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Ano 12 - Boletim nº 38 . Outubro/Novembro/Dezembro 2017 Boletim Trimestral do Escritório Professor René Dotti Áreas de Atuação: Direito Administrativo, Ambiental, Civil, Constitucional, Criminal, Desportivo, Eleitoral, Família e Sucessões. Alterações na lei de registros públicos Thais Guimarães O acordo de não-persecução criminal e a ampliação da transação penal Guilherme Alonso As novas regras para o setor de mineração André Meerholz Testamento e a possibilidade de exclusão de herdeiro necessário (deserdação) Diana Geara Direito ao esquecimento? Laís Bergstein “As atividades humanas são motivadas pelo sentimento da esperança que, no dizer do célebre filósofo grego ARISTÓTELES (384-322 a.C.), ‘é o sonho do homem acordado’ ”. René Ariel Dotti . Rogéria Dotti . Julio Brotto Patrícia Nymberg . Alexandre Knopfholz Fernanda Pederneiras . Francisco Zardo . Vanessa Scheremeta José Roberto Trautwein . Fernando Welter . Gustavo Scandelari Rafael de Melo . Vanessa Cani . Cícero Luvizotto Luis Otávio Sales . Guilherme Alonso . Thais Guimarães Laís Bergstein . André Meerholz . Diana Geara . Bruno Correia Ana Cristina Viana . Fernanda Lovato . Giuliane Gabaldo Fernanda Machado RENÉ ARIEL DOTTI

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Ano 12 - Boletim nº 38 . Outubro/Novembro/Dezembro 2017

Boletim Trimestral do Escritório Professor René DottiÁreas de Atuação: Direito Administrativo, Ambiental, Civil, Constitucional, Criminal, Desportivo, Eleitoral, Família e Sucessões.

Alterações na lei de registros públicos

Thais Guimarães

O acordo de não-persecução criminal e a ampliação da

transação penal

Guilherme Alonso

As novas regras para o setor de mineração

André Meerholz

Testamento e a possibilidade de exclusão

de herdeiro necessário (deserdação)

Diana Geara

Direito ao esquecimento?

Laís Bergstein

“As atividades humanas são motivadas pelo sentimento da esperança que, no dizer do célebre

filósofo grego ARISTÓTELES (384-322 a.C.), ‘é o sonho do homem acordado’ ”.

René Ariel Dotti . Rogéria Dotti . Julio BrottoPatrícia Nymberg . Alexandre Knopfholz

Fernanda Pederneiras . Francisco Zardo . Vanessa Scheremeta José Roberto Trautwein . Fernando Welter . Gustavo Scandelari

Rafael de Melo . Vanessa Cani . Cícero LuvizottoLuis Otávio Sales . Guilherme Alonso . Thais Guimarães

Laís Bergstein . André Meerholz . Diana Geara . Bruno Correia Ana Cristina Viana . Fernanda Lovato . Giuliane Gabaldo

Fernanda Machado

RENÉ ARIEL DOTTI

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Estagiário: Profissão Esperança (René Ariel Dotti) ................................................................................................................................................... 03

SEÇÃO INFORMATIVA .................................................................................................................................................................................................................. 04

Mudanças relevantes ............................................................................................................................................................................................... 06

O papel do Advogado no Inquérito Policial (Alexandre Knopfholz) .................................................................................................................... 06Sentença que exige trânsito em julgado pode impedir a execução provisória da pena (Gustavo Scandelari) ..................................... 07Medida Protetiva: uma nova consequência de seu descumprimento (Rafael de Melo).............................................................................. 07Violência doméstica e repercussões penais (Luis Otávio Sales)............................................................................................................................ 08O acordo de não-persecução criminal e a ampliação da transação penal (Guilherme Alonso).................................................................. 08Multas de trânsito: é crime indicar condutor diverso do real? (Bruno Correia)............................................................................................... 09Imunidade parlamentar e responsabilidade criminal: delitos contra a honra (Fernanda Lovato)............................................................ 09Atividades culturais e remição da pena (Anna Ashley Delima)............................................................................................................................... 10

As dívidas da Fazenda Pública devem ser corrigidas pelo IPCA e não pela TR (Francisco Zardo) ................................................................ 10 As novas regras para o setor de mineração (André Meerholz) ............................................................................................................................ 11 A cultura da integridade (Ana Cristina Viana)............................................................................................................................................................ 11 Magistrado pode conceder entrevista sobre os casos que julga? (Fernanda Machado) ............................................................................. 11

É possível a penhora de salário do devedor? A recente orientação do Superior Tribunal de Justiça (Rogéria Dotti e Julio Brotto) ........... 12 Imunidade parlamentar e responsabilidade civil: dano moral por ofensas pessoais (Patrícia Nymberg) ........................................... 12 E-mail pode comprovar a relação contratual e existência de dívida (José Roberto Trautwein) .................................................................. 13 Avalistas não devem ser executados por dívida paga pelo codevedor originário (Fernando Welter) .................................................. 13 Condomínio: responsabilidade por furtos (Vanessa Cani) .................................................................................................................................. 13 A tecnologia a favor do cidadão (Cícero Luvizotto) ................................................................................................................................................. 14 Direito ao esquecimento? (Laís Bergstein) ................................................................................................................................................................ 14 Oficina mecânica não pode reter veículo por falta de pagamento do serviço (Patrícia Martinelli) ....................................................... 15

O fornecedor pode cobrar mais caro daquele que paga a prazo (Giuliane Gabaldo) .................................................................................... 15

Anotação da união estável na certidão de óbito (Fernanda Pederneiras) ............................................................................................................ 16 Transgênero: direito à retificação do sexo de registro (Vanessa Scheremeta) ................................................................................................. 16 Alterações na lei de registros públicos (Thais Guimarães)................................................................................................................................... 17 Testamento e a possibilidade de exclusão de herdeiro necessário (deserdação) (Diana Geara)........................................................ 17

A gratuidade judiciária à luz do novo Código de Processo Civil (Aline Cristina Benção) ............................................................................ 18 Teto remuneratório deve ser analisado de forma individual (Alexsandro Ribeiro Martins) ............................................................................ 18A possibilidade do reconhecimento de união estável em inventário (Ana Letícia Kroetz de Oliveira)........................................................... 18Marco Civil da Internet e responsabilização dos provedores por conteúdo ofensivo (Giuliano Sthefano Dohms Preti) ........................19Requisitos para a progressão e regressão de regime de cumprimento de pena (Nathalia Schuster Reis) ................................................19 Flexibilização da impenhorabilidade salarial (Jayne Caroline Souza Skrepka) .......................................................................................................19

ÍNDICE

EDITORIAL

LEGISLAÇÃO

DIREITO CRIMINAL

DIREITO ADMINISTRATIVO

DIREITO CIVIL

DIREITO DO CONSUMIDOR

DIREITO DE FAMÍLIA E SUCESSÕES

ESPAÇO LIVRE DOS ESTAGIÁRIOS

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ESTAGIÁRIO:PROFISSÃO ESPERANÇA

EDITORIAL

As atividades humanas são motivadas pelo sentimento da esperança que, no

dizer do célebre filósofo grego ARISTÓTELES (384-322 a.C.), “é o sonho do homem

acordado”. A esperança do escritor é ver o seu texto admirado; do médico, é curar o

paciente; do construtor, é fazer a boa casa; do jornalista, é o sucesso da reportagem,

e assim vai. Em qualquer profissão, a esperança é o fim e o cabo de um trabalho. Mas

existe um ofício no qual a esperança é o trabalho em si mesmo. É o ofício do estagiário.

No campo das atividades ligadas ao Direito e à Justiça o estágio é o exemplo de

que as horas e os dias, o tempo, enfim, dedicado pelo estudante se confunde com as

funções que possam vir a ser exercidas no futuro. Professor de Direito? Jurista? Juiz?

Advogado? Membro do Ministério Público? Delegado de Polícia? A qual delas estará

ele(a) afeiçoado(a) ou realizado(a) pessoalmente? A remuneração (ou bolsa-auxílio)

pode ser pequena, pois o fundamental é o proveito auferido no contato com a prática

do Direito e da Justiça, na expectativa de vencer na vida. E o que é vencer na vida?

Para o bom profissional da carreira jurídica, vencer na vida é obter a tranquilidade

de espírito, a respeitabilidade intelectual, o reconhecimento da competência e o con-

forto material para uma vida digna.

O estagiário não deve ter pressa na opção da área jurídica ou da segurança pecu-

niária, porque tais resultados não dependem somente do empenho individual, mas,

também, de circunstâncias. Nem por isso ele deve permanecer ocioso, negligente ou

indiferente aos sinais e aos avisos que de vez em quando aparecem no seu radar. Há

um simples conselho religioso que vale agora como lição: “faça a diligência que Deus

o ajudará”.

Existe um campo imenso de liberdade no universo do estagiário. Embora a incer-

teza quanto ao futuro possa ser um fator de perturbação ou desconforto, o essencial

é viver a experiência do presente: carpe diem. Ele deve pesquisar com entusiasmo,

estudar com afinco e auxiliar com apego, tendo a vantagem de não estar vinculado

profissionalmente ao veredicto da causa para a qual contribuiu.

RENÉ ARIEL DOTTI

“Dormir é consequência do viver, e o sonhar, do modo como se vive”.

Padre ANTÔNIO VIEIRA (1608-1697), a maior expressão da eloquência sacra

de Portugal.

PENSAMENTO

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Em festa realizada em 18/10/2017, no Graciosa Coun-try Clube, o ESCRITÓRIO PROFESSOR RENÉ DOTTI come-morou a abertura de sede em Brasília e o lançamento da obra Temas de Direito Sancionador.

O evento contou com a presença de aproximadamen-te 400 pessoas e do cartunista Ziraldo, amigo e cliente do Escritório. Ele contou histórias de sua carreira e da atuação da DOTTI E ADVOGADOS na defesa de seus interesses. Na ocasião, foi lançada a obra Temas de Direito Sancionador, do CENTRO DE ESTUDOS PROFESSOR DOTTI, em coedição com a Editora Revista dos Tribunais, em comemoração aos 55 anos da Dotti e Advogados.

Coordenada pelo Advogado FRANCISCO ZARDO, o li-vro é uma coletânea de artigos escritos por 27 profissionais que integram a DOTTI E ADVOGADOS e aborda as sanções em diversas áreas. Os textos versam sobre Direito Adminis-trativo, Ambiental, Civil, do Consumidor, Criminal, Econô-mico, Família e Processual Civil, sempre buscando conciliar a efetividade da lei e o respeito às garantias individuais.

Segundo o prefácio do Desembargador RUI STOCO, do Tribunal de Justiça de São Paulo, o livro “consorcia virtudes de diferentes naturezas e enfoques, à mercê da pluralidade de au-tores e de suas formações jurídico-profissionais diversificadas”.

