caderno de dip 1 - completo

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Fichamento das aulas de Direito Internacional Público I Jéssica Jatobá de Lima 1. Diferenças entre o direito internacional e o direito nacional Ausência de centralização. Ausência de hierarquia. Exceções: jus cogens e Carta da ONU (art. 103): Jus Cogens : são normas imperativas de direito internacional geral (art. 53, CVDT). “qualquer tratado existente que estiver em conflito com essa norma torna-se nulo e extingue-se” (art. 64, CVDT). OBS.: Lista de jus cogens 1 : - a proibição da pirataria; - a proibição do uso ou da ameaça do uso da força; - a proibição do genocídio, tortura, escravidão, tráfico de escravos, apartheid etc. (crimes contra a humanidade); - a proibição do tráfico de seres humanos (prostituição forçada); Carta da ONU (art.103): se houver conflito entre qualquer tratado e a Carta da ONU, esta última prevalecerá. OBS.: Declaração de compatibilidade: um tratado se coloca abaixo de outro, apesar de não haver hierarquia. A Carta da ONU é a única que se coloca acima dos outros. Autonômico: o direito internacional dá normas a si mesmo. No direito internacional, todos os tratados e costumes são autonômicos. Exceções: Jus Cogens : é aceito pela comunidade internacional como um todo, mas mesmo que algum Estado não o aceite, é obrigado a cumprí-lo. Tratados que impõem regimes objetivos (um regime jurídico que vale por si mesmo). Ex.: tratados de fronteira, Tratado da Antártica, Tratado de Tlatelolco (Desnuclearização da América Latina e no Caribe). Carta da ONU (art. 2°, §6°): as obrigações da Carta da ONU se espalham até para os Estados que não fazem parte da Carta. 2.Fontes 2.1 Fontes do art. 38 do Estatuto da CIJ (Corte Internacional de Justiça): 1 Salem Hikmat Nasser cita ainda: o princípio pacta sunt servanda; a proibição de atos que infrinjam a soberania e a igualdade dos Estados; o princípio da autodeterminação dos povos; e o princípio da soberania sobre os recursos naturais. http://direitogv.fgv.br/sites/direitogv.fgv.br/files/rdgv_02_p161_178.pdf [pág.165].

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Page 1: Caderno de DIP 1 - Completo

Fichamento das aulas de Direito Internacional Público IJéssica Jatobá de Lima

1. Diferenças entre o direito internacional e o direito nacional Ausência de centralização. Ausência de hierarquia. Exceções: jus cogens e Carta da ONU (art. 103):

Jus Cogens: são normas imperativas de direito internacional geral (art. 53, CVDT). “qualquer tratado existente que estiver em conflito com essa norma torna-se nulo e extingue-se” (art. 64, CVDT).OBS.: Lista de jus cogens1:

- a proibição da pirataria;- a proibição do uso ou da ameaça do uso da força;- a proibição do genocídio, tortura, escravidão, tráfico de escravos, apartheid etc. (crimes contra a humanidade);- a proibição do tráfico de seres humanos (prostituição forçada);

Carta da ONU (art.103): se houver conflito entre qualquer tratado e a Carta da ONU, esta última prevalecerá.OBS.: Declaração de compatibilidade: um tratado se coloca abaixo de outro, apesar de não haver

hierarquia. A Carta da ONU é a única que se coloca acima dos outros.

Autonômico: o direito internacional dá normas a si mesmo. No direito internacional, todos os tratados e costumes são autonômicos. Exceções:Jus Cogens: é aceito pela comunidade internacional como um todo, mas mesmo que algum Estado não o

aceite, é obrigado a cumprí-lo.Tratados que impõem regimes objetivos (um regime jurídico que vale por si mesmo). Ex.: tratados de

fronteira, Tratado da Antártica, Tratado de Tlatelolco (Desnuclearização da América Latina e no Caribe).

Carta da ONU (art. 2°, §6°): as obrigações da Carta da ONU se espalham até para os Estados que não fazem parte da Carta.

2. Fontes2.1 Fontes do art. 38 do Estatuto da CIJ (Corte Internacional de Justiça):A) TratadosB) CostumesC) Princípios gerais do direitoD) Doutrina e jurisprudênciaE) Equidade

A) Tratados (Direito Convencional)A.1) Definição:

1 Salem Hikmat Nasser cita ainda: o princípio pacta sunt servanda; a proibição de atos que infrinjam a soberania e a igualdade dos Estados; o princípio da autodeterminação dos povos; e o princípio da soberania sobre os recursos naturais. http://direitogv.fgv.br/sites/direitogv.fgv.br/files/rdgv_02_p161_178.pdf [pág.165].

