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CADERNO DE TEXTOS

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CADERNO DE TEXTOS

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1. Tem dinheiro para empresário, mas não tem para educação! - p. 3

2. Carta de encaminhamentos do Encontro Nacional dos Mo-vimentos em Luta por uma Universidade Popular - p. 7

3. O Enade, uma práxis social? - p. 11

4. As políticas de assistência estudantil e relação com as uni-versidades - p. 19

5. Estágio precarizado - p. 36

6. Com tesoura não se avança! - p. 46

SUMÁRIO Tem dinheiro para empre-sário, mas não tem para educação!Em Julho o governo federal anun-ciou mais um corte na educação. Dessa vez cerca de R$10,6 bilhões de reais deixará de ser investido esse ano, o segundo corte em me-nos de 6 meses. A situação das universidades públicas já é de de-cadência, diversas instituições fe-derais e estaduais estão com difi-culdade para manter o orçamento semestral e até mesmo iniciar as aulas para o segundo semestre, com mais esse corte na educação a situação tende a piorar. Mais da metade das universidades públi-cas em Minas Gerais, por exemplo, já suspenderam o segundo se-mestre letivo de 2015. Profissio-nais da educação como técnicos e docentes deflagram greve, pois o Ministério da Educação se recu-sa a negociar os ajustes salariais desse ano. A presidente Dilma e o ministro da Fazenda Joaquim Levi declaram que os cortes nas áreas sociais, sobretudo da educação, um dos maiores, são adequados e necessários diante da crise que o pais se encontra. Mas ao mesmo tempo em que o governo federal

afirma ser necessário os cortes na educação ele destina cerca 5,1 bilhões de reais, quase o montan-te do corte da educação pública, para o Fies - Fundo de Financia-mento do Ensino Superior por meio de crédito extraordinário, ou seja, valor concedido além do or-çamento da educação estipulado pelo Governo Federal. Sabemos que isso é um desvio de verba para sustentar os bolsos dos em-presários e banqueiros do ensi-no, grande parte financiadora das campanhas eleitorais dos grandes partidos que estão no poder, como o PT e o PSDB. Um forte projeto de privatização e mercantilizarão da educação, um desvio do dinheiro público para a iniciativa privada.

A lógica lucrativa do Fies e do Prouni

Uns dos principais projetos da campanha eleitoral de Dilma em 2014, foi a permanência e exten-são dos programas assistenciais da educação como o Fies e o Prouni, que vem se destacando ao longo do governo do PT nesses 12 anos. A promessa de expandir a educação superior, sobretudo aos mais carentes “democratizando o acesso” é na verdade compra

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de vagas públicas em institui-ções privadas, intensificando os projetos neoliberais de parcerias público-privadas dos governos anteriores. Isso torna a educação da classe trabalhadora e dos seus filhos mero lucro para as insti-tuições privadas, massificando a educação superior sem garantir a qualidade de ensino e de infra-estrutura necessária dessas insti-tuições. O fundo de financiamento estudantil para o estudante é na verdade um endividamento es-tudantil, pois ao contratar o FIES ele adquiri também uma dívida a ser paga ao longo da sua vida, e prior, sem a garantia de conseguir um emprego, o que torna o finan-ciamento uma verdadeira bola de neve. Quem tem seu curso supe-rior financiado pelo FIES, acaba por apagar em média à univer-sidade três vezes mais, pois já é pago nos impostos que deveriam ser revertidos para áreas sociais como a educação, paga-se nas altas mensalidades e nos juros do financiamento. Com o PROU-NI não é diferente! O projeto que foi criado na verdade para quitar a divida dos empresários com im-postos públicos federais, hoje é um grande comprador de vagas, fortalecendo o investimento em educação no setor privado, sendo

distribuídas em quaisquer insti-tuições de ensino privada, inclu-sive nas mal avaliadas pelo MEC.Os números não deixam men-tir, o forte projeto de privatização do governo federal se intensifica cada vez mais vez. De acordo com o Censo de 2013 do total de estu-dantes universitários 5,3 milhões estão nas instituições privadas e apenas 1,9 nas instituições pú-blicas o que significa que os em-presários da educação estão lu-crando como nunca, o que coloca o Brasil como líder mundial em empresas lucrativas de ensino. O grupo educacional Kroton lucra-ram cerca de R$ 335,4 milhões até o momento, mais do que o dobro do período passado. Muitos es-tudantes se beneficiaram destes programas e deve ser apoiada em seu direito ao acesso à educação superior, porém isso não significa permitir que a educação se torne uma mercadoria.

Novas regras e mais contradições

Assim como nos Estados Unidos onde o governo passou a revisar os financiamentos estudantis por conta do alto índice de inadim-plência, aqui no Brasil também aconteceu isso com os cortes na educação no começo do ano.

O FIES contou com novas regras para afrouxar as vagas, já que em Fevereiro o atual ministro da educação Flavio Janine havia di-vulgado que a fonte do financia-mento havia se esgotado, mesmo com mais dinheiro sendo desvia-do para isso. Saiba quais são elas e como prejudicam os estudantes que dependem do fundo:Processo de seleção: Para adqui-rir o financiamento, o estudante terá que fazer um cadastro em uma pré-seleção, assim como no Sisu, sendo as vagas já determi-nadas pelo MEC, onde os estu-dantes serão avaliados com base na nota obtida no ENEM – o Exa-me Nacional do Ensino Médio. Só será permitido se inscrever em uma única vaga e o estudante terá que acompanhar a nota de corte mínima do curso para ser aceito na instituição, ou seja, não have-rá garantia de vagas para todos os estudantes e estes serão sub-metidos mais uma vez a um filtro social. Ao contrário do que o go-verno diz ser prioridade, a seleção é mais uma medida para restringir o financiamento, já que a verba re-passada às instituições privadas não são para abertura de mais va-gas e sim para sustentar os lucros dos donos das instituições, o que resultou em mais de 170 mil estu-

dantes fora das universidades em 2015.ENEM: Agora ele passará a ser obrigatório para participar do pro-grama de financiamento. Somen-te serão aceitos alunos que obti-veram 450 pontos no exame e não tenham zerado a redação. Porém, na prática a realidade é outra, fru-to do péssimo ensino básico ofe-recido hoje em 2014 cerca de 500 mil alunos zeraram a redação do ENEM.Aumento da taxa de juros – Mes-mo destinado um crédito extraor-dinário para o Fies, os juros au-mentaram com a justificativa da crise econômica. Antes os juros que era de 3,4% dobrarão para 6,5% ao ano, chegando quase ao teto da inflação. Os estudantes mais pobre que dependem do fi-nanciamento e que pagarão por essa conta.Prioridade nos cursos – Os cur-sos das áreas de engenharias, saúde e formação de professores terão prioridades. Diante do sis-tema explorador do mercado de trabalho, a nova regra serve ape-nas para atender as demanda dos empresários, com curso em áreas onde os profissionais são desva-lorizados por falta de investimen-to como as licenciaturas. O que o governo quer é atender a necessi-

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dade dos ricos e poderosos e não oferecer um ensino superior de qualidade independente da área que o estudante tenha.

É necessário lutar por uma edu-cação pública, gratuita e de qua-lidade!

Está mais do que evidente que o governo Dilma incentiva cada vez mais a mercantilização e priva-tização do ensino superior com seus projetos neoliberais de “as-sistência educacional”. A UNE - principal entidade estudantil - é atrelada e financiada pelo governo e pelos empresários, por isso não se compromete a lutar por edu-cação pública de fato, e assim só sabem defender os do governo. A ANEL acredita que a prioridade é defender os direitos da juventu-de, inclusive o seu sonho de cur-sar o ensino superior, mas não podemos aceitar que esse sonho se torne um pesadelo, é preciso defender uma educação pública e de qualidade. É necessário que as os estudantes que ficaram de fora do financiamento e das bol-sas do Prouni, tenham seu direito

ao ensino superior garantido em uma universidade pública, e que ao ingressar em uma instituição privada, se mobilize para lutar contra as altas mensalidades im-postas por essas instituições, por infraestrutura de qualidade, por extensão de projetos de pesquisa e assistência estudantil, o que não acontece pois, são investimentos para os empresários. Mas é preci-so também estender a nossa luta a fim de garantir uma educação pública, gratuita e de qualidade para todos e todas, e por isso de-fendemos 10% do PIB para a edu-cação pública já! Por uma educa-ção que produza conhecimento aos trabalhadores, e não sirva so-mente para atender as demandas de mercado explorador do capi-tal. Pelo não aumento das men-salidades, anistia das dívidas dos inadimplentes e nenhum estudan-te sem matrícula. Por uma greve geral da educação de docentes e discentes contra os cortes e o ajuste fiscal do governo Dilma!

Camila Miranda - Executiva Estadual ANEL/MG

Carta de encaminhamen-tos do Encontro Nacional dos Movimentos em Luta por uma Universidade Po-pularDurante os dias 14 e 17 de Agos-to de 2014, aproximadamente 700 pessoas oriundas de um conjunto de movimentos, organizações, en-tidades e instituições acadêmicas de quase todo o país reuniram-se para refletir, debater e lutar por outro modelo de universidade e educação. Rejeitamos o quadro crescente atual de mercantiliza-ção e privatização da educação, repudiamos o predomínio da ló-gica do grande capital na produ-ção de ciência e tecnologia nas universidades, desejamos superar a atual estruturação da educação e da universidade brasileira como reprodutoras das desigualdades sociais, da exploração de classe e das opressões étnico-raciais, gê-nero, identidade de gênero e diver-sidade sexual.

A privatização da educação faz parte da mesma política das clas-ses dominantes de militarização das periferias e criminalização do povo trabalhador, da opção dos

governos de direcionar mais de 40 % do orçamento nacional para o grande capital monopolista e fi-nanceiro (dívida pública) em detri-mento de mais investimentos em áreas sociais básicas. Além disso, também faz parte da mesma lógi-ca de controle da população atra-vés dos monopólios privados de mídia e da informação, em suma, estes são o modelo e a visão de educação alinhados aos interes-ses da grande burguesia mono-polista.

A educação é cada vez mais tra-tada como um negócio. O maior monopólio de educação do mun-do, Kroton e Anhanguera, foi for-mado no Brasil. O poder econômi-co e político também se associam na área educacional. Para cons-tatarmos isso, basta analisarmos a linha diretiva de benefícios para a expansão privada do ensino em programas de governos como o ProUni, Fies, Ciência sem Fron-teiras, Pronatec e creches conve-niadas. O poder desta articulação se materializou com a aprovação dos 10% do PIB para educação. Embora aparentemente esta me-dida possa ter contemplado uma importante pauta dos movimen-tos combativos no que se refere à ampliação do investimento pú-

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blico na educação, esta demanda é readequada aos interesses dos empresários ao aprovar o aumen-to do investimento público tam-bém para a expansão do setor privado. Neste sentido, acredita-mos ser importante a articulação nacional em defesa dos 10% do PIB para educação publica já, não para daqui a 10 anos, como pro-põe o governo, e, sobretudo, a par-tir das demandas e sob o controle da classe trabalhadora.

