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BERNARDO PIMENTEL SOUZA DAS AÇÕES CONSTITUCIONAIS 2012

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Page 1: BERNARDO PIMENTEL SOUZA - DAS       AÇÕES CONSTITUCIONAIS

BERNARDO PIMENTEL SOUZA

DAS AÇÕES

CONSTITUCIONAIS

2012

Page 2: BERNARDO PIMENTEL SOUZA - DAS       AÇÕES CONSTITUCIONAIS

BERNARDO PIMENTEL SOUZA

Professor do Departamento de Direito da Universidade Federal de Viçosa

Advogado inscrito na OAB/MG e na OAB/DF

DAS AÇÕES

CONSTITUCIONAIS

Page 3: BERNARDO PIMENTEL SOUZA - DAS       AÇÕES CONSTITUCIONAIS

PIMENTEL SOUZA, Bernardo. Das ações

constitucionais. 2012.

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OUTRAS OBRAS DO AUTOR PUBLICADAS PELA EDITORA SARAIVA:

INTRODUÇÃO AOS RECURSOS CÍVEIS E À AÇÃO RESCISÓRIA

PROCESSO CIVIL: EXECUÇÕES, CAUTELARES E EMBARGOS

MANUAL DE PROCESSO EMPRESARIAL

DOS RECURSOS CONSTITUCIONAIS

Page 5: BERNARDO PIMENTEL SOUZA - DAS       AÇÕES CONSTITUCIONAIS

Ao Eminente Ministro ADHEMAR MACIEL,

Emérito Professor de Direito Constitucional,

com quem tive a honra de aprender

preciosas lições – teóricas e práticas –

sobre as ações constitucionais.

Page 6: BERNARDO PIMENTEL SOUZA - DAS       AÇÕES CONSTITUCIONAIS

T E M Á R I O

TOMO I – AÇÕES DE CONTROLE DE

CONSTITUCIONALIDADE

CAPÍTULO I – TEORIA GERAL DO CONTROLE DE

CONSTITUCIONALIDADE

CAPÍTULO II – AÇÃO DIRETA DE

INCONSTITUCIONALIDADE

CAPÍTULO III – AÇÃO DECLARATÓRIA DE

CONSTITUCIONALIDADE

CAPÍTULO IV – ARGUIÇÃO DE

DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO

FUNDAMENTAL

CAPÍTULO V – AÇÃO DIRETA DE

INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO

CAPÍTULO VI – REPRESENTAÇÃO INTERVENTIVA

OU AÇÃO DIRETA INTERVENTIVA

CAPÍTULO VII – RECLAMAÇÃO CONSTITUCIONAL

TOMO II – REMÉDIOS CONSTITUCIONAIS

CAPÍTULO I – HABEAS CORPUS

CAPÍTULO II – HABEAS DATA

CAPÍTULO III – MANDADO DE SEGURANÇA

CAPÍTULO IV – MANDADO DE INJUNÇÃO

CAPÍTULO V – AÇÃO POPULAR

CAPÍTULO VI – AÇÃO CIVIL PÚBLICA

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NOTA DO AUTOR

O presente compêndio reúne os apontamentos escritos para as aulas da

disciplina "Direito Constitucional III – Controle de Constitucionalidade e Ações

Constitucionais", lecionada no Curso de Direito da Fundação Universidade

Federal de Viçosa – UFV.

Além da exposição teórica das diversas ações constitucionais, também

foram lançadas observações práticas provenientes da experiência adquirida na

qualidade de assessor de ministros do Superior Tribunal de Justiça e do

Supremo Tribunal Federal, de 1995 a 1999, e no posterior exercício da

advocacia por mais de dois lustros.

No tocante à distribuição dos capítulos, foram inseridos em dois tomos,

tendo em vista a pertinência temática de cada um. O primeiro tomo versa sobre

as ações relacionadas ao controle de constitucionalidade: a ação direta de

inconstitucionalidade, a ação declaratória de constitucionalidade, a arguição de

descumprimento de preceito fundamental, a ação de inconstitucionalidade por

omissão, a representação interventiva e a reclamação constitucional.

Já o segundo tomo dispõe sobre dispõe sobre os remédios

constitucionais, também denominados writs constitucionais, quais sejam:

habeas corpus, mandado de segurança, habeas data, mandado de injunção e

ação popular. Em virtude da importância do instituto e da pertinência temática

com os remédios constitucionais, foi acrescentado ao final do segundo tomo

um capítulo específico destinado ao estudo da ação civil pública.

Por fim, as inovações da Lei nº 12.562 foram expostas no capítulo

específico destinado ao estudo da representação interventiva ou ação direta

interventiva.

Agosto de 2012.

Bernardo Pimentel Souza

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TOMO I

AÇÕES DE CONTROLE

DE CONSTITUCIONALIDADE

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CAPÍTULO I

TEORIA GERAL DO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE

1. CONCEITO E PRINCÍPIOS NORTEADORES

Os artigos 60, § 2º, e 97 da Constituição Federal consagram os

princípios da rigidez constitucional e da supremacia da Constituição como os

dois alicerces interdependentes que sustentam, justificam e explicam o controle

de constitucionalidade das normas jurídicas, desde as emendas

constitucionais, as leis em geral, até os atos normativos do poder público, como

as medidas provisórias presidenciais e os regimentos internos em geral.

Em virtude do princípio da supremacia, a Constituição está no ápice do

ordenamento jurídico e é o fundamento de validade de todas as normas

jurídicas, as quais só podem subsistir e integrar o ordenamento jurídico se

compatíveis com a Constituição. A incompatibilidade de emenda, de lei ou de

ato normativo do poder público implica nulidade da norma jurídica e a

consequente exclusão do ordenamento jurídico, desde o respectivo ingresso

(da emenda, da lei ou do ato normativo no ordenamento jurídico)1.

Já o princípio da rigidez constitucional significa que a Constituição só

pode ser modificada mediante processo legislativo complexo, formalista e

rigoroso, marcado pela necessidade de iniciativa qualificada e da aprovação da

mudança do texto constitucional por decisão de pelo menos três quintos dos

parlamentares, em dois turnos distintos de votação em cada uma das Casas do

Congresso Nacional.

Em suma, o controle de constitucionalidade é a verificação de

compatibilidade das normas jurídicas à vista da Constituição, sob pena de

insubsistência no ordenamento jurídico, em razão da supremacia da

Constituição e da rigidez constitucional.

2. OBJETO DO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE: EMENDAS À

CONSTITUIÇÃO, LEIS EM GERAL E ATOS NORMATIVOS DO PODER

PÚBLICO

À luz do artigo 97 da Constituição Federal, o controle de

constitucionalidade pode ter como objeto ―lei ou ato normativo do Poder

Público‖. A cláusula constitucional sub examine alcança as emendas à

Constituição, as leis complementares, as leis ordinárias, as leis delegadas, as

medidas provisórias, os decretos legislativos, as resoluções, os regimentos

1 Não obstante, a regra do efeito ex tunc ou retroativo não é absoluta; em hipóteses excepcionais, o

reconhecimento da inconstitucionalidade pode ter efeito ex nunc, a partir de então (do reconhecimento da inconstitucionalidade), como autoriza o artigo 27 da Lei nº 9.868, de 1999.

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internos e os demais atos normativos – genéricos e abstratos – provenientes

do poder público2.

Sob outro prisma, o controle de constitucionalidade alcança toda e

qualquer ―lei‖, e não apenas a lei federal; as leis estaduais, municipais e

distritais também podem, portanto, ser objeto de controle de

constitucionalidade. Aliás, até mesmo as Constituições estaduais podem ser

objeto de controle em relação à Constituição Federal. Enfim, as diferentes

normas jurídicas estaduais, distritais e municipais são passíveis de controle de

constitucionalidade.

Ademais, o controle de constitucionalidade não se dá apenas em relação

à Constituição Federal; também há controle de constitucionalidade à vista das

Constituições estaduais e até mesmo à luz da Lei Orgânica do Distrito Federal,

no que tange às leis estaduais, municipais e distritais, conforme o caso. Sem

dúvida, há lugar para o controle das normas jurídicas locais em face da

Constituição Federal, das Constituições estaduais e da Lei Orgânica do Distrito

Federal, conforme o caso.

É amplíssimo, portanto, o objeto de controle de constitucionalidade, mas

variável conforme o sistema de controle (concentrado ou difuso) e a espécie de

ação ajuizada (ação direta de inconstitucionalidade, ação declaratória de

constitucionalidade, ação de arguição de descumprimento de preceito

fundamental etc.). Não obstante, o controle de constitucionalidade não chega

ao exagero de contemplar a incompatibilidade dos atos normativos à luz das

leis, de medida provisória e de normas equiparadas às leis. Assim, por

exemplo, se o decreto regulamentador expedido pelo Presidente da República

contrariar primeiro a lei federal ensejadora do ato normativo, não há controle de

constitucionalidade, porquanto o vício é de ilegalidade, e não de

inconstitucionalidade; só há controle de constitucionalidade se o decreto

presidencial contrariar diretamente a Constituição Federal.

3. ESPÉCIES DE INCONSTITUCIONALIDADE: FORMAL E MATERIAL

O controle de constitucionalidade pode ter lugar em razão de duas

espécies de vícios de inconstitucionalidade: a inconstitucionalidade formal e a

inconstitucionalidade material.

A inconstitucionalidade formal está relacionada ao desrespeito às

exigências previstas na Constituição para a produção legislativa. É a

desconsideração das formalidades que compõem o processo legislativo, quer

em relação à iniciativa, à discussão, à votação, à sanção, à promulgação ou à

publicação da norma jurídica3. Por exemplo, uma lei complementar é

2 Por exemplo, os decretos regulamentadores expedidos pelo Presidente da República, quando

diretamente contrários à Constituição Federal. 3 Em abono, merece ser prestigiada autorizada lição da melhor doutrina: ―A inconstitucionalidade formal

implica na desobediência aos requisitos, ao processo, enfim, de elaboração. Se a lei não resultou da observância dos ditames traçados pela Constituição para a sua feitura, não merece ser aplicada pelo

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sancionada, promulgada e publicada após a aprovação por maioria simples em

uma das Casas do Congresso, sem a observância, portanto, da formalidade

estampada no artigo 69 da Constituição. Outro exemplo: uma emenda

constitucional aprovada, promulgada e publicada à vista de projeto subscrito

por apenas um senador, sem a observância, portanto, da formalidade arrolada

no inciso I do artigo 60 da Constituição Federal4. Em suma, a

inconstitucionalidade formal diz respeito ao vício que contamina o processo

legislativo.

Já a inconstitucionalidade material está relacionada ao próprio conteúdo

da Constituição: o disposto no bojo, no fundo, no interior de preceito

constitucional não é observado, com o consequente conflito entre a norma

jurídica e o dispositivo constitucional sob o aspecto substancial. Com efeito, a

inconstitucionalidade material se dá em razão do descompasso do próprio teor

da norma jurídica com o texto constitucional, no que tange à matéria tratada

pelo constituinte. Por exemplo, uma emenda constitucional que restabelece a

forma unitária de Estado consagrada na Carta de 1824, com a consequente

extinção da forma federativa de Estado, em desrespeito ao disposto no artigo

60, § 4º, inciso I, da Constituição de 1988. Outro exemplo: uma lei passa a

permitir a aquisição de imóvel público mediante usucapião, em afronta ao

disposto nos artigos 183, § 3º, e 191, parágrafo único, ambos da Constituição5.

Tanto a inconstitucionalidade formal quanto a inconstitucionalidade

material ou substancial ensejam o controle de constitucionalidade e a posterior

exclusão da norma jurídica incompatível do ordenamento jurídico.

4. ESPÉCIES DE CONTROLE DE CONSTITUCINALIDADE:

PREVENTIVO E REPRESSIVO

O controle de constitucionalidade pode ser preventivo e repressivo. Há

duas espécies de controle, portanto, no direito brasileiro: o controle durante o

magistrado, por não constituir verdadeiramente uma lei.‖ (CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA. Instituições de direito civil. Volume I, 12ª ed., 1991, p. 148). 4 Eis alguns exemplos colhidos na jurisprudência: ―Provimento de Tribunal de Justiça que proíbe os juízes

de se ausentarem das comarcas, sob pena de perda dos subsídios: matéria reservada à Lei Complementar. Procedência da ação direta para declarar a inconstitucionalidade formal do provimento impugnado‖ (ADI nº 3.053/PA, Pleno do STF, Diário da Justiça de 17 de dezembro de 2004, p. 32). ―— O desrespeito à cláusula de iniciativa reservada das leis, em qualquer das hipóteses taxativamente previstas no texto da Carta Política, traduz situação configuradora de inconstitucionalidade formal, insuscetível de produzir qualquer conseqüência válida de ordem jurídica. A usurpação da prerrogativa de iniciar o processo legislativo qualifica-se como ato destituído de qualquer eficácia jurídica, contaminando, por efeito de repercussão causal prospectiva, a própria validade constitucional da lei que dele resulte‖ (ADI nº 2.364/AL – MC, Pleno do STF, Diário da Justiça de 14 de dezembro de 2001, p. 23). 5 Eis alguns exemplos colhidos na jurisprudência: ―— Por outro lado, procede, também, a argüição de

inconstitucionalidade material do artigo 3º da mesma Lei Distrital, porquanto ele determina que, nos novos cargos de fiscal tributário, haja o aproveitamento dos servidores dos cargos extintos de técnico tributário, sem, portanto, a prévia aprovação em concurso público de provas ou de provas e títulos como exige, para a investidura, que não mais se limita à primeira, de cargo ou emprego público, o disposto no inciso II do artigo 37 da Constituição‖ (ADI nº 1.677/DF, Pleno do STF, Diário da Justiça de 28 de março de 2003, p. 61). ―Há, porém, vício de inconstitucionalidade material, pois o inciso III do § 3º artigo 18 da lei contém requisito relativo a limites mínimo e máximo de idade, para nomeação de Advogado a cargo de Magistrado de Tribunal Estadual, não prevista no inciso IV do artigo 144 da Constituição Federal‖ (RP nº 1.202/MG, Pleno do STF, Diário da Justiça de 5 de dezembro de 1986, p. 24.079).

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processo legislativo, antes do ingresso da norma jurídica no ordenamento,

denominado ―controle preventivo‖; e o controle após o ingresso da norma no

ordenamento jurídico, depois da promulgação e da publicação da norma

jurídica, denominado ―controle repressivo‖.

O controle preventivo pode ser realizado pelo Poder Legislativo, por

meio das Comissões de Constituição e Justiça da Câmara e do Senado,

durante a tramitação dos projetos nas respectivas Casas, pelo Poder

Executivo, porquanto o Presidente da República pode opor veto jurídico aos

projetos de lei em razão de inconstitucionalidade, e também pelo Poder

Judiciário, quando acionado por congressista na defesa de direitos subjetivos

provenientes do processo legislativo disciplinado na Constituição6. Nas três

hipóteses, portanto, há controle de constitucionalidade preventivo, já que

realizado durante o processo legislativo, vale dizer, antes do ingresso da norma

jurídica no ordenamento.

Já o controle repressivo tem lugar depois do ingresso da norma no

ordenamento jurídico. Em regra, o controle de constitucionalidade repressivo é

realizado pelo Poder Judiciário, tanto de forma difusa quanto de forma

concentrada. No controle difuso todos os juízes e tribunais têm competência

para a análise de compatibilidade das normas jurídicas à luz das Constituições

Federal e Estaduais, nos julgamentos dos casos concretos, em processos que

versam sobre direitos subjetivos. Já o controle concentrado tem lugar apenas

no Supremo Tribunal Federal e nos Tribunais de Justiça, para a aferição de

compatibilidade das normas jurídicas à luz das Constituições Federal e

Estaduais em sede de ações originárias da competência da Corte Suprema e

dos Tribunais de Justiça, conforme o caso.

A despeito de a regra ser o controle de constitucionalidade repressivo

realizado pelo Poder Judiciário, de forma difusa e concentrada, também há o

controle de constitucionalidade repressivo exercido pelo Poder Legislativo. Por

exemplo, as medidas provisórias podem ser rejeitadas no Congresso em razão

6 ―CONSTITUCIONAL. MESA DO CONGRESSO NACIONAL. SUBSTITUIÇÃO DO PRESIDENTE.

