burke- scott - fichamento

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SCOTT, Joan. História das Mulheres in BURKE, Peter. A Escrita da história: novas perspectivas. São Paulo: Editora UNESP, 1992. “Apesar das enormes diferenças nos recursos para ela alocados, em sua representação e em seu lugar no currículo, na posição a ela concedida pelas universidades e pelas associações disciplinares, parece não haver mais dúvidas que a história das mulheres é uma prática estabelecida em muitas partes do mundo.” (p.63). “Utilizo o termo ‘movimento’, deliberadamente, para distinguir o fenômeno atual dos esforços anteriormente disseminados por alguns indivíduos para escrever no passado sobre as mulheres [...] , e ainda, para evocar as associações com a política.” (p.64). “A conexão entre a história das mulheres e a política é ao mesmo tempo óbvia e complexa. Em uma das narrativas convencionais das origens deste campo, a política feminista é o ponto de partida. Esses relatos situam a origem do campo na década de 60, quando as ativistas feministas reivindicavam uma história que estabelecesse heroínas, prova da atuação das mulheres, e também explicações sobre a opressão e a inspiração para a ação.” (p.64). “Mais tarde – em algum momento entre a metade e o final da década de 70 – continua o relato, a história das mulheres afastou-se da política. Ampliou seu campo de questionamentos, documentando todos os aspectos da vida das mulheres no passado e dessa forma adquiriu uma energia nova.” (p.65). “Finalmente (assim prossegue a trajetória), o desvio para o gênero na década de 80 foi um rompimento definitivo com a política e propiciou a este campo conseguir o seu próprio espaço, pois gênero é um termo aparentemente neutro desprovido de propósito ideológica imediato.” (p.65) – (aqui como divisão natural dos sexos (N.T).

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SCOTT, Joan. Histria das Mulheres in BURKE, Peter. A Escrita da histria: novas perspectivas. So Paulo: Editora UNESP, 1992.Apesar das enormes diferenas nos recursos para ela alocados, em sua representao e em seu lugar no currculo, na posio a ela concedida pelas universidades e pelas associaes disciplinares, parece no haver mais dvidas que a histria das mulheres uma prtica estabelecida em muitas partes do mundo. (p.63).Utilizo o termo movimento, deliberadamente, para distinguir o fenmeno atual dos esforos anteriormente disseminados por alguns indivduos para escrever no passado sobre as mulheres [...] , e ainda, para evocar as associaes com a poltica. (p.64).A conexo entre a histria das mulheres e a poltica ao mesmo tempo bvia e complexa. Em uma das narrativas convencionais das origens deste campo, a poltica feminista o ponto de partida. Esses relatos situam a origem do campo na dcada de 60, quando as ativistas feministas reivindicavam uma histria que estabelecesse heronas, prova da atuao das mulheres, e tambm explicaes sobre a opresso e a inspirao para a ao. (p.64).Mais tarde em algum momento entre a metade e o final da dcada de 70 continua o relato, a histria das mulheres afastou-se da poltica. Ampliou seu campo de questionamentos, documentando todos os aspectos da vida das mulheres no passado e dessa forma adquiriu uma energia nova. (p.65).Finalmente (assim prossegue a trajetria), o desvio para o gnero na dcada de 80 foi um rompimento definitivo com a poltica e propiciou a este campo conseguir o seu prprio espao, pois gnero um termo aparentemente neutro desprovido de propsito ideolgica imediato. (p.65) (aqui como diviso natural dos sexos (N.T).[....] evoluo do feminismo para as mulheres e da para o gnero; ou seja a poltica para histria especializada e da para a anlise. (p.65) [...] Em algumas verses, a evoluo encarada positivamente como um resgate da histria ...] Em outras, a interpretao negativa, a retirada para a academia (para no falar do desvio para o gnero e para a teoria) sendo encarada como um sinal de despolitizao. (p.65)A histria deste campo no requer somente uma narrativa linear, mas um relato mais complexo, que leve em conta, ao mesmo tempo a posio varivel das mulheres na histria, o movimento feminista e a disciplina da histria. [...] Muitos daqueles que usam o termo gnero, na verdade se denominam historiadores feministas. Isso no somente uma submisso poltica, mas tambm uma perspectiva terica que os leva a encarar o sexo como um modo melhor de conceituar a poltica. Muitos daqueles que escrevem a histria das mulheres consideram-se