boletim de pneumologia sanitÁriabvsms.saude.gov.br/bvs/periodicos/bps_vol07nr1.pdf · 2014. 11....

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BOLETIM DE PNEUMOLOGIA SANITÁRIA EDITOR: Gilmário M. Teixeira EDITORES ADJUNTOS: Maria José Procópio Ribeiro de Oliveira Sonia Natal CONSELHO CONSULTIVO: Alfred Lemle Angela Maria Werneck Barreto Anilda Maria Brito Cysne Antonio Anselmo Bentes de Oliveira Antônio Ruffino Netto Germano Gerhardt Filho Gilberto Ribeiro Arantes Hisbello da Silva Campos José Antônio Nunes de Miranda José do Vale Pinheiro Feitosa José Uéleres Braga Joseney Raimundo Pires dos Santos Manoel Lopes dos Santos Margareth Pretti Dalcolmo Miguel Aiub Hijjar Paulo Tavares Rene Mendes Waldir Teixeira do Prado Werner Paul Ott Catalogação na fonte Biblioteca Walter Mendes Boletim de Pneumologia Sanitária Rio de Janeiro, FUNASA/CENEPI/CNPS/CRPHF, 1993. Vol. 7, Nº 1 – 1999 Título anterior: Boletim da Campanha Nacional Contra a Tuberculose, 1988. ISSN 0103-460X - 1. Pneumologia Sanitária – Periódicos. I Brasil. Ministério da Saúde/FUNASA/Centro de Referência Prof. Hélio Fraga. CDD: 616.2056-19. ed. CDU: 616.024 (05) MINISTÉRIO DA SAÚDE FUNDAÇÃO NACIONAL DE SAÚDE CENTRO NACIONAL DE EPIDEMIOLOGIA CENTRO DE REFERÊNCIA PROF. HÉLIO FRAGA Revisão Lucia de Fátima Cadilhe de O. Costa Editoração Eletrônica Rosania Rodrigues

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BOLETIM DE PNEUMOLOGIA SANITÁRIA EDITOR:

Gilmário M. Teixeira EDITORES ADJUNTOS: Maria José Procópio Ribeiro de Oliveira Sonia Natal

CONSELHO CONSULTIVO: Alfred Lemle Angela Maria Werneck Barreto Anilda Maria Brito Cysne Antonio Anselmo Bentes de Oliveira Antônio Ruffino Netto Germano Gerhardt Filho Gilberto Ribeiro Arantes Hisbello da Silva Campos José Antônio Nunes de Miranda José do Vale Pinheiro Feitosa José Uéleres Braga Joseney Raimundo Pires dos Santos Manoel Lopes dos Santos Margareth Pretti Dalcolmo Miguel Aiub Hijjar Paulo Tavares Rene Mendes Waldir Teixeira do Prado Werner Paul Ott

Catalogação na fonte Biblioteca Walter Mendes

Boletim de Pneumologia Sanitária Rio de Janeiro, FUNASA/CENEPI/CNPS/CRPHF, 1993. Vol. 7, Nº 1 – 1999 Título anterior: Boletim da Campanha Nacional Contra a Tuberculose, 1988. ISSN 0103-460X - 1. Pneumologia Sanitária – Periódicos. I Brasil. Ministério da Saúde/FUNASA/Centro de Referência Prof. Hélio Fraga.

CDD: 616.2056-19. ed.CDU: 616.024 (05)

MINISTÉRIO DA SAÚDE FUNDAÇÃO NACIONAL DE SAÚDE CENTRO NACIONAL DE EPIDEMIOLOGIA CENTRO DE REFERÊNCIA PROF. HÉLIO FRAGA

Revisão Lucia de Fátima Cadilhe de O. Costa Editoração Eletrônica Rosania Rodrigues

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SUMÁRIO Apresentação .............................................................................................................................................................3 Editorial .....................................................................................................................................................................5 Impacto da reforma do setor saúde sobre os serviços de tuberculose no Brasil ......................................................7 Antonio Ruffino Netto. Contactantes de doentes com tuberculose multirresistente – possibilidades de intensificar a ação da enfermagem ............................................................................................................................................19 Fabiana Barbosa Assumpção de Souza e Florence Romijn Tocantins Tratamento supervisionado no controle da tuberculose em Ribeirão Preto: Novo modo de agir em saúde .................................................................................................................................................... 33 Jordana Nogueira Muniz, Tereza Cristina Scatena Villa e Cesar Eduardo Pedersolli. Impacto das ações implantadas no programa de controle da tuberculose do Hospital Universitário–UFAL sobre as taxas de abandono de tratamento ............................................................................................................43 Arthur Maia Paiva, Dimas Carnaúba Jr., Josefa Jatobá de Santana, Márcia Guimarães, Maria Helena de Araujo e Tereza Paula dos Santos Mycobacterium tuberculosis resistente: de onde vem a resistência? ..................................................................51 Hisbello S. Campos. Modelo de predição para o abandono do tratamento da tuberculose pulmonar ................................................ 65 Sonia Natal, Joaquim Valente, Germano Gerhardt e Maria Lucia Penna. Sensibilidade tuberculínica e Vacina BCG entre os índios do Araguaia – MT –1997.......................................79 Jorge Meireles Amarante, Vera Lúcia de Araújo Costa e Fátima Aparecida Silva Tuberculose em pacientes infectados pelo HIV. Experiência de um serviço de referência para DST/AIDS em São Paulo...................................................................................................................................87 Leda Fátima Jamal e Maria Cecilia de Almeida Palhares Raphael de Paula Souza ....................................................................................................................................91 José Rosemberg Normas de publicação ......................................................................................................................................94

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Aos leitores,

Temos o prazer de apresentar o novo formato do Boletim de Pneumologia Sanitária concebido segundo modernas

técnicas de editoração. Esta linha faz parte do movimento de uma busca de excelência da gestão e dos produtos e

serviços do Centro de Referência Hélio Fraga.

O Boletim tem este nome e apresentação desde 1993, quando foi retomada sua publicação, paralisada pela extinção

da Campanha Nacional Contra a Tuberculose – CNCT. O então “Boletim da CNCT” foi sucedâneo da “Revista do

Serviço Nacional de Tuberculose”, de 1957, passando por outras denominações, que acompanharam as mudanças

institucionais do país, ao longo dos anos.

A versão atual da nossa revista mantém o compromisso de oferecer aos profissionais de saúde atualização constante

no campo da Pneumologia Sanitária, divulgação das atividades, pesquisas e acontecimentos de importância nesta

área. Manter esta publicação, além de representar componente de desenvolvimento tecnológico e autonomia do

país, representa também tentativa relevante de parte da comunidade científica de responder a problemas cruciais de

saúde pública, como a tuberculose e outras pneumopatias.

Estes agravos, principalmente a tuberculose, mais que indicadores acometem pessoas reais, trazendo sofrimento e

perdas para o país. Estas pessoas necessitam atendimento efetivo e humanizado. Insistimos, portanto, na busca do

aprimoramento e valorização dos profissionais de saúde para a melhoria e qualificação da assistência à população.

Rio de Janeiro, 1999.

Maria José Procopio

Editora Adjunta

Miguel Aiub Hijjar

Diretor do CRHF

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Aos leitores,

Temos o prazer de apresentar o novo formato do Boletim de Pneumologia Sanitária concebido segundo modernas

técnicas de editoração. Esta linha faz parte do movimento de uma busca de excelência da gestão e dos produtos e

serviços do Centro de Referência Hélio Fraga.

O Boletim tem este nome e apresentação desde 1993, quando foi retomada sua publicação, paralisada pela extinção

da Campanha Nacional Contra a Tuberculose – CNCT. O então “Boletim da CNCT” foi sucedâneo da “Revista do

Serviço Nacional de Tuberculose”, de 1957, passando por outras denominações, que acompanharam as mudanças

institucionais do país, ao longo dos anos.

A versão atual da nossa revista mantém o compromisso de oferecer aos profissionais de saúde atualização constante

no campo da Pneumologia Sanitária, divulgação das atividades, pesquisas e acontecimentos de importância nesta

área. Manter esta publicação, além de representar componente de desenvolvimento tecnológico e autonomia do

país, representa também tentativa relevante de parte da comunidade científica de responder a problemas cruciais de

saúde pública, como a tuberculose e outras pneumopatias.

Estes agravos, principalmente a tuberculose, mais que indicadores acometem pessoas reais, trazendo sofrimento e

perdas para o país. Estas pessoas necessitam atendimento efetivo e humanizado. Insistimos, portanto, na busca do

aprimoramento e valorização dos profissionais de saúde para a melhoria e qualificação da assistência à população.

Rio de Janeiro, 1999.

Maria José Procopio

Editora Adjunta

Miguel Aiub Hijjar

Diretor do CRHF

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EDITORIAL

DIGRESSÕES SOBRE PLANO E PROGRAMA NACIONAL DE CONTROLE DA TUBERCULOSE

Gilmário M.Teixeira Editor O Brasil tem agora um Plano Nacional de Controle da Tuberculose elaborado pela Coordenação Nacional de Pneumologia Sanitária e o Centro de Referência Hélio Fraga, com a assessoria da OMS e da COPPE-UFRJ e embasado na experiência de décadas de atuação do Programa Nacional de Controle da Tuberculose e, mais recentemente, do Plano Emergencial para o Controle da Tuberculose, de que é a continuação. A estas fontes somaram-se os aportes do Consenso Brasileiro de Tuberculose de 1997 e do Seminário de Tuberculose de 1998 que, pela competência e representatividade de seus atores, incorporaram ao Plano os saberes da inteligência nacional nesta área da Saúde Pública. Aprovado pelo Plenário do Conselho Nacional de Saúde, em Agosto de 1998 e em seguida homologado pelo Sr.Ministro da Saúde, este Plano se propõe a alcançar três grandes objetivos: a implementação do Programa de Controle da Tuberculose em todos os municípios; a execução, em nível útil, dos meios de diagnóstico e tratamento e a redução significativa, em médio prazo, da incidência e mortalidade causadas pela tuberculose.

As questões que no momento poder-se-iam levantar é a da demarcação de fronteiras entre o Plano e o Programa e a da inquietação, manifestada por alguns, de que o Programa venha a ser fagocitado pelo Plano. Sem querermos, por óbvia incapacidade, entrar no espaço dos planificadores de saúde e deixando à margem as definições clássicas ou modernas sobre Plano e Programa, sentimos que, por razões operacionais e mesmo didáticas, é bom que neste início da implementação do Plano deixemos clara nossa compreensão, no particular da tuberculose, desses dois importantes instrumentos de ação.

Comecemos dizendo que, no caso, o Plano é o meio utilizado pelo Governo Federal para dar ao controle da tuberculose as direções desejadas através de normas, políticas, estratégias, recursos, métodos, procedimentos, todos voltados para a consecução dos objetivos definidos para o País. O Programa, por sua vez, deve ser entendido como o conjunto das atividades organizadas, coordenadas e integradas em todos os níveis do sistema de saúde de cada município – prevenção, diagnóstico, tratamento, vigilância – por meio das quais os objetivos do Plano podem ser alcançados. O Programa de Tuberculose é, assim, parte do Plano como dele são partes as ações de outros programas – Imunizações, HIV/AIDS, Hanseníase – que, coordenadas em sua execução dão ao controle da tuberculose a completação indispensável para seu êxito. Em resumo, o Plano compreende programas que integrados e harmonicamente reunidos buscam objetivos compartilhados.

Estabelecida esta semântica já podemos tratar, de raspão que seja, da essência do Plano e dos meios que utilizará para seu desenvolvimento. Partindo, como é de esperar-se, de um diagnóstico de situação da tuberculose no Brasil com análise de seus determinantes, quer sejam aqueles derivados do contexto social – analfabetismo, desnutrição, pobreza – quer outros decorrentes das deficiências e omissões do sistema de gestão – fraqueza das gerências, atendimento de baixa qualidade, descontinuidade da oferta dos recursos – ou, ainda, aqueles dependentes

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do próprio bacilo e de suas inter-relações – epidemia do HIV, multirresistência às drogas - os autores do Plano construíram cenários de agravamento ou de mudanças para configurar o comportamento da tuberculose em nosso meio. O primeiro decorreria, simplesmente, da manutenção do estado atual, e o segundo, que comportaria gradações, estaria na dependência do poder corretor dos “in puts” selecionados para alimentar o sistema. Não custa enumerar os principais. No âmbito federal: a tuberculose foi definida como um problema prioritário de saúde; estabeleceu-se um Comitê Técnico-Científico de Assessoramento em Tuberculose; foi prevista a construção de uma Rede de Excelência para o Controle da Tuberculose no País; criaram-se fontes de recursos financeiros para o diagnóstico e tratamento; assegurou-se a aquisição e distribuição dos medicamentos específicos; definiu-se o papel do Centro de Referência Hélio Fraga – formação de recursos humanos, apoio técnico ao Programa, pesquisas operacionais; revisão das Normas Nacionais para o Controle da Tuberculose que,entre outras inovações, estabelece o tratamento supervisionado e estrutura o Programa em níveis de crescente complexidade e coerentes com o Sistema Único de Saúde; por último, à Coordenação Nacional de Pneumologia Sanitária foi dada competência para, utilizando sua estrutura macrorregional e em cooperação com estados e municípios, coordenar as atividades do Plano em nível nacional. As Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde são as áreas onde acontecem a promoção, coordenação e execução das atividades de controle que integram os diferentes componentes do Programa. Este, estará organizado em todos os estados e municípios, com clara definição das atribuições das equipes de saúde e responsabilidades gerenciais definidas para cada nível da estrutura. Aqui, segundo as diferentes realidades locais, são estabelecidos: metas para as atividades de controle; definição da logística, supervisão e apoio; meios para a formação e treinamento do pessoal; sistema de registro e informação; mobilização e participação da comunidade; alocação de recursos próprios e, muito importante, a observância das Normas Nacionais para o Controle da Tuberculose, respeitadas as particularidades do meio. Chegamos ao final destas digressões afirmando que não há choques nem fronteiras entre o Plano e o Programa já que o Plano é uma síntese harmônica dos programas que o integram. O Plano terá êxito sempre que os programas, em cada unidade do sistema, alcancem suas metas de atividades em termos qualitativos e quantitativos. Se o grande propósito de nosso trabalho em todas as frentes é superar os determinantes da tuberculose vulneráveis à ação da tecnologia que está disponível, para assim construir um cenário de recuo desta doença, só há um caminho a ser perseguido – o da organização eficiente das medidas de controle da tuberculose, ao lado das outras ações de saúde, em cada posto, centro, ambulatório, hospital que, centrados em suas comunidades, ofereçam ao povo um atendimento qualificado. O Plano enseja, pois, uma mobilização e estruturação de uma força-tarefa para que sua expressão substantiva traduzida para os programas em metas quantitativas de atividades a serem cumpridas em espaço e tempo determinados, possam realmente ser alcançadas, ou seja, implementar a cobertura do Programa em 100% dos municípios e, em três anos, chegar a diagnosticar, pelo menos, 92% dos casos esperados e tratar, com sucesso, no mínimo, 85% dos casos diagnosticados; só assim o Plano produzirá o impacto esperado – em nove anos reduzir a incidência em 50% e a mortalidade em dois terços.

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IMPACTO DA REFORMA DO SETOR SAÚDE SOBRE OS SERVIÇOS DE TUBERCULOSE NO BRASIL

Antonio Ruffino Netto1 Resumo O Brasil ocupa o 10º lugar entre os 22 países que são responsáveis por 80% dos casos estimados de tuberculose no mundo. A incidência da doença no país, em 1997, foi 51,7/100.000 habitantes, houve cerca de 6.000 óbitos. Em 1997 foram notificados 83.309 casos ( de um total estimado de 129.000). Atualmente 75% dos casos notificados são curados e 14% abandonam o tratamento. Em outubro de 1998 o Ministério da Saúde apresentou o Plano Nacional de Controle da Tuberculose, adotando a estratégia DOTS recomendada pela Organização Mundial da Saúde. As metas do Plano Nacional são: implementar as atividades de controle da doença em 100% dos municípios do país; detectar 92% dos casos existentes até o ano 2002; curar 85% dos casos novos detectados; reduzir a incidência à metade do seu valor e a mortalidade em dois terços até o ano 2007. O Ministério da Saúde pagará um bônus de R$150,00 ou R$ 100,00 se houver ou não tratamento supervisionado, respectivamente para o fundo municipal de saúde, por cada paciente de tuberculose tratado e curado. Resultados preliminares foram obtidos dos serviços de saúde que adotaram a supervisão do tratamento. Sumary Brazil ranks tenth of 22 countries that are responsible for 80% cases of tuberculosis in the world.The incidence in 1997 was 51,7 / 100.0000 , there were about 6.000 deaths. In 1997 was reported 83.309 cases ( from the estimated 129.000 cases ). At present 75% of reported cases are cured, 14 % lack of aderence to treatment. In October 1998, the Ministry of Health present the NTP where adopted the WHO strategy DOTS with the implementation the all Tb control policy package. The targets of NTP are:to implement the new Tb control strategies to 100% administrative areas in the country; to detect 92% of existing cases by 2002; to cure 85% of detected new cases ; to halve the incidence of the disiase and reduce the mortality to 1/3 by 2007. The Ministry of Health will pay a bonus ( R$150 or R$100 if there was or not supervision in the treatment ) to health centres for each patient cured . Preliminary results are obteined in services of health that adopted the supervision of treatment. _________________________________________________________________________________________ 1 – Coordenador Nacional de Pneumologia Sanitária – SPS/MS

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Introdução

A WHO, 1998, estima que 80% dos casos de tuberculose do mundo se encontram em 22 países, entre os quais está o Brasil ocupando o 10º lugar nesse ranking.

No presente trabalho pretende-se analisar as relações entre políticas de saúde de diferentes momentos históricos com impactos ocorridos no programa de controle da tuberculose no Brasil. Metodologia

Foi feito um levantamento dos fatos pertinentes na política de controle da tuberculose, cotejando-os com os dados epidemiológicos disponíveis na Coordenação Nacional de Pneumologia Sanitária para os últimos 20 anos.

Não resta a menor dúvida que a qualidade dos dados quantitativos deixam muito a desejar. Trata-se de estudo retrospectivo, com um sistema de notificações que nem sempre trabalhou de maneira uniforme no período em questão

Supervisões nos Estados sofreram solução de continuidade no transcorrer do período.

Por outro lado, também as matrizes de programação são passíveis de discussão. Toda e qualquer estimativa é sempre pautada sobre modelos atemáticos. Tais modelos (como já tivemos ocasião de discutir detalhadamente em trabalho anterior – Ruffino-Netto, 1999) fazem previsões com aproximações mais exatas quando trabalhamos no campo das ciências naturais. Não esquecer que a doença tuberculose (humana) está ocorrendo com pessoas que estão sujeitas, simultaneamente, às leis naturais e culturais. O indivíduo vive imerso em fenômenos de natureza biológica, psicológica, sociológica, econômica, religiosa, artística, etc.

Para o presente estudo, utilizou-se como estimativa de ocorrências as seguintes matrizes: sintomático respiratório = 1% da população geral; pacientes com baciloscopia positiva no escarro = 4 % dos sintomáticos respiratórios; total de casos igual

ao dobro do número de casos com baciloscopia positiva.

Em vista do exposto, em momento algum

afirmaremos a veracidade dos dados, mas tão somente utilizaremos para analisar tendências do que está acontecendo, relacionando-os com eventos norteadores da política de saúde da época. Antecedentes

No Quadro 1 é apresentado uma visão geral dos pontos relevantes ligados a história e ao controle da tuberculose no Brasil (Barreira, 1996, 1996a; Hijjar, 1997; WHO,1997; Ministério da Saúde, 1993,1999). Os principais pontos ali enumerados poderão ser destacados, quais sejam:

A tuberculose no país data praticamente

desde o ano de 1500. Foi introduzida pelos portugueses e missionários jesuítas durante sua colonização .

No início do século 19, praticamente um terço dos óbitos eram devidos a esta enfermidade, que acometia principalmente os negros. A assistência se dava através de organizações filantrópicas.

No início do século 20, Oswaldo Cruz instituiu um plano de ação contra a tuberculose, obtendo contudo, pouco impacto. No final da década de 10 foi criada a Inspetoria de Profilaxia da Tuberculose.

Em 1927 efetuou-se a primeira vacinação com BCG oral no Brasil.

Em 1941 foi criado o Serviço Nacional de Tuberculose (SNT) e em 1946 a Campanha Nacional Contra a Tuberculose (CNCT) com as funções descritas no Quadro I.

Em 1970 o Serviço Nacional de Tuberculose

se transforma na Divisão Nacional de Tuberculose(DNT) e em 1976 em Divisão Nacional de Pneumologia Sanitária (DNPS) (Ministério da Saúde, 1993).

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Quadro 1

ÉPOCA EVENTO FINALIDADES/ CONSEQÜÊNCIAS

Ano 1500 Descoberta do Brasil

Colonização portuguesa Missionários jesuítas

Introdução da tuberculose no país

Início século XIX Vinda Família Real para o Brasil Grandes movimentos migratórios

Disseminação da doença 1/3 óbitos devido a tuberculose principalmente entre os negros

Meados século XIX Ligas Contra a Tuberculose Hospitais filantrópicos

Assistência à tuberculose

Ano 1889 Proclamação da República Maior atividade das ligas contra a tuberculose seguindo modelos europeus e americanos

Século XX Criação dos sanatórios Prover isolamento adequado do pacientes e educação sanitária Início década 10 Plano de Ação Contra a Tuberculose Proposta por Oswaldo Cruz. Reconhece a necessidade da

atenção das autoridades sanitárias sobre a tuberculose. Plano teve pouca repercussão

Final década 10 Reforma Carlos Chagas- criada a Inspetoria de Profilaxia da Tuberculose

Preconiza a descoberta e tratamento dos tuberculosos

Década de 20 Em 1927 Arlindo de Assis aplica pela primeira vez o BCG oral em recém-nascido

Ano de 1940 Criado o Plano Federal de Construção de Sanatórios

Terminar a construção do sanatório do distrito federal que iniciara em 1937

Década de 40- 1941

Criado o Serviço Nacional de Tuberculose (SNT)

Função de estudar os problemas relativos à tuberculose e ao desenvolvimento de meios de ação profilática e assistencial

Ano de 1946 Criado a Campanha Nacional Contra a Tuberculose (CNCT)

Coordenar todas as atividades de controle da tuberculose Uniformidade de orientação nacional e sugerindo descentralização dos serviços Cadastramento torácico da população Houve aumento da eficiência do programa alterando o quadro de mortalidade no país

Ano de 1948 Utilização efetiva da estreptomicina Ano de 1949 Utilização efetiva do PAS para tratamento da Tb Ano de 1952 Utilização efetiva da hidrazida Década de 60 Utilização de esquemas terapêuticos

padronizados Em 1964 utilização do esquema standard de 18 meses de duração (estreptomicina+ isoniazida+ PAS) Em 1965 esquema de tratamento reduzido para 12 meses

Ano de 1970 Criada a Divisão Nacional de Tuberculose (DNT)

Substituindo o SNT

Ano de 1971 Criado a Central de Medicamentos (CEME) Fornecer para todos os doentes do país os tuberculostáticos

Ano de 1973 Implantada a vacinação BCG intradérmica Obrigatoriedade de vacinação para menores de 1 ano a partir de 1976

Ano de 1975 Criado o II Plano Nacional de Desenvolvimento Inclui o Programa Nacional de Controle da Tuberculose financiado pelo MS/INAMPS/SES Objetivo : integrar os diferentes níveis do governo para reduzir morbidade, mortalidade e problemas sócio-econômicos decorrentes da tuberculose

Ano de 1976 Criada a Divisão Nacional de Pneumologia Sanitária (DNPS)

Diminuição dos poderes e autonomia da antiga DNT

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Ano de 1979

Introdução do esquema de curta duração

Utilização da rifampicina+isoniazida+pirazinamida por 6 meses

Ano de 1981 Assinado convênio entre INAMPS/SES/MS Transferir execução do controle da tuberculose para as SES

A partir de 1981 Novas estratégias de organização dos serviços de saúde

Surgimento das AIS- Ações Integradas de Saúde SUDS- Sistema Único e Descentralizado de Saúde SUS- Sistema Único de Saúde

Ano de 1990 Criada a Coordenação Nacional de Pneumologia Sanitária (CNPS) ligada `Fundação Nacional de Saúde (FNS)

Extinção da Campanha Nacional Contra a Tuberculose pelo Presidente Fernando Collor: não priorização do PCT Desestruturação a nível federal, enfraquecimento das coordenações estaduais Diminuição dos recursos financeiros Diminuição das supervisões do programa Disseminação da epidemia de AIDS Desestruturação do Programa Nacional de Controle da Tuberculose: queda da cobertura, diminuição da busca de casos, piora dos resultados de tratamento, aumento do abandono

Ano de 1992 Tentativa de reerguer o PCT Transferência da responsabilidade dos treinamentos, monitorização dos tratamentos e campanhas públicas para o estados

Ano de 1994 Elaborado o Plano Emergencial Implementado a partir de 1996.Objetivos de aumentar a efetividade das ações de controle através da implementação de atividades específicas nos municípios prioritários ( 230) onde se concentrava 75% dos casos estimados para o Brasil, visando diminuir a transmissão do bacilo da tuberculose na população, até o ano de 1998

Ano de 1998 Proposto o Plano Nacional de Controle da Tuberculose

Objetivos de aumentar a cobertura para todos os 5.500 municípios do país, em 3 anos diagnosticar pelo menos 92% dos casos esperados e tratados com sucesso, pelo menos 85% dos casos diagnosticados, em 9 anos reduzir a incidência em 50% e mortalidade em dois terços. Foi introduzida a estratégia DOTS da OMS e instituído um bônus para os casos diagnosticados, tratados e curados.

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O II Plano Nacional de Desenvolvimento de 1975 envolve no seu bojo o controle da tuberculose. O Programa Nacional de Controle da Tuberculose era então financiado pelo Ministério da Saúde, INAMPS e Secretarias Estaduais de Saúde, integrando diferentes níveis governamentais , tendo as seguintes características (Ministério da Saúde, 1993): 1- coordenação e normas únicas em níveis federal e

estadual; 2- unidades de saúde integradas; 3- atividades independentes do especialista no nível

ambulatorial; 4- esquema terapêutico de curta duração (6 meses); 5- medicamentos fornecidos gratuitamente aos

doentes descobertos; 6- sistema de informação único e ascendente; 7- extensão da cobertura vacinal; 8- modelo de programação claro e objetivo.

Em 1981, através de convênio INAMPS/ Ministério da Saúde/Secretarias Estaduais da Saúde, é transferida a execução do controle da tuberculose para as Secretarias Estaduais. Novas estratégias foram propostas para organização da saúde, tais como AIS (Ações Integradas de Saúde), SUDS (Serviço Único e Descentralizado de Saúde) e atualmente, o Sus (Sistema Único de Saúde).

Em 1990, o programa de controle da doença sofre desestruturação quando o Presidente Fernando Collor de Mello, almejando reduzir gastos e descentralizar a administração para os estados, extinguiu a Campanha Nacional Contra a Tuberculose ( WHO, 1997).

Foi criada então a Coordenação Nacional de Pneumologia Sanitária (CNPS), ligada inicialmente à Fundação Nacional de Saúde

Em 1992, tentando-se reerguer o programa, a responsabilidade dos treinamentos, monitorização dos tratamentos e campanhas públicas são transferidas do nível federal para o estados e a assistência aos pacientes, para os municípios (Hijjar, 1997).

Em 1994 é proposto um Plano Emergencial

de Controle da Tuberculose para o país, que apenas foi implementado em 1996, selecionando-se 230 municípios. O critério de prioridade para implementar

as atividades de controle, se baseava na situação epidemiológica da doença e interfaces com a AIDS e no tamanho da população. O Plano, entre outros elementos, considerava um repasse de recursos financeiros aos municípios, à base de R$100,00 (cem reais) para cada caso estimado de tuberculose que deveria ser descoberto no referido município. O repasse seria operacionalizado através de um convênio entre o município e a Fundação Nacional de Saúde, o qual estipulava as obrigações/restrições na aplicação dos recursos (Ministério da Saúde, 1996).

Por ocasião da proposição deste Plano, seus objetivos seriam alcançar até dezembro de 1998: 1. integrar 100% dos municípios selecionados com

ações de diagnóstico e tratamento da tuberculose em pelo menos uma unidade de saúde;

2. implementar diagnóstico bacteriológico da tuberculose, melhorando a rede de laboratórios e capacitação de recursos humanos;

3. aumentar a cobertura do PCT, integrando 80% dos Centros de Saúde existentes na rede pública às ações de controle da tuberculose;

4. descobrir pelo menos 90% dos casos de tuberculose existentes no país, implementando a busca de casos, identificando os sintomáticos respiratórios em toda primeira consulta nas unidades de saúde;

5. aumentar a efetividade do tratamento, submetendo 100% dos casos novos diagnosticados ao tratamento padronizado, curando pelo menos 85%, implementando tratamento supervisionado para pacientes com maior risco de abandono;

6. desenvolver ações políticas junto às autoridades de saúde e população para priorizar o controle da doença nos Conselhos Municipais de Saúde.

Em março de 1998, a imprensa internacional

levanta a calamidade da situação epidemiológica da tuberculose no mundo, discutida pela WHO e mostra o Brasil ocupando o 10ª lugar como já destacamos anteriormente.

Em 1998 a CNPS volta para o Ministério da Saúde, vinculada agora à Secretaria de Políticas de Saúde.

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A resolução número 284, do Conselho Nacional de Saúde, de 6/08/98, considerando o descalabro consentido em que se encontrava a tuberculose no país, e que o Plano Emergencial, elaborado em 1994, ainda em implementação, estava requerendo ajustes e ampliação, e que a situação poderia e deveria ser corrigida com os recursos disponíveis, resolve que a tuberculose era problema prioritário de saúde pública no Brasil (tanto por sua magnitude como pela possibilidade e vantagens de seu controle) e sugere estabelecer estratégias para um novo plano.

Assim, em outubro de 1998, foi lançado o Plano Nacional de Controle da Tuberculose que teve as seguintes metas:

1. em três anos ( 2001) diagnosticar, pelo menos

92% dos casos esperados; 2. tratar com sucesso, pelo menos 85% dos casos

diagnosticados; 3. em 9 anos (2007) reduzir a incidência em pelo

menos 50% e a mortalidade em dois terços.

O Plano apresenta as seguintes diretrizes gerais: o Ministério da Saúde é responsável pelo estabelecimento das normas, aquisição e abastecimento de medicamentos, referência laboratorial e de tratamento, coordenação do sistema de informações, apoio aos Estados e Municípios e articulação intersetorial visando maximizar os resultados de políticas públicas. Reconhece que a condição essencial é a articulação e a complementaridade de ações dos três níveis de gestão do SUS (União, Estados e Municípios) e, mais, envolver obrigatoriamente a participação social das organizações não governamentais, realizar detecção e diagnóstico feito fundamentalmente através da baciloscopia em todos sintomáticos respiratórios e contatos, disponibilizar tuberculostáticos incluindo um estoque estratégico, assegurar tratamento supervisionado e vigilância da resistência às drogas, e prover um sistema de informação de acordo com as recomendações da OMS (Ministério da Saúde, 1999).

O Plano introduz duas inovações: o tratamento supervisionado e a instituição de um bônus de R$150,00 (cento e cinqüenta reais) e de R$100,00 (cem reais) para cada caso de doente de tuberculose tratado e curado, utilizando o tratamento

supervisionado ou auto-administrado, respecti- vamente.

O repasse desses bônus seriam feitos

automaticamente por ocasião da notificação da alta do paciente por cura. Seria suprimida toda e qualquer burocracia de assinaturas de convênios para esses repasses.

Foi selecionado pelo menos um município

como área de demonstração em cada Estado para deflagrar todo o potencial do Plano. Esta é a forma como o Plano está sendo executado.

Resultados e discussão Na tabela I e gráficos 1 e 2 são apresentados os coeficientes de incidência e de mortalidade por tuberculose, por 100.000 habitantes, no período de1977 a 1997. Tabela 1 – Coeficientes de incidência e de mortali- dade por 100.000, de tuberculose, segundo o ano e forma clínica, Brasil 1977-1997

Incidência

Ano Total Forma Pulmonar Mortalidade Pulmonar Bacilifero

1977 - - - 7,45 1978 48,5 45,5 28,0 6,93 1979 54,0 50,2 30,4 6,25 1980 60,0 54,7 35,7 6,04 1981 71,4 63,6 42,3 5,41 1982 70,4 62,3 40,08 4,63 1983 66,8 58,6 37,9 4,33 1984 66,7 58,1 38,1 4,27 1985 62,2 53,5 34,9 3,8 1986 60,2 51,9 32,5 3,90 1987 60,4 51,9 32,3 3,78 1988 58,5 50,6 31,2 3,84 1989 57,1 49,3 31,0 3,80 1990 52,0 44,4 27,1 3,66 1991 57,8 49,4 30,1 3,6 1992 57,6 49,3 30,4 3,6 1993 54,0 45,7 28,7 3,8 1994 53,5 44,8 27,7 3,9 1995 58,6 49,5 29,4 3,8 1996 54,7 46,9 28,4

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1997 51,7 44,0 27,0 Gráfico 1- Coeficientes de incidência e mortalidade (por 100.000 habitantes)

por tuberculose segundo o ano e forma clínica - Brasil

0

10

20

30

40

50

60

70

80

1978

1979

1980

1981

1982

1983

1984

1985

1986

1987

1988

1989

1990

1991

1992

1993

1994

1995

1996

1997

total

forma pulmonar

pulmonar bacilifero

anos

anos

Gráfico 2 - Coeficiente de mortalidade por tuberculose (todas as formas) por 100.000 habitantes, segundo ano - Brasil, 1977-1997

0

1

2

3

4

5

6

7

8

1977 1978 1979 1980 1981 1982 1983 1984 1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997

Coef.

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Gráfico 3 - Percentual de detecção de casos, sintomáticos respiratórios examinados, abandono de tratamento, curas e letalidade segundo o ano, Brasil, 1978-1997

0

10

20

30

40

50

60

70

80

90

100

1982198319841985198619871988198919901991199219931994199519961997

% C%

cura detecção

SR examinadoabandono

letalidade

anos

Percentual

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Tabela 2 - Percentual de detecção de casos, sintomáticos respiratórios examinados, abandono de tratamento, curas e letalidade segundo o ano, Brasil, 1982-1997

Ano População Incidência de Casos de Tuberculose Sintomático Respiratório % Abandono

% Cura

% Letalidade

Notificada Estimada % de Detecção

Estimado Examinado % SR Examinado

Tratamento

1982 119.002.706 87.822 95.202 92,2 972.180 440.066 45,2 14,30 78,0 6,5 1983 114.524.000 86.617 91.619 94,5 1.145.240 562.892 49,1 12,5 82,3 6,4 1984 128.122.279 88.366 102.498 86,2 1.281.222 591.494 46,1 12,5 82,2 6,4 1985 130.531.520 84.310 104.425 80,7 1.305.531 568.789 43,0 13,4 86,3 6,1 1986 132.995.593 83.731 106.396 78,7 1.329.955 459.867 34,5 14,1 80,0 6,4 1987 135.516.162 81.826 108.413 75,5 1.355.161 418.962 30,9 15,6 76,8 6,2 1988 140.733.798 82.395 112.587 73,2 1.407.317 377.954 26,8 14,6 77,8 6,5 1989 140.733.798 80.375 112.587 71,4 1.407.337 237.232 16,8 13,4 79,1 6,6 1990 143.434.570 74.570 114.748 65,0 1.434.345 281.822 19,6 14,3 77,9 7,0 1991 146.917.759 84.990 117.534 72,3 1.469.177 273.206 19,5 12,8 57,7 6,2 1992 149.236.964 85.955 119.390 72,0 1.492.369 323.640 21,0 12,4 55,2 6,2 1993 139.631.072 75.453 111.705 67,5 1.396.310 268.803 19,2 14,4 61,2 7,0 1994 141.497.970 75.759 113.198 66,9 1.414.979 285.362 20,1 15,7 76,4 7,2 1995 155.304.789 91.013 124.244 73,3 1.553.047 258.616 16,6 14,3 75,7 6,4 1996 156.961.120 85.860 125.569 68,4 1.569.911 265.723 16,9 14,0 74,8 1997 161.232.113 83.309 128.986 64,6 1.612.321 236.500 14,7 14,1 75,5

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Num primeiro instante chama a atenção a elevação dos coeficientes de notificação no período 1978/1981. Em seguida, há um declínio constante em todo o período, com ligeiras flutuações. Estaria este aumento de notificação em 1981 associado com o convênio INAMPS/MS/SES que transferiu a execução dos programas de controle da tuberculose para as Secretarias Estaduais de Saúde? É uma hipótese pouco provável, pois a partir de então os coeficientes de notificações vão declinando constantemente.

Como entender esse declínio no período 1981/1997? Melhoria da situação epidemiológica no país?. Também é outra hipótese com pouquíssima probabilidade de ser verdadeira.

Durante estudos de revacinação de escolares na cidade de Salvador, Bahia, trabalhando com amostragem dessa população foram encontrados (embora a amostragem apresente evidências de “bias”), bolsões de escolares com prevalência de infecção tuberculosa que permitiu estimar o risco de infecção em valores da ordem de 2,5% ( Bierrenbach,1998). Para riscos tão elevados, embora em bolsões, seria pouco provável o declínio tão rápido da doença.

A própria mortalidade pela enfermidade (tabela 1 gráfico 2) mostra que a situação epidemiológica não teria sido tão favorável desta maneira.

Assim, o declínio na incidência de notificações parece que seria melhor explicado por aspectos operacionais (baixa procura de casos como veremos adiante) que razões epidemiológicas.

No período 1977/1982, o coeficiente de

incidência aumentou e o coeficiente de mortalidade caiu. Portanto, o coeficiente de letalidade deveria ter sofrido grande declínio (uma vez que coeficiente de letalidade = coeficiente de mortalidade dividido pelo coeficiente de incidência). Como no período que se segue (1982/1995) a letalidade permanece constante (tabela 2 e gráfico 3), provavelmente também este seria seu comportamento no período anterior. Neste caso, a hipótese mais provável é que o coeficiente de mortalidade estaria subnotificado no período anterior, ou seja, entre 1977/1981.

Fávero, Ruffino-Netto e Duarte, 1972, estudando a tuberculose como causa de óbito numa cidade do interior do Estado de São Paulo, encontraram que em um terço dos casos que morreram na comunidade e em que a tuberculose teve participação, o diagnóstico somente foi feito na autópsia, embora 90% destas pessoas morassem na cidade há mais de 2 anos e esta contasse com recursos para efetuar o programa de controle da doença. Ou seja, a subnotificação de óbitos por tuberculose é um fato concreto para o país. Se a prevalência oculta da doença é da ordem de 30% , é de se supor também que a subnotificaçao da mortalidade também esteja ocorrendo.

Uma outra hipótese a ser lembrada para a redução da mortalidade seria a introdução do esquema de curta duração (incluindo o uso da rifampicina) que tem uma eficácia muito grande. Mas, neste caso, porquê a redução teria durado tão pouco tempo (1977/1985) se o problema da resistência aos medicamentos ainda não era e/ou não é tão grande no país?.

Desta maneira, para o período de estudo, há

razões para se pensar que ocorreu subnotificação da mortalidade assim como subnotificação da incidência, talvez por baixa operacionalização na busca de casos novos.

Na tabela 2 e gráfico 3 são apresentados os percentuais de detecção dos casos, sintomáticos respiratórios examinados, abandono do tratamento, curas e letalidade.

No período todo, há um percentual de detecção de casos que inicia com 92% em 1982 e cai progressivamente até 64% em 1997 com flutuações para baixo em 1989/1990.

Em 1990 foi extinta a Campanha Nacional Contra a Tuberculose. Mas, porquê durante todo o período houve essa queda constante? Teria a Vigilân cia piorado gradativa e constantemente para aumentar a discrepância entre o observado e o esperado de casos novos? Ou ocorreu que valores esperados foram superestimados? Embora as duas hipóteses sejam plausíveis, o mais provável é que a procura de casos tenha diminuído. Tal hipótese é corroborada pelo número de sintomáticos respiratórios (SR)

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examinados no período, cujo percentual em relação ao esperado caiu de 45% em 1982 para 14% em 1996. Mesmo que tal indicador seja tido como ultra vulnerável pela própria CNPS, devido à qualidade do preenchimento e coleta dos dados, fica evidenciado que, mesmo com dados provavelmente incorretos, a procura de casos de tuberculose está baixa.

Haja vista que, para um total de 160 milhões

de habitantes, foram feitas apenas cerca de 300.000 baciloscopias diagnósticas. Se fôssemos fazer 2 baciloscopias para diagnóstico por cada sintomático respiratório e supondo 1% da população geral nesta categoria, teríamos estimados: 1.600.000 sintomáticos respiratórios e portanto, 3.200.000 baciloscopias diagnósticas.

Lembrando que o Peru, para uma população de 23 milhões de habitantes, faz 1.400.000 baciloscopias diagnósticas anuais, observamos que estamos em uma situação muito longe de poder-se falar que esgotamos os recursos diagnósticos. Se é verdade que o número estimado de casos poderá estar superestimado, mais verdadeiro ainda será supor que o número de casos observados está muito aquém do desejado.

Porquê esse baixo percentual de detecção? Porquê não se procura mais tuberculose? A crença geral das pessoas é que a tuberculose é doença do passado. Teria sido esta também a crença dos médicos? Secretarias Municipais / Estaduais de Saúde? Das Universidades do país? E do próprio Ministério da Saúde? É difícil responder esta questão e principalmente refutar a hipótese embutida que ela contém.

As diferentes políticas de saúde, no período,

parecem não ter causado impacto algum na procura de casos assim como no percentual de abandono como veremos a seguir.

Nestes últimos 20 anos, observa-se que o percentual de abandono do tratamento manteve-se sempre em níveis elevados, mais ou menos estável ao redor de 14%. Vale ressaltar que isto é uma média nacional, sendo que estes valores chegam a variar de 30 a 40% de um local para outro. Éspera-se que este nível venha agora a se modificar com o tratamento supervisionado.

Embora para a WHO, o tratamento supervisionado seja uma proposta inovadora, deve-se ressaltar contudo, que a Fundação de Serviço Especial de Saúde Pública (SESP) do Brasil já o utilizava na década de 60. O tratamento supervisionado era efetuado pela enfermagem, em unidades de todos os níveis de complexidade da SESP. Esta estratégia se iniciou em 1962, e conseguiu cobrir todas as unidades da Fundação em 1981. No período de 1974 a 1978, tratou 16.426 pacientes com tuberculose obtendo os seguintes resultados: 81% de cura, 9% de abandono e 4,7% de óbito (Rocha,1981).

O percentual de curas sofreu flutuações com tendência geral decrescente.

A desestruturação da CNCT interferiu seriamente no percentual de curas especificamente nos anos de 1991 e 1992, embora apresentasse anteriormente um declínio. Durante todo esse período, somente em 1985 o percentual de cura atingiu o valor de 86,3%.

A década de 80 e início de 90 parece realmente ter sido um período de grande desestruturação do programa que estaria a clamar por um plano emergencial.

A implementação deste Plano (efetivamente a partir de 1996) não alterou o percentual de abandono e/ou de cura. O percentual de detecção bem como o percentual de SR examinados caiu um pouco. O percentual de cura sofreu pequena elevação.

Durante o Plano Emergencial a cobertura do

programa alcançou integrar 72% dos Centros de Saúde. O % de detecção ficou ao redor de 66% e o de cura ao redor de 75%. A quantidade esperada de bacioloscopias para diagnóstico em 1996/1997 era respectivamente, de 1.569.911 e 1.612.32; contudo, foram efetuadas apenas 265.723 e 236.500 , ou seja, apenas 16,9% e 14,7% do esperado (ou se efetuássemos 2 baciloscopias para diagnóstico, representaria apenas 8,4% e 7,3% respectivamente do esperado).

Quanto às ações políticas junto às autoridades de saúde parece que surtiram pouco impacto, pois tuberculose parecia considerada um problema não

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prioritário, seja nos níveis federal, estadual e municipal, a ponto de, em diferentes níveis e/ou momentos, falar-se em “tuberculose como algo emergente (?) ou reemergente (?) sem se dar conta que, para o Brasil ela não é nem uma coisa tampouco outra. A tuberculose esteve sempre presente como problema de saúde pública durante todo o século (Ruffino Netto, 1997).

Em 1997 houve falta de medicamentos tuberculostáticos em praticamente todos os Estados brasileiros, pois a programação feita pela CNPS não foi atendida pelo Ministério da Saúde.

Conclusões

Parece que fatos das políticas de saúde vigentes no período tiveram impactos marcantes em alguns aspectos da epidemiologia da tuberculose. Alguns marcantes negativamente, como foi o caso da extinção da Campanha Nacional Contra a Tuberculose e da falta de medicamentos.

Outros atuaram positivamente como o convênio INAMPS/MS/SES e a adoção de esquemas terapêuticos padronizados de curta duração.

Durante todo o período o percentual de abandono foi sempre alto, o que poderia ter mobilizado anteriormente a implementação do tratamento supervisionado, à exemplo do que já efetuava a Fundação SESP na década de 60.

Assim, se tanto os casos notificados (observados) quanto os casos estimados são passíveis de discussão, portanto passível também é de crítica a avaliação que se faz do programa. Os dados observados e estimados não descrevem com exatidão a realidade. Servem contudo como exercício de reflexão sobre tendências dos fenômenos.

Repetimos o já explicitado: não era intenção

retratar com exatidão a realidade ( não teríamos dados e condições para isso). O objetivo é apenas reflexão que possa mostrar caminhos para melhoria da situação do problema em pauta.

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CONTACTANTES* DE DOENTES COM TUBERCULOSE MULTIRRESISTENTE – POSSIBILIDADES DE INTENSIFICAR A

AÇÃO DA ENFERMAGEM** Fabiana Barbosa Assumpção de Souza 1 e Florence Romijn Tocantins2 Resumo Este estudo se insere na concepção de uma assistência de enfermagem de qualidade à população, fundamentada na atitude das pessoas quanto à promoção de sua saúde. Tem por objetivo geral discutir ações de Enfermagem na prevenção da tuberculose, junto a contactantes de doentes com tuberculose por bacilo multirresistente. O estudo, do tipo descritivo-exploratório, foi desenvolvido fundamentado em Peplau e King, durante Consulta de Enfermagem, junto a contactantes de doentes matriculados no Protocolo de tratamento de tuberculose multirresistente, no Centro de Referência Hélio Fraga - RJ. Os dados quantitativos, descritos mediante o Programa ISSA, e os dados qualitativos, analisados por conteúdo temático, permitiram identificar que os contactantes, independentemente das suas características epidemiológicas, não modificaram, mesmo temporariamente, a intensidade de exposição ao doente foco. Pode-se afirmar que existe a necessidade, entre outras, de um maior envolvimento da Enfermeira no Programa de Controle da Tuberculose. Este envolvimento diz respeito principalmente à necessidade de estimular uma maior participação dos contactantes de pessoas infectadas com o bacilo da tuberculose multirresistente para a prevenção ativa, individual e coletiva, da tuberculose. Palavras-chave: Enfermagem em Saúde Pública. Tuberculose Comunicante. Summary This study emerges from a conception of qualitative nursing assistance towards the population, based on the attitude of promoting their own health. It aims to discuss nursing actions in preventing tuberculosis among contacts of multidrug-resistant tuberculosis patients. The study follows a descriptive-exploratory style and was being developed based on Peplau and King, during the Nursing Appointments with contacts of patients registered in the Protocol for Treatment of Multidrug-Resistant Tuberculosis, at the Centro de Referência Hélio Fraga – R. J. – Brazil. The data described by ISSA Program, and the qualitative data, analyzed by thematic content, allowed to identify that the contacts, regardless their epidemiological characteristics, did not modify, even temporarily, the intensity of their exposure to the multidrug-resistant source of infection. It can be stated that there is, among others, the need of a larger involvement of the Nurse in the Program of Tuberculosis Control. This involvement refers mainly to the need to stimulate greater participation of the contacts of persons infected by multidrug-resistant tuberculosis bacillus in active, individual and collective tuberculosis prevention. Keys-words: Public Health Nursing. Tuberculosis Contacts.

Nota do Editor: para padronização com as demais doenças infecto-contagiosas do SINAN , a nova edição das Normas Nacionais para Controle da Tuberculose estabelece o termo CONTATO.

* A partir de 1997, segundo o I Consenso Brasileiro de Tuberculose, COMUNICANTE passa a ser denominado de CONTACTANTE.. ** Este artigo é baseado da Dissertação de Mestrado defendida na Universidade do Rio de Janeiro-UNIRIO, 1999. 1 Enfermeira, Mestre em Enfermagem, Professora da EEAP – UNIRIO. 2 Enfermeira; Doutora em Enfermagem; Professor Titular – EEAP – UNIRIO; Orientadora.

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Introdução

Para TEIXEIRA – (1997, p.3) existe no Brasil, 39 milhões de infectados. “O tratamento é abandonado por 14% dos que iniciam; e, muito grave, mais de 25% dos casos de AIDS apresentam tuberculose associada e, há em perspectiva, um aumento da prevalência da TBMR”.

De acordo com DALCOLMO – (1995), dos 90.000 casos novos de tuberculose no Brasil, 80% são formas clínicas pulmonares, e destas, 60 – 70% são bacilíferas. Isto representa uma taxa de incidência de todas as formas, para o país, de 57/100.000 habitantes, e de bacilíferos de 35/100.000 habitantes. A Região Sudeste concentra aproximadamente 45% dos casos notificados em todo o país. A faixa etária predominante é a de 20 a 30 anos.

Na Região Sudeste, os maiores problemas estão nos estados do Rio de Janeiro e de São Paulo. Para CAVALCANTE, PACHECO, LAURIA, et al.- (1998, p. 91). “O Estado do Rio de Janeiro apresenta o maior coeficiente de incidência por 100.000 habitantes (111,7) e também o maior coeficiente de mortalidade do país. O Estado do Rio de Janeiro e o Estado de São Paulo juntos abrigam 40% do total de casos do Brasil”.

Apesar do tratamento da tuberculose ser considerado eficaz desde os anos 50, para RODRIGUES E MENDONÇA et al. (1997), a necessidade de um esquema terapêutico combinado e prolongado é tida como um complicador, pois dá margem à emergência de resistência medicamentosa nos casos de administração inadequada. Para os autores, “a resistência a uma ou a múltiplas drogas representa um importante agravo no contexto da problemática representada pela tuberculose” (RODRIGUES E MENDONÇA et al.,1997, p. 625).

No Brasil, um dos principais problemas para o controle da tuberculose, atualmente, tem sido o abandono do tratamento, que alcança uma taxa de 14%. No Rio de Janeiro, esta taxa é de 30% e, em São Paulo, de 20%, contribuindo decisivamente para o aumento do número de casos de doentes com bacilos multirresistentes às principais drogas disponíveis (FORTES E DALCOLMO, 1997).

O desenvolvimento da resistência bacteriana pode levar à morte ou prolongar o tempo de tratamento com um esquema de drogas que é muito mais caro do que os utilizados na tuberculose não-resistente. O tratamento de um caso novo de tuberculose custa de R$ 70,00 a R$ 80,00 (valores de 1998). Já o tratamento de um caso de TBMR tem o valor médio de R$ 3.500,00, fora o possível custo com internação (RUFFINO-NETO, 1998). Junto a isto, o paciente enfrenta outras dificuldades, como precisar ser internado em alguns momentos e, na primeira fase do tratamento, enquanto a sua baciloscopia estiver positiva, ser afastado do trabalho (75% dos casos de tuberculose ocorrem na população economicamente ativa). Além disso, o paciente deverá evitar contatos muito próximos com os seus familiares e amigos.

Analisando-se a situação, pode-se perguntar:

quais são as causas desta problemática ? É comum ouvir muitos profissionais de saúde colocando a culpa no paciente quando se trata de tuberculose multirresistente ou não. Costumam dizer que o mesmo abandonou o tratamento por conta própria e sem motivos justificáveis.

De acordo com Ribas (1987, p. 3), “A

atuação da Equipe de Enfermagem em Unidade de Assistência Primária de Saúde, está voltada para uma forma de atendimento que propicia o surgimento de uma barreira prevalente no processo de comunicação enfermagem-cliente, cujo transpor se torna bastante difícil, pois o profissional age junto aos clientes na maioria das vezes de forma impessoal, não apresentando oportunidades nem a si, muito menos ao cliente, de fazer questionamentos que facilitem a realização correta do tratamento”.

Como se observa, é fácil ocorrer algum problema na comunicação enfermeira3-paciente, e se o profissional não estiver alerta, os problemas decorrentes disto podem ser extremamente preocupantes, como é o caso da tuberculose por bacilo multirresistente. Quando o profissional de enfermagem posiciona-se colocando a culpa apenas no paciente, deixa de analisar a situação de vida deste cliente e, o que é mais preocupante, a sua relação com as pessoas do seu convívio habitual. Quem são as pessoas que

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3 No texto deste estudo a palavra enfermeira refere-se tanto à profissionais do sexo feminino, quanto do sexo masculino

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convivem com ele? Qual a possibilidade de contaminação destas pessoas pela tuberculose multirresistente?

No controle da tuberculose, a enfermagem tem importante papel, uma vez que participa de atividades de combate à doença em todas as suas fases, o que exige que esteja realmente integrada na luta contra a doença. Em 1967, na atividade de descoberta de casos, BECKER (1967 p. 355) já descrevia as seguintes atividades como de responsabilidade da enfermagem: ♦ Desenvolvimento de programas de prova

tuberculínica que inclui: a)Seleção, recrutamento e preparo dos grupos a examinar; b Aplicação e leitura dos testes; c)Rastreamento dos focos existentes em torno dos “infectados” (reatores);

♦ Exame de escarro dos clinicamente suspeitos;

♦ Recrutamento dos casos destinados a exame radiológico;

♦ Controle tuberculínico e radiológico, periódico, dos “comunicantes”;

♦ Triagem dos casos examinados.

Conforme o já observado, diante da crítica situação da tuberculose, torna-se imprescindível reforçar que a política e as ações de saúde, no âmbito desta doença, carecem ser preventivas, procurando ir às raízes do problema para evitar que ele aconteça. As ações curativas são importantes mas não debelam o mal totalmente e podem até incentivá-lo ainda mais. Isto ocorre, por exemplo, quando se administra antibióticos inadequadamente, o que leva ao desenvolvimento de germes resistentes. E, se não adotarmos uma conduta preventiva como, por exemplo, o controle dos contactantes, estaremos deixando que o problema fique ainda pior.

Nestas ações a enfermagem tem, sem dúvida, importante papel. Para Paula apud RIBAS (1987, p. 3) “A enfermagem já dedicou muito do seu trabalho sofisticado a poucos indivíduos, devendo agora procurar estender a sua atenção a muitos, com tecnologia apropriada através da assistência primária”.

E seguindo esta mesma linha de raciocínio, Ferreira apud RIBAS (1987, p. 3), apresenta que:

“Os contatos que a Equipe de Enfermagem tem com o indivíduo podem não ser longos, entretanto são freqüentes, pelo número de vezes que o mesmo retorna ao serviço. Estes são oportunos para dar-lhes apoio, orientação e ensino, o que poderá ser estendido a seus familiares”.

A atuação da enfermagem no controle da tuberculose, seja diante de casos resistentes ou de sensíveis à terapêutica usual, não se modifica. Naqueles casos por bacilos multirresistentes o que existe é uma preocupação maior, tendo em vista a gravidade do problema e o fato de que a doença expõe todas as pessoas em volta, ao risco de infectar-se com estes bacilos. Problemática

De acordo com um estudo realizado por DALCOLMO, FORTES, MELO, et al. (1998) no ano de 1997, dos 135 doentes com tuberculose multirresistente, submetidos a tratamento, observou-se: 54,07% (n=73) com resultados favoráveis (tratados, pelo menos, por 12 meses ou 6 meses após duas culturas negativas consecutivas); 33,33% (n=45) de falência do tratamento (permaneceram com culturas positivas após 12 meses de tratamento); 6,66% (n=9) de óbito; 5,90% (n=8) de abandono, (descontinuidade no tratamento e nas consultas médicas).

Como se pode verificar, na tuberculose multirresistente o tratamento é longo e a cura ocorre apenas em cerca de metade dos casos. Já a falência do tratamento, observada em 33,33%, leva ao estudo dos contactantes desses doentes para conhecer quem são eles e que tipo de contato tiveram ou têm com pacientes de tuberculose multirresistente. A enfermagem que com sua tecnologia pode intervir no processo de transmissão deve dar prioridade à investigação dos contactantes notadamente aqueles de casos multirresistentes.

Segundo o Manual de Normas para o Controle da Tuberculose (Brasil, 1995, p. 9) comunicante é: "toda pessoa, parente ou não, que coabita com um doente de tuberculose."

A partir de 1997, de acordo com o I Consenso Brasileiro de Tuberculose, (Brasil, 1997 p. 336), o

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termo Comunicante passa a ser de Contactante. “ Contactante: toda pessoa que convive com um doente de tuberculose”.

Ainda segundo este Consenso (BRASIL, 1997, p. 336), este contactante pode ser:

a) Intradomiciliar - toda pessoa que coabita com um doente de tuberculose; b) Extradomiciliar - toda pessoa que

compartilha com o doente de tuberculose de ambientes comuns, sejam ambientes de lazer ou trabalho (escola, escritório) ou ambientes institucionais (presídios, manicômios, hospitais).

Desta forma, o problema está em saber como

os contactantes relacionam-se com os doentes com tuberculose por bacilo multirresistente. É preciso também que se discuta a questão da participação ativa da enfermeira na prevenção, controle e tratamento da tuberculose e a importância do seu preparo para atender o doente, em especial, os contactantes. Objetivos: Geral Analisar as possíveis Ações de Enfermagem, junto a contactantes de doentes com tuberculose por bacilo multirresistente, para a intervenção no processo de transmissão do bacilo. Específicos ♦ Traçar o perfil epidemiológico de

contactantes de doentes com tuberculose por bacilo multirresistente;

♦ Identificar os tipos de relações dos contactantes com os doentes com tuberculose por bacilo multirresistente;

♦ Discutir as ações de Enfermagem na

prevenção da tuberculose, junto a contactantes de doentes com tuberculose por bacilo multirresistente.

Metodologia

O estudo é do tipo descritivo-exploratório, como concepção de estudo epidemiológico transversal que visa observar, descrever e classificar um fenômeno, a maneira como ele se manifesta e os fatores com os quais ele se relaciona (POLIT e HUNGLER, 1995). Pretendeu-se identificar as mudanças de comportamento/relações de pessoas contactantes de casos de tuberculose multirresistente e discutir as ações da enfermagem na prevenção da tuberculose.

O estudo teve por população alvo os contactantes de pacientes com tuberculose por bacilo multirresistente (TBMR), matriculados no protocolo para ensaio clínico de tratamento de casos de TBMR, financiado pelo PNCT, do Ministério da Saúde, no Ambulatório Integrado de Pesquisa do Centro de Referência Hélio Fraga (CRHF), localizado na cidade do Rio de Janeiro.

Considerando que o número de doentes de tuberculose por bacilo multirresistente não é fixo ou estável, conseqüentemente, o número de seus contactantes também não o será. Assim sendo, optou-se por não pré-determinar o tamanho de uma amostra a ser selecionada, mas sim, considerar o período estipulado para a realização de entrevistas, de acordo com o cronograma da pesquisa. Foram então entrevistados todos aqueles contactantes que compareceram às entrevistas no período de outubro de 1997 a maio de 1998. O autor deste trabalho comparecia ao Ambulatório do CRHF, duas vezes por semana, e integrava a equipe assistencial. Os pacientes de TBMR eram entrevistados enquanto aguardavam a consulta médica e fazia-se o levantamento dos seus contactantes, marcando, com eles, as consultas de enfermagem com suas famílias. Dos 43 pacientes entrevistados obteve-se a informação nominal de 155 contactantes.

Ao final do prazo estabelecido para a realização da pesquisa de campo, a população de contactantes entrevistada era de 120, representando 77,41% dos contactantes informados pelos doentes inscritos no Protocolo.

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No decorrer das entrevistas, alguns doentes - caso TBMR foco - foram excluídos do Protocolo, por razões diversas, contudo, os seus contactantes continuaram a ser atendidos e compondo a população desta pesquisa.

Os instrumentos utilizados estão fundamentados no Formulário de Pesquisa coordenado pelo CRHF e naqueles utilizados pela Secretaria Municipal de Saúde - Rio de Janeiro (SMS-RJ), no controle de contactantes; estes, foram enriquecidos a partir da revisão da literatura, especialmente no tocante à temática - "Controle da Transmissão do Bacilo e a Relação Contactante - Doente".

A coleta de dados foi realizada durante a consulta de enfermagem e através das entrevistas para o preenchimento do formulário de atendimento ao contactante de tuberculose multirresistente. Foi realizado primeiramente, uma entrevista com os pacientes com TBMR, relacionando-se e agendando-se para a consulta de enfermagem todos seus contactantes. Por ocasião desta consulta solicitava-se a aquiescência dos indivíduos contactantes de pacientes com TBMR que participaram da pesquisa, através de um Consentimento Informado.

As entrevistas eram individuais e abordavam os seguintes aspectos: dados de identificação, dados epidemiológicos, informações sobre as possibilidades de contágio e, por último, dados clínicos dos contactantes. Neste momento procurava dar destaque às fases de Exploração e Resolução, propostas por Peplau (GEORGE,1993), para as Relações Interpessoais.

Os dados específicos para a pesquisa foram coletados através das entrevistas descritas acima, utilizando-se os formulários “Levantamento de Contactantes”, “Ficha de Pesquisa de 1° Atendimento do Contactante da TBMR”, “Ficha de Pesquisa de Atendimento do Contactante da TBMR – Relação com o Doente”. Os contactantes apresentaram resultados de PPD realizados há menos de 6 meses e foram submetidos a RX de tórax, solicitado durante uma consulta médica. Quando os contactantes eram sintomáticos respiratórios, realizavam exame de

escarro para a pesquisa de BAAR, cultura e teste de sensibilidade.

A computação dos dados quantitativos e a sua estruturação mediante tabelas, ocorreu através de um programa estatístico, chamado ISSA - Sistema Integrado de Análise Estatística (Integrated System for Survey Analysis), versão 1.2, desenvolvido no Chile, pela MACRO International Inc.4 Todas as tabelas e quadros têm como fonte os questionários aplicados pela pesquisadora. Os dados qualitativos abordam os elementos referentes à análise do tipo de relação dos contactantes com os doentes de TBMR. Os contactantes foram questionados sobre se houve ou não mudança no tipo de relação após o diagnóstico da doença e qual a razão e tipo desta mudança. Estes dados, submetidos à análise de conteúdo temático Análise e apresentação dos dados A análise dos dados foi realizada tendo em vista os objetivos deste estudo. O primeiro, traçar o perfil epidemiológico de contactantes de doentes com tuberculose por bacilo multirresistente e, o segundo, identificar os tipos de relações dos contactantes com os doentes. Com isto, pretende-se subsidiar a discussão das ações de enfermagem na prevenção da tuberculose. Ao final do estudo foram elaboradas 47 tabelas, das quais são apresentadas aqui aquelas que contêm os dados mais significativos, considerando-se os objetivos do estudo.

A6 MACRO INTERNATIONAL INC. Integrated System for Survey Analisys User’s Guide. Draft Version 1.2 . August, 1998. A MACRO é uma instituição privada, internacional, responsável pelo desenvolvimento do Programa de Pesquisas de Demografia e Saúde, DHS. CRO INTERNATIONAL INC. Integrated System for Survey Analisys User’s Guide. Draft Version 1.2 . August, 1998. A MACRO é uma instituição privada, internacional, responsável pelo desenvolvimento do Programa de Pesquisas de Demografia e Saúde, DHS.

(BARDIN, 1977), foram transcritos na íntegra e estão estruturados em quadros categorizados, com destaque para as idéias que emergiram com maior predominância.

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Síntese descritiva

CARACTERÍSTICAS DOS CONTACTANTES %

Feminino 54 1. Sexo Masculino 46

Esposo, namorado, companheiro 19 2. Parentesco Filho 45

0 – 10 anos 29 10 – 20 anos 24 20 – 30 anos 17

3. Faixa Etária

30 – 40 anos 13 4. Naturalidade Região Sudeste 92

Sem Instrução Formal 11 5. Grau de Instrução Primeiro grau Incompleto 61

Estudante 42 Do lar 16

6. Situação Trabalhista

Autônomo 12 C (497 – 1064) 51 7. Classificação Econômica (R$) D (263 – 496) 37

8. Vacina BCG Sim 93 09. Teste de PPD Sim 87

10. Resultado Teste de PPD Reator Forte (>10 mm) 58 11. Tipo de Domicílio Casa 87

12. Tipo de Parede do Domicílio Alvenaria 95 13. Presença de Sol Sim 82

14. Pessoas por média de Cômodos nos Domicílios

5 pessoas para 5 cômodos 86

15. Grau de Convivência com o foco da TBMR

Intradomiciliar 78

Dormia junto e continuou 46 Dormia junto e parou 23

16. Tipo de Convivência Intradomiciliar

Nunca dormiu junto 30 17. Freqüência do Contato

Intradomiciliar Diário, mas não contínuo nas 24 horas 81

18. Tipo de Proximidade Física Dormem no mesmo quarto do doente 46 Olhar, conversar e apertar a mão 79 19. Intensidade da Relação (social-

afetiva) Olhar, conversar, apertar a mão, abraçar e beijar sem contato de saliva.

45

20. Modificação do Tipo de Relação Não 74

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Após a apresentação desta síntese descritiva e analisando-se este quadro, pode-se chegar às seguintes conclusões sobre as características dos contactantes entrevistados nesta pesquisa: inicialmente, verifica-se que o número de contactantes homens e mulheres, atendidos durante a pesquisa não oscilou praticamente nada; a maioria deles possui grau de parentesco com o doente foco da TBMR - esposo, namorado, companheiro ou filho; a faixa etária mais freqüente é a de 0 a 10 anos, seguida da de 10 a 20 anos; a grande maioria dos contactantes nasceu na Região Sudeste; observou-se um grau de instrução baixo, entre a maioria dos contactantes, alguns sem instrução formal e outros com primeiro grau incompleto; quanto à situação trabalhista predominam os estudantes, seguidos de mulheres com profissão do lar e de autônomos; a renda familiar é baixa – 51% na classe “C”e 37% na “D”- sendo que a maioria reside em casas de alvenaria, com 5 cômodos e com presença de sol; um número alto de contactantes está vacinado com BCG e foi submetido ao teste de PPD, com grande incidência de reatores fortes; o grau de convivência dos contactantes com os doentes-foco da TBMR é intradomiciliar e o tipo de convivência varia entre “dormia junto e continuou,” “nunca dormiu junto,” e “dormia junto e parou”; a maior parte dos

contactantes encontra o doente diariamente, mas não passa as 24 horas junto; sobre o tipo de proximidade física, eles costumam dormir no mesmo quarto do doente-foco: um grande número de contactantes mantém uma relação social-afetiva do tipo olhar, conversar, apertar a mão e outras, além dessas, costumam abraçar e beijar (sem contato de saliva) o doente-foco.

Características da relação

De todos os contactantes entrevistados, apenas 23 responderam afirmativamente, quando questionados se houve mudança no tipo de relação com o doente-foco após o diagnóstico. Eles foram questionados também sobre o Tipo de Mudança na Relação e sobre qual a Razão desta Mudança.

Quanto aos Tipos de Mudança na Relação, descritos pelos contactantes, após o conhecimento do diagnóstico da TBMR, apareceram três categorias-temáticas básicas: Distanciamento Físico, Dimensão Física da Relação e Dimensão Afetiva da Relação, sendo que a categoria-temática Distanciamento Físico, foi relatada em termos de Distanciamento Físico Propriamente Dito e “Métodos de Barreira”.

QUADRO I – FREQÜÊNCIA DO TIPO DE MUDANÇA NA RELAÇÃO ENTRE CONTACTANTE E DOENTE FOCO

CATEGORIA TEMÁTICA FREQÜÊNCIA*

a) Propriamente Dito 17 1- Distanciamento Físico b) “Métodos de Barreira” 04

2- Dimensão Física da Relação 09 3- Dimensão Afetiva da Relação 03 *O total é superior a 23 porque uma mesma pessoa pode ter diferentes categorias-temáticas de mudança de relação.

Merece destaque a natureza física da mudança, seja em termos de Distanciamento Físico Propriamente Dito - 17 relatos - seja em termos da Dimensão Física da relação - 9 relatos.

No quadro II, são apresentados os relatos que deram origem à Categorização Temática: Tipo de Mudança.

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QUADRO II - RELATO DOS CONTACTANTES, POR CATEGORIA-TEMÁTICA, SOBRE O TIPO DE MUDANÇA NA RELAÇÃO, COM O DOENTE FOCO

CATEGORIA –TEMÁTICA RELATO

a) Propriamente – Dito Mantenho a distância.; Evito “ele” um pouco; Passei a ficar mais distante; Passei a dormir em quarto separado; Peço às minhas filhas para ficarem longe das crianças; Passei a dormir ao contrário na cama; Nos separamos um pouco...Passamos a evitar ficar juntos; Ele passou a ficar mais distante e se isolou; Não durmo mais com o meu Pai; Me afastei; Não durmo mais com o meu Pai; Não durmo mais com ela, não fico muito perto dela; Fico mais separada do meu Pai; Passei a ficar mais distante; Não durmo mais junto; Passei a dormir separado.

1- Distanciamento Físico

b) Métodos de Barreira Separo a roupa de cama e a roupa delas; Passamos a ter mais cuidado e a minha esposa usou máscara no início; Separei a louça dele; Separei as coisas..

2- Dimensão Física da Relação Só converso; Só beijo no rosto; Sem relação sexual; Parei de beijar na boca e de ter relação sexual; Converso pouco com ele; Evito beijar no rosto dele; Não beijo na boca; Não beijo mais na boca; Não abraço mais.

3- Dimensão Afetiva da Relação Meu Pai agora está mais brincalhão; Tenho raiva porque ele abandonou o tratamento; Conflitos...me afastei...

Analisando-se o quadro II, deve-se considerar as questões pessoais de relacionamento, que foram levantadas na introdução deste estudo, onde foi dito que as pessoas, neste caso, contactantes, passam a ter que se afastar do doente. Verifica-se que os contactantes encontram estratégias, principalmente no distanciamento físico que não implicam obrigatoriamente na diminuição da dimensão afetiva ou física da relação, pois os relatos mais freqüentes foram os de Distanciamento Físico Propriamente Dito.

Ajudando a fundamentar ainda mais a ação da enfermeira, este quadro demonstra que os próprios contactantes já têm como estratégia um distanciamento físico que é adequado para a prevenção da infecção, mas que não implica, obrigatoriamente, na redução da dimensão física e afetiva da relação. Ainda se acrescenta que as pessoas têm que mudar alguma coisa e mudam - a maioria se afasta.

QUADRO III - FREQÜÊNCIA DA RAZÃO DA MUDANÇA DO TIPO DE RELAÇÃO ENTRE CONTACTANTE E DOENTE

FOCO CATEGORIA –TEMÁTICA FREQÜÊNCIA* 1- Medo de se “contaminar” 17 2- Orientações Médicas 03 3- Preocupação com o doente 03 4- Mudança de atitude por parte do doente 01 5- Por problemas decorrentes da doença 01 *O total é superior a 23 porque uma mesma pessoa pode ter diferentes categorias-temáticas de mudança de relação.

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Merece destaque a categoria temática Medo

de se “contaminar,” com 17 relatos. Com número de relatos bem inferior, observam-se as categorias Orientações Médicas e Preocupação com o doente, três relatos cada uma.

A seguir, no quadro IV, serão apresentados os relatos que deram origem à Categorização Temática: Razão da mudança.

QUADRO IV - RELATO DOS CONTACTANTES, POR CATEGORIA-TEMÁTICA, SOBRE A RAZÃO DA MUDANÇA DO TIPO DE RELAÇÃO ENTRE CONTACTANTE E DOENTE FOCO

CATEGORIA –TEMÁTICA RELATO 1- Medo de se “contaminar” Tenho medo de pegar esta doença; Medo de me

contaminar; Medo do contágio; Medo de contaminar a família.

2- Orientações Médicas Pois a médica da minha Mãe disse que se eu pegar a doença, vai vir muito forte como a da minha Mãe; A Doutora disse que o estado dela é grave; Porque a Doutora pediu.

3- Preocupação com o doente Preocupação com a debilidade dela; Mudei quando eu fiquei doente de tuberculose e não queria prejudicar o meu marido (doente de TBMR); Acho que o caso é grave, e que tenho que ter mais cuidado.

4- Mudança de atitude por parte do doente Porque o meu Pai parou de beber e agora ficou mais amigo.

5- Por problemas decorrentes da doença Os problemas financeiros interferem na relação da gente.

As razões que mais se destacaram, para a mudança no tipo de relação entre doente e contactante dizem respeito ao medo da contaminação. Os relatos, na sua maioria, são: “Tenho medo de pegar esta doença; Medo de me contaminar; Medo do contágio; Medo de contaminar a família.”

O conteúdo destas categorias-temáticas permitiu reafirmar a importância da concepção de King (GEORGE,1993), quanto ao papel da enfermeira junto e ao cliente. Este profissional utiliza habilidades, conhecimentos e valores, para a identificação de metas e para o auxílio no sentido do controle da transmissão do bacilo. Para isso, a enfermagem exige uma participação ativa do contactante.

Considerações finais

A orientação desta pesquisa foi de AÇÃO

PREVENTIVA. A enfermagem participa de atividades de combate à tuberculose em todas as suas fases, mas precisa estar realmente integrada nesta luta, estabelecendo medidas, participando da prevenção, evitando complicações e a contaminação de outras pessoas.

Como já se sabe, a atuação da enfermagem para o controle da tuberculose, seja ela resistente ou sensível à terapêutica usual, não se modifica. Nos casos de tuberculose multirresistente o que existe é uma preocupação maior, tendo em vista a gravidade do problema e o fato de que a doença expõe todas as

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pessoas em volta a um risco grande destas serem infectadas por bacilo resistente. Além disso, nos casos de adoecimento dos contactantes, é preciso que se tenha atenção para as características destes, pois, o esquema de tratamento da TBMR, no estudo controlado pelo CRHF/Ministério da Saúde, não pode ser administrado a gestantes e crianças menores de 14 anos, devido às lesões osteoarticulares graves que alguns daqueles medicamentos podem causar.

À enfermagem cabe providenciar o exame e o tratamento preventivo dos contactantes, procurando protegê-los da possibilidade de transmissão do bacilo da tuberculose, seja ele sensível ou resistente às drogas usuais. Para isto, a enfermeira durante a consulta com o contactante, valendo-se das técnicas de educação em saúde, trata de orientá-los para a formação de um novo comportamento frente à doença. Esta conduta, espera-se, concorre para evitar a resistência primária!

Ao traçar-se o perfil dos contactantes, verificou-se um número elevado de estudantes entre eles, o que leva a enfermeira a atuar de modo mais intensivo junto a este grupo, dentro das Escolas e nos seus diferentes níveis. Observou-se também um número alto de contactantes reatores fortes ao PPD e sem sintomatologia respiratória. Este grupo recebem máxima atenção da Enfermeira do Programa de Controle da Tuberculose que realizará uma Assistência de Enfermagem voltada para a observação contínua e para a prevenção da doença.

Quanto à faixa etária dos contactantes, constatou-se que a maioria está entre 0 e 10 anos, e é importante lembrar que a enfermeira, de acordo com o Programa de Assistência Integral à Saúde da Criança, deverá estar atenta para os possíveis casos de tuberculose na família.

De todos os contactantes que responderam as questões sobre o tipo de relação entre eles e o doente de TBMR, a grande maioria afirmou que não houve modificação no seu tipo de relação após o diagnóstico. Dos que responderam afirmativamente, observou-se que os contactantes procuram se proteger da transmissão da TBMR da melhor forma possível, mas dentro das suas limitações. Nestes relatos, mereceu destaque a natureza física da mudança na relação, onde foi relatado o distanciamento físico propriamente dito e os métodos de barreira. Nas

dimensões física e afetiva da relação os relatos foram em número inferior.

O medo da contaminação foi o que fundamentou a maior parte dos casos de mudança da relação entre contactante e doente de TBMR. Isto fez com que os contactantes ficassem mais atentos para a situação. Com todos os relatos de razão da mudança da relação, pode-se construir um modelo de assistência de enfermagem voltado para prevenir a contaminação pelo bacilo da TBMR. A compreensão dos relacionamentos entre contactantes e doentes de TBMR, pode subsidiar uma maior participação da enfermagem no processo de interrupção da corrente de infecção.

Observou-se, durante esta pesquisa, que a pessoa (contactante), pode mudar o seu tipo de relação com o doente, e o faz, em sua maioria, por “medo de se contaminar.” A maioria muda passando a impor um distanciamento físico – evitando o seu familiar/amigo doente, dormindo separado. Outros utilizam máscaras, separam os utensílios domésticos e as roupas de cama.

Alguns contactantes mudaram as suas atitudes, mas a maioria continuou dormindo junto ao doente-foco e alguns continuaram beijando-o com contato de saliva. Após a realização desta pesquisa, sabe-se que a mudança de comportamento é possível, e de que forma ela acontece. Portanto há a necessidade e a possibilidade de que a enfermeira atue nestes aspectos de mudança de tipo de relação entre doente contactante e não somente nas questões de medicalização. É necessário estimular os contactantes de pessoas infectadas com o bacilo da tuberculose multirresistente para que adotem as medidas de prevenção ativa, individual e coletiva da tuberculose.

Junto àqueles que não estão modificando o seu tipo de relação, a enfermeira deverá utilizar os achados desta pesquisa, onde os contactantes relataram os seus tipos de razões de mudança na relação, para o fundamento do seu trabalho de ação educativa voltado para a prevenção da tuberculose. Tudo isto, evitando o estigma da doença e, ao mesmo tempo, enfatizando as formas das pessoas se protegerem, promovendo a sua saúde e prevenindo a infecção. A investigação dos contactantes e

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importante medida de detecção e prevenção de novos casos.

Ao final desta pesquisa, é possível ressaltar a importância da enfermagem em prover e prever serviços de enfermagem de saúde pública voltados para a investigação de contactantes de doentes de tuberculose, pois a sua atuação pode ser a parte fundamental para um efetivo controle da tuberculose junto à população. Sugestões

Considerando todos os elementos que compuseram o desenvolvimento desta pesquisa, têm-se como sugestões: ♦ Priorizar a melhoria do diagnóstico

bacteriológico e o controle mais rígido durante todo o tratamento, conforme estabelecem as diretrizes para a execução do Plano Emergencial para o Controle da Tuberculose;

♦ Investir no Esquema I, confirmando

SEMPRE, a cada consulta, se o paciente está tomando a medicação corretamente;

♦ Investir no diagnóstico inicial da

tuberculose, e no tratamento imediato, efetivo e completo de todos os doentes, procurando garantir que estes completem o tratamento com sucesso;

♦ Investir também no desenvolvimento da

estratégia de “tratamento diretamente supervisionado (DOTS),” para os casos especiais ou para os casos de risco de abandono (alcoolistas, drogadictos, sem teto, etc.), procurando-se evitar o desenvolvimento da TBMR, e consequentemente, garantir índices melhores de cura. O tratamento supervisionado garante que o paciente está tomando as medicações prescritas de forma correta. Ele também pode ajudar a prevenir a resistência primária, e a minimizar a possibilidade de infecções prolongadas;

♦ Estabelecer o Isolamento Respiratório de

todos os pacientes com tuberculose (com resultado de exame/cultura de escarro positiva) que estejam hospitalizados;

♦ Garantir a todos os profissionais de saúde

que assistem doentes com tuberculose, Equipamentos de Proteção Individual (EPI).

À enfermagem cabe: ♦ Incentivar a participação da enfermeira na

elaboração de diretrizes do Programa de Controle da Tuberculose, com destaque para as ações junto a contactantes;

♦ Estimular as ações educativas de

enfermagem, na prevenção da tuberculose e de suas complicações;

♦ Priorizar o atendimento de contactantes

sintomáticos respiratórios e aplicar a rotina prevista no Manual de Normas para o Controle da Tuberculose (1995);

♦ Investigar as condições dos domicílios dos

doentes-focos, priorizando os casos com inadequada ventilação e superpopulação, onde os riscos de contaminação são maiores. Atuar junto com o Serviço Social;

♦ Priorizar as Ações de Enfermagem de

prevenção da tuberculose, principalmente entre os contactantes com relação de parentesco muito próxima ao doente - foco (esposo, companheiro, namorado), e entre aqueles menores de 5 anos, pois estão mais predispostos a desenvolverem a doença;

♦ Estimular que o trabalho de todos os

profissionais de saúde que, atuam junto a doentes com TBMR, esteja SEMPRE integrado com as Unidades Básicas de Saúde das áreas onde os doentes e os seus contactantes residem. Informar às enfermeiras das UBS de residência dos contactantes (intradomiciliares e extradomiciliares), sobre os casos confirmados e sobre a investigação dos

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contactantes; ♦ Orientar as Enfermeiras que realizam

consulta de enfermagem no pré-natal, sobre a importância da investigação de casos de doentes de tuberculose nas famílias das gestantes, devendo ter atenção especial com os recém-nascidos;

♦ Manter o Isolamento Respiratório de todos

os pacientes com tuberculose que estiverem hospitalizados, enquanto estes forem bacilíferos;

♦ Procurar conhecer a família de cada doente,

integrando-a ao tratamento do doente; ♦ Promover Ações Educativas, sobre a

tuberculose, para a população, incentivando a participação da comunidade (que vive em áreas de risco), no controle da doença. Procurar trabalhar com questões de medo de contaminação pelo bacilo sensível/resistente da tuberculose, esclarecendo cada questão;

♦ Realizar entrevista completa com os

contactantes, coletar os dados epidemiológicos e clínicos, assim como informações sobre o tipo de relação com o doente de tuberculose, não deixando de verificar o peso e a altura de todos, para uma avaliação antropometrica adequada. É importante também que a enfermeira faça um levantamento da história de doenças anteriores e/ou ainda presentes, prevenindo assim, não só complicações como também, a má absorção da quimioprofilaxia, caso esta seja indicada;

♦ Promover cursos de extensão universitária,

seminários, encontros e outras atividades afins, que possibilitem um melhor aprimoramento do estudo da tuberculose, que incentivem pesquisas na área e que permitam um melhor desenvolvimento das enfermeiras, junto ao Programa de Controle da Tuberculose;

♦ Encorajar os contactantes a expressarem os

seus sentimentos e oferecer suporte

emocional, sempre que necessário; ♦ Ampliar o conteúdo da Consulta de

Enfermagem junto ao contactante, para além das informações previstas na “Ficha Individual de Avaliação de Comunicantes de Pacientes com Tuberculose” – SMS – R.J.

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* Parte da pesquisa realizada para obtenção do título de mestre, junto ao Depto. Materno Infantil da E.E.R.P - USP 1 Coordenadora do Programa de Controle da Tuberculose-SMS de Ribeirão Preto. Bolsista CAPES/ mestrado 2 Profª. Dra da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo. 3 Bolsista de iniciação científica- FAPESP.

TRATAMENTO SUPERVISIONADO NO CONTROLE DA TUBERCULOSE EM RIBEIRÃO PRETO:

NOVO MODO DE AGIR EM SAÚDE*

Jordana Nogueira Muniz1, Tereza Cristina Scatena Villa2 e César Eduardo Pedersolli3

Resumo

Esta investigação teve como objetivo analisar através da visão da equipe executora, o tratamento supervisionado no controle da tuberculose, implantado nas Unidades gerenciadas pela Secretaria Municipal de Saúde de Ribeirão Preto, a fim de caracterizar, a finalidade desta intervenção e suas formas de abordagem. A população do estudo constituiu-se de 13 profissionais envolvidos diretamente com o Programa de Controle da Tuberculose. Utilizou-se a entrevista semi-estruturada como instrumento de coleta de dados. O tratamento dos dados fundamentou-se no método de análise de conteúdo, permitindo eleger como Unidade temática “o tratamento supervisionado como perspectiva de mudança na prática: uma intervenção de que tipo?”. Concluiu-se que, o tratamento supervisionado se coloca na prática como uma intervenção permeada por diversas formas de abordagem: como uma ação de enfoque terapêutico; como um meio de reduzir a transmissão seja através do controle dos comunicantes, seja privilegiando ações educativas no âmbito familiar; e finalmente, como uma possibilidade de ampliar a capacidade de interação e atuação dos agentes, através de estabelecimento de vínculo, acolhimento, responsabilidade, na perspectiva de garantir a adesão do paciente ao tratamento e maior qualidade da atenção.

Summary

The objective of this investigation was to analyse through the staff’s view, the supervised treatment in tuberculosis control, introduced in the Units administered by Municipal Health Department of Ribeirão Preto, so as to characterize , the means of this intervention and its forms of approach. The population of the study was composed of 13 professionals directly evolved with the Tuberculosis Control Programme. The semi-structured interview was used as an instrument for data collection. To treat the data collected was used the method of analysis of content. The thematic unit we came across were: “supervised treatment as a perspective of change in practice: What Kind of intervention?”. The conclusion is that the supervised treatment happens in the practice as an intervention permeated of several forms of approaches: as an action with a therapeutic view; as a means to reduce transmission, being it through the control of the communicants, or through favouring educative ctioans at family to broaden the competence of the agent’s interaction and performance, through the establishment of a bond of union, acceptance, responsibility in the perspective of assuring the adherence of the patient to the treatment and more quality of health attention.

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Introdução

Apesar dos esforços empreendidos mundialmente no controle da tuberculose, observa-se nos últimos anos, elevação na incidência da doença e o aparecimento de cepas resistentes aos esquemas terapêuticos usuais.

Este aumento na incidência, relaciona-se à elevação de problemas médico-sociais, mendicância, abuso de drogas, epidemia de HIV/AIDS 1 , bem como à qualidade de vida de uma população cujos indicadores são representados por condições de alimentação, moradia e saneamento básico.2

Outros fatores apontados referem-se “à situação sócio-econômica, que tem aumentado as condições de pobreza, resultando em dificuldades de acesso aos serviços de saúde, crescimento de populações marginais e migrações em busca de melhor qualidade de vida”3. A este cenário, ainda soma-se a ”debilidade dos serviços de saúde pública, que têm sido menos eficientes em suas ações nas últimas décadas. 3

Com o propósito de reverter este quadro, a

Organização Mundial da Saúde (OMS), no ano de 1993, declarou a tuberculose uma emergência mundial, estabelecendo novas diretrizes de trabalho onde recomenda estratégias globais para o controle efetivo da tuberculose nos países. 4 Dentre as estratégias propostas pela OMS, encontramos o DOTS (Directly Observed Treatment Short Course). O que é DOTS ? DOTS significa tratamento diretamente observado de curta duração. Parte da estratégia do DOTS, caracteriza-se pela observação e monitorização da administração dos medicamentos, mas não deve ser entendida apenas como tal.5 Na realidade, compreende um corpo de medidas que se complementam, definidas pela OMS como os cinco pilares da estratégia: 1) detecção de casos por microscopia; 2) tratamento diretamente observado e monitorado; 3) provisão regular das drogas; 4) sistema eficiente de registro de dados; 5) compromisso político no controle da tuberculose. 5

O sistema DOTS foi idealizado inicialmente para ser usado em grandes populações urbanas ou rurais. Mundialmente mais de 1,2 milhões de pessoas têm recebido esta forma de tratamento, alcançando taxas de cura em torno de 80%.6 Países como, República Unida da Tanzânia, Estados Unidos, China, Peru, Bangladesh e Nepal, adotaram a estratégia DOTS e neles já observa-se melhoria nos indicadores epidemiológicos resultante do aumento das de cura e diminuição das de abandono. Países com a taxa de cura abaixo de 50%, estão alcançando situá-la entre 80% e 95%.6 7 8 9 10 11

Além de modificar o perfil epidemiológico da

tuberculose, o emprego da estratégia DOTS, apresenta outras vantagens. Sua eficiência sem hospitalização torna o tratamento disponível e de baixo custo.6 De igual importância, é o fato da estratégia DOTS, fornecer a defesa mais importante contra o desenvolvimento de linhagens de ”Mycobacterium tuberculosis” multiresistentes resultantes de repetidas terapias, tratamentos incompletos ou sem sucesso, possibilitando o aparecimento de casos de tratamento difícil e caro. Para garantir o sucesso terapêutico, a estratégia DOTS prevê a implantação do tratamento supervisionado (TS), que consiste na administração direta do medicamento por uma segunda pessoa, que entrega, observa e registra a ingestão de cada dose da medicação. Este procedimento pode realizar-se na unidade de saúde, no domicílio do paciente, no hospital ou local de trabalho. O observador não precisa necessariamente ser um profissional de saúde, desde que bem treinados e motivados. O tratamento supervisionado pode ser realizado por agentes de saúde ou voluntários. Os critérios para inclusão no tratamento supervisionado, variam mediante análise da situação particular de cada país, região ou localidade. São avaliados os recursos existentes, humanos e materiais, os indicadores, as coberturas etc. Isto significa que, sendo a finalidade da estratégia DOTS, promover a cura do paciente, não importa o formato adotado em cada realidade. Na prática, sua viabilização tem se apresentado de maneiras diferentes.

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Contudo, ao fixar a atenção para outra direção, percebe-se também que esta estratégia tem ocasionado descrições vibrantes relacionadas ao desenvolvimento do processo. Algumas experiências10 descrevem continuamente termos como: envolvimento, confiança, persistência, liderança, fio condutor, desenvolvimento de vínculo entre paciente e cuidador, efetividade, estímulo que emana com o sucesso do trabalho.

No Brasil, entre os componentes da estratégia DOTS, a supervisão direta da ingestão de medicamentos começa ser incorporada pelos serviços. No município de Ribeirão Preto essa experiência é recente, sendo que grande parte dos pacientes submetidos ao tratamento supervisionado ainda não o concluiu. Deste modo, entende-se que é precoce fornecer resultados conclusivos em termos de indicadores, o que restringe tecer avaliações sobre o impacto epidemiológico do tratamento supervisionado. Avaliar mudanças nos indicadores, exigirá maior período de investigação.

Portanto o recorte deste estudo se volta para conhecer como este processo tem se consolidado na prática dos atores sociais envolvidos.

Esta proposta, incorporada aos serviços de nível local, vem implicando em reorganização do trabalho da equipe de saúde vinculada ao Programa de Controle da Tuberculose, redefinindo funções, responsabilidades, competências e estratégias de ação, bem como modificando o compromisso do profissional perante o paciente. Objetivo

Analisar através da visão da equipe executora, se o tratamento supervisionado da tuberculose, implantado nas Unidades de Saúde gerenciadas pela Secretaria Municipal de Saúde de Ribeirão Preto (SMS-RP), no período de 1997 a 1998, interferiu no olhar e nas ações desenvolvidas por estes agentes, no atendimento ao paciente com tuberculose.

Metodologia Elegeu-se como locais de trabalho, três Unidades gerenciadas pela SMS e que desenvolvem tratamento e seguimento ambulatorial dos pacientes com tuberculose.

A população do estudo constituiu-se de profissionais que executam o Tratamento Supervisionado(auxiliares de enfermagem, visitadoras e enfermeiras) e os médicos envolvidos diretamente com o desenvolvimento deste trabalho, não considerando-se a categoria dos profissionais envolvidos e nem tão pouco a espécie de vínculo que estes tivessem para com o município. Deste modo a amostra totalizou-se em 13 profissionais entrevistados.

Utilizou-se a entrevista semi-estruturada como instrumento de coleta de dados, tendo como principal enfoque: a prática do tratamento supervisionado enquanto possibilidade de ampliar espaços e formas de intervenção no processo saúde-doença em âmbito individual e coletivo.

O tratamento dos dados fundamentou-se no método de análise de conteúdo12 que se desdobrou em três etapas básicas. A primeira, compreendem a fase de organização, levantamento bibliográfico, definição do objeto, objetivo e metodologia; a Segunda, constituiu-se da transcrição das entrevistas e organização dos dados, permitindo eleger uma Unidade Temática :”o tratamento supervisionado como perspectiva de mudança na prática: uma intervenção de que tipo?” A terceira etapa, realizou-se o tratamento dos resultados, a inferência e interpretação, permitindo validar as informações obtidas nas fases anteriores.

Análise e discussão dos dados

Para compreender a concepção dos profissionais sobre o tratamento supervisionado e suas diferentes formas de intervenção , diferenciaram-se os depoimentos quanto à finalidade da ação.

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1. Tratamento supervisionado: “A ingestão medicamentosa”

Alguns agentes definiram o tratamento supervisionado como uma ação onde se observa a ingestão medicamentosa de pacientes em tratamento de tuberculose “...é um tratamento onde o paciente vai tomar a medicação sob a supervisão direta de um funcionário da saúde...”

A preocupação neste núcleo está centrada na garantia da ingestão do medicamento, cujo enfoque da atenção está voltado para a cura do paciente. Tratar o doente consiste em cumprir uma etapa do ciclo biológico da doença, evidenciado no modelo médico tradicional, onde a atuação é pautada na terapêutica medicamentosa. Há que se observar nesta lógica um predomínio da visão medicalizante que tem como objeto, a doença.

Por considerar-se que o tratamento dos casos é um dos pontos fundamentais de controle da doença, assim como a imunização com o BCG, a quimioprofilaxia e localização dos casos, acredita-se que intervindo-se sobre estes “métodos específicos”13

de controle da tuberculose, seguramente se evidenciará redução da doença. 2. Tratamento supervisionado: “ O controle da transmissão como estratégia de controle de risco”

Este núcleo temático, contrapõe a visão apresentada no núcleo anterior, pois reconhece que a ação do tratamento supervisionado pode diminuir o risco de transmissão da doença no ambiente e comunidade, explicitado através dos discursos “..a gente vai na casa não só por causa do doente mais pelas pessoas que moram com esse doente, a gente está preocupada com o pessoal, com a região com a comunidade...” “...é uma doença que se não tratar pode complicar, podendo transmitir para outras pessoas...”

A importância do tratamento é valorizada no sentido de quebrar a cadeia epidemiológica da doença, diminuindo assim o risco de transmissão.

Este posicionamento determina o predomínio do pensamento clínico sobre o processo saúde-doença, onde o enfrentamento dos problemas se explicam por uma relação agente/hospedeiro, havendo um corte entre causas e efeitos.14 Adotar medidas que intervenham sobre a doença ocasionará sobretudo diminuição da transmissão. Este modelo que valoriza ações destinadas a tratar enfermidades ou a reabilitar os pacientes portadores de seqüelas, tem sido privilegiado pelos serviços de saúde. Cada problema de saúde é definido como tendo uma ou mais causas, bastando para resolvê-lo achar a causa e eliminá-la ou corrigi-la por meio de uma intervenção médica. Isto significa que mais doenças e mais doentes devem ser enfrentados com mais serviços de saúde, independentemente de que os fatores determinantes estejam orientados para a produção social das enfermidades. 14

3. Tratamento supervisionado: o controle da transmissão através da orientação/educação”

Apesar da finalidade terapêutica do tratamento supervisionado, alguns profissionais no desempenho diário de suas atividades, conseguem ir além do ato de medicar, ampliando sua capacidade de olhar e responder à realidade na qual se inserem. O momento da visita favorece o desencadeamento de orientações enfocando aspectos relacionados à doença, hábitos de higiene do indivíduo, da moradia, do ambiente, visando bloquear a transmissão da doença. A educação em saúde é o instrumento privilegiado pela equipe de saúde. Esta afirmativa é demonstrada nos discursos: “...a gente dá a medicação e orientação sobre a resistência do bacilo, a contaminação, a casa bem arejada, tossir com a mão na boca, não cuspir no chão, explica os sinais, sintomas, tratamento, inclusive que a tuberculose tem cura mas também mata se não tratar...”

Durante o atendimento existe uma preocupação com o controle da transmissão no nível individual e, em restrito, onde o doente vive. A orientação é norteada pelo saber médico, centrada no modelo clínico, onde o processo saúde-doença, é tido como um fenômeno individual.

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Esta forma restrita de conduzir a educação em saúde, retrata a conformação histórica das políticas de saúde pública no Brasil. No início do século XX a educação sanitária foi adotada como instrumento de trabalho predominante, visando formar a consciência sanitária do povo em geral. 15

Neste período, a ação sanitária dirigia-se aos indivíduos, através da introdução de uma consciência sanitária traduzida pela obtenção e aquisição de normas de higiene individual .16

Esta concepção de educação em saúde, voltada para educação individual e do ambiente ainda se faz muito presente no modelo de saúde vigente. Ainda que em âmbito pode ser capaz de provocar mudanças no comportamento, porém não desenvolve nas pessoas a consciência crítica das causas dos seus problemas, e nem tampouco atua no sentido de desencadear mudanças. 17

Além das orientações, é possível durante a visita domiciliar ampliar a atenção para o controle de comunicantes e detecção de casos novos.“...quando tem um caso de tuberculose os comunicantes são chamados, analisamos se há algum sintomático ... mas para aquele que não vem, quando a visitadora vai à casa do paciente ela observa também se há sintomático, pergunta e sempre traz para consulta...”

Esta forma de intervenção, que não se restringe apenas ao agravo ou dano, é denominada controle de risco.18 Durante o atendimento ocorre a identificação dos comunicantes de casos de tuberculose, ou seja, indivíduos expostos ao risco de adquirir a doença (grupo de risco) sendo, se necessário, adotadas medidas de controle.

A estratégia de intervenção em grupos de risco não é uma estratégia de ações coletivas, mas sim sobre os indivíduos, sendo que nesta perspectiva o coletivo é constituído por um conjunto de indivíduos com determinadas características ou atributos, onde as intervenções são individualizadas. Esta estratégia de intervenção em grupos de risco pode ser entendida como uma forma de racionalizar a assistência médico-hospitalar, porque permite intervir antes que os problemas se tornem mais complexos, seja em

termos de sofrimento humano, seja em termos financeiros . 19

Ao se reduzir a probalidade de uma doença

afetar um indivíduo, pode-se classificar que houve uma intervenção preventiva, porém restrita a indivíduos ou a pequenos grupos alvo. Esta forma de atendimento é definida como “prevenção secundária”, a qual pode ser “ obtida a partir da busca de casos(...)assim como através de rastreamento dos contatos. 20

De maneira geral, os Programas de Saúde foram historicamente organizados para responder diferentes agravos e especificidades, onde cada programa, previamente definido e suportado por saberes especializados, tem tentado assegurar sua implantação nos serviços de saúde, por meio de normas formatadas e rígidas. O Programa de Controle da Tuberculose, desde sua origem, tem determinado diretrizes e estratégias de ação concebidas em nível nacional, as quais privilegiam atividades de controle de danos e riscos. No caso dos danos, representado por um complexo de efeitos como doença, cura, seqüelas, óbitos e no segundo caso, poderia ser expresso através dos grupos de risco (comunicantes e outras pessoas expostas). Deste modo, o programa tem direcionado as ações, privilegiando a descoberta precoce de casos, tratamento, cura, e vacinação.

Esta lógica de trabalho incorporada pelos agentes e serviços de saúde, explica a visão reducionista do problema da tuberculose. Na verdade, ”os programas não dão conta de responder aos desafios de uma realidade articulada por problemas complexos, por desconhecerem a limitação dos recursos e não considerarem a historicidade dos diferentes territórios e grupos sociais”.14

É preciso reconhecer a importância de participar do controle de danos e riscos, no entanto é necessário incorporar os condicionantes (modo de vida) e determinantes sócio-ambientais visando o controle de causas.

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Apesar do tratamento supervisionado caracterizar-se como uma ação pontual e focalizada que privilegia o controle de danos e riscos, tem permitido ampliar a atuação do profissional em aspectos educativos e preventivos, mesmo que restrito a indivíduos ou a pequenos grupos.

4. Tratamento supervisionado: “a construção de um modo diferente de agir em saúde”

O comparecimento constante do profissional da saúde no domicílio do paciente , tem determinado o estabelecimento de diálogo entre profissional, cliente e familiares. O “ ato de ir ao domicílio do cliente”, participar diariamente de seu meio social, possibilita ao profissional vivenciar o processo terapêutico e intervir à medida que surjam necessidades ou intercorrências. “...Como vamos à residência do paciente todos os dias, é mais fácil orientarmos, pois acompanhamos o que está acontecendo. A medida que vão surgindo as dificuldades, nós orientamos...” “... além disso, melhora a idéia do paciente ao tratamento e o acompanhamento dele como um todo. Ele vinha mensalmente pegar a medicação mas nós não sabíamos o que acontecia com ele no decorrer do mês, agora supervisionando nós vemos...”

Conhecer a realidade onde estão inseridos determinados pacientes, modifica o olhar, as atitudes técnicas de quem executa o tratamento supervisionado exigindo muitas vezes que as ações de saúde sejam ampliadas. “...aproveitamos a visita domiciliar e fazemos avaliação da vacinação, das condições da saúde da família como um todo, você vai no domicílio e vê tudo...” “...acaba se envolvendo não só com a medicação mas com outros problemas do paciente e da família ...”

No período que antecede à implantação do tratamento supervisionado, a equipe de saúde não tinha acompanhamento direto da realidade singular vivida por cada paciente. As relações se davam no espaço institucional e limitavam-se a terapêutica, por ocasião dos retornos médicos mensais ou intercorrências. Nas visitas domiciliares procediam-

se à identificação e controle dos comunicantes bem como o resgate dos pacientes faltosos ao tratamento.

Com a implantação do tratamento supervisionado, a visita domiciliar é adotada como estratégia para supervisão da ingestão medicamentosa, oferecendo à equipe oportunidade de identificar outras necessidades com maiores parâmetros para avaliar, encaminhar e intervir. “... quando ele vinha aqui na unidade e fazia o tratamento no domicílio, nós não conhecíamos a realidade para direcionarmos melhor nossas ações...”

Este discurso revela que “estar presente”, “participar do cotidiano” são fatores fundamentais para o estabelecimento de uma nova forma de contato com a clientela. O conhecimento da realidade exige novas responsabilidades dos profissionais de saúde, bem como mudanças na sua prática cotidiana. Estas mudanças pressupõem, o estabelecimento de vínculo entre o profissional de saúde e o usuário e, o acolhimento por parte dos trabalhadores de saúde em serviço .22

Alguns entrevistados, apontaram o acolhimento como aspecto positivo do tratamento supervisionado. “...o paciente se sente acolhido. Ele sente a gente interessado, que o serviço está indo atrás dele e acaba dando um retorno. No começo se esconde um pouco e aí ele começa até a esperar na porta. Então eles criam um vínculo muito forte, fortalece o vínculo com a unidade... os familiares ficam aliviados porque vêem que a pessoa está tomando e acabam vindo também na consulta ...” “... trouxe uma troca maior entre profissional/paciente, uma ligação muito grande, o paciente se percebe melhor porque nós o enxergamos melhor, trazendo um crescimento grande para os profissionais da equipe de saúde ...”

As relações que se estabelecem entre profissionais de saúde, paciente e familiares decorrentes da supervisão terapêutica, são diferentes daquelas estabelecidas no ambiente intra-hospitalar ou ambulatorial. Quando o paciente é atendido pelos serviços, a relação de dominação, subordinação tende a ser maior, imposta por normas institucionais. Na visita domiciliar, existe a chance de estabelecer-se com um grau de menor subordinação, pois o espaço

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de atuação é compartilhado com o paciente e familiares. As relações se tornam menos desiguais, exigindo que o profissional adote nova postura em relação ao paciente, tais como ouvir, conhecer, estar aberto ao diálogo.

Acompanhar diariamente a ingestão dos medicamentos, permite criar novas possibilidades de atuação, pois modifica as relações entre técnicos da área da saúde e pacientes/família estabelecendo novos vínculos. O relato do caso abaixo, é representativo, no que diz respeito ao estabelecimento de vínculo entre os agentes.“...um paciente idoso, após terminado o tratamento, pedia às filhas que ligassem para nós, pedindo que passássemos lá que ele estava com saudades...é gratificante perceber o quanto é importante a nossa atuação enquanto profissional de saúde, de estar criando esse vínculo e como o paciente é carente e precisa da nossa ajuda...como isso é importante e bom para a equipe... ”

Este posicionamento valoriza a participação da equipe de saúde no tratamento do paciente, ampliando sua responsabilidade e compromisso perante o mesmo. “... a gente tem um caso de uma criança, cujo pai e irmãos são doentes e estão tratando. Assim que começaram a usar a medicação diariamente, começaram a se desenvolver bastante....a criança ficou mais esperta, se desenvolveu...nem conversando estava, passou a conversar. Inclusive a criança quando chegou aqui não andava, se arrastava. É gratificante você ver a criança melhorar, acompanhá-la diariamente...”

Na verdade, se o profissional não se sente sujeito ativo no processo de reabilitação ou na trajetória de intervenção de programas para debelar um problema sanitário mais coletivo, ele não somente perderá contato com elementos potencialmente estimuladores de sua criatividade, como tenderá a não se responsabilizar pelo objetivo final da própria intervenção, ou seja, pela recuperação do paciente ou pela promoção da saúde de uma comunidade.21

No ato de supervisionar, a equipe de saúde atua não somente no processo da intervenção terapêutica como também interage com sua realidade

social. Esta participação contínua amplia a compreensão da equipe de saúde sobre os pacientes, seus interesses, suas relações familiares, suas necessidades, estreitando as relações. Esta nova relação supera a lógica do saber técnico, exigindo mudanças de comportamento, de atitudes, tanto do profissional quanto do paciente possibilitando modificações na qualidade da atenção. “...um paciente com co-infecção e diversos abandonos anteriores, com tratamento prolongado há anos; hoje esse paciente toma os medicamentos direitinho, fica esperando todos os dias pronto e arrumado, de banho tomado, com o café pronto, esperando chegarmos para tomar a medicação e depois tomar o café dele, isso nos tranqüiliza, ele esta assumindo, é uma carência afetiva, ele gosta que vamos lá, também batemos papo...

Evidencia-se que o paciente sentiu-se valorizado no tratamento atual, o que tem permitido maior adesão e participação do mesmo no processo, o que não ocorreu em situações anteriores.

Destaca-se a importância de considerar o doente com tuberculose, como um ser inserido em uma sociedade complexa e contraditória da qual fazemos parte e de que também somos responsáveis.

É nesta direção que a proposta de execução do tratamento supervisionado deve ser valorizada, pois cria novas possibilidades de construir um modo diferente de agir na saúde. Não significa romper com a lógica de intervenção clínica, mas sim aproveitar este novo espaço como uma forma de conhecer a realidade, manter diálogos, estabelecer vínculos, levantar outras necessidades, conhecer as angústias e expectativas do cliente e familiares, buscar ações intercomplementares. “...diante às condições sociais do paciente, tentamos ajudá-lo com a cesta básica, ás vezes é pouco, então entre nós mesmos, arrecadamos alguma coisa...até roupas a gente arruma...”

Este depoimento exemplifica a capacidade resolutiva da equipe frente a um problema específico, cuja solução foi encontrada através do envolvimento dos agentes.

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Percebe-se que em virtude deste novo “conviver” estabelecido através da estratégia do tratamento supervisionado, alguns técnicos conseguem estabelecer relações entre a doença, seus fatores determinantes, construindo um novo olhar sobre questões ligadas à saúde das pessoas, na busca de ações que possibilitem a integralidade da atenção . Esta afirmação é demonstrada através das falas: “... observamos o problema cultural das pessoas, desemprego, há situações que nos deixam deprimidas, porque ficamos de mãos atadas, há coisas que não dá para resolvermos... agora com a cesta básica eles têm pelo menos isso para comer. O problema social é muito grande e deprimente, ninguém acredita, quem não vê não acredita...”

“...o tratamento supervisionado foi importante para equipe...o fato de sair do Centro de Saúde e ir para a comunidade, possibilita ver outros aspectos, onde ele mora, como é a vida dele, como que as relações, você conhece a pobreza, a miséria, o sofrimento que essas pessoas vivem e até começa a entender como é difícil para eles saírem desta situação, entenderem a importância da doença...então para eles as coisas não tem a mesma importância que para nós...até mesmo para as pessoas entenderem que isto não é paternalismo...é responsabilidade do profissional da saúde ter esse entendimento, nós temos que ter e não o paciente...as vezes ele não vai alcançar isso, mas nós temos que estar acima disso...”

Estas questões emergem como fundamentais para o entendimento, não somente do ciclo biológico da doença mas também do processo gerador da tuberculose. Conhecer melhor na realidade social qual o paciente se insere, entender como ele vive, condições de habitação, nutrição, ocupação/ profissão e renda familiar, pode possibilitar a compreensão da participação do homem em determinada cadeia epidemiológica, estudando as razões vinculadas à estrutura social que os fazem dela participar. 13

Este novo olhar que se revela através da ação de supervisionar o tratamento do paciente com tuberculose, tem possibilitado à equipe de saúde ampliar seu conhecimento a respeito do estilo de vida do paciente, entender suas dificuldades, estabelecer vínculo e sentir-se responsável não só pelo seu tratamento mas também para com a pessoa humana,

permitindo ainda maior envolvimento no planejamento da assistência prestada à população e comunidade. Ainda ocasiona responsabilização do caso, exigindo tomada de decisões, intervenções e muitas vezes articulação com outros setores. “...buscamos ajuda do serviço social, psicólogos, outras unidades de saúde, vigilância epidemiológica, coordenação do programa, outras especialidades médicas, do Conselho da Criança e do Adolescente, encaminhamos para retirada de documentação porque muitos foram moradores de rua e perderam seus documentos ou não os têm...”

Devido a magnitude dos problemas de saúde e complexidade que envolve o paciente de tuberculose, outros setores são convocados, dentro e fora do âmbito dos serviços de saúde. Esta articulação entre profissionais intra e extra setoriais poderá resultar em maior interação entre os mesmos e ampliar o processo de reflexão acerca da diversidade de problemas que envolvem o paciente e seus familiares, conduzindo deste modo, a busca de soluções dentro de um universo mais amplo de opções.

Porém, não deve-se perder de vista que dentro do quadro complexo em que se inserem os problemas de saúde, nem sempre o setor saúde dispõe de recursos para dar uma resposta efetiva na solução dos mesmos.17Na atualidade caracteriza-se como um desafio aos planejadores de saúde adotar estratégias que contribuam para melhoria da qualidade dos serviços ofertados e garantam o acesso igualitário e a equidade em saúde, condições necessárias para construção do Sistema Único de Saúde (SUS). No entanto, sabe-se que a construção social de um novo sistema de saúde, que privilegie as ações de promoção implicará em mudanças no paradigma e na prática sanitária. Considerações finais

O processo de implantação do tratamento supervisionado no município de Ribeirão Preto, vem se construindo com alguns avanços e dificuldades, revelando-se porém, capaz de transformar a prática de atenção ao paciente com tuberculose.

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O princípio norteador da proposta, caracterizado pelo ato de supervisionar a ingestão medicamentosa, continua sendo a finalidade central da intervenção. Promover a cura dos pacientes pode significar mudanças nos indicadores e conseqüente impacto epidemiológico. No entanto, o processo desponta como capaz de ampliar os espaços e formas de intervenção, no âmbito individual e coletivo, permitindo o desenvolvimento de ações que resultem em redução na transmissão da tuberculose, seja através do controle dos comunicantes, seja privilegiando ações educativas no âmbito familiar.

Acresce-se a estes aspectos, que o comparecimento diário do profissional ao domicílio do paciente, permite conhecer a realidade na qual vive o paciente, modificando as relações e atitudes. Este convívio freqüente, pressupõe o estabelecimento de vínculo, promovendo mudanças na qualidade da atenção, ampliando o compromisso e responsabilização do profissional perante o paciente e seu tratamento.

É importante ressaltar que existem fatores extrínsecos, que independem a capacidade de interação dos profissionais. Uma parte de nossa clientela é alcoólatra, usuário de droga, doentes de AIDS, não tem residência fixa, fatores estes, dificultadores para o estabelecimento de vínculo e da adesão ao tratamento.

Além dos aspectos que envolvem diretamente o paciente (uso de drogas, álcool, AIDS) ainda se deparam com problemas de maior abrangência, de caráter econômico, cultural e social.“...tem pacientes que vivem em situação muito difícil...hoje eu fui na casa de um paciente que estou assistindo a tomada de medicação...não tinha nem arroz para fazer...” “...assim fornecemos uma cesta básica, que além de amenizar sua fome melhora a adesão ao tratamento...”

Este depoimento retrata necessidades de saúde, socialmente determinadas e definidas, e refletem a própria estrutura da sociedade. Intervir sobre estes aspectos exige o reconhecimento da complexidade da situação de saúde no Brasil e dependem de intervenções que envolvem articulações

de amplo alcance, com participação de outras instâncias decisórias (política, econômica e sócio-cultural). Por isso é preciso ampliar os espaços de participação, e conceber iniciativas pactuadas entre Sociedade, Municípios, Estados e Governo Federal 22

Finalmente, deve-se enfatizar que o tratamento supervisionado não pode estar descolado deste contexto maior das políticas de saúde. Sem dúvida, sabe-se que esta estratégia não contempla a totalidade da situação de saúde, concentrando sua atenção no controle da tuberculose. Porém, apesar de caracterizar-se como uma intervenção de espectro mais limitado, direcionado ao tratamento medicamentoso, estabelece novas possibilidades de ampliar os espaços e formas de intervenção no processo saúde-doença em âmbito individual e coletivo.

Sua prática desenvolve a capacidade de articulação com outros setores, promove uma aproximação com a realidade social dos pacientes, possibilitando ampliar a capacidade de interação e atuação dos agentes, através de estabelecimento de vínculo, acolhimento, responsabilidade, na perspectiva de garantir maior qualidade e adesão do paciente ao tratamento.

O tratamento supervisionado no controle da tuberculose, desponta no espaço da saúde como capaz de gerar mudanças na prática dos agentes envolvidos, configurando um novo modo de agir em saúde.

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Nota do editor: artigo reproduzido com autorização da Revista Caderno Hospital Dia/HV/UFAL

IMPACTO DAS AÇÕES IMPLANTADAS NO PROGRAMA DE CONTROLE DA TUBERCULOSE DO HOSPITAL UNIVERSITÁRIO –

UFAL SOBRE AS TAXAS DE ABANDONO DE TRATAMENTO †Arthur Maia Paiva*, ††Dimas Carnaúba Jr.**, Josefa Jatobá de Santana***, Márcia Guimarães****, Maria Helena de Araújo*****, Tereza Paula dos Santos******

Introdução A tuberculose é hoje um dos grandes problemas de saúde pública; por mais avanços ocorridos no controle desta endemia, ela continua desafiando os sistemas de saúde, através dos grandes índices de morbidade e mortalidade devido à deterioração dos serviços de saúde, bem como por causa da miséria e pobreza crescentes que atingem à população brasileira, além da associação cada vez mais freqüente com a Síndrome de Imunodeficiência Adquirida (AIDS). Neste contexto, o aparecimento de cepas multiresistentes às drogas tem um efeito dramático. O abandono de tratamento tem relação direta com a disseminação da doença e o aparecimento de cepas multiresistentes. O Hospital Universitário é referência para os casos de tuberculose no estado de Alagoas. Cerca de 700 casos ali atendidos até 1995 apresentaram tuberculose em sua forma pulmonar. Destes, cerca de 3/4 casos (73,77%) são constituídos de bacilíferos (ver tabela I), os principais responsáveis pela disseminação da doença na comunidade. No entanto, é justamente o grupo de pacientes bacilíferos o responsável por cerca de metade (47,83%) do total de abandonos de tratamento observados neste serviço, no ano de 1995 (ver tabela I). Segundo levantamento realizado no período de 1990 a 1995 (Camaúba Jr., D. e col. Dados não publicados), a taxa de abandono de tratamento de tuberculose no Hospital Universitário foi neste período de 30,6%. Com isso, vários destes pacientes deverão se tornar crônicos, aumentando o número de novos casos de tuberculose na comunidade, além inclusive do que seria esperado se tais pacientes não tivessem recebido qualquer forma de tratamento, o que, do ponto de vista epidemiológico, anula parte do êxito obtido com a cura dos demais pacientes. Por fim, 27,3% dos bacilíferos deste hospital que abandonaram o tratamento em 1995 eram também portadores do vírus da imunodeficiência adquirida humana (HIV). A tabela II analisa os dados referentes ao ano de 1996 e mostra que os pacientes bacilíferos passaram a responder por 83,75% dos casos de tuberculose pulmonar diagnosticados no Hospital Universitário (ver tabela II). Além disso, enquanto em 1995 o grupo de pacientes bacilíferos respondia por cerca de metade (47,83%) do total de abandonos de tratamento observados neste serviço (ver tabela I), em 1996 este grupo respondeu por cerca de 70% do total de abandonos (ver tabela II). A taxa de abandono de tratamento por tuberculose em 1996 foi de 33%.

† Equipe técnica, por ordem alfabética †† Responsável pelo Programa de Controle da Tuberculose do Hospital Universitário - UFAL * Especialista em Medicina Tropical do Hospital Dia - Infectologia ** Infectologista e Cooordenador do Hospita Dia - Infectologia *** Visitadora da Fundação Nacional de Saúde - Al **** Psicóloga do Hospital Dia - Infectologia ***** Assistente Social do Hospital Dia – Infectologia ****** Enfermeira do Hospital Dia - Infectologia

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Tabela I - Casos de tuberculose e abandono no Hospital Universitário (UFAL) - Janeiro a dezembro de 1995

Forma clínica No (% do total) Abandono (%) Pulmonar Baar+ 45 (52,94%) 11 (47,83%) Pulmonar Baar- 16 (18,83%) 06 (26,08%) Ganglionar 10 (11,77%) 05 (21,47%) Pleural 04 (4,70%) - Cutânea 03 (3,63%) - Óssea 03 (3,73%) 01 (4,35%) Sistema nervoso 02 (2,35%) - Ocular 02 (2,35%) - Total 85 (100%) 23 (100%)

Tabela II - Casos de tuberculose e abandono no Hospital Universitário (UFAL) - Janeiro a dezembro de 1996

Forma clínica No (% do total) Abandono (%) Pulmonar Baar+ 67 (67%) 23 (69,70%) Pulmonar Baar- 13 (13%) 04 (12,12%) Ganglionar 06 (6%) 03 (9,9%) Genito-urinária 05 (5%) 01 (3,3%) Pleural 03 (3%) - Óssea 02 (2%) 01 (3,3%) Cutânea 01 (1%) - Pericárdica 01 (1%) 01 (3,3%) Peritoneal 01 (1%) - Hepática 01 (1%) - Total 100 (100%) 33 (100%)

A partir destes dados, foi elaborado um Plano de Ação para controle do abandono de tratamento de tuberculose no Hospital Universitário, que consistia em: 1. Organização da Unidade de Saúde para correção

de possíveis fatores de abandono relacionados ao Serviço;

2. Implantação de visita domiciliar aos pacientes faltosos após o 10o dia da data aprazada para comparecimento ao hospital;

3. Implantação de atendimento diferenciado, por equipe multidisciplinar, aos pacientes com maior risco de abandono de tratamento.

4. A análise dos resultados iniciais obtidos com a implantação deste Plano de Ação será apresentada em seguida ao comentário sobre o perfil do paciente de tuberculose atendido em nosso hospital.

Material e método

Para avaliar o impacto das ações implantadas no Programa de Controle da Tuberculose do Hospital Universitário - UFAL, foram utilizados os dados do livro de "Registro e Controle de Tratamento dos Casos de Tuberculose" de pacientes inscritos no programa no período de janeiro de 1995 a março de 1999.

Para análise estatística, utilizou-se o método de Fisher, avaliando-se a percentagem de abandono em relação ao número de pacientes inscritos por ano, considerando-se estatisticamente significativos os resultados com F < 0,05 (intervalo de confiança de 95%).

Perfil do nosso paciente de tuberculose

Foram avaliados os dados de entrevista para triagem quanto ao risco de abandono de tratamento de 44 pacientes acompanhados no período de novembro de 1998 a março de 1999. A figura 1 apresenta os resultados desta avaliação.

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S e x o

5 7 %

4 3 %

m as c . fem .

Estado civil

47%

39%

14%

solteiro casado outros

origem

52%

16%

27%5%

ambulatórioespontâneooutro servvisita dom

a

Num e ro côm odos

5 0 %4 1 %

9 %

1-3 4-6 >6

Procedência

68%

32%

capital interior

S I D A

1 8 %

8 2 %

s i m n ã o

M AIOR RISCO (75%)

16%

18%

25%

7%5% 2%

2%

11% 5%7%2%

1 fator 4 fatores 5 fatores6 fatores historia de vida 2 fatores3 fatores sem fator de risco

Uso de drogas

30%

32%2%

36%

bebida cigar ro

out ra não usuár io

Forma clínica

56%

14%

30%

pulm+ pulm - extra pulm

Renda pessoal

28%

5%

20%11%

11%

25%

desempregado <1 salário 1 salário 1-3 >3 outros

Escolaridade

19%

11%

46%

2%9%

2%2% 7% 2%

analfabeto alfabetizado1o grau inc 1o grau comp2o grau inc 2o grau compsuperior inc superior comppré-escolar

Posição / família

41%

34%

25%

mantenedor dependentecolaborador

Abandono anterior14%

86%

sim não

66

Conhecimento doença

27%

73%

informado desinformado

Figura 1 – Perfil do paciente de tuberculose do Hospital Universitário – UFAL

Id a d e2 % 1 6 %

3 2 %2 0 %

1 4 %

1 6 %

0 -1 4 1 5 -1 92 0 -2 9 3 0 -3 94 0 -4 9 5 0 o u +

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Como podemos observar, a maioria dos pacientes se inclui nas faixas etárias de maior atividade produtiva. No entanto, os desempregados constituem o grupo mais numeroso (12/44) quando os pacientes são classificados de acordo com a renda pessoal (28% do total); destes, 66% (8/12), além de estarem desempregados, eram também os mantenedores da família. Também chama a atenção o fato de cerca de 20% dos pacientes serem analfabetos, não se incluindo entre estes os que conseguiam assinar o próprio nome, considerados como alfabetizados (11% dos casos). Do total de pacientes, 73% eram previamente desinformados sobre a doença.

A forma clínica mais comum de apresentação foi a pulmonar bacilífera (56% dos casos). A co-infecção tuberculose - AIDS esteve presente em 18% de todos os pacientes com tuberculose.

Em resumo, nosso paciente tem o perfil geral de um adulto proveniente do ambulatório do Hospital Universitário, com tuberculose pulmonar bacilífero, apresentando fator(es) de risco aumentado para abandono do tratamento, sem o 1o grau completo ou analfabeto, sem conhecimento prévio sobre a doença, casado, mantenedor da família, desempregado ou recebendo até um salário-mínimo mensal, que bebe ou fuma, morando na capital em uma casa com três cômodos ou menos.

Revisando trabalhos na literatura sobre a aderência ao tratamento de tuberculose (desenhos de estudo longitudinal 3, Coorte retrospectivo 7, Coorte prospectivo 4,10, transversal 5, 6 e caso controle 8, 9 ), podemos destacar, entre os fatores associados à não aderência ao tratamento: 1) baciloscopia positiva no diagnóstico; 2) analfabetismo; 3) desemprego; 4) desinformação sobre a doença; 5) alcoolismo; 6) abandono no passado ou retratamento; 7) paciente HIV positivo, este último, chegando a apresentar em nosso meio, em hospital universitário, taxa de não aderência ao tratamento ao final de 3 meses de 83%8.

Na figura 1 (centro), constatamos que 95% dos nossos pacientes apresentam pelo menos um dos fatores associados à não aderência acima mencionados, a maioria destes (57%) apresentando 2 ou 3 fatores de risco, com 14% do total apresentando 4 a 6 fatores de risco ao mesmo tempo.

Através da triagem para maior risco de abandono de tratamento realizada pelo Serviço Social do Hospital Dia, analisando as informações obtidas na entrevista inicial com o pacientes em associação à abordagem à história de vida do mesmo, 75% deles (33/44) foram classificados no grupo de maior risco de não aderência ao tratamento (figura 1), passando a serem acompanhados pela equipe multiprofissional (Médico, Assistente Social, Enfermeira e Psicóloga) do Hospital Dia, seguindo o modelo de assistência interdisciplinar já adotado no acompanhamento de pacientes HIV positivos daquele Serviço (ver comentários adiante).

Cerca de 1/4 (24,2%) dos pacientes de alto risco para abandono apresentaram co-infecção por AIDS.

A maioria de nossos pacientes, portanto, apresenta um perfil de maior risco de não adesão ao tratamento. Resultados e comentários

No último trimestre de 98, duas novas ações foram implantadas em nosso Programa de Controle da Tuberculose (PCT). Em novembro, foi implantado o atendimento diferenciado aos pacientes com maior risco para abandono de tratamento. Após ensaio prévio durante a última semana de outubro de 98, em dezembro de 98 a Fundação Nacional de Saúde de Alagoas implantou, em nosso hospital, a visita domiciliar aos pacientes de tuberculose faltosos após o 10o dia da data aprazada.

Procuramos, então, avaliar os efeitos destas medidas no controle das taxas de abandono de tratamento entre nossos pacientes ( Gráficos 1 e 2).

Ao compararmos os dados de 1995, 1996 e 1997 entre si, utilizando a percentagem de abandono em relação ao número de pacientes inscritos por ano, não encontramos diferenças estatisticamente significativas, o que mostra que não houve grandes mudanças no controle das taxas de abandono durante aquele período (taxas de 27%, 33% e 25%, respectivamente).

A análise dos dados de 1998, apesar de ainda não apresentar diferenças estatisticamente

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significativas, sugere uma tendência (F = 0,056) a um melhor controle sobre o abandono de tratamento (Gráficos 1 e 2). Ao analisarmos os dados daquele ano por trimestre, por outro lado, observamos que a taxa de abandono de tratamento dos pacientes inscritos nos três primeiros trimestres (janeiro a setembro) foi de 20%. No entanto, nenhum dos pacientes do último trimestre de 98 abandonou o tratamento, o que fez com que a taxa global de abandono durante o ano de 1998 ficasse em torno dos 16%. Acresce também que pacientes de meses anteriores a outubro que ainda estavam em tratamento ao final de novembro de 98, também chegaram a ser acompanhados pela equipe multidisciplinar e nenhum destes veio a abandonar o tratamento posteriormente.

No entanto, é a partir da análise dos dados de 1999 ( Gráficos 1 e 2) que se constata de forma

inequívoca o impacto das ações implantadas na redução das taxas de abandono de tratamento.

Observa-se, neste ano, a ausência de abandono de tratamento, quer entre os pacientes novos inscritos durante este ano, quer entre os pacientes do ano anterior que ainda se encontravam em registro ativo no início de 1999. Durante este período, também não ocorreu nenhuma alta por transferência ou por óbito.

A análise estatística comparando os dados deste ano de 1999 com os anos anteriores (incluindo o ano de 1998 , que apresentou uma taxa de abandono mais baixa) mostra resultados que são estatisticamente significados, quando empregamos o teste de Fisher (F = 0,003) ( ver Gráficos 1 e 2).

Gráfico 1 - Evolução anual do número de pacientes inscritos no Programa de Controle da Tuberculose, com sua evolução de aderência ao tratamento. A previsão estimada para 1999 é apresentada marcada com *.

85

10088

63

19

7662 67 66

53

19

76

2333

2210

0 00

20

40

60

80

100

120

1995 1996 1997 1998 1999 1999*

Total de inscritos Ativos Abandonos

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Apesar de observarmos que já havia alguma

tendência anterior para redução das taxas de abandono, o que sugere que já havia uma preocupação da equipe no controle do abandono de tratamento, a diminuição concomitante observada no número de inscritos poderia sugerir estar havendo algum tipo de seleção da clientela. No entanto, isto não mais acontece após o último trimestre de 98, observando-se em 1999 uma tendência a um retorno a um número de inscritos semelhante ao de 1995 (Gráfico 1) com recuperação daqueles pacientes que porventura haviam sido perdidos do registro ativo anteriormente. Isto acontece ao mesmo tempo em que se mantém a tendência à ausência de abandono durante o ano de 1999 (Gráficos 1 e 2) - em 1996, o Plano de Demissão Voluntária (PDV) em Alagoas elevou o número de inscritos, pelo encaminhamento de pacientes de outras Unidades de Saúde.

Podemos, pois, afirmar que as ações implantadas foram efetivas e que o abandono de tratamento por tuberculose no Hospital Universitário – UFAL desapareceu no período em estudo, estando esta situação, até o momento, sob controle.

O momento da tuberculose no Brasil, por si só, constitui sólida justificativa para que se busque

alternativas na nova luta contra a tuberculose como doença reemergente11.

Este trabalho traz de original: 1) o fato de

termos um exemplo concreto de um hospital de referência para tuberculose que apresenta ausência de abandono de tratamento, apesar do perfil para maior risco de abandono de tratamento apresentado por seus pacientes, incluindo a co-infecção tuberculose – AIDS; 2) a implantação de visita domiciliar a seus pacientes, através de uma parceria com a Fundação Nacional de Saúde, Instituição reconhecida pela qualidade com que executa esta Ação do PCT; 3) o atendimento dentro do modelo de assistência interdisciplinar a todos os pacientes considerados em maior risco de abandonar o tratamento, com resultados significativamente satisfatórios.

O modelo assistencial e interdisciplinar adotado no Hospital Dia/ HU/UFAL utiliza-se de uma abordagem à história de vida do paciente, que se constitui em procedimento metodológico imprescindível, subsidiando os vários profissionais na ação, buscando elementos sociais necessários à sua intervenção, no sentido de desenvolver reflexões a respeito das condições e modo de vida dos pacientes, buscando alternativas de percepção de suas

Gráfico 2 - Porcentagem de abandonos e sua evolução temporal nos períodos estudados, inclusive com reta de regressão de tendência (linha negra)

0

10

20

30

40

1995 1996 1997 1998 1999*

Anos

% d

e ab

ando

no

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dificuldades, sempre valorizando a vida e possibilitando àqueles uma nova visão desta, para que o paciente, então, deseje dar prosseguimento ao tratamento, melhorando assim sua percepção do processo saúde-doença, trabalhando sua auto-estima e fortalecendo sua vontade de continuar a viver de forma qualitativa, apesar das adversidades.

Como produto da relação das pessoas com o trabalho e a vida, os doentes lidam com a enfermidade estabelecendo projetos de vida, nos quais a superação da doença é um objetivo a ser alcançado e a razão pela qual se concretiza a adesão ao tratamento 2.

Assim, o contato com outros serviços já existentes na rede pública – apenas um dos aspectos da nossa assistência ao paciente – para garantir cestas básicas aos pacientes que desenvolvem reações ao tratamento por não terem uma alimentação regular, bem como a garantia do meio de transporte àqueles que encontram dificuldades financeiras para deslocamento na data aprazada para comparecimento ao hospital (contatos com Secretarias Municipais de Saúde para o transporte do paciente, concessão de carteiras provisórias para acesso gratuito aos ônibus da rede municipal, fornecimento de vales-transporte) é apenas uma maneira de assegurar , ao paciente, as condições mínimas para que o mesmo mantenha o tratamento, e não a garantia, por si só, de que o paciente vá aderir ao tratamento.

A visita domiciliar, por sua vez, além de permitir um maior vínculo entre o paciente e a equipe de saúde, oferece oportunidade para observar a regularidade com que o paciente diz usar a medicação (contagem dos comprimidos), observar de forma direta as condições de vida em que o paciente está inserido, orientar e aprazar os contactantes para exame médico, bem como reforçar a orientação ao paciente sobre a importância da adesão e regularidade do tratamento, assegurando o seu aprazamento à Unidade de Saúde.

Por fim, a triagem dos pacientes, quanto ao risco para não aderência, através de entrevista que utilizou a pesquisa de fatores sabidamente implicados na não aderência em associação à abordagem à história de vida do paciente, permitiu com maior segurança realizar esta seleção, pois nenhum dos pacientes não selecionados para maior risco de não

aderência veio a abandonar o tratamento e todos aqueles encaminhados para acompanhamento interdisciplinar mantiveram o tratamento com regularidade.

Apesar da auto-administração do tratamento ser citada como redutor da aderência, havendo até quem afirme que a única solução possível da não aderência ao tratamento seria a supervisão direta da quimioterapia1, com exceção de um único paciente para o qual foi indicado tratamento supervisionado todos os nossos pacientes recebem tratamento auto-administrado.

Até a data do envio deste texto para impressão gráfica (14/06/99), não foi observado no Hospital Universitário – UFAL, durante este ano, nenhum caso de abandono de tratamento, alta por transferência ou óbito entre os pacientes de tuberculose. Conclusão

Concluímos que em um hospital de referência para pacientes de tuberculose organizado para evitar o abandono de tratamento decorrente de fatores ligados ao Serviço e que utiliza auto-administração da quimioterapia, a implantação de um modelo de assistência inerdisciplinar a estes pacientes, com triagem e acompanhamento dos pacientes sob maior risco de abandonar o tratamento por equipe interdisciplinar, juntamente com a implantação de visita domiciliar aos faltosos, foi capaz de controlar o abandono de tratamento, reduzindo-se as taxas iniciais de abandono (33%) aos níveis considerados ideais (ausência de abandono), no período estudado. Referências bibliográficas

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MYCOBACTERIUM TUBERCULOSIS RESISTENTE: DE ONDE VEM A RESISTÊNCIA ?

Hisbello S. Campos 1

Resumo O autor aborda o problema da resistência do bacilo tuberculoso aos principais quimioterápicos usados no tratamento da tuberculose. Comenta a história do desenvolvimento do Mycobacterium tuberculosis e sua inserção no meio humano. Discute os mecanismos bacterianos de desenvolvimento de resistência aos antibióticos, particularizando aqueles usados pelo bacilo tuberculoso e apresentando resultados de estudos sobre as modificações no genoma bacteriano e conseqüente resistência. Apresenta alguns instrumentos laboratoriais que podem ser usados na detecção da resistência bacteriana, comentando sua utilização prática. Termina por descrever como um doente tuberculoso pode desenvolver lesões colonizadas por bacilos resistentes aos quimioterápicos e as maneiras de evitar a multiplicação deles. Palavras-chave: Mycobacterium tuberculosis resistente. Tuberculose multidroga resistente. Mecanismos bacterianos de resistência. Summary The author discusses the resistant tuberculosis bacillii problem. He comments on the history of the Mycobacterium tuberculosis development and its inserction in the human ambient. He discusses the bacterial mechanisms used for developing resistance to the antibiotics, focusing on those used by the tuberculosis bacili and showing results of studies on the genetic modifications that leads to resistance. He presents some laboratorial instruments that can be used in the detection of resistance, commenting on its practical use. He ends by commenting on how a tuberculous patient can develop lesions colonized by resistant bacilii and the ways to avoid it. Key words: Resistant Mycobacterium tuberculosis. Multidrug resistant tuberculosis. Bacterial mechanisms of resistance. ____________________________ Médico do Centro de Referência Prof. Hélio Fraga

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Introdução A tuberculose é uma doença infecciosa crônica que vem afligindo a humanidade há mais de 5 milênios. Seu agente etiológico, o Mycobacterium tuberculosis, ou bacilo de Koch, é o patógeno que, provavelmente, mais mortes causou1 até o momento. Nos países mais desenvolvidos, o impacto da doença sobre a população foi reduzido pelas melhorias radicais nas condições de vida que ocorreram em meados do século XIX, e tornou-se ainda menor pela implementação da quimioterapia efetiva nos últimos 50 anos. Nos países ainda em desenvolvimento, ao contrário, a tuberculose manteve-se como um sério problema de Saúde Pública2. Atualmente, mesmo nas regiões onde a tuberculose não mais era prioridade nas políticas de saúde, ela vem ressurgindo. As possíveis razões para o recrudescimento desse terrível flagelo incluem a epidemia da AIDS e os níveis crescentes de pauperização e de uso de drogas3. A arma mais poderosa contra esse flagelo é a moderna quimioterapia que, em seis meses, é capaz de curar quase a totalidade dos casos. Idealmente, a frase anterior deveria ser: “ ... é capaz de curar todos os doentes”, mas alguns fatores o impedem. Um deles é a resistência do bacilo tuberculoso a um ou mais dos quimioterápicos usados no tratamento da doença. Resistência bacteriana é tão antiga quanto a quimioterapia da tuberculose. Os principais fatos biológicos ligados à resistência do bacilo tuberculoso aos quimioterápicos, tais como a existência de mutantes resistentes em cepas selvagens, sua provável seleção pelo tratamento sob certas condições, a ligação entre resistência e tuberculose grave, e a prevenção in vitro da resistência pelo uso combinado de drogas, foram todos demonstrados nos primeiros cinco anos da história da quimioterapia efetiva da tuberculose. Com a disponibilidade de remédios efetivos para o tratamento, estudos clínicos controlados demonstraram, in vivo, o valor da associação de fármacos no aumento da eficiência da quimioterapia e na prevenção do surgimento da resistência. Embora a situação particular da tuberculose, com respeito à freqüência e à importância da emergência da resistência bacteriana durante a quimioterapia fosse reconhecida

precocemente, houve desinteresse no acompanhamento da sua freqüência. O Mycobacterium tuberculosis resistente é um sério problema por dois motivos principais: 1) como há apenas poucos fármacos efetivos disponíveis, uma infecção pelo bacilo resistente pode levar a uma doença potencialmente intratável; 2) embora apenas parte menor dos infectados venha a adoecer (5-10%), a doença é altamente contagiosa. Portanto, se houver um número elevado de doentes tuberculosos portadores de germes resistentes a duas ou mais drogas potentes do arsenal terapêutico contra a doença, a probabilidade desse número aumentar exponencialmente é grande, e estaremos de frente a um sério problema com poucas possibilidades de solução.

Internacionalmente, multidroga resistência é definida como resistência à rifampicina e à isoniazida4. No Brasil, contudo, optou-se por uma definição operacional de “tuberculose multidroga resistente”: “qualquer forma clínica da doença na qual o exame bacteriológico detecta resistência “in vitro” à, pelo menos, rifampicina, isoniazida e a mais uma ou mais das drogas componentes dos esquemas I (rifampicina, isoniazida e pirazinamida) ou III (estreptomicina, etambutol, pirazinamida e etionamida)5” . Possivelmente a tuberculose multidroga-resistente é o resultado da acumulação de diferentes mutações independentes e não é fruto de um único evento. Sob o ponto de vista terapêutico isso é muito importante porque, se médicos e pacientes usam o esquema adequado da forma correta, não há ameaça significativa ao futuro imediato da quimioterapia de curta duração. Se as medidas apropriadas para prevenir a disseminação de bacilos multirresistentes forem tomadas, o problema da multidroga resistência deve ser auto-limitante.

É objeto do presente artigo comentar e discutir alguns mecanismos envolvidos no desenvolvimento da resistência micobacteriana aos remédios da tuberculose e na sua detecção. A interação do bacilo tuberculoso com o homem A família Micobacteriaceae antecede a evolução da vida animal e compreende diversas

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bactérias saprófitas do solo que desempenham função de decompor material vegetal morto, enriquecendo o solo, como parte do ciclo vital de plantas e árvores. Da mesma forma que outros gêneros do reino animal, na medida em que evoluíram, mutações ao acaso produziram espécies capazes de parasitar animais (répteis, anfíbios, peixes e pássaros, p. ex.). Muito mais tarde, quando os mamíferos evoluíram, um mutante chamado Mycobacterium bovis, desenvolveu a capacidade de parasitar um amplo espectro de animais de sangue quente: bovinos, roedores, marsupiais, cervos6, p.ex.. Permaneceu endêmico em muitas espécies, distribuindo-se entre presas e predadores. Sem disseminação aérea em espaços fechados, não se tornou epidêmico. Os primeiros contatos da micobactéria com a raça humana provavelmente foram esporádicos e causados pelo ato de comer carne crua ou inadequadamente cozida. Entre 8.000 e 10.000 anos atrás, com o hábito de domesticar animais e de suplementar a dieta com carne, leite e queijo, especula-se que tenha aumentado a freqüência de infecção das crianças com o M. bovis a partir do leite. Embora a doença resultante geralmente se limitasse ao aumento e drenagem dos linfonodos cervicais (escrófula), ocasionalmente comprometia outros órgãos e podia ser fatal. A dúvida sobre se uma infecção inicial pelo M. bovis conferiria proteção contra a tuberculose foi objeto de debate a partir dos trabalhos de Marfan em 18867.

A convivência do homem com o gado foi proposta como o fator que gerou a evolução do Mycobacterium tuberculosis. Durante os invernos, as pessoas dividiam suas casas com seus animais para a conservação do calor. Uma vaca tossindo poderia expor uma família a uma infecção aerógena pelo M. bovis. Isso criou um nicho para o desenvolvimento de um mutante mais patogênico para humanos e menos agressivo para a maior parte dos animais. Da mesma forma que o M. bovis, o M. tuberculosis não podia sobreviver no meio ambiente, e sua sobrevivência dependia da transmissão de hospedeiro para hospedeiro. Entretanto, isolamentos geográficos, tanto por desertos, como por oceanos ou montanhas, mantiveram as populações razoavelmente isentas das pressões seletivas do M. tuberculosis por séculos. Estudos genéticos das micobactérias, revelam enormes semelhanças entre os DNAs do M. bovis e do M. tuberculosis, e mesmo do M. microtti e do M.

africanum8, indicando que essa teoria evolutiva possa ser real.

Como diversos fatores epidemiológicos importantes para a disseminação do bacilo estavam ausentes, apesar de o do M. tuberculosis ter achado um meio ambiente adequado para sua sobrevivência e multiplicação em humanos, as formas da doença eram esporádicas. Nas pessoas muito susceptíveis, a doença lembrava a febre tifóide9,10, e matava o hospedeiro muito rapidamente, não gerando um disseminador eficiente11. Os indivíduos que o acaso favoreceu com maior resistência ao bacilo sobreviviam à infecção primária. Quanto maior o número dos sobreviventes, maior o número daqueles que desenvolviam tuberculose pulmonar e se tornavam eficientes propagadores do microrganismo. Apesar disso, a tuberculose ainda permaneceu como uma doença endêmica e esporádica por muitos séculos na Europa12.

Epidemias têm um ciclo que pode ser representado por uma curva. Todas apresentam uma elevação rápida paralela à disseminação da infecção, diminuindo o crescimento na medida em que o número de pessoas susceptíveis vai sendo reduzido e passando a apresentar tendência de queda lenta, no sentido da linha de base, quando o reservatório de pessoas susceptíveis vai sendo diminuído pela morte. A epidemia de tuberculose que ocorreu na Europa no século XVIII desenvolveu-se numa população na qual alguma seleção pela resistência natural já existia. Nesse grupo, a tuberculose bovina e a humana eram endêmicas por séculos. Como resultado, indivíduos infectados habitualmente sobreviviam no estágio primário, mas desenvolviam formas crônicas pulmonares. Como as comunidades eram basicamente rurais, mesmo nas grandes cidades não havia aglomeramento. O ingrediente essencial para a disseminação epidêmica foi o início da Revolução Industrial no século XVIII, quando as cidades se tornaram populosas e as condições de pobreza reinantes facilitaram o início da epidemia13. Na época, a tuberculose foi chamada a “Grande Praga Branca”, não se sabe se para diferenciá-la da praga bubônica (a “morte negra”) ou se porque estava limitada aos caucasianos14. A crescente densidade populacional das cidades forneceu as condições ideais para a disseminação aerógena do bacilo, como de diversos outros microrganismos. A epidemia cresceu e

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espalhou-se pela Europa ocidental. Naquela época, virtualmente todos nas cidades européias estavam infectados na idade de 25 a 30 anos, e cerca de 25% de todas as mortes eram atribuídas à tuberculose14. Lentamente, a doença se propagou para a Europa oriental, “protegida” pelo atraso na industrialização e pelos obstáculos às viagens oferecidos pelas montanhas ou pelas fronteiras políticas15,16. Até as últimas décadas do século XIX, a tuberculose era raramente notificada na Rússia17 e relativamente incomum na Índia18. A epidemia foi levada para a América do Norte “colonial” pelos pecuaristas europeus19 e foi crescendo de importância na medida em que os nativos eram forçados a viver aglomerados em reservas20. Os jesuítas também foram responsáveis pela introdução da tuberculose nas Américas, principalmente na do Sul. À medida em que os europeus colonizavam outras regiões, portadores de tuberculose pulmonar crônica levavam a doença para outros portos. As formas primitivas de transporte e a hostilidade dos colonizados dificultavam a penetração da tuberculose no interior dessas regiões. Por exemplo, a tuberculose chegou à costa da África e à Nova Guiné no início do século XIX, mas só penetrou o interior da África perto de 1910 e a Nova Guiné próximo a 195021. A tuberculose era rara entre africanos que viviam em pequenas vilas remotas e ao ar livre. Foram expostos à doença pelos europeus. Quando os jovens e saudáveis senegaleses foram alistados no exército francês durante a I Guerra Mundial, tiveram seus primeiros contatos com o M. tuberculosis ao viverem em contato próximo com os soldados franceses e foram dizimados22. O mesmo ocorreu com soldados do interior do Sudão, ao serem recrutados pelo exército egípcio. Naquela época, enquanto os soldados egípcios desenvolviam lesões pulmonares crônicas, os sudaneses morriam rapidamente por formas subagudas disseminadas da tuberculose23. Certamente as populações dessas áreas eram mais susceptíveis à infecção do que europeus e egípcios, e isso sugere fortemente uma diferença racial relativa à resistência, que poderia ser produto de experiência ancestral com a doença resultando, assim, em herança genética que conferia resistência natural. Na verdade, nunca houve uma grande epidemia mundial de tuberculose e, sim, muitas epidemias concurrentes, que começavam em diferentes momentos24,25. A seleção de indivíduos resistentes a um dado microrganismo ocorre apenas se a exposição é

freqüente e a doença resultante produz altos índices de letalidade antes ou durante a idade reprodutiva. A história da humanidade foi pontuada por diversas “pressões evolucionárias” de diversos patógenos infecciosos na luta pela sobrevivência. À medida em que sucessivas gerações iam sendo sujeitadas à inexorável eliminação dos jovens mais susceptíveis à doença, a proporção de pessoas resistentes ao microrganismo ia aumentando gradualmente. Epidemias infecciosas terminam como fruto da combinação da imunidade à adaptação genética. A natureza providenciou suficiente flexibilidade no genoma humano para permitir adaptações eventuais a qualquer ameaça letal através de várias gerações. Foi dessa forma que diversas doenças infecciosas como sarampo, caxumba e varicela, por exemplo, tornaram-se “doenças benignas da infância”. O aumento da resistência natural a essas infecções através da seleção natural explica os baixos índices de mortalidade infantil por essas doenças26. Sabe-se que as pressões seletivas de alguns microrganismos colaboraram no sentido de, através do processo de seleção natural, eliminar ou manter gens para algumas doenças adquiridas, evitando a destruição das espécies. O melhor exemplo desse fato, em humanos, é a vantagem compensatória promovida pelo gen da anemia falciforme. Portadores homozigóticos do gen geralmente morrem cedo, antes da idade da reprodução. Os portadores heterozigóticos, que são em maior número, resistem à malária melhor do que indivíduos sem o gen. Essa resistência especial dos heterozigotos explica a persistência do gen em populações de áreas endêmicas de malária. Com relação à tuberculose, um bom exemplo de menor susceptibilidade, ou maior resistência, é dado com os descendentes de judeus. Teoricamente, a urbanização forçada daquela raça em guetos muito populosos na Europa durante os picos da epidemia tuberculosa selecionou sobreviventes “resistentes”27. Um autor28 sugeriu que a codificação genética dessa resistência estaria ligada de perto ao gen responsável pela doença de Tay-Sachs, uma doença geneticamente transmitida e fatal em crianças menores. Os judeus heterozigotos para esse gen são mais resistentes à tuberculose. Isso representa um exemplo de um gen determinante de uma rara e fatal doença persistindo numa população porque, ao mesmo tempo, representa também uma “vantagem” genética, já que protege contra outra doença (a tuberculose). Por muitas gerações, o estado heterozigótico determinou uma condição especial de

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resistência à tuberculose em diversas regiões da Europa2 Os mecanismos que permitem o desenvolvimento de resistência natural à tuberculose vêm sendo estudados por grande número de investigadores. Estudos em coelhos revelaram que aqueles muito resistentes ao M. bovis apresentavam lesões pulmonares localizadas após inalarem o bacilo, enquanto os coelhos susceptíveis desenvolviam doença rapidamente progressiva e disseminada após a inalação de pequenas quantidades de M. bovis29. Recentemente, um autor demonstrou que a resistência do camundongo à infecção por pequenas doses de M. bovis está sob o controle de um único gen30. Esse gen regula a capacidade do hospedeiro em restringir a proliferação do bacilo tuberculoso nas fases pré-imune, macrofágica, da infecção. A resistência é expressa pela macrófagos, independentemente dos linfócitos T e B, e das células T killer. A ativação dos macrófagos dos camundongos resistentes seria mais rápida e mais potente, permitindo a lise dos bacilos fagocitados31. Num outro estudo, avaliando 41.000 pessoas brancas e negras residentes em asilos no Arkansas, EUA32, verificou-se que os brancos eram mais resistentes que os negros à infecção pelo M. tuberculosis. Ao mesmo tempo, outro estudo demonstrou que os macrófagos dos negros permitem significativamente maior replicação bacilar que os macrófagos dos brancos33. Em outro34, foi demonstrado que os monócitos têm um padrão nato de resistência ao M. tuberculosis em 70% dos brancos, contra 30% dos negros. Esses achados são consistentes com as conclusões de outros estudos nos quais a resistência natural ao bacilo tuberculoso é duas vezes mais freqüente em descendentes de europeus do que em descendentes de africanos35. Recentemente, foi reportada uma descoberta potencialmente importante que explicaria, com bases genéticas, a impressão de que a raça negra é mais susceptível à tuberculose36. Resistência e populações bacilares As bactérias usam diferentes estratégias para desenvolver resistência aos antibióticos. De um modo geral, esses mecanismos de defesa podem ser divididos em três grupos: 1) mecanismos de “barreira” (redução da permeabilidade e bombas de efluxo); 2) degradação ou inativação de enzimas (β-lactamases, p. ex.); 3) modificação do “alvo” do

fármaco (mutação de um gen chave). As informações genéticas para tais propriedades podem ser adquiridas via elementos genéticos móveis exógenos (plasmídeos, p. ex.) ou podem residir nos cromossomos da bactéria. Basicamente, as micobactérias não são diferentes de muitas outras bactérias no que se refere ao uso das estratégias descritas acima. • Sua parede celular tem a capacidade de variar sua

permeabilidade a diferentes compostos37. • Produzem enzimas que degradam ou modificam

fármacos38. • Modificam espontânea e previsivelmente

cromossomos de gens alvos das drogas.

Na maior parte das vezes, a resistência aos fármacos usados no tratamento da tuberculose depende desse terceiro mecanismo de resistência. A tuberculose multidroga resistente reflete a acumulação de etapas de mutações individuais de diversos gens independentes39, e não a aquisição em bloco de resistência a múltiplas drogas.

A resistência é um fenômeno fundamentalmente ligado às grandes populações bacterianas. Na tuberculose humana, as maiores populações estão nas lesões cavitárias e há mais de meio século se sabe que a resistência é mais freqüente durante o tratamento das formas cavitárias, quando comparada às formas não-cavitárias40,41. Quanto maior a população bacteriana, maior a chance de haver bacilos resistentes antes do início da quimioterapia. Dados oriundos de doentes submetidos à ressecção sem quimioterapia prévia permitiram estimativas da grandeza da população bacilar inicialmente presente nos diferentes tipos de lesões tuberculosas. As populações encontradas em cavidades eram da ordem de 107 a 108 bacilos, enquanto que, nas lesões caseosas endurecidas, não excediam 102 a 104 bacilos42. Ao mesmo tempo, as freqüências das resistências aos diferentes fármacos anti-tuberculose usualmente variam entre um em cada 106 bacilos e um em cada 108 bacilos. Essas taxas correspondem à freqüência média esperada de mutações espontâneas nos cromossomos do M. tuberculosis, e constituem uma das bases para a poliquimioterapia da tuberculose. Acredita-se que quando a resistência surge durante a quimioterapia, isso se deve à seleção e multiplicação de mutantes

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resistentes, pré-existentes nas populações das lesões. Com a destruição de grande parte dos bacilos sensíveis, que normalmente são a maioria, a primeira conseqüência é a rápida queda na população bacteriana total no início do tratamento. Posteriormente, o número de bacilos poderá voltar a crescer devido à multiplicação dos mutantes resistentes. A repositivação do escarro é um fenômeno conhecido há muito43,44,45 e de importância prática óbiva, porque permite a detecção da resistência por um método simples como a baciloscopia, desde que haja a certeza de que os remédios estão sendo usados conforme prescritos. Em locais onde não seja possível a realização de testes de

sensibilidade, a repositivação da baciloscopia pode ser considerada como um “marcador” de resistência. Até o momento, estudos sobre a resistência do M. tuberculosis aos fármacos antimicobacterianos (Quadro 1) identificaram alguns alvos das drogas e mecanismos de resistência (Quadro 2). Dos quatro principais mecanismos de resistência aos agentes antimicrobianos - inativação da droga46, prevenção do acesso da droga ao seu alvo47, redução da droga por superprodução do alvo4 e alteração do alvo por mutação48 - apenas os dois últimos foram demonstrados no M. tuberculosis até o momento.

Quadro 1 - Drogas anti-tuberculose

Amicacina

Ácido para-amino-salicílico

Ciprofloxacin

Etambutol

Etionamida

Isoniazida

Kanamicina

Pirazinamida

Rifampicina

Sparfloxacin

Estreptomicina

Tiacetazona

Viomicina

Quadro 2 - Alvos moleculares para o diagnóstico de resistência do M. tuberculosis

Fármaco Gen(s) Produto do gen Freqüência de mutações associadas à resistência

Isoniazida katG inhA mabA ahpC

Catalase-peroxidase Biosíntese de ác. Graxos Enzimas EnvM e FabG Alquil-hidroperóxido redutase

47-58% 21-28% 21-28%

10%

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Resistência à rifampicina - A rifampicina (RMP), uma ansamicina lipofílica, é muito ativa contra o M. tuberculosis, porque se difunde rapidamente através do envelope celular hidrofóbico. Atua ligando-se à enzima RNA-polimerase bloqueando a transcrição. A resistência resulta de mutações no gen rpoB, que codifica a sub-unidade β da RNA-polimerase49,50,51. Resistência a ela, embora rara (~10-8) resulta na seleção veloz de mutantes resistentes a outros fármacos do esquema de curta duração. Daí, a resistência à rifampicina poder ser considerada como um efetivo marcador de multidroga resistência52. Por outro lado, alguns dados preliminares indicam que determinadas mutações no rpoB, ao mesmo tempo em que determinam resistência à RMP, tornam a micobactéria mais susceptível à rifabutina53. Resistência à isoniazida - A isoniazida, ou hidrazida do ácido isonicotínico (INH) é, provavelmente, o mais antigo fármaco sintético efetivo contra o M. tuberculosis. Foi descrita pela primeira vez em 191254, mas só foi reconhecida como potente agente contra o M. tuberculosis em 195155. Sua concentração inibitória mínima muito baixa (0,02 - 0,05 mg/ml) indubitavelmente contribui para sua eficácia. Um outro fator responsável pela sua potência pode ser o fato de que a droga age em diversos alvos na célula micobacteriana. A inibição da síntese de ácidos micólicos56, enfraquecendo a parede bacteriana, foi uma das primeiras ações descritas da INH sobre o bacilo tuberculoso. Esses ácidos gordurosos e insaturados de

cadeia longa contribuem para a impermeabilidade do envelope celular e, por serem restritos às micobactérias, configuram um alvo seletivo para os fármacos. Pouco depois da introdução da INH no arsenal terapêutico contra a tuberculose, observou-se que alguns isolados altamente resistentes a ela não continham a enzima catalase-peroxidase, e que eram freqüentemente avirulentos para o cobaio57. Sabe-se hoje que a toxicidade da INH resulta de uma reação peroxidativa catalisada pela catalase-peroxidase, a qual é codificada pelo gen katG58,59. A ausência desse gen em isolados de M. tuberculosis altamente resistentes à INH pode ser uma evidência de uma ligação entre a catalase- -peroxidase e a resistência à INH60. Uma outra forma de desenvolvimento da resistência à INH pode se dar por mutações que levem à expressão reduzida do gen ou à redução da atividade peroxidativa. Essas mutações são mais freqüentes que as delações61. Recentemente, dois outros gens foram ligados à resistência à INH, o inhA e o mabA. Mutações nesses gens resultam em menor nível de resistência tanto em micobactérias de crescimento rápido como nas de crescimento lento, e é acompanhada por resistência cruzada a um outro fármaco, a etionamida62, que aparentemente tem o mesmo alvo que a INH. Aparentemente, 10 a 20% dos isolados resistentes à INH não apresentam mutações nos gens katG e inhA. Na busca por gens

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adicionais, chegou-se a uma outra mutação genética relacionada à resistência à INH. Ela se daria no gen ahpC, que regula a alquil-hidroperóxido redutase C. Embora os mecanismos determinantes da resistência por esse gen ainda sejam desconhecidos63, acredita-se que aquela enzima retire o poder tóxico do intermediário ativo da INH64,65. Sintetizando, os mecanismos genéticos determinantes da resistência à INH se dariam em três níveis: 1) Bloqueio da ativação da droga (katG); 2) Inativação do intermediário tóxico (para a bactéria) da INH (ahpC) e 3) Bloqueio da biossíntese do ácido micólico (mabA e inhA). Resistência à estreptomicina - A estreptomicina (SM), um antibiótico de amplo espectro, foi a primeira droga usada para tratar a tuberculose. Sua ação sobre o M. tuberculosis se dá ao nível do ribossomo, evitando a translação do RNAm. A resistência a ela resulta predominantemente de mutações no gen rpsL, que codifica a proteína ribossômica S12. Cerca de 70% dos isolados clínicos resistentes à SM têm uma transição de A para G no codon 43 que leva à substituição da lisina pela arginina66,67. Uma pequena fração dos bacilos resistentes à SM tem mutações nas alças do RNAr 16S, que é codificada pelo gen rrs68. Entretanto, em cerca de 30% dos isolados resistentes à SM não se encontram mutações nos gens rpsL ou rrs69. Estudos nesse grupo mostraram menor grau de resistência e levantaram suspeitas de que tenham alterações na permeabilidade da parede celular70. Possivelmente, mecanismos adicionais ainda desconhecidos sejam responsáveis por 24-40% das resistências clínicas28,71. Resistência ao etambutol - A atividade antibacteriana do etambutol é restrita ao M. tuberculosis, indicando que o alvo dessa droga é uma estrutura única do bacilo tuberculoso. Há indícios de que os gens embA e embB estariam envolvidos na biosíntese da arabinogalactan e da lipoarabinomanan, componentes estruturais chaves da parede celular da micobactéria, e que mutações nos gens da região emb determinariam a resistência72. Resistência à pirazinamida - O conhecimento disponível sobre o(s) mecanismo(s) de ação da pirazinamida é inferior ao sobre os outros agentes antimicobacterianos. Cepas sensíveis de M. tuberculosis produzem a enzima pirazinamidase, que converte a pirazinamida ao ácido pirazinóico, o fármaco ativo contra a micobactéria. A participação da enzima

pirazinamidase, presente nos bacilos susceptíveis mas marcadamente reduzida na maior parte das cepas resistentes, aponta para a via metabólica do nucleotídeo nicotinamida-adenina do bacilo como o alvo dessa droga. Por outro lado, não há concordância entre a perda da atividade da pirazinamidase e a resistência à pirazinamida73. Outras micobactérias podem ser resistentes à pirazinamida apesar de possuir atividade da pirazinamidase74. Recentemente, descrições publicadas sobre as mutações dos gens responsáveis pela codificação da pirazinamidase nas micobactérias75 podem ampliar o conhecimento sobre o tema. Resistência às fluoroquinolonas - Recentemente demonstrou-se a poderosa atividade tuberculocida desse grupo de antibióticos76. Seu emprego no tratamento da doença foi impulsionado pelos recentes surtos de tuberculose multi-droga resistente. Entretanto, o emprego freqüente das fluoroquinolonas no tratamento de diversas outras doenças infecciosas está gerando cepas de M. tuberculosis resistentes a essas drogas77,78. Altos níveis de resistência ao ciprofloxacin, e resistência cruzada a outras fluoroquinolonas (ofloxacin, p. ex.)79 estão associados com um número limitado de mutações no gen gyrA, que codifica a subunidade A do DNA girase, uma topoisomerase do tipo II80, 81,82. Acredita-se que mecanismos adicionais de resistência, ainda não identificados, possam ser responsáveis por até 25% das resistências clínicas. Pouco se sabe sobre as bases moleculares da resistência às drogas de segunda linha no tratamento da tuberculose: amicacina, capreomicina, kanamicina, ácido para-amino-salicílico, etionamida, tiacetazona, cicloserina e viomicina. A maior parte dos compostos deste segundo grupo são fracamente ativos e provocam altos índices de efeitos secundários, a maior parte tóxicos. A kanamicina e a capreomicina, tais como a estreptomicina, são inibidoras da síntese proteica. Embora as bases moleculares da resistência a essas drogas sejam desconhecidas, possivelmente envolvem modificação das estruturas ribossomicas, já que resistência cruzada é observada freqüentemente. Há dois mecanismos de ação propostos para o ácido para-amino-

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salicílico: interferência com a biossíntese do ácido fólico e inibição do uptake de ferro83, mas inexistem trabalhos para melhor avaliar esse fármaco. A cicloserina inibe a síntese de peptideoglican, bloqueando a ação da alanina racemase e da d-alanina sintetase. A expressão dessa última resulta em resistência à cicloserina84. A etionamida, estruturalmente relacionada à INH, possivelmente tem como alvo a biossíntese do ácido micólico. Mutações no gen inhA podem conferir resistência cruzada com a INH, mas outros gens possivelmente estão envolvidos na resistência seletiva à etionamida. De modo geral, com exceção da rifampicina, a resistência às drogas anti-tuberculose resulta de mudanças em vários “gens alvos”, vários dos quais ainda não foram identificados. A alteração do alvo da droga por mutações dos gens cromossomiais ocorre com os antibióticos de amplo espectro: fluoroquinolonas, estreptomicina e, às vezes, com a isoniazida, embora a resistência específica a essa última e à etionamida possa ocorrer por superprodução do InhA. Alteração da permeabilidade às drogas como um mecanismo causal de resistência ainda não foi demonstrada, mas poderia explicar os baixos índices de resistência à estreptomicina85 e à ciprofloxacina36. Um outro mecanismo comum de resistência, decorrente dos sistemas de efluxo de antibióticos86, nunca foi demonstrado no M. tuberculosis. Possivelmente isso reflete o fato de que, na natureza, o M. tuberculosis é predominantemente um parasita intracelular, e daí menos exposto aos determinantes mais comuns de resistência, freqüentes nos microrganismos extracelulares87. Aparentemente, a resistência concomitante a diferentes drogas (multidroga resistência) resulta da acumulação de mutações individuais em gens codificadores de “alvos” para os fármacos. Certamente, esquemas terapêuticos inadequados, irregularidade na tomada dos remédios e controle insatisfatório do doente durante o tratamento são os principais fatores causais da tuberculose multidroga resistente (resistência secundária). Há contradições na literatura sobre a associação resistência – menor virulência. Ainda não há elementos que permitam definir se essa associação existe. Num estudo em cobaio, não se pode demonstrar perda consistente de virulência em bacilos multidroga resistentes, mas sim uma ampla variação na virulência das cepas. Infelizmente, nesse estudo não houve caracterização genética dos isolados, não havendo

qualquer informação sobre a identificação e localização das mutações causadoras da resistência88. Em outro, com isolados de M. bovis geneticamente bem caracterizados, perda da virulência para o cobaio foi associada à perda da atividade da catalase mas não com mutações no inhA, que também confere resistência à INH89. Enfim, por que a resistência a uma ou mais drogas determinaria perda da virulência ? Talvez a resposta esteja ligada ao fato de muitos dos alvos dos antimicrobianos serem gens “cuidadosamente conservados” importantes na mecânica celular, que são restritos na tolerância a mutações. Modificações nesses gens poderia resultar em impedimento funcional. Isso já foi demonstrado em bactérias de crescimento rápido, como a E. coli, mas não em micobactérias de crescimento lento90. A detecção da resistência O teste da sensibilidade da micobactéria às drogas anti-tuberculose tanto pode ser feito para fornecer informações úteis para a definição do esquema terapêutico de um indivíduo como para o planejamento das estratégias de tratamento em grande escala. Além disso, o monitoramento da resistência é um importante indicador da efetividade de um programa de controle da tuberculose91. Há três métodos clássicos para testar a susceptibilidade do bacilo tuberculoso às drogas no meio de Lowenstein-Jensen: o da concentração absoluta, o do rateio da resistência e o das proporções. Esse último representa a base para a implementação de variantes mais modernas de testagem: método das proporções utilizando meio sólido semisintético e método radiométrico usando o Bactec. Embora o sistema Bactec TB-460 para detecção primária e subseqüente testagem da sensibilidade tenha trazido economia significativa de tempo (o isolamento do M. tuberculosis é possível em 1 a 2 semanas, e 7 a 10 dias adicionais são necessários para os resultados dos testes de sensibilidade), ainda há problemas técnicos na padronização dos testes de sensibilidade (dificuldades na definição do tamanho apropriado do inóculo, estabilização dos fármacos nos diferentes meios de cultura e confiabilidade dos resultados com relação a alguns dos fármacos).

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Modernamente, estratégias moleculares para a detecção laboratorial da resistência vêm sendo desenvolvidas. Como, teoricamente, a necessidade de crescimento em culturas é mínima ou nenhuma para a detecção de marcadores genéticos de resistência, os testes baseados nessas técnicas trazem vantagens como a redução do tempo necessário para o resultado e a possibilidade de automação do exame. A análise das mutações que conferem resistência às drogas às micobactérias geralmente envolvem 1) ruptura da parede micobacteriana por aquecimento ou por dano mecânico, 2) amplificação da região genômica que confere resistência pela reação em cadeia da polimerase (PCR) e 3) análise pós-amplificação das mutações. Entretanto, esses métodos de análise requerem grandes quantidades de produtos da amplificação para que resultados ambíguos possam ser evitados. Embora essa limitação prática não se aplique à análise de colônias isoladas ou de culturas pelo Bactec, a detecção direta de marcadores de resistência em espécimes clínicos pode ser limitada pela presença de inibidores nas amostras processadas ou pelo pequeno número de genomas micobacterianos no material. Para superar esses obstáculos, desenvolveu-se uma técnica de reação de amplificação que aumenta a sensibilidade da detecção do M. tuberculosis no escarro92. Na prática, na ausência dessa técnica, a análise da resistência fica limitada às culturas positivas pelo Bactec (índice de crescimento ≥ 100) ou a colônias em meio sólido, ou a amostras de escarro fortemente positivas. O doente e a resistência Conceitualmente, um paciente diagnosticado como portador de tuberculose que inicia o tratamento quimioterápico tanto pode ter suas lesões colonizadas por bacilos que adquiriram resistência durante o tratamento como pode ser portador de M. tuberculosis que, desde o processo de infecção, já eram resistentes a uma ou mais drogas. A primeira situação é denominada resistência adquirida e a segunda resistência primária. A resistência adquirida é um indicador sensível para avaliar se tanto o médico como o paciente seguem as recomendações padronizadas para o tratamento da tuberculose. Como essa forma de resistência depende do uso prévio de drogas anti-tuberculose, pacientes tratados anteriormente podem ser conjugados como um grupo onde a chance de haver resistência é maior. Esse grupo inclui quatro tipos de doentes:

• Pacientes nos quais houve falência do tratamento, isto é, eram bacilíferos no início da quimioterapia e assim permaneceram, ou repositivaram a partir do quinto mês de tratamento.