Fontes principais

Meios auxiliares

Suplementar

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CVDT art. 2° §1° : “tratado significa um acordo internacional concluído por escrito entre Estados e regido pelo Direito Internacional, quer de dois ou mais instrumentos conexos, qualquer que seja sua denominação específica”.• É bilateral ou multilateral (não é unilateral, imposto).• Público: escrito e registrado no secretariado da ONU. Se não for registrado ele não é oponível aos

órgãos da ONU, como a Corte Internacional.• Entre sujeitos do DIP• Regido pelo DIP• Um ou mais instrumentos (notas diplomáticas = instrumentos conexos de um tratado). Ex.: o Pacto de

Contrahendo (contrato preliminar) é um dos instrumentos juntamente com o contrato final.Qualquer denominação tem o mesmo regime jurídico. Ex.: tratado, contrato, carta, pacto etc.

(Diplomaticamente ou politicamente há diferença).

A.2) Classificação• Quando ao número de partes:

- Bilaterais (não admitem reserva);- Multilaterais (não há reciprocidade, exceptio non adimpleti).

• Quanto à natureza da obrigação:- Tratados-contrato;- Tratado normativo (tratados-lei).

Tratados multilaterais normativos não são sinalagmáticos, ou seja, podem impor alguma discriminação, se assemelhando às leis (ex.: diferença entre licença maternidade e paternidade).

B) Costumes (de Estados)Direito consuetudinário (prescrição aquisitiva de direitos).

B.1) Elementos:• Material: prática reiterada.• Espiritual: “opinio juris sive necessitatis”.

Só é prática eleita pela sociedade como direito quando o Estado a elege como direito (um juiz reconhece um costume como precedente judicial).

B.2) Características:• Voluntário• Duração (varia de ato para ato)• Uniformidade

B.3) Prova do costumeO costume é direito escrito, só não sistematizado.

• Prática diplomática dos Estados (pronunciamentos diplomáticos, notas diplomáticas, atas e decisões de reuniões diplomáticas internacionais).

• Direito interno.

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B.4) Tipos de costumes• Universais• Regionais (regiões geográficas ou políticas – ex.: Europa)• Locais

OBS.: O ônus da prova.

B.5) Interações com tratadosMuitas vezes tratados viram costumes e costumes viram tratados.

C) Princípios gerais do direitoPrincípios gerais do direito ≠ princípios do direito internacional.Os princípios do direito internacional não são fontes. Aparecem no artigo 2° da Carta da ONU.Os princípios gerais do direito são essenciais à ideia de direito. Ex.: princípio da presunção de inocência, da

legítima defesa etc. Apesar de aparecerem no artigo 38 do Estatuto da CIJ, eles vem sendo considerados como fonte secundária.

D) Doutrina e jurisprudênciaÉ fonte auxiliar porque uma sentença baseada somente nelas pode ser anulada. É uma remanescência do Direito

Romano.Doutrina, em direito internacional, é uma obra que altera o conhecimento que se tinha de tal área do direito.Jurisprudência é o coletivo de decisões judiciais. Não é vinculante.

E) EquidadeJustiça aplicada ao caso concreto. Aristóteles: “Uma régua que se ajusta a superfícies irregulares”2.É uma autorização que o legislador dá ao julgador para afastar o direito positivo e usar o seu senso subjetivo de

justiça. Por isso é uma fonte suplementar, só pode ser usado quando todas as partes concordarem com seu uso, o que nunca aconteceu.

“Às vezes, aplicar a letra da lei é ferir ferir o próprio objetivo da lei” [prof.]

2.2 Fontes não listadas:O ról do artigo 38 do Estatuto da CIJ não é exaustivo, as fontes não se esgotam nele. Há ainda:

F) Atos unilaterais de EstadoSão de uma única voltade. Ex.: codicilo, testamento etc (direito nacional). Só criam obrigações para um

Estado, exceto o de guerra.

2 Na impossibilidade de previsão pelo legislador de todos os casos que poderão surgir na realidade, o aplicador das leis deve se ater às peculiaridades do fato concreto, “dizendo o que o próprio legislador se estivesse presente, e o que teria incluído em sua lei se houvesse previsto o caso em questão” (ARISTÓTELES, 1996, p. 213).

O eqüitativo é, pois, a correção da lei quando esta é omissa em virtude de sua generalidade. De forma ilustrativa, Aristóteles a compara à régua de Lesbos, que se molda à forma da pedra devido a sua maleabilidade.