envolvido em um esforo altamente poltico, para desafiar a autoridade dominante na profisso e na universidade e para mudar o modo com a histria escrita. (pp. 65-66)Essas definies correspondem a diferentes tipos de ao e diferentes esferas de atividade, mas aminha utilizao da palavra poltica para caracterizar tudo isso sugere que os limites de definio e espao so indistintos, e que, inevitavelmente, qualquer utilizao tem mltiplas ressonncias. A narrativa da histria das mulheres que eu desejo fazer depende dessas mltiplas ressonncias, sempre uma narrativa poltica. (p.67).Profissionalismo versus polticaO feminismo tem sido, nas ltimas dcadas, um movimento internacional, mas possui caractersticas particulares, regionais e nacionais. (p.67).Em 1969, o recm-formado Cmite de Coodernao de Mulheres na profisso Histrica apresentou, no encontro profissional da Associao Histria Americana (AHA), resolues dirigidas a melhorar a condio das mulheres, o que aconteceu dentro de uma atmosfera tensa e altamente carregada. Normalmente destinada a discusses de leis secundrias e poltica organizacional o papel (no a poltica) da associao esses encontros eram em geral um modelo de boa camaradagem e decoro. [...] O ataque ao poder entrincheirado teve pelo menos dois resultados: obteve a concesses da AHA sob a forma de um comit ad hoc para averiguar as questes levantadas ( um comit que publicou um relatrio em 1970 reconhecendo a condio inferior das mulheres e recomendando vrias medidas punitivas, incluindo a criao de um comit permanente sobre as mulheres) e resultou na crtica da conduta das mulheres como no-profissional. (p.70).Na AHA, as mulheres, os negros, os judeus, os catlicos e os no-cavalheiros foram sistematicamente sub-representados durante anos. (p.72)De fato, as historiadoras feministas insistiram em que no havia oposio entre profissionalismo e poltica, introduzindo um conjunto de questes profundamente perturbadoras sobre as hierarquias, as bases e as hipteses que governavam o empreendimento histrico ...].(p.74)Histria versus IdeologiaEm vez disso, h uma incmoda ambiguidade inerente ao projeto da histria das mulheres, pois ela ao mesmo tempo um suplemento incuo histria estabelecida e um deslocamento radical dessa histria. (p.75). O uso que Woolf faz do termo suplemento[footnoteRef:1] recorda a anlise de Jaqcques Derrida, o que me auxilia a analisar o relacionamento da histria das mulheres com a histria. No projeto de desconstruo da metafsica ocidental, Derrida apontou certo indicadores que resistem e desorganizam as oposies binrias, sem chegarem a constituir um terceiro termo ou uma resoluo dialtica. So dilacerados devido a sua indefinio; implicam, simultaneamente, da histria das mulheres e separadamente. O suplemento uma dessas indefinies. Ele (nas palavras e Barbara Johnson) suprfluo e necessrio, perigoso e redentor. Tanto como significante quanto como significado, no possvel precisar a distino entre excesso e falta, compensao e corrupo.. (p.76). [1: Em A Room Of Ones Own: Por que... no acrescentar um suplemento histria? Chamando-o-, claro, por algum nome discreto, de forma que as mulheres pudessem ali aparecer sem impropriedade?.]

Eu gostaria de dizer que, pensando em termos da lgica contraditria do suplemento, podemos analisar a ambiguidade da histria das mulheres e sua fora poltica potencialmente crtica, uma fora que desafia e desestabiliza as premissas disciplinares estabelecidas, mas sem oferecer uma sntese ou uma resoluo fcil. O desconforto subjacente a tal desestabilizao conduziu no apenas resistncia por parte dos historiadores tradicionais, mas tambm a um desejo de resoluo, por parte dos historiadores das mulheres. (pp. 76-77).A maior parte da histria das mulheres tem buscado de alguma forma incluir as mulheres como objetos de estudo, sujeitos da histria. Tem tomado como axiomtica a ideia de que o ser humano universal poderia incluir as mulheres e proporcionar evidncia e intepretaes sobre as vrias aes e experincias das mulheres no passado. Entretanto, desde que na moderna historiografia ocidental, o sujeito tem sido incorporado com muito mais frequncia como um homem branco, a histria das mulheres inevitavelmente se confronta com o dilema da diferena (assim denominado pela jurista terica americana Martha Minow). [...] O universal implica uma comparao com o especfico ou o particular, homens brancos com outros que no so brancos ou no so homens, homens com mulheres. Mas essas comparaes so mais frequentes