SEÇÃO INFORMATIVA

O Professor RENÉ ARIEL DOTTI presidiu mesa no 1º Congresso Ibero-Americano de Direito Penal e Filosofia da Linguagem, realizado nos dias 24 e 25 de agosto de 2017, no Teatro Bom Jesus (Curitiba/PR).

No dia 02/10/2017, proferiu palestra, na OAB-PR, com

o tema “Ampla Defesa e limitações à audiência reservada”,

no III Simpósio de Direito Penal, Criminologia e Direito

Processual Penal, organizado pelo Centro de Estudos e

Pesquisas Criminais, vinculado à Universidade Positivo.

A Advogada ROGÉRIA DOTTI palestrou, em 29/08/2017, sobre “Medidas de urgência no Direito Imobili-ário” no curso de pós-graduação da Universidade Positivo.

Em 15/09/2017, abordou o tema “Decisão parcial de mérito” no IV Congresso de Direito Processual Civil de Mato Grosso do Sul.

Ela esteve em Simpósio em homenagem à Professo-ra Teresa Arruda Alvim, na AASP, em São Paulo. O evento, realizado nos dias 21 e 22 de setembro, abrangeu vários

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O Advogado ALEXANDRE KNOPFHOLZ presidiu a mesa “Justiça Penal Negociada e Coerção”, no 23º Seminário In-ternacional de Ciências Criminais, promovido pelo IBCCrim (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais) em São Paulo, nos dias 29/08 a 01/09. Na ocasião, foi proferida palestra pela Dra. LORENA BACHMAIER WINTER, professora da Universidad Complutense de Madrid.

O Advogado GUSTAVO SCANDELARI proferiu palestra, em 04/10/2017, na OAB-PR, com o tema “Compliance e Res-ponsabilidade Penal da Pessoa Jurídica”, no III Simpósio de Di-reito Penal, Criminologia e Direito Processual Penal, organiza-do pelo Centro de Estudos e Pesquisas Criminais, vinculado à Universidade Positivo:

painéis sobre o novo CPC e a Advogada participou do pai-nel sobre recursos.

Em 25 de setembro, proferiu palestra sobre “O Direito das mulheres (evolução histórica)”, na XXIII Semana de His-tória da Academia Paranaense de Letras e Instituto Históri-co e Geográfico do Paraná.

No dia 29 de setembro, palestrou sobre “Tutela Provi-sória” no Ciclo Permanente de Estudos Jurídicos, realizado pela Escola Superior de Advocacia do Paraná, em Foz do Iguaçu/PR.

Em parceria com os Professores EDUARDO CAMBI, PAULO EDUARDO D´ARCE PINHEIRO, SANDRO GILBERT MARTINS e SANDRO MARCELO KOZIKOSKI, em 04/10/2017, ROGÉRIA DOTTI lançou a obra “Curso de Processo Civil”:

Em 25/07/2017 o Advogado GUSTAVO SCANDELARI participou do projeto social Ruas (Ronda Urbana de Ami-gos Solidários), na cidade do Rio de Janeiro. Sua partici-pação foi voltada ao atendimento de moradores de rua durante a madrugada, esclarecendo dúvidas relativas à execução penal e à abordagem policial. O projeto, em-bora recente, já foi reconhecido internacionalmente e tem produzido excelentes resultados junto à população carente. Para mais informações e contribuições, acesse: www.projetoruas.org.br.

No dia 23 de agosto, o Advogado FRANCISCO ZARDO proferiu palestra no XVIII Congresso Paranaense de Direi-to Administrativo sobre a Realização de Direitos Sociais e Formação de Políticas Públicas. No dia 22 de setembro, ele proferiu palestra sobre Sanções na Lei das Estatais, no seminário sobre Direito Público Empresarial realizado na Escola da Magistratura do Tribunal Federal da 2ª Região, no Rio de Janeiro.

A Advogada ANA CRISTINA VIANA conquistou, no dia 27 de outubro, a 3ª colocação no Concurso de Artigos do XXXI Congresso Brasileiro de Direito Administrativo com trabalho realizado sobre a temática de controle da corrupção e mecanismos de participação social. A coor-denadora da Comissão do Concurso ressaltou a qualida-de dos 30 trabalhos apresentados, e que eles “possuem temática relevante e alto grau de profundidade”.

O concurso de artigos é promovido anualmente pelo Instituto Brasileiro de Direito Administrativo e o Congres-so é considerado o maior da área no país. A 31ª edição do evento ocorreu na cidade de Cuiabá, no Mato Grosso.

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No Brasil, o processo penal é, em regra, dividido em duas fases bem definidas: a fase de inquérito que, normalmente, é conduzida pela Polícia Civil ou Federal; e a ação penal, que tramita perante o Poder Judiciário. O primeiro procedimento ser-ve de suporte para o segundo, que culmi-na com a absolvição ou condenação do acusado.

Muito se fala da atuação do advogado em juízo, na defesa do réu ou lutando pe-los interesses da vítima, como querelante ou assistente de acusação. Contudo, a sua participação na fase policial é matéria pouco explorada e, até mesmo, desco-nhecida por boa parte da população.

Na defesa dos interesses da víti-ma, a participação de um profissional da advocacia na fase policial é de ex-trema relevância. Com efeito, se é cer-

to que qualquer pessoa pode pedir a instauração de um inquérito policial (chamados Boletins de Ocorrência), é igualmente correto que, dada a carga oceânica de procedimentos nas dele-gacias de polícia, este sequer é instau-rado ou caminha a passos lentos. Daí porque é recomendável a atuação efe-tiva de um advogado, que pode fazer um bem elaborado pedido de abertu-ra de inquérito, juntando desde logo eventuais provas e sugerindo outras, bem como contribuindo com a auto-ridade policial para o bom andamento das investigações. Sua atuação proati-va é fundamental para que a investiga-ção não se eternize ou fique esquecida nos escaninhos das delegacias. Com isso, a ação penal será iniciada de for-ma mais rápida e robusta.

Se o objetivo é a defesa do acusado, não menos importante é a atuação do advoga-do. É certo que, por se tratar de uma fase inquisitiva, sua participação é menor do que na fase judicial. Contudo, desde logo é possível estabelecer a estratégia de defesa, sugerir provas (CPP, art. 14) e demonstrar a inexistência de um crime, a ausência de autoria ou a incidência de alguma causa excludente de ilicitude. Tais medidas visam evitar a instauração de uma ação penal, com o imediato arquivamento da persecu-ção criminal. O incremento da participação do advogado nessa fase é comprovado, por exemplo, pela edição da Lei n.º 13.245/2016 que, dentre outras disposições, garante ao defensor o acesso aos autos do inquérito, bem como determina a obrigatoriedade de assistência ao investigado em atos de inter-rogatórios e depoimentos.

O papel do Advogado no Inquérito Policial

ALEXANDRE KNOPFHOLZ

Legislação - Mudanças relevantes

LEGISLAÇÃO

DIREITO CRIMINAL

Lei nº 13.484/2017, de 26/09/2017 (Publicada no DOU de 27/09/2017)

Altera a Lei de Registros Públicos (nº 6.015/1973)Confira maiores informações no artigo da Advogada THAIS GUIMARÃES

Lei nº 13.486/2017, de 03/10/2017 (Publicado no DOU de 04/10/2017)

Altera o Código de Defesa do Consumidor, para determinar que “o fornecedor deverá higienizar os equipamentos e utensílios utiliza-dos no fornecimento de produtos ou serviços, ou colocados à disposição do consumidor, e informar, de maneira ostensiva e adequada, quando for o caso, sobre o risco de contaminação”.

Lei nº 13.488/2017, de 06/10/2017 (Publicada no DOU de 06/10/2017)

Promoveu a reforma no ordenamento político-eleitoral.

Lei nº 14.489/2017, de 06/10/2017 (Publicada no DOU de 06/10/2017)

Alterou a Lei dos Cartórios (nº 8.935/1994), regulamentando dispositivo da Constituição Federal e determinando que, “aos que in-gressaram por concurso, nos termos do art. 236 da Constituição Federal, ficam preservadas todas as remoções reguladas por lei estadu-al ou do Distrito Federal, homologadas pelo respectivo Tribunal de Justiça, que ocorreram no período anterior à publicação desta Lei”.

Lei nº 13.491/2017, de 13/10/2017 (Publicada no DOU de 16/10/2017)

Altera o Código Penal Militar para incluir, em seu art. 9º, novas hipóteses de crimes considerados militares em tempo de paz.

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Sentença que exige trânsito em julgado pode impedir a execução provisória da pena

GUSTAVO SCANDELARI

O Ministro RICARDO LEWANDOWSKI, na condição de relator do Habeas Corpus nº 13620, constatou, na sessão de 08/08/2017, que, embora o SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA houvesse deter-minado a execução provisória da pena do réu em um caso concreto, tanto a senten-ça de primeiro grau quanto o acórdão de segunda instância haviam condicionado o início do cumprimento da pena ao trân-sito em julgado da condenação. Por isso, considerou que o STJ “revogou um direito que lhe [ao réu] tinha sido conferido desde a primeira instância, sem contestação pelo Ministério Público, agravando indevida-mente” a situação do paciente. Entendeu que “houve reformatio in pejus, pois a con-

dicionante de início da execução da pena somente após o trânsito em julgado já con-figurava coisa julgada em favor do réu.” Os Ministros GILMAR MENDES e CELSO DE MELLO acompanharam o voto; ao que o Ministro EDSON FACHIN pediu vista e o julgamento ainda está por concluir.

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO PARANÁ, em causa patrocinada pela DOTTI E AD-VOGADOS, prolatou pioneira decisão, em 06/07/2017, no mesmo sentido: “deve ser ressaltado que a sentença condenatória as-segurou ao paciente o direito de recorrer em liberdade, de modo que, como esse aspecto não foi objeto de recurso por parte do Mi-nistério Público, (...) tal situação implicaria a formação da coisa julgada no ponto. (...) A

antecipação do cumprimento da pena, no caso singular sob exame, somente poderia ocorrer mediante um pronunciamento es-pecífico e justificado que demonstrasse, sa-tisfatoriamente, e com base em elementos concretos, a necessidade da custódia cau-telar” (HC 1661123-3, 2ª C. Crim., Rel. Des. LUÍS CARLOS XAVIER, DJ de 04/08/2017).

Essa vigorosa e humana orientação pretoriana que se vem desenhando é mais um inegável sinal deste importante processo de abandono da recente, porém absolutamente paradoxal ideia de que os cidadãos brasileiros devem já cumprir pena ao mesmo tempo em que poderão vir a ser declarados inocentes, em sede re-cursal, pelo Poder Judiciário.

Medida Protetiva: uma nova consequência de seu descumprimento

RAFAEL DE MELO

A Lei nº 11.340/2006 (Lei Maria da Pe-nha) prevê a possibilidade de concessão de medida protetiva de urgência quando verificada a necessidade da ofendida.