Com efeito, quando uma situação é indefinida a regra também tem de ser indefinida, como acontece com a régua de chumbo usada pelos construtores em Lesbos; a régua se adapta à forma da pedra e não é rígida, e o decreto se adapta aos fatos de maneira idêntica. (ARISTÓTELES, 1996, p. 213). Fonte: http://www.jurisway.org.br/v2/dhall.asp?id_dh=4658

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G) Decisões das organizações internacionais oficiaisSoft law: obrigações naturais. São obrigatórias mas desprovidas de sanção. São as recomendações da ONU,

opinio juris.

3. Pacta sunt servandaCVDT art. 26: “Todo tratado em vigor obriga as partes e deve ser cumprido por elas de boa-fé”. a boa-fé incide sobre a ratificação de tratados a interpretação é preferencialmente literalCVDT art. 18 obrigação de não frustrar o objeto e finalidade de um tratado antes de sua entrada em vigor (tratados pendentes de ratificação).

3.1 Condições de validade:A) Sujeito capaz

CVDT art. 6°: “Todo Estado tem capacidade para concluir tratados”. Também as organizações internacionais.CVDT art. 7°, §2° numera os plenipotenciários (quem tem plenos poderes para assinar tratados). São eles:

- Chefes (de Estado e de Governo) e Ministro das Relações Exteriores (ou Chanceler / chefe da diplomacia);- Chefe de missão diplomática em tratados bilaterais;- qualquer diplomata acreditado numa OI (para atos daquela OI);- qualquer pessoa com carta de plenos poderes (não tem forma certa, mas no Brasil é um decreto presidencial).

CF art. 84, VIII Nosso hall de plenipotenciários é menor do que o “padrão” internacional. No Brasil, celebrar tratados é competência privativa do Presidente da República (delegável a outros por meio da carta de plenos poderes) e controlada pelo Congresso (controlada, e não partilhada) por meio de referendo. Isso é uma reminiscência da nossa Constituição Imperial: Poder Moderador e concentração do jus tractum nas mãos do Imperador.CVDT art. 27 um tratado assinado é válido mesmo que seja inconstitucional. Esse artigo não tem exceções. Se um dos plenipotenciários brasileiros assinar tratado internacional sem a carta do Presidente3, ele poderá ser julgado no Brasil por irresponsabilidade, mas o tratado é válido e deve ser cumprido. uma lei interna não pode revogar um tratado internacional, mas um tratado pode revogar uma lei interna. O direito interno é mero fato para a o direito internacional (CVDT art. 27).

A.1) Teoria da Aparência4

3 O que pode vir a acontecer, já que a CVDT considera plenipotenciários que a Constituição do Brasil não considera, a não ser que portem a carta de plenos poderes. Assim, se a outra parte não tiver conhecimento do art. 84 da Constituição brasileira (o que é provável...) e não souber que a carta é necessária, o tratado pode ser assinado (nesse caso, a outra parte age como terceiro de boa-fé), mesmo que depois o diplomata venha a ser julgado no Brasil. Ver, mais a frente, Teoria da Aparência.4 Mais sobre a Teoria da Aparência em: http://vickmature.blogspot.com.br/2007/11/teoria-da-aparncia-de-direito.html.

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serve para proteger o terceiro de boa-fé. CVDT art. 26, art. 27 e art. 31, §1°.

B) Forma adequadaCVDT art. 11 um tratado pode ser validado de várias formas: assinatura, adesão, ratificação, ou por qualquer outro meio que for acordado.

B.1) Fases de formação1ª) Negociação: conclui-se com a assinatura.2ª) Internalização: análise pelo Congresso e referendo. É nessa fase que o tratado se torna obrigatório no direito interno. Conclui-se com a emissão de decreto presidencial.3ª) Ratificação: é uma confirmação da assinatura. Ao fim dessa fase, o tratado passa a vigorar também no direito internacional. Conclui-se:

• em tratados bilaterais com a troca dos instrumentos de ratificação5 (um país entrega ao outro o seu instrumento);

• em tratados multilaterais com o depósito dos instrumentos de ratificação (todos os países depositam em um só lugar todos os instrumentos). O tratado só terá vigência internacional quando um certo número de Estados depositar seus instrumentos.

B.2) Classificação dos tratados quanto à forma:• Breve ou não solene só tem até a primeira fase de formação;• Longa ou solene até a terceira fase (ratificado).

B.3) Internalização dos tratados no Brasil CF art. 84, VIII. CF art. 49, I. o Presidente negocia o tratado e o envia (texto integral) por mensagem ao Congresso. Lá, ele é votado pela Câmara dos Deputados e pelo Senado. Após referendo, envia-se a resposta ao Presidente por meio de decreto legislativo, podendo este ser de:

• não aprovação (nunca “reprovação”, pois o Congresso não tem competência para reprovar, uma vez que não participa da negociação. Pode apenas aprovar ou não aprovar) a partir daqui, “morreu o tratado” (não poderá ser internalizado e assim ratificado).

• aprovação a partir daqui o Presidente pode:- emitir decreto presidencial, internalizando o tratado;- não ratificar o tratado (“engavetar”). O Presidente não é obrigado pelo Congresso a ratificar

os tratados aprovados (celebrar tratados é competência privada do Presidente, não partilhada com o Congresso, apenas controlada por este através de referendo);

- reabrir (se possível) a fase de negociação e fazer reservas.

5 Não lembro o que são exatamente os instrumentos, mas acredito que sejam: 1) o decreto presidencial depois da aprovação do congresso; ou 2) as alterações feitas na legislação interna para se adequar ao tratado. Confirmar com o professor.

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• aprovação parcial quando o Congresso emite decreto legislativo de aprovação parcial. O Presidente pode, então, enviar um pedido de consideração ao Congresso, pedindo um decreto de aprovação in totum.

C) Objeto lícitoD) Vontade livre

3.2 Ratificação imperfeitaCVDT art. 46 parece ser uma exceção ao artigo 27 da CVDT, mas não é. Define os requisitos de nulidade dos tratados, sendo eles:

• ser sobre jus tractum (competência para concluir tratados);• ser de importância fundamental (norma constitucional);• a violação deve ser manifesta (notória).

3.2.1 Diplomacia Federativa É a diplomacia feita por unidades federativas (estados federados e municípios). Algumas Constituições Estaduais brasileiras dão a competência de assinar tratados internacionais aos governadores dos respectivos estados, apesar de eles não constarem na lista de plenipotenciários da CVDT ou da Constituição Federal. Nesse caso, eles apresentam a Constituição Estadual como sua carta de plenos poderes e, mesmo sem a carta do presidente, assinam tratados que vigem no país inteiro, e não somente no seu estado. No caso da diplomacia federativa, não se pode invocar o artigo 46 da CVDT para pedir anulação dos tratados assinados pelos governadores, por não preencher todos os requisitos de nulidade (apesar de ser sobre jus tractum e de importância fundamental, a violação não é manifesta, pois a atribuição da competência consta na constituição de vários estados brasileiros, apesar de ser, teoricamente, inconstitucional).

3.2.2 Acordos do Executivo São tratados que não precisam passar pelo Congresso Nacional. Em discussão até hoje. Para a maioria (Rezek e Itamaraty), são aceitos desde que não imponham compromissos gravosos ao patrimônio nacional.

3.3 Hierarquia dos tratados no Brasil6

Carl Heinrich Triepel (1899): dualismo / pluralismo direito interno e direito internacional são ordenamentos distintos, pois tem fontes e também destinatários diferenciados. Assim, não há antinomias, não há conflito entre normas, visto que um dos requisitos para a antinomia é que ambas as normas pertençam ao mesmo sistema jurídico.

Hans Kelsen (1906): monismo há um só ordenamento jurídico, com relações de subordinação e coordenação. Desta forma, uma norma internacional poderia ser aplicada diretamente pelo Judiciário nacional, sem qualquer previa internalização. A questão de qual direito é superior é uma opção filosófica,

6 Ver http://www.egov.ufsc.br/portal/conteudo/norma-internacional-no-ordenamento-juridico-brasileiro.

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mas tem-se preferência à prevalência do direito internacional sobre o interno, para possibilitar a firmação de tratados entre nações.

No direito internacional não há soberania (nenhum Estado é soberano diante do direito internacional, todos estão submetidos a ele). Recurso extraordinário 80.004 de 19777: estabeleceu que os tratados entram no Brasil com status de lei ordinária. Uma lei posterior pode suspender a aplicabilidade de um tratado, mas não revogá-lo.

Abreviaturas e Referências:

Carta da ONU – Carta das Nações Unidas (1945)CF – Constituição Federal de 1988CIJ – Corte Internacional de JustiçaCVDT – Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (1969)Itamaraty – Ministério das Relações ExterioresOI – organizações internacionais

7 Ver http://www.iusgentium.ufsc.br/revista/ed2/5_Patricia_Noschang.pdf.