estabelecidas e compreendidas como categoriais naturais, entidades separadas, do que como termos relacionais. Por isso, reivindicar a importncia das mulheres na histria significa necessariamente ir contra as definies de histria e seus agentes j estabelecidos como verdadeiros, ou pelo menos, como reflexes acuradas sobre o que aconteceu (ou teve importncia) no passado. E isso lutar contra padres consolidados por comparaes nunca estabelecidas, por pontos de vista jamais expresses como tais. (pp.77-78, grifos meus).O que De Certaua a enfatiza no que apenas as mulheres possam escrever a histria das mulheres, mas que a histria das mulheres traz luz as questes de domnio e de objetividade sobre as quais as normas disciplinares so edificadas. A solicitao supostamente modesta de que a histria seja suplementada com informao sobre as mulheres sugere, no apenas que a histria como est incompleta, mas tambm que o domnio que os historiadores tm do passado necessariamente parcial. E, o que mais perturbador, abre sondagem da critica a verdadeira natureza da histria como uma epistemologia centralizada no sujeito.. (p. 79, grifos meus)Relaes de poder desiguais no interior da disciplina tornam as acusaes de ideologia perigosas para aqueles que buscam posio profissional e legitimidade disciplinar. Isso (e as regras de formao disciplinar) inicialmente desencorajou muitos historiadores das mulheres de confrontar as implicaes epistemolgicas mais radicais de seus trabalhos; em vez disso, enfatizaram as mulheres como um sujeito histrico adicional, e no seu desafio aos pressupostos metodolgicos da disciplina. (pp.80-81).A existncia do campo relativamente novo da histria social proporcionou um importante veculo para a histria das mulheres; a associao de um novo tpico com um novo conjunto de abordagens enfatizou a reivindicao da importncia, ou pelo menos, a legitimidade do estudo das mulheres. [...] Nesse contexto, os historiadores das mulheres poderiam apontar para a realidade da experincia vivida pelas mulheres e presumir seu interesse inerente e sua importncia. Colocaram as mulheres em organizaes polticas e em locais de trabalho, e introduziram novas arenas e instituies famlias e cuidados com a casa como dignos de estudo. [...] Como resultado, a categoria mulheres assumiu uma existncia como entidade social separada de seu relacionamento conceitual historicamente situado com a categoria homens. A histria das mulheres passou menos tempo documentando a vitimizao das mulheres e mais tempo afirmando a distino da cultura das mulheres, criando assim uma tradio histrica a que as feministas poderiam apelar, como exemplo de atividades das mulheres, para provar sua capacidade de fazer histria. (pp.82-83).O aumento da conscincia acarretou a descoberta da verdadeira identidade das mulheres, a queda das viseiras, a obteno e autonomia, de individualidade e, por isso, de emancipao. O movimento das mulheres pressups a existncia das mulheres como uma categoria social separada, definvel, cujos membros necessitam apenas ser mobilizados (ao invs de se ver uma coleo de pessoas biologicamente similares, cuja identidade estava em processo de ser criada pelo movimento). A histria das mulheres confirmou assim a realidade da categoria mulheres, sua existncia anterior ao movimento contemporneo, suas necessidades inerentes, seus interesses e suas caractersticas, dando-lhe uma histria (pp. 83-84).A emergncia da histria das mulheres ficou ento entrelaada com a emergncia da categoria das mulheres como uma identidade poltica, e esta foi acompanhada por uma anlise que atribua a opresso das mulheres e sua falta de visibilidade histria tendenciosidade masculina. [...] O antagonismo homem versus mulher foi um foco centra da poltica e da histria, e isso teve vrios efeitos: tornou possvel uma mobilizao poltica importante e disseminada, ao mesmo tempo que implicitamente afirmava a natureza essencial da oposio binria macho versus fmea. A ambiguidade da histria das mulheres parecia estar resolvida por essa oposio direta entre dois grupos de interesse separadamente constitudos e conflitantes. (p.84).Na verdade, poderia ser dito que a histria das mulheres atingiu uma certa legitimidade como um empreendimento histrico, quando afirmou a natureza e a experincia separada das mulheres, e assim consolidou a identidade coletiva das mulheres. Isso teve o duplo efeito de assegurar um local para a histria das mulheres na disciplina e afirmando sua diferena da histria. (p.84).