Nas Universidades Públicas pre-domina a lógica privada no ensino, pesquisa e extensão, através de fundações de apoio, cursos pagos e a total adequação dos currículos de ensino e pesquisa às necessi-dades de mercado. Hoje, aproxi-madamente 75% das vagas dispo-níveis para o ensino superior são ofertadas por instituições particu-lares, quadro que se intensificou nos últimos 10 anos de governos do PT. Mesmo assim, menos de 14% da juventude brasileira con-segue ter acesso à universidade. Escolas são fechadas no campo, ainda convivemos com altos índi-ces de analfabetismo, e também na educação básica predomina a lógica do capital de compreender, organizar e lucrar com a educa-ção.

O Encontro de Movimentos em luta por uma Universidade Popu-lar identifica claramente que este modelo de universidade e educa-ção não atende às necessidades do povo trabalhador. O atual mo-delo não nos serve, muito menos nos representa! A Universidade é um aparelho privado de hegemo-nia, isto é, local de reprodução do saber, da formação profissional e da ideologia dominante, é um instrumento da burguesia para reproduzir as relações de explo-ração e opressão que garantem a sua dominação.

Com o acirramento das lutas po-pulares e o desgaste no pacto so-cial que vigora no país, o debate sobre os rumos da educação cres-ce entre a juventude e a socieda-de como um todo. No último ciclo houve o crescimento de organiza-ções que formulam e propagam a visão dxs empresárixs sobre a educação e universidade. É hora de ousarmos ao propor a constru-ção de um programa/movimento que represente uma alternativa real de educação vinculada ao poder dxs trabalhadorxs, onde xs trabalhadorxs através de seus lo-cais de estudo, trabalho e moradia possam se articular não somen-te para frear a logica da explora-

ção e opressão capitalista, mas também construir espaços onde possam decidir coletivamente os rumos de suas próprias vidas, na perspectiva de criar uma contra ofensiva anticapitalista das clas-ses exploradas, o que chamamos de poder popular.

Ousar, Criar, Lutar Universidade Popular! Construir a Educação do poder popular!

Qual o papel dxs lutadorxs por uma Universidade Popular e por outro modelo de educação? Não temos ilusões de que mudaremos o âmbito universitário e educativo sem modificar os fundamentos que geram desigualdades, explo-ração e opressão contra nosso povo. Porém, esta é uma luta in-dispensável para o conjunto das mudanças radicais na sociedade brasileira.

Afirmamos, parodiando Brecht, que onde a burguesia fale, xs tra-balhadorxs falarão, onde xs explo-radorxs afirmem seus interesses, xs exploradxs gritarão seus direi-tos, onde xs dominadorxs tenta-rem mascarar sua dominação sob o véu ideológico da universalida-de, xs dominadxs mostrarão as marcas e cicatrizes de sua explo-

ração.

Defendemos de forma intransi-gente o caráter público e estatal da educação contra suas defor-mações mercantilizantes e priva-tistas em curso. Na universidade, não defendemos a convivência formal entre ensino, pesquisa e extensão, mas sua efetiva inte-gração. Recusamos a formação profissional rebaixada convivendo com as ilhas de excelência. De-fendemos a socialização do sa-ber como condição de execução das diferentes frentes de ação profissional, assim como o fim do vestibular, o acesso universal que garanta as condições de perma-nência.

Queremos romper com os muros universitários não para levar co-nhecimento aos “menos favore-cidos”, mas para constituir uma unidade real com a classe traba-lhadora e suas reais demandas como o sangue vivo das necessi-dades que devem correr nas veias, a construção do conhecimento que garanta a reprodução da vida e não a boa saúde da acumulação capitalista.

Não podemos menosprezar ne-nhuma forma de luta dentro e fora

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da ordem. Diversas resistências e lutas já estão em curso, as quais vão desde a produção de conhe-cimento a serviço das grandes necessidades do povo trabalha-dor e seus movimentos, passando pelas lutas de democratização na produção e acesso à cultura até a luta dxs estudantes de universida-des privadas contra os aumentos rotineiros nas mensalidades. Sem sectarismos e autoproclamação, valorizamos todas estas lutas em curso. Acreditamos que a luta pela construção de uma educação vin-culada ao poder dxs trabalhador-xs ajuda na rearticulação destas experiências e resistências para uma contra ofensiva.

Por tudo isso, a educação que queremos construir é mais que pública, é popular. Por isso, por sua intencionalidade e sua dire-ção, a luta por uma Universidade Popular e por outro modelo de educação é uma luta para expor os limites da ordem burguesa e apresentar a necessidade de uma transformação profunda nas ba-ses da sociedade.

Diante disso, o ENMUP aprova o

indicativo da construção de uma Frente Nacional de Luta por uma Educação alinhada ao poder po-pular! A base desta frente será, justamente, a concepção central de construção deste vitorioso en-contro: a construção pela base dentro e fora da ordem. Isto é, for-taleceremos os diversos MUP´s (Movimento por uma Universida-de Popular) locais por todo o país, grupos de pesquisas contra hege-mônicos, coletivos das periferias e culturais, alianças com sindicatos combativos e movimentos popu-lares, associações de moradores e de pais e mães de estudantes, além da articulação com profes-sorxs de todos os níveis e fun-cionárixs da educação. Qualquer grupo que se indigne com a atual configuração dos rumos educa-cionais e com as mazelas do ca-pitalismo pode e deve fortalecer esta luta.

Referências:

h t tp : / /pcb.org .br /por ta l / index .php?option=com_content&view=arti-cle&id=7754:carta-de-fortaleza&cati-d=139:mup

O ENADE, UMA PRÁXIS SOCIAL?Leandro Gonçalves MartinsMestrando em Educação pela Universidade Católica de Santos (UNISANTOS). Bolsista CAPES.

Pós-graduação em e-Manage-ment pela Fundação Getúlio Var-gas (FGV).

A PRÁXIS COMO PRÁXIS SOCIAL

“Toda práxis é atividade, mas nem toda atividade é práxis” (VAZQUEZ, 1977, p. 221). Assim Vazquez in-troduz um importante conceito. Essa primeira frase traz em si a reflexão sobre o que pode ser con-siderado ou não como uma prá-xis. Quais são as características necessárias para analisarmos e julgarmos determinada atividade como tal? Com o objetivo de obter um melhor entendimento desse conceito, podemos observar que: Por atividade em geral entende-mos o ato ou conjunto de atos em virtude dos quais um sujeito ati-vo (agente) modifica uma matéria prima dada. Justamente por sua generalidade, essa caracterização da atividade não especifica o tipo de agente (físico, biológico ou hu-

mano) nem a natureza da maté-ria-prima sobre a qual atua (corpo físico, ser vivo, vivência psíquica, grupo, relação ou instituição so-cial) nem determina a espécie de atos (físicos, psíquicos, sociais) que levam à determinada trans-formação. O resultado da ativida-de, ou seja, seu produto, também se dá em diversos níveis: pode ser uma nova partícula, um conceito, um instrumento, uma obra artís-tica ou um novo sistema social. (VAZQUEZ, 1977). Dessa forma, podemos considerar como práxis uma série de atividades realizadas pelo homem, tanto de caráter físi-co quanto mental. O ser humano realiza essas transformações das mais diversas formas. Quando re-aliza sua atividade profissional, o homem realiza uma práxis. Essa atividade opõe-se à passividade epodem gerar novas ideias e ações, baseadas nas necessidades hu-manas.

Dentro dessas ações e necessida-des, o homem realiza suas trans-formações como um ser social, podendo mudar suas relações político-sociais. Surgem assim alguns conceitos de classificação da práxis. Mais uma vez, Vazquez nos esclarece esse ponto ao afir-mar: Em um sentido mais restri-

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to, a práxis social é a atividade de grupos ou classes sociais que leva a transformar a organização e direção da sociedade, ou a rea-lizar certas mudanças mediante a atividade do Estado. Essa forma é justamente a atividade política. (VAZQUEZ, 1977, p. 232).

Assim podemos observar que em um grupo social organizado, como uma associação de profes-sores, a prática social pode ser realizada quando este grupo mo-vimenta-se em direção de propor e gerar transformações na socie-dade. Bachelard (1996), educador reconhecido como um dos fun-dadores do pensamento constru-tivista, apresenta a ideia de que, na história da ciência, é através do questionamento que nasce o saber e pelas sucessivas retifica-ções esse saber se constrói.

Os questionamentos levantados dentro de um grupo social, prin-cipalmente pelos educadores, po-dem vir a se transformar em novas atividades na sociedade, sendo assim uma práxis social.Em contrapartida, quando essa ação é realizada pelo Poder Pú-blico, a atividade realizada é a prática política. Seria possível identificar se as atuais ações no

sentido de avaliar as instituições de educação superior brasileiras são práticas políticas ou sociais?

AS AVALIAÇÕES INSTITUCIO-NAIS DA EDUCAÇÃO SUPERIOR NO BRASIL

As IES no Brasil, dentro da sua his-tória recente, passam por proces-sos de avaliação institucional com frequência. Quando do governo do então presidente Fernando Henri-que Cardoso (1995 – 2002) houve, através da Lei n. 9.131/95, a cria-ção do Exame Nacional de Curso – ENC, que ficou conhecido como “Provão”. Esta era uma típica ava-liação classificatória, realizada externamente ao ambiente das instituições (CARNEIRO, NOVAES, 2008).

Já no governo Lula (2003 – 2010) extingue-se o Exame Nacional de Curso, sendo substituído pela implantação do SINAES (Sistema Nacional de Avaliação da Educa-ção Superior). As políticas de ava-liação institucional mantiveram certa continuidade, com algumas pequenas mudanças no proces-so, incluindo outros elementos avaliativos, como o CPC (Conceito Preliminar de Curso) e o IGC (Índi-ce Geral de Curso) (ROTHEN; BAR-

REYRO, 2009, p.745).

Atualmente, o INEP (Instituto Na-cional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira) é o órgão responsável pela regula-mentação das avaliações institu-cionais. Em seu site, declara: A Avaliação Institucional é um dos componentes do Sistema Na-cional de Avaliação da Educação Superior (Sinaes) e está relacio-nada: à melhoria da qualidade da educação superior; à orientação da expansão da sua oferta; ao au-mento permanente da sua eficácia institucional e efetividade acadê-mica e social; ao aprofundamento dos compromissos e responsa-bilidades sociais das instituições de educação superior, por meio da valorização de sua missão pública, da promoção de valores democráticos, do respeito à dife-rença e à diversidade, da afirma-ção da autonomia e da identidade institucional. (INEP, 2013). Mas o que pode ser observado é que as atuais práticas de avaliação das IES são realizadas como práticas políticas, pois é o Poder Público que realiza e controla tal avalia-ção. E esse aspecto é reforçado pela mídia, que costuma repercu-tir notícias sobre o resultado das instituições no Exame Nacional

de Desempenho dos Estudantes – ENADE (MARTINS, ALONSO, 2012, p. 187).