Atualmente, havendo o descumpri-mento das medidas impostas, será o fato comunicado ao juiz, que decidirá quanto à necessidade de providências, podendo, se presentes os requisitos legais, decretar a prisão preventiva do agressor.

O procedimento legal acima descrito, em determinadas situações, gera sensa-ção de inefetividade da lei, pois, em razão do trâmite processual, o decurso do tem-po entre o descumprimento e a resposta do Judiciário, pode-se estender além do suportável para a vítima.

Com o objetivo de otimizar e dar maior efetividade à proteção da vítima, o Senado Federal votará projeto de lei que inclui no texto da Lei Maria da Penha a previsão de que “O descumprimento da determinação judicial concedida em medi-das protetivas desta Lei é crime punido com detenção de 30 (trinta) dias a 2 (dois) anos.”

Em linhas gerais, referida previsão

nada mais é que a inserção no texto da lei, do tipo penal de desobediência, o que até então não era aceito pela doutrina e juris-prudência, justamente ante a ausência de previsão legal.

Em caráter prático, o que muda é o procedimento a ser adotado no momen-to em que ocorrer o descumprimento da medida protetiva.

Atualmente, se descumprida a medi-da protetiva é acionada a Polícia Militar e esta nada pode fazer senão conciliar as partes e orientar o agressor para que

cumpra a determinação legal, pois não existe nesta situação nenhum crime sen-do cometido. Neste caso, o Juiz poderá decretar, posteriormente, a prisão pre-ventiva do agressor.

Se aprovado o projeto de lei, quando for constatado o descumprimento de me-dida protetiva e acionada a Polícia Militar, as partes serão conduzidas até a delega-cia da Polícia Civil, a fim de que seja la-vrado termo circunstanciado, pois estará caracterizada a prática de crime de menor potencial ofensivo.

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Violência doméstica e repercussões penaisLUIS OTÁVIO SALES

O acordo de não-persecução criminal e a ampliação da transação penal

GUILHERME ALONSO

O SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTI-ÇA aprovou no mês de setembro pas-sado as Súmulas 588 e 589, consoli-dando orientações jurisprudenciais relacionadas à intervenção penal no âmbito das relações domésticas (Lei nº 11.340/2006 – Lei Maria da Penha). Com a primeira (588), definiu-se: “a prática de crime ou contravenção penal contra a mulher com violência ou grave ameaça no ambiente doméstico impos-sibilita a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos”. Nesse caso, mesmo que o acusado cometa uma infração penal de menor potencial ofensivo (pena máxima de 2

anos), não será possível a substituição da pena de prisão por restritiva de di-reitos quando houver violência ou gra-ve ameaça (ao contrário de crimes co-metidos fora do ambiente das relações domésticas: STJ, HC 209.154/MS, 6ªT., julgado em 11/10/2011). Vale ressaltar, porém, que o SUPREMO TRIBUNAL FE-DERAL possui entendimento de que, em caso de contravenção penal (não crime), é possível, sim, a aplicação de pena restritiva de direitos (p.ex.: vias de fato). Esclareça-se, também, que não se aplicam aos crimes praticados nas rela-ções domésticas os benefícios da sus-pensão condicional do processo e da

transação penal por expressa vedação legal (Lei nº 11.340/2006, art. 41).

Pela segunda Súmula (589), por sua vez, ficou estabelecido: “é inaplicável o princípio da insignificância nos crimes ou contravenções penais praticados contra a mulher no âmbito das relações domés-ticas”. Portanto, mesmo quando o fato concreto for de baixíssima gravidade, ainda assim será penalmente relevante e, portanto, punível, em função da peri-culosidade social e reprovabilidade de comportamentos dessa natureza. Acres-cente-se, por fim, que tampouco even-tual reconciliação entre o casal admite extinção da causa penal.

Em 7 de agosto de 2017, o Conselho Nacional do Ministério Público, ainda sob a presidência do então Procurador Geral da República, RODRIGO JANOT, aprovou a Resolução nº 181/2017, que prevê, em seu Capítulo VII, a figura do “Acordo de Não-Persecução Criminal”. Em resumo, o art. 18 da referida resolu-ção estabelece a possibilidade de o re-presentante do Ministério Público, dian-te de delito cometido sem violência ou grave ameaça à pessoa, “propor ao inves-tigado acordo de não-persecução penal, desde que confesse formal e detalhada-mente a prática do delito e indique even-tuais provas de seu cometimento”, entre outros requisitos (como a reparação do dano, a renúncia a bens e direitos etc.).

Na prática, trata-se de uma amplia-ção, sem o intermédio do Poder Legisla-tivo, do instituto da transação penal, que é previsto na Lei nº 9.099/1995 (Lei dos Juizados Especiais) e tem a função de abreviar o trâmite de processos que en-volvam crimes de menor potencial ofen-sivo (com pena máxima não superior a

dois anos) mediante a aplicação imedia-ta – sem processo – de pena restritiva de direitos ou multa. No caso da Resolução nº 181/2007, ampliar-se-ia a transação para um leque muito mais abrangente de crimes, em moldes similares ao que se verifica em países em que se adota o ins-tituto do plea bargaining (como os EUA, pressupõe a confissão do acusado como

condição para a aplicação imediata de uma pena mais branda).

A medida provocou reação da Asso-ciação dos Magistrados Brasileiros e do Conselho Federal da Ordem dos Advo-gados do Brasil, que, respectivamente, ajuizaram as Ações Diretas de Inconsti-tucionalidade nº 5790 e 5793 perante o Supremo Tribunal Federal.

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Contrair uma ou mais multas de trânsito é um transtorno que muitos motoristas experimentam, especial-mente pela expansão da fiscalização eletrônica. De acordo com a Secretaria Municipal de Trânsito de Curitiba (SE-TRAN), nos 7 primeiros meses do ano foram expedidas mais de 185 mil mul-tas por excesso de velocidade e quase 130 mil por estacionamento irregular.

A regra, para a maioria das infrações, é o proprietário do veículo indicar o condutor responsável, que terá os pon-tos anotados em sua carteira de habili-tação. Para evitar o acúmulo de pontos e a possível suspensão do direito de dirigir, muitas pessoas indicam um pa-rente ou amigo – existe, até, o comércio de pontos da CNH, em que eles são uti-lizados como moeda de venda.

O que muitos não sabem é que essa prática pode configurar o crime de fal-sidade ideológica, punido com pena de 1 a 5 anos de reclusão. Tanto o respon-

sável pela infração, como quem aceita assumi-la, podem responder pela mes-ma conduta incriminada. O assunto já foi analisado pelo SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, que, em determinando caso, decidiu: “a pretensa conduta (...) de fazer declaração falsa na notificação da penalidade (...) denota potencialida-de lesiva e possibilita a abertura da ação penal pelo delito de falsidade ideológica, não se mostrando, portanto, nesse limiar, atípico o agir” (STJ – RHC 65485 – MIN. MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA – DJe de 08/11/2016).

Em defesa daquele que vier a res-ponder, pode-se cogitar o desconheci-mento sobre a configuração de crime, dada a trivialidade da conduta (o cha-mado erro de proibição). De qualquer forma, considerando-se a possibilidade de um processo criminal e suas agruras, deve-se sempre indicar ao órgão de trânsito o condutor verdadeiramente responsável pela infração.

Multas de trânsito: é crime indicar condutor diverso do real?

BRUNO CORREIA

Com frequência, a prática de cri-mes contra a honra (difamação, injúria e calúnia) por parlamentares é noti-ciada nos meios de comunicação. Da mesma forma, a impunidade em boa parte desses casos é notória, gerando dúvidas sobre a incidência e os limites da imunidade parlamentar no âmbito criminal. Afinal, podem os mandatá-rios “falar o que bem entendem” sem ser responsabilizados criminalmente por suas palavras? Ofender os outros não é crime?

A Constituição da República prevê, em seus artigos 29 e 53, a inviolabili-dade dos parlamentares em razão de suas opiniões, palavras e votos, garan-

tindo-lhes o direito de livre expressão no exercício de seus mandatos. Assim, para o cumprimento de sua missão com autonomia e independência, a CF outorga aos parlamentares verdadeira garantia institucional – prestando ho-menagem ao interesse público.

Porém, esta imunidade não é abso-luta. O limite não é óbice à atividade política, mas, impede o prejuízo a ou-tros direitos e garantias fundamentais, igualmente invioláveis por expressa previsão constitucional: ”art. 5º: (...): X - são invioláveis a intimidade, a vida pri-vada, a honra e a imagem das pessoas”. O fato de o parlamentar contar com tal imunidade – desde que no efetivo

exercício da função política – não sig-nifica que está autorizado a atropelar garantias individuais alheias.

Nesse sentido, os Tribunais Su-periores defendem a relativização da imunidade parlamentar, o que a tornaria inaplicável a crimes contra a honra cometidos em situações que não guardem vínculo direto com o exercício do mandato. O parlamentar não pode valer-se do direito listado pela Constituição para satisfazer an-seios pessoais ou propósitos vingati-vos, quando a defesa dos interesses de seus mandatários é abandonada em prol do criminoso desejo de denegrir a honra de outrem.

Imunidade parlamentar e responsabilidade criminal: delitos contra a honra

FERNANDA LOVATO

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Em 20 de setembro de 2017, ao jul-gar o Recurso Extraordinário nº 870.947, o SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL declarou que é inconstitucional o art. 1º-F da Lei nº 9.494/1997, na parte em que estabelece que as condenações impostas à Fazenda Pública deveriam ser atualizadas moneta-riamente pela TR - Taxa Referencial. Em seu lugar, o STF adotou o Índice de Preços ao Consumidor (IPCA-E).

Esta decisão é importante, porque ha-via quase 90 mil processos suspensos no Poder Judiciário, aguardando a orientação do Supremo, que terá repercussão geral. Ademais, a TR não é um índice adequado para recompor a inflação. Como a Fazenda Pública costuma demorar para quitar suas dívidas, a incidência da TR gerava uma de-fasagem muito grande no crédito do par-ticular.

Além da atualização monetária pelo IPCA, o STF decidiu que as dívidas da Fa-zenda oriundas de relação não-tributária

As dívidas da Fazenda Pública devem ser corrigidas pelo IPCA e não pela TR

FRANCISCO ZARDO

devem sofrer também a incidência de ju-ros de mora segundo índice da caderneta de poupança, que é de 0,5% ao mês ou 70% da taxa Selic ao ano, quando esta for igual ou inferior a 8,5%, como ocorre atu-almente.

Caso o débito da Fazenda seja oriundo de relação jurídico-tributária, devem ser

aplicados em favor do cidadão os mes-mos juros de mora pelos quais a Fazenda Pública remunera seu crédito tributário, em respeito ao princípio constitucional da igualdade. Ou seja, quando a Fazenda for a devedora ela deverá pagar ao cidadão os mesmos juros que ela impõe a este na condição de credora.