Poltica versus teoria.A aparente restrio e segregao da histria das mulheres jamais foi completa, mas no final dos anos 70 comeou a ser obviamente minada por vrias tenses, algumas delas no interior da disciplina, outras no movimento poltico. Essas combinaram para desafiar a viabilidade da categoria das mulheres e introduziram a diferena como um problema a ser analisado. O foco na diferena tornou explcita parte da ambiguidade para os significados inerentemente relacionados das categorias de gnero. (p. 85).O objetivo dos historiadores das mulheres, mesmo quando estabeleceram a identidade separada das mulheres era integrar as mulheres histria. [...] A interao presumia no somente que as mulheres poderiam ser acomodadas nas histrias estabelecidas, mas que sua presena era requerida para corrigir a histria. Aqui estavam em ao as implicaes contraditrias da condio suplementar da histria das mulheres. A histria das mulheres com suas compilaes de dados sobre as mulheres no passado, com sua insistncia em que as periodizaes aceitas no funcionavam , quando as mulheres eram levadas em conta, com sua evidncia de que as mulheres influenciavam os acontecimentos e tomavam parte na vida pblica, com sua insistncia de que a vida privada tinha uma dimenso pblica, poltica- implicava uma insuficincia fundamental: o sujeito da histria no era uma figura universal, e os historiadores, que escreviam como se ele o fosse, no podiam mais reivindicar estar contando toda a histria. O projeto de integrao tornou essas implicaes explcitas.(pp.85-86).Embora os usos sociolgicos de gnero possam incorporar tnicas funcionalistas ou essencialistas, as feministas escolheram enfatizar as conotaes sociais de gnero em contraste com as conotaes fsicas de sexo. Tambm enfatizaram o aspecto relacionado do gnero: no se pode conceber mulheres, exceto se elas forem definidas em relao aos homens, nem homens, exceto quando eles forem diferenciados das mulheres. Alm disso, uma vez que o gnero foi definido como relativo aos contextos social e cultural, foi possvel pensar em termos de diferentes sistemas e de gnero e nas relaes daqueles com outras categorias como raa, classe ou etnia, assim como levar em conta a mudana. (pp.86-87).Na verdade, o termo mulheres dificilmente poderia ser usado sem modificao: mulheres de cor, mulheres judias, mulheres lsbicas, mulheres trabalhadoras pobres, mes solteiras, foram apenas algumas das categorias introduzidas. Todas desafiavam a hegemonia heterossexual da classe mdia branca do termo mulheres, argumentando que as diferenas fundamentais da experincia tornaram impossvel reivindicar uma identidade isolada. [...] De fato, todas as exigncias de reconhecimento das experincias e das histrias de diversos tipos de mulheres representam a lgica de suplementao, desta vez em relao categoria universal das mulheres, o bastante para qualquer histria geral das mulheres e para a competncia de qualquer historiador das mulheres cobrir todo o campo. (pp.87-88).Se h tantas diferenas de classe, raa, etnia e sexualidade, o que constitui o campo comum em que as feministas podem organizar uma ao coletiva coerente? Qual o elo conceitual para a histria das mulheres ou para os cursos de estudos das mulheres, entre o que parece ser uma proliferao infinita de diferentes histrias (de mulheres)? (p.89).Mais importante foram as maneiras como as feministas se apropriaram do ps-estruturalismo para pensar sobre a diferena. A diferena est no mago das teorias lingusticas de significao. Diz-se que todos os significados so produzidos diferencialmente, atravs de contrastes e oposies, e hierarquicamente, atravs da designao da primazia a um termo e subordinao do outro. [...] A ameaa radical colocada pela histria das mulheres situa-se extremamente neste tipo de desafio histria estabelecida; as mulheres no podem ser adicionadas sem uma remodelao fundamental dos termos, padres e suposies daquilo que passou para a histria objetiva, neutra e universal no passado, porque essa viso da histria inclua em sua prpria definio de si mesma a excluso das mulheres. (p.90, grifos meus).Problematizando os conceitos de identidade e experincia, as feministas que utilizam a anlise ps-estruturalista apresentaram interpretaes dinmicas do gnero que enfatizam a luta, a contradio ideolgica e as complexidades das relaes de poder em mutao. [...] Mas o trabalho influenciado pelo ps-estruturalismo esbarra em alguns dos mesmos problemas encontrados por aqueles que preferem as abordagens cientficas sociais. Como declarou Denise Riley, se a categoria das mulheres, e assim a identidade e a experincia das mulheres, so instveis, porque so historicamente variveis, quais so os campos para a mobilizao poltica? Como escrever uma histria coerente das mulheres, sem uma ideia determinada e compartilhada do que so as mulheres? Riley responde, corretamente ao meu ver, que possvel pensar-se e organizar-se a poltica com categorias instveis, o que na verdade sempre tem sido feito, mas exatamente como faz-lo algo que necessita de discusso. As feministas hostis ao ps-estruturalismo generalizam sua crtica como uma denncia da teoria e o rotularam como abstrato, elitista e machista. [...] Colocando o problema em termos de uma oposio binria intratvel, esta formulao afasta a possibilidade de considerar a utilidade de vrias abordagens tericas histria feminista e poltica feminista, assim como o a possibilidade de conceber a teoria e a poltica como intricadamente ligadas. (pp.92-93).