A Lei n. 10.861/2004, ao criar e regulamentar o SINAES determi-na que o ENADE [...] aferirá o de-sempenho dos estudantes em relação aos conteúdos programá-ticos previstos nas diretrizes cur-riculares do respectivo curso de graduação, suas habilidades para ajustamento às exigências decor-rentes da evolução do conheci-mento e suas competências para compreender temas exteriores ao âmbito específico de sua profis-são, ligados à realidade brasileira e mundial e a outras áreas do co-nhecimento. (BRASIL, 2004). Con-tudo, a mesma lei, em seu artigo 2º, item IV, afirma que o processo de avaliação institucional deve-rá assegurar: “a participação do corpo discente, docente e técnico administrativo das instituições de educação superior, e da sociedade civil, por meio de suas representa-ções” (BRASIL, 2004).

Atualmente, como é essa parti-cipação do corpo docente dentro desse processo avaliativo? A ava-liação ENADE não estaria mais caracterizada como uma práxis política do que social? Sem o en-

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volvimento do professor univer-sitário nesse processo, existe o forte risco de todo o processo de avaliação institucional ser realiza-do como ação política, ou práxis política, de maneira que as trans-formações necessárias serão re-alizadas somente pela visão polí-tica de quem estiver no poder do Estado no momento.

O PROFESSOR UNIVERSITÁRIO COMO ELEMENTO DA PRÁXIS SOCIAL DENTRO DAS AVALIA-ÇÕES INSTITUCIONAIS

Paulo Freire (1996), que publicou diversos livros sobre a prática docente, alertou aos educadores sobre seu papel na sociedade, ao afirmar que “ensinar exige com-preender que a educação é uma forma de intervenção no mundo”. E o autor explica esse raciocínio: Outro saber de que não posso duvidar um momento sequer na minha prática educativo-crítica é o de que, como experiência espe-cificamente humana, a educação é uma forma de intervenção no mundo. [...] E é uma imoralidade, para mim, que se sobreponha, como se vem fazendo, aos inte-resses radicalmente humanos, os do mercado. Continuo bem aberto à advertência de Marx, a da ne-

cessária radicalidade que me faz sempre desperto a tudo o que diz respeito à defesa dos interesses humanos. Interesses superiores aos de puros grupos ou de classes de gente. (FREIRE, 1996, p.98-100, grifo do autor).

Dessa forma, o educador exerce importante papel na sociedade ao questionar com criticidade as atividades político-sociais. O pro-fessor não é um mero reprodutor de ideias sistematizadas. Através de práticas reflexivas, traz ao seu meio, discussões sobre diversos temas, inclusive sobre as práti-cas avaliativas nas IES. A ideia de professor reflexivo é apresentada e discutida por renomados pes-quisadores internacionais. Zei-chner argumenta essa discussão ao contextualizar: De um ponto de vista, o movimento internacional que se desenvolveu no ensino e na formação docente, sob o slogan da reflexão, pode ser interpretado como uma reação contra a visão dos professores como técnicos que meramente fazem o que ou-tras pessoas, fora da sala de aula, querem que eles façam, e contra modelos de reforma educacional do tipo “de cima para baixo”, que envolvem os professores ape-nas como participantes passivos.

(ZEICHNER, 2008, p. 539).

O professor universitário pode in-terferir nas práticas políticas. No caso do ENADE, e ainda nas po-líticas públicas sobre as avalia-ções institucionais, o educador pode refletir sobre como essas avaliações repercutem em suas práticas dentro da sala de aula. E caso o professor queira, ele pode participar de encontros nacionais onde essas e outras questões são discutidas.

A Conferência Nacional de Educa-ção – CONAE pode ser uma óti-ma oportunidade de participação da sociedade para discutir, por exemplo, o papel das avaliações institucionais, e assim pressio-nar o poder público em busca de transformações importantes no processo. O documento referência da CONAE/2014 afirma seu papel nesse sentido:

A II Conae será um espaço demo-crático de construção de acor-dos entre atores sociais, que, expressando valores e posições diferenciados sobre os aspectos culturais, políticos, econômicos, apontará renovadas perspectivas para a organização da educação nacional e a consolidação do novo

PNE (Plano Nacional de Educa-ção) [...], ao indicar ações e estra-tégias concretas para as políticas de Estado de educação básica e superior [...]. (BRASIL, 2012, p. 8).

Ao participar deste tipo de evento, o professor universitário poderá exercer seu papel social, sua prá-xis social, e assim contribuir na construção de mudanças e me-lhorias nos atuais processos de avaliação institucionais.

BUSCA DA EMANCIPAÇÃO

Dentro dessa busca por melhorias no processo de avaliação insti-tucional, não estariam também as universidades procurando sua emancipação? O governo brasi-leiro reconhece a existência des-sa autonomia do Ensino Superior quando, dentro da LDB, em seu artigo 53º descrimina essa liber-dade para:

“[...] II – fixar os conteúdos dos seus cursos e programas, obser-vadas as diretrizes gerais perti-nentes; III - estabelecer planos, programas e projetos de pesquisa científica, produção artística e ati-vidades de extensão [...] “ (BRASIL, 1996).

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E essa autonomia, ainda dentro da própria LDB, é reforçada no mes-mo artigo 53º em seu parágrafo único quando declara:

Para garantir a autonomia didá-tico-científica das universidades, caberá aos seus colegiados de en-sino e pesquisa decidir, dentro dos recursos orçamentários disponí-veis, sobre: I - criação, expansão, modificação e extinção de cursos; II - ampliação e diminuição de va-gas; III - elaboração da programa-ção dos cursos; IV - programação das pesquisas e das atividades de extensão; V - contratação e dispensa de professores; VI - pla-nos de carreira docente. (BRASIL, 1996).

Uma leitura possível dessa lei se-ria que, dessa forma, o poder pú-blico estaria respeitando a auto-nomia das IES, emancipando-as a acompanharem os sistemas de avaliação institucional.Serie esse acompanhamento uma forma da sociedade influenciar nesses sistemas de avaliação? As práticas colaborativas e interven-tivas realizadas por parte da so-ciedade seriam suficientes?

A cooperação tem por valor a criação de significados compar-

tilhados, convertendo o conheci-mento tácito em explícito, ou seja, compartilhado, principalmente por meio da interação (FULLAN, 2009).

Quando professores se reúnem, e realizam suas práticas reflexivas, eles podem, de maneira coope-rativa, gerar ideias e discussões para serem apresentadas ao Po-der Público. Esta pode ser uma forma da sociedade intervir nesse processo. Mas não estaria o Poder Público, quando regulariza, fis-caliza e pune as instituições mal avaliadas, realizando uma forma de prática intervencionista? Por intervenção, que tem sua origem do latim interventione, podemos entender como forma de interpo-sição ou ainda ingerência do Es-tado na economia, de acordo com a doutrina chamada de “interven-cionismo” (PEREIRA, 1977).

Segundo Azevedo (2009, p. 96), os conceitos de intervenção e regu-lação se entrelaçam: “A regulação estatal, por outro lado, vem sendo tomada como uma das formas assumida pela própria interven-ção”. O modo que essa regulação atua poderá estar interligado com o contexto social, histórico, cultu-ral e econômico. Azevedo comple-

menta esse raciocínio:

Tal complexidade historicamente vai demandar a presença de uma instituição forte que comande as ações voltadas para a manuten-ção, sempre instável, da ordem. A instituição que se destaca é o Estado, que se encarregará da coordenação da criação e da im-plementação das normas de com-portamento que devem pautar as relações sociais (AZEVEDO, 2009, p. 104).

Assim, as atuais políticas nacio-nais de avaliação institucionais levam a crer que o Estado ainda exerce importante função regula-tória.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

“Herói, o professor brasileiro? Víti-ma? A meu ver, na sociedade con-temporânea, ele é, antes de tudo, um trabalhador da contradição” (CHARLOT, 2008, p. 31). Essa re-flexão, trazida pelo educador fran-cês Bernard Charlot, traz a ideia de que o educador está realmente além do conceito de mero repro-dutor de conhecimentos.

A avaliação ENADE pode ser in-terpretada como uma práxis po-

lítica, mas também uma práxis social. Dentro dessa práxis social, o professor universitário pode evi-denciar suas ações sociais como práticas necessárias na regulação da qualidade desejada na educa-ção superior. A não passividade é natural de todas as formas de prá-xis. E através desses conjuntos de atos que atos ainda mais comple-xos são desenvolvidos. Assim é a natureza humana. Assim é a na-tureza do educador. Talvez agora caiba aos educadores e demais envolvidos se questionarem e dis-cutirem se essas ações interven-tivas por parte do Poder Público levam em consideração a lógica dos participantes. Essas práti-cas podem melhorar o Ensino? Os próximos capítulos dessa história podem trazer essa resposta.

REFERÊNCIAS

AZEVEDO, J. M. L.; GOMES, A. M. Intervenção e regulação: contri-buição ao debate no campo da educação. Linhas Críticas, Brasí-lia, v. 15, n. 28, p. 95-107, jan./jun. 2009.

BACHELARD, Gaston. A formação do espírito científico. Rio de Ja-neiro: Contraponto, 1996.

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As políticas de assistên-cia estudantil e relação com as universidadesTexto: SIMONE GOMES COSTA

As políticas de assistência estu-dantis na educação superiores têm a finalidade de destinar re-cursos e mecanismos para que os alunos possam permanecer na universidade e concluir seus es-tudos de modo eficaz. Sendo as-sim, tais políticas devem se voltar não só para as questões de ordem econômica, como auxílio financei-ro para que o indivíduo realizar as atividades diárias na instituição, mas também de ordem pedagógi-cas e psicológicas. Esse trabalho mapeia as políticas de assistência estudantil mais importantes insti-tuídas, no plano nacional, com vis-tas a colaborar na universalização da permanência à educação su-perior. É importante refletir como as políticas de assistência estu-dantil podem garantir condições justas de oportunidade para os estudantes permanecer e concluir os cursos. Para tanto, é impor-tante analisar tais políticas a luz do conceito de equidade. O termo equidade foi empregado pela pri-meira vez por Aristóteles, na obra

Ética a Nicômaco (2004). Esse autor entende equidade como uma forma de adaptação da lei à realidade do cotidiano. Como as leis devem ter um caráter univer-sal, estas, muitas vezes, não con-seguem abranger determinadas peculiaridades. Com isso, para que as leis sejam de fato justas é necessário à aplicação do princí-pio da equidade, incluindo essas particularidades no âmbito legal. Segundo Aristóteles, as pessoas não são iguais e, portanto, não re-ceberão as mesmas coisas, des-sa forma, as distribuições devem ser feitas de acordo com o caráter meritocrático (Aristóteles, 2004, p. 109).