Atividades culturais e remição da penaANNA ASHLEY DELIMA

No dia 26 de setembro deste ano, a Sexta Turma do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA decidiu, em Recurso Especial, que a participação em coral pode ser compu-tada para remição de pena. No caso do julgado, o preso dedicava cerca de 8 horas diárias de trabalho a um coral em Vila Ve-lha (ES). O Ministro Relator SEBASTIÃO REIS JÚNIOR entendeu que a atividade desem-penhada cumpria com os requisitos para a remição, destacando, em seu voto, que: “a atividade musical realizada pelo reedu-cando profissionaliza, qualifica e capacita o réu, afastando-o do crime e reintegrando-o na sociedade. No mais, apesar de se encaixar perfeitamente à hipótese de estudo, vê-se,

também, que a música já foi regulamentada como profissão pela Lei 3.857/60”.

A remição da pena é instituto que busca a ressocialização do preso por meio do incentivo ao trabalho e ao estudo du-rante o seu cumprimento. O art. 126 da Lei de Execuções Penais prevê a remição de um dia de pena a cada três dias de tra-balho e de um dia de pena a cada doze horas de frequência escolar, divididas em no mínimo três dias.

Entretanto, a insuficiência material das instituições carcerárias de fornecer trabalho e estudo a todos os presos aca-ba por retirar-lhes essa oportunidade e abandoná-los à ociosidade. Em vista dis-

so, alguns estados têm buscado alterna-tivas para permitir a remição das penas, como no caso do Paraná, que, desde 2012, prevê a remição por leitura e ficha-mento de obras e textos literários pelos detentos.

Muitos presos, impossibilitados de se-rem implantados em vaga de trabalho ou de arcar, com seus próprios recursos, com estudos e cursos, dedicam-se a atividades esportivas, de artesanato e música dentro das instituições penais. A decisão do STJ foi um importante passo para reconhecer que essas atividades também poderão vir a contribuir para a ressocialização do pre-so, gerando, também, a remição da pena.

DIREITO ADMINISTRATIVO

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As novas regras para o setor de mineração

Em julho de 2017 o Governo Federal editou as Medidas Provisórias 789, 790 e 791, fixando uma série de novas diretrizes para o segmento da exploração mineral no Brasil.

A MP nº 789 trata dos critérios de apu-ração da CFEM – Compensação Financeira para Exploração de Recursos Minerais. Den-tre as alterações promovidas, destaca-se a mudança da base de cálculo de incidência da alíquota para a venda do minério, passando a incidir “sobre a receita bruta, deduzidos os tributos incidentes sobre sua comercializa-ção, pagos ou compensados, de acordo com os respectivos regimes tributários.” (art. 2º, I)

ANDRÉ MEERHOLZ

Escândalos de corrupção assolam o dia--a-dia dos brasileiros. São casos que, em con-junto, causam uma sensação de mal-estar co-letivo, o que faz com que muitas vezes se olhe de modo cético os rumos da política e da pró-pria sociedade. O fenômeno, contudo, não se restringe ao nosso país, sendo motivo de preocupação mundial. É o que se percebe da leitura do preâmbulo da Convenção das Na-ções Unidas contra a Corrupção, promulgado no Brasil mediante o Decreto nº 5.687/2006: “convencidos de que a corrupção deixou de ser um problema local para converter-se em um fenômeno transnacional que afe-ta todas as sociedades e economias, faz-se

necessária a cooperação internacional para preveni-la e lutar contra ela”.

E de que maneira que os organismos internacionais têm buscado enfrentar a corrupção? Mediante o estímulo de boas práticas a serem promovidas pela própria sociedade. No Brasil, essa ideologia pode ser vista na Lei nº 12.846/2013, conhecida como Lei Anticorrupção. Nela, foram inse-ridas normas que exigem e/ou incitam a prática de providências internas por par-te das empresas. E, o Decreto Federal nº 8.420/2015, que regulamenta a citada Lei, traz o Programa de Integridade que con-templa os instrumentos mínimos de pro-

cedimentos a serem promovidos por uma empresa no país para prevenir a prática de atos ilícitos. Dentre eles, destacam-se: o comprometimento da alta direção da pessoa jurídica; a inserção de padrões de conduta e códigos de ética; a realização de treinamentos periódicos e análises de ris-cos e controles internos.

Trata-se, em última análise, de normas que se adequam aos preceitos mundiais, que fazem prevalecer uma Cultura da In-tegridade. Esse é um caminho diverso da-quele que visa combater o fenômeno pelo viés moralista, mediante estrita punição a agentes públicos.

A cultura da integridadeANA CRISTINA VIANA

Já a MP nº 790 promoveu alterações no Código de Mineração. Dentre elas destaca--se a exclusão de autorização local para o regime de licenciamento, a redução para 30 (trinta) dias do prazo de interposição de recurso em caso de indeferimento de autorização ou prorrogação de pesquisa e a definição de critério mais claro para decretação de caducidade da lavra para a hipótese de descumprimento de notifica-ções da fiscalização.

Por fim, destaca-se da MP nº 791 a cria-ção da Agência Nacional de Mineração e a consequente extinção do Departamento Nacional de Produção Mineral, órgão que

até então regulava o exercício da atividade minerária no país. A ANM trata-se de uma nova agência reguladora, vinculada ao Ministério de Minas e Energia, voltada, so-bretudo a implementação de uma política nacional para o segmento de mineração.

As novas regras visam conferir maior dinamismo e estabilidade regulatória a um segmento chave na retomada do cresci-mento econômico, na condição de forne-cedor de insumos para a construção civil. Ainda, refletem a intenção do Governo em elevar sua arrecadação com a exploração minerária, pela elevação da base de inci-dência da CFEM.

Magistrado pode conceder entrevista sobre os casos que julga?

FERNANDA MACHADO

Segundo a 1ª Turma do Tribunal Re-gional Federal da 2ª Região, que julga os casos dos Estados do Rio de Janeiro e Es-pírito Santo, não há empecilho para que os juízes concedam entrevistas sobre os casos em que são responsáveis pelo jul-gamento dos processos.

A decisão foi tomada nas quatro exce-ções de suspeição apresentadas pela de-fesa do ex-governador SÉRGIO CABRAL, em face do juiz federal MARCELO BRETAS,

responsável pelos processos da Operação “Lava Jato”, no Estado do Rio de Janeiro.

Com efeito, segundo o parecer do Ministério Público Federal, “conceder en-trevistas está dentro da normalidade, prin-cipalmente se considerada a necessidade da transparência, com o maior interesse da população nas ações em curso. Isso, no entanto, não afasta o cuidado exigido nas declarações. Também por esse viés, não há nenhum indicativo de que a sua parciali-

dade esteja previamente comprometida”. Em outros termos, o mero fato de dar entrevista não afeta a imparcialidade do magistrado no momento de julgamento da causa.

Portanto, é possível a realização de entrevista por parte do juiz, sem que isso represente, por si só, alguma hipótese de suspeição do magistrado, conforme posi-cionamento do Tribunal Regional Federal da 2ª Região.

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A Constituição Federal outorga aos membros do Poder Legislativo a imuni-dade parlamentar para o desempenho de suas funções com grande liberdade. Den-tre as imunidades, destacam-se as ma-teriais – que garantem a inviolabilidade civil dos parlamentares por suas opiniões, palavras e votos (art. 53/CF). Todavia, não se tratam de prerrogativas absolutas: há exceções em casos específicos.

Segundo o STF, para que as manifes-tações parlamentares sejam relacionadas ao exercício do mandato, devem conter um teor minimamente político, referido a fatos que estejam em debate público, sob investigação dos órgãos estatais ou, ainda, que sejam de interesse da socie-

Imunidade parlamentar e responsabilidade civil: dano moral por ofensas pessoais

PATRÍCIA NYMBERG

dade e do eleitorado (Inq. 3932/DF).Na mesma linha, o STJ decidiu que

as opiniões ofensivas que não guardem nenhuma relação com o exercício do mandado não estão abarcadas pela imu-nidade e são aptas a gerar dano moral (Recurso Especial nº 1.642.310/DF, Rel. MIN. NANCY ANDRIGHI, DJe 18/08/2017).

Tal entendimento vale para ofensas veiculadas tanto no plenário da casa le-gislativa quanto em entrevista publicada na imprensa e na internet. O caso anali-sado envolve ofensas a uma parlamentar perpetradas por um deputado federal que, em discurso proferido na Câmara dos Deputados, em vídeo postado em sua página do YouTube e em entrevista

concedida à jornal de circulação nacional afirmou que não estupraria a Deputada porque ela não mereceria, referindo-se aos atributos físicos e intelectuais dela. Para a relatora, “a ofensa perpetrada toca em uma questão nevrálgica, de extrema sensibilidade para a sociedade brasileira, que é a violência contra a mulher. O ‘não merece ser estuprada’ constitui uma ex-pressão vil que menospreza de modo atroz a dignidade de qualquer mulher. Como se não bastasse, faz entender que uma violên-cia brutal pode ser considerada uma benes-se, algo bom para ocorrer na vida de uma mulher”. Com esse entendimento, man-teve-se a condenação ao pagamento de indenização por danos morais imposta.

DIREITO CIVIL

O SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA vem buscando conciliar duas vertentes relacio-nadas ao princípio da dignidade da pessoa humana: o direito ao mínimo existencial, isto é, o que uma pessoa necessita para manter condições dignas de vida, e o direito à satisfa-ção executiva, que pode ser traduzido como o direito que o credor tem de efetivamente receber o seu crédito.

A decisão foi proferida no Recurso Espe-cial nº 1673067-DF, no qual a possibilidade de penhora do salário do devedor – via de regra revestido de impenhorabilidade – voltou a merecer considerações. O caso tratava de um crédito oriundo de operação mercantil, tendo sido formulado pedido de penhora de parte da remuneração de sócio de uma empresa que sofrera a desconsideração da personalidade jurídica.

Em que pese a Corte tenha negado provimento ao referido recurso (diante da ausência de elementos concretos naquele caso), a Relatora, Ministra NANCY ANDRIGHI, destacou a tônica da nova orientação: “a ju-risprudência desta Corte vem evoluindo para admitir, em execução de dívida não alimentar,

a flexibilização da regra de impenhorabilidade quando a hipótese concreta dos autos revelar que o bloqueio de parte da remuneração não prejudica a subsistência digna do devedor e de sua família. Busca-se, nesse contexto, harmoni-zar duas vertentes do princípio da dignidade da pessoa humana – de um lado, o direito ao mí-nimo existencial; de outro, o direito à satisfação executiva (...)”.