• Pacientes que voltaram a ser bacilíferos após terminar o tratamento e terem tido alta por cura (recidiva).

• Pacientes que interromperam o tratamento por mais de dois meses após terem recebido os remédios por pelo menos um mês e que retornam com exame positivo.

• Pacientes que continuam positivos após completarem esquema de retratamento (crônicos).

A resistência primária é um conceito

teórico que se refere a doentes que nunca tomaram remédios para tuberculose ou que só o fizeram por menos de um mês, e que têm bacilos resistentes a uma ou mais drogas anti-tuberculose.

Como o tratamento irregular pode levar à resistência?93. Durante a quimioterapia, ciclos de destruição bacteriana (durante a tomada das drogas) se alternam com ciclos de crescimento bacilar (quando a droga é suspensa). Em cada um desses ciclos ocorre seleção, favorecendo os mutantes resistentes em detrimento dos sensíveis. O recrudescimento da população bacteriana ao tamanho da população inicial, pré-início da quimioterapia, pode ocorrer com a presença de proporções crescentes de bacilos resistentes ao início de cada ciclo. Diferentes mecanismos, incluindo o efeito bactericida precoce das drogas usadas, a “monoterapia” durante a esterilização de populações bacterianas especiais (bacilos semi-dormentes) e inatividade metabólica da micobactéria pós-exposição ao fármaco favoreceriam a seleção de mutantes resistentes. O efeito bactericida precoce, ou seja, a velocidade com a qual a droga começa a destruir o bacilo é importante na redução da população bacteriana. Esquemas medicamentosos que contenham a isoniazida começam a matar mais rapidamente que esquemas com a rifampicina (mas sem a INH)94,95. Assim, nos primeiros dois dias de tratamento96 com um esquema contendo apenas INH e RMP, os mutantes INH-resistentes seriam selecionados. Como a população inicial em lesões cavitárias é

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grande, haverá também bacilos resistentes à RMP e, em pouco tempo a lesão estará colonizada por uma população crescente e resistente às duas drogas. Por isso, um esquema terapêutico deve conter, pelo menos, três drogas na sua fase inicial e. idealmente, todas com alto efeito bactericida precoce, o que reduziria a probabilidade de seleção de mutantes resistentes a uma ou mais drogas. O papel particular da rifampicina e da pirazinamida sobre a população semi-dormente de bacilos, faz com que sejam consideradas drogas altamente esterilizantes. A rifampicina destrói o bacilo sensível que desenvolva atividade metabólica mínima e a pirazinamida destrói o bacilo localizado em ambientes ácidos (intramacrofágico). Em esquemas que contenham essas duas drogas acompanhadas pelo etambutol (EMB) e/ou isoniazida, certamente haverá monoterapia nessas duas populações bacterianas, já que nem a INH nem o EMB têm ação naquelas situações. Dependendo do seu número nas lesões pré-início da quimioterapia, mutantes resistentes teriam, então, maior chance de sobreviverem. O bacilo tuberculoso sofre um hiato metabólico de duração variável para cada fármaco após a exposição à droga. Se o intervalo entre as tomadas de remédio é superior a esse hiato, haverá recrudescimento da população bacteriana. Os dois primeiros mecanismos ocorreriam nas fases de destruição ou de inibição bacilar, e o último durante o crescimento bacteriano subseqüente. Na maior parte das vezes, a resistência emerge primeiro de uma das drogas do esquema terapêutico, seguindo-se o desenvolvimento de resistência a outra(s), produzindo a tuberculose multidroga resistente. Agradecimento: Agradeço à Maria Beatriz Campos pela revisão gramatical deste texto. 1 - ISEMAN MD. Proc Natl Acad Sci USA 1994; 91: 2428-9. 2 - KOCHI A. Tubercle 1991; 72: 1-6. 3 - Snider Jr DE, Roper WL. N Engl J Med 1992; 326: 703-5. 4 - WHO / IUATLD. Guidelines for surveillance of drug resistance in tuberculosis. Int J Tuberc Lung Dis 1998; 2(1): 72-89. 5 - CNPS, SBPT. I Consenso Brasileiro de Tuberculose. J Pneumol 1997; 23(6) 6 - STEELE JH, RANNEY AF. Animal tuberculosis. Am Ver Tuberc 1958; 77: 908-22.

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MODELO DE PREDIÇÃO PARA O ABANDONO DO TRATAMENTO DA TUBERCULOSE PULMONAR

Sonia Natal1; Joaquim Valente2; Germano Gerhardt3; Maria Lucia Penna4 Resumo Estudo caso-controle aninhado em uma coorte de tratamento da tuberculose, com objetivos de determinar fatores de risco para o abandono do tratamento. O estudo foi realizado no ambulatório do Hospital Raphael de Paula Souza/MS, Rio de janeiro, de 01 a 08 de 1989. Os 78 casos foram doentes que abandonaram em qualquer época o tratamento e foram entrevistados em sua residência; os 93 controles foram doentes que encerraram o tratamento por cura e entrevistados no ambulatório, no momento da alta. Foram utilizados os aplicativos EPIINFO e SPSS8. Os fatores de risco detectados na análise multivariada foram a baciloscopia negativa no diagnóstico, ausência de trabalho fixo, uso diário de bebida alcoólica, relato do doente de não ter apresentado melhora clínica durante o tratamento, rejeição do doente ao serviço de saúde traduzida por sua informação do doente de não voltar ao mesmo serviço e de ter procurado outro. Palavras-Chave: Tuberculose, Abandono de Tratamento, Predição Summary Nested case-control study within a cohort. The study takes place in Rio de Janeiro, at Raphael de Paula Souza Hospital, from january to march, 1989. It was sampled 78 cases (treatment abandonment) and 93 controls (cure treatment). The aim of this study it was to predict factors to abandonment of tuberculosis treatment. For analyses was used the EPIINFO and SPSS8 applications. The predict factors were unemployment patients, the alcoholic addition, not improvement of clinical symptom related by the patients, the health service rejection translated by the patients as did not come back to the health service and to look for another one. Keys-Words: Tuberculosis, Abandonment, Predictors ___________________________________________ 1 – Fundação Nacional de Saúde 2 – ENSP 3 – Fundação Ataulpho de Paiva 4 – UERJ

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Introdução

Uma das principais preocupações, hoje, para aumentar a efetividade dos programas nacionais de controle da tuberculose é o aumento da aderência ao tratamento, com a redução das taxas de abandono.

A busca de casos e o tratamento da tuberculose, apesar de não reduzir imediatamente o número de indivíduos infectados pelo bacilo, é definitivamente o que levará a uma redução do problema a longo prazo. Sem um programa de massa de quimioprofilaxia, a redução de infectados se dará, somente, através do tratamento dos casos infectantes. No Brasil, a taxa de resultados favoráveis era inferior a 70,0%1 , incluídos os casos de sem informação do desfecho do tratamento.

No Brasil, existem poucos estudos acerca do conhecimento das causas do abandono do tratamento da tuberculose e das características dos doentes que pertençam a estes grupos. Mesmo na literatura científica internacional, a maioria dos estudos acerca do cumprimento do tratamento são geralmente referentes a outras patologias e, muito raramente, relacionados com a tuberculose.

As medidas que são tomadas, pelos serviços de saúde, diante de casos de abandono do tratamento revela a pouca importância com que estes casos são tratados, já que, na avaliação das atividades dos serviços, os casos de abandono do tratamento são considerados como “casos encerrados”. A tentativa de se recuperar estes doentes para a continuação do tratamento se reduz, quando muito, à emissão de telegrama.

Atualmente, apesar da proposta da OMS do tratamento supervisionado, persiste a importância do perfil dos doentes que abandonam, pois, mesmo com esta medida, os doentes poderão continuar a faltar, podendo ocorrer o uso irregular das drogas que possibilita o desenvolvimento da resistência bacteriana.

O objetivo geral do presente estudo é descrever as características demográficas e sociais dos grupos de doentes que abandonaram e dos que completaram o tratamento, assim como os aspectos organizacionais do serviço de saúde, para identificar características dos doentes quanto ao não-

cumprimento do tratamento, de maneira que intervenções específicas possam ser desenvolvidas para grupos específicos visando a redução do abandono. Material e método

Realizou-se um estudo caso-controle aninhado em uma coorte de tratamento. A coorte foi definida como os casos de tuberculose que iniciaram tratamento de 01/89 a 03/89, com o esquema terapêutico padronizado (2 RIZ/4RI), com 15 anos ou mais, no Hospital Raphael de Paula Sousa, no município do Rio de Janeiro. O desenlace do tratamento da coorte selecionada se completou após 6 meses onde os doentes foram classificados como curados, falência, óbitos ou abandono. O abandono foi definido, segundo as normas nacionais, como o não comparecimento ao serviço de saúde por 60 dias ou mais.

Os pacientes classificados como abandono foram considerados casos. Os controles foram selecionados aleatoriamente entre os pacientes classificados como curados, na proporção de 1 caso para 1 controle.

Após o diagnóstico da tuberculose era preenchida uma ficha com dados de identificação, a forma da tuberculose e a situação bacteriológica. Os doentes foram, então, informados sobre a sua doença e a importância de retornarem ao serviço de saúde para a continuação do tratamento. Foi utilizado um questionário padronizado, para a coleta dos dados primários, estruturado com perguntas fechadas e outras abertas, codificadas posteriormente. A entrevista foi realizada com o próprio doente em sua residência, quando era abandono do tratamento (caso), e com o grupo controle no ambulatório. Foi possível entrevistar 89,11% dos casos selecionados e 78,81% dos controles.

As informações de identificação dos doentes, exames bacteriológicos, esquema de tratamento administrado, efeitos adversos ou tóxicos, foram coletadas em registros disponíveis no ambulatório do HRPS (livros de registro dos doentes com tuberculose do ambulatório, de registros de altas para doentes de tuberculose, e registro de exames baciloscópicos do laboratório) e em prontuários médicos.

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Os questionários foram codificados e digitados apenas por uma pessoa. Usou-se o aplicativo dBase para o armazenamento e checagem da consistência dos dados e eliminação dos erros de digitação.

Utilizou-se o aplicativo EPIINFO para a

análise dos dados univariados e estratificados. Após a realização da análise univariada, com a identificação das principais variáveis do estudo, procedeu-se à categorização das variáveis e à análise estratificada.

Para diferença de proporções foi utilizado o teste de Qui-quadrado (X2), ou o Exato de Fisher (F), quando indicado. O ODDS RATIO (OR) foi calculado como estimador do risco relativo (RR), com intervalo de 95% de confiança pelo método de Cornfield (IC 95% ). Para o ajustamento do OR, foi utilizado o método de Mantel-Haenszel (OR MH) na análise estratificada. Também foi realizada a análise multivariada, através de modelo logístico, utilizando o programa SPSS8. Incluiu-se neste modelo variáveis associadas ao desenlace na análise univariada e as possíveis variáveis de confusão. Resultados

Características do doente - A distribuição por idade e por sexo, indicou que a população feminina era mais jovem, tanto nos casos quanto nos controles, com 50.0% masculina no grupo etário de 15 aos 29 anos; já a população era de 52,9% no grupo de 30 aos 49 anos. Verificou-se também que os doentes do sexo masculino, entre os controles, eram mais velhos, que entre os casos e esta diferença foi estatisticamente significativa. As proporções de 11.5% (9 casos) e 17.2% (16 controles) da população de 50 anos de idade e mais indicam que os controles são ligeiramente mais velhos do que os casos. De fato, as médias de idade são, respectivamente, para casos e controles, 34.6 e 36.3 anos, com os controles 1.6 ano mais velhos, em média, do que os casos, embora sem significância estatística (p>0.05). Entretanto estas diferenças não foram estatisticamente significativas. Na tabela 1 encontra-se a distribuição dos casos e controles segundo o grupo etário e sexo em que ocorreu homogeneidade na distribuição.

As características sociais como o baixo nível de escolaridade, a não estruturação familiar, o baixo número de componentes na família, a não inserção no mercado de trabalho, e não ter vínculo empregatício que permita direitos trabalhista, como assistência médica, foram estatisticamente significativos e estão sumarizados na tabela 2. Outras variáveis demográficas como a cor da pele, estado civil e renda familiar não foram diferentes, com significância estatística, entre os dois grupos de estudo.

Distribuição dos participantes segundo o hábito de uso de bebida alcoólica - O hábito de ingestão de bebidas alcoólicas, apesar do uso duas vezes mais comum entre os casos (OR=2.0; IC= 1,0-3,8), não apresentou diferença estatisticamente significativa. Verificou-se que está subordinado à freqüência do uso diário e à grande quantidade ingerida por dia.

Distribuição das variáveis relacionadas com história patológica pregressa, exame bacteriológico do diagnóstico da doença atual, história da doença atual história de tratamento prévio para tuberculose e relato de tratamento prévio para tuberculose foi verificado em 26 (33,3%) dos casos e 27 (29,0 %) dos controles, sem diferença estatisticamente significativa. A história de tratamento prévio assumiu importância quando o número de tratamentos realizados eram de 2 ou mais.

Caracterização da doença atual - Predominou, a forma pulmonar em ambos os grupos, 73 entre os casos e 87 entre os controles, com uma taxa de 93.6% nos dois grupos. Todas as outras formas extrapulmonares foram pleurais (5 entre os casos e 6 entre os controles).

Os casos foram menos freqüentemente submetidos à realização de baciloscopia que os controles, no momento da confirmação do diagnóstico de tuberculose: 23 (29.5%) e 19 (20.4%), respectivamente, embora sem ter sido possível detectar uma diferença estatística significativa entre os dois resultados (p>0.05). Dentre os participantes que haviam sido submetidos à baciloscopia, no momento do diagnóstico, verificou-se que a baciloscopia negativa foi 3 vezes mais freqüente entre os casos (Tabela 1).

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O momento crítico do abandono do tratamento ocorreu no segundo e terceiro mês do tratamento (61,5%) com 48 ocorrências.

O acompanhamento da evolução do tratamento, através da baciloscopia, está apresentado na Tabela 3. Observou-se acentuada redução da realização do exame baciloscópico dos controles, já a partir do segundo mês, com apenas 26.9% dos exames realizados. Nos casos, 63 dos doentes (80,8%) já haviam abandonado o tratamento ao final do terceiro mês. Verificou-se que a proporção de negativos no segundo mês foi de 80%, e de 41.7%, entre controles e casos, respectivamente.

Os esquemas de tratamentos administrados, foram semelhantes, nos dois grupos, com claro predomínio do Esquema I (2RIZ/4RI), como esperado ( 66 casos, 84,6%; 86 controles, 92,5%).

Distribuição das variáveis relacionadas com percepção do doente quanto ao seu estado clínico - Para avaliar a percepção do doente quanto ao seu estado clínico, observou-se que enquanto apenas 5.4% dos controles referiram que não houve melhora clínica sobre sinais e sintomas respiratórios relatados na admissão, quase a metade dos casos referiram “não melhora” do estado clínico(Tabela 2).

Tabela 1 - Distribuição dos participantes do estudo, segundo o sexo e grupo etário

Grupo Etário

Sexo Masculino Feminino

Caso N %

Controle N %

Caso N %

Controle N %

15 – 29 30 – 49 50 +

18 32.1 31 55.4 7 12.5

18 28.6 32 50.8 13 20.6

10 45.5 10 45.5 2 9.0

16 53.3 11 36.7 3 10.0

Total 56 100.0 63 100.0 22 100.0 30 100.0 IC 95% 32,80-38,56 35,29-41,53 27,60-36,50 28,05-35,41 Média Mediana Desvio padrão

35.68 34,50

10.975

38.41 38,00 12.615

32.05 30,5

10.643

31.73 29,00

10.322 Erro Padrão 1,47 1,59 2,27 1,88 Teste t P valor

1.25 0.21

0.106 0.92

Distribuição das variáveis relacionadas

com hospitalização - Os casos estiveram hospitalizados, durante algum período do tratamento atual, com maior freqüência que os controles, diferença estatisticamente significativa (p<0.05). Observou-se, assim, que 33.3% dos casos estiveram hospitalizados, e os motivos da internação foram: em

61.5% causas sociais, 23.1% por intercorrência clínica e, o restante, para intervenção cirúrgica. Nos controles, por outro lado, apenas 17.2% estiveram hospitalizados, e os motivos da internação em 56.2% foram sociais e, o restante, por intercorrência clínica ou cirúrgica. A hospitalização foi associada com os casos (Tabela 2).

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Tabela 2 - Distribuição das variáveis com significância estatística para o abandono do tratamento -

análise univariada

Variável Casos (N=78) N ( %)

Controles (N=93) N ( %)

OR (IC 95%)

NÍVEL DE ESCOLARIDADE A. Até 3 ano do primeiro grau 14 (17,9) 5 (5,4) 3,8 (1,78-12,92) B. Do 4 a 8 ano do primeiro grau 56 (71,8) 76 (81,7) 1 (B+C) C. Segundo grau 8 (10,2) 12(12,9) NÚCLEO FAMILIAR Ausente 17 (21,8) 8 (8,6) 3,0 (1,1 – 8,1) Nº DE COMPONENTES A. 1 19 (24,3) 8 (8,6) 3,42 (1,81-9,19) B. 2-3 15 (19,2) 26 (27,9) C. 4 a 6 31 (39,7) 39 (41,9) 1 (B+C+D) D. 7 e + 13 (16,7) 20 (21,5) TRABALHO PERMANENTE Não 54 (69,2) 25 (26,9) 6,1 (3,0 – 12,6) VÍNCULO DE TRABALHO Não 54 (69,2) 25 (26,9) 6,12 (3,00 – 12,61) BEBIDAS ALCOÓLICAS Não faz uso de bebida 26 (33,3) 46 (49,5) 1,0 Faz uso de bebida 52 (66,7) 47 (50,5) 1,96 (1,00 – 3,83) Freqüência: Uso eventual 18 (34,6) 34 (72,3) 0,94 (0,41 – 2,11) Uso diário 34 (65,4) 13 (27,7) 4,63 (1,94 – 11,14) Quantidade: Uso diário de 1 copo/dia Uso diário de 2 copos/dia Uso diário de 3 e + copos/dia

8 (16.3) 8 (16.3)

33 (67.3)

25 (53.2) 6 (12.8) 16 (34.0)

0,57 ( 0,20 – 1,56) 2,36 (0,65 – 8,77) 3,65 (1,59 – 8,48)

Nº TRATAMENTOS PRÉVIOS Nenhum 52 (66,6) 66 (71,0) 1 1 Tratamento 15 (19,2) 25 ( 26,9) 0,76 (0,34 – 1,65) 2 Tratamentos E + 8 (10,2) 2 (2,1) 5,08 (0,94 – 36,28) RELATO DE ABANDONO PRÉVIO Sim 14 (17,9) 8 (8,6) 3,7 (0,98 – 14,4) Não 9 (11,5) 19 (20,4) 1 BACILOSCOPIA DO DIAGNÓSTICO

Negativa 24 (30,8) 14 (15,0) 3,3 (1,4 – 7,9) Positiva 31 (39,7) 60 (64,5) 1 RELATO DE MELHORA CLÍNICA Não 35 (44,9) 5 (5,4) 14,33 (4,9 – 45,0) HOSPITALIZAÇÃO Sim 26 (33,3) 16 (17,2) 2,4 (1,1 – 5,2) INFORMAÇÃO DE SUA DOENÇA Não 33 (43,4) 13 (14,0) 4,5 (2,0 – 10,1) DEMORA NO ATENDIMENTO Sim 42 (53,8) 34 (36,6) 2,02 (1,04-3,95) VOLTARIA AO MESMO SERVIÇO Não 11 (14,1) 4 (4,3) 3,65 (1,00-14,47) Nº DE TRANSPORTES NENHUM OU 1 17 (21,8) 9 (9,7) 2,60 (1,00-6,88)

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Variáveis ligadas ao serviço de saúde,

distância da residência ao serviço de saúde - A necessidade de uso de mais de um transporte coletivo, para o doente chegar ao serviço de saúde, foi, mais freqüente, entre os controles (90.3%), que entre os casos (78.2%).

Relação médico-paciente - Na referência de não atendimento médico em algumas das consultas mensais, verificou-se que 14 (18.0%) doentes do grupo de casos, e 9 (9.7%) dos controles, referiram não atendimento médico em uma das consultas, diferença que não se mostrou estatisticamente significativa.

Na distribuição dos participantes, segundo a demora para ser atendido, observa-se que a maioria dos casos (53.9%) referiram demora, enquanto que apenas 36.6% dos controles referiram esta condição.

Conhecimento do doente de sua doença – informação - Os doentes foram questionados sobre a sua doença com o objetivo de determinar seu nível de informação quanto a saber qual a doença, tipo e tempo de tratamento e a forma de contágio. Verificou-se que 43.4% dos casos e 14.0% dos controles não sabiam a doença que lhes atingia, diferença estatisticamente significativa.

A distribuição dos participantes, segundo a procura de outros serviços de saúde, ocorreu em proporção semelhante, entre casos e controles, respectivamente 27 (34.6%) e 36 (38.7%). Na distribuição dos motivos alegados pelos participantes, para a procura de outros serviços de saúde, observou-se que 3/4 dos indivíduos que procuraram outros serviços, fizeram-no por razões associadas à relação médico-paciente, como piora clínica não valorizada pelo médico, outros problemas de saúde, atendimento negado por não ser o dia da consulta, ou por não ter confiado no médico. As causas administrativas, responsáveis por 1/5 da procura de outros serviços, foram greve e falta de medicação específica para a tuberculose.

O nível de rejeição ao serviço de saúde que

acompanhou os indivíduos durante o tratamento, foi maior entre os casos (14.1%) do que nos controles (4.3%), porém sem significância estatística.

Análise multivariada. A análise univariada das características basais identificaram associações significantes entre o abandono e as características a seguir: nível de escolaridade abaixo do 3º ano do primeiro grau, não ter família estruturada, morar sozinho, desempregado, trabalhador sem vínculo empregatício, uso de bebida alcoólica diário e em grande quantidade, 2 ou mais tratamentos prévios para tuberculose, baciloscopia do diagnóstico negativa, relato de não apresentar melhora clínica no decurso do tratamento, ter sido hospitalizado durante um período do tratamento, desconhecimento da própria doença, necessidade de nenhum ou apenas 1 transporte coletivo para o deslocamento da residência ao serviço de saúde, relato de demora no atendimento e que não voltaria ao mesmo serviço de saúde.

Estas variáveis foram sendo incluídas no

modelo multivariado, passo a passo, de acordo com a significância detectada na análise univariada, e permaneciam ou eram retiradas, conforme o incremento do modelo.

Na tabela 4 estão os resultados do modelo multivariado. Observou-se que o sexo e a idade agrupada em dois grupos, de 15 a35 anos e 36 anos e mais, não foram associados ao abandono do tratamento. As variáveis associadas foram a baciloscopia negativa no momento do diagnóstico, as variáveis sociais: não ter trabalho fixo, morar sozinho, uso de 3 ou mais copos de álcool diário; e as variáveis de percepção e/ou opinião: não ter apresentado melhora clínica, ter procurado outro serviço de saúde e não voltar ao mesmo serviço de saúde.

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Tabela 3 - Distribuição dos participantes do estudo, segundo a realização e o resultado da baciloscopia do seguimento do tratamento

Casos

Controles

Mês

Total*

Baciloscopia Total

Baciloscopia

Realizada N %

Negativa N %

Realizada N %

Negativa N %

1 2 3 4 5

63 32 15 7 4

35 55.5 12 37.5 8 53.3 5 71.5 - -

12 34,3 5 41,7 2 25,0 2 30,0 - -

93 93 93 93 93

65 69.9 25 26.9 23 24.7 23 24.7 47 50.5

15 23,1 20 80,0 21 91,3 20 87,0 46 97,9

* Excluídos os doentes que abandonaram

Tabela 4 - Modelo de predição para o abandono do tratamento

Variável OR Regressão Logística (IC)

IC 95%

Sexo: Masculino 0,8452 0,3111-2,2960 Grupo de idade: 15 a 35 anos 1,7402 0,6831-4,4331 Baciloscopia do diagnóstico: Negativa 5,4146

2,0905-14,0247

Trabalho fixo: Não 9,3585 3,5926-24,3782 Morar sozinho:Sim 5,4785 1,5128-19,8408 Uso de 3 ou mais copos de bebida alcoólica, diário: Sim 4,6290 1,7595-12,1784

Relato de melhora clínica: Não 12,8947 3,7708-44,0952 Voltaria ao mesmo serviço: Não 6,8361 1,2848-36,3730 Procurou outro serviço de saúde: Sim 3,7783 1,2848-36,3730

-2 Log Likelihood= 131,412 Chi 2 = 104,327 gl=9 p=0,0000 Teste Chi 2 para o Goodness-of-fit = 6,8778 gl = 8 p= 0,5499 (Hosmer-Lemeshow)

Discussão

Aspectos demográficos, sócio-econômicos e hábitos – A maior freqüência do sexo masculino corresponde ao encontrado nas distribuições para esta variável, em estudos sobre a tuberculose 2, 3 ,4, 5 e nas avaliações nacionais 6, como também as mulheres se concentrarem no grupo etário mais jovem.

Outros estudos de determinação de variáveis, associados ao abandono ou à não-aderência ao

tratamento, não determinaram diferenças estatisticamente significativas quanto ao sexo e idade 5, 7, 8 . Apenas um estudo 9 encontrou uma diferença estatisticamente significativa entre os sexos, sendo que os homens abandonavam 3.5 vezes mais do que as mulheres, o IC 95% variando de 1.6 a 7.4.

A distribuição dos casos e controles quanto à cor da pele e estado civil não foi diferente nos dois grupos. Vários autores também não acharam associação entre estas variáveis e o abandono ou a não-aderência ao tratamento 5, 7, 8, 10, 11, 12 .

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Aspectos sócio-econômicos - A renda

familiar apresentou-se baixa nos dois grupos de estudo. A população estudada faz parte da clientela dos Centros de Saúde, onde predomina este perfil sócio-econômico. Os doentes diferenciados, com assistência médica do próprio trabalho, seguros privados ou assistência particular, quando acometidos de tuberculose não fazem o tratamento nestes locais. Os estudos realizados por 5, 7, 10, em vários aspectos, têm uma amostra semelhante à deste estudo, quanto ao perfil dos doentes que procuram a rede pública para o tratamento da tuberculose. Por outro lado, FRANCIS 8, ao trabalhar com uma amostra de doentes originários de um ambulatório de um hospital público, questiona a não associação destas características com o abandono do tratamento, e chama a atenção para não deixarem de ser consideradas.

Entretanto outros fatores ligados à pobreza foram associados com os abandonos. Não ter trabalho fixo foi nove vezes mais comum entre os casos do que entre os controles (tabela 4), constatando, mais uma vez, a inserção social desfavorável, destes doentes. Verifica-se um número crescente de pessoas sub-empregadas e desempregadas e o aumento das favelas, com uma maior aglomeração intradomiciliar de pessoas, propiciando o aumento das doenças infecto-contagiosas. Nas populações socialmente desassistidas, o risco de infecção por tuberculose é muito maior que na população geral. Este risco, associado ao acúmulo de pessoas, falta de saneamento básico e desnutrição, aumenta ainda mais o risco final de desenvolver a doença 13.

Não ter núcleo familiar estruturado e o número de componentes familiares foi diferente, com significância estatística, mostrando que os casos mais freqüentemente moravam sozinhos, OR=5,4, tabela 4. Este fato traduziu uma pior situação social dos casos que não tinham famílias e moradia estabelecida.

O número de pessoas de baixo nível de escolaridade (menos que o quarto ano do primeiro grau) entre os casos, foi quase 4 vezes maior que nos controles, diferença estatisticamente significativa, detectada na análise univariada, mostrando uma associação entre baixa escolaridade e abandono do tratamento. Já na análise multivariada a escolaridade não apareceu associada, entretanto, na descrição dos

doentes que abandonaram o tratamento, outros autores14,15 registraram, também, altas taxas de analfabetismo. O grau de analfabetismo, e semi-analfabetismo, identifica atraso cultural, tornando mais difícil o ato de promoção de higiene e saúde, se não houver uma adequação da linguagem dos profissionais de saúde para um maior entendimento dos doentes.

O baixo nível de escolaridade tem como conseqüência diferenças nos valores de vida e do entendimento. A capacidade de percepção da doença pode ser semelhante, mas provavelmente a percepção da gravidade da doença e a capacidade de entendimento das orientações médicas e da prescrição ficam comprometidas.

Hábito de uso de bebida alcoólica - O alcoolismo, quando analisado independentemente do ritmo do uso, foi freqüente nos dois grupos, não usar bebida alcoólica ou usar eventualmente não havendo diferença entre casos e controles. A diferença dos dois grupos se deu quanto ao hábito de uso diário, que foi 5 vezes maior entre os casos. A quantidade média de copos de bebida alcoólica por dia, mostrou-se também maior entre os casos.

Em estudo, realizado em São Paulo, foi verificado a incidência da tuberculose entre os alcoólatras significantemente mais alta do que o da população geral16 . Vários fatores contribuem para o aumento do risco de infecção, como a má nutrição, infecções freqüentes do trato respiratório e o próprio álcool que atuaria no trato respiratório, facilitando os processos infecciosos. Em outro estudo14, realizado no Rio de Janeiro, foi relatado que 48.5% dos doentes de abandono eram alcoólatras.

Percepção da doença e relação médico-paciente - Os abandonos ocorreram predominantemente na primeira metade do tratamento. Vários autores associam o abandono nesta época com a melhora clínica do doente. Uma das vantagens do tratamento de curta duração é o desaparecimento dos sinais e sintomas respiratórios, na maioria dos doentes, na segunda semana do tratamento e uma taxa de negativação da baciloscopia em torno de 50.0%, ao final do primeiro mês de terapia e 80.0%, ao final do segundo mês. Em outros estudos, também, foi verificado que a aderência ao tratamento caiu a partir do 2º mês. Diante de uma melhora clínica, o doente , se não é estimulado,

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modifica suas prioridades que passam a ser outras. A orientação da manutenção do tratamento é fundamental, para que o próprio doente entenda a importância de sua doença e da manutenção do seu tratamento17.

Existe um paradoxo no tratamento da

tuberculose, principalmente após ser preconizado o tratamento ambulatorial e de curta duração. Por um lado, os doentes têm que se submeter a seis meses de tratamento, uso de drogas potencialmente tóxicas e visitas médicas mensais, ou seja, “é” uma pessoa doente; por outro lado, estes doentes são estimulados a terem a vida ativa "normal", de pessoas com saúde.

A percepção dos doentes quanto à melhora clínica e à presença dos sintomas é contraditória. A não melhora clínica foi de 44.8% dos casos, mas quando se perguntou especificamente sobre a presença de sinais e sintomas da doença, houve uma sub-estimação da presença destes. Nos controles, ocorreu o oposto, 5.3% dos doentes relatavam não melhora clínica e as perguntas específicas foram superestimadas. Esta discrepância talvez possa ser explicada pela associação de piora clínica com a redução da capacidade laborativa, mais do que com a presença de sinais e sintomas. Outras explicações podem ser a falta de informação, o baixo nível de escolaridade e a menor inserção social destes doentes, ou então que esta seja uma idéia a posterior e de auto-justificativa do doente.

A percepção da própria doença e a importância do tratamento dependem do recebimento de informações corretas e, para isto ocorrer, são fundamentais as boas relações médico-paciente, e serviço de saúde-paciente. Os médicos e os outros trabalhadores dos serviços de saúde, precisam ter receptividade para atender, não só às expectativas dos doentes em relação a sua doença, como também a outras expectativas ligadas a fatores culturais e sociais, pois o que se vê hoje em dia, é a perda do sentimento de solidariedade 8, 11, 18, 19, 20 . Citando, CHRETIEN18, que exemplifica bem este fato: "... de una sociedad de consumo, aparentemente satisfecha y acojedora pero en que el sentido de la realidad y de la solidariedad se ha singularmente perdido".

A padronização do tratamento da tuberculose implicou, erradamente, em uma "padronização do

atendimento e do doente", com um embrutecimento nas relações. As conseqüências se dão, principalmente ao nível do doente, muitas vezes sem o ajustamento das doses dos quimioterápicos, tratamentos desnecessários e a perda da dimensão humana da relação médico-paciente.

A desinformação sobre a doença foi importante nos dois grupos de estudo. Entre os casos, 43.4 % não sabiam informar sobre a sua doença, sendo 4.5 vezes maior a desinformação nos casos com relação aos controles.

A população recebe informações sócio-familiares, escolares, e através dos meios de comunicação de massa. As informações sócio-familiares podem ter uma carga de temor, estigma, além de considerações erradas. Existe uma deficiência grande de informações oficiais sobre os aspectos dos cuidados de saúde. A comunicação de massa, quando existe, falha por haver falta de coerência entre os propósitos programáticos e a ação de saúde. A mensagem é ambígua, e utiliza uma linguagem que limita a compreensão. Para que se pudesse ter um resultado positivo, esta comunicação não poderia ser ocasional, nem sensacionalista.

É importante que as orientações, e prescrições sejam feitas de maneira enfática, e escritas de maneira simples e clara21 . Estudos demonstraram que os doentes, só assimilam metade das orientações faladas pelo médico, e que o restante não é retido 8, 11, 12, 19, que a linguagem pode ser uma barreira importante. Os doentes analfabetos pouca importância dão à palavra escrita, sendo que o mais importante a ser explorado, neste grupo, é a memória e a representação visual. Existe uma relação não clara, citada pelos autores acima, entre conhecimento do diagnóstico pelo doente e a aderência ao tratamento.

Fatores sociais, como analfabetismo, alcoolismo e falta de vínculo empregatício, são associados à miséria e à história da tuberculose. Estes fatores, quando presentes em um indivíduo, estigmatizam-no como um "pária", completamente distanciado do processo de produção e sem oportunidade de se colocar dentro de um grupo social organizado. É notório que o número de "miseráveis" vem crescendo desde a década passada e tornou-se público, após a divulgação do último censo do

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Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e de outros órgãos internacionais, como o Banco Mundial e a ONU, de números preocupantes: 75 milhões de indigentes e pobres no país, sendo 50% a fatia dos indigentes.

É freqüente na imprensa a denúncia do agravamento da situação social, constatando que a sociedade brasileira assiste, com passividade, à consolidação de um verdadeiro "apartheid social", onde a estimativa de 64 a 75 milhões de brasileiros excluídos, vivem abaixo da linha de pobreza, sem os mais elementares direitos de cidadania. Esta multidão é atingida pela fome, miséria e a humilhação na luta pela sobrevivência.

Diante deste quadro, a tuberculose é um problema menor para estas pessoas. Os conceitos de saúde e doença, o significado dos sinais e sintomas e, inclusive, o valor que se atribui à vida humana podem ser muito diferentes dos que conhecemos habitualmente.

Os aspectos analisados, sociais e econômicos, escapam da possibilidade de modificação pelos trabalhadores da saúde. Entretanto, as modalidades de organização da atenção médica, em especial, da cobertura real da população, o acesso à atenção e ao desenvolvimento das técnicas do diagnóstico precoce da doença, não só pertencem à área de saúde, como também constituem um poderoso determinante do comportamento da doença e é, essencialmente, um elemento de importância na recuperação posterior dos doentes.

História de doença pregressa - Nos dois grupos, 33.3% casos e 29.0% controles, foi achado comum a história de tratamento anterior para tuberculose. A diferença entre os grupos se dá quanto ao número de tratamentos de tuberculose no passado, sendo mais de um tratamento, mais freqüente nos casos. A história de abandono dos tratamentos passados, também foi maior entre os casos, sendo esta diferença estatisticamente significativa, na análise univariada. O não cumprimento do tratamento no passado, segundo vários autores, é um componente com maior probabilidade de repetição 20. Entretanto na análise multivariada este aspecto não foi verificado, provavelmente porque os fatores sociais, nos mais diversos níveis de marginalização, passam a ser mais importantes do que tratamentos anteriores,

sendo os fatores sociais de importância para o monitoramento do doente, pois por si só é de risco para o abandono do tratamento (não ter trabalho fixo, uso de bebida alcoólica). Assim, estes fatores sociais estariam determinando tanto o abandono do tratamento atual, quanto os abandonos anteriores.

Um grupo de psicólogas 22, na Argentina, em prosseguimento ao estudo "Factores Psicológicos que Dificultan la Curación de los Enfermos Tuberculosos y Motivan su Reinternación", fazem paralelo entre a lepra, a loucura e a tuberculose, baseado em elementos comuns: medo do contágio, marginalização, isolamento social e reclusão. Formulam uma série de hipóteses psicológicas para explicar o porque do doente se deixar consumir pela doença. A própria procura tardia para o tratamento estaria ligada ao abandono, e questionam se seria um desejo de morte destes doentes, ou uma estrutura psicológica dependente.

Aspectos bacteriológicos e história da doença atual.- O principal motivo para a procura do serviço de saúde para o tratamento atual foi relatado pelos doentes: a presença de sintomas respiratórios e comprometimento do estado geral (55.1% casos, 44.1% controles). A localização da tuberculose na grande maioria foi pulmonar.

Os resultados da baciloscopia do diagnóstico estão nas tabelas 2 e 4. Não foram realizados exames em 29.5% dos casos e 20.4% dos controles, não havendo diferença estatisticamente significativa.

A não realização do exame baciloscópico do diagnóstico demonstra um grave problema de organização do serviço e uma relação médico-paciente e serviço-paciente deteriorada.

Entre os doentes que fizeram o exame baciloscópico no diagnóstico, verificamos que os casos foram três vezes mais negativos que os controles. O tratamento de doentes sem confirmação acarreta uma série de prejuízos ao próprio doente e aos serviços de saúde.

Na análise estratificada, a história passada de tratamento da tuberculose apresentou uma possível interação com o resultado da baciloscopia negativa do diagnóstico, não confirmada na análise multivariada. Entretanto existem estudos que mostram que os indivíduos com história de retratamento quando

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negativos à baciloscopia do diagnóstico, pode significar que, provavelmente, seriam doentes residuais com sintomas respiratórios, não necessitando de tratamento específico para a tuberculose. Em estudo realizado em um Centro de Saúde do Estado do Rio de Janeiro, 142 doentes matriculados como tuberculose, mas antes de iniciarem o tratamento, foram encaminhados para o esclarecimento do diagnóstico. A confirmação foi realizada em 45.5% dos doentes apenas com a repetição do exame baciloscópico, em 0.9% com a cultura do escarro e os restantes, 51.8%, mudaram o diagnóstico para outras doenças 23 .

A proporção de casos positivos à baciloscopia foi de 56.4%, e, entre os controles, a positividade foi de 81.1%. A positividade estaria associada a um quadro clínico mais exuberante e à gravidade da doença (não considerando falsos negativos) e o esperado para estes doentes seria um menor abandono 21, 24.

Outros autores referem que não só os doentes mais graves abandonariam, mais freqüentemente, o tratamento, como também os doentes diagnosticados por busca ativa o fariam mais do que os que o procuram espontaneamente. Este fato pode estar ligado a fatores subjetivos, como valorização da vida, entendimento de saúde e percepção da gravidade da doença, e seriam fatores prévios comuns que explicariam tanto o abandono, como deixar a doença avançar 25 , 26.

A não confirmação do diagnóstico é um fator prejudicial à aderência ao tratamento, pois diminui a importância da gravidade da doença, prejudica o seguimento do tratamento, quando na verdade, pode até ser outro o diagnóstico 11, 19, 20, 23. Este fato demonstra o desnível entre o conhecimento técnico disponível e a possibilidade de aplica-los com êxito.

O custo do PNCT varia, inversamente, ao número de doentes tratados. Quanto maior o valor preditivo (VP) positivo do diagnóstico baciloscópico, menor o custo do tratamento. Nos casos pulmonares negativos, utiliza-se o VP do diagnóstico radiológico. O controle da qualidade do diagnóstico do escarro constitui uma contribuição chave para a manutenção do PCT eficaz27. (MURRAY, 1991)

Hospitalização - A hospitalização foi importante nos dois grupos (33.3% casos e 17.2% controles). A diferença foi estatisticamente significativa, já que a maior proporção de casos foi internada, apontando que estar internado não contribui para uma melhor educação sanitária e maior aderência ao tratamento; pelo contrário, doentes internados sofrem restrições que afetam suas saídas, visitas e recreações. O papel do hospital é questionado, desde o início do século (1904), quanto a uma melhor aderência ao tratamento. O não uso da medicação, em nenhum momento, é indicação de internação. Alguns estudos mostram uma associação entre abandono do tratamento e a hospitalização, e que isto se daria mais no momento da alta hospitalar, por esta ser entendida pelo doente, como alta do tratamento 9,10, 11 .

Aspectos ligados ao serviço de saúde - O primeiro aspecto detectado, relacionado com o nível central, foi a falta de medicação específica, no período, e de supervisão.

A falta de drogas, para o tratamento da tuberculose, atingiu o hospital, da mesma maneira que a outros serviços de saúde, independente do mesmo ser um hospital do MS. A falta de Pirazinamida ocorreu nos períodos de 17/1/89 a 20/4/89 e de 1/8/89 a 25/7/90. A falta da Rifampicina associada à Isoniazida ocorreu de 17/1/89 a 17/2/89 e de 20/7/89 a 24/1/90. Durante estes períodos, a distribuição das drogas foi mantida de maneira irregular, através de remanejamento de drogas de outras instituições ou encaminhamento dos doentes para outros serviços de saúde.

Outro aspecto importante detectado, indiretamente, são as relações médico-paciente e serviço-paciente: não busca do abandono, não seguimento baciloscópico do tratamento, não detecção de insucessos de tratamento, retenção de doentes que moram longe do serviço, a não orientação do doente quanto à coleta do material para o exame baciloscópico e quanto à doença e ao tratamento.

Os outros fatores ligados ao serviço, citados na literatura como associados ao abandono, são o tempo de demora no atendimento e a necessidade do uso de mais de transporte coletivo. Verificou-se que, ao contrário do esperado, os controles necessitavam

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de mais transporte, que os casos. A demora para o atendimento, segundo o doente, foi mais freqüente entre os casos. É citado na literatura, que quanto maior a espera para o atendimento em um ambulatório, mais elevada a proporção de ausentes nas consultas seguintes 20, 24,28 .

A organização do atendimento, em trabalho em equipe, tem importância, para não criar uma tendência de descarregar a execução em cima de uma pessoa; normalmente o médico. Esta centralização, determina dependência e exclusividade pessoal na execução das atividades, não levando à integração e provocando desvinculação com o resto dos trabalhadores de saúde. Uma das conseqüências é a falta de entrevista do doente com a enfermeira, que normalmente é o elo entre o serviço e o médico. Com isto, reduz-se a possibilidade de uma melhor abordagem e compreensão quanto aos problemas sócio-familiares, como moradia, retendo doentes de áreas distantes.

CHAULET29, 30 é bastante contundente em suas afirmações sobre a responsabilidade do abandono. Para ele, este fracasso é organizacional e estrutural, em todos os níveis de saúde, e principalmente no atendimento. Segundo, este autor: "... Por lo tanto, el cumplimiento y su corolario, el incumplimiento, no son conceptos asociados al curso natural de las actividades humanas: son principalmente la consecuencia de la actividad o de los errores de hombres y mujeres reales, quienes realizan o no un trabajo por el cual son pagados por la comunidad." Conclusões

Os resultados encontrados não diferiram, na sua maioria, dos encontrados na literatura, quanto às variáveis ligadas aos doentes e ao serviço.

Segundo o modelo multivariado seriam predição para o abandono do tratamento doentes com tuberculose sem trabalho fixo, uso de alcool diário, com relação aos fatores sociais, independente do sexo, grupo etário. Com relação ao serviço médico a não confirmação do diagnóstico é de grande risco para o abandono, cabendo aos serviços realizar de maneira adequada o diagnóstico o que poderá desta maneira melhorar o prognóstico do tratamento.

Outros fatores de risco associados ao

abandono, “subjetivos”, como o relato de não melhora clínica do doente, durante o tratamento, a rejeição ao serviço de saúde, como procurar outro serviço e/ou relatar que não voltaria ao mesmo serviço, têm que ser melhor avaliados e compreendidos. A não melhora pode estar relacionada a efeitos adversos das drogas, ao diagnóstico incorreto (doentes não confirmados), ou mesmo uma justificativa a posteriori do doente. O relato de não mais voltar ao serviço de saúde necessita a avaliação da qualidade do atendimento aos doentes.

Os fatores, ligados aos doentes fazem parte de um quadro de pobreza e podem não serem os efetores diretos do abandono do tratamento. Apesar da plausibilidade, não se pode, a partir deste estudo chegar a uma definição segura do perfil dos doentes que abandonam. Entretanto, podemos caracterizar epidemiologicamente, com segurança, as dificuldades relacionadas aos serviços que contribuem para o baixo rendimento do programa e as características principais dos doentes que abandonam embasados na prática médica e na literatura científica.

O problema de altas taxas de abandono do tratamento, altas taxas de reingresso para o retratamento, no município do Rio de Janeiro, é persistente. Após ter sido uma constante na década de 90, observa-se um agravamento da situação, no final da década, como observado nas avaliações do programa de controle31 e em estudo de tratamento da tuberculose 32. Portanto a questão do abandono do tratamento é um dos principais aspectos da baixa efetividade do programa de controle.

Os fatores sócio-econômicos caracterizados

nos grupos de estudo não estão relacionados com as limitações do programa e estão fora do âmbito de sua atuação. Entretanto, a melhor organização do serviço e a melhor utilização dos recursos poderiam reduzir a influência destes fatores, para obtenção de uma maior efetividade do tratamento.

A década de 90 deparou-se com problemas

políticos e econômicos, que levaram ao empobrecimento não só da população, como também dos governos locais, com a redução de recursos globais. No PNCT verificam-se dois fatos de

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gravidade: falta de medicamentos e a redução das supervisões.

Perspectiva para prevenção do abandono do tratamento da tuberculose - A principal medida, é a descentralização do diagnóstico e tratamento, pois sem esta medida, qualquer outra como busca dos casos faltosos, e/ou tratamento supervisionado ficam prejudicados, não só em grandes centros urbanos, decorrente dos difíceis acessos, desconhecimento da equipe de saúde da comunidade na qual o doente está inserido, como em regiões não urbanizadas mas onde os acessos são difíceis pelos problemas geográficos. Outras medidas, entretanto, necessitam serem tomadas para aumentar o rendimento do PCT e reduzir as taxas de abandono, são: • Aumento da confirmação dos diagnósticos dos

doentes em tratamento e o acompanhamento adequado no decorrer do tratamento;

• Aumento real da cobertura do programa e da rede de laboratórios, além do treinamento dos técnicos para reduzir os tratamentos sem confirmação do diagnóstico;

• Revisão das definições de abandono e de casos encerrados;

• Organização de um fluxo de informação, entre o nível central e local;

• Supervisão adequada, visando não só avaliação, mas principalmente o comprometimento na busca das soluções dos problemas detectados;

• Divulgação do conhecimento e da educação em saúde, não só nos serviços, mas nas entidades representativas locais, principalmente as escolas;

• Revisão do PNCT para elaboração de propostas, com a participação das Escolas de Medicina, Sociedades Médicas e Secretarias de Saúde;

• Implantar nos serviços de diagnóstico e tratamento da tuberculose o controle da aderência ao tratamento, através da avaliação do comparecimento às consultas médicas e à contagem das drogas;

• Reduzir o tempo entre as consultas médicas, nos doentes de maior risco de abandono, além de dar um atendimento diferenciado quanto a orientação do tratamento e cuidados gerais com a saúde;

• Obter informação adequada do doente quanto a residência, local de trabalho para contato, quando necessário. Procurar matricular os doentes nos serviços para o tratamento, de acordo com as

áreas de domicílio, trabalho e preferência do doente. Esta medida facilitará as visitas domiciliares que devem ser consideradas prioritárias nos serviços de saúde;

• Cumprir a rotina de sempre haver a entrevista com a enfermeira, e posteriormente com o médico. De maneira nenhuma, os doentes podem receber os medicamentos sem a consulta prévia;

• Finalmente, os profissionais de saúde e a sociedade devem se conscientizar que a tuberculose não é um problema resolvido, pelo contrário, a solução esta muito distante, portanto constituindo uma prioridade de saúde pública.

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________________________________ 1 – Médico Colaborador da FUNAI 2 – Enfermeira da FUNAI 3 – Enfermeira da FUNAI

SENSIBILIDADE TUBERCULÍNICA E VACINA BCG ENTRE OS ÍNDIOS DO ARAGUAIA – MT / 1997

Jorge Meireles Amarante1, Vera Lúcia de Araújo Costa2, e Fátima Aparecida Silva3 Resumo Como parte da rotina de trabalho de implantação das ações de controle da tuberculose nas aldeias indígenas dos povos Karajá e Tapirapé, jurisdicionadas à Administração Executiva Regional do Araguaia da Fundação Nacional do Índio, na fronteira entre os estados brasileiros de Mato Grosso e Tocantins, foi realizada uma busca ativa de casos da doença nos grupos de maior risco de adoecimento, abrangendo todos os sintomáticos respiratórios, portadores de tosse com expectoração há pelo menos três semanas, e os contatos de casos de tuberculose pulmonar com exame de escarro positivo registrados pelo sistema de saúde no ano de 1997. Na ocasião o PPD foi realizado em 1338 indivíduos, número correspondente a 67,2% da população geral e verificada a presença ou não de cicatriz vacinal do BCG. Os autores encontraram apenas 6,3% de reatores ao teste tuberculínico entre os menores de 1 ano e 5,0% entre os menores de 5 anos, revelando, portanto, baixíssima sensibilidade ao teste entre os vacinados recentes com BCG intradérmico. Esta constatação conferiu ao PPD um grande valor preditivo no diagnóstico da infecção natural pelo bacilo humano e na definição do grupo de risco para quimioprofilaxia. Palavra-Chave: Tuberculose. Infecção tuberculosa. Sensibilidade tuberculínica. Saúde do índio. Summary As part of the work routine for implementation for tuberculosis control actions among indigenous of the Karajá and Tapirapé villages under the Araguaia Regional Executive Administration for the Nacional Indian Foundation, on the frontier between the Brazilian States of Mato Grosso and Tocantins, an intensive search for tuberculosis cases among high risc groups was carried out, including all respiratory symptoms carriers of caugh with sputum during three weeks or more and contact of tuberculosis pacients with positive smear registered by the health system in 1997. On this occasion, tuberculin test was applicated in 1338 persons, corresponding to 67,2% of the general population and the presence of the vaccine scar for BCG was checked. The authors found only 6,3% of reactors to the tuberculin test among 1 year old children and 5% among 5 years old, thus indicating low sensitivity to the test among these recently vaccinated with intradermic BCG. This evidence revealed high PPD predictive value for the diagnosis of the natural infeccion by the human bacillus among contacts and so the tuberculin test was useful to define the risc group to be protected by chemoprophilaxis. Key words : Tuberculosis. Tuberculosis infeccion. Tuberculin sensitivity. Health of indigenous people.

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Apresentação

A prevalência da tuberculose é muito alta entre os índios do Araguaia, chegando, em 1997, segundo dados do Departamento de Saúde (DES) da Fundação Nacional do Índio (FUNAI), à casa dos 398 por 100.000 (FUNAI,1997), vale dizer, perto de 1 tuberculoso para cada grupo de 250 índios, o que motivou a implementação, por parte das instituições responsáveis, de ações de saúde específicas para o controle dessa enfermidade na região.

Em maio de 1997 uma equipe de técnicos do Departamento de Saúde da FUNAI de Brasília, da Fundação Nacional de Saúde Coordenação Regional de Goiás e da Secretaria de Estadual de Saúde do Estado de Tocantins, deslocou-se para a região do Araguaia com a finalidade de coordenar, junto à equipe local, a execução de ações de controle da tuberculose nas aldeias das etnias Karajá e Tapirapé, jurisdicionadas à Administração Executiva Regional (AER) da FUNAI do Araguaia, face às altas taxas de incidência da doença verificadas entre os índios nos últimos anos.

O trabalho teve como objetivo principal, fazer uma busca ativa de casos de tuberculose para tratamento e eliminação de focos entre os grupos de maior risco de adoecimento, através do exame dos sintomáticos respiratórios e dos comunicantes dos casos de tuberculose pulmonar com ênfase nos eliminadores de bacilos, isto é, nos positivos à baciloscopia direta do escarro.

A equipe estava incumbida, também, de estabelecer rotinas para o diagnóstico e tratamento da enfermidade, treinar em serviço os Auxiliares de Enfermagem e Agentes Indígenas de Saúde no manuseio do doente tuberculoso e dos suspeitos, bem como, garantir a continuidade das ações e estabelecer indicadores de saúde para acompanhamento e avaliação futura de sua eficácia.

O presente estudo é retrospectivo e decorre

dessa experiência de trabalho dos autores no Departamento de Saúde da FUNAI em cumprimento à programação anual de ações de saúde previstas para 1997, aprovada pelo Conselho de Saúde do Distrito Sanitário Especial Indígena da Região do Araguaia (DSEIRA).

Introdução

Alguns documentos dão conta de frentes de contato da sociedade neo-brasileira com o povo Karajá que datam do século XVII. A primeira frente foi coordenada pelos jesuítas da então província do Pará. Em 1658, o Padre Tomé Ribeiro comandou a primeira expedição que saiu do Pará e chegou aos Karajá do baixo Araguaia (SERAFIM - 1943).

Outra frente de contato está relacionada com a movimentação das bandeiras paulistas rumo ao centro-oeste do Brasil. Bartolomeu Bueno, saiu de São Paulo em 1722 e chegou a terras goianas, nas minas do rio Vermelho, em 1725 (ELLIS - 1960). Um outro fato que muito contribuiu para manter as aldeias dos Karajás em permanente contato com os “brancos”, foi a política de navegação do general Couto de Magalhães, resultando na fundação de Leopoldina em 1850 (RIBEIRO - 1982). O Karajá é o subgrupo mais numeroso da família lingüística Karajá, que reúne as línguas dos Xambioá, dos Javaés e dos Karajás. É classificada genericamente no tronco Macro-Jê. Na confluência das águas dos rios Araguaia e Tapirapé, duas aldeias Karajá têm como vizinhos os Tapirapés, um povo do grupo Tupi que, historicamente, habitava uma extensa região que ia desde as cabeceiras do rio Tapirapé até a divisa do atual estado do Pará. Estima-se que teriam chegado ao Brasil central devido aos freqüentes ataques dos seus inimigos tradicionais, os Kaiapó, com os quais mantiveram contatos hostis seculares, incluindo o rapto de suas mulheres e crianças.

Estima-se que em 1900, a população Tapirapé era de 1000 a 1500 indivíduos, distribuídos por seis aldeias com 6 a 10 malocas cada; a distância entre elas era, geralmente, de um dia de viagem (30 a 40 Km) e estavam assentadas distando cerca de 40 a 50 km do rio Tapirapé, afluente do Araguaia (LIMA FILHO - 1994). Segundo Baldus, as primeiras notícias desta tribo datam do século XVIII, a partir de incursões das bandeiras paulistas na região centro-oeste. A intensificação do contato dá-se somente no século

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XX com a chegada dos primeiros seringueiros que povoaram a região.

As drásticas reduções que sofreram em seu número, tiveram início antes de seus primeiros contatos com populações neo-brasileiras que, em 1909, começaram a se instalar naquela região. Antes desse ano, já haviam sido atingidos por epidemia de varíola e, logo em seguida, por uma epidemia de gripe, que levaram duas aldeias à extinção, obrigando os remanescentes a recolherem-se às quatro aldeias restantes. Por volta de 1920, mais duas aldeias se extinguiram face a epidemias de febre amarela e gripe "espanhola". Em 1935, a população Tapirapé foi estimada em 147 indivíduos, residindo em duas aldeias. Em 1947, foram reduzidos a aproximadamente 100 pessoas, devido aos ataques dos índios Kaiapós, inimigos dos Tapirapés desde tempos imemoriais. No último ataque, a aldeia onde habitava a maioria, foi queimada e saqueada, tendo os Tapirapé se dispersado pela região ( BALDUS - 1970). Em 1953, se tem notícia de que a população era de apenas 51 indivíduos, habitando uma só aldeia, distando 3 km da sede do Serviço de Proteção ao Índio, local da atual aldeia Tapirapé ( Ribeiro - 1992). Instalaram-se junto à nova aldeia, missionárias da “Ordem das Irmãzinhas de Jesus", a quem os Tapirapés devem, em grande parte, sua preservação e recuperação, que até hoje atuam junto àquela comunidade, totalmente integradas ao cotidiano da aldeia e voltadas ao incentivo da manutenção da cultura e da identidade étnica Tapirapé.

Os povos indígenas Karajá e Tapirapé enfocados no presente estudo, habitam, hoje, as diversas aldeias situadas, em sua maioria, à margem esquerda do rio Araguaia e afluentes. As aldeias Tapirapé, Hawalorã, Itxalá, Tytemã, Urubu Branco e São Domingos , estão situadas no continente e pertencem ao Estado de Mato Grosso. As demais são insulares, localizadas na Ilha do Bananal que é território do Estado de Tocantins. As aldeias Tapirapé e Urubu Branco pertencem à etnia Tapirapé, enquanto as demais à Karajá.

A tuberculose é conhecida pelos Tapirapés e, principalmente, pelos Karajás desde o início do século, embora os índios de um modo geral tenham tido contato com a doença desde o descobrimento, quando os europeus, muitos deles jesuítas, a introduziram nas populações nativas (HIJJAR - 1993). Metodologia A equipe visitou cada uma das aldeias identificando as pessoas portadoras de tosse com expectoração há, pelo menos 3 semanas, muitas das quais foram apontadas pelos Agentes Indígenas de Saúde.

Estes sintomáticos respiratórios foram submetidos a exame clínico pelo médico da equipe e em seguida foi colhida amostra de escarro na presença do baciloscopista. O material foi acondicionado de acordo com as recomendações técnicas, em recipiente térmico adequado e foi encaminhado no mesmo dia à unidade de referência localizada no município de São Félix do Araguaia, Santa Terezinha ou Luciara-MT, de acordo com a maior proximidade em relação a cada aldeia.

O material foi processado pelo método de

Koch, coloração de Ziehl-Neelsen no máximo no dia seguinte pelo mesmo técnico da equipe que fizera a colheita na aldeia. Na ocasião da coleta do material, os sintomáticos eram imediatamente agendados para exame radiográfico do tórax na unidade de referência, à qual eram conduzidos em grupos por via fluvial.

Os sintomáticos respiratórios positivos à baciloscopia ou que, mesmo negativos, apresentaram imagens suspeitas de tuberculose pulmonar em atividade sendo reatores fortes à tuberculina, foram considerados casos de tuberculose, notificados e em seguida tratados com esquema padronizado pelo Ministério da Saúde.

Os comunicantes, isto é, os que coabitam

com casos confirmados de tuberculose registrados nos últimos dois anos foram submetidos ao teste tuberculínico com PPD, Rt 23, Tween 80, 2 UT, 0,1 ml intradérmico, aplicado na face ventral, terço médio do antebraço esquerdo, com leitura após 72 a 96 horas, obedecendo às recomendações técnicas do Ministério da Saúde.

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Foram considerados não reatores resultados com menos de 5mm de induração, reatores fracos induração de 5 a 9 mm e reatores fortes os que apresentaram induração igual ou superior a 10 mm. Na ocasião foi verificada e anotada a presença ou ausência de cicatriz vacinal válida do BCG na região deltoide do braço direito, bem como, a existência ou não de cicatriz de reforço vacinal.

Os comunicantes reatores ao PPD foram, em seguida, submetidos ao exame radiográfico, e à baciloscopia quando sintomáticos, para avaliar a presença ou ausência de tuberculose doença. Os casos de tuberculose descobertos através desses procedimentos iniciaram tratamento específico com esquema padronizado pelo Ministério da Saúde.

Foram considerados como grupo de alto risco de adoecimento os contatos de tuberculosos pulmonares bacilíferos, assintomáticos, com radiografia de tórax normal, sem qualquer sinal de tuberculose doença, reatores fortes ao teste tuberculínico, os quais foram submetidos a quimioprofilaxia com Isoniazida em regime diário com duração de 6 meses, independentemente do estado vacinal e da idade.

Para avaliar com maior precisão qual a

interferência da alta cobertura vacinal pelo BCG encontrada entre esses índios nas taxas de reatores à prova tuberculínica e, desta forma, melhorar a especificidade do teste no diagnóstico da infecção natural, o PPD e a verificação da cicatriz vacinal foram estendidos à outras casas das aldeias, além daquelas onde residiam os focos de infecção.

Com isto pretendeu-se acumular um número maior de observações, principalmente no grupo dos não vacinados pelo BCG, que é extremamente reduzido em virtude da alta cobertura vacinal, permitindo uma avaliação mais precisa do comportamento da infecção adquirida naturalmente pelo contágio.

Foram examinadas, no total, 1.338 pessoas, o

equivalente a 67,2% da população geral. Foram excluídas do teste tuberculínico as crianças com idade inferior a 3 meses para evitar a possibilidade de resultados falso-negativos, melhorando a sensibilidade do exame, já que o PPD leva em geral 3 a 8 semanas para apresentar viragem após a infecção (CARDOSO LIMA - 1973).

Resultados e discussão

Uma vez que o que se pretendia inicialmente era a busca ativa de casos, a amostra não foi obtida totalmente ao acaso, havendo sido incluídos os grupos adrede selecionados dos sintomáticos respiratórios e dos comunicantes, onde se concentram os infectados e, por conseguinte, os prováveis doentes.

Este viés da amostra, entretanto, não

prejudicou a verificação da correlação entre a cobertura vacinal pelo BCG e a sensibilidade tuberculínica ao PPD intradérmico, que depende somente da observação direta e objetiva da presença de cicatriz vacinal e sua relação com a sensibilidade tuberculínica verificada pelo teste intradérmico.

Na população Karajá e Tapirapé estudada, 49,6% foram reatores ao teste tuberculínico e 50,4% não reatores, apontando, mesmo com as limitações metodológicas já referidas, para uma alta prevalência da infecção nessas comunidades indígenas, provavelmente motivada pela infecção natural adquirida por contágio direto, haja vista que, entre os vacinados pelo BCG, apenas 46,0%

resultaram reatores ao PPD, contra 73,6% de infectados encontrados entre os não vacinados (Tabela 1). Vale dizer, em todas as idades, a condição de vacinado, mesmo em presença alta cobertura (87,0%), não parece estar influindo na sensibilidade tuberculínica.

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Tabela 1 – Sensibilidade tuberculínica conforme o estado vacinal - Índios Tapirapé e Karajá da região do Araguaia MT / 1997

PPD BCG

Reator

(%)

Não Reator

(%)

Total

(%)

Vacinado 535 (46,0) 629 (54,0) 1164 (100,0) Não Vacinado 128 (73,6) 46 (26,4) 174 (100,0) Total

663

(49,6)

675

(50,4)

1338

(100,0)

* PPD com 5 mm ou mais de induração ( p) = 0,000001)

Figura 1 – Comparação entre sensibilidade tuberculínica e cobertura vacinal pelo BCG – Índios Tapirapés e Karajás /1997

Com efeito, uma comparação entre a sensibilidade tuberculínica detectada em cada faixa etária e a cobertura vacinal, aponta para uma correlação quase que inversa, mostrando uma menor ocorrência de reatores ao PPD justamente onde é maior a cobertura vacinal (Figura 1). Ainda mais marcante é o fato de que, para uma cobertura vacinal pelo BCG de 97,8% na faixa etária de menores de 5 anos, apenas 5% das crianças apresentaram induração de 5 mm ou mais ao teste tuberculínico.

A vacinação BCG na terra indígena do Araguaia é realizada, geralmente, no primeiro mês de vida. Entre os menores de 1 ano vacinados pelo BCG há mais de 3 meses, somente 6,3% foram reatores ao PPD, mostrando uma viragem tuberculínica baixíssima ocasionada pela vacinação, mesmo quando muito recente. Entre os Tapirapés, onde é bem menor que entre os Karajás a incidência da tuberculose doença e da infecção natural pelo bacilo de Koch, em virtude, dentre outros fatores, do menor contato que mantêm com a sociedade envolvente, todas as crianças

0

20

40

60

80

100

120

<1 1a4 5a9 10a14 15a19 20a29 30a39 40a49 50a59 60e+

PPD BCG

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menores de 1 ano, num total de 13, foram não reatoras ao PPD, embora vacinadas. Na faixa de 0 a 4 anos, dentre 67 crianças apenas 1 (1,5%) estava

reatora. A cobertura vacinal entre os Tapirapés examinados na faixa etária de 0 a 5 anos é de 100%.

Tabela 2 – Sensibilidade tuberculínica entre os vacinados com BCG segundo faixas etárias -Índios Tapirapé

da região do Araguaia - MT / 1997

Idade <1 1a4 5a9 10a14 15a19 20a29 30a39 40a49 50a59 60e+ Total PPD Não Reator 13 53 42 35 18 32 4 0 1 1 199 Reator 0 1 6 9 13 19 14 5 1 2 70 Total 13 54 48 44 31 51 18 5 2 3 269

Mesmo entre aqueles que foram alvo de reforço da vacina, que ocorre geralmente na entrada para a escola, embora existam ré-vacinados em quase todas as idades, o percentual de reatores ao teste

tuberculínico (48,3%), mostrou-se maior que entre os vacinados com uma única dose, mas, ainda assim, menor que o dos não vacinados (73,6%) no total da amostra (tabelas 1 e 3).

Tabela 3 – Sensibilidade tuberculínica entre os vacinados com dose de reforço de BCG - Índios Tapirapé e

Karajás da região do Araguaia – MT / 1997 PPD Número (%) Reator Forte 56 (62,9) Reator Fraco 33 (37,1) Subtotal Reator

89

(48,3)

Não Reator 95 (51,7) TOTAL

184

(100,0)

É fato conhecido que a alergia tuberculínica

não reflete necessariamente a imunidade conferida pela infecção. Estes dois fenômenos, alergia e

imunidade, embora não sejam paralelos, devem ser considerados na clínica sob certa unidade, como dois aspectos que caracterizam as modificações biológicas

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do organismo infectado (BRÓLIO LIMA FILHO - 1982).

Estudos de Bleiker, na Holanda, em 5000

recém-nascidos, concluíram que a sensibilidade tuberculínica decorrente da vacinação BCG, foi mais elevada 6 meses após a imunização, decrescendo rapidamente depois (BLEIKER - 1986).

No Brasil, Ruffino Netto observou alto

percentual de não reatores (36,6%) com einduração menor que 5 mm na prova tuberculínica nos escolares de Ribeirão Preto no Estado de São Paulo, após dois anos de imunização (RUFFINO NETTO - 1976).

Easom, nas Ilhas Salomon, realizou a

vacinação BCG em 188 pré-escolares e observou uma queda dramática na positividade do teste tuberculínico pós-vacinal de 81% para 18%, a partir do 2º ano de vida, mas faz a ressalva de que no grupo estudado havia uma alta parcela de desnutridos, o que pode ter influído no resultado (EASON - 1987).

É muito farta a experiência mundial

demonstrando a diminuição da alergia tuberculínica induzida pela vacina BCG em tempo e grau variáveis após a imunização, o que, embora não esteja necessariamente relacionado à imunidade conferida pela vacina, que também diminui com o tempo (MAHMOUD - 1989; TIDJAIN - 1986), não corresponde ao que acontece com a infecção natural pelo bacilo humano, em que a sensibilidade à tuberculina se mantém por muitos anos, sendo, por vezes, indelével. Conclusão A condição essencial para a eficácia da vacina BCG é a sua qualidade, incluindo nisto a forma como é produzida, acondicionada, distribuída, preservada, transportada, aplicada. A vacinação BCG nas terras indígenas do Araguaia é realizada diretamente por pessoal experiente da Fundação Nacional de Saúde / Coordenação Regional de Goiânia-GO, de acordo com as recomendações e normas emanadas do próprio Ministério da Saúde, sendo improvável que o fato se deva à problemas técnicos com a vacina em nível regional ou local.

Por ocasião da implementação das ações de controle da tuberculose em outras terras indígenas, tais como Xavante, Kaiapó, Guarani, Kaiowá, Terena, Pataxó, em circunstâncias idênticas, a sensibilidade tuberculínica atribuível à vacina BCG resultou, da mesma forma, quase nula, mesmo nos vacinados recentes pelo BCG (Amarante - 1996). Em cada uma dessas ações o pessoal de saúde era diferente, tanto para a vacinação quanto para a aplicação e leitura do PPD, diminuindo a possibilidade de erro técnico em ambos os procedimentos. Esta constatação, que vem se repetindo, não nos autoriza, entrementes, a questionar a proteção contra o adoecimento conferida pela vacina BCG que vem sendo utilizada nessas áreas indígenas, mesmo face à concomitância de altas taxas de prevalência de tuberculose e de cobertura vacinal. Porém, nos tem permitido novamente, na prática, atribuir um alto valor preditivo ao PPD intradérmico no diagnóstico da infecção natural pelo bacilo humano para a definição dos grupos de alto risco de adoecimento, principalmente entre os contatos.

Nessas terras indígenas, uma pessoa de qualquer idade, convivendo com doente tuberculoso bacilífero, que apresente uma forte reação ao teste tuberculínico, tem grandes possibilidades de ser, com pequena margem de erro, um infectado natural pelo bacilo humano, independentemente de sua condição de vacinado.

Este fato se reveste de grande importância se

levadas em conta as lastimáveis condições sócio-econômicas a que foram submetidos os nossos índios, a vida gregária que levam, suas habitações coletivas geralmente escuras, úmidas e mal ventiladas e a baixa resistência que possuem à enfermidade em razão do contato relativamente recente da maioria das etnias brasileiras com o bacilo de Koch, por que devolve ao teste tuberculínico a condição de valioso meio para o diagnóstico da tuberculose, mormente na infância, onde predominam as formas fechadas, nas quais dificilmente se consegue demonstrar a presença do bacilo.

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TUBERCULOSE EM PACIENTES INFECTADOS PELO HIV EXPERIÊNCIA DE UM SERVIÇO DE REFERÊNCIA PARA DST/AIDS,

EM SÃO PAULO

Leda Fátima Jamal1 e Maria Cecília de Almeida Palhares2 Em nosso país, a tuberculose começou a se mostrar como uma importante infecção oportunista ligada à Aids vindo, a partir de 1993, a superar a pneumonia por P.carinii entre os pacientes notificados como casos de Aids, no estado de São Paulo. No entanto, apesar da alta incidência de tuberculose (TB) nos pacientes infectados pelo HIV, nos serviços especializados no atendimento a essa população as normas estabelecidas pelo Programa de Controle da Tuberculose nem sempre são seguidas à risca. Assim, a notificação de casos de TB e o controle de contactantes nesses serviços, por exemplo, são pontos onde há falhas importantes. O primeiro devido, às vezes, ao desconhecimento, por parte dos profissionais de saúde, da necessidade de uma notificação específica do caso de TB, visto o paciente já ter sido notificado como caso de Aids, com inclusão da tuberculose na notificação de Aids; o segundo devido à própria dificuldade em se estabelecer um "rastreamento" epidemiológico a partir do caso-índice visto que, além da própria doença que assim o exige, o paciente é portador de uma outra doença ou infecção ainda bastante discriminatória, onde o cuidado com o sigilo implica em dificuldades maiores no estabelecimento de um controle eficaz dos contactantes de TB. O nosso trabalho se desenvolve no Centro de Referência e Treinamento de DST/AIDS, um serviço de referência no município de São Paulo, e que há 2 anos é também a sede do Programa Estadual de DST/AIDS. Além de ser um ambulatório para pacientes infectados pelo HIV e para DST (doenças sexualmente transmissíveis), temos uma enfermaria com 30 leitos, especificamente para Aids. Apesar do grande número de casos de TB em HIV positivos notificados em nosso serviço desde 1993 (1551 casos, incluindo retratamentos) ainda não estamos com o Programa de Controle da Tuberculose devidamente implantado. No decorrer dos anos, no entanto, conseguiu-se estabelecer um bom controle dos casos bacilíferos de TB, através do estabelecimento de um fluxo de exames do laboratório para a Vigilância Epidemiológica (V.E.), como descrevemos mais adiante. ________________________________________________________ 1 – Médica da Divisão de Vigilância Epidemiológica do Centro de Referência e Treinamento DST/Aids 2 – Biologista Chefe do Laboratório do Centro de Referência e Treinamento DST/Aids Secretaria de Estado de São Paulo

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Detecção de caso

Dentro das atividades desenvolvidas para o controle da tuberculose, e visando principalmente seu diagnóstico precoce e a imediata instauração de tratamento específico, a partir de 1994 estabeleceu-se um fluxo de exames positivos para tuberculose diretamente do laboratório do CRT para a V.E. Como os resultados são liberados após 17hs, os exames positivos (baciloscopia direta ou cultura, identificação ou teste de sensibilidade) são enviados somente no dia seguinte. A partir daí, são realizados os seguintes procedimentos, pela V.E.: a. levantamento imediato do prontuário do paciente,

para averiguar se já se iniciou o tratamento anti-TB;

b. caso este não tenha sido iniciado e o médico do paciente desconheça esse resultado positivo, envio de telegrama fonado solicitando o comparecimento do paciente ao Serviço de Assistência Social.

c. colocação de uma etiqueta de tuberculose em branco, na capa do prontuário, visto que todos os prontuários com etiquetas em branco, de Aids ou de tuberculose, são enviados para a avaliação pela Vigilância Epidemiológica dois dias após comparecimento do paciente ao Serviço.

d. quando do comparecimento em resposta à convocação, o paciente é encaminhado pela assistente social ao Setor de Pronto-Atendimento para avaliação pelo médico, para início de tratamento específico.

e. os mesmos procedimentos são tomados na eventualidade de um teste de sensibilidade mostrar resistência a alguma droga que esteja sendo utilizada.

Desde 1996, foram convocados 248

pacientes, sendo 215 devido a resultados positivos para TB, sem tratamento específico. Desses 215, 151 compareceram ao Serviço. De 139 que compareceram e que não estavam já em tratamento, o tempo médio entre a convocação pela V.E. e o início de tratamento foi de 15 dias, com mediana de 5 dias. Como anteriormente a maio/99 os telegramas eram enviados através da Secretaria da Saúde, um retardo de 2-3 dias era esperado para o envio. A partir desta data, no entanto, adotou-se a estratégia de telegramas fonados, visando agilizar o recebimento dos mesmos. Uma falha nesse fluxo ainda são os endereços inexistentes

ou desatualizados, o que estamos procurando minimizar com a atualização sistemática dos mesmos pelo Setor de Arquivo Médico Controle de contactantes

Como o CRT-DST/Aids caracteriza-se pela especificidade do atendimento, seja a pacientes infectados pelo HIV, seja a pacientes com doenças sexualmente transmissíveis (DST), o controle dos contactantes não é realizado no próprio Serviço, sendo feito encaminhamento a unidades básicas de saúde. Visando minimizar as perdas de seguimento desses encaminhamentos, há alguns anos foi elaborado um instrumento para contato com as unidades de saúde. Assim, quando se iniciava o tratamento específico, o paciente era encaminhado para a enfermeira responsável, e dava-se início ao seguinte fluxo:

a. em um encaminhamento feito em duas vias, os

contactantes eram encaminhados à unidade de saúde mais próxima da residência. A primeira via desse encaminhamento era arquivada no setor e a segunda encaminhada à V.E.

b. um mês após, o setor de V.E. enviava um ofício solicitando informações a respeito da conduta adotada em relação aos contactantes encaminhados e, caso estes não tivessem registro na Unidade, a realização de visita domiciliar no endereço especificado.

Esse fluxo perdurou durante um certo tempo,

porém não se manteve de maneira sistemática por falta de recursos humanos e dificuldades organizacionais, apesar de uma relativa boa resposta que tivemos das unidades. Controle dos pacientes em tratamento

Todos os pacientes com diagnóstico de tuberculose são notificados à Divisão de Tuberculose do Centro de Vigilância Epidemiológica do Estado de São Paulo (CVE), pelo setor de V.E. Desde outubro de 1998 estamos utilizando, para notificação dos casos, o Epi-TB, um programa criado pela Divisão, a ser gradativamente implantado em todo o Estado. Este, no entanto, apesar de conter informações sobre soropositividade ao HIV e doenças associadas (incluindo Aids), foi elaborado visando a notificação e controle de casos de TB em geral. Como as

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questões ligadas ao HIV/Aids são bastante específicas, e para tentar minimamente respondê-las, a V.E. criou um banco de dados para todos os pacientes notificados no Serviço a partir de 1994, utilizando-se o software EpiInfo 6.04.a. Algumas variáveis ou categorias são incluídas à medida que questões novas se apresentam (por exemplo, para responder à questão da eficácia ou efetividade de outros esquemas de tratamento utilizados no paciente HIV positivo, como o esquema de substituição à RMP quando o paciente se encontra em uso de inibidores de protease). Algumas das variáveis estudadas são: 1. variáveis epidemiológicas: situação de risco para

HIV, data de diagnóstico de Aids , local de diagnóstico (feito no Serviço ou encaminhado com diagnóstico), resultado do teste tuberculínico e data, quimioprofilaxia anterior, TB pregressa, óbito antes do diagnóstico, forma clínica e tipo de saída do Programa de Controle da TB;

2. variáveis laboratoriais: contagem de CD4 e data do exame, tipo de diagnóstico (se por baciloscopia direta, cultura, identificação do M. tuberculosis ou do complexo M.tb) e teste de sensibilidade;

3. variáveis clínicas: esquema de drogas inicialmente utilizado no tratamento de TB (incluindo o esquema de substituição à RMP, para pacientes com inibidores de protease), mudança de droga;

4. variáveis evolutivas: tratamentos posteriores para TB, reação adversa aos medicamentos e tipo de reação, data de óbito, data da última consulta e da última avaliação do prontuário. Como todos os prontuários de pacientes que vão a óbito - seja no Serviço ou fora dele - são encaminhados ao setor de V.E. e como temos acesso ao banco de Aids do Estado, onde constam os óbitos dos casos notificados de Aids, o banco é sistematicamente alimentado com esse dado.

Devido a dificuldades operacionais, não

temos essas variáveis satisfatoriamente preenchidas para todos os pacientes. No entanto, em decorrência do razoável fluxo diário de prontuários no Setor, todos aqueles com etiqueta de TB são revistos pelos técnicos responsáveis pela tuberculose e os dados têm sido gradativamente atualizados no banco.

Assim, desde 1994 temos 1387 casos de pacientes HIV positivos notificados pela primeira vez no Serviço (excluindo-se os casos renotificados devido a retratamento). Desses, temos a situação de risco para HIV em 700 (190 usuários de droga intravenosa, 204 por contaminação heterossexual e 290 homens que fazem sexo com homens). Dos 1387, temos informação de início de tratamento em 1314 (43 foram a óbito antes do diagnóstico de TB). Para os que iniciaram tratamento e que foram a óbito (data de óbito conhecida em 499 pacientes), o tempo médio entre o início de tratamento e o óbito foi de 299 dias, com mediana de 211 dias. Diagnóstico laboratorial

Implantado no CRT em 1988, o diagnóstico laboratorial para tuberculose baseava-se nas metodologias convencionais de baciloscopia de 3/4 de lâmina, realizada no CRT-DST/Aids, e cultura em Lowenstein-Jansen (L.J.), realizada no Instituto Adolfo Lutz (I.A.L.), sendo a identificação por métodos bioquímicos e teste de sensibilidade a drogas realizados nessa última instituição. Este fluxo apresentava alguns problemas, uma vez que as análises de baciloscopia e cultura eram realizadas em amostras diferentes.

Associado a isto, e devido à natureza do espécime trabalhado (visto que o paciente infectado pelo HIV muitas vezes é pauci-bacilar, apresentando uma forma pulmonar intersticial e freqüentemente não cavitária), verificava-se baixa positividade nos exames baciloscópicos realizados em escarro. Em função desta baixa positividade realizou-se um trabalho comparativo, em 548 amostras de escarro, entre a baciloscopia convencional e uma metodologia de concentração do espécime utilizando-se hipoclorito de sódio a 5% para fluidificação do material e centrifugação a 3000g. Este trabalho demonstrou uma sensibilidade de 55% para o método concentrado contra 30% para o método direto. O método concentrado passou, então, a ser utilizado em nosso laboratório1. Posteriormente, em 1994, as culturas para espécimes pulmonares e LCR também passaram a ser aqui executadas utilizando-se o meio de Ogawa-Kudho, bem como a identificação do complexo M. tuberculosis por testes bioquímicos. Ainda em 1994 as hemoculturas, até então processadas em meio bifásico no I.A.L.2, passaram a ser automatizadas naquela instituição, utilizando-se o

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sistema radiométrico (Bactec 460). A partir de agosto de 1998, optou-se pela automação das culturas em nosso Serviço, utilizando-se o método colorimétrico (MB-Bact - Organon Teknika). Passou-se, então, a processar tanto espécimes pulmonares quanto extra-pulmonares (à exceção de sangue, que veio a ser incorporado à nossa rotina somente em julho de 1999). Associado à automação, a identificação dos complexos M. tuberculosis e M. avium começou a ser realizada através de sonda genética (Gen-Probe), e a baciloscopia a utilizar o sedimento obtido a partir do tratamento com N-acetil-cisteína após centrifugação a 3000g. Dados preliminares da análise de 709 amostras mostram que, para as 128 que apresentaram crescimento de micobactérias no MB-Bact, o tempo médio de crescimento foi de 17 dias, com 3 horas para identificação por sonda genética. Dessas 128 amostras, 82 pertenciam ao Complexo M. tuberculosis (dados não publicados). Pontos fracos: controle de faltosos e tratamento supervisionado

Uma das principais dificuldades encontradas até agora tem sido o controle de faltosos. Se esta é uma atividade relativamente simples em uma unidade básica de saúde, não o é em um serviço onde os atendimentos são distribuídos em setores diversos como hospital-dia e ambulatórios, e onde o atendimento de pacientes é feito por diversos profissionais, com agendas próprias e sem comunicação com a Vigilância Epidemiológica. Entre 1195 pacientes que iniciaram pela primeira vez tratamento para TB no CRT, de 1994 a 1998, temos analisado o tipo de saída em 754; desses, 187 (29%) abandonaram tratamento e 85 somente (45%) retornaram para retratamento. Fica claro, portanto, que uma atuação bem mais enérgica se impõe. Dentro do âmbito das atividades de execução do Plano Operativo Anual de 1999 (Aids-II) do Estado de São Paulo, estamos implantando, conjuntamente com a Divisão de Tuberculose, tratamento supervisionado de TB em pacientes HIV positivos em 12 Serviços do estado, além do próprio CRT. Para tanto, estamos estabelecendo um fluxo no serviço onde haja controle de comparecimento e de tomada da medicação de todos os pacientes em tratamento de TB, bem como o envolvimento de parceiros para a supervisão de tratamento, dado as dificuldades dessa estratégia em uma cidade como São Paulo. Esperamos, com isso,

diminuir de maneira importante nossa taxa de abandono e melhorar, de maneira geral, a aderência ao tratamento não só de TB como aos anti-retrovirais. Conscientes das dificuldades encontradas pelos profissionais de saúde no atendimento a essa população específica, e dentro do quadro geral da saúde no país, estamos procurando otimizar os recursos de que dispomos e estabelecer parcerias visando o melhor controle da tuberculose. Esperamos que a divulgação de nossa experiência possa ser útil a outros serviços, principalmente no que se refere à detecção precoce de casos, e que nos propicie conhecer soluções para nossos pontos falhos, através do conhecimento de ações já implantadas. Referências bibliográficas 1. Palhares, M.C.A., Placco, A.L.N., Porfirio,

F.M.V., Baptista et al. Baciloscopia após concentração com hipoclorito de sódio: um método específico e preditivo para o diagnóstico de tuberculose pulmonar em pacientes portadores de HIV/Aids. J. Bras. Patol., 32(3): 98-102, 1996.

2. Martins, M.C., Ueki, S.Y.M., Palhares, M.C.A. et

al. An alternative biphasic culture system for recovery of mycobacteria and for differentiation of species other than M. tuberculosis Complex from blood specimens. Revista de Microbiologia, 28: 1-7, 1998.

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RAPHAEL DE PAULA SOUZA

Em 2 de junho último, aos 97 anos de idade, extinguiu-se a preciosa vida de Raphael de Paula Souza. Na história da luta antituberculosa no País, ele foi sem dúvida uma das maiores expressões pela sua aguda visão de enfrentar a tuberculose de forma global, desenvolvendo um hercúleo trabalho de âmbito nacional com o precário armamento então disponível na época anterior à moderna quimioterapia: Acrescente-se o entrave de seu alto custo porque o alicerce do projeto era um elevado número de leitos para o isolamento e o prolongado tratamento dos pacientes. Uma idéia da dramaticidade da epidemia tuberculosa na fase em que Paula Souza dirigiu sua luta é fornecida pelo fato que na década dos anos 40, a mortalidade tuberculosa era de 150 a 500 por 100.000 habitantes na maioria das capitais brasileira. A decisão de Raphael de Paula Souza, de se especializar em Tuberculose, decorreu da circunstância de ter sido acometido pela doença durante sua formação universitária no Rio de Janeiro. Transferiu-se para a Faculdade de Medicina de Belo Horizonte, cidade que com clima ameno era considerada propícia para o seu tratamento. Convivendo com colegas doentes e influenciado por professores que também sofreram do mesmo mal, optou por empenhar-se na luta contra a Tuberculose, abandonando a idéia inicial de se dedicar à ciência pura. Essa decisão tornou-se mais imperiosa, ao chegar a Campos do Jordão, estância climatérica com a mística do ar da montanha. Ao lado dos tuberculosos ricos ou remediados nos sanatórios, legiões de doentes indigentes ali aportavam, muitos deles “despachados” de suas cidades, pelas autoridades municipais ou pelos delegados de polícia, com apenas a passagem no bolso. Chegavam com formas extensas caseosas desbarrancando os pulmões e vastas adenomegalias mediastinais e abdominais, caquéticos em fase terminal; permaneciam estendidos no chão da estação ferroviária e ali morriam: o número de leitos era precário. Vivendo esse quadro dantesco, mais lhe amadureceu a necessidade de uma política sanitária de âmbito nacional, para pelo menos minorar essa situação. Atuando e clinicando na estância foi convidado a dirigir o então importante Sanatório de São Paulo. Resolveu primeiro aprimorar-se em Paris onde freqüentou o Curso de Aperfeiçoamento em Tuberculose do renomado Prof. Leon Bernard. Assim aprofundou sua formação tisiológica e assimilou a importância social, sanitária e toda a complexa problemática do enfrentamento da tuberculose. Espírito inquieto, interessado nos diversos ramos da atividade humana, impregnou-se com a universalidade da cultura francesa, a qual tanto influenciou sua personalidade. Retornando a Campos do Jordão assumiu a direção do Sanatório São Paulo, pondo em prática seus conhecimentos técnico-administrativos, consolidando sua verdadeira vocação. Essa fase lhe foi proveitosa ainda pelo aspecto da solidariedade humana, pois como sempre relembrava, aprendeu, como os demais tisiólogos, a se integrar com a vida dos pacientes, compartilhando de seus dramas e sofrimentos, pela estreita convivência durante o longo tempo de tratamento. Em decorrência concretizou um dos seus projetos que era da ereção de um conjunto de hospitais de construção modesta de baixo custo para atender a grande demanda de doentes indigentes. Assim presidiu a Associação de Sanatórios Populares, conhecida como “Sanatorinhos”. Formou grande equipe de colaboradores, desenvolvendo notável trabalho médico – assistencial. Pertencente a tradicional família paulista, retornou a São Paulo em 1933. Além da clínica privada atuou nos serviços do então Instituto de Higiene, fundado pelo seu primo Geraldo de Paula Souza o qual muito contribuiu para o desenvolvimento de saúde pública de São Paulo. Tranformando o Instituto, na Faculdade de Higiene e Saúde Pública da Universidade de São Paulo, foi nomeado catedrático de tisiologia e por duas vezes foi diretor da Faculdade. Direcionou o ensino da tuberculose sempre conectando a clínica com a epidemiologia e as medidas de controle da doença. Fez notória escola, tornando seus assistentes, nomes conhecidos na tisiologia. Plantou marcantes diretrizes que repercutiram no ensino da tuberculose naquela faculdade, tornando a cátedra um atrativo para os notáveis professores que o sucederam.

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Em 1945, Paula Souza abandonou sua rendosa clínica e as funções universitárias atendendo ao convite do Ministério da Saúde para dirigir o Serviço Nacional de Tuberculose no Rio de Janeiro. Convicto que poderia afinal expandir seu pendor de sanitarista, aceitou o cargo, solicitando e obtendo autonomia de ação com verbas específicas para o seu projeto de instituição de uma campanha de âmbito nacional contra a tuberculose. Com sua larga visão dirigiu e orientou a implementação da referida campanha. Fato significativo foi que por primeira vez o combate à tuberculose passou a contar com recursos substanciais com total liberdade de sua aplicação. O projeto objetivava um conjunto integrado de medidas de profilaxia e assistência, de ensino e ação social alcançando todo o país com maior ênfase nas áreas de maior incidência da tuberculose. Projeto custoso porque alicerçado na construção de apreciável rede hospitalar para suprir aflitiva carência de leitos. Ajustadas as linhas básicas do trabalho institui-se oficialmente em 1946 a Campanha Nacional Contra a Tuberculose (CNCT), tornando-se seu primeiro superintendente. Os hospitais da campanha eram de construção econômica e baixo custo de manutenção. Multiplicaram-se os dispensários que progressivamente passaram a se integrar nos centros de saúde. A abreugrafia de massa constituiu a base para a descoberta precoce dos casos de tuberculose. Em suma, foram postos em ação todos os procedimentos então disponíveis para o controle da doença. Atenção paralela foi dada à formação de recursos humanos, com a multiplicação de cursos, estágios e bolsas oferecidas aos Estados. Formaram-se médicos, enfermeiros, visitadores sanitários, bacteriologistas, radiologistas e outros técnicos, com ênfase no aspecto médico-sanitário da tuberculose, no seu caráter acentuadamente social, atingindo prioritariamente a população mais carente. Ampliou-se assim, substancialmente a área do ensino que já vinha sendo promovida por centros oficiais e privados e pelas cátedras de tisiologia nas escolas médicas criadas em 1946 por lei federal. Criou-se o Dispensário Escola sediado à rua do Resende no Rio de Janeiro para servir de campo prático dos cursos da Campanha. Neste, militaram eminentes tisiólogos, entre eles Manoel de Abreu, que ali instalou o famoso serviço de abreugrafia. A CNCT firmou convênios com governos estaduais e municipais, com institutos médico-científicos, cátedras de tisiologia e com organismos como a Sociedade Brasileira de Sociedades de Tuberculose que englobava as Ligas de Tuberculose. Todas essas medidas foram fundamentais para implementação da Campanha e a normatização de técnicas e procedimentos no combate à tuberculose. A Campanha contou com a cooperação direta de apreciável contigente de destacados tisiólogos. Um parêntesis para citar que a esposa de Paula Souza foi sua dedicada colaboradora criando a Ala Feminina Auxiliar de Luta Contra a Tuberculose, com atuação social nos hospitais e junto aos doentes em geral. Na história da luta contra a tuberculose no Brasil, a CNCT representou marco saliente pela sua abrangência, mobilizando todas as forças disponíveis, em fase ingrata pelos recursos profiláticos precários, e por ter conseguido, fenômeno incomum, o apoio integral dos tisiólogos, que eram numerosos, e de muitos sanitaristas, todos integrados na verdadeira cruzada contra a tuberculose. Deixando, em 1951 a direção do Serviço Nacional de Tuberculose e a superintendência da CNCT, Paula Souza reassumiu a cátedra na Faculdade de Saúde Pública e ocupou vários cargos oficiais, entre eles a Divisão dos Serviços de Tuberculose da Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo. Paula Souza envolveu-se em duas polêmicas científicas. Uma foi com os defensores do clima como fator de cura da tuberculose; ressaltando que os doentes podiam ser tratados inclusive nos centros urbanos, negando qualquer importância do clima, a diretriz para a construção dos hospitais pela Campanha foi somente de atender as áreas de maior incidência da doença. A outra polêmica foi sobre o BCG, portanto diretamente com Arlindo de Assis e por extensão com os integrantes da então chamada escola brasileira de BCG. Questionava o valor profilático do BCG e ainda mais o método oral, apontando falhas na conservação da vacina. Com o ocorrer dos anos estabeleceu-se que os principais pontos de divergência, eram de natureza operacional. Aliás, em nenhum momento pensou em tomar atitude de suspender o programa de vacinação em massa em desenvolvimento no país. Paula Souza militou em todos os congressos brasileiros de tuberculose, do primeiro até os realizados na década dos anos 80. Em todos os seus trabalhos publicados ressaltou a constante preocupação com o controle da tuberculose no

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país, avaliando os aspectos institucionais, a problemática epidemiológica da tuberculose, e a formulação de políticas de saúde para seu combate. Recebeu inúmeras homenagens, entre elas as premiações conferidas pela Academia Nacional de Medicina, e pela Sociedade Brasileira de Tuberculose, assim como a decisão do Serviço Nacional de Tuberculose de conferir seu nome ao sanatório de Curicica e sua efígie em bronze no Centro de Referência Hélio Fraga perpetuando o culto à sua memória. Raphael de Paula Souza, dedicou toda a sua existência ao ideal ao qual serviu com unção religiosa, que foi sua luta contra a tuberculose. Nesta, seu nome está inscrito de forma indelével. Há mais de dois séculos, Jean Jacques Rousseau, desenvolveu notável documento sobre o homem a serviço da sociedade, cujo conteúdo pode ser sintetizado no seguinte conceito “O Homem só existe quando é útil à humanidade”. Neste contexto Raphael de Paula Souza sempre existiu e continuará existindo como paradigma às futuras gerações de médicos.

José Rozemberg

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NORMAS DE PUBLICAÇÃO Informações gerais O Boletim de Pneumologia Sanitária, publicação oficial do Centro de Referência Prof. Hélio Fraga – FNS/MS, é uma revista técnica e científica, semestral, com ISSN, voltada para a divulgação de informações sobre doenças pulmonares de interesse sanitário, com ênfase em controle da tuberculose. Sua distribuição se faz entre profissionais de saúde e pesquisadores do Brasil, América Latina e países de língua portuguesa. Critérios para aceitação de matérias A matéria deve ser original e poderá ser publicada, reproduzida em seu todo ou partes, desde que, citada a fonte. A seleção de matéria para publicação considerará: Tipo de assunto – relatórios de pesquisas – observações clínicas originais com análise e discussão – análise de aspectos éticos, filosóficos e sociais, relacionados com a área de ciências da saúde – relatos discussivos de casos ou reuniões clínicas – análises epidemiológicas – descrições ou avaliações de métodos ou procedimentos – artigos de revisão ou atualização – informes;

Importância do tema para a saúde pública, originalidade, repercussão científica, atualidade da informação, observação das normas éticas;

Artigos com mais de um autor deverão ser encaminhados com uma carta assinada por todos, declarando estar ciente, concordando e se responsabilizando pelo mesmo.

Critérios de autoria A inclusão de um autor em um trabalho encaminhado para publicação só é justificada se ele contribuiu significativamente, do ponto de vista intelectual, para a sua realização. Fica implícito que: 1 – o autor participou da concepção e do planejamento do trabalho, bem como da interpretação das evidências; 2 – escreveu, revisou ou tomou parte em todas as redações preliminares e na definitiva; 3 – aprovou a versão final.

Roteiro para publicação

Encaminhamento – a matéria será enviada ao corpo editorial do Boletim, para apreciação, em três cópias e disquete de computador e endereçada para: Editor do Boletim de Pneumologia Sanitária – Centro de Referência Prof. Hélio Fraga, Cep: 22710-550 - Estrada de Curicica Nº 2000 – Rio de Janeiro, RJ – Brasil; Recebimento – a administração do Boletim acusará, por carta, a recepção da matéria; Língua – o idioma preferencial é o português, mas serão aceitos artigos em espanhol ou inglês; Título e autores – o título, com cerca de 10 palavras, não podendo exceder de 15, deverá ser claro, conciso e descreverá, especificamente, o conteúdo do artigo. Palavras ambíguas, jargões, abreviações serão evitados.

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Os nomes completos dos autores, da instituição e endereço para correspondência, devem vir imediatamente abaixo do título; Resumo e palavras-chave – o resumo deverá ter 150 a 250 palavras, indicando objetivo do estudo, datas e local onde foi realizado; procedimentos básicos – método, amostragem, observação e análise; resultados principais e as conclusões mais importantes. O resumo não incluirá informações e/ou conclusões que não estejam no corpo do artigo; será escrito na terceira pessoa, sem abreviações nem referências bibliográficas. Seu objetivo é capacitar o leitor para determinar a relevância do conteúdo e conseqüente decisão sobre a leitura integral ou não. Sob os mesmos critérios será apresentado o resumo em inglês. Logo a seguir deverão ser listadas 3 a 10 palavras-chave que são utilizadas em bancos de dados, como Index Medicus; Corpo do artigo – os artigos são, em geral, divididos em Introdução, Material e Métodos, Resultados e Discussão. Revisões bibliográficas ou atualizações podem ter outra estrutura, de acordo com o conteúdo. No caso de comunicações curtas, o usual é seguir os mesmos capítulos, porém omitindo os títulos; Referências bibliográficas – “Vancouver style”- As citações devem ser usadas para identificar a fonte original de conceitos, métodos e técnicas oriundos de pesquisas, estudos e experiências; apoiar opiniões e fatos expressados pelo autor e orientar os leitores interessados em um maior conhecimento do assunto. Com exceção de matérias sobre revisões bibliográficas, o número de referências deve ser de 10 a 30 e compreenderá as mais relevantes. Nas comunicações curtas este número não ultrapassará de 15. As citações devem aparecer no texto em número itálico, consecutivo, entre parênteses e sobrescrito. Por exemplo: ... foi observado (3,4) que... ... vários autores (1-5) têm afirmado... A lista de referências será numerada consecutivamente, observando a ordem de entrada no texto e dela só devem constar autores citados; autores apenas consultados serão listados, separadamente, por ordem alfabética, em Bibliografia. O sobrenome e iniciais dos seis primeiros autores devem ser citados; para os que excedem de seis utiliza-se: “et al” Exemplo: Herrero R, Brinton L, Hartge P, Reeves W, Brenes M, Urcuyo R, et al. Determinants of the geographic variation of invasive cervical cancer in Costa Rica. Bull Pan Am Health Organ 1993; 27: 15-25.

Tabelas – devem ser numeradas de acordo com a apresentação, conterá dados auto-explicativos e complementares à informação do texto, sem duplicá-la. As tabelas serão apresentadas em ordem de seu comentário no corpo do texto e com citação de local, data e especificação da fonte;

Figuras – gráficos, diagramas, mapas e fotografias são utilizados para destacar tendências e comparações exatas e claras; deve constar a fonte.

Processo de seleção Os trabalhos recebidos serão revistos por técnicos experientes no assunto em questão que, depois de julgamento do mérito científico e oportunidade de publicação, emitirão parecer sobre a aceitação ou recusa da matéria. Em ambas situações a direção do Boletim fará uma comunicação ao autor principal. Em caso de que a matéria seja aceita na dependência de alguma alteração, o artigo será devolvido com sugestões apontadas pelo editor, para decisão dos autores. A aceitação de um artigo implica na autorização, para que os editores possam fazer pequenas alterações de consistência, clareza e conformidade com o estilo da revista.