Para compreender melhor a reali-dade atual e como se configuram as políticas de assistência estu-dantil nas universidades é perti-nente analisar os pressupostos desenvolvidos por John Rawls (2008). Este autor elabora uma teoria que entende a justiça como equidade. Ele compreende que a sociedade só será justa quando todos tiverem igualdade de opor-tunidades e os benefícios forem distribuídos também para os me-nos privilegiados. Rawls afirma que, em um primeiro momento os indivíduos estão de forma hipo-

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tética, em uma posição original, onde não se conhece a posição real do indivíduo na sociedade. Nesse caso, a justiça é permeada por um véu de ignorância que se desconhecem os direitos de cada um. Somente após essa fase, de escolha dos princípios de justiça, haverá a elaboração das leis que irá reger essa sociedade. O véu de ignorância seria uma forma de garantir equidade dessa esco-lha, pois, com isso, os indivíduos não teriam como desviar as re-gras gerais em prol de contingên-cias específicas ou em benefícios próprios. Nessa posição original Rawls afirma que os indivíduos escolheriam dois princípios.

Primeiro cada pessoa deve ter um direito igual ao sistema mais ex-tenso de iguais liberdades funda-mentais que seja compatível com um sistema similar de liberdades para as outras pessoas. Segundo: as desigualdades sociais e eco-nômicas devem estar dispostas de tal modo qe tanto (a) se pos-sa razoavelmente esperar que se estabeleçam em benefício de to-dos como (b) estejam vinculadas a cargos e posições acessíveis a todos (RAWLS, 2008, p. 73).

A teoria de John Rawls pretende

minimizar as diferenças entre os indivíduos, através de ações que propiciem aos indivíduos menos favorecidos a inserção em espa-ços sociais até então não ocu-pados por estes. É nesse senti-do, que a perspectiva do autor é pertinente para a análise das po-líticas de assistência estudantil. De modo que, procura vislumbrar como tais políticas podem garan-tir a permanência dos alunos na universidade por meio do princípio da equidade. Ainda é necessário destacar que Rawls não se detém com tanto afinco na perspectiva do indivíduo, ou seja, nas diferen-ças de ordem intelectual, social ou física, e sim na justiça como equi-dade no âmbito institucional. Do mesmo modo, McCowan (2005) entende que a equidade deve ga-rantir as mesmas oportunidades de acesso na educação superior, independentemente do status só-cio-econômicos do indivíduo. Se-gundo esse autor, a expansão das universidades privadas não ga-rante a equidade no sistema, pois, apesar do aumento de vagas, o custo elevado das mensalidades dificulta e limita a permanência dos estudantes no ensino supe-rior.

A partir dessa perspectiva teórica,

o presente artigo pretende refletir como as políticas de assistência estudantil contribuíram ou estão contribuindo para a equidade na educação superior. As políticas de assistência estudantil, no Bra-sil, podem ser compreendidas sob duas fases. A primeira delas com-preende um longo período, que vai desde a criação da primeira uni-versidade até o que corresponde ao período de democratização po-lítica. A partir desse momento, se identifica uma segunda fase onde há um espaço propicio para uma série de debates e projetos de leis que resultaram em uma nova configuração das políticas de as-sistência estudantil para alunos da graduação, nas universidades brasileiras. Para identificação e categorização das fases que compreendem as políticas de as-sistência estudantil foi realizada uma pesquisa baseada em docu-mentos históricos, legalizações e acesso a informações disponíveis na internet sobre os programas voltados ao auxílio de estudantes.

Um fenômeno interessante, refe-rente à assistência estudantil, no Brasil, é que de algum modo, essa tem uma forte ligação às ques-tões políticas que permeiam a re-alidade social do país. A primeira

fase dessas políticas, no Brasil, estão associada ao surgimento e a consolidação do ensino superior no país. A primeira, manifestação prática de auxilio ao estudante ocorreu durante o governo de Wa-shington Luis, no ano de 1928. Foi a construção da Casa do Estudan-te Brasileiro que ficava em Paris, sendo, pois o governo brasileiro o responsável pelo repasse de ver-bas para sua construção e manu-tenção. Nos anos de 1930, quando Getúlio Vargas assume a presi-dência do país, um dos fatores de maior relevância para a reorga-nização da sociedade brasileira passou a ser a valorização das questões relacionadas à educa-ção. Para tanto, entendia-se que a reforma da educação e do ensino era uma das medidas emergen-ciais a ser tomada. A criação do Ministério dos Negócios da Edu-cação e Saúde Pública atribuiu ao Estado o poder de exercer tutela sob a educação, buscando, prin-cipalmente, tornar o ensino mais adequado à modernização alme-jada pelo então governo. Em 1931, foi a primeira vez que se buscou a organização de uma política na-cional de educação com diretrizes gerais e subordinação dos sis-temas estaduais. Além do mais, cabe destacar, que foi nessa épo-

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ca que ocorreu a primeira reforma do ensino voltada a educação su-perior e conseqüentemente foi a primeira tentativa de regulamen-tar a assistência para estudantes desse grau de ensino.

Nesse sentido, destaca-se três importantes decretos promulga-dos, que tiveram influência sobre a educação superior. O primei-ro refere-se à Criação do Conse-lho Nacional de Educação (Dec. 19850/31). O segundo relaciona-se ao estatuto da organização das universidades brasileiras (Dec. 19851/31), que privilegiava o sis-tema universitário em detrimento das escolas superiores isoladas. Com isso, as entidades universi-tárias só seriam permitidas com a existência dos cursos de Direito, Medicina e Engenharia, entretan-to, se houvesse a abertura de uma Faculdade de Educação, Ciências e Letras esta poderia substituir a presença de um dos cursos ante-riormente citados. Nesse estatuto, ainda se entendia que a universi-dade deveria ter um modelo único de organização didático adminis-trativa, podendo variar conforme a região do país. O estudante deve-ria fazer parte do poder decisório da instituição através de seus re-presentantes do Diretório Central

dos Estudantes. Além do mais, em cada instituto estes deveriam se organizar em diretórios acadê-micos com prévia aprovação do conselho técnico administrativo do local. Esses diretórios ficariam responsáveis pelas reivindicações do corpo discente e criariam um ambiente acadêmico agradável para o convívio dos estudantes. (Cunha, 2007) No que se refere à assistência estudantil, esse de-creto foi a primeira vez em que se vislumbrou a possibilidade de regulamentar a assistência estu-dantil universitária. Dentre alguns benefícios, que se previa, desta-ca-se a concessão de bolsas para determinados alunos. Para que a bolsa fosse concedida, todavia, era necessário haver o entendimento entre professores e estudantes, dos conselhos universitários, que o beneficiado atendia aos requisi-tos, de modo a cumprir os crité-rios de justiça e oportunidade. Por fim, o decreto referente à Organi-zação da Universidade do Rio de Janeiro (Dec. 19852/31), relatava de forma esmiuçada como deveria se organizar essa universidade.

Como parte do projeto proposto pelo governo de Getúlio Vargas para educação a assistência es-tudantil passou a integrar a Cons-

tituição Federal de 1934, no arti-go 157, prevendo-se a doação de fundos a estudantes necessita-dos, através do fornecimento de material escolar, bolsa de estudo, assistência alimentar, dentária e médica. Ainda segundo Araújo (2007), uma manifestação impor-tante de assistência estudantil, naquele momento, foi à Casa do Estudante do Brasil, que começou a funcionar, no Rio de Janeiro, no início dos anos de 1930, com o objetivo de auxiliar os estudantes mais carentes. Esse espaço cor-respondia a um casarão com três andares, um restaurante popular, que era freqüentado por estudan-tes carentes e membros da comu-nidade que se faziam passar por estudantes para utilizar o benefi-cio. O governo de Getúlio Vargas costumava fazer grandes doações para manutenção da casa.No ano de 1934, no período que Gustavo Capanema ocupava o cargo de Ministro da Educação e da Saúde, se vislumbrou a neces-sidade concreta da criação de um espaço próprio para abrigar os di-ferentes prédios da Universidade do Rio de Janeiro. Sendo assim, iniciou-se os primeiros passos para a criação da primeira cidade universitária no Brasil. Cabe des-tacar que o projeto era muito vol-

tado para a concepção da cidade universitária francesa.

No ano de 1937, o Ministério da Educação apoiou a criação da União Nacional dos Estudantes (UNE), mediante a reunião do Con-selho Nacional dos Estudantes. Essa foi talvez uma estratégia do governo de construir uma insti-tuição despolitizada. A Casa do Estudante do Brasil seria a sede administrativa responsável por promover a assistência jurídica, bolsas, empregos, biblioteca, saú-de e residência. Havia também a proposta, que não foi aprovada, de uma universidade mais aber-ta a todos, com diminuição das taxas cobradas aos alunos nas universidades consideradas mui-to elevadas, gerando uma seleção baseada no nível de renda e não no mérito do aluno, a elaboração dos currículos por professores e representantes do corpo discente e aproveitamos dos alunos com bom desempenho em cargos de monitoria e estágios.

Como nem todos os estudantes concordavam com a forma como ocorreu essa criação, acredita-se que a UNE foi criada de fato, no ano de 1938, durante o II Congres-so Nacional dos Estudantes. Nes-

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se mesmo Congresso, rompeu-se com a Casa do Estudante do Brasil e criou-se o Teatro do Estudante do Brasil, com inspiração em tea-tros universitários europeus, que permitiu a participação de muitos estudantes na vida cultural aca-dêmica. Além disso, nesse Con-gresso que foi aprovado o Plano de Reforma Educacional, que pre-tendia solucionar problemas edu-cacionais, auxiliar os estudantes com dificuldades econômicas, re-forma universitária dentre outros.

Nesse momento, havia um pro-cesso de crescimento do ensino universitário, através da criação das primeiras universidades como a Universidade de São Paulo, Uni-versidade de Porto Alegre e a Uni-versidade do Brasil, investiu-se em projetos de modernização do ensino superior brasileiro. Essa tendência seguiu pela década de 1940, com a criação de universi-dades em vários estados e a fun-dação de universidades católicas. Além do mais, nesse período houve expansão no número de escolas e uma abertura maior para o ingres-so no ensino superior, permitindo que várias modalidades de ensi-no médio pudessem se inscre-ver no vestibular. Essa expansão pode ser explicada, pois depois

do pós-guerra, a sociedade brasi-leira passou por um processo de urbanização e desenvolvimento, o que fez aumentar a necessidade de investimento em profissionais com conhecimentos específicos para atuarem no setor produtivo e nas empresas. Esse movimento diferente do que vinha ocorrendo até então, como afirma Schwartz-man (1979), as escolas superiores criadas na época do império visa-vam somente a formação de indi-víduos para atuarem como profis-sionais para o Estado.

Na década de 1940, a assistência estudantil passa a ter garantida na legislação com um caráter de obrigatoriedade para todos os ní-veis de ensino. A Constituição de 1946 reafirmava, no artigo 166, a educação como um direito de to-dos e deveria ser ministrada no lar e na escola, e acrescentava que esta deveria inspirar-se nos prin-cípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana. No artigo 172, cada sistema de ensino de-veria ter o serviço de assistência estudantil educacional de modo a garantir o sucesso escolar dos alunos necessitados. O Decreto 20.302, de 1946, estabelecia que a Seção de Prédios, Instalações e Estudos dos estabelecimentos de

Ensino Superior deveriam pensar alternativas para os problemas re-lacionados com a assistência mé-dico-social destinados a alunos.