Pela discussão que se instaurou naque-le feito, pode-se constatar uma disposição da Corte Superior a relativizar a impenho-rabilidade das verbas salariais, de modo a atender a satisfação de crédito de difícil recuperação. Por sua vez, o novo Código de Processo Civil, em seu art. 833, §2º, afasta expressamente a impenhorabilidade quan-do o valor for superior a 50 salários míni-mos. Ainda que esse piso seja alto (pois são poucas as pessoas com salário nesse mon-tante), o legislador demonstra uma ten-dência: o salário não é mais absolutamente impenhorável. Nesse sentido, a decisão do STJ demonstra que esse é um caminho sem volta. Tão importante quanto a subsistência do devedor é o respeito à efetividade da

execução. Afinal, quem deve, tem de pagar.Note-se, porém, que além das circuns-

tâncias habitualmente consideradas na análise desses pedidos, dentre as quais se destaca o esgotamento de outros meios de recebimento do quanto devido (busca de bens imóveis, saldos de contas correntes, automóveis etc.), o STJ exige que o credor comprove que o deferimento de sua preten-são não colocará em risco a subsistência do devedor. Com isso, admite-se algum impac-to sobre o padrão de vida do devedor, que naturalmente sofrerá decréscimo na justa medida da redução do ingresso de parte de seu salário. O que a Corte procurou dizer, no entanto, é que tal redução não poderá impli-car risco desproporcional ao benefício que se proporcionaria ao credor.

Para além de critérios evidenciados pelo próprio senso comum, como o direito à mo-radia e alimentação, provavelmente ainda haverá discussão sobre outros que poderiam ser afetados, como por exemplo o não pa-gamento de um seguro privado, ou de um plano particular de saúde. E isso, demandará uma análise caso a caso.

É possível a penhora de salário do devedor? A recente orientação do Superior Tribunal de Justiça

ROGÉRIA DOTTI E JULIO BROTTO

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E-mail pode comprovar a relação contratual e existência de dívida

Dentre as inovações trazidas pelo

Novo Código de Processo Civil está a pos-

sibilidade de se utilizar documentos ele-

trônicos como meio de prova, desde que

convertidos na forma impressa (art. 439) e

a sua validade seja aferida no caso concre-

to, juntamente com os demais elementos

de prova trazidos pelo autor.

O SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

analisou recentemente a utilização de

e-mail como prova escrita hábil para a

propositura de ação monitória. Com efei-

to, no julgamento do Recurso Especial nº

1.381.603/MS, de relatoria do Ministro

LUIS FELIPE SALOMÃO, concluiu-se que

“O correio eletrônico (e-mail) pode funda-

mentar a pretensão monitória, desde que

o juízo se convença da verossimilhança das

alegações e da idoneidade das declarações.

3. O exame sobre a validade, ou não, da cor-

respondência eletrônica (e-mail) deverá ser

aferida no caso concreto, juntamente com

os demais elementos de prova trazidos pela

parte autora”.

Como se vê, a orientação da Corte

atende a evolução da vida social, notada-

mente porque, como bem pondera o Mi-

nistro LUIS FELIPE SALOMÃO, atualmente

“há forte tendência de diminuição de docu-

mentos produzidos em meio físico, reduzin-

do consideravelmente o uso do papel. Tal

constatação também se mostra evidente no

âmbito das relações comerciais, cujas trata-

tivas são realizadas, em boa parte, por meio

eletrônico, bastando lembrar os serviços

bancários online (internet banking)”.

JOSÉ ROBERTO TRAUTWEIN

Avalistas não devem ser executados por dívida paga pelo codevedor originário

FERNANDO WELTER

Por definição, avalista é toda pessoa que, embora não seja titular da dívida, por ela se torna responsável exclusivamente com escopo de garantia frente a um pos-sível inadimplemento do devedor originá-rio. Se este paga normalmente o débito, a garantia perde sua razão de ser e o avalista não pode ser compelido a reembolsar o de-vedor.

Foi o que decidiu a Quarta Turma do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA no julga-mento do Recurso Especial nº 1.333.431, ao reconhecer a ilegitimidade de um grupo de

avalistas para responder, em processo de execução, por dívida que foi quitada por um dos devedores originários. O pedido execu-tivo foi apresentado pela própria empresa que pagou o débito, porém, o colegiado entendeu que os avalistas só poderiam res-ponder pelo pagamento perante o credor originário, e não em relação ao codevedor que assumiu a totalidade da dívida.

A decisão das instâncias locais havia re-conhecido a legitimidade dos avalistas com base no art. 899, do Código Civil.

De acordo com o STJ, “o adimplemento,

em sentido amplo, realizado por qualquer um dos devedores solidários, a todos os demais aproveita, total ou parcialmente, a depender da parcela quitada”. Prosseguiu a decisão considerando que, se o débito foi quitado pelo seu responsável primitivo e natural, não poderão os responsáveis secundários (avalistas) sofrer qualquer cobrança do de-vedor que pagou a dívida.

Assim, o julgamento realizado pelo STJ representa um importante precedente para a segurança jurídica nos negócios que con-tém garantia consubstanciada em aval.

Condomínio: responsabilidade por furtosVANESSA CANI

O SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, a exemplo do entendimento externado no julgamento do AgRg no AREsp 9107/MG, é firme no sentido de que o Condomínio somente será responsável pela repara-ção de danos decorrentes de furtos ha-vidos nas áreas comuns e autônomas do edifício se expressamente previsto em sua convenção: “A presença da cláusula é condição para a responsabilização do condomínio nos termos da jurisprudência pacífica desta Corte”. Isso significa que somente haverá obrigação de reparar o

dano suportado pelo condômino lesa-do por ato de terceiro se existir, em suas normas internas ou em documentos que traduzam as deliberações tomadas pelos condôminos, condição expressa sujeitan-do-o a essa responsabilidade. A exclusão de referida obrigação revela a ausência de interesse dos condôminos em dividir o prejuízo sofrido por um deles.

Situação diversa, no entanto, veri-ficou-se no AgInt no REsp 1459179/RJ, quando a Corte Especial manteve decisão do Tribunal de origem para condenar o

Condomínio ao pagamento dos danos decorrentes de furto, ao fundamento de que sua responsabilidade decorria da má escolha do preposto na prestação do ser-viço. Ou seja, ao eleger mal, “assumiu o ris-co do empreendimento”. Portanto, em si-tuações pontuais, quando o Condomínio, objetivando proporcionar segurança aos condôminos, contrata empresa especiali-zada e repassa o custo do serviço, poderá haver a sua responsabilização, com ou sem a previsão da sua responsabilidade em convenção.

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A tecnologia a favor do cidadãoCÍCERO LUVIZOTTO

A Constituição Cidadã, nome pelo qual a carta magna ficou conhecida, está pres-tes a completar 30 anos.

O nome, como disse o VICTOR CRESPO, Presidente da Assembleia da República de Portugal, ao saudar o Deputado ULYSSES GUIMARÃES na sessão solene de promul-gação da Constituição em 5 de outubro de 1988, foi uma “forma feliz de exprimir um dos seus aspectos essenciais: o destaque dado ao indivíduo em face do Estado”.

Como se sabe, um dos direitos funda-mentais do cidadão é o acesso à justiça, prestada de maneira eficiente e célere a fim de que não ocorra o perecimento de um direito.

Ocorre, todavia, que as dimensões continentais do Brasil muitas vezes impe-diam que audiências ou julgamentos fos-sem realizadas em tempo razoável. A sim-ples distribuição de uma carta precatória, instrumento utilizado para ouvir pessoas que residem em localidade diversa da-quela que tramita a ação, gerava custos e demandava muito tempo. Felizmente, a realidade está mudando.

Dois casos são emblemáticos e de-

Direito ao esquecimento?LAÍS BERGSTEIN

Não raras vezes a inexistência de enunciação expressa acerca de deter-minado direito é invocada como argu-mento para afastar a tutela jurisdicional, confundindo-se, indevidamente, a lei com o Direito. Esta é grande parte da problemática envolvendo os julgamen-tos concernentes ao direito ao esqueci-mento no Brasil.

Trata-se do direito de não ser lem-brado contra sua vontade no tocante a fatos desabonadores, de natureza crimi-nal, ou nos quais se envolveu, mas que, posteriormente, fora inocentado. Mais recentemente, pleito semelhante tem sido formulado por familiares de vítimas de crimes de repercussão na imprensa,

assim como por condenados que já cum-priram a sua pena e tiveram extinta a pu-nibilidade. Não limitado a essas situações, o direito ao esquecimento pode alcançar inúmeros outros casos nos quais o direi-to à privacidade conflita com o direito à informação ou à liberdade de expressão.

A temática ganhou especial atenção com o reconhecimento, pelo SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, da repercussão ge-ral no Recurso Extraordinário com Agra-vo no 833.248/RJ, ainda sem previsão para julgamento até o fechamento da edição deste Boletim. A doutrina espe-cializada orienta pelo reconhecimento desse direito, consagrando os Enuncia-dos no 531, na VI Jornada do Conselho

da Justiça Federal–CJF, e no 576, da VII Jornada do CJF, respectivamente: “a tu-tela da dignidade da pessoa humana na sociedade da informação inclui o direito ao esquecimento” e “o direito ao esque-cimento pode ser assegurado por tutela judicial inibitória”.

Esse pleito legítimo relaciona-se à esperança do jurisdicionado que ob-jetiva guardar certas passagens de sua vida no passado. A percepção das in-fluências recíprocas entre o tempo e o Direito é imperiosa para se assegurar a efetiva tutela da dignidade humana, es-pecialmente no que diz respeito à cons-trução do seu projeto de vida e à auto-determinação da sua personalidade.

monstram o quanto a tecnologia pode auxiliar o Poder Judiciário.

No primeiro exemplo, a Desembarga-dora MÔNICA LIBÂNIO, da 11ª Câmara Cí-vel do TJ/MG, deu grande demonstração de sensibilidade e de cuidado com o juris-dicionado. No caso em análise, as partes, que residiam em comarca distante 260 km de Belo Horizonte, foram ouvidas pela Ma-gistrada por meio do Skype.

No segundo caso, o Juiz da 3ª Vara Cri-

minal de Porto Velho/RO, FRANKLIN VIEIRA DOS SANTOS, utilizou o serviço de chama-da de vídeo do WhatsApp para a oitiva de testemunha que residia na Itália. Com isso, segundo seu entendimento, reduziu em aproximadamente 1 ano o tempo de tra-mitação do processo.

Que esses exemplos se transformem em regras para que a prestação jurisdicio-nal chegue ao cidadão em tempo razoável e com a qualidade almejada.

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Oficina mecânica não pode reter veículo por falta de pagamento do serviço

O fornecedor pode cobrar mais caro daquele que paga a prazo?

PATRÍCIA MARTINELLI

GIULIANE GABALDO

Em recente decisão, o SUPERIOR TRI-BUNAL DE JUSTIÇA definiu que a oficina mecânica que realiza reparos em veículo com a devida autorização do proprietá-rio não pode retê-lo por falta de paga-mento do serviço.

A discussão era para saber se a reten-ção do veículo por parte da oficina me-cânica, sob a justificativa da realização de benfeitorias no bem, é conduta legí-tima ou caracteriza esbulho, ensejador da propositura da demanda possessória.