MANDADO DE SEGURANÇA. LEGITIMIDADE ATIVA DE MEMBRO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS EM FACE DA GARANTIA DO DEVIDO PROCESSO LEGISLATIVO. HISTÓRIA CONSTITUCIONAL DO PODER LEGISLATIVO DESDE A ASSEMBLÉIA GERAL DO IMPÉRIO. ANÁLISE DO SISTEMA BRASILEIRO BICAMERALISMO. CONSTITUIÇÃO DE 1988. INOVAÇÃO - ART. 57 §5º. COMPOSIÇÃO. PRESIDÊNCIA DO SENADO E PREENCHIMENTO DOS DEMAIS CARGOS PELOS EQUIVALENTES EM AMBAS AS CASAS, OBSERVADA A ALTERNÂNCIA. MATÉRIA DE ESTRITA INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL. COMPETÊNCIA DESTE TRIBUNAL. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAR NORMA INTERNA - REGIMENTO DO SENADO FEDERAL - PARA INTERPRETAR A CONSTITUIÇÃO. SEGURANÇA CONCEDIDA.‖ (MS nº 24.041/DF, Pleno do STF, Diário da Justiça de 11 de abril de 2003, p. 28). ―CONSTITUCIONAL. PODER LEGISLATIVO: ATOS: CONTROLE JUDICIAL. MANDADO DE SEGURANÇA. PARLAMENTARES. I. - O Supremo Tribunal Federal admite a legitimidade do parlamentar - e somente do parlamentar - para impetrar mandado de segurança com a finalidade de coibir atos praticados no processo de aprovação de lei ou emenda constitucional incompatíveis com disposições constitucionais que disciplinam o processo legislativo. II. - Precedentes do STF: MS 20.257/DF, Ministro Moreira Alves (leading case) (RTJ 99/1031); MS 20.452/DF, Ministro Aldir Passarinho (RTJ 116/47); MS 21.642/DF, Ministro Celso de Mello (RDA 191/200); MS 24.645/DF, Ministro Celso de Mello, ‗D.J.‘ de 15.9.2003; MS 24.593/DF, Ministro Maurício Corrêa, ‗D.J.‘ de 08.8.2003; MS 24.576/DF, Ministra Ellen Gracie, "D.J." de 12.9.2003; MS 24.356/DF, Ministro Carlos Velloso, ‗D.J.‘ de 12.9.2003.‖ (MS nº 24.667/DF – AgRg, Pleno do STF, Diário da Justiça de 23 de abril de 2004, p. 8).

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de inconstitucionalidade formal e material. Outro exemplo: à vista do artigo 49,

inciso V, da Constituição, as leis delegadas podem ser sustadas pelo

Congresso em razão de inconstitucionalidade formal e material.

Enfim, embora o controle de constitucional repressivo resida na

competência do Poder Judiciário, não o é de forma exclusiva, já que o Poder

Legislativo também tem competência para rejeitar e sustar algumas normas

jurídicas contaminadas por inconstitucionalidade.

5. CONTROLE REPRESSIVO DE CONSTITUCIONALIDADE

JURISDICIONAL: CONTROLE DIFUSO E CONTROLE CONCENTRADO

5.1. INTRODUÇÃO

Em linhas gerais, há dois tipos de controle jurisdicional de

constitucionalidade das leis e dos atos normativos do poder público no Brasil: o

controle difuso e o controle concentrado. Com efeito, o sistema de controle de

constitucionalidade brasileiro é eclético, misto, híbrido, por conter dois

diferentes métodos de controle de constitucionalidade7. Vale ressaltar que os

dois sistemas foram introduzidos no direito brasileiro em momentos distintos:

primeiro foi consagrado o modelo ―estadunidense‖ de controle difuso, com a

promulgação da Constituição de 1891; mais de meio século depois, com a

promulgação da Emenda nº 16, de 1965, à Constituição de 1946, houve a

introdução do modelo denominado ―austríaco-kelseniano‖ de controle

concentrado, a partir do julgamento em abstrato da compatibilidade das leis e

dos atos normativos à luz da Constituição. Desde a Emenda nº 16, de 1965,

portanto, ambos os modelos coexistem no direito brasileiro.

O ―controle difuso‖ também é denominado ―controle por via de defesa‖ e

―controle por via de exceção‖, porquanto tem lugar em processos que versam

sobre a defesa de direitos subjetivos e é exercido por todos os juízes e

tribunais, sem distinção.

O controle difuso de constitucionalidade é realizado incidentalmente8,

como verdadeira questão prejudicial, inserida no bojo de causa que é o objeto

principal de processo em tramitação perante juízo de primeiro ou algum

7 No mesmo sentido, na doutrina: ADHEMAR MACIEL. Observações sobre o controle de

constitucionalidade. O Direito. 1998, p.180; BARBOSA MOREIRA. Comentários. Volume V, 7ª ed., 1998, p. 33; CELSO BASTOS. Comentários. Volume IV, tomo III, 1997, p. 18; ERNANE FIDÉLIS. O controle. Revista dos Tribunais, volume 661, p. 30; JOSÉ AFONSO DA SILVA. Curso. 16ª ed., 1999, p. 555 e 556; PAULO BONAVIDES. Curso. 8ª ed., 1999, p. 293; e VICENTE GRECO FILHO. Direito. Volume II, 11ª ed., 1996, p. 376 e 377. A propósito, merece ser prestigiado o pronunciamento do Ministro CARLOS VELLOSO: ―Temos, pois, os dois tipos de controle de constitucionalidade, o que possibilita ao Supremo Tribunal Federal realizar o equilíbrio entre ambos, explorando as vantagens e minimizando as desvantagens de um e de outro, o que faz do sistema misto brasileiro um dos mais avançados e democráticos do mundo.‖ (Supremo Tribunal Federal. Revista Del Rey, número 12, p. 18) (grifos aditados). 8 Vale dizer, incidenter tantum.

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tribunal, para o julgamento de caso concreto9. É o que se dá nos processos de

mandado de segurança, de ação civil pública, de habeas corpus, quando o

julgamento do pedido depende da análise de compatibilidade de alguma norma

jurídica em relação à Constituição. Um exemplo pode facilitar a compreensão

da teoria exposta: imagine-se um processo de mandado de segurança

impetrado por contribuinte, para o efeito de se ver livre de tributo cuja

legislação de regência é considerada inconstitucional (pelo impetrante), a

despeito da expedição do boleto de cobrança pela autoridade tributária

municipal e depois enviado ao endereço do impetrante. Antes de julgar o

pedido de segurança procedente, para dispensar o contribuinte do

recolhimento da exação e determinar que autoridade municipal não cobre o

tributo em relação ao impetrante no exercício fiscal sob julgamento, o juiz

primeiro precisa resolver a questão prejudicial relativa à alegada

inconstitucionalidade da lei de regência do tributo. Só então, à vista da solução

da questão prejudicial, poderá (o juiz) julgar se o pedido de segurança é

procedente ou improcedente, conforme a lei seja inconstitucional ou

constitucional, respectivamente10. Outro exemplo: imagine-se a impetração de

9 A propósito, autorizadas doutrina e jurisprudência sustentam que o juiz de primeiro grau não chega a

declarar a inconstitucionalidade da lei, como ocorre nos diversos tribunais, em razão da competência exclusiva conferida pelo artigo 97 da Constituição de 1988; o juiz de primeiro grau apenas afasta a aplicação da lei que considerar inconstitucional: ―A diferença é que o magistrado de primeiro grau não declara nenhuma inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, apenas afasta a sua aplicação e decide a causa segundo o seu convencimento‖ (JOÃO BATISTA DE ALMEIDA. A proteção jurídica. 2000, p. 246; não há o grifo no original). Assim, na jurisprudência: ―Somente aos Tribunais (órgãos judiciários colegiados) compete a declaração incidental de inconstitucionalidade de lei (total ou parcial)‖. ―Somente os Tribunais podem declarar incidentalmente a inconstitucionalidade de lei ou dispositivo de lei. Ao Juízo de 1º Grau, não. Se se entender que a lei ofende a Constituição ele apenas deixa de aplicá-la.‖ (Apelação n. 1999.01.00.048552-4/MG, 1ª Turma do TRF da 1ª Região; não há o grifo no original). Não obstante, há precedente da Corte Suprema em prol da tese segundo a qual o próprio juiz de primeiro grau também tem competência para a efetiva declaração da inconstitucionalidade da lei: ―— O controle de constitucionalidade por via incidental se impõe toda vez que a decisão da causa o reclame, não podendo o juiz julgá-la com base em lei que tenha por inconstitucional, senão declará-la em prejudicial, para ir ao objeto do pedido.‖ (RE n. 89.553/GO, 1ª Turma do STF; sem os grifos no original). Reforça o voto do Ministro RAFAEL MAYER: ―De qualquer modo, o controle de constitucionalidade, por via incidental, se impõe toda vez que a decisão da causa reclame, necessariamente, o equacionamento dessa premissa, não podendo o Juiz julgar com base em lei que tem por inconstitucional, senão tem o dever de assim declará-la em prejudicial para ir ao objeto do pedido, sob pena de denegar a prestação jurisdicional.‖ (não há o grifo no original). Ainda que muito interessante a discussão acerca da competência do juiz de primeiro grau para declarar efetivamente a inconstitucionalidade da lei ou apenas negar a sua aplicação ao caso concreto, a vexata quaestio está restrita ao plano acadêmico, sem nenhuma implicação sob o enfoque pragmático, já que ambas as correntes reconhecem que o próprio juiz a quo tem competência

para afastar desde logo a lei considerada inconstitucional no julgamento do caso concreto em primeira instância, sem necessidade da instauração de incidente, muito menos qualquer outra atuação prévia do tribunal. Por mais interessante que seja, trata-se de debate puramente acadêmico, porquanto os resultados práticos de ambas as correntes são exatamente os mesmos. Feita a ressalva da ausência de consequência de ordem pragmática, já é possível concluir que, do ponto de vista acadêmico, a primeira tese parece ser a melhor: tudo indica que o artigo 97 da Constituição e os artigos 480 e 481 do Código de Processo Civil permitem a conclusão de que apenas os tribunais têm competência para a declaração formal da inconstitucionalidade das leis e atos normativos; ao juiz de primeiro grau cabe apenas o afastamento no caso concreto, quando deixa de aplicar a lei ou o ato normativo à espécie, mas sem a declaração formal da inconstitucionalidade. 10

Colhe-se exemplo semelhante na jurisprudência: ―RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE EM SEDE DE MANDAMUS. POSSIBILIDADE. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA LIVRE INICIATIVA E INCENTIVO À CULTURA. ARTS. 170 E 216 DA CF/88. INTERPRETAÇÃO. PROPORCIONALIDADE. OCORRÊNCIA. EXIGÊNCIA DE REGULAMENTAÇÃO. ART. 4° DA LEI Nº 2.519/96. REVOGAÇÃO. LEI ESTADUAL Nº 4.161/03. COISA JULGADA. IDENTIDADE DE AÇÕES. INEXISTÊNCIA. 1. Para apreciar o writ, o magistrado

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habeas corpus, para o fim de relaxamento de prisão, ao fundamento de que a

lei de regência do crime é inconstitucional, em razão de vício formal. Para o

julgamento do writ e a concessão da ordem de soltura, primeiro é preciso saber

se a lei de tipificação do crime é inconstitucional, ou não. Trata-se de questão

prejudicial necessária para o desate da causa.

A suscitação da inconstitucionalidade da lei ou do ato normativo pode ser

dar até mesmo de ofício por qualquer juiz, desembargador ou ministro

competente para julgar a causa, quando for necessário o exame da

compatibilidade da lei ou do ato normativo de regência do caso concreto, para

decidir a espécie sub iudice.

No mais das vezes, portanto, os julgamentos proferidos em controle

difuso só têm efeitos ex tunc e inter partes. Não obstante, o Supremo Tribunal

Federal pode, em grau de recurso extraordinário, de recurso ordinário ou em

julgamento de outra via processual de controle difuso, modular o efeito do

reconhecimento da inconstitucionalidade, para que seja ex nunc ou a partir de

determinado momento que garanta maior segurança jurídica11. Ademais, o

Senado também pode, com fundamento no artigo 52, inciso X, da Constituição,

aprovar resolução para ampliar o alcance subjetivo de julgamento definitivo

proferido pelo Supremo Tribunal Federal em sede de controle difuso, a fim de

que terceiros também sejam alcançados, com a produção, portanto, de efeito

erga omnes.

Vale ressaltar, todavia, que a resolução do Senado retira a eficácia da

norma jurídica, mas não a revoga nem a exclui do ordenamento jurídico; a

norma subsiste no ordenamento jurídico, mas sem eficácia alguma, até mesmo

em relação a terceiros. Só o Supremo Tribunal Federal, em sede de controle

concentrado, pode reconhecer a nulidade de norma jurídica proveniente da

inconstitucionalidade, com o condão de excluir desde logo a lei ou o ato

normativo inconstitucional do ordenamento jurídico. A competência do Senado

prevista no inciso X do artigo 52 da Constituição autoriza apenas a suspensão

da eficácia de norma jurídica julgada inconstitucional pelo Supremo Tribunal

Federal em sede de controle difuso. Para a revogação de alguma lei ou ato

normativo e a exclusão, em definitivo, da respectiva norma do ordenamento

jurídico, os Senadores precisam instaurar o processo legislativo adequado, à

vista dos artigos 59 a 69 da Constituição, conforme a espécie da norma

necessariamente examina o embase jurídico do ato praticado pela Administração Pública, a fim de, posteriormente, julgar a ocorrência ou não de violação do direito líquido e certo do particular. Em conseqüência, inexiste óbice para a declaração incidental de inconstitucionalidade da lei analisada, ainda que em ação mandamental. Precedentes.‖ (RMS nº 19.524/RJ, 2ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 26 de setembro de 2005, p. 272). 11

Cf. artigo 27 da Lei nº 9.868, de 1999: ―Art. 27. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado‖. À vista do preceito, também aplicável ao controle difuso por força da interpretação analógica, o Supremo Tribunal Federal pode afastar a regra do efeito ex tunc e determinar a produção do efeito ex nunc ou, ainda, a partir de outro momento (cf. RE nº 500.171/GO – EDcl, Pleno do STF, Diário da Justiça Eletrônico de 2 de junho de 2011).

Page 16: BERNARDO PIMENTEL SOUZA - DAS       AÇÕES CONSTITUCIONAIS

jurídica. A hipótese prevista no artigo 52, inciso X, portanto, não implica

revogação de norma jurídica nem exclusão do ordenamento jurídico, mas

apenas ineficácia erga omnes, a partir da resolução senatorial.

Em suma, o controle difuso se dá em processos que versam sobre litígios

concretos submetidos à jurisdição dos juízes de primeiro grau e dos tribunais

em geral, a fim de que possam realizar, até mesmo de ofício, o exame da

compatibilidade das leis e dos atos normativos à luz das Constituições Federal

e do respectivo Estado-membro12, de forma incidental, para o julgamento das

causas relativas a direitos subjetivos, com efeitos ex tunc e inter partes13.

Em contraposição, o ―controle concentrado‖ só tem lugar no Supremo

Tribunal Federal e nos Tribunais de Justiça, mediante julgamento de ações de

competência originária daquelas Cortes, motivo pelo qual também é

denominado ―controle por via de ação‖. Com efeito, à vista dos artigos 102,

inciso I, alínea ―a‖, 103 e 125, § 2º, da Constituição Federal, reforçados pela Lei

nº 9.868, de 1999, o controle concentrado é exercido ―por via de ação‖ perante

o Supremo Tribunal Federal e os Tribunais de Justiça, respectivamente.

No que tange às características do controle concentrado, a questão

constitucional é a questão principal da ação e do respectivo pedido:

principaliter. No mais das vezes, os julgamentos proferidos em controle

concentrado têm efeitos ex tunc, erga omnes e vinculante. Em outros termos,

os julgamentos realizados em controle concentrado geralmente têm efeito

retroativo, desde o ingresso da norma no ordenamento jurídico, alcança as

pessoas em geral, até mesmo os terceiros em relação ao processo, e é

obrigatório para todas as pessoas jurídicas e órgãos do Poder Executivo, tanto

da administração direta quanto da indireta, bem como para todos os juízes e

tribunais do país. São, em suma, as características do controle concentrado e

das respectivas ações, quais sejam: ação direta de inconstitucionalidade, ação

declaratória de constitucionalidade, ação de arguição de descumprimento de

preceito fundamental, ação de inconstitucionalidade por omissão e ação de

representação interventiva.

5.2. RESERVA DE PLENÁRIO

Ainda em relação ao controle repressivo de constitucionalidade

jurisdicional, há dois aspectos que merecem destaque: a reserva de plenário e

o reconhecimento da inconstitucionalidade condicionado à votação por maioria

absoluta.