Durante o período corresponden-te a ditadura militar, o movimento estudantil promoveu diversas reu-niões com o objetivo de discutir a Reforma Universitária e direitos para os estudantes. Em 1961, a UNE realiza, em Salvador, o Semi-nário Nacional de Reforma Uni-versitária com intuito de debater o conteúdo sancionado por essa lei, resultando na Declaração da Bahia. Esse último documento so-licitava que as universidades fos-sem um espaço de todos, através da criação de cursos acessíveis a todos. Ainda no mesmo ano foi promulgada a Lei de Diretrizes e Bases (LDB) 1961 que estabe-lecia, no artigo 90, a assistência social, médico odontológico e de enfermagem aos alunos; o artigo 91 oferecerá aos educandos bol-sas gratuitas para custeio total ou parcial dos estudos, financia-mento para reembolso no prazo de quinze anos. A LDB colocava a assistência estudantil como um direito que deveria ser garantido de forma igual a todos os estu-dantes.

No ano seguinte, já com a LDB em vigor, o Conselho da União Na-cional de Estudantes, juntamente com suas respectivas comissões, dentre elas a Comissão de Política de Assistência Cultural e Material ao Estudante, realizou o II Semi-nário Nacional de Reforma Univer-sitária, em Curitiba. Nesse evento, foi emitida a Carta do Paraná, que reiterava os assuntos discutidos no encontro anterior e debatia a objetivação da Reforma Universi-tária. Essa reunião levantou pon-tos como a criação de gráficas universitárias para impressão de jornais, revistas, apostilhas e li-vros; assistência médica; assis-tência habitacional, com a cons-trução de casas de estudantes; e o aumento do número de restau-rantes universitários.

Segundo Cunha (1989), no ano de 1963, foi aprovado o Parecer 121/63 que apontava a escola média como um direito de todos e não era excludente. Todos os concluintes de escolas médias poderiam prestar vestibular para qualquer curso superior que de-sejassem. Além disso, houve um aumento de vagas e de estabele-cimentos nas escolas médias, o que não significou o aumento na qualidade do ensino. Com isso, as

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oportunidades de ingresso no en-sino superior não eram justas, de modo que os alunos oriundos de escolas comerciais tinham pou-cas chances de passar na prova, pois não tinham a devida prepara-ção.

Ainda conforme relato de Cunha (1989), durante a república po-pulista houve um movimento de criação das cidades universitá-rias, inspiradas no modelo ameri-cano de campus. Segundo o autor, essas universidades sairiam da cidade e ocupariam espaços pró-ximos as periferias, pois eram os únicos terrenos disponíveis para sua construção. Além do mais, a concepção arquitetônica dos campi, em alguns casos, não con-tribuiu para integrar os institutos e faculdades, conforme se espera-va. Entretanto, cabe ressaltar que durante o governo militar houve um forte incentivo na criação de novas universidades federais e estaduais, investimento em la-boratórios e aperfeiçoamento do corpo docente, buscando desen-volvimento no ensino superior.

Na Constituição de 1967, no arti-go 168, a educação continua sen-do um direito de todos, ministrada no lar e na escola; porém, pela pri-

meira vez se acrescenta o direito a igualdade de oportunidade. Na emenda constitucional de 1969, estabelecia, no artigo 176, inciso segundo que o ensino seria livre para iniciativa particular e mere-cerá o amparo técnico e financei-ro dos Poderes Públicos, inclusi-ve mediante bolsa de estudos. O inciso terceiro atribuía que o en-sino seria gratuito, no ensino mé-dio e superior, para aqueles que demonstrarem aproveitamento e não tiverem recursos suficientes para supri-los. O inciso quarto ad-mitia que poder público também substituiria a gratuidade do ensi-no por meio de concessão de bol-sas de estudos mediante restitui-ção. Contudo, como aponta Sena (1994) na prática sofre prejuízos, pois a ditadura dedicou pouca atenção aos estudantes.

A partir de 1964, com a ditadura militar que se ventilou a possi-bilidade de transformar o mode-lo napoleônico de instituição, ou seja, instituições isoladas e com função exclusiva da formação profissional. A proposta da Re-forma Universitária de 1968 foi baseada no modelo humboldiano da indissociabilidade entre a pes-quisa e o ensino; com o principal objetivo de que a educação supe-

rior se modernizasse. A Lei 5.540 de 1968 da Reforma Universitária estabeleceu que o corpo discente teria direito a representação, atra-vés de voto, nos colegiados das universidades e estabelecimentos isolados e nas comissões dos es-tatutos e dos regimentos. O artigo 40 estabelecia que as atividades de extensão proporcionariam aos estudantes uma maior participa-ção no desenvolvimento da vida da comunidade. Segundo Mene-ghel (2002), esta Reforma é um fa-tor importante para a construção de políticas voltadas para educa-ção superior. O Estado assumiu o controle de várias instituições; orientou gastos; e buscou estrei-tar as relações entre academia, setor privado e sociedade. Ainda segundo a autora, através da in-tervenção do Estado a Instituições de Ensino Superior (IES) sofreram um processo de expansão, atra-vés do aumento de instituições privadas; e de modernização com maior incentivo estatal na pesqui-sa e na pós-graduação. Apesar da maioria das IES continuarem vol-tadas somente para o ensino. Na década de 1970, houve uma cri-se nas universidades, pois estas passaram a atender apenas uma camada social melhor remunera-da e por serem muito onerosa ao

Estado.

No ano de 1970, o governo federal criou o Departamento de Assis-tência ao Estudante (DAE), este órgão estava vinculado ao MEC e pretendia manter uma política de assistência estudantil para gra-duando em nível nacional, dando ênfase para os programas de ali-mentação, moradia, assistência médico-odontológico. Entretan-to, o DAE foi extinto nos gover-nos subsequentes. (FONAPRACE, 1996) O governo passou ter uma maior preocupação com as polí-ticas de assistência estudantil no final da década e de 1970 e me-ados da década de 1980, todavia, sua maior preocupação girava em torno de políticas que abran-gessem os ensinos fundamental e médio. Um exemplo disso foi a aprovação, pelo MEC, no ano de 1983, da Fundação de Assistência ao Estudante que servia como um instrumento para Ministério da Educação e Cultura executar a Po-lítica Nacional de Assistência ao Estudante, nos níveis da educa-ção pré-escolar e de 1º e 2º graus. Essa fundação não abrangia o de-senvolvimento de ações voltadas para o ensino superior. A mesma foi extinta no ano de 1997.

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Dessa forma, foi possível cons-tatar que a configuração dessas políticas até o momento aqui re-latado tinha um caráter muito pontual. Estava, na maior parte das vezes, relacionadas aos direi-tos dos indivíduos a educação, a organização dos estudantes em centros voltados para sua adap-tação e participação no espaço acadêmico. Os benefícios, muitas vezes, conferidos aos alunos não obtiveram um caráter expressivo que repercutisse de modo positi-vo na permanência de um número expressivo de jovens nas univer-sidades. Além do mais, não havia um projeto de âmbito nacional que se voltasse exclusivamente para a assistência estudantil, e conse-qüentemente para a manutenção dos jovens na universidade.

Nessa fase não é possível afirmar que as políticas de assistência estudantil não tiveram muita re-levância para permanência justa dos alunos na universidade. Como nesse período, não houve um pro-grama nacional eficaz voltado para permanência dos jovens na universidade, as ações não eram tão significativas que permitissem a equidade de condições para um número abrangente de alunos po-derem cursar seus estudos no en-

sino superior.No final da década de 1970 e du-rante os anos de 1980, o Brasil passou por um processo de rede-mocratização. Isso ocorre, princi-palmente, devido a uma forte crise econômica presente no governo militar. Entre outros acontecimen-tos, esse processo culminou com a promulgação da Constituição Fe-deral de 1988, cuja finalidade era a garantia da efetividade dos direi-tos fundamentais e a prevalência dos princípios democráticos. No âmbito da educação, cabe desta-car que a Constituição salienta, ao longo dos artigos 205 a 214, di-reitos como: a igualdade de con-dições de acesso e permanência na escola, liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o co-nhecimento, gratuidade do ensino público nos estabelecimentos ofi-ciais, ensino fundamental obriga-tório e gratuito, acesso aos níveis mais elevados de ensino segundo o mérito de cada um, assistência estudantil no nível fundamental com objetivos de erradicação do analfabetismo, universalização do atendimento escolar, melhoria da qualidade do ensino, formação para o trabalho, promoção hu-manística, científica e tecnológica do País.

A forma como a educação é co-locada, se reconhece a relevância dessa ferramenta como uns dos elementos responsáveis para a construção de uma sociedade li-vre e justa. Apesar de nesse docu-mento, não abordar uma menção específica à educação superior, é a partir desse momento que se iniciam as discussões sobre o acesso e a permanência nas uni-versidades. Dessa forma, enten-de-se que as políticas de assis-tência estudantil entram em uma nova fase permeada por uma dis-cussão mais madura com relação aos direitos dos estudantes de ter condições justas de permanecer no espaço universitário.

A Lei de Diretriz e Bases (LDB) de 1996, que busca estruturar e orientar o funcionamento da edu-cação no Brasil, também reforça o princípio da igualdade na edu-cação, sendo esse um dos seus fins. Ao mesmo tempo, no texto da LDB, também é possível perceber que há um encaminhamento para se pensar a educação voltada para as necessidades de determi-nados grupos e situações espe-cíficas. Assim, a educação passa a ser pensada sob um viés mais equitativo.

A garantia da educação supe-rior como um direito de todos foi abordado pela UNESCO, no ano de 1998, na Declaração Mundial so-bre Educação Superior no Século XXI. Ao tornar a educação supe-rior mais democrática, vislumbra-se a concepção da formação de uma sociedade com mais igual-dade social e maior equidade de oportunidades. Nessa perspec-tiva, a Declaração Mundial sobre Educação Superior no Século XXI afirma que:

[...] Sem uma educação superior e sem instituições de pesquisa adequadas que formem a massa crítica de pessoas qualificadas e cultas, nenhum país pode asse-gurar um desenvolvimento endó-geno genuíno e sustentável e nem reduzir a disparidade que separa os países pobres e em desenvolvi-mento dos países desenvolvidos. O compartilhar do conhecimento, a cooperação internacional e as novas tecnologias podem ofere-cer oportunidades novas para re-duzir esta disparidade (UNESCO, 1998; p12).

Na Constituição de 1988, o arti-go 214, estabeleceu a criação de um Plano Nacional de Educação (PNE), que seria elaborado pela

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União com a colaboração dos Es-tados, Distrito Federal e Municí-pios. Este Plano foi regulamenta-do pela Lei 10.172, em 9 de janeiro de 2001, e busca, dentre outros pontos, a melhoria da qualidade do ensino, a redução da desigual-dade social no que se refere ao acesso e a permanência na esco-la. O PNE define as diretrizes com o objetivo de articulação e o de-senvolvimento de todos níveis de educação, bem como da integra-ção das ações do Poder Público.

Esse cenário de discussão e apro-vação de leis que torne a educa-ção como um direito de todos, vem se formando a partir do final da década de 1980, e culminou na elaboração de projetos voltados para a melhoria da educação no país. Todavia, a assistência estu-dantil, no âmbito da graduação em universidades, enquanto um auxí-lio do governo, só se concretizou com a criação do PDE (Plano de Desenvolvimento da Educação), que tem como uma de suas ações a preocupação com um plano vol-tado para a assistência estudantil nas universidades federais. O PDE foi criado, paralelamente ao PNE, com o objetivo de executar algu-mas ações, que visam atender as demandas e articular os diferen-

tes graus de ensino.Na educação superior é possível destacar ações que visam o aces-so e acima de tudo a permanência nas universidades o Prouni (Pro-grama Universidade para Todos), o Fundo de Financiamento ao Es-tudante de Ensino Superior (Fies), o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni), e o PNAES (Plano Nacional de As-sistência Estudantil).

O Fies financia os cursos de gra-duação no Ensino Superior priva-do para estudantes que estejam regularmente matriculados e não possuam condições financeiras de arcar com os custos de sua formação. Para tanto, a institui-ção deve estar cadastrada no Pro-grama e ter uma avaliação positi-va no MEC. O Programa foi criado, em 1999, através da Medida Pro-visória nº. 1.827, para substituir o Programa de Crédito Educativo, sendo modificado, em 2007. Com as novas regras possibilitaram-se a fiança solidária, de modo que os alunos são fiadores uns dos ou-tros em pequenos grupos; o prazo para quitar a dívida passa a ser de duas vezes a duração do curso, com prazo de seis meses para o início do pagamento do emprésti-

mo. A partir do ano de 2005, pas-sou-se a conceder financiamento para bolsistas parciais, beneficia-dos com a bolsa de 50% do PROU-NI. Atualmente, também se con-cede financiamento para alunos que se encontram na situação de bolsistas complementares, isto é, alunos do PROUNI que tem be-neficio de 25% na mensalidade. A Caixa Econômica Federal é o ór-gão financiador do Fies.

O Prouni foi criado em 2004 e con-cede bolsas para estudos parciais e integrais em cursos de gradu-ação e seqüenciais de formação específica em instituições priva-das de educação superior. O pro-grama oferece isenção de tributos para as instituições privadas que aderirem ao programa. O processo de seleção se dá por meio da nota obtida no ENEM - Exame Nacional do Ensino Médio e é destinado aos egressos da rede pública. Há tam-bém um incentivo a permanência dos estudantes nas instituições através da Bolsa Permanência. Além do mais, o estudante pode financiar através da Caixa Eco-nômica Federal e o FIES a men-salidade que não for coberta pela bolsa do programa. É pertinente salientar que para esse estudo, os Programas acima se configuram,

enquanto programas destinados à assistência estudantil, somen-te no que tange ao financiamento das mensalidades, no decorrer do curso. Todaviaas necessidades e as atividades diárias fundamen-tais para a manutenção do es-tudante na instituição, não são a preocupação central de tais pro-gramas.

O Reuni foi instituído pelo decre-to nº 6.096, 24 de abril de 2007 e tem como objetivo dar condições para que as universidades fede-rais ampliem o acesso e garan-tam a permanência de estudan-tes na educação superior. O plano tem previsão de duração de cinco anos e pretende distribuir R$ 2 bilhões de reais para as universi-dades melhorarem os cursos de graduação, a infra-estrutura físi-ca e os recursos humanos. O pro-grama também enfatiza questões como a criação de cursos notur-nos e as licenciaturas como meio de formar professores aptos para lecionar na educação básica.

Juntamente, com o Reuni foi cria-do o Plano Nacional de Assistên-cia Estudantil (PNAES) em 2007, e se a destina a auxiliar estudantes matriculados em cursos de gra-duação presencial de instituições

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federais de ensino superior. Um dos objetivos é dar subsídios para permanência de alunos de baixa renda nos cursos de graduação, com intuito de diminuir a desi-gualdade social e possibilitar a democratização na educação su-perior. Segundo o Plano, isso será feito por meio de auxílio à moradia estudantil, alimentação, transpor-te, assistência à saúde, inclusão digital e atividades de cultura, es-portes, creche e apoio pedagógico. Esse plano pretende incorporar as demais propostas do Ministério da Educação (MEC), visando a ex-pansão da oferta de vagas, garan-tia de qualidade, inclusão social e redução da repetência e da eva-são. Este plano foi elaborado pelo do Fórum Nacional de Pró-Rei-tores de Assuntos Comunitários e Estudantis (FONAPRACE), que entendeu a importância da assis-tência estudantil, como um fator de incorporação de incorporação dos estudantes de baixa renda no processo de democratização da universidade. O FONAPRACE en-tende, que apóia-los é uma forma de garantir as condições justas de manutenção desses indivíduos no ambiente acadêmico, uma vez que estes alunos têm um rendimento acadêmico satisfatório, o que se faz necessário, então, é um auxílio

financeiro.

Dentro desse contexto apresenta-do, as políticas assistência estu-dantil dessa segunda fase obtive-ram uma maior atenção por parte do governo e de órgãos ligados a educação superior. Todavia na década de 1990, verificar a inexis-tência de recursos em uma pers-pectiva nacional voltados para a assistência estudantil na educa-ção superior. Nesse período, ape-sar de iniciarem um processo de discussão sobre o assunto, a as-sistência estudantil ainda toma-va uma forma fragmentada e se restringia a instituições isoladas. (Rocha, 1997) Foi apenas no início da década de 2000, que tais ações passaram a ganhar uma perspec-tiva de uma política governamen-tal. As políticas, acima destaca-das, são ações promovidas pelo governo para inserir e manter um numero mais expressivo de alu-nos na educação superior. Não é possível verificar a existência de programas de âmbito nacional promovido por instituições e as-sociações do setor privado de en-sino superior.

A fase atual das políticas de as-sistência estudantil ainda é muito recente para que se possa afirmar

que haja contribuição para a equi-dade na educação superior. Toda-via, diferentemente de tempos an-teriores, há um programa nacional de assistência ao estudante vol-tado, entretanto, somente para as universidades federais. Há uma preocupação em incluir uma par-cela da sociedade que não tinha possibilidade de acesso e per-manência na educação superior; porém, ainda faltam elementos concretos, além da expansão das ações, para que se possa afirmar que a educação superior tenha se tornado eqüitativa para todos os estudantes.

Conclusão

O Plano Nacional de Assistência Estudantil é uma iniciativa recente na formação de um plano voltado para a assistência estudantil, mas ainda não é possível vislumbrar resultados sobre a eficácia quan-to a sua implementação. Por essa razão, também não é possível afirmar se este está contribuindo para a equidade na permanência dos estudantes das universidades federais. No que se refere aos pro-gramas de assistência estudantil, verifica-se que não há evidência da formação de nenhum programa voltado para atender os estudan-

tes das universidades privadas. A ênfase dessas políticas como já foi mencionada são destinadas ao ingresso dos estudantes no ensino superior. O Prouni oferece bolsa permanência para os es-tudantes que ingressam através do programa, mas esse benefício se destina apenas a esse grupo de alunos. Ainda não foram pen-sados programas que se preocu-pem em atender os estudantes das universidades privadas de um modo geral.

No Brasil, existem diversas as-sociações organizadas no âmbi-to do setor privado. Diferente do que ocorre no setor público, essas organizações No que se refere as associações relacionadas a edu-cação superior, aquelas que são vinculadas as instituições priva-das não é possível todo e qual-quer tipo de preocupação com o apoio que poderia ser direcionado aos estudantes. De um modo ge-ral, suas atas e documentos são voltados para questões de ges-tão e estrutura das instituições. No entanto, a ANDIFES, na maior parte das reuniões apresentam e expõem a preocupação com a permanência e o apoio que deve ser destinado aos estudantes das universidades federais. Isso é

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possível de verificar na descrição das atas de tais reuniões. Na Ata da 92ª reunião extraordinária do Conselho Pleno, por exemplo, uma das propostas foi a reivindicação, em uma reunião com o presiden-te da República, da garantia e do comprometimento referente ao Plano Nacional de Assistência.

É possível constatar que as polí-ticas de assistência estudantil da primeira fase, tiveram um caráter pontual, marcado pela escassez de recursos. As políticas de certa forma seguiram a reestruturação que a sociedade vinha passan-do e novo formato que propunha a educação superior no Brasil bem como a sua consolidação enquanto grau de ensino. É pos-sível perceber as políticas de as-sistência estudantil nesse perío-do seguiram as tendências e os interesses políticos do momen-to. A segunda fase das políticas voltadas a assistência estudantil é marcada por um momento em que a sociedade entra em proces-so de democratização. No mundo há uma forte tendência para pen-sar a inclusão dos indivíduos na sociedade como um todo, sendo a educação um dos seus maiores enfoques. Nesse momento, então se criam projetos voltados para

assistência estudantil é marcada por uma discussão mais.

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Estágio precarizadoMaya Damasceno ValerianoMestre em História pela UFF; pes-quisadora independenteGT 9 – Trabalho e produção no capitalismo contemporâneo

VI Colóquio Internacional Marx e EngelsCentro de Estudos Marxistas – CEMARX – Unicamp

A presente comunicação tem por objeto as transformações perpas-sadas no mundo do trabalho na contemporaneidade. Entendemos o trabalho como fator essencial de coesão social e ontológico na produção de significado da vida em sociedade. Por isso a frag-mentação do trabalho tem gerado consequências tão devastadoras sobre a sociedade, desvinculan-do o trabalhador de um projeto de vida com sentido. Dentro do amplo escopo da precarização do trabalho, desenvolve-se aqui uma análise do trabalho de está-gio de estudantes como forma de contratação de força de trabalho precarizada, entendendo que ulti-mamente o perfil de aprendizado do estágio foi ultrapassado. Para essa análise utiliza-se como fonte

a legislação específica sobre es-tágio, dados sobre “agências de integração”, intermediários na re-lação entre estudante e empresas contratadoras dessa força de tra-balho, além de alguns resultados preliminares de entrevistas reali-zadas com estagiários.

Caminhando no sentido dado pela reestruturação do capitalismo desde as últimas décadas do sé-culo XX, o desmonte das condi-ções de trabalho é uma realidade presente mundialmente. A meta-morfose por que passa a classe trabalhadora hoje é consequência do quadro de transformações na forma de organização do capital e se realiza em escala mundial. Novas relações de trabalho vão sendo criadas de maneira a in-tensificar a produtividade. Apesar dessa nova heterogeneidade da classe trabalhadora não se pode pensar na sua extinção dentro do modo de produção capitalista. A fragmentação apenas exige que se amplie o conceito de trabalho e classe trabalhadora, para não incorrer numa análise superficial.

As novas formas de contratação têm como marca a redução dos vínculos formais entre empregado e empregador, uma adaptação ao

paradigma da acumulação flexível vigente na atualidade. O traba-lho atípico vai tomando cada vez mais o caráter de normalidade, segundo Vasapollo “tipicamente atípico”, parecendo prenunciar o fim do trabalho estável. São mui-tas as formas de flexibilização da relação contratual: terceirizados, contratados em tempo parcial, contratados por tempo determi-nado, estagiários, trabalhadores “autônomos” e demais trabalha-dores informais. A heterogenei-dade das formas de contratação de trabalhadores e principalmente a relação entre trabalho formal e informal sempre ocorreram, atu-almente apenas se intensificam e se renovam na forma. Para cada realidade específica, diferentes atores sociais vão cumprir essa função de enfraquecimento do poder de barganha da classe tra-balhadora. Dessa forma esses trabalhos externos à regulamen-tação cumprem uma função so-cial importante. A exclusão pode mesmo se caracterizar como uma inclusão forçada. Os marginaliza-dos do trabalho formal não são por isso excluídos do mercado de trabalho, são incluídos de forma diferencial cumprindo uma função de regulação deste, forçando para baixo os salários em decorrência

da competição.No caso do mercado de trabalho, consideramos que a abstenção da lei também é uma forma de in-tervenção estatal, que deixa aos “atores” a função de encontrar seu ponto de “equilíbrio”. Ao eliminar ou reduzir os obstáculos legais às possibilidades de o capital explo-rar a sua força de trabalho, o Esta-do beneficia o lado mais forte des-sa relação assimétrica, permitindo ao capital estruturar os termos da relação de trabalho em condições que lhe são favoráveis.

Pensando a questão dos direitos do trabalho deve-se atentar para não exteriorizar disfunções que são na realidade intencionais. Marx nunca escreveu um trabalho sistematizado acerca da questão do direito na sociedade. Pode-se, no entanto, inferir de seus estudos uma evolução no seu pensamento sobre o direito enquanto forma de dominação de classe. Nos textos de juventude - uma crítica priori-tariamente filosófica da socieda-de - a preocupação central com a alienação da classe trabalhadora o leva a entender o direito enquan-to instrumento dessa alienação. O sujeito jurídico abstrato como de-fendido pelo jusnaturalismo, for-malmente igual em seus direitos e

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deveres na sociedade, não passa-va de uma mistificação, uma vez que a realidade concreta era dia-metralmente oposta, desigual por excelência. O direito é visto como parte integrante da ideologia do-minante, garantindo dessa forma a desigualdade e a sua perma-nência no poder. De instrumento de ideologia o direito vai passan-do a ser criticado cada vez mais como um instrumento de domi-nação coercitiva, constrangendo os indivíduos à submissão ma-terial, principalmente através da proteção da propriedade privada. Enquanto entendido como forma de alienação, o direito é tomado em sua dimensão constitutiva da subjetividade aprisionada à ordem do capital, mas quando entendido como dominação de classe, a crí-tica do direito passa a ser a crítica do corpo jurídico de uma socieda-de, tratando-os como “um conjun-to de mandamentos sancionados pelo Estado”. Dimensões estas não mutuamente excludentes da abordagem marxiana.

Assim enxergamos o papel do es-tágio. A questão central da preca-riedade do trabalho do estagiário é a legislação evasiva que deter-mina seu caráter. Cada vez mais os estagiários têm passado a ter

todos os deveres comuns ao do profissional contratado, porém sem compartilhar de seus direi-tos. Implementado no final da dé-cada de setenta, o estágio curricu-lar tem sido potencializado como uma forma legal de contratação de força de trabalho barata e sem quaisquer vínculos empregatícios, visto que não é regulamentado pela CLT e sim por legislação es-pecífica. A primeira lei de estágio, Lei nº 6.494 de 7 de dezembro de 1977, definia este como uma “complementação do ensino e da aprendizagem” mas não definia uma instância fiscalizadora. Em agosto de 1982 um decreto regu-lamenta a lei do estágio, delegan-do à instituição de ensino a res-ponsabilidade e coordenação das “atividades de aprendizado social, profissional ou cultural”9. O Ter-mo de Compromisso é inaugura-do como instrumento jurídico que garante a caracterização do está-gio, e figura como a principal arma contra a possibilidade do estagi-ário recorrer à justiça para recla-mar direitos trabalhistas. A lei que se aplicava a estudantes univer-sitários ou técnicos profissiona-lizantes se estende a estudantes do ensino médio regular através da medida provisória 2.164-41 de agosto de 2001. Uma nova lei do

estágio passa a vigorar a partir de 25 de setembro do ano de 2008. A medida garante a ampliação de direitos para estagiários, tornan-do a remuneração compulsória e instituindo a obrigatoriedade de férias remuneradas de trinta dias e limitação da carga horária, mas também estende o direito à con-tratação de estagiários a profis-sionais liberais ampliando a sua abrangência.A regulamentação de 1982 tam-bém inaugura os serviços de agentes de integração públicos e privados que fazem a intermedia-ção entre empresas, instituições de ensino e estudantes. São gran-des empresas de recursos huma-nos que, como divulgado no site da maior agência de estágios do Brasil, garantem um “negócio com alta rentabilidade e baixo custo operacional” como anunciado na seção voltada a vender uma fran-quia da Agência Brasileira de Es-tágio (Abre). Nesse mesmo portal, na seção direcionada a empresas interessadas em estabelecer uma “parceria” com a Abre, o primeiro benefício listado da contratação de estagiários é que “a inexis-tência de vínculos empregatícios entre o estudante e a empresa dispensa a obrigatoriedade de pagamento de encargos sociais

e outras obrigações trabalhistas”. Ainda assim, anuncia no menu ini-cial: “O estágio é o início da valo-rização profissional. É a porta de entrada para o mercado de traba-lho” Sendo assim proclamam que sua “missão” seria a de facilitar o ingresso do jovem ao mercado de trabalho.

De fato o estágio encarna uma contradição cada vez mais obser-vada na sociedade atual, que é o embate entre a necessidade de ampliação do mercado de traba-lho e o problema que isso acarreta na sua informalização, flexibili-zação etc. É largamente conside-rado uma etapa do processo de formação profissional, uma qua-lificação que facilita o ingresso no mercado de trabalho. A per-cepção mais comum é a de que o estágio é um passo necessário na cadeia do mercado de trabalho, e que representa um aprendizado natural. Destaca-se aqui que essa nova forma de expropriação não é exercida apenas com coerção for-mal como uma legislação evasiva quanto aos interesses do estagiá-rio; é preciso que haja um consen-so, para que essas práticas sejam internalizadas.

Gramsci ressalta que para se 38 39

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exercer a dominação na socieda-de capitalista madura não basta apenas a coerção formal; é preci-so que haja um consenso, ainda que este se dê revestido de coer-ção (e vice-versa), para que es-sas práticas sejam internalizadas. A produção de vontade faz parte da perpetuação de uma classe no poder, mantendo a aparência de escolhas livres e individuais. Ain-da que veja o direito como um dos instrumentos para adequação da sociedade e seus costumes à vi-são de mundo da classe dominan-te, sendo o “aspecto repressivo e negativo de toda atividade positi-va de educação cívica desenvolvi-da pelo Estado”, não existe, para Gramsci, um aparelho repressivo puro e simples. Atribui, dessa for-ma, um papel importante à lei – é o agente de racionalização do Es-tado, atua de forma punitiva para controlar a sociedade, mas faz parte da construção do consenso também. Apontando sempre para o caráter “educador” do Estado, mostra-se a face positivada da dominação onde um determinado projeto de sociedade é defendido e difundido.

Entretanto, apesar da internali-zação, a experiência vivida pelos estagiários nem sempre corres-

ponde a esse estágio idealiza-do. Apresenta-se a seguir alguns resultados preliminares de en-trevistas realizadas com traba-lhadores que tiverem experiência de trabalho de estágio. Nos três relatos aqui analisados a baga-gem adquirida pelo estágio é vista como fundamental e por isso gra-tificante, não obstante a falta de continuidade no emprego após o período do estágio, observado nos três casos. Além disso, podemos perceber dois tópicos que per-meiam as entrevistas: a questão da educação como porta de saída para instabilidade no mercado de trabalho e a questão da percepção do mercado de trabalho e a condi-ção do trabalho de estagiário.A questão do estudo é essencial no discurso identitário de uma en-trevistada. Sua saída para o mun-do do trabalho se deu aos dezoito anos justamente para poder pa-gar a faculdade de biologia. Ela dá grande importância à boa forma-ção escolar que seus pais pude-ram lhe proporcionar, ao curso de inglês que lhe deu o diferencial nas entrevistas de trabalho, e à neces-sidade de poder proporcionar isso à sua filha. A visão da educação como uma porta de saída da ins-tabilidade no mercado de trabalho é lugar comum; uma visão pouco

crítica da educação tradicional, vista como elemento fundamental para obtenção de melhores condi-ções de vida. Outra entrevistada, estudante de serviço social, mos-tra como o estudo foi importante, principalmente por sua origem hu-milde onde nenhum de seus fami-liares tinham ido à universidade. O orgulho que proporciona à família por se formar como técnica em contabilidade e depois por passar para a faculdade de serviço social está justamente na confiança de que o estudo poderá lhe prover uma boa condição de vida. É inte-ressante um trecho da entrevista em que relata uma conversa com seu pai, onde a percepção de que nos dias de hoje, com a situação cada vez mais difícil do mercado de trabalho, sem estudo é quase impossível conquistar uma esta-bilidade:

Até ele mesmo [pai] fala isso, que hoje em dia ele faz de tudo pra gen-te estudar porque, infelizmente, nós não vamos ter a mesma sorte que ele. Porque ele teve a sorte de entrar numa empresa que, na épo-ca, não era exigido aquela coisa de ter qualificação, então, assim, ele entrou pra aprender a profissão e continuou lá dentro, e conseguiu se aposentar lá dentro. Só que

hoje, onde que você vai conseguir fazer isso? Entrar numa empresa sem saber nada, pra aprender e ainda conseguir aposentar nessa empresa?

É importante avaliar que esse dis-curso da garantia da estabilidade a partir do estudo não correspon-de à realidade. Não pretendemos entrar aqui no debate da educa-ção escolar tradicional e do ensi-no profissionalizante, como forma de reprodução do sistema capita-lista13 visto não ser o objetivo da presente comunicação, mas res-saltamos esse ângulo da questão. Além desse aspecto, há um ana-cronismo na percepção da quali-ficação como fundamental para obtenção de melhores postos de trabalho. Diante do estrangula-mento do mercado de trabalho diariamente pessoas formadas têm que recorrer a empregos to-talmente distintos de sua área de especialização. A instabilidade no emprego atualmente atinge todas os campos, com alta qualificação ou não. Se a classe trabalhadora não pode ser totalmente elimina-da, o que assistimos é a exacerba-ção de sua precarização em todas as áreas14. A estudante de biolo-gia entrevistada toca nessa ques-tão em determinado momento de

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sua fala, deixando clara a insa-tisfação quanto à desvalorização de seu nível de formação: “Ganho menos que um operário da empre-sa de onde meu marido trabalha. Sendo que, não diminuindo um operário que eu sei que operário trabalha pra caramba, merece ga-nhar mesmo. Mas sendo que eu sou formada em inglês, to fazendo faculdade...”.

Passemos então à segunda ques-tão contida nas entrevistas, isto é, a percepção do estágio no merca-do de trabalho. Na entrevista aci-ma citada, a decisão de buscar um estágio veio do entendimento de que esta seria a maneira mais fá-cil de entrar no mercado de traba-lho específico de sua profissão. A entrevistada comenta que procu-rou emprego, mas que depois que “inventaram” o estágio, “emprego direito” não existe mais. O depoi-mento deixa implícita a impres-são, a partir da sua experiência, de que o estágio é uma forma de tra-balho precária. “Tem muitas vezes que esquece que é estagiário, né, você trabalha na verdade como um trabalhador mesmo lá, você não se sente diferenciado por ser um estagiário”. Da mesma forma para outra entrevistada, profes-sora de psicologia, que classifica

como primeiro emprego o estágio que prestou no período da facul-dade para o DETRAN fazendo exa-mes psicotécnicos, a distinção entre estágio e emprego também está ausente: “Então eu considero o meu primeiro trabalho porque eu tinha uniforme, salário e... era tra-balho mesmo.”

Depara-se com a seguinte per-gunta: o estágio se transformou em um emprego? Em muitos ca-sos o estagiário tem obrigações de um trabalhador contratado, di-ferindo destes por uma situação jurídica formal que torna legal a exploração daqueles que empre-endem tal atividade. O estagiário trabalha cada vez mais em jorna-das extensas e pode ser contrata-do para turnos de madrugada, sem ter o direito de pedir dispensa em épocas de prova, situação nada compatível com sua condição de estudante. A restrição no merca-do de trabalho tem ainda levado a se exigir experiência de candida-tos a estágios, um contrasenso ao seu propósito. Nas precárias con-dições de trabalho do estagiário pode-se perguntar se em certos casos o estágio deixou de ser em-prego e passou a ser ocupação15. Por não oferecer estabilidade ao estagiário e não garantir a conti-

nuidade no emprego, a função do estágio passa a ser a de um meio de sustento imediato. Essa ava-liação é complexa, pois apesar de tudo, mesmo nesses casos o estágio cumpre parcialmente sua função por estar ligado à profissão que o estudante pretende seguir, dando-lhe experiência16 na área. Avaliar se o estágio tem se torna-do uma forma de subemprego é importante, pois essa categoria é revestida de um manto de positi-vidade por facilitar o ingresso no mercado de trabalho que camufla uma possível exploração.

A retirada dos direitos dos traba-lhadores se intensifica cada vez mais, gerando situações de extre-ma marginalização dos trabalha-dores, sendo a utilização intensi-va de estagiários como força de trabalho barata apenas um dos casos. Na análise acima desen-volvida a questão da lei do estágio figura como elemento fundamen-tal para reprodução e legitimação dessa prática, portanto a questão dos direitos do trabalho não pode deixar de ser debatida, dentro da perspectiva marxista, para não in-correr numa defesa da regulamen-tação de direitos formais como forma de superação da explora-ção capitalista. É bastante tênue a

linha que separa a defesa de um Estado capitalista “igualitário” e a necessária defesa de direitos tra-balhistas enquanto um meio de li-mitar a ação devastadora sobre a vida da maior parte da população, ainda mantendo-se em vista esta-rem tais direitos contidos dentro de um sistema que tem por pres-suposto a sua exploração.

Os conceitos de “direito” e sua contrapartida “cidadania” en-quanto relações sociais devem ser entendidos enquanto fenôme-nos historicamente determinados. Pensar em cidadania atualmente remete a uma “cultura de direi-tos” própria do capitalismo, uma vez que é neste sistema que tais conceitos adquirem tal sofistica-ção que se abstraem da realida-de concreta em que são criados, ganhando status de valores uni-versais. Tanto o direito, na sua forma jurídica, quanto a cidada-nia são conceitos que antecedem em muito à sociedade burguesa, remontando à antiguidade. Mas entender cidadania e direitos no capitalismo maduro requer en-tendimento das relações sociais historicamente constituídas17. A forma de organização da socieda-de passa por transformações sig-nificativas, e a essência mesmo

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da cidadania muda.A sociabilidade no modelo mar-xista se funda na necessidade de relações de troca, ou seja, se funda essencialmente na relação material. No entanto essa socia-bilidade não deixa de ser política, dada a desigualdade das relações sociais e a necessidade em se manter e justificar essas relações desiguais. Diante da divisão so-cial de trabalho é necessária uma instância mediadora das relações de troca entre os “homens livres e iguais” da ordem capitalista. “O poder estatal empresta clareza e estabilidade à estrutura jurídica, mas ele não cria os seus pres-supostos, os quais se enraízam nas condições materiais, isto é, nas relações de produção.”. A for-ma jurídica normatiza a maneira de pertencimento e participação dentro deste modo de produção, delimitando os direitos e deveres que cabem ao cidadão – direitos e deveres estes que são inteligíveis apenas dentro da sociedade ca-pitalista. O acesso igualitário aos direitos sociais não pode se so-brepor a essa estrutura, levando a que se desenvolva uma cidadania meramente formal, visto que não corresponde à realidade desigua-litária. No entanto, não se pode descartar a importância da luta

por direitos e consequentemen-te pela ampliação da cidadania que tornem mais dignas as con-dições de vida dos trabalhadores em suas mobilizações contra a barbárie potencial que contém o sistema capitalista.

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ENTREVISTAS:As três entrevistas foram realiza-das no curso de História Oral na Universidade Federal Fluminense, orientadas pelo Prof. Dr. Marcos Alvito, e publicadas no site: www.opandeiro.net

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Com tesoura não se avança!

O momento da educação no país é crítico. A política econômica adotada no último semestre tem provocado significativo retroces-so nos investimentos em políti-cas sociais. No caso da educação, o ajuste fiscal em curso barra as conquistas dos últimos anos. É papel central dos movimentos sociais, e da UNE em particular, pressionar o Governo Dilma para mudar completamente a política econômica em curso. Sem isso, não avançaremos no rumo do for-talecimento da educação pública, de qualidade e socialmente refe-renciada.

Vivenciamos, na última década, uma mudança substancial na re-alidade da educação brasileira. A expansão da rede de Universida-des e Institutos Federais trans-formou a rede pública de ensino superior. Com o paralelo cresci-mento do ensino superior priva-do, através de iniciativas como o PROUNI e o FIES, o número de ma-trículas no ensino superior dobrou entre 2002 e 2014. Em um país com histórica elitização da edu-cação, principalmente do ensino

superior, essas mudanças tiveram grande impacto na vida da juven-tude.

Neste início do segundo mandato da presidenta Dilma, entretanto, em contradição com o programa eleito em 2014, nos deparamos com a mudança da orientação econômica do governo. A nova política econômica, que tem como efeito a redução do salário real, impôs a suspensão do ciclo de crescimento dos investimentos em educação com o corte de 9,2 bilhões no orçamento do Ministé-rio da Educação.

Portanto, o desafio que se apre-senta à educação brasileira tem um primeiro aspecto bem definido: o financeiro. Se no ano passado, o que mobilizava os estudantes era a assistência estudantil – para garantir a permanência desse novo perfil de juventude nas uni-versidades – hoje, as problemáti-cas são outras, ainda mais primi-tivas. Sem investimentos, se torna impossível a sustentação do nos-so sistema educacional e quiçá a sua ampliação e aprimoramento à altura do que exige a realidade brasileira.

Para mantermos o país e a edu-

cação nos rumos do desenvolvi-mento e da erradicação das desi-gualdades, é urgente outro ajuste na economia, que não sacrifique a classe trabalhadora e a juventude. Uma reforma do sistema tributário que o torne progressivo, com ta-xação das grandes fortunas e he-ranças, é essencial para pensar-mos uma nova lógica de equilíbrio financeiro.

Contudo, nem todos os problemas da educação brasileira se resol-vem com mais investimentos. A educação de que necessita o povo brasileiro precisa ser de novo tipo, emancipadora e que atenda ao seu potencial transformador: esse é o segundo aspecto do desafio com o qual nos deparamos.

O recente ciclo de expansão do acesso ao ensino superior teve como determinante o investi-mento na educação privada. No país, segundo dados do INEP, o número de matrículas em insti-tuições de ensino superior priva-das cresceu 80,15% de 2002 para 2013. Se analisarmos as regiões historicamente com maior déficit educacional, esse número atinge patamares ainda maiores. No Nor-deste, o crescimento foi de 243,6% nesse mesmo período. Apesar da

inclusão que proporcionou o in-chaço da rede de ensino privada e seu proporcional avanço frente à rede pública merece reflexões so-bre suas consequências.

As instituições privadas de ensino são orientadas pelos interesses de suas redes multinacionais, pauta-dos, por sua natureza, pela lógica do mercado. Sem regulação, tais interesses se contrapõem aos in-teresses populares e aos objetivos do desenvolvimento nacional e da transformação social. Por isso, é urgente a criação de um sistema de regulamentação e fiscalização eficiente do ensino privado, que o mantenha sobre o controle so-berano do Estado e do interesse público nacional. Nesse sentido, devemos cobrar a criação do IN-SAES – Instituto de Supervisão e Avaliação do Ensino Superior.

A problemática da finalidade polí-tica da educação, entretanto, não permeia somente o ensino pri-vado. Também o ensino superior público, com currículos arcaicos, estruturas administrativas anti-democráticas e desconexão com a realidade existente fora dos mu-ros das universidades colocam em cheque a real sintonia da rede estatal de ensino superior com

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seu fim público.

Precisamos de uma reforma uni-versitária que paute a reorien-tação dos nossos cursos para a libertação da nossa juventude, para o seu empoderamento não só financeiro, mas também cul-tural e político. Ainda, precisamos de escolas e universidades que contribuam com o combate ao machismo, ao racismo e à LGB-Tfobia. Também é urgente a curri-cularização da extensão para que formemos cada vez menos profis-sionais alienados da realidade vi-vida pelo povo brasileiro, além de estruturas administrativas mais democráticas e que contemplem os anseios de participação estu-dantil nos rumos das universida-des através, por exemplo, da pari-dade nos conselhos superiores e de orçamento participativo.

O desafio apresentado pela con-juntura é grande, mas ainda maior é a sede da juventude por mais avanços. Devemos continuar ocu-pando as ruas e as salas de aula para barrarmos a recessão, defen-der a ampliação de direitos e apro-fundarmos as transformações na educação brasileira.

Gabriel Medeiros de Miranda é Estu-dante de Direito da UFRN e 1º Diretor de Universidades Públicas da União Nacio-

nal dos Estudantes.

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