Nos termos do art. 1.219, do CC/2002, o direito de retenção exsurge da realiza-ção de benfeitoria por parte do possui-dor de boa-fé, sendo fundamental veri-

ficar se a oficina era, de fato, possuidora do veículo e, dessa forma, estaria alber-gada pela hipótese legal e excepcional de retenção do bem, ou se seria mera detentora do automóvel, circunstância em que não estaria autorizada a sua re-tenção, sob a justificativa da realização de benfeitorias.

A questão foi solucionada no Recur-so Especial nº 1.628.385/ES, de Relatoria do Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUE-VA que, ao realizar uma objetiva distin-ção entre posse e retenção, definiu que os atos possessórios são exercidos em nome próprio, ou em proveito próprio, enquanto na retenção, os atos são exer-

cidos em nome ou proveito alheio.Em outras palavras, quando o veícu-

lo é deixado pelo proprietário somente para a realização de reparos, jamais a empresa poderia exercer poderes ine-rentes à propriedade do bem, relativos à sua fruição ou mesmo inerentes ao referido direito real (propriedade), nos termos do art. 1.196 do CC/2002. Con-clui-se, portanto, que a oficina não po-derá exercer o direito de retenção, sob a alegação da realização de benfeitoria no veículo, pois, nos termos do art. 1.219 do CC/2002, tal providência é permitida ao possuidor de boa-fé, mas não ao mero detentor do bem.

Embora não houvesse regramento es-pecífico sobre o tema, o SUPERIOR TRIBU-NAL DE JUSTIÇA entendia ser vedado ao fornecedor de produtos e serviços estabe-lecer diferença de preços, seja em virtude do prazo de pagamento – se à vista ou em parcelas –, seja em razão do instrumento utilizado para a compra – se em dinheiro, cheque ou cartão.

Isso porque o Código de Defesa do Consumidor veda ao fornecedor, dentre outras práticas abusivas, “exigir do consu-midor vantagem manifestamente exces-siva” e “elevar sem justa causa o preço de produtos ou serviços” (art. 39, incisos V e X). Ainda, porque a Lei nº 12.529/2011 – lei que disciplina a defesa da concorrência – prevê como infração à ordem econômica “discriminar adquirentes ou fornecedores de bens ou serviços por meio da fixação dife-renciada de preços, ou de condições opera-cionais de venda ou prestação de serviços” e “recusar a venda de bens ou a prestação de

DIREITO DO CONSUMIDOR

serviços, dentro das condições de pagamen-to normais aos usos e costumes comerciais” (art. 36, incisos X e XI).

Ocorre que, em 27 de junho de 2017, foi publicada a Lei nº 13.455/2017, que passou a permitir expressamente a diferenciação de preços de bens e serviços oferecidos ao púbico, em função do prazo de pagamento ou do instrumento utilizado. Para a nova lei, o fornecedor pode cobrar mais barato da-

quele que paga à vista do que daquele que paga em parcelas. Da mesma forma, o lojista poderá cobrar mais caro daquele que opte por pagar com cheque ou cartão de crédito.

Para que seja possível a diferenciação, no entanto, a lei exige que o fornecedor informe, em local e formato visíveis ao consumidor, os eventuais descontos ofe-recidos em função do prazo ou do instru-mento de pagamento utilizado (art. 2.º).

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Transgênero: direito à retificação do sexo de registro

Dando efetividade ao princípio da dignidade humana, o Judiciário vem re-conhecendo o direito dos transgêneros – pessoas que não se identificam com o sexo de nascença – de requerer judicial-mente a retificação de seus registros para que reflitam a sua realidade psicossocial. O SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA re-centemente enfrentou caso envolvendo o tema no Recurso Especial nº 1.626.739/RS. Trata-se de pedido de retificação dos registros para alteração do prenome e do sexo masculino para feminino, já que a autora, apesar de nascida com o fenótipo masculino, sempre se identificara como mulher. A sentença autorizou a troca do prenome, mas não a retificação do sexo justamente em razão de não ter havido cirurgia de redesignação sexual, que, no caso, consistiria na extirpação do órgão masculino, com a construção de neova-gina. Tal decisão foi mantida em sede de Apelação, razão pela qual houve a inter-posição de recurso ao STJ.

VANESSA SCHEREMETA

Anotação da união estável na certidão de óbitoFERNANDA PEDERNEIRAS

Existem em nosso ordenamento civil 5 variações do estado civil: solteiro, casa-do, separado judicialmente, divorciado e viúvo. A união estável não altera o estado civil do convivente, em que pese a mes-ma proteção legal como entidade fami-liar, constitucionalmente garantida (art. 226, Constituição Federal/88), tanto sob os aspectos pessoais como patrimoniais.

Nada obstante a ausência de previsão de um estado civil para os companheiros, mas considerando os efeitos decorrente dessa união familiar de fato, o SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA entendeu plena-mente possível a anotação junto ao regis-tro de óbito quanto à união estável viven-ciada pela pessoa falecida.

No caso em questão, a mãe da com-panheira requereu a retificação da certi-

dão de óbito da filha para a inclusão da informação de que ela vivia em união estável e que havia deixado bens a par-tilhar. Para ela, a alteração pretendida se mostra importante para retratar a reali-dade e dar publicidade à relação viven-ciada pela falecida, amenizando, ainda, a dor pela perda precoce da filha. A Juíza da Vara de Registros Públicos entendeu que o pedido era juridicamente impossí-vel por ausência de previsão legal. Após a interposição de recurso de Apelação, o Tribunal de Justiça do Paraná, em acór-dão muito bem fundamentado, reformou a sentença, salientando que a CF/88 veda o tratamento discriminatório entre casa-mento e união estável e que a ausência de previsão da Lei de Registros Públicos (Lei nº 6.015/73) não pode impedir que

o Judiciário aprecie questão de relevante interesse jurídico.

Inconformado, o companheiro recor-reu ao STJ insistindo na impossibilidade jurídica do pedido e na falta de interesse de agir, apesar de reconhecer perante o juízo de família que conviveu em união estável com a falecida e que a relação perdurou até o falecimento dela.

Em voto paradigmático, a relatora, Ministra NANCY ANDRIGHI, negou provi-mento ao Recurso Especial (1.516.599/PR), ressaltando a existência de projetos de lei que buscam regulamentar o estado civil das pessoas que vivem em união estável, mas consignou que “o certo é que as ne-cessidades humanas não podem esperar a edição das leis e os eventuais conflitos não podem ser ignorados pelo Poder Judiciário”.

DIREITO DE FAMÍLIA E SUCESSÕES

Ressaltando a necessidade de “supe-ração de preconceitos e estereótipos, bem como o exercício da alteridade, isto é, a ca-pacidade de se colocar no lugar do outro”, aquela Corte entendeu pela possibilidade de retificação do sexo registral, indepen-dentemente da realização da cirurgia de transgenitalização, “desde que dos autos se extraia a comprovação da alteração no mundo fenomênico (como é o caso presente, atestado por laudo incontroverso)”. Como

bem exposto no Acórdão, além de a pró-pria Lei de Registros Públicos permitir, em seu art. 55, a alteração de prenome que ex-ponha a pessoa à situação embaraçosa, “... a recusa da alteração de gênero de transexu-al, com base na falta de realização de cirur-gia de transgenitalização, ofende a cláusula geral de proteção à dignidade da pessoa hu-mana”. O STF analisará a mesma temática no Recurso Extraordinário nº 670.422/RS, com repercussão geral já reconhecida.

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Testamento e a possibilidade de exclusão de herdeiro necessário (deserdação)

No Direito Sucessório há possibilida-de de exclusão do herdeiro por meio de deserdação ou de declaração de indig-nidade. Ambos objetivam a punição do herdeiro que ofendeu o falecido.

Aqui, será abordada tão somente a primeira hipótese, a qual a doutrina de-fine como impeditiva do surgimento do direito à sucessão do herdeiro necessá-rio (que por lei tem direito à receber he-rança) e que obrigatoriamente deve ser formalizada por meio de testamento.

As causas que autorizam a deserda-ção são expressas em lei e se referem a condutas que não devem ser prati-cadas pelo herdeiro com relação ao autor da herança: ofensa física; injúria grave; relações ilícitas com a madrasta/padrasto (deserdação dos descenden-tes por seus ascendentes) ou cônjuge/companheiro(a) de filho(a) ou a de neto(a) (deserdação dos ascendentes pelos descendentes); desamparo ao ascendente ou descendente com defi-ciência ou grave enfermidade; autoria, coautoria ou participação em homicídio doloso, ou tentativa deste crime; acusa-ção caluniosa em juízo contra o autor da

DIANA GEARA

Alterações na lei de registros públicosTHAIS GUIMARÃES

Em 27/09/2017 foi publicada a Lei nº 13.484/2017, que trouxe novida-des à lei de registros públicos (Lei nº 6.015/1973).

A principal inovação diz respeito às in-formações constantes no registro de nas-cimento, eis que, a partir de agora, além do lugar do nascimento, deverá constar também a naturalidade do registrando.

Tal naturalidade poderá ser a do local onde ocorreu o nascimento ou do mu-nicípio da residência da mãe, desde que seja no território nacional (art. 54, § 4º). Tal opção caberá ao declarante no ato do registro.

Além disso, os cartórios de registros civis foram transformados em ofícios

da cidadania, pelo que poderão emitir carteiras de trabalho, passaportes e do-cumentos de identificação (art. 29, § 3º). Tais serviços dependerão dos convênios a serem firmados entre os cartorários e os órgãos públicos (Ministério do Tra-balho, Polícia Federal, Receita Federal e Institutos de Identificação).

Em razão da nova lei e de convênio celebrado entre a ARPEN-BRASIL (As-sociação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais) e a Receita Fede-ral, que abrange 15 estados brasileiros, dentre eles o Paraná, já é possível can-celar automaticamente o CPF no ato do registro do óbito, o que reduzirá o risco de fraudes e pagamentos indevidos de

benefícios. A próxima etapa do convê-nio será implementada em 2018 e prevê a atualização dos dados cadastrais após o casamento, evitando a ida dos cônju-ges à Receita Federal para a alteração de nome no CPF.

Outra importante alteração diz res-peito à retificação de registros sem autorização judicial, a fim de corrigir a escrita de nomes ou inversão de nú-meros de CPF. Tal alteração poderá ser realizada desde que não exija qualquer indagação na constatação imediata da correção (art. 110, I), o que poderá, in-clusive, ser demonstrado com a apre-sentação de documentação de seus antepassados.

herança ou prática de crime contra a sua honra, ou de seu cônjuge/ companheiro; inibir ou obstar (por violência ou meios fraudulentos) o autor da herança de dis-por livremente de seus bens por ato de última vontade.

Contudo, não basta que o autor da herança indique por meio de testa-mento qual é a causa de deserdação e o herdeiro a ser deserdado. Para que ocorra efetivamente a perda do direito sucessório é necessária a comprovação

da veracidade da causa alegada pelo testador, o que deve ser feito por ação judicial a ser proposta por outro herdei-ro ou a quem se aproveite a deserdação, no prazo de 4 anos depois da abertura do testamento.

O Poder Judiciário procede de forma conservadora ao julgar as causas de de-serdação, exigindo provas robustas da conduta ofensiva do herdeiro, o que, na prática, acaba dificultando a efetivação da vontade do testador.

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A possibilidade do reconhecimento de união estável em inventário

Teto remuneratório deve ser analisado de forma individual

A gratuidade judiciária à luz do novo Código de Processo Civil

Com base no princípio da economia pro-cessual e da instrumentalidade das formas, a Terceira Turma do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA entendeu, por unanimidade, que o reconhecimento incidental da união estável é cabível dentro do processo de inventário. O acórdão salienta que, para tanto, basta a apre-sentação de documentos que comprovem a existência do vínculo familiar. Ressalta, ainda, que as provas devem ser inequívocas, dada a celeridade do processo de inventário, sob pena de ter sua finalidade desviada.

A decisão é fundamentada à luz do art. 984 do CPC/1973 (art. 612 do atual CPC), que submete todas as diligências ao procedimen-

to do inventário, salvo aquelas que “demanda-rem alta indagação ou dependerem de outras provas”. É de entendimento da doutrina, nesse sentido, que as demandas que não requerem dilação probatória extensa ou provas alheias ao processo (como a perícia) não ensejam a remessa aos meios ordinários.

Salienta a Ministra Relatora NANCY AN-DRIGHI que: “a ação de inventário tem caráter universal, o que implica na necessidade de se de-cidir, em um único procedimento, todas as ques-tões afetas ao status econômico do de cujos”, sendo assim adequada a comprovação da união estável. É justamente a concretização do art. 292, III, do CPC/1973 (art. 327, III do atu-

al Código), que permite a cumulação de dois pedidos em um mesmo processo.

O acórdão entendeu que a controvérsia quanto ao termo inicial da relação somente ocasionará a anulação do reconhecimento da união estável se provado prejuízo à partilha de bens entre as partes. No caso em questão, foi negado provimento ao Recurso Especial nº 1.685.935, mantendo-se a decisão do tribunal de origem, que admitiu o reconhecimento da união estável. A prova trazida pela inventa-riante foi uma escritura pública, que se mos-trou suficiente para a confirmação da relação familiar.

A Constituição Federal veda, em seu art. 37, XVI, a acumulação remunerada de car-gos públicos. Entretanto, o próprio artigo apresenta exceções à regra, possibilitando a acumulação de cargos específicos em rol ta-xativo (a saber: a de dois cargos de professor, a de um cargo de professor com outro técnico ou científico e a de dois cargos ou empregos privativos de profissionais de saúde, com pro-fissões regulamentadas) e desde que tenham compatibilidade de horários.

Surgiram discussões quanto à incidência do teto remuneratório de forma isolada ou

cumulativa, pois a Carta Magna estabelece limites no art. 37, XI, para as remunerações, os proventos e os subsídios, tendo como pa-râmetro geral o subsídio dos Ministros do SU-PREMO TRIBUNAL FEDERAL. Mas, somadas as remunerações de ambos os cargos, não haveria superação do Teto Remuneratório? A resposta para tal indagação é negativa. O Supremo, na data de 27/04/2017, por de-cisão majoritária, negou provimento a dois Recursos Extraordinários (602.043 e 612.975) fixando o seguinte entendimento em Reper-cussão Geral: “Nas situações jurídicas em que a

Constituição Federal autoriza a acumulação de cargos, o teto remuneratório é considerado em relação à remuneração de cada um deles, e não ao somatório do que recebido.”

Nas palavras do Relator, Ministro MARCO AURÉLIO, “o Estado não pode dar com uma das mãos e tirar com a outra.” Portanto as remune-rações, os proventos e os subsídios previstos no art. 37, XI, da Constituição Federal, devem ser analisados de forma isolada. Ou seja, o teto constitucional deve incidir sobre o per-cebimento de cada vínculo de forma isolada e não cumulativa.

Além da garantia constitucional ao acesso à justiça, assegurada mediante a assistência jurídica prestada pela Defensoria Pública e pela Justiça Itinerante, destinada àqueles que comprovam a insuficiência de recursos, o Novo Código de Processo Civil dispõe, em capítulo específico, sobre a gratuidade da justiça, re-vogando algumas disposições da lei própria (1.050/1960) e sintetizando o entendimento jurisprudencial consolidado ao longo dos anos em relação à assistência judiciária, o que englo-ba a isenção das custas e despesas processuais, honorários advocatícios, além de outras trazi-das no rol não exaustivo do §1º, do art. 98.

Havia uma grande margem para debates

em relação à concessão do benefício, muitas vezes indeferido. Contudo, o texto legal é ex-presso ao dispor que a condição para se obter a gratuidade da justiça não está no fato de o solicitante ser pessoa física ou jurídica, nem em sua nacionalidade; tampouco em haver repre-sentação por advogado particular ou limite de renda em sentido estrito, mas sim, na insufici-ência de recursos para custear o processo sem prejudicar a sua subsistência.

Ademais, uma novidade do Códex é a possibilidade de concessão parcial do benefí-cio, ou seja, a gratuidade em relação a apenas um ou alguns atos processuais, de forma não integral, geralmente concedida em virtude de

o postulante não conseguir arcar com deter-minadas custas que suplantam as suas forças econômicas.

É válido ressaltar que o magistrado não deve ser um frio aplicador da norma ao caso concreto, mas um agente da dinâmica social, assumindo uma postura ativa na busca da jus-tiça processual. É necessária a efetividade do di-reito fundamental em questão, tendo em vista que a hipossuficiência não pode ser obstáculo ao exercício de um direito legitimamente reco-nhecido. Entretanto, a análise para tal conces-são há de ser feita objetivamente em linha de conta das peculiaridades de cada caso.

ANA LETÍCIA KROETZ DE OLIVEIRA | Acadêmica do 2º Ano da Faculdade de Direito de Curitiba

ALEXSANDRO RIBEIRO MARTINS | Acadêmico do 4º ano da Faculdade de Direito de Curitiba

ALINE CRISTINA BENÇÃO | Acadêmica do 3º ano da Universidade Positivo

ESPAÇO LIVRE DOS ESTAGIÁRIOS

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Requisitos para a progressão e regressão de regime de cumprimento de pena

Flexibilização da impenhorabilidade salarial

Marco Civil da Internet e responsabilização dos provedores por conteúdo ofensivo

Com a finalidade de contribuir para a res-socialização do preso, o instituto da progres-são de regime, previsto no art. 112 da Lei de Execução Penal, estabelece que a pena pri-vativa de liberdade será executada de forma progressiva, isto é, a sanção imposta passará a ser cumprida de um regime mais severo (fe-chado, p.ex.) para outro mais brando (semia-berto ou aberto), caso o condenado atenda aos requisitos exigidos na legislação.

O primeiro requisito para a progressão é objetivo e demanda, como regra geral, o cum-primento de ao menos um sexto da pena im-posta ao sentenciado no regime inicialmente fixado. Todavia, tratando-se de crime hedion-do ou equiparado, o condenado primário deve cumprir dois quintos da pena, enquan-

to que o reincidente (condenado por crime hediondo) deverá cumprir três quintos da pena imposta para ter direito à progressão. O segundo critério, por sua vez, é subjetivo, pois se refere ao bom comportamento carcerário do apenado, o qual deve ser comprovado por atestado emitido pelo diretor do estabeleci-mento prisional em que se encontre.

De forma excepcional, na hipótese de au-sência de vagas no estabelecimento prisional adequado ao regime ao qual o condenado teria direito de ser implantado por força da progres-são, os Tribunais vêm admitindo que ele aguar-de a liberação da vaga em regime mais brando. Ou seja: se o sujeito pode progredir do fechado ao semiaberto, mas, no Estado em que está pre-so não há estabelecimento prisional adequado

a esse regime ou as vagas estão todas ocupadas, ele pode aguardar em regime aberto até que a situação se resolva. Caso não houver solução e passar mais um sexto da pena, aí então, o apena-do poderá permanecer no regime aberto, pois já cumpriu com a fração da pena que deveria ter cumprido no semiaberto.

Por outro lado, haverá a regressão ao regi-me mais rigoroso caso o condenado pratique fato definido como crime doloso, indepen-dentemente de condenação com trânsito em julgado, ou falta grave, apurada em procedi-mento administrativo. Ainda, a regressão po-derá ocorrer caso o condenado sofra conde-nação, por crime anterior, cuja pena, somada ao restante da pena em execução, torne juridi-camente impossível o regime em que esteja.

Conforme já abordado nesse mesmo bole-tim pelos advogados ROGÉRIA DOTTI e JULIO BROTTO, situação que traz grande tormento aos litigantes é a efetiva satisfação de seus di-reitos, em especial nas execuções. Com gran-de frequência o cumprimento do julgado de-mora a ser efetivado por força de ausência de bens penhoráveis em nome do devedor.

Como se sabe, a satisfação do crédito – que é de inteira responsabilidade do deve-dor – não pode retirar do jurisdicionado as condições mínimas de sobrevivência. Por essa razão, o legislador criou regras que tornam im-penhoráveis alguns bens ou proventos.

Um dos casos mais conhecidos recai sobre

o salário. O Código de Processo Civil reconhece a impenhorabilidade de verbas de natureza salarial, ressalvando exceções, como os débi-tos de prestação alimentícia e quantia que ex-ceder cinquenta salários mínimos (art. 833, IV).

Contudo, o SUPERIOR TRIBUNAL DE JUS-TIÇA passou a admitir a flexibilização da regra de impenhorabilidade, tendo como objetivo a harmonização de duas vertentes do princí-pio da dignidade da pessoa humana: o direito ao mínimo existencial e o direito à satisfação executiva.

Com base nesse raciocínio, o entendi-mento jurisprudencial mitigou as regras de penhorabilidade, como no caso do Agravo em

Recurso Especial nº 1.473.848/MS, julgado no dia 22/09/2015, no qual a Terceira Turma do STJ, admitiu a penhora de 10% (dez por cento) da verba salarial do executado.

Porém, conforme já ressaltado neste Bo-letim, segundo a Ministra NANCY ANDRIGHI há necessidade de elementos concretos em cada caso para que seja possível essa mitiga-ção das regras da impenhorabilidade salarial.

Assim, reconhecendo que existe uma linha tênue entre garantir ao devedor um mí-nimo para sua subsistência e a efetividade da tutela jurisdicional ao credor, o Judiciário vem flexibilizando a regra da impenhorabilidade do salário.

Conforme entendimento do STJ, a res-ponsabilidade solidária dos provedores por conteúdos ofensivos publicados por terceiros em redes sociais, para os fatos que ocorreram antes da vigência da Lei nº 12.965/2014 (Marco Civil da Internet), ocor-re com a ciência inequívoca do conteúdo ofensivo e a sua não retirada em prazo razo-ável. Contudo, para os fatos que ocorreram após a vigência do Marco Civil da Internet, é necessário o descumprimento de ordem

judicial que ordene a retirada do conteúdo.Tal entendimento, da necessidade da

notificação judicial para remover o conteúdo para caracterizar a responsabilização, foi reafir-mado pela Terceira Turma, ao julgar o Recurso Especial nº 1.642.997/RJ, em que foi requerido pedido de indenização por um usuário que alegou que sua foto foi publicada sem a sua autorização em página do Facebook sobre criminosos. Como os fatos ocorreram depois da vigência do Marco Civil da Internet, e não

houve a devida notificação judicial para reti-rada do conteúdo, o colegiado afastou a res-ponsabilidade solidária do provedor.

O Marco Civil da Internet prevê expres-samente em seu art. 19 que o termo inicial da responsabilidade solidária do provedor é a notificação judicial para a retirada do con-teúdo visto como ofensivo, somente sendo considerado responsável pelos danos ocasio-nados por terceiros em caso de descumpri-mento de ordem judicial.

NATHALIA SCHUSTER REIS | Acadêmica do 5º ano da Universidade Positivo

JAYNE CAROLINE SOUZA SKREPKA | Acadêmica do 3º ano da Faculdade de Direito de Curitiba

GIULIANO STHEFANO DOHMS PRETI | Acadêmico do 3º Ano da Faculdade de Direito de Curitiba

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Artigo 1° Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em

espírito de fraternidade. Artigo 2° Todos os seres humanos podem invocar os direitos e as liberdades proclamados na presente Declaração, sem distinção alguma,

nomeadamente de raça, de cor, de sexo, de língua, de religião, de opinião política ou outra, de origem nacional ou social, de fortuna, de nascimento ou de

qualquer outra situação. Além disso, não será feita nenhuma distinção fundada no estatuto político, jurídico ou internacional do país ou do território da

naturalidade da pessoa, seja esse país ou território independente, sob tutela, autónomo ou sujeito a alguma limitação de soberania. Artigo 3° Todo o indivíduo

tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal. Artigo 4° Ninguém será mantido em escravatura ou em servidão; a escravatura e o trato dos escravos, sob

todas as formas, são proibidos. Artigo 5° Ninguém será submetido a tortura nem a penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes. Artigo 6° Todos os

indivíduos têm direito ao reconhecimento, em todos os lugares, da sua personalidade jurídica. Artigo 7° Todos são iguais perante a lei e, sem distinção, têm direito

a igual protecção da lei. Todos têm direito a protecção igual contra qualquer discriminação que viole a presente Declaração e contra qualquer incitamento a

tal discriminação. Artigo 8° Toda a pessoa tem direito a recurso efectivo para as jurisdições nacionais competentes contra os actos que violem os direitos

fundamentais reconhecidos pela Constituição ou pela lei. Artigo 9° Ninguém pode ser arbitrariamente preso, detido ou exilado. Artigo 10° Toda a pessoa tem

direito, em plena igualdade, a que a sua causa seja equitativa e publicamente julgada por um tribunal independente e imparcial que decida dos seus direitos

e obrigações ou das razões de qualquer acusação em matéria penal que contra ela seja deduzida. Artigo 11° 1. Toda a pessoa acusada de um acto delituoso

presume-se inocente até que a sua culpabilidade fique legalmente provada no decurso de um processo público em que todas as garantias necessárias de defesa lhe

sejam asseguradas. 2. Ninguém será condenado por acções ou omissões que, no momento da sua prática, não constituíam acto delituoso à face do direito interno

ou internacional. Do mesmo modo, não será infligida pena mais grave do que a que era aplicável no momento em que o acto delituoso foi cometido. Artigo 12°

Ninguém sofrerá intromissões arbitrárias na sua vida privada, na sua família, no seu domicílio ou na sua correspondência, nem ataques à sua honra e

reputação. Contra tais intromissões ou ataques toda a pessoa tem direito a protecção da lei. Artigo 13° 1. Toda a pessoa tem o direito de livremente circular e

escolher a sua residência no interior de um Estado. 2. Toda a pessoa tem o direito de abandonar o país em que se encontra, incluindo o seu, e o direito de regressar

ao seu país. Artigo 14° 1. Toda a pessoa sujeita a perseguição tem o direito de procurar e de beneficiar de asilo em outros países. 2. Este direito não pode, porém, ser

invocado no caso de processo realmente existente por crime de direito comum ou por actividades contrárias aos fins e aos princípios das Nações Unidas. Artigo 15° 1.

Todo o indivíduo tem direito a ter uma nacionalidade. 2. Ninguém pode ser arbitrariamente privado da sua nacionalidade nem do direito de mudar de

nacionalidade. Artigo 16° 1. A partir da idade núbil, o homem e a mulher têm o direito de casar e de constituir família, sem restrição alguma de raça,

nacionalidade ou religião. Durante o casamento e na altura da sua dissolução, ambos têm direitos iguais. 2. O casamento não pode ser celebrado sem o livre e

pleno consentimento dos futuros esposos. 3. A família é o elemento natural e fundamental da sociedade e tem direito à protecção desta e do Estado. Artigo 17° 1.

Toda a pessoa, individual ou colectivamente, tem direito à propriedade. 2. Ninguém pode ser arbitrariamente privado da sua propriedade. Artigo 18° Toda a

pessoa tem direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião; este direito implica a liberdade de mudar de religião ou de convicção, assim como a

liberdade de manifestar a religião ou convicção, sozinho ou em comum, tanto em público como em privado, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pelos ritos.

Artigo 19° Todo o indivíduo tem direito à liberdade de opinião e de expressão, o que implica o direito de não ser inquietado pelas suas opiniões e o de procurar,

receber e difundir, sem consideração de fronteiras, informações e idéias por qualquer meio de expressão. Artigo 20° 1. Toda a pessoa tem direito à liberdade de

reunião e de associação pacíficas. 2. Ninguém pode ser obrigado a fazer parte de uma associação. Artigo 21° 1. Toda a pessoa tem o direito de tomar parte na

direcção dos negócios, públicos do seu país, quer directamente, quer por intermédio de representantes livremente escolhidos. 2. Toda a pessoa tem direito de acesso,

em condições de igualdade, às funções públicas do seu país. 3. A vontade do povo é o fundamento da autoridade dos poderes públicos: e deve exprimir-se através de

eleições honestas a realizar periodicamente por sufrágio universal e igual, com voto secreto ou segundo processo equivalente que salvaguarde a liberdade de

voto. Artigo 22° Toda a pessoa, como membro da sociedade, tem direito à segurança social; e pode legitimamente exigir a satisfação dos direitos económicos, sociais

e culturais indispensáveis, graças ao esforço nacional e à cooperação internacional, de harmonia com a organização e os recursos de cada país. Artigo 23° 1.

Toda a pessoa tem direito ao trabalho, à livre escolha do trabalho, a condições equitativas e satisfatórias de trabalho e à protecção contra o desemprego. 2. Todos

têm direito, sem discriminação alguma, a salário igual por trabalho igual. 3. Quem trabalha tem direito a uma remuneração equitativa e satisfatória, que

lhe permita e à sua família uma existência conforme com a dignidade humana, e completada, se possível, por todos os outros meios de protecção social. 4. Toda a

pessoa tem o direito de fundar com outras pessoas sindicatos e de se filiar em sindicatos para defesa dos seus interesses. Artigo 24° Toda a pessoa tem direito ao

repouso e aos lazeres, especialmente, a uma limitação razoável da duração do trabalho e as férias periódicas pagas. Artigo 25° 1. Toda a pessoa tem direito a um

nível de vida suficiente para lhe assegurar e à sua família a saúde e o bemestar, principalmente quanto à alimentação, ao vestuário, ao alojamento, à

assistência médica e ainda quanto aos serviços sociais necessários, e tem direito à segurança no desemprego, na doença, na invalidez, na viuvez, na velhice ou

noutros casos de perda de meios de subsistência por circunstâncias independentes da sua vontade. 2. A maternidade e a infância têm direito a ajuda e a

assistência especiais. Todas as crianças, nascidas dentro ou fora do matrimônio, gozam da mesma protecção social. Artigo 26° 1. Toda a pessoa tem direito à

educação. A educação deve ser gratuita, pelo menos a correspondente ao ensino elementar fundamental. O ensino elementar é obrigatório. O ensino técnico e

profissional dever ser generalizado; o acesso aos estudos superiores deve estar aberto a todos em plena igualdade, em função do seu mérito. 2. A educação deve

visar à plena expansão da personalidade humana e ao reforço dos direitos do homem e das liberdades fundamentais e deve favorecer a compreensão, a tolerância

e a amizade entre todas as nações e todos os grupos raciais ou religiosos, bem como o desenvolvimento das actividades das Nações Unidas para a manutenção da

paz. 3. Aos pais pertence a prioridade do direito de escholher o género de educação a dar aos filhos. Artigo 27° 1. Toda a pessoa tem o direito de tomar parte

livremente na vida cultural da comunidade, de fruir as artes e de participar no progresso científico e nos benefícios que deste resultam. 2. Todos têm direito à

protecção dos interesses morais e materiais ligados a qualquer produção científica, literária ou artística da sua autoria. Artigo 28° Toda a pessoa tem direito a

que reine, no plano social e no plano internacional, uma ordem capaz de tornar plenamente efectivos os direitos e as liberdades enunciadas na presente

Declaração. Artigo 29° 1. O indivíduo tem deveres para com a comunidade, fora da qual não é possível o livre e pleno desenvolvimento da sua personalidade. 2.

No exercício destes direitos e no gozo destas liberdades ninguém está sujeito senão às limitações estabelecidas pela lei com vista exclusivamente a promover o

reconhecimento e o respeito dos direitos e liberdades dos outros e a fim de satisfazer as justas exigências da moral, da ordem pública e do bem-estar numa sociedade

democrática. 3. Em caso algum estes direitos e liberdades poderão ser exercidos contrariamente aos fins e aos princípios das Nações Unidas. Artigo 30° Nenhuma

disposição da presente Declaração pode ser interpretada de maneira a envolver para qualquer Estado, agrupamento ou indivíduo o direito de se entregar a

alguma actividade ou de praticar algum acto destinado a destruir os direitos e liberdades aqui enunciados.

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Outubro/Novembro/Dezembro 2017Ano 12 | Número 38

Tiragem: 1.800 exemplares Foto da capa: Divulgação

Impressão e acabamento: Comunicare

Boletim Trimestral do Escritório Professor René Dotti

Projeto gráfico e diagramação:IEME Comunicação | www.iemecomunicacao.com.br

Jornalista Responsável: Taís Mainardes DRT-PR 6380

Publicação periódica de caráter informativo com circulação dirigida e gratuita.

De acordo com o art. 5º, alínea “b”, do Provimento nº 94/2000 da OAB – Conselho Federal.

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