12

No Distrito Federal, a Lei Orgânica do Distrito Federal. 13

De acordo, na doutrina: ADA GRINOVER. Controle de constitucionalidade. Revista de Processo, volume 90, p. 11 e 14; BARBOSA MOREIRA. Comentários. Volume V, 7ª ed., 1998, p. 31, 33 e 34; CELSO BASTOS. Comentários. Volume IV, tomo III, 1997, p. 82; ERNANE FIDÉLIS. O controle. Revista dos Tribunais, volume 661, p. 29; JOSÉ AFONSO DA SILVA. Curso. 16ª ed., 1999, p. 556 e 559; MANUEL ALCEU AFFONSO FERREIRA. Do processo nos tribunais. 1974, p. 158 e 159; PAULO BONAVIDES. Curso. 8ª ed., 1999, p. 279, nota 19; e VICENTE GRECO FILHO. Direito. Volume II, 11ª ed., 1996, p. 377 e 378.

Page 17: BERNARDO PIMENTEL SOUZA - DAS       AÇÕES CONSTITUCIONAIS

No que tange à reserva de plenário, a exigência só tem lugar nos

julgamentos realizados nos tribunais, tanto no controle difuso quanto no

controle concentrado. Em contraposição, no controle de constitucionalidade

efetuado por juiz de primeiro grau –, de natureza difusa, portanto –, não há a

incidência da regra da reserva de plenário, porquanto o julgamento da questão

prejudicial referente à inconstitucionalidade da lei ou do ato normativo objeto da

demanda é da competência do próprio juiz de primeiro grau14. Em suma, a

regra da reserva de plenário só é aplicável aos julgamentos proferidos nos

tribunais, tanto difuso quanto concentrado.

A reserva de plenário é a regra consagrada no artigo 97 da Constituição

Federal, por força da qual apenas os Plenários e os Órgãos Especiais dos

Tribunais podem declarar a inconstitucionalidade das leis e dos atos

normativos, em caráter definitivo, nos julgamentos proferidos tanto em controle

difuso quanto em controle concentrado. Com efeito, à vista da combinação dos

artigos 93, inciso XI, e 97 da Constituição Federal, além dos Plenários dos

Tribunais, os respectivos Órgãos Especiais também têm competência para a

declaração de inconstitucionalidade das leis e dos atos normativos em caráter

definitivo, nos Tribunais com mais de vinte e cinco Juízes, Desembargadores

ou Ministros, conforme a composição e a natureza de cada Corte Judiciária.

14

A propósito, autorizadas doutrina e jurisprudência sustentam que o juiz de primeiro grau não chega a declarar a inconstitucionalidade da lei, como ocorre nos diversos tribunais, em razão da competência exclusiva conferida pelo artigo 97 da Constituição de 1988; o juiz de primeiro grau apenas afasta a aplicação da lei que considerar inconstitucional: ―A diferença é que o magistrado de primeiro grau não declara nenhuma inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, apenas afasta a sua aplicação e decide a causa segundo o seu convencimento‖ (JOÃO BATISTA DE ALMEIDA. A proteção jurídica. 2000, p. 246; não há o grifo no original). No mesmo sentido, na jurisprudência: ―Somente aos Tribunais (órgãos judiciários colegiados) compete a declaração incidental de inconstitucionalidade de lei (total ou parcial)‖. ―Somente os Tribunais podem declarar incidentalmente a inconstitucionalidade de lei ou dispositivo de lei. Ao Juízo de 1º Grau, não. Se se entender que a lei ofende a Constituição ele apenas deixa de aplicá-la.‖ (Apelação n. 1999.01.00.048552-4/MG, 1ª Turma do TRF da 1ª Região; não há o grifo no original). Não obstante, há precedente da Corte Suprema em prol da tese segundo a qual o próprio juiz de primeiro grau também tem competência para a efetiva declaração da inconstitucionalidade da lei: ―— O controle de constitucionalidade por via incidental se impõe toda vez que a decisão da causa o reclame, não podendo o juiz julgá-la com base em lei que tenha por inconstitucional, senão declará-la em prejudicial, para ir ao objeto do pedido.‖ (RE n. 89.553/GO, 1ª Turma do STF; sem os grifos no original). Reforça o voto do Ministro RAFAEL MAYER: ―De qualquer modo, o controle de constitucionalidade, por via incidental, se impõe toda vez que a decisão da causa reclame, necessariamente, o equacionamento dessa premissa, não podendo o Juiz julgar com base em lei que tem por inconstitucional, senão tem o dever de assim declará-la em prejudicial para ir ao objeto do pedido, sob pena de denegar a prestação jurisdicional.‖ (não há o grifo no original). Ainda que muito interessante a discussão acerca da competência do juiz de primeiro grau para declarar efetivamente a inconstitucionalidade da lei ou apenas negar a sua aplicação ao caso concreto, a vexata quaestio está restrita ao plano acadêmico, sem nenhuma implicação sob o enfoque pragmático, já que ambas as correntes reconhecem que o próprio juiz a quo tem competência para afastar desde logo a lei considerada inconstitucional no julgamento do caso concreto em primeira instância, sem necessidade da instauração de incidente, muito menos qualquer outra atuação prévia do tribunal. Por mais interessante que seja, trata-se de debate puramente acadêmico, porquanto os resultados práticos de ambas as correntes são exatamente os mesmos. Feita a ressalva da ausência de consequência de ordem pragmática, já é possível concluir que, do ponto de vista acadêmico, a primeira tese parece ser a melhor: tudo indica que o artigo 97 da Constituição e os artigos 480 e 481 do Código de Processo Civil permitem a conclusão de que apenas os tribunais têm competência para a declaração formal da inconstitucionalidade das leis e atos normativos; ao juiz de primeiro grau cabe apenas o afastamento no caso concreto, quando deixa de aplicar a lei ou o ato normativo à espécie, mas sem a declaração formal da inconstitucionalidade.

Page 18: BERNARDO PIMENTEL SOUZA - DAS       AÇÕES CONSTITUCIONAIS

Além da previsão no artigo 97 da Constituição Federal, o princípio da

reserva de plenário também está consagrado no enunciado vinculante nº 10 da

Súmula do Supremo Tribunal Federal, de forma a impedir a declaração da

inconstitucionalidade e o afastamento da incidência das leis e dos atos

normativos em geral pelas próprias Turmas, Câmaras e Seções dos diversos

Tribunais, com usurpação da competência constitucional conferida ao Plenário

ou ao Órgão Especial, ainda que de forma indireta ou transversa. Por oportuno,

vale conferir o teor do preciso enunciado sumular vinculante nº 10: ―Viola a

cláusula de reserva de plenário (CF, artigo 97) a decisão de órgão fracionário

de tribunal que, embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de

lei ou ato normativo do poder público, afasta a sua incidência, no todo ou em

parte‖.

Sem dúvida, órgãos fracionários como Turmas, Câmaras, Seções e

Grupos de Câmaras dos Tribunais não têm competência para a declaração de

inconstitucionalidade propriamente dita nem para o afastamento da incidência

das leis e os atos normativos considerados inconstitucionais, sem o prévio

julgamento da questão no Plenário ou no Órgão Especial dos respectivos

Tribunais. Reconhecida a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo em

controle difuso exercido nos órgãos fracionários dos Tribunais, o julgamento

deve ser suspenso na Turma, Câmara, Seção ou Grupo de Câmaras, com a

instauração do ―incidente de inconstitucionalidade‖ previsto nos artigos 480,

481, caput, in fine, e 482, caput e parágrafos, todos do Código de Processo

Civil, a fim de que a questão constitucional seja submetida ao Plenário ou ao

Órgão Especial do respectivo Tribunal, tendo em vista a regra estampada no

artigo 97 da Constituição Federal15.

Não obstante, a regra – consubstanciada na necessidade da submissão

da arguição da inconstitucionalidade ao Plenário ou ao Órgão Especial dos

Tribunais – comporta exceção, conforme revela o parágrafo único do artigo 481

do Código de Processo Civil, aplicável quando já há precedente específico do

Plenário da Corte Suprema ou do Pleno ou Órgão Especial do próprio Tribunal

sobre a mesma questão constitucional. Na excepcional hipótese do parágrafo

único do artigo 481 do Código de Processo Civil, as Turmas, Câmaras, Seções

e Grupos dos Tribunais têm competência para o julgamento imediato, com a

declaração de inconstitucionalidade desde logo, sem necessidade da

transferência da questão para o Plenário ou Órgão Especial do respectivo

Tribunal. Com efeito, só é possível o julgamento imediato e definitivo no órgão

fracionário, com a declaração da inconstitucionalidade ou o afastamento da

incidência da lei ou do ato normativo, quando já existe precedente do Plenário

do Supremo Tribunal Federal ou do Pleno ou Órgão Especial do próprio

Tribunal, a ser evocado como fundamento no posterior julgamento realizado na

15

Daí a conclusão: o denominado ―incidente de inconstitucionalidade‖ é o incidente processual que tem lugar no curso dos julgamentos realizados em controle difuso de constitucionalidade nos órgãos fracionários dos Tribunais, cujo escopo é a transferência da questão constitucional das Turmas, Câmaras, Seções ou Câmaras Reunidas rumo ao Plenário ou Órgão Especial.

Page 19: BERNARDO PIMENTEL SOUZA - DAS       AÇÕES CONSTITUCIONAIS

Turma, na Câmara, na Seção ou no Grupo de Câmaras, conforme o caso.

Trata-se de importante exemplo de aplicação dos princípios constitucionais da

economia e da celeridade processuais, em homenagem ao artigo 5º, inciso

LXXXIV, sem desrespeito nem prejuízo ao artigo 97 da Constituição.

5.3. MAIORIA ABSOLUTA

Ainda à vista do artigo 97 da Constituição Federal, a

inconstitucionalidade de lei ou ato normativo só pode ser declarada pelo voto

da maioria absoluta dos magistrados que integram o órgão jurisdicional máximo

do Tribunal16, vale dizer, do Plenário ou do Órgão Especial, conforme o artigo

93, inciso XI, da Constituição. Trata-se de formalidade que é comum aos

controles difuso e concentrado: pouco importa a natureza do controle em

julgamento; a inconstitucionalidade só pode ser declarada após deliberação da

maioria absoluta17.

Maioria absoluta é o primeiro número inteiro logo após a metade dos

componentes do Pleno ou do Órgão Especial do Tribunal18 — e não metade

mais um. No Supremo Tribunal Federal, por exemplo, Corte composta por onze

Ministros, tem-se a maioria absoluta pelo voto de seis Ministros no mesmo

rumo, com igual opinião sobre a questão constitucional em julgamento. É o que

bem estabelece o artigo 173 do Regimento Interno da Corte Suprema.

Vale ressaltar que a exigência da maioria absoluta para a declaração de

inconstitucionalidade não se confunde com a exigência do ―quorum

constitutivo‖, isto é, o quorum mínimo indispensável para a simples realização

do julgamento. Um exemplo pode facilitar a compreensão da teoria: no

Supremo Tribunal Federal, o quorum constitutivo de julgamento no Plenário

acerca de matéria constitucional é de oito Ministros. Basta, todavia, a maioria

absoluta para a declaração de inconstitucionalidade. Por conseguinte, a

16

De acordo, na doutrina: JOSÉ CRETELLA JÚNIOR. Comentários à Constituição. 3ª ed., 1992, p. 3.040: ―Determina a regra jurídica constitucional que, do mesmo modo que a lei, poderá todo ato normativo do poder público ser declarado inconstitucional pelo voto da maioria absoluta dos membros (não dos presentes) integrantes do colegiado julgador do anátema argüido.‖ (não há o grifo no original). 17

Não é demais ressaltar que o raciocínio exposto no texto não é aplicável na hipótese de controle difuso exercido em juízo de primeiro grau de jurisdição, porquanto o julgamento se dá de forma monocrática, o que afasta, à evidência, a regra consagrada no artigo 97 da Constituição. 18

Com igual opinião, na doutrina: BARBOSA MOREIRA. Comentários ao Código. Volume V, 7ª ed., 1998, p. 45; CELSO RIBEIRO BASTOS. Comentários à Constituição. Volume IV, tomo III, 1997, p. 81; e MÁRIO GUIMARÃES. O juiz e a função jurisdicional. 1958, p. 374: ―Maioria absoluta, ensina-se geralmente, é a metade mais um. A definição falha, porém, quando o número de votantes fôr ímpar — 11, por exemplo. Qual, então, a maioria absoluta? Seis ou sete? Viu-se o Supremo Tribunal Federal, várias vêzes, em face dessa dificuldade e decidiu que maioria absoluta de 11 é seis. Exigir que fôsse sete, seria fazer prevalecer, sôbre o voto dos seis juízes que votaram num sentido, a opinião dos cinco, que ficaram derrotados. Maioria absoluta é, pois, mais rigorosamente definido, a representada pelo número imediatamente superior à metade‖. Ainda no mesmo sentido, na jurisprudência: RE nº 68.419/MA, Pleno do STF, Diário da Justiça de 15 de maio de 1970, p. 1.981: ―Maioria absoluta. Sua definição, como significando metade mais um, serve perfeitamente quando o total é número par. Fora daí, temos que recorrer à verdadeira definição, a qual, como advertem SCIALOJA e outros, deve ser esta, que serve, seja par ou ímpar o total: maioria absoluta é o número imediatamente superior à metade. Assim, maioria absoluta de quinze são oito, do mesmo modo que, de onze (número de juízes do Supremo Tribunal), são seis, e sobre isso não se questiona, nem se duvida aqui.‖ (não há o grifo no original).

Page 20: BERNARDO PIMENTEL SOUZA - DAS       AÇÕES CONSTITUCIONAIS

declaração de inconstitucionalidade depende do voto de seis Ministros19. É o

que se infere do disposto nos artigos 143, parágrafo único, e 173 do Regimento

Interno da Corte Suprema.

Outro exemplo: à vista do parágrafo único do artigo 172 do Regimento

Interno do Superior Tribunal de Justiça, para a realização do julgamento pela

Corte Especial há necessidade da presença de dois terços dos respectivos

membros. Como a Corte Especial é composta por quinze Ministros20, o quorum

constitutivo é de dez Ministros. Não obstante, a inconstitucionalidade pode ser

declarada pelo voto da maioria absoluta dos componentes da Corte Especial.

Por conseguinte, o quorum deliberativo para a declaração da

inconstitucionalidade é de oito Ministros, vale dizer, primeiro número inteiro

após a metade dos quinze Ministros integrantes da Corte Especial. Sem

dúvida, para a declaração da inconstitucionalidade, entretanto, basta a maioria

absoluta: oito Ministros contrários à lei ou ao ato normativo do poder público.

Por fim, vale ressaltar que a maioria absoluta é exigência constitucional

apenas para a declaração da inconstitucionalidade de lei ou de ato normativo

do poder público. A declaração da constitucionalidade dispensa a formação da

maioria absoluta, em virtude da presunção da constitucionalidade das leis e

dos atos normativos. Só a quebra da presunção da constitucionalidade é que

depende da formação da maioria absoluta do Plenário ou do Órgão Especial do

Tribunal, conforme o caso. A declaração da constitucionalidade, todavia, pode

se dar pela maioria simples ou relativa; não há desrespeito algum ao artigo 97

da Constituição, portanto, na eventualidade de um julgamento declaratório de

constitucionalidade ser tomado por maioria simples ou relativa.

5.4. CONTROLE REPRESSIVO DE CONSTITUCIONALIDADE

JURISDICIONAL: CONTROLE CONCENTRADO

A competência originária prevista no inciso I do artigo 102 da Constituição

Federal significa que o Supremo Tribunal Federal julga em primeiro e único

grau de jurisdição, porquanto o julgamento ocorre apenas e diretamente no

âmbito da Corte Suprema, sem que a causa tenha sido antes decidida por

nenhum outro tribunal, nem por juízo de primeiro grau.

A principal competência originária do Supremo Tribunal Federal diz

respeito ao processamento e julgamento das cinco ações de controle

concentrado de constitucionalidade, quais sejam: – a ação direta de

inconstitucionalidade (de lei ou ato normativo federal ou estadual)21; – a ação

19

Assim, na doutrina: SYDNEY SANCHES. Aspectos processuais do controle de constitucionalidade. 1996, p. 69: ―No Supremo Tribunal Federal, integrado por onze ministros, o julgamento se realiza com quorum (mínimo) de oito e a constitucionalidade ou inconstitucionalidade somente se declara se num ou noutro sentido se tiverem manifestado seis Ministros (art. 173 do RISTF)‖ (não há o grifo no original). ―É de seis, a maioria absoluta dos juízes do Supremo Tribunal para declarar a invalidade de leis atentatórias da Constituição‖ (RP nº 106/GO, Pleno do STF, Diário da Justiça de 27 de setembro de 1951, p. 2.989; não há o grifo no original). 20

Cf. Emenda Regimental nº 9, de 2008. 21

Cf. artigo 102, inciso I, letra ―a‖, e artigo 103, caput, ambos da Constituição.

Page 21: BERNARDO PIMENTEL SOUZA - DAS       AÇÕES CONSTITUCIONAIS

declaratória de constitucionalidade (de lei ou ato normativo federal)22; – a ação

de arguição de descumprimento de preceito fundamental (de leis e atos

normativos federais, estaduais, municipais anteriores à Constituição de 1988 e

de leis e atos normativos municipais incompatíveis com a Constituição

vigente)23; – a ação direta de inconstitucionalidade por omissão24; – a ação

direta de inconstitucionalidade interventiva, também denominada ―ação de

intervenção‖ e ―representação interventiva‖25.

Com efeito, são cinco as ações que integram o controle concentrado de

constitucionalidade da competência originária do Supremo Tribunal Federal.

Não obstante, além do controle concentrado de constitucionalidade exercido

em virtude das citadas ações arroladas na competência originária do Supremo

Tribunal Federal, vale ressaltar que a Corte Suprema também exerce controle

difuso, em julgamento de recursos ordinário e extraordinário, previstos nos

incisos II e III do mesmo artigo 102 da Constituição, respectivamente26.

Por fim, além do concreto concentrado de constitucionalidade da

competência do Supremo Tribunal Federal, vale ressaltar que também há o

controle concentrado de constitucionalidade da competência dos Tribunais de

Justiça dos Estados e do Distrito Federal27. Daí a conclusão: o controle

concentrado de constitucionalidade não está restrito ao Supremo Tribunal

Federal; e o Supremo Tribunal Federal não exerce apenas controle

concentrado, mas também realiza controle difuso de constitucionalidade.

22

Cf. artigo 102, inciso I, letra ―a‖, e artigo 103, caput, ambos da Constituição. 23

Cf. artigo 102, § 1º, da Constituição. 24

Cf. artigo 103, § 2º, da Constituição. 25

Cf. artigo 36, inciso III, primeira parte, combinado com o artigo 34, inciso VII, e artigo 127, inciso IV, também da Constituição Federal. 26

Nos que tange aos recursos ordinário e extraordinário, foram estudados em obra específica: cf. BERNARDO PIMENTEL SOUZA. Dos recursos constitucionais. 2ª ed., Saraiva, 2013. 27

Cf. artigo 35, inciso IV, e 125, § 2º, ambos da Constituição Federal.

Page 22: BERNARDO PIMENTEL SOUZA - DAS       AÇÕES CONSTITUCIONAIS

CAPÍTULO II

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE

1. PRECEITOS CONSTITUCIONAIS E LEGAIS DE REGÊNCIA

A ação direta de inconstitucionalidade está consagrada no artigo 102,

inciso I, alíneas ―a‖ e ―p‖, § 2º, e no artigo 103 da Constituição Federal, bem

como na Lei nº 9.868, de 1999, diploma que dispõe sobre o processo e o

procedimento no Supremo Tribunal Federal. São, em suma, os preceitos

constitucionais e legais de regência da ação direta de inconstitucionalidade,

também denominada ―ação direta de inconstitucionalidade genérica‖ ou

―representação de inconstitucionalidade‖.

2. ESCOPO E ADMISSIBILIDADE

A ação direta de inconstitucionalidade integra o controle concentrado de

constitucionalidade. Trata-se de ação de competência do Supremo Tribunal

Federal, adequada para a impugnação de leis e atos normativos federais e

estaduais considerados incompatíveis com a Constituição Federal, conforme se

infere do artigo 102, inciso I, alínea ―a‖. Há, portanto, julgamento in abstracto na

Corte Suprema, para a verificação da compatibilidade em tese de lei ou ato

normativo federal ou estadual à luz da Constituição Federal, sem estar

relacionado a caso concreto algum28.

Em contraposição, a ação direta de inconstitucionalidade não é

admissível para impugnar leis e atos normativos municipais incompatíveis com

a Constituição Federal, como bem revela o enunciado nº 10 da Súmula do

Tribunal de Justiça da Paraíba: ―No ordenamento jurídico nacional, é

inadmissível Ação Direta de Inconstitucionalidade de Lei Municipal em conflito

com a Constituição Federal‖. Na mesma esteira, a ação direta de

inconstitucionalidade também não é admissível para impugnar leis e atos

normativos distritais provenientes da competência legiferante de índole

municipal29, quando contestadas à luz da Constituição Federal, como bem

assentou o Supremo Tribunal Federal por meio do enunciado sumular nº 642:

―Não cabe ação direta de inconstitucionalidade de lei do Distrito Federal

derivada da sua competência legislativa municipal‖. Em ambas as hipóteses, a

via processual adequada é a ação de arguição de descumprimento de preceito

fundamental, na qual há lugar para impugnação de leis e atos normativos

municipais e distritais de natureza municipal, quando contestados à luz da

Constituição Federal. Daí a asserção: apenas as leis e atos normativos

28

Não obstante, após o julgamento definitivo realizado no Plenário do Supremo Tribunal Federal, todos os casos concretos pendentes nas diversas instâncias administrativas e judiciais são alcançados pela deliberação proferida no controle abstrato. 29

Com efeito, em razão da natureza híbrida do Distrito Federal, o § 1º do artigo 32 da Constituição Federal revela a coexistência de competências legislativas estaduais e municipais.

Page 23: BERNARDO PIMENTEL SOUZA - DAS       AÇÕES CONSTITUCIONAIS

federais, estaduais e distritais de natureza estadual podem ser discutidos em

sede de ação direta de inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal.

Por fim, a admissibilidade da ação direta de inconstitucionalidade

pressupõe que as leis e os atos normativos federais, estaduais e distritais de

natureza estadual estejam em vigor. Na eventualidade da revogação da lei ou

do ato normativo objeto da ação direta de inconstitucionalidade, o respectivo

processo deve ser extinto, com fundamento no artigo 267, inciso VI, do Código

de Processo Civil, em razão da superveniente ausência de interesse

processual ou, na linguagem forense, por ―perda de objeto‖. Sem dúvida, na

eventualidade de revogação superveniente, as leis e os atos normativos saem

do ordenamento jurídico, motivo pelo qual não há interesse processual para a

discussão em tese, em controle concentrado de constitucionalidade, de

natureza abstrata. Daí o acerto do enunciado sumular nº 7 aprovado pela Corte

Superior do Tribunal de Justiça de Minas Gerais: ―Julga-se prejudicada a ação

direta de inconstitucionalidade que tem por objeto a inconstitucionalidade de

norma que é revogada supervenientemente à representação‖. Eventuais

repercussões individuais anteriores à revogação das leis e dos atos normativos

podem ser objeto de processos subjetivos, com o controle in concreto, no juízo

de origem ou no tribunal competente, mas não em sede de ação direta de

inconstitucionalidade.

3. PRAZO PARA A PROPOSITURA: INEXISTÊNCIA

A ação direta de inconstitucional não está sujeita a prazo, como bem

assentou o Plenário do Supremo Tribunal Federal em 1963, ao aprovar o

enunciado sumular nº 360: ―Não há prazo decadencial para a representação de

inconstitucionalidade prevista no art. 8º, parágrafo único, da Constituição

Federal‖.

Ad argumentandum tantum, embora tenha sido aprovada em 1963, a

orientação jurisprudencial sumulada subsiste à luz da Constituição de 1988,

como também já decidiu com acerto o Plenário da Corte Suprema30.

4. LEGITIMIDADE ATIVA

A ação direta de inconstitucionalidade somente pode ser ajuizada por

legitimado ativo autorizado à vista do artigo 103 da Constituição Federal: o

Presidente da República; a Mesa do Senado; a Mesa da Câmara dos

Deputados; as Mesas das Assembleias Legislativas dos Estados e a Mesa da

Câmara Legislativa do Distrito Federal; os Governadores dos Estados e do

30

Sem dúvida, o Supremo Tribunal Federal prestigia o enunciado sumular nº 360 mesmo à luz da Constituição de 1988, como bem revela a ementa do seguinte precedente do Plenário da Corte ―O ajuizamento da ação direta de inconstitucionalidade não esta sujeito a observância de qualquer prazo de natureza prescricional ou de caráter decadencial, eis que atos inconstitucionais jamais se convalidam pelo mero decurso do tempo. Súmula 360. Precedentes do STF.‖ (ADI nº 1.247 – MC, Pleno do STF, Diário da Justiça de 8 de setembro de 1995, p. 28.354).

Page 24: BERNARDO PIMENTEL SOUZA - DAS       AÇÕES CONSTITUCIONAIS

Distrito Federal; o Procurador-Geral da República; o Conselho Federal da

Ordem dos Advogados do Brasil; partido político com representação no

Congresso Nacional; e confederação sindical ou entidade de classe de âmbito

nacional.

Não obstante, as Mesas das Assembleias Legislativas dos Estados e da

Câmara Legislativa do Distrito Federal, os Governadores dos Estados e do

Distrito Federal, as confederações sindicais e as entidades de classe nacionais

só têm legitimidade ativa para ajuizar ações diretas de inconstitucionalidade

que versem sobre os respectivos direitos e atribuições institucionais, com a

demonstração da pertinência temática.

Em contraposição, o Presidente da República, as Mesas do Senado e da

Câmara dos Deputados, o Procurador-Geral da República, o Conselho Federal

da Ordem dos Advogados do Brasil e os partidos políticos com representação

no Congresso Nacional têm legitimidade ativa ampla, independentemente da

pertinência temática das ações que propõem com os respectivos direitos e

atribuições institucionais.

5. DESISTÊNCIA DA AÇÃO PROPOSTA: IMPOSSIBILIDADE

A ação direta de inconstitucionalidade não é passível de desistência. A

propósito, vale conferir o artigo 5º da Lei nº 9.868, de 1999: ―Art. 5º Proposta a

ação direta, não se admitirá desistência‖. Por conseguinte, ainda que o autor

da ação veicule pedido de desistência, o processo subsiste e é julgado na

Corte Suprema, porquanto versa sobre questão de ordem pública: a

problemática da inconstitucionalidade de leis ou de ato normativo federal ou

estadual à luz da Constituição Federal.

6. FUNGIBILIDADE DAS VIAS DE CONTROLE CONCENTRADO DE

CONSTITUCIONALIDADE: POSSIBILIDADE

Ao contrário do que pode parecer à vista da Lei nº 9.868, de 1999, a

ação direta de inconstitucionalidade, a ação de arguição de descumprimento de

preceito fundamental, a ação de inconstitucionalidade por omissão e as outras

espécies que integram o controle concentrado de constitucionalidade da

competência originária do Supremo Tribunal Federal podem ser convertidas na

via adequada. Não obstante, a fungibilidade depende da existência na via eleita

de todos os requisitos de admissibilidade da via adequada, como a legitimidade

ativa, por exemplo31.

31

De acordo, na jurisprudência: ―1. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. Impropriedade da ação. Conversão em Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental - ADPF. Admissibilidade. Satisfação de todos os requisitos exigidos à sua propositura. Pedido conhecido como tal. Aplicação do princípio da fungibilidade. Precedentes. É lícito conhecer de ação direta de inconstitucionalidade como argüição de descumprimento de preceito fundamental, quando coexistentes todos os requisitos de admissibilidade desta, em caso de inadmissibilidade daquela.‖ (ADI nº 4.180/DF – MC – REF, Pleno do STF, Diário da Justiça eletrônico de 15 de abril de 2010). ―Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI n.° 875/DF, ADI n.° 1.987/DF, ADI n.° 2.727/DF e ADI n.° 3.243/DF). Fungibilidade entre as ações diretas de

Page 25: BERNARDO PIMENTEL SOUZA - DAS       AÇÕES CONSTITUCIONAIS

7. PETIÇÃO INICIAL

A petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade deve seguir o

disposto no artigo 3º da Lei nº 9.868, de 1999, e na Resolução nº 421, de 2009,

cujo artigo 18 torna obrigatória a propositura de forma eletrônica32.

A petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade deve ser

endereçada ao Supremo Tribunal Federal, mais especificamente, ao Ministro-

Presidente da Corte, competente para a distribuição ao Ministro-Relator que

conduzirá o processo até o julgamento final pelo Plenário e será o primeiro a

votar.

À vista do artigo 3º, inciso I, da Lei nº 9.868, de 1999, a petição inicial da

ação direta de inconstitucionalidade deve conter a precisa indicação ―do

dispositivo da lei ou do ato normativo impugnado e os fundamentos jurídica do

pedido em relação a cada uma das impugnações‖.

A petição inicial também deve conter ―o pedido, com suas

especificações‖, tendo em vista o disposto no artigo 3º, inciso II, da Lei nº

9.868, de 1999. Deve o autor, portanto, indicar, com precisão, os artigos,

incisos, alíneas e parágrafos da lei ou do ato normativo em relação aos quais

formula pedido de declaração de inconstitucionalidade.

Ainda em relação aos pedidos que podem ser formulados na petição

inicial, na eventualidade de risco de dano irreparável ou de difícil reparação em

razão da aplicação da norma impugnada, o autor também pode requerer a

concessão de medida cautelar in limine litis, para suspender a lei ou ato

normativo tachado de inconstitucional, até o julgamento definitivo do processo

da ação direta de inconstitucionalidade.

A despeito da exigência estampada no artigo 258 do Código de

Processo Civil, prevalece a orientação jurisprudencial segundo a qual não há

indicação de valor da causa na petição inicial da ação direta de

inconstitucionalidade33.

No que tange aos documentos eletrônicos que devem instruir a petição

inicial, o inteiro teor da lei ou do ato normativo impugnado deve ser

apresentado desde logo com a petição inicial, conforme se infere do parágrafo

inconstitucionalidade por ação e por omissão.‖ (ADI nº 875/DF, Pleno do STF, Diário da Justiça eletrônico de 29 de abril de 2010). 32

―Art. 18. As classes processuais Reclamação (RCL), Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC), Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO), Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) e Proposta de Súmula Vinculante (PSV) passam a ser processadas, exclusivamente, no sistema eletrônico do STF (e-STF ).‖ (sem os grifos no original). 33

―Aliás, o Pleno do Tribunal de Justiça Gaúcho já decidiu, à unanimidade, ser irrelevante a não-indicação do valor da causa em ação direta de inconstitucionalidade, por não se tratar de processo com ‗valor patrimonial‘ (ADIn nº 596001057, rel. Des. Eliseu Gomes Torres, julgada em 04.11.96).‖ (trecho extraído do parecer do Procurador-Geral de Justiça ANTONIO CARLOS DE AVELAR BASTOS, referente ao processo nº 70004911012, do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul).

Page 26: BERNARDO PIMENTEL SOUZA - DAS       AÇÕES CONSTITUCIONAIS

único do artigo 3º da Lei nº 9.868, de 1999, combinado com os artigos 18 e 19

da Resolução nº 421, de 200934.

Ainda em relação aos documentos eletrônicos que devem instruir a

petição, a inicial deve estar ―acompanhada de instrumento de procuração‖ em

prol do advogado constituído para a causa. Na verdade, predomina a

orientação jurisprudencial ex vi da qual a procuração deve ser específica para a

causa, com a outorga de poder especial para a propositura da ação direta de

inconstitucionalidade35. E mais, também prevalece a jurisprudência contrária à

aplicação do artigo 284 do Código de Processo Civil em relação ao processo

da ação direta de inconstitucionalidade36.

Se a petição inicial for inepta, sem fundamentação ou revelar a

manifesta inadequação da via eleita, compete ao próprio Ministro-Relator

proferir decisão monocrática de indeferimento liminar da petição, com

fundamento no artigo 4º da Lei nº 9.868, de 1999. O indeferimento liminar da

petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade se dá mediante decisão

monocrática, e não por sentença. Daí o cabimento do recurso de agravo

interno ou regimental, no prazo de cinco dias.

Em contraposição, se a petição inicial estiver ―em termos‖, ou seja, apta,

há a admissão pelo Ministro-Relator, o qual determina o processamento

segundo algum dos três ritos existentes na Lei nº 9.868, de 1999, quais sejam:

– o procedimento abreviado do artigo 12, quando há veiculação de pedido de

medida cautelar na petição inicial e há conveniência do julgamento definitivo do

próprio mérito desde logo; – o procedimento cautelar dos artigos 10 e 11,

quando há veiculação de pedido de medida cautelar na petição inicial, mas não

é conveniente o julgamento definitivo de forma sumária; – o procedimento

ordinário dos artigos 6º, 7º, 8º e 9º, quando não há veiculação de pedido de

medida cautelar na petição inicial.

8. PROCEDIMENTO ABREVIADO

O artigo 12 da Lei nº 9.868 dispõe sobre o procedimento abreviado

destinado ao julgamento sumário do próprio mérito de forma definitiva.

Com efeito, formulado pedido acautelatório na petição inicial, o Ministro-

Relator, à vista da relevância da matéria e da importância do julgamento para a

34

―Art. 18. As classes processuais Reclamação (RCL), Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC), Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO), Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) e Proposta de Súmula Vinculante (PSV) passam a ser processadas, exclusivamente, no sistema eletrônico do STF (e-STF ). Parágrafo único. Os processos das classes citadas no caput terão suas informações disponibilizadas no sítio do STF. Art. 19. Cabe a todos os proponentes e autores das classes processuais citadas nesta Resolução, preencherem dados dos campos marcados como obrigatórios, inclusive o assunto, utilizando a tabela unificada de assuntos do Poder Judiciário.‖ (sem os grifos no original). 35

―É de exigir-se, em ação direta de inconstitucionalidade, a apresentação, pelo proponente, de instrumento de procuração ao advogado subscritor da inicial, com poderes específicos para atacar a norma impugnada.‖ (ADI nº 2.187/BA – QO, Pleno do STF, Diário da Justiça de 12 de dezembro de 2003, p. 62). 36

Cf. ADI nº 259/DF, Pleno do STF, Diário da Justiça de 19 de fevereiro de 1993.

Page 27: BERNARDO PIMENTEL SOUZA - DAS       AÇÕES CONSTITUCIONAIS

ordem social e a segurança jurídica, pode, após a prestação das informações,

no prazo de dez dias, pelas autoridades públicas responsáveis pela iniciativa,

aprovação, sanção, promulgação e publicação da lei ou do ato normativo

impugnado, e a manifestação do Advogado-Geral da União e do Procurador-

Geral da República, sucessivamente, no prazo de cinco dias, submeter o

processo diretamente ao Plenário do Supremo Tribunal Federal, ―que terá a

faculdade de julgar definitivamente a ação‖.

Veiculado pedido acautelatório na petição inicial e adotado o

procedimento abreviado pelo Ministro-Relator, portanto, os Ministros da Corte

Suprema têm a faculdade de proferirem imediato julgamento definitivo sobre o

mérito da causa, desde que presentes na sessão plenária pelo menos oito

Ministros e que ao menos seis votem no mesmo diapasão, com a formação da

necessária maioria absoluta, porquanto o julgamento sob o rito abreviado está

submetido às regras estampadas nos artigos 22 e 23 da Lei nº 9.868, de 1999.

9. PROCEDIMENTO CAUTELAR

Se o autor da ação direta de inconstitucionalidade formular pedido de

medida cautelar e o Ministro-Relator não julgar conveniente o processamento

pelo rito abreviado, deve adotar o procedimento previsto nos artigos 10 e 11 da

Lei nº 9.868, de 1999, após admitir a petição inicial.

À vista do artigo 10, admitida a petição inicial, o Ministro-Relator

determina a expedição de ofício às autoridades públicas responsáveis pela

iniciativa, aprovação, sanção, promulgação e publicação da lei ou do ato

normativo objeto da ação, para que possam prestar informações em cinco dias.

Em ―caso excepcional de urgência‖, entretanto, o Ministro-Relator pode até

mesmo dispensar a oitiva das autoridades públicas e submeter o pedido de

medida cautelar desde logo ao Plenário da Corte.

No que tange ao Advogado-Geral da União e ao Procurador-Geral da

República, não há necessidade de citação e de intimação para que o pedido de

medida cautelar seja submetido ao Plenário da Corte. Não obstante, se julgar

indispensável a citação do Advogado-Geral da União e a intervenção do

Procurador-Geral da República antes de submeter o pedido acautelatório ao

Plenário, o Ministro-Relator pode conceder prazo de três dias para que possam

apresentar a contestação e o parecer, respectivamente.

Dispensadas as oitivas pelo Ministro-Relator ou decorridos os prazos,

com ou sem a apresentação das informações, da contestação e do parecer, o

pedido acautelatório é submetido ao Plenário da Suprema Corte, desde que

―presentes na sessão pelo menos oito Ministros‖. É o quorum constitutivo

previsto nos artigos 10 e 22 da Lei nº 9.868, de 1999, para o início e a

realização do julgamento. Em seguida, há a deliberação sobre o pedido

acautelatório, com a concessão da medida se assim votarem pelo menos seis

Ministros, porquanto o artigo 10 também estabelece o quorum deliberativo: ―a

Page 28: BERNARDO PIMENTEL SOUZA - DAS       AÇÕES CONSTITUCIONAIS

medida cautelar na ação direta será concedida por decisão da maioria absoluta

dos membros do Tribunal‖. O quorum constitutivo (de pelo menos oito Ministros

presentes na sessão plenária) não se confunde com o quorum deliberativo (de

pelo menos seis Ministros com igual conclusão)37.

Para evitar dano irreparável ou de difícil reparação, portanto, os

Ministros da Suprema Corte podem conceder medida cautelar para suspender

lei ou ato normativo tachado de inconstitucional, até o julgamento definitivo do

processo da ação direta de inconstitucionalidade.

Concedida a medida cautelar, a parte dispositiva do julgamento deve ser

publicada em seção especial do Diário Oficial da União e do Diário da Justiça

da União, no prazo de dez dias, com a posterior adoção do procedimento

ordinário dos artigos 6º a 9º da Lei nº 9.868, de 1999, tudo nos termos do caput

do artigo 11 do mesmo diploma: ―Art. 11. Concedida a medida cautelar, o

Supremo Tribunal Federal fará publicar em seção especial do Diário Oficial da

União e do Diário da Justiça da União a parte dispositiva da decisão, no prazo

de dez dias, devendo solicitar as informações à autoridade da qual tiver

emanado o ato, observando-se, no que couber, o procedimento estabelecido

na Seção I deste Capítulo‖.

Como o julgamento tem natureza temporária, a medida acautelatória

suspensiva da lei ou do ato normativo impugnado tem efeito ex nunc, a partir

da publicação da ata do julgamento proferido pelo Supremo Tribunal Federal38,

sem atingir, por enquanto, as relações jurídicas constituídas antes do

julgamento concessivo da medida cautelar, em homenagem ao princípio da

segurança jurídica. É a regra (ex nunc) estampada no § 1º do artigo 11 da Lei

nº 9.868, de 1999, mas que comporta exceção (ex tunc): ―§ 1º A medida

cautelar, dotada de eficácia contra todos, será concedida com efeito ex nunc,

salvo se o Tribunal entender que deva conceder-lhe eficácia retroativa‖.

Em virtude da suspensão da lei ou do ato normativo por força da medida

acautelatória concedida, passa a ser ―aplicável a legislação anterior acaso

existente, salvo expressa manifestação em sentido contrário‖39.

37

A propósito da distinção entre o quorum constitutivo e o quorum deliberativo, há precisa lição na literatura jurídica portuguesa: FERNANDO AMÂNCIO FERREIRA. Manual dos recursos em processo civil. Coimbra, Editora Almedina, 2000, p. 214. 38

De acordo, na jurisprudência: ―TERCEIRA QUESTÃO DE ORDEM - AÇÃO DECLARATÓRIA DE CONSTITUCIONALIDADE - PROVIMENTO CAUTELAR - PRORROGAÇÃO DE SUA EFICÁCIA POR MAIS 180 (CENTO E OITENTA) DIAS - OUTORGA DA MEDIDA CAUTELAR COM EFEITO ‗EX NUNC‘ (REGRA GERAL) - A QUESTÃO DO INÍCIO DA EFICÁCIA DO PROVIMENTO CAUTELAR EM SEDE DE FISCALIZAÇÃO ABSTRATA DE CONSTITUCIONALIDADE - EFEITOS QUE SE PRODUZEM, ORDINARIAMENTE, A PARTIR DA PUBLICAÇÃO, NO DJe, DA ATA DO JULGAMENTO QUE DEFERIU (OU PRORROGOU) REFERIDA MEDIDA CAUTELAR, RESSALVADAS SITUAÇÕES EXCEPCIONAIS EXPRESSAMENTE RECONHECIDAS PELO PRÓPRIO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL - PRECEDENTES (RCL 3.309-MC/ES, REL. MIN. CELSO DE MELLO, v.g.) - COFINS E PIS/PASEP - FATURAMENTO (CF, ART. 195, I, "B") - BASE DE CÁLCULO - EXCLUSÃO DO VALOR PERTINENTE AO ICMS - LEI Nº 9.718/98, ART. 3º, § 2º, INCISO I - PRORROGAÇÃO DEFERIDA.‖ (ADC nº 18/DF – MC – QO 3, Pleno do STF, Diário da Justiça Eletrônico de 17 de junho de 2010, sem o grifo no original) 39

Cf. artigo 11, § 2º, da Lei nº 9.868, de 1999.

Page 29: BERNARDO PIMENTEL SOUZA - DAS       AÇÕES CONSTITUCIONAIS

Por fim, no que tange ao alcance do julgamento, o § 1º do artigo 11 da

Lei nº 9.868 também revela que a deliberação plenária é ―dotada de eficácia

contra todos‖, vale dizer, erga omnes.

10. PROCEDIMENTO ORDINÁRIO

Em regra, o processo da ação direta de inconstitucionalidade segue o

rito previsto nos artigos 6º a 9º da Lei nº 9.868, de 1999, com a admissão da

petição inicial, a expedição de ofício para a prestação de informações pelas

autoridades públicas das quais emanou a norma impugnada, o deferimento e o

indeferimento de pessoas como amicus curiae, a citação do Advogado-Geral

da União, a intimação do Procurador-Geral da República, o lançamento de

relatório e o pedido de dia pelo Ministro-Relator.

10.1. ADMISSÃO DA PETIÇÃO INICIAL E INFORMAÇÕES

Admitida a petição inicial pelo Ministro-Relator, há a expedição de ofício

dirigido ―às autoridades das quais emanou a lei ou o ato normativo impugnado‖,

a fim de que possam prestar informações no prazo de trinta dias, tudo nos

termos do artigo 6º da Lei nº 9.868, de 1999.

10.2. INGRESSO DE AMICUS CURIAE

O artigo 7º da Lei nº 9.868 veda o ingresso de terceiros no processo da

ação direta de inconstitucionalidade. Daí a impossibilidade de assistência,

oposição, chamamento ao processo, denunciação da lide, nomeação à autoria,

institutos jurídicos incompatíveis com o processo da ação direta de

inconstitucionalidade.

Não obstante, o § 2º do artigo 7º da Lei nº 9.868 autoriza o Ministro-

Relator a abrir vista e colher manifestações de entidades e pessoas, a fim de a

questão constitucional a ser submetida ao Plenário seja examinada sob todos

os prismas. Daí a possibilidade da manifestação do denominado amicus curiae.

Em suma, amicus curiae é a entidade ou pessoa autorizada a ingressar

no processo com a finalidade de auxiliar o Tribunal, tendo em vista

conhecimentos específicos úteis para a correta prestação jurisdicional, como

bem revela o artigo 7º, § 2º, da Lei nº 9.868, de 1999. Não é, portanto, o

amicus curiae, real terceiro com interesse jurídico no desate da causa, mas

simples ―amigo da corte‖, como ―colaborador informal da Corte‖.

10.3. CITAÇÃO DO ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO

Além da requisição de informações às autoridades públicas

responsáveis pela iniciativa, aprovação, sanção, promulgação e publicação da

lei ou do ato normativo impugnado na petição inicial, o Ministro-Relator também

Page 30: BERNARDO PIMENTEL SOUZA - DAS       AÇÕES CONSTITUCIONAIS

determina a citação do Advogado-Geral da União, a fim de defender a norma

tachada de inconstitucional.

À vista do § 3º do artigo 103 da Constituição Federal, do artigo 4º, inciso

IV, da Lei Complementar nº 73, de 1993, e do artigo 8º da Lei nº 9.868, de

1999, portanto, o Advogado-Geral da União deve ser citado para defender as

leis e os atos normativos impugnados nas ações diretas de

inconstitucionalidade, no prazo de quinze dias40.

10.4. INTERVENÇÃO DO PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA

Além da legitimidade ativa para a propositura da ação direta de

inconstitucionalidade, o Procurador-Geral da República também deve intervir

nos demais processos instaurados por força de ações diretas de

inconstitucionalidade ajuizadas por outros legitimados ativos, na qualidade de

custos legis, em cumprimento ao disposto no § 1º do artigo 103 da Constituição

Federal e do artigo 8º da Lei nº 9.868, de 1999.

Em suma, quando não for o autor da ação direta de

inconstitucionalidade, o Procurador-Geral da República deve ser intimado

pessoalmente, a fim de que possa emitir parecer no prazo de quinze dias.

10.5. LANÇAMENTO DO RELATÓRIO, PEDIDO DE DIA E

JULGAMENTO EM SESSÃO PLENÁRIA

Decorridos todos os prazos previstos nos artigos 6º, 7º e 8º da Lei nº

9.868, de 1999, o Ministro-Relator deve elaborar o relatório, com a exposição

das informações, das manifestações, da contestação, do parecer ministerial,

dos pontos controvertidos e, ao final, pedir dia para julgamento ao Ministro-

Presidente da Corte Suprema, tudo nos termos do artigo 9º daquele diploma.

Com efeito, o pedido de dia para julgamento cabe ao Ministro-Relator,

porquanto não há a figura de Ministro-Revisor no processo da ação direta de

inconstitucionalidade.

40

Assim, na jurisprudência: ―FUNÇÃO CONSTITUCIONAL DO ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO - A função processual do Advogado-Geral da União, nos processos de controle de constitucionalidade por via de ação, é eminentemente defensiva. Ocupa, dentro da estrutura formal desse processo objetivo, a posição de órgão agente, posto que lhe não compete opinar e nem exercer a função fiscalizadora já atribuída ao Procurador-Geral da República. Atuando como verdadeiro curador (defensor legis) das

normas infraconstitucionais, inclusive daquelas de origem estadual, e velando pela preservação de sua presunção de constitucionalidade e de sua integridade e validez jurídicas no âmbito do sistema de direito, positivo, não cabe ao Advogado-Geral da União, em sede de controle normativo abstrato, ostentar posição processual contrária ao ato estatal impugnado, sob pena de frontal descumprimento do ‗munus‘ indisponível que lhe foi imposto pela própria Constituição da República. Precedentes.‖ (ADI nº 1.254/RJ – AgRg, Pleno do STF, Diário da Justiça de 19 de setembro de 1997, p. 45.530, sem o grifo no original). ―AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – ATUAÇÃO DO ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO. Consoante dispõe o § 3º do artigo 103 da Constituição Federal, cumpre ao Advogado-Geral da União o papel de curador da lei atacada, não lhe sendo dado, sob pena de inobservância do múnus público, adotar posição diametralmente oposta, como se atuasse como fiscal da lei, qualidade reservada, no controle concentrado de constitucionalidade perante o Supremo, ao Procurador-Geral da República.‖ (ADI nº 2.906/RJ, Pleno do STF, Diário da Justiça Eletrônico de 28 de junho de 2011, sem o grifo no original).

Page 31: BERNARDO PIMENTEL SOUZA - DAS       AÇÕES CONSTITUCIONAIS

Após a inclusão em pauta, há o julgamento em sessão plenária do

Supremo Tribunal Federal, desde que presentes ―pelo menos oito Ministros‖,

em cumprimento ao disposto no artigo 22 da Lei nº 9.868, de 1999. É o quorum

constitutivo para o início e a realização do julgamento.

Em seguida, há a prolação dos votos pelos Ministros presentes na

sessão plenária. O resultado depende da formação da maioria absoluta em prol

da inconstitucionalidade ou da constitucionalidade de cada preceito impugnado.

O quorum deliberativo, portanto, corresponde a seis Ministros.

Não obstante, se não for alcançada a maioria absoluta em razão da

ausência de um ou mais Ministros, o julgamento deve ser suspenso pelo

Ministro-Presidente, para aguardar o comparecimento do(s) Ministro(s)

ausente(s), tudo nos termos do artigo 23 da Lei nº 9.868, de 1999.

Findo o julgamento, o Ministro-Presidente proclamará a

constitucionalidade ou a inconstitucionalidade da lei ou do ato normativo

conforme os votos de ―pelo menos seis Ministros‖.

11. EFEITOS DO JULGAMENTO DEFINITIVO

11.1. EX TUNC, ERGA OMNES E VINCULANTE

Em regra, os julgamentos definitivos proferidos nas ações diretas de

inconstitucionalidade têm efeitos ex tunc, erga omnes e vinculante, tendo em

vista o disposto no artigo 102, § 2º, da Constituição Federal.

O efeito ex tunc significa que a decisão retroage para atingir a lei ou o

ato normativo ab ovo, ou seja, desde o início41. Há, todavia, a exceção prevista

no artigo 27 da Lei nº 9.868, de 1999, quando o Supremo Tribunal Federal,

pelo voto de dois terços (vale dizer, ―oito Ministros‖), pode ―restringir os efeitos

daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito

em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado‖.

Já o efeito erga omnes significa que a decisão alcança a todos, tanto as

partes quanto os terceiros.

Por fim, o efeito vinculante diz respeito à obrigatoriedade da decisão, a

qual deve ser obedecida tanto pelos demais órgãos do Poder Judiciário quanto

pelos órgãos e entidades das administrações direta e indireta42, em todas as

esferas: federal, estadual, distrital e municipal. Eventual descumprimento ou

desrespeito enseja ação de reclamação constitucional perante o Supremo

Tribunal Federal, ação também da competência originária da Corte Suprema,

adequada para preservar a competência e garantir a autoridade das

41

De acordo, na jurisprudência: ―- A declaração de inconstitucionalidade, no entanto, que se reveste de caráter definitivo, sempre retroage ao momento em que surgiu, no sistema de direito positivo, o ato estatal atingido pelo pronunciamento judicial (nulidade ab initio). É que atos inconstitucionais são nulos e

desprovidos de qualquer carga de eficácia jurídica (RTJ 146/461).‖ (ADI nº 1.434/SP – MC, Pleno do STF, Diário da Justiça de 22 de novembro de 1996, p. 45.684, sem o grifo no original). 42

Vale dizer, autarquias, fundações públicas, empresas públicas e sociedades de economia mista.

Page 32: BERNARDO PIMENTEL SOUZA - DAS       AÇÕES CONSTITUCIONAIS

respectivas decisões, conforme o disposto nos artigos 102, inciso I, letra ―l‖, e

103-A, § 3º, da Constituição Federal. Vale ressaltar, todavia, que o efeito

vinculante não alcança nenhuma das Casas do Poder Legislativo, as quais

preservam o poder legiferante de forma integral, motivo pelo qual há lugar para

a aprovação de emenda constitucional para modificar o texto objeto do

julgamento no Supremo Tribunal Federal.

11.2. REPRISTINAÇÃO

Em regra, a revogação de uma norma revogadora de norma pretérita

não revigora a primeira lei revogada, salvo disposição em contrário na norma

ulterior que implicou a revogação da norma revogadora da norma primitiva. No

mais das vezes, portanto, não há repristinação.

O problema surge quando a lei ou ato normativo julgado inconstitucional

implica revogação de lei ou ato normativo anterior. Daí o questionamento: há

repristinação na eventualidade da revogação de lei ou ato normativo por lei ou

ato normativo superveniente julgado inconstitucional?

A questão enseja resposta positiva, como bem assentou o Tribunal de

Justiça de Santa Catarina ao aprovar o enunciado sumular nº 17: ―A decisão

que declara a inconstitucionalidade de uma norma porque nula ex tunc, alcança

todos os atributos que uma lei constitucional seria capaz de congregar,

inclusive torna ineficaz a cláusula expressa ou implícita de revogação da

disposição aparentemente substituída, mantendo vigente, como se alteração

não tivesse havido, a legislação anterior, à qual se confere efeitos

repristinatórios‖43-44.

12. RECORRIBILIDADE DO JULGAMENTO DEFINITIVO

12.1. RECURSO DE EMBARGOS DE DECLARAÇÃO: CABIMENTO

À vista do artigo 26 da Lei nº 9.868, de 1999, o acórdão prolatado em

ação direta de inconstitucionalidade só pode ser impugnado mediante

embargos declaração, único recurso cabível para questionar eventual erronia

no julgamento proferido pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal. Não

43

Cf. Uniformização de Jurisprudência na Apelação nº. 2005.030499-6, Diário da Justiça Eletrônico nº 116, de 18 de dezembro de 2006, p. 1. 44

De acordo, na jurisprudência da Corte Suprema: ―- A declaração de inconstitucionalidade ‗in abstracto‘, considerado o efeito repristinatório que lhe é inerente (RTJ 120/64 - RTJ 194/504-505 - ADI 2.867/ES, v.g.), importa em restauração das normas estatais revogadas pelo diploma objeto do processo de controle normativo abstrato. É que a lei declarada inconstitucional, por incidir em absoluta desvalia jurídica (RTJ 146/461-462), não pode gerar quaisquer efeitos no plano do direito, nem mesmo o de provocar a própria revogação dos diplomas normativos a ela anteriores. Lei inconstitucional, porque inválida (RTJ 102/671), sequer possui eficácia derrogatória. A decisão do Supremo Tribunal Federal que declara, em sede de fiscalização abstrata, a inconstitucionalidade de determinado diploma normativo tem o condão de provocar a repristinação dos atos estatais anteriores que foram revogados pela lei proclamada inconstitucional. Doutrina. Precedentes (ADI 2.215-MC/PE, Rel. Min. CELSO DE MELLO, ‗Informativo/STF‘ nº 224, v.g.).‖ (ADI nº 3.148/TO, Pleno do STF, Diário da Justiça Eletrônico de 27 de setembro de 2007 e Revista Tribunal de Jurisprudência, volume 202, p. 1.048).

Page 33: BERNARDO PIMENTEL SOUZA - DAS       AÇÕES CONSTITUCIONAIS

obstante, os embargos declaratórios somente são cabíveis para questionar

omissão, contradição e obscuridade no julgamento, conforme revelam os

incisos I e II do artigo 535 do Código de Processo Civil.

12.2. RECURSO DE EMBARGOS INFRINGENTES: INADEQUAÇÃO

Os embargos infringentes são tradicional espécie recursal adequada

para a impugnação de acórdão majoritário proferido nos tribunais pátrios.

No que tange ao cabimento contra acórdão prolatado em ação direta de

inconstitucionalidade, o artigo 6º da Lei nº 4.337, de 1964, autorizava a

interposição do recurso de embargos infringentes contra acórdão proferido em

―representação de inconstitucionalidade‖45, com, no mínimo, três votos

divergentes.

Com o advento da Emenda Constitucional nº 7, de 1977, o Supremo

Tribunal Federal passou a ter competência para legislar sobre direito

processual. É o que se infere do § 3º, alínea ―c‖, do artigo 119 da Carta de

1967, com a redação dada pela Emenda nº 7: ―O regimento interno

estabelecerá: omissis; c) o processo e o julgamento dos feitos de sua

competência originária ou recursal e da arguição de relevância da questão

federal‖.

Em 1980, o Supremo Tribunal Federal elaborou e aprovou o respectivo

Regimento Interno. O artigo 333, inciso IV, do Regimento, cuidava do

cabimento do recurso de embargos infringentes contra acórdão proferido em

ação direta de inconstitucionalidade, in verbis: ―Cabem embargos infringentes à

decisão não unânime do Plenário ou da Turma: omissis; IV — que julgar a

representação de inconstitucionalidade‖.

Por força da Emenda Regimental nº 2, de 1985, o parágrafo único do

artigo 333 passou a ter a seguinte redação: ―O cabimento dos embargos, em

decisão do Plenário, depende da existência, no mínimo, de quatro votos

divergentes, salvo nos casos de julgamento criminal em sessão secreta‖.

Com o advento da Constituição de 1988, o Regimento Interno do

Supremo Tribunal Federal foi recepcionado, quando passou a ter força de lei

federal46. Com efeito, ao contrário do que pode parecer à primeira vista, o fato

45

Vale ressaltar que a atual ―ação direta de inconstitucionalidade‖ nada mais é do que a antiga ―representação de inconstitucionalidade‖, com nova denominação, porquanto a Constituição de 1988 conferiu novo título ao instituto jurídico em estudo, embora tenha preservado o tradicional nomen iuris no artigo 125, quando tratou da ―representação de inconstitucionalidade‖ da competência originária dos Tribunais de Justiça. 46

Assim, na jurisprudência: ADIN n 29/RS — EI, Pleno do STF, RTJ, volume 133, p. 959; e ADIN nº 171/MG — EI, Pleno do STF, RTJ, volume 160, p. 31. Como bem concluiu o eminente Ministro SEPÚLVEDA PERTENCE no julgamento do MS nº 21.290/BA – EDcl, ―é óbvio que o Regimento tem hierarquia de lei, enquanto não revogado por outra lei‖. Em sentido semelhante, na doutrina: VICENTE GRECO FILHO. Direito. Volume II, 11ª ed., 1996, p. 391, nota 45: ―O Supremo Tribunal Federal perdeu a competência anômala de legislar sobre os processos de sua competência, mas permanece o Regimento Interno em vigor, com natureza de lei federal até que outra norma desse nível o derrogue ou modifique‖. Ainda em sentido semelhante, também na doutrina: ANDRÉ RAMOS TAVARES. Curso de direito

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de o artigo 96, inciso I, alínea ―a‖, da Constituição de 1988 ter limitado a

competência legislativa dos tribunais, não revogou os artigos do Regimento de

1980 de índole processual47, porquanto o instituto da recepção confere

sustentação jurídica às normas infraconstitucionais em vigor antes do advento

da nova Constituição, compatíveis com a ordem constitucional posterior.

Como o Supremo Tribunal Federal tinha competência para legislar sobre

direito processual quando elaborou o Regimento de 1980, os preceitos

regimentais de cunho processual não foram revogados pela Constituição de

1988. Assim, além de vigentes, os dispositivos passaram a ter força de lei

federal, atual via legislativa idônea para tratar de direito processual, nos termos

do artigo 22, inciso I, da Constituição Federal.

Vale ressaltar, por oportuno, que não há revogação por suposta

incompatibilidade formal48. Nem poderia ser diferente, porquanto o legislador

pretérito não tem como prever qual via legislativa será adotada na Constituição

futura. Além do mais, o instituto da recepção tem como escopo exatamente

efetuar a acomodação, no seio da nova ordem constitucional, das normas

pretéritas editadas por vias legislativas extirpadas pela Constituição

superveniente.

Na verdade, apenas os dispositivos regimentais incompatíveis sob o

ângulo material com a nova Constituição Federal foram revogados. Os que

subsistiram ficaram sujeitos à regra inserta no § 1º do artigo 2º da Lei de

Introdução das normas do Direito Brasileiro. Diante da ausência de lei federal

que revogasse de forma expressa ou tácita o inciso IV do artigo 333 do

Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, subsistiu o cabimento dos

embargos infringentes contra acórdão proferido por maioria de votos em

julgamento de ação direta de inconstitucionalidade, mesmo após a vigência da

Constituição de 198849.

constitucional. 3ª ed., 2006, p. 985: ―Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal (atualmente recepcionado como lei ordinária)‖. 47

Em sentido semelhante: AO nº 32/DF — AgRg, Pleno do STF, Diário da Justiça de 28 de setembro de 1990: ―1. REGIMENTO INTERNO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL — NORMAS PROCESSUAIS. As normas processuais contidas no Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal foram recepcionadas pela atual Carta, no que com ela se revelam compatíveis. O fato de não se ter mais a outorga constitucional para edição das citadas normas mediante ato regimental apenas obstaculiza novas inserções no Regimento Interno, ficando aquém da derrogação quanto às existentes à época da promulgação da Carta‖. 48

Com efeito, ―não há inconstitucionalidade formal superveniente‖ (ADIN nº 438/DF, Pleno do STF, Diário da Justiça de 27 de março de 1992). 49

De acordo, na doutrina: BARBOSA MOREIRA. O novo processo civil. 20ª ed., 1999, p. 167: ―A esse rol — sempre limitadamente ao campo civil — devem acrescentar-se os embargos (também infringentes) previstos no art. 333, nº IV, do Regimento Interno, cabíveis contra a decisão não unânime do Plenário que julgar a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual‖. No mesmo sentido, na jurisprudência: RCL nº 377/PR — EI, Pleno do STF, Diário da Justiça de 27 de outubro de 1994, p. 29164: ―— Esta Corte já firmou o entendimento de que as normas processuais — e as relativas aos embargos infringentes em seu âmbito o são — contidas no seu Regimento Interno foram objeto de recepção pela atual Constituição no que com esta se mostrarem compatíveis‖. No julgamento dos Embargos Infringentes na ADI nº 171/MG, o Pleno do STF prestigiou o preciso voto proferido pelo Ministro MOREIRA ALVES: ―Tendo sido objeto de recepção os dispositivos do Regimento Interno da Corte que, por causa da competência legislativa que lhe fora outorgada pela ordem constitucional anterior, dizem respeito à matéria processual, eles persistem com força de lei até serem revogados por legislação posterior, o que não ocorreu pela circunstância de a Lei nº 8.038, de 28-5-90, que não é exauriente sobre

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Com o advento da Lei nº 9.868, de 1999, entretanto, não há mais lugar

para discussão, tendo em vista a vedação imposta ex vi do artigo 26: ―A

decisão que declara a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade da lei ou

do ato normativo em ação direta ou em ação declaratória é irrecorrível,

ressalvada a interposição de embargos declaratórios, não podendo,

igualmente, ser objeto de ação rescisória‖.

Com efeito, se o acórdão proferido em ação direta de

inconstitucionalidade agora é irrecorrível, ressalvado apenas o cabimento do

recurso de embargos declaratórios, é possível concluir que o inciso IV do artigo

333 do Regimento Interno de 1980 foi revogado em 1999, consoante o disposto

na segunda parte do § 1º do artigo 2º da Lei de Introdução das normas do

Direito Brasileiro. Sem dúvida, se o julgamento prolatado em ação direta de

inconstitucionalidade só pode ser impugnado por meio de embargos de

declaração, é lícito concluir que já não são cabíveis embargos infringentes

contra o aludido julgado, porquanto o inciso IV do artigo 333 do Regimento

Interno do Supremo Tribunal Federal foi revogado pelo artigo 26 da Lei nº

9.868, de 199950.

13. AÇÃO RESCISÓRIA: IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA

A rescisória é a ação de competência originária de tribunal idônea para a

impugnação das decisões judiciais transitadas em julgado, quando há grave

erro judiciário, como nos casos arrolados no artigo 485 do Código de Processo

Civil.

Por força do artigo 26 da Lei nº 9.868, de 1999, entretanto, o acórdão

proferido pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal em ação direta de

inconstitucionalidade não é passível de impugnação mediante ação rescisória.

Na verdade, a ação rescisória não é admissível para impugnar julgamentos

proferidos em controle concentrado de constitucionalidade, independentemente

da espécie de ação ajuizada.

14. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE EM TRIBUNAL DE

JUSTIÇA

14.1. PRECEITOS DE REGÊNCIA E ADMISSIBILIDADE

as ações e os recursos no âmbito deste Supremo Tribunal Federal, ter sido omissa quanto a tais embargos‖ (RTJ, volume 160, p. 31). 50

De acordo, na jurisprudência: ―I. Ação direta de inconstitucionalidade: irrecorribilidade da decisão definitiva declaratória da inconstitucionalidade ou constitucionalidade de normas, por força do art. 26 da L. 9868/99, que implicou abolição dos embargos infringentes previstos no art. 333, IV, RISTF: inaplicabilidade, porém, da lei nova que abole recurso aos casos em que o acórdão, então recorrível, seja proferido em data anterior ao do início da sua vigência: análise e aplicação da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.‖ (ADI nº 1.591/RS - EI, Pleno do STF, Diário da Justiça de 12 de setembro de 2003, p. 29, sem o grifo no original).

Page 36: BERNARDO PIMENTEL SOUZA - DAS       AÇÕES CONSTITUCIONAIS

Além da ação direta de inconstitucionalidade da competência do

Supremo Tribunal Federal, o constituinte de 1987 e 1988 também tratou da

―representação de inconstitucionalidade de leis ou atos normativos estaduais

ou municipais em face da Constituição Estadual‖. O instituto previsto no § 2º do

artigo 125 da Constituição Federal é verdadeira ação direta de

inconstitucionalidade, mas da competência dos Tribunais de Justiça dos

Estados, para o controle abstrato de constitucionalidade das leis e normas

estaduais e municipais à luz da Constituição Estadual.

Na verdade, a ação direta de inconstitucionalidade também é admissível

para o controle das leis e dos atos normativos distritais à luz da Lei Orgânica

do Distrito Federal, quando o processamento e julgamento da ação direta são

da competência do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, tudo nos termos do

artigo 30 da Lei nº 9.868, de 1999.

Em suma, além da ação direta de inconstitucionalidade da competência

do Supremo Tribunal Federal, para o controle abstrato da constitucionalidade

das leis e demais normas federais e estaduais à luz da Constituição Federal,

também há a ação direta de inconstitucionalidade da competência dos

Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal, destinada ao controle

abstrato de constitucionalidade das leis estaduais, municipais e distritais à luz

das Constituições dos Estados e da Lei Orgânica do Distrito Federal,

respectivamente.

14.2. LEGITIMIDADE ATIVA

Ao contrário do que se dá no artigo 103 da Constituição Federal, o artigo

125 não estampa rol de legitimados para ajuizar a ação direta de

inconstitucionalidade perante Tribunal de Justiça. O constituinte de 1987 e

1988 somente proibiu a restrição da legitimidade ativa a apenas um órgão,

conforme se infere da parte final do § 2º do artigo 125. No mais, deixou a

elaboração do rol de legitimados ativos a cargo dos constituintes estaduais. Daí

a necessidade da conferência dos textos das Constituições dos diversos

Estados.

No que tange ao Distrito Federal, o artigo 30 da Lei nº 9.868 já arrola os

legitimados ativos para a propositura da ação direta de inconstitucionalidade no

Tribunal de Justiça do Distrito Federal: – o Governador do Distrito Federal; – a

Mesa da Câmara Legislativa; – o Procurador-Geral de Justiça; – a Ordem dos

Advogados do Distrito Federal; – as entidades sindicais e de classe em

atuação no Distrito Federal, em defesa dos objetivos institucionais; – os

partidos políticos com representação na Câmara Legislativa. Mutatis mutandis,

as Constituições estaduais contêm rol similar de legitimados ativos para o

ajuizamento de ação direta de inconstitucionalidade perante Tribunal de Justiça

estadual.

Page 37: BERNARDO PIMENTEL SOUZA - DAS       AÇÕES CONSTITUCIONAIS

14.3. PROCESSOS COM IGUAL OBJETO PENDENTES EM TRIBUNAL

DE JUSTIÇA E NO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

Diante da constante reprodução ipsis litteris de preceitos da Constituição

Federal nas Constituições dos Estados e na Lei Orgânica do Distrito Federal, é

comum a coexistência de processos no Supremo Tribunal Federal e nos

Tribunal de Justiça, tendo em mira a mesma lei estadual ou distrital (de índole

estadual).

Constatada a coexistência de processos com a mesma norma

impugnada, o processo da ação direta de inconstitucionalidade em tramitação

no Tribunal de Justiça deve ser suspenso até o julgamento do processo da

ação direta de inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal. Em abono,

vale conferir o preciso enunciado sumular nº 5 aprovado na Corte Superior do

Tribunal de Justiça de Minas Gerais: ―Quando tramitam paralelamente duas

ações diretas de inconstitucionalidade, uma no Tribunal de Justiça e outra no

Supremo Tribunal Federal, contra a mesma lei estadual impugnada em face de

preceitos constitucionais estaduais que são reprodução de preceitos da

Constituição Federal, suspende-se o curso da ação direta proposta perante o

Tribunal estadual até o julgamento final da ação direta proposta perante o

Supremo Tribunal Federal‖.

Como bem assentado no enunciado sumular nº 5, a hipótese é de

suspensão, e não de extinção do processo da competência do Tribunal de

Justiça, porquanto o resultado do julgamento no Supremo Tribunal Federal

pode não prejudicar o julgamento no Tribunal de Justiça, como se dá quando o

processo é extinto sem julgamento do mérito, em razão, por exemplo, de

ilegitimidade ativa, quando subsiste o interesse processual no julgamento da

ação direta de inconstitucionalidade da competência do Tribunal de Justiça.

Não obstante, se a norma objeto dos dois processos for declarada

inconstitucional no Supremo Tribunal Federal, o processo da competência do

Tribunal de Justiça deve ser extinto, sem resolução do mérito, por falta de

interesse processual, em razão da exclusão da norma impugnada do

ordenamento jurídico, ex vi do julgamento proferido na Corte Suprema.

14.4. RECORRIBILIDADE DO JULGAMENTO PROFERIDO NO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA MEDIANTE RECURSO EXTRAORDINÁRIO

Proferido o julgamento do Tribunal de Justiça no exercício da

competência originária consagrada no artigo 125, § 2º, da Constituição Federal,

cabe recurso extraordinário para o Supremo Tribunal Federal, com fundamento

no artigo 102, inciso III, da mesma Constituição.

Sem dúvida, se a questão objeto do controle concentrado de

constitucionalidade exercido pelo Tribunal de Justiça também é encontrada na

Constituição Federal, o recurso extraordinário é cabível. Vale ressaltar, por

oportuno, que o prequestionamento não diz respeito ao preceito constitucional

Page 38: BERNARDO PIMENTEL SOUZA - DAS       AÇÕES CONSTITUCIONAIS

em si, sob o prisma numérico, mas, sim, à questão constitucional. Por

conseguinte, se o Tribunal de Justiça julgou a questão constitucional que

também reside na Constituição Federal, cabe recurso extraordinário para a

Corte Suprema51.

Não obstante, o Supremo Tribunal Federal impõe sérias restrições à

legitimidade recursal. Com efeito, segundo entendimento predominante na

Corte Suprema, apenas os órgãos e os entes legitimados para a instauração

do controle concentrado de constitucionalidade no âmbito do Tribunal de

Justiça têm legitimidade para recorrer do respectivo acórdão52.

Outra restrição jurisprudencial que merece destaque diz respeito ao

artigo 188 do Código de Processo Civil, cuja aplicação tem sido denegada pelo

Supremo Tribunal Federal em relação aos recursos extraordinários interpostos

contra acórdãos proferidos em Tribunais de Justiça, em processos de ação

direta de inconstitucionalidade de leis ou atos normativos locais53.

Em suma, é admissível recurso extraordinário contra acórdão proferido

por Tribunal de Justiça em processo de ação direta de inconstitucionalidade,

desde que interposto por algum dos legitimados ativos e no prazo singelo de

quinze dias.

14.5. APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA DA LEI Nº 9.868, DE 1999

À vista do artigo 4º da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro,

do artigo 126 do Código de Processo Civil e do artigo 30 da Lei nº 9.868, de

1999, na falta de norma específica, as regras gerais de regência do processo

da ação direta de inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal também

podem ser aplicadas aos processos de competência dos Tribunais de Justiça.

51

Assim, na jurisprudência: ―1. Controle concentrado de constitucionalidade de lei estadual ou municipal que reproduz norma da Constituição Federal de observância obrigatória pelos entes da Federação. Competência do Tribunal de Justiça, com possibilidade de interposição de recurso extraordinário se a interpretação conferida à legislação contrariar o sentido e o alcance de dispositivo da Carta Federal. Precedentes.‖ (SL nº 10 – AgRg, Pleno do STF, Diário da Justiça de 16 de abril de 2004, p. 53, sem o grifo no original). 52

Cf. ADI nº 2.130/SC – AgRg, Pleno do STF, Diário da Justiça de 14 de dezembro de 2001, p. 31: ―- O Estado-membro não dispõe de legitimidade para interpor recurso em sede de controle normativo abstrato, ainda que a ação direta de inconstitucionalidade tenha sido ajuizada pelo respectivo Governador, a quem assiste a prerrogativa legal de recorrer contra as decisões proferidas pelo Relator da causa (Lei nº 9.868/99, art. 4º, parágrafo único) ou, excepcionalmente, contra aquelas emanadas do próprio Plenário do Supremo Tribunal Federal (Lei nº 9.868/99, art. 26)‖. 53

Cf. RE nº 579.760/RS – EDcl, 1ª Turma do STF, Diário da Justiça Eletrônico nº 218, de 19 de novembro de 2009: ―RECURSO. Embargos de declaração. Caráter infringente. Embargos recebidos como agravo. Controle abstrato de constitucionalidade de lei local em face de Constituição estadual. Processo de cunho objetivo. Prazo recursal em dobro. Inaplicabilidade. Recurso extraordinário não conhecido. Agravo regimental improvido. Precedentes. São singulares os prazos recursais das ações de controle abstrato de constitucionalidade, em razão de seu reconhecido caráter objetivo.‖ (sem os grifos no original). No mesmo diapasão, ainda na jurisprudência da Corte Suprema: ―NÃO HÁ PRAZO RECURSAL EM DOBRO NO PROCESSO DE CONTROLE CONCENTRADO DE CONSTITUCIONALIDADE. - Não se aplica, ao processo objetivo de controle abstrato de constitucionalidade, a norma inscrita no art. 188 do CPC, cuja incidência restringe-se, unicamente, ao domínio dos processos subjetivos, que se caracterizam pelo fato de admitirem, em seu âmbito, a discussão de situações concretas e individuais. Precedente. Inexiste, desse modo, em sede de controle normativo abstrato, a possibilidade de o prazo recursal ser computado em dobro, ainda que a parte recorrente disponha dessa prerrogativa especial nos processos de índole subjetiva.‖ (ADI nº 2.130/SC – AgRg, Pleno do STF, Diário da Justiça de 14 de dezembro de 2001, p. 31 ).

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CAPÍTULO III

AÇÃO DECLARATÓRIA DE CONSTITUCIONALIDADE

1. PRECEITOS CONSTITUCIONAIS E LEGAIS DE REGÊNCIA

A ação declaratória de constitucionalidade está prevista nos artigos 102,

inciso I, alínea ―a‖, in fine, e § 2º, e 103, ambos da Constituição Federal, e

regulamentada nos artigos 13 a 28 da Lei nº 9.868, de 1999.

Por oportuno, vale ressaltar que a ação declaratória de

constitucionalidade não foi consagrada durante a Assembleia Constituinte que

ensejou a Constituição de 1988. Na verdade, a ação declaratória de

constitucionalidade só foi instituída em 1993, com o advento da Emenda

Constitucional nº 3, por força da qual a alínea ―a‖ do inciso I do artigo 102

recebeu nova redação e o § 2º foi acrescentado ao final do artigo 102, com a

consagração do instituto.

2. CONCEITO, NATUREZA JURÍDICA E ADMISSIBILIDADE

A ação declaratória de constitucionalidade integra o controle

concentrado de constitucionalidade realizado pelo Supremo Tribunal Federal,

ao lado da ação direta de inconstitucionalidade. Não obstante, enquanto a ação

direta de inconstitucionalidade alcança as leis e os atos normativos federais e

estaduais – e até distritais54 –, a ação declaratória de constitucionalidade atinge

apenas as leis e atos normativos federais, porquanto as normas locais não

constam da parte final da alínea ―a‖ do inciso I do artigo 102: ―ação declaratória

de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal‖. Com efeito, a ação

declaratória de constitucionalidade é ação de competência originária do

Supremo Tribunal Federal admissível para a declaração da constitucionalidade

de leis e atos normativos federais, mas não de leis e atos normativos

estaduais, distritais e municipais.

Não obstante, a ação declaratória de constitucionalidade só é admissível

quando leis ou atos normativos federais são alvo de questionamentos judiciais

e de decisões de inconstitucionalidade proferidas em processos de controle

difuso, de forma a abalar a presunção relativa da constitucionalidade da norma

jurídica federal. Aliás, o inciso III do artigo 14 da Lei nº 9.868 é explícito acerca

da necessidade da demonstração da ―existência de controvérsia judicial

relevante sobre a aplicação da disposição objeto da ação declaratória‖, a fim de

que seja admissível (a ação declaratória de constitucionalidade).

Constatada a divergência judicial capaz de abalar a presunção relativa

da constitucionalidade que a norma jurídica goza, a ação declaratória de

54

Sem dúvida, as ações diretas de inconstitucionalidade atingem até mesmo leis e atos normativos distritais, desde que provenientes da competência equiparada à estadual.

Page 40: BERNARDO PIMENTEL SOUZA - DAS       AÇÕES CONSTITUCIONAIS

constitucionalidade é admissível e merece ser processada e julgada no

Supremo Tribunal Federal, para que a presunção relativa possa ser declarada

absoluta, com força vinculante e tenha alcance erga omnes, tudo se assim

votarem – em prol da constitucionalidade – pelo menos seis Ministros da Corte

Suprema55.

Por fim, vale ressaltar que se a maioria absoluta dos votos for pela

inconstitucionalidade da lei ou do ato normativo federal, os efeitos do

julgamento são os mesmos, vale dizer, a declaração da inconstitucionalidade

tem de forças absoluta, definitiva, vinculante, tem alcance erga omnes, tudo

desde a publicação da norma (ex tunc), em virtude da natureza ―dúplice‖ ou

―ambivalente‖ da ação declaratória de constitucionalidade, tudo nos termos dos

artigos 23, 24 e 26 da Lei nº 9.868, de 1999.

3. LEGITIMIDADE ATIVA

A ação declaração de constitucionalidade somente pode ser ajuizada por

algum dos legitimados ativos arrolados no artigo 103 da Constituição Federal:

Presidente da República; Mesa do Senado; Mesa da Câmara dos Deputados;

Mesa de Assembleia Legislativa de Estados ou Mesa da Câmara Legislativa do

Distrito Federal; Governadores de Estado ou do Distrito Federal; Procurador-

Geral da República; Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil;

partido político com representação no Congresso Nacional; e confederação

sindical ou entidade de classe de âmbito nacional. Após o advento da Emenda

Constitucional nº 45, de 2004, portanto, o rol do artigo 103 da Constituição

passou a ser igualmente aplicável à ação declaratória de constitucionalidade,

razão pela qual os legitimados ativos não são apenas os previstos no artigo 13

da Lei nº 9.868, de 199956, mas todos os constantes do artigo 103 da

Constituição emendada.

Ainda à luz do artigo 103 da Constituição Federal, a legitimidade ativa

para a propositura da ação declaratória de constitucionalidade é concorrente,

motivo pelo qual pode ser exercida por todas as pessoas jurídicas e órgãos

públicos arrolados no artigo 103 da Constituição Federal, em conjunto ou

isoladamente. Não obstante, as Mesas das Assembleias Legislativas dos

Estados e da Câmara Legislativa do Distrito Federal, os Governadores dos

Estados e do Distrito Federal, as confederações sindicais e as entidades de

classe nacionais só têm legitimidade ativa para ajuizar ações declaratórias em

favor da constitucionalidade dos respectivos direitos e atribuições institucionais,

com a demonstração da pertinência temática, sob pena de carência da ação.

Já o Presidente da República, as Mesas do Senado e da Câmara dos

Deputados, o Procurador-Geral da República, o Conselho Federal da Ordem

55

Cf. artigo 23, caput, da Lei nº 9.868, de 1999. 56

―Art. 13. Podem propor a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal: I - o Presidente da República; II - a Mesa da Câmara dos Deputados; III - a Mesa do Senado Federal; IV - o Procurador-Geral da República.‖

Page 41: BERNARDO PIMENTEL SOUZA - DAS       AÇÕES CONSTITUCIONAIS

dos Advogados do Brasil e os partidos políticos com representação no

Congresso Nacional têm legitimidade ativa ampla, universal,

independentemente da pertinência temática das ações que propõem com os

respectivos direitos e atribuições institucionais.

4. PRAZO PARA A PROPOSITURA: INEXISTÊNCIA

Não há prazo para a propositura da ação declaratória de

constitucionalidade. Aliás, a natureza declaratória da ação não se coaduna com

os institutos da prescrição e da decadência.

5. PETIÇÃO INICIAL

A petição inicial da ação declaratória de constitucionalidade deve

cumprir o disposto no artigo 14 da Lei nº 9.868, de 1999, e na Resolução nº

421, de 2009, cujo artigo 18 torna obrigatória a propositura de forma

eletrônica57.

A petição inicial da ação declaratória de constitucionalidade deve ser

endereçada ao Supremo Tribunal Federal, mais especificamente, ao Ministro-

Presidente, a quem compete distribuir o processo ao Ministro-Relator,

responsável pela prolação do juízo de admissibilidade da petição inicial e, se

admitida, também pelo processamento e instrução até a sessão plenária da

Corte.

À vista do artigo 14 da Lei nº 9.868, de 1999, a petição inicial deve

conter a precisa indicação do dispositivo da lei ou do ato normativo federal

objeto do pedido, bem como os respectivos fundamentos jurídicos.

Com efeito, a petição inicial deve conter ―o pedido, com suas

especificações‖, em cumprimento ao disposto no artigo 14, inciso II, da Lei nº

9.868, de 1999. Deve o autor, portanto, indicar, com precisão, os artigos,

incisos, alíneas e parágrafos da lei ou do ato normativo federal em relação aos

quais formula pedido de declaração de constitucionalidade.

Ainda em relação aos pedidos, o autor também pode requerer a

concessão de medida cautelar in limine litis, com fundamento no artigo 21 da

Lei nº 9.868, de 1999, para suspender os ―processos que envolvam a aplicação

da lei ou do ato normativo objeto da ação até seu julgamento definitivo‖.

No que tange aos fundamentos jurídicos, a petição inicial deve conter a

demonstração da existência de controvérsia judicial relevante sobre a aplicação

do dispositivo objeto da ação declaratória, de modo a justificar o julgamento no

Plenário do Supremo Tribunal Federal, a fim de pacificar a divergência

jurisprudencial acerca da constitucionalidade do preceito de lei ou ato

57

―Art. 18. As classes processuais Reclamação (RCL), Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC), Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO), Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) e Proposta de Súmula Vinculante (PSV) passam a ser processadas, exclusivamente, no sistema eletrônico do STF (e-STF ).‖ (sem os grifos no original).

Page 42: BERNARDO PIMENTEL SOUZA - DAS       AÇÕES CONSTITUCIONAIS

normativo federal. Aliás, o parágrafo único do artigo 14 revela que a petição

inicial deve ser instruída com o inteiro teor da lei ou do ato normativo federal

objeto da ação e das decisões judiciais reveladoras da divergência

jurisprudencial necessária para a admissibilidade da petição inicial.

No que tange aos documentos eletrônicos que devem instruir a petição,

além do inteiro teor da lei ou do ato normativo e das decisões judiciais

reveladoras da divergência, a inicial também deve estar ―acompanhada de

instrumento de procuração‖ em prol do advogado constituído para a causa.

Aliás, predomina a orientação jurisprudencial ex vi da qual a procuração deve

ser específica para a causa, com a outorga de poder especial para a

propositura da ação declaratória de constitucionalidade58.

Por fim, cabe ao Ministro-Relator proferir juízo de admissibilidade da

petição inicial da ação declaratória de constitucionalidade. Se constatar a

inadequação da via eleita, a carência de fundamentos, a manifesta

improcedência do pedido ou irregularidades formais na petição inicial, o

Ministro-Relator indefere a petição inicial liminarmente, com fundamento no

artigo 15 da Lei nº 9.868, de 1999, por meio de decisão monocrática, contra a

qual cabe recurso de agravo interno ou regimental, no prazo de cinco, para o

Plenário da Corte Suprema. Em contraposição, se a petição inicial estiver ―em

termos‖, o Ministro-Relator determina o processamento da ação, conforme a

veiculação de pedido de medida cautelar, ou não: formulado pedido pelo autor

da ação direta de constitucionalidade, o Ministro-Relator submete a medida

cautelar ao Plenário, para a deliberação prevista no artigo 21 da Lei nº 9.868,

de 1999; ausente pedido de medida cautelar, o Ministro-Relator determina o

processamento com a abertura de vista ao Procurador-Geral da República, nos

termos do artigo 19 da Lei nº 9.868, de 1999.

6. DESISTÊNCIA DA AÇÃO: IMPOSSIBILIDADE

Proposta a ação declaratória de constitucionalidade, o autor não pode

desistir do acionamento nem renunciar ao direito objeto da ação, tendo em

vista o interesse público em jogo. Daí o acerto do artigo 16 da Lei nº 9.868, de

1999, in verbis: ―Art. 16. Proposta a ação declaratória, não se admitirá

desistência‖.

7. PROVIMENTO JURISDICIONAL IN LIMINE LITIS

À vista do artigo 21 da Lei nº 9.868, de 1999, o Supremo Tribunal

Federal pode, mediante deliberação da maioria absoluta dos Ministros

58

―Ademais, esta Corte adotou entendimento no sentido de que o instrumento de mandato outorgado para propositura de ação do controle concentrado de constitucionalidade deve conter poderes especiais e específicos, indicando a norma objeto da ação [ADIs n.s 2.381/MC, Ministro SEPÚLVEDA PERTENCE, DJ de 25.5.02; e 2.187/QO, Ministro OCTAVIO GALLOTTI, DJ de 12.12.03]. A procuração outorgada pelo diretório requerente não explicita qual o preceito normativo a que se refere a ação declaratória. Nego seguimento a esta ação declaratória de constitucionalidade, nos termos do artigo 21, § 1º, do RISTF.‖ (ADC nº 25/SP, Relator Ministro EROS GRAU, Diário da Justiça Eletrônico de 16 de dezembro de 2009).

Page 43: BERNARDO PIMENTEL SOUZA - DAS       AÇÕES CONSTITUCIONAIS

integrantes da Corte, determinar liminarmente a suspensão dos processos

individuais e coletivos relativos à aplicação da lei ou do ato normativo objeto da

ação, até o julgamento definitivo do mérito do processo da ação declaratória.

Concedida a medida cautelar, o processo deve prosseguir e ser objeto

de julgamento definitivo no prazo de cento e oitenta dias, conforme determina o

artigo 21, parágrafo único, in fine, da Lei nº 9.868, de 1999.

Resta saber quais são os efeitos do julgamento cautelar proferido no

processo de ação declaratória de constitucionalidade. A despeito da omissão

do legislador no artigo 21 da Lei nº 9.868, de 1999, os Ministros do Supremo

Tribunal Federal já assentaram que a medida cautelar deferida ―em sede de

ação declaratória de constitucionalidade, além de produzir eficácia erga omnes,

reveste-se de efeito vinculante, relativamente ao Poder Executivo e aos demais

órgãos do Poder Judiciário‖59-60. Por fim, no que tange ao termo inicial da

eficácia do provimento cautelar, incide o § 1º do artigo 11 da Lei nº 9.868, de

1999: ―A medida cautelar, dotada de eficácia contra todos, será concedida com

efeito ex nunc, salvo se o Tribunal entender que deva conceder-lhe eficácia

retroativa‖61.

8. INTERVENÇÃO DO PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA

Além da legitimidade ativa para a propositura da ação declaratória de

constitucionalidade, o Procurador-Geral da República também deve intervir nos

demais processos instaurados por força de ações declaratórias ajuizadas por

outros legitimados ativos, quando intervém (o Procurador-Geral da República)

na qualidade de custos legis, em cumprimento ao disposto no § 1º do artigo

103 da Constituição Federal. Por conseguinte, o artigo 19 da Lei nº 9.868

estabelece que o Procurador-Geral da República terá vista pelo prazo de

quinze dias, a fim de emitir pronunciamento acerca do objeto do processo de

ação declaratória de constitucionalidade.

9. INTERVENÇÃO DE TERCEIROS E AMICUS CURIAE

59

Cf. RCL nº 5.831/TO – AgRg, Pleno do STF, Diário da Justiça Eletrônico de 29 de abril de 2010. 60

De acordo, ainda na jurisprudência: ―No julgamento da ADC 4 restou assentada que a decisão que concede medida cautelar em sede de ação declaratória de constitucionalidade é investida da mesma eficácia contra todos e efeito vinculante, características da decisão de mérito.‖ (RCL nº 872/SP – AgRg, Pleno do STF, Diário da Justiça de 20 de maio de 2005, p. 5, sem o grifo no original). 61

De acordo, na jurisprudência: ―TERCEIRA QUESTÃO DE ORDEM - AÇÃO DECLARATÓRIA DE CONSTITUCIONALIDADE - PROVIMENTO CAUTELAR - PRORROGAÇÃO DE SUA EFICÁCIA POR MAIS 180 (CENTO E OITENTA) DIAS - OUTORGA DA MEDIDA CAUTELAR COM EFEITO ‗EX NUNC‘ (REGRA GERAL) - A QUESTÃO DO INÍCIO DA EFICÁCIA DO PROVIMENTO CAUTELAR EM SEDE DE FISCALIZAÇÃO ABSTRATA DE CONSTITUCIONALIDADE - EFEITOS QUE SE PRODUZEM, ORDINARIAMENTE, A PARTIR DA PUBLICAÇÃO, NO DJe, DA ATA DO JULGAMENTO QUE DEFERIU (OU PRORROGOU) REFERIDA MEDIDA CAUTELAR, RESSALVADAS SITUAÇÕES EXCEPCIONAIS EXPRESSAMENTE RECONHECIDAS PELO PRÓPRIO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL - PRECEDENTES (RCL 3.309-MC/ES, REL. MIN. CELSO DE MELLO, v.g.) - COFINS E PIS/PASEP -

FATURAMENTO (CF, ART. 195, I, "B") - BASE DE CÁLCULO - EXCLUSÃO DO VALOR PERTINENTE AO ICMS - LEI Nº 9.718/98, ART. 3º, § 2º, INCISO I - PRORROGAÇÃO DEFERIDA.‖ (ADC nº 18/DF – MC – QO 3, Pleno do STF, Diário da Justiça Eletrônico de 17 de junho de 2010, sem os grifos no original).

Page 44: BERNARDO PIMENTEL SOUZA - DAS       AÇÕES CONSTITUCIONAIS

À vista do artigo 18 da Lei nº 9.868, de 1999, não há lugar para

intervenção de terceiros no processo de ação declaratória de

constitucionalidade. Daí a impossibilidade de oposição, denunciação da lide,

chamamento ao processo, nomeação à autoria nem assistência no processo

de ação declaratória de constitucionalidade.

Não obstante, o Ministro-Relator pode admitir o ingresso de amicus

curiae62, bem como requisitar informações, nomear perito para emitir laudo,

designar audiência para ouvir especialistas, conforme autorizam os §§ 1º, 2º e

3º do artigo 20 da Lei nº 9.868, de 1999.

10. ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO

O Advogado-Geral da União não participa do processo de ação

declaratória de constitucionalidade. Com efeito, ao contrário do artigo 8º da Lei

nº 9.868, de 1999, os artigos 18, 19 e 20 revelam que não há citação do

Advogado-Geral da União no processo instaurado por força da ação

declaratória de constitucionalidade.

11. JULGAMENTO

Prestadas as eventuais informações requisitadas, realizadas as

audiências eventualmente designadas e findas as eventuais diligências

determinadas pelo Ministro-Relator, há a concessão de vista ao Procurador-

Geral da República, para apresentação do respectivo parecer sobre o

processo.

Após, o Ministro-Relator elabora o relatório, com a exposição da petição

inicial, das eventuais informações, audiências e diligências, e do parecer do

Procurador-Geral da República, o Ministro-Relator determina a extração de

cópias para os demais Ministros da Corte e pede dia para julgamento ao

Ministro-Presidente63.

Incluído o processo em pauta por ordem do Ministro-Presidente, há a

publicação do dia e do horário da sessão plenária da Corte no Diário da Justiça

eletrônico.

À vista do artigo 22 da Lei nº 9.868, de 1999, presentes pelo menos oito

Ministros no dia e horário designados para a sessão plenária da Corte, o

Ministro-Presidente dá início ao julgamento do processo da ação declaratória

de constitucionalidade.

Proferidos todos os votos, o Ministro-Presidente proclama a resultado do

julgamento, conforme a maioria absoluta tenha se formado em prol da

declaração da constitucionalidade ou da inconstitucionalidade da lei ou do ato

normativo federal. Na primeira hipótese, há a procedência do pedido do autor

da ação declaratória de constitucionalidade; na segunda, o julgamento é de 62

Como ocorreu, por exemplo, no processo da ação declaratória de constitucionalidade nº 12/DF. 63

Cf. artigo 20, caput, da Lei nº 9.868, de 1999.

Page 45: BERNARDO PIMENTEL SOUZA - DAS       AÇÕES CONSTITUCIONAIS

improcedência, conforme se infere do artigo 24 da Lei nº 9.868, de 1999: ―Art.

24. Proclamada a constitucionalidade, julgar-se-á improcedente a ação direta

ou procedente eventual ação declaratória; e, proclamada a

inconstitucionalidade, julgar-se-á procedente a ação direta ou improcedente

eventual ação declaratória‖.

Em regra, o julgamento definitivo proferido em processo de ação

declaratória de constitucionalidade tem efeitos ex tunc, erga omnes e

vinculante em relação aos juízos e tribunais do Poder Judiciário e aos órgãos e

entidades integrantes do Poder Executivo, tanto da administração direta quanto

indireta, nas esferas federal, estadual, distrital e municipal, tudo nos termos do

artigo 102, § 2º, da Constituição Federal64-65.

Não obstante, o artigo 27 da Lei nº 9.868 confere aos Ministros da

Suprema Corte a possibilidade da modulação temporal, com o afastamento da

regra consubstanciada no efeito ex tunc, desde que assim votem pelo menos

oito Ministros, seja pela produção de efeito ex nunc, seja por outro momento

temporal para o início da eficácia da declaração da inconstitucionalidade.

Em suma, o resultado do julgamento – pela constitucionalidade ou pela

inconstitucionalidade da lei ou do ato normativo federal – se dá à vista da

maioria absoluta de seis Ministros; já a modulação temporal que implique

afastamento da regra consubstanciada no efeito ex tunc depende da maioria

qualificada de dois terços, vale dizer, oito Ministros.

12. RECORRIBILIDADE DO JULGAMENTO

Os julgados do Plenário do Supremo Tribunal Federal proferidos nos

processos de ação declaratória de constitucionalidade são recorríveis apenas

mediante embargos de declaração. Não há lugar para nenhuma outra espécie

recursal, nem mesmo para a interposição de embargos infringentes, na

eventualidade de alguma divergência durante a votação na sessão plenária.

Sem dúvida, o único recurso autorizado no artigo 26 da Lei nº 9.868 é o

previsto no artigo 535 do Código de Processo Civil: embargos de declaração.

13. AÇÃO RESCISÓRIA: IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA

Por força do artigo 26 da Lei nº 9.868, de 1999, não é admissível ação

rescisória contra julgado proferido em ação declaratória de constitucionalidade.

Na verdade, nenhum julgamento proferido em controle concentrado de

constitucionalidade é passível de impugnação mediante ação rescisória.

64

Em virtude do efeito vinculante, eventual desrespeito ao julgado pode ensejar reclamação ao Supremo Tribunal Federal, para assegurar a autoridade e o efetivo cumprimento da decisão da Corte. 65

Vale ressaltar, todavia, que o efeito vinculante não alcança nenhuma das Casas do Poder Legislativo, as quais preservam o poder legiferante de forma integral, motivo pelo é juridicamente possível a aprovação de emenda constitucional ulterior para modificar o texto objeto do julgamento no Supremo Tribunal Federal.

Page 46: BERNARDO PIMENTEL SOUZA - DAS       AÇÕES CONSTITUCIONAIS

14. AÇÃO DECLARATÓRIA DE CONSTITUCIONALIDADE EM

TRIBUNAL DE JUSTIÇA

A despeito do silêncio do constituinte federal, o princípio da simetria

consagrado no caput do artigo 125 da Constituição de 1988 autoriza a

reprodução da competência dos Tribunais de Justiça, para o processamento e

julgamento de ações declaratórias de constitucionalidade de leis e atos

normativos locais à luz das Constituições dos Estados e da Lei Orgânica do

Distrito Federal, conforme o caso.

O raciocínio também encontra sustentação no artigo 30 da Lei nº 9.868,

de 1999, especialmente no § 4º e o respectivo inciso I, nos quais o legislador

federal prevê ―ações diretas de constitucionalidade‖ ―perante o Tribunal de

Justiça do Distrito Federal e Territórios‖. Na mesma esteira, o artigo 8º, inciso I,

alínea ―o‖, da Lei nº 11.697, de 2008, dispõe sobre a competência do Tribunal

de Justiça para processar e julgar originariamente ―a ação declaratória de

constitucionalidade de lei ou ato normativo do Distrito Federal em face de sua

Lei Orgânica‖.

Sob todos os prismas, portanto, é lícito concluir em prol da competência

dos Tribunais de Justiça para o processamento e julgamento de ações

declaratórias de constitucionalidade de leis e atos normativos locais à luz das

Constituição dos Estados e da Lei Orgânica do Distrito Federal,

respectivamente.

Page 47: BERNARDO PIMENTEL SOUZA - DAS       AÇÕES CONSTITUCIONAIS

CAPÍTULO IV

ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO CONSTITUCIONAL

1. PRECEITOS CONSTITUCIONAIS E LEGAIS DE REGÊNCIA

A arguição de descumprimento de preceito fundamental está prevista no

artigo 102, § 1º, da Constituição Federal, e regulamentada na Lei nº 9.882, de

1999.

Com efeito, a arguição de descumprimento de preceito fundamental é

instituto originário da Constituição de 1988, sem similar nas Constituições e

Cