Comunista.

A revolução a ser realizada na sociedade brasileira, não era de caráter comunista.

Para ele era necessário estabelecer um regime político democrático, no qual a economia

deveria ser regulada pelo o Estado e orientada pelos interesses nacionais, e não apenas

dos grupos privilegiados economicamente ou do capital externo. O autor critica uma

modernização, entendida a partir da produção de bens de consumo, de incremento da

infra-estrutura relacionada à construção civil e aos serviços de comunicação, e que

ainda assim, eram realizadas com ineficiência. O desenvolvimento a se buscar deveria

ser a promoção de melhores condições de vida material e cultural para a população,

“capacitada, no seu conjunto, para usufruir alguma coisa do conforto, bem-estar e

elevação do espírito que a ciência moderna proporciona14”, o que compreendia aspectos,

como alimentação, saúde, habitação e educação. Talvez essa fosse a proposição que era

13

Ibidem, p. 250.

14 PRADO JÚNIOR, Caio. A Revolução Brasileira. 6ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1978, p. 229.

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possível, pois se tratava de uma época de desencanto com o comunismo soviético, na

qual se verificava, o enfraquecimento da União Soviética no cenário internacional e a

percepção de que uma suposta revolução “comunista” foi utilizada em 1937 e 1964,

como justificativa para a instauração de governos autoritários, respectivamente, o

Estado Novo, de Getúlio Vargas e a ditadura militar.

HÉLIO SILVA E A TESE DE CONTRA-REVOLUÇÃO

Hélio Ribeiro da Silva nasceu em 10 de abril de 1904, no subúrbio carioca do

Riachuelo (Estrada de Ferro Central do Brasil). Dedicou-se ao jornalismo e à análise

política. Esperava ser indicado deputado estadual pelo Presidente do Estado de São

Paulo, Júlio Prestes de Albuquerque. Entretanto, a Revolução de 1930, frustrou suas

expectativas políticas e fechou os jornais em que trabalhava; O País e o Correio

Paulistano que foram incendiados. Durante a Campanha Presidencial de 1949, ocupou o

cargo de redator-chefe da Tribuna da Imprensa a convite de Carlos Lacerda. Participou

da Fundação do Partido Democrata Cristão, no Rio de Janeiro, juntamente com Alceu

Amoroso de Lima e Paulo Sá. O referido jornal caracterizava-se como conservador e de

oposição à política preconizada por Getúlio Vargas15.

A primeira edição de 1964: golpe ou contra-golpe, ocorreu em 1975. Nesta obra,

Hélio Silva16 afirma estar produzindo um documento historiográfico, dotado do cunho

de veracidade. Segundo ele a história precisava começar a ser escrita com os

depoimentos dos protagonistas e testemunhas, categoria na qual ele também se insere.

15

HÉLIO SILVA. Disponível em:

http://www.lpm.com.br/site/default.asp?TroncoID=805134&SecaoID=948848&SubsecaoID=0&Templat

e=../livros/layout_autor.asp&AutorID=508160 Acesso em: 30 jun. 2014 16 SILVA, Hélio. 1964: golpe ou contragolpe? 2ª ed. Colaboração: Maria Cecília Ribas Carneiro. Porto

Alegre: L&PM, 1978.

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Percebe-se que sua preocupação era produzir uma compreensão sobre os

acontecimentos relativos ao golpe militar, através de um relato cronológico. O autor

inicia a introdução com a frase, “estávamos em plena crise”. Essa crise seria

caracterizada pelos aspectos político, militar e econômico, e evidenciava-se pela

mudança de presidentes no período de 1961 e 1965, a saber: Jânio Quadros, João

Goulart e Humberto Castelo Branco. Para ele, havia forças históricas que se

sobrepunham à vontade dos agentes históricos, que eram impelidos por elas. Jânio

Quadros foi “levado à renúncia”; João Goulart “deposto” e Humberto Castelo Branco

conduzido à presidência por um “movimento revolucionário”.

Segundo Hélio Silva, o golpe de 1964 teria sido motivado pela a existência de

uma crise institucional em um Estado ineficiente em arbitrar os conflitos de interesses

entre os diferentes estratos sociais, devido à perda da representatividade política.

Acrescenta-se, neste cenário um programa de reformas compreendido como uma

ameaça comunista, e, sobretudo, “o ingresso acelerado e não ordenado” das “massas”

no processo político, que passou a se caracterizar pela “agitação”17. Neste aspecto, as

análises de Hélio Silva e Caio Prado Júnior convergem, ao se considerar que para os

grupos detentores do poder político e econômico da época, a participação popular na

política era percebida como um problema, pois a mesma era vista como “inconsciente”

ou era qualificada como despreparada para a ação política.

Segundo Hélio Silva, os militares de 1964 reivindicavam uma origem

revolucionária. O autor destaca em sua análise a ideia de necessidade histórica como

algo que se impõe aos agentes históricos, “são os militares que assumem, de fato, a

função de árbitro e estabilizador que farão sentir sempre que julgarem ameaçado o

17 Idem.

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sistema existente18”. Assim, o autor justifica as intervenções dos militares brasileiros na

política, atribuindo aos mesmos um papel de poder moderador, que oscila entre uma

atitude progressista ou conservadora, mas sempre contrária à tendência da sociedade.

Para Hélio Silva, a intervenção militar era inevitável, ou seja, sua ocorrência era uma

questão de tempo e de condições favoráveis para a realização da mesma. Ele afirma que

as greves, as reivindicações por direitos e por salários tumultuavam a gestão de João

Goulart; configurando-se um conflito entre as massas urbanas, os líderes populistas que

reivindicavam mudanças estruturais e rápida modernização e a classe dominante

ruralista, articulada com os novos grupos patrimoniais, oriundos da industrialização.

Para o autor, esta disputa de poder impossibilitava a execução de qualquer programa de

reforma por parte dos dirigentes, tendo em vista que, exigia-se de João Goulart a

realização de reformas, para as quais, seria necessário que se detivesse poderes

absolutos.

O Governo de João Goulart buscava apoio nos movimentos sociais, urbanos e

campesinos, nas classes subalternas das forças armadas, e contava com políticos

favoráveis às reformas como, Miguel Arraes, Leonel Brizola, e o Deputado Francisco

Julião, advogado, cuja base de apoio eram as ligas camponesas. A realização de um

plebiscito em 1962 restabeleceu o regime presidencialista. As reformas que o governo

de João Goulart defendia se estendiam a diversos setores, dentre eles, cita-se a reforma

universitária, a nacionalização das refinarias de petróleo, a reforma eleitoral, o controle

de remessas ao exterior e a reforma agrária. Segundo o discurso de João Goulart em 13

de março de 1964, essas reformas eram necessárias para combater a desigualdade social

em uma perspectiva democrática. Destacando-se que o discurso de defesa da

democracia era utilizado tanto pelo governo João Goulart, como pelos militares e

18 SILVA, Hélio. 1964: golpe ou contragolpe? 2ª ed. Colaboração: Maria Cecília Ribas Carneiro. Porto

Alegre: L&PM, 1978, p. 18.

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políticos civis que combatiam o governo, dentre eles, Magalhães Pinto, governador de

Minas Gerais, que teve um papel decisivo no golpe de 1964.

As reformas propostas e a forma de conduzi-las afrontavam interesses dos

setores que ocupavam posições privilegiadas na sociedade, no que tange ao poder

econômico e político. João Goulart defendia a desapropriação de latifúndios

improdutivos, e de terras apropriadas às margens de obras públicas como ferrovias e

açudes, mas sem indenização. A maioria dos deputados da União Democrática

Nacional-UDN considerava que o programa de reformas era “comunizante”. A posição

do Governo em relação às reformas lhe custou a cisão da aliança pela qual se elegeu

PSD-PTB. O partido do presidente o PTB se tornou minoria no congresso e esses

fatores, contribuíram para o rápido reconhecimento do Congresso ao golpe de 1964,

declarando vaga a presidência da república19.

No comício de 13 de março de 1964, João Goulart informava que pretendia

encaminhar essa proposta de reforma ao Congresso. Considerando-se que muitos

parlamentares e militares de patentes mais elevadas fossem proprietários de terra, não se

deveria esperar que essa medida fosse aprovada pelo congresso. A desapropriação de

terras sem indenização era percebida pelos grupos já mencionados, como um atentado à

propriedade privada, e, portanto, como início da implantação do comunismo no país, e

de uma “ditadura de esquerda”, como acusavam os opositores das reformas e do

governo. Greves, manifestações populares e a desapropriação de terras eram entendidas

por setores militares e grupos dominantes economicamente, como uma ameaça aos seus

interesses e a ordem social estabelecida. Para Hélio Silva, “o movimento de 64

caracteriza-se melhor como a reação das classes conservadoras, a defesa do status quo

19 SILVA, Hélio. 1964: golpe ou contragolpe? 2ª ed. Colaboração: Maria Cecília Ribas Carneiro. Porto

Alegre: L&PM, 1978.

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da alta e média burguesia contra a sociedade de massas que o processo de socialização

acelerado anunciava20.

Dentre os fatores que contribuíram para o sucesso do golpe, menciona-se a

construção de uma opinião pública favorável, através do Instituto de Pesquisa e Estudos

Sociais – IPES, criado em 1961, com a participação e apoio de profissionais liberais,

industriais e empresários paulistas, dentre eles, Júlio de Mesquita Filho, proprietário do

jornal O Estado de São Paulo, que se tornou líder do grupo. A atuação do grupo não se

restringiu à propaganda, recorrendo ao uso de ações violentas, como a agressão de

manifestantes de esquerda nos comícios anticomunistas. Segundo Helio Silva:

No inicio de 1964, esse grupo paulista, civil e militar, temia uma

tentativa governamental de criar um estado totalitário. Do ponto de

vista de alguns civis a escolha se colocava em termos de ir até o fim

no movimento que haviam iniciado ou correr o risco de sérias

represálias se as coisas mudassem. Começaram, então, a armar-se. Só

o grupo Mesquita gastou dez mil em armas, inclusive metralhadoras.

Grupos em bairros de São Paulo conseguiram armas, munições e

víveres, e cuidadosamente projetaram planos de defesa para as

quadras em que residiam21.

Além disso, contavam que, se caso irrompesse uma guerra civil e pudessem

resistir por 48 horas, poderiam contar com o apoio do governo americano. Dentre os

desdobramentos, da atuação do INPES, menciona-se a criação do Grupo de Atuação

Patriótica - GAP que atuava no Rio de Janeiro, São Paulo e Minas e era formado por

jovens de família de elevado poder aquisitivo, realizando um contraponto entre os

jovens à União Nacional dos Estudantes - UNE. O grupo era vinculado ao Almirante

Silvio Heck e dirigido por Aristóteles Drummond que defendia a mobilização armada

20 SILVA, Hélio. 1964: golpe ou contragolpe? 2ª ed. Colaboração: Maria Cecília Ribas Carneiro. Porto

Alegre: L&PM, 1978, p. 247. 21 Ibidem, p. 255-256.

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contra os camponeses de Francisco Julião e o Grupo dos Onze de Leonel Brizola. Havia

conivência de setores do exército em relação às ações ilegais deste grupo22.

Ressalta-se ainda, que em São Paulo, fazia parte da formação de opinião pública

favorável ao golpe, relacionar o ano de 1964 ao de 1932, no qual, o Estado de São Paulo

encampou uma guerra civil, que se justificava em prol da defesa da constitucionalidade

e contra o governo autoritário de Getúlio Vargas. Evocava-se assim, um espírito

patriótico. A relação articulada pelos conspiradores entre a Revolução

Constitucionalista de 1932, e o Golpe de 1964, configura-se como uma estratégia de

legitimação política. A Revolução Constitucionalista se opôs ao governo de Getúlio

Vargas, que ascendeu ao poder através de uma insurreição, impediu a posse de Júlio

Prestes de Albuquerque, e adotou medidas como fechamento do Congresso, deposição

de governadores e revogação da Constituição. Getúlio Vargas havia perdido a eleição

para presidente da República, para Júlio Prestes, no entanto, alegou-se que essas foram

fraudulentas. O Golpe de 1964 utilizando o argumento de defesa da democracia se opôs

ao governo de um Vice-Presidente que fora eleito e que assumiu o cargo de Presidente

com garantia constitucional, portanto, dentro do processo democrático. Essa associação

entre movimentos políticos que se processavam em contextos bastante distintos

agregava também um possível sentimento revanchista das elites civis de São Paulo, mas

também de Minas Gerais, que tiveram seu revezamento político no governo federal

interrompido por Getúlio Vargas, oriundo de São Borja cidade do Rio Grande do Sul.

Combate-se assim, também uma geração de políticos populistas, sobretudo, quando a

emergência dos mesmos no cenário nacional deu-se em relação com Getúlio Vargas,

como era o caso de João Goulart e Leonel Brizola, cuja filiação dá-se não apenas pelo

vínculo político, mas também regional. Além disso, Getúlio Vargas foi evocado por

22 SILVA, Hélio. 1964: golpe ou contragolpe? 2ª ed. Colaboração: Maria Cecília Ribas Carneiro. Porto

Alegre: L&PM, 1978.

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João Goulart no comício de 13 de março de 1964, na questão da nacionalização das

refinarias de petróleo. Portanto, a vinculação entre João Goulart e Getúlio Vargas era

feita direta ou indiretamente, tanto pelo grupo governista e favorável às reformas, como

pelos contrários e que se designavam como democratas e anticomunistas.

A partir da análise de Hélio Silva23, depreende-se que o regime presidencialista,

tendo à frente João Goulart, acentuava entre os militares o temor da deflagração de uma

revolução comunista. O apoio do governo, às reivindicações de oficiais de patentes

menos elevadas, como sargentos e cabos, sobretudo da Marinha, desagradava oficiais

mais graduados e era percebida como um incentivo à quebra da hierarquia militar.

Leonel Brizola viajava pelo o país, com a justificativa de buscar apoio para as

Reformas, dirigindo criticas ao General Muricy, um militar de oposição ao governo e

contrário às reformas, em uma viagem ao Grande do Norte, em maio de 1963, provocou

polêmicas e reações negativas de militares. O que serviu de teste e colocou em

evidência a possibilidade de união dos militares contra o governo e as reformas.

Um dos fatos que fatos que recebe destaque nas narrativas sobre o período é a

Marcha da Família com Deus pela Liberdade que foi realizada no dia 19 de março de

1964. Segundo Hélio Silva a campanha de mobilização para o evento foi intensa e

contou com telefonemas em nome de Leonor Mendes de Barros, esposa do Governador

de São Paulo, e com manifestações da União Cívica Feminina em frente de fábricas.

Sobre essa Marcha Hélio Silva destaca:

Na primeira fila estão os Deputados Herbert Levy, Conceição da

Costa Neves, Jairo Albuquerque, Cunha Bueno, o Gen. Nelson de

Melo e o Senador Pe. Calanzas. Há uma pequena clareira num dos

lados: um grupo de homens e mulheres, de braços dados formam um

anel de proteção para D. Leonor Barros. Bandeiras do Brasil e de São

23 SILVA, Hélio. 1964: golpe ou contragolpe? 2ª ed. Colaboração: Maria Cecília Ribas Carneiro. Porto

Alegre: L&PM, 1978.

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Paulo aparecem em profusão. Papéis cortados são atirados dos

edifícios. Aos que estão nas janelas a massa grita em coro: ‘Desce,

desce’. Faixas lembram ‘32+32=64’, numa alusão à revolução

constitucionalista. A multidão repetia em coro: ’Um, dois, três,

Brizola no xadrez’; ‘Tá chegando a hora de Jango ir embora’. O fecho

da Marcha é a banda da Guarda Civil executando Paris Belfort, hino

da revolução de 3224. [grifo do autor]

O termo marcha faz alusão a uma ação militar, organizada, com disciplina,

direcionada para o mesmo sentido, de forma progressiva. A referida Marcha foi

realizada cerca de uma semana após o comício do governo em prol das reformas. A

função de ambos os eventos seria a capitalização de apoio popular e da opinião pública

favorável. O Golpe de 1964 foi bem sucedido, devido à organização que vinha se

realizando desde a derrota sofrida em 1961, com a posse de João Goulart. Dentre os

pronunciamentos realizados o autor destacou o de militares como o General do Exército

Humberto Castelo Branco, chefe do Estado-Maior, realizado no dia seguinte à Marcha:

Não sendo milícia, as Forças Armadas não são armas para

empreendimentos antidemocráticos. Destinam-se a garantir os poderes

constitucionais e sua coexistência. A ambicionada Constituinte é um

objeto revolucionário pela violência com o fechamento do Congresso

e a instituição de uma ditadura. A insurreição é um recurso legítimo

de um povo. Pode-se perguntar: o povo brasileiro está pedindo uma

ditadura militar ou civil e Constituinte? Parece que ainda não.

Entrarem as Forças Armadas numa revolução para entregar o Brasil a

um grupo que quer dominá-lo para mandar e desmandar e mesmo para

gozar o poder? Para garantir a plenitude do grupamento

pseudosindical, cuja cúpula vive na agitação subversiva cada vez mais

onerosa aos cofres públicos? Para talvez submeter a nação ao

comunismo de Moscou? Isto sim, é que seria antipátria, antinação e

antipovo. Não, as Forças Armadas não podem atraiçoar o Brasil.

Defender privilégios de classes ricas está na mesma linha

antidemocrática de servir a ditaduras fascistas ou síndico-comunistas.

O CGT anuncia que vai promover a paralisação do País, no quadro do

24Ibidem, p. 339.

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esquema revolucionário. Estará configurada provavelmente uma calamidade pública. E há quem deseje as Forças Armadas fiquem

omissas ou caudatárias do comando da subversão25.

Segundo Hélio Silva esse pronunciamento foi interpretado de diferentes formas,

pois, enquanto o Gen. Humberto Castelo Branco ainda era depositário da confiança do

governo, nos círculos conspiratórios era tido como agente catalisador dos vários

movimentos preparatórios, portanto, essas declarações eram interpretadas como um

sinal de que a revolução ia ser deflagrada. Para os agentes do período, envoltos nos

acontecimentos, pode não ter ficado claros todos os sentidos da referida manifestação.

Mas o que o Chefe do Estado-Maior faz é indicar que as Forças Armadas pretendiam

intervir em nome das instituições democráticas, do povo e da Constituinte,

restabelecendo a “ordem”. Indica ainda que não pretendiam entregar o poder a nenhuma

das tendências; as sindicalistas, e de esquerda alinhadas ao governo ou a direita

conservadora, contrária às reformas e representada por políticos que almejavam o cargo

de presidente.

Hélio Silva destaca que os partidos políticos e civis muitos dos quais apoiavam o

golpe realizavam convenções e definiam os candidatos à Presidência. Na União

Democrática Nacional-UDN havia uma disputa entre os nomes de Carlos Lacerda,

governador do Rio de Janeiro e Magalhães Pinto, governador de Minas Gerais. O

Partido Social Progressista-PSP deliberou em fevereiro de 1964 pela candidatura

Ademar de Barros, governador do Estado de São Paulo e João Calmon, respectivamente

a presidente e vice-presidente. O Partido Social Democrático-PSD no dia 20 de março

de 1964, realizou sua convenção favorável à candidatura de Juscelino Kubitschek, com

2.849 votos contra um voto para o também ex-presidente Mal. Eurico Gaspar Dutra e 39

25 BRANCO, Humberto Castelo. apud. SILVA, Hélio. 1964: golpe ou contragolpe? 2ª ed. Colaboração:

Maria Cecília Ribas Carneiro. Porto Alegre: L&PM, 1978, p. 343.

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abstenções. O que evidenciava a separação de rumos entre o PSD e o PTB para a

campanha presidencial. Quanto ao PTB, havia segmentos que contavam com a reeleição

de João Goulart, quando se considera faixas como: ”JG/65: Coragem para as reformas”,

no comício de 13 de março, as quais teriam sido colocadas à revelia de João Goulart e

dos promotores do evento.

A imagem de João Goulart que é enfatizada no relato de Helio Silva, é de um

presidente alheio aos acontecimentos, que em diversos momentos subestimava o curso

dos mesmos e hesitava em tomar as medidas que seriam necessárias, algumas vezes,

pode ser percebido como apático. A outra imagem de João Goulart que é apontada na

obra, mas sem destaque é a de pacifista. João Goulart, já sem condições de resistir ao

golpe de forma bem sucedida, decidiu não promover uma resistência armada, que

iniciaria uma guerra civil no país.

A partir da análise de Hélio Silva compreende-se que o sucesso do golpe de

1964 decorreu de um processo articulado meticulosamente nos anos subsequentes à

posse de João Goulart. Os conflitos de interesses da sociedade civil e a ambição dos

partidos pelo poder repercutiram nas instituições políticas-administrativas locais, e nas

esferas do legislativo federal, formadas por pessoas pertencentes à elite econômica, a

famílias proprietárias de latifúndios, ou com vínculos com essas. A mobilização da

opinião pública favorável e a organização de agremiações civis contrárias às reformas

garantiram o nível de aceitação pública que a intervenção militar precisava. Mas o fator

determinante foi o trabalho de mobilização interna das forças armadas e o planejamento

das manobras a serem realizadas. Hélio Silva não inclui considerações finais, mas na

introdução à segunda edição da obra, fica claro que ele defende a tese de que o

movimento de 1964 foi uma contra-revolução ou um contragolpe:

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A reedição deste livro impunha-se desde que se esgotou a 1ª edição.

Porque as revelações que trouxe não foram desmentidas, antes

confirmadas em outras publicações de pesquisadores diversos,

nacionais e estrangeiros. O título escolhido causou escândalo, no

primeiro momento, quando ninguém ousava classificar o movimento

de março e abril de 64 de um contragolpe, desfechado sob a

motivação de que o Presidente João Goulart pretendia dar um golpe,

implantando uma república sindicalista, perpetuando-se no poder.

Depois da publicação de nosso livro, vulgarizou-se a denominação

adequada. Estudiosos e homens de governo; revolucionários e contra-

revolucionários adimitem, se não proclamam, que o movimento de 64

é uma contra-revolução26. [grifo do autor]

A narrativa de Hélio Silva não é convicente no sentido, de apontar indícios de

que o governo preparasse um golpe comunista ou a instalação de uma República

Sindical. Os relatos que foram buscados para a realização do trabalho são, sobretudo, de

militares de oposição ao governo, aos quais ele não alisa, e apresenta como status de

verdade. O sentido de contra-revolução, pode ser considerado na perspectiva de que as

reformas defendidas pelo governo implicavam em uma Revolução, no sentido moderno

da palavra, de transformação das estruturas sociais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As interpretações dos autores não se desvinculam de suas filiações políticas, por

isso, Caio Prado Júnior volta sua análise para as classes que seriam potencialmente

revolucionárias e para o Partido Comunista; enquanto, Hélio Silva valoriza o

protagonismo dos militares e lideranças civis do golpe de 1964. Hélio Silva filiava-se a

26 SILVA, Hélio. 1964: golpe ou contragolpe? 2ª ed. Colaboração: Maria Cecília Ribas Carneiro. Porto

Alegre: L&PM, 1978, p. 1.

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uma tendência de oposição em relação aos governos de Getúlio Vargas, constando entre

políticos com os quais manteve relações, nomes como, Carlos Lacerda e Julio Prestes.

Neste sentido, destaca-se que foi um dos fundadores do Partido Democrata Cristão no

Rio de Janeiro, e que se opunha ao que se denominava de “getulismo”. Esta oposição

não se referia apenas a Getúlio Vargas, mas também a políticos que de alguma forma

vinculavam-se ao mesmo ideologicamente ou através da rede de alianças partidárias,

dentre os quais, Juscelino Kubitschek, João Goulart e Leonel Brizola.

A análise de Caio Prado Júnior configura-se como um ensaio analítico sobre um

viés marxista, que considera aspectos, como estruturas, sobretudo, sociais e econômicas.

A abordagem de Hélio Silva caracteriza-se como uma narrativa, com capítulos curtos,

semelhante a uma novela desenvolvida a partir de intrigas. Caio Prado Júnior expõe-se

seus argumentos, enquanto, a perspectiva de Hélio Silva, dilui-se no texto, em uma

linha de sentido que é desenvolvida pelo o encadeamento cronológico dos

acontecimentos.

Hélio Silva buscou narrar os acontecimentos que produziram o golpe de 1964,

produzindo um sentido de interpretação, no qual é possível supor que houvesse mesmo

uma crença de que estava em curso um processo de comunização do Brasil, pelo menos

entre alguns militares e segmentos civis. Para Caio Prado Júnior esse discurso era uma

ficção, que teve sua eficácia ao ser tomada como real. Enquanto, para Caio Prado

Júnior, Jânio Quadros e João Goulart eram políticos demagogos que manipulavam as

massas, para Hélio Silva os dois sucumbiram às pressões, e João Goulart seria

despreparado para o cargo e impotente frente à força dos acontecimentos. Caio Prado

Júnior contrapõe-se a ideia de que tenha havia qualquer revolução, e que era necessário

realizá-la.

A concepção de contra-revolução pode ser admitida na acepção de que em seus

objetivos e efeitos, a intervenção militar caracterizou-se pela manutenção de uma ordem

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social e econômica, que favorecia os interesses e a propriedade de grupos dominantes e

que estavam ameaçados pelas reformas que o governo João Goulart defendia e buscava

implementar.

As obras analisadas constituem-se em documentos históricos e políticos que

permitem vislumbrar, problemas que eram elencados, divergências, disputas, mas

também proposições e ações em torno dos mesmos. Os autores produzem significados

que de forma nenhuma são neutros. Não apenas os homens, mas a maneira como eles

representam o passado insere-se na conjuntura histórica em que foi produzida e na qual

os autores viveram.

REFERÊNCIAS

ARENDT, Hannah. Da revolução. Revisão: Caio Navarro de Toledo. Tradução:

Fernando Didimo Vieira. São Paulo: Ática; Brasília, DF: Editorada UnB, 1988.

POCOCK, J.G.A. Linguagens do ideário político. Organização: Sérgio Miceli.

Tradução Fábio Fernandez. São Paulo: Edusp, 2003, p. 9-82.

PRADO JÚNIOR, Caio. A revolução Brasileira. 6ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1978.

SILVA, Hélio. 1964: golpe ou contragolpe? 2ª ed. Colaboração: Maria Cecília Ribas

Carneiro. Porto Alegre: L&PM, 1978.

REFERÊNCIAS ELETRÔNICAS

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1964:GOLPE OU CONTRAGOLPE. Disponível em:

http://www.lpm.com.br/site/default.asp?Template=../livros/layout_produto.asp&Catego

riaID=610619&ID=838253 Acesso em: 30 jun. 2014.

HÉLIO SILVA. Disponível em:

http://www.lpm.com.br/site/default.asp?TroncoID=805134&SecaoID=948848&Subsec

aoID=0&Template=../livros/layout_autor.asp&AutorID=508160 Acesso em: 30 jun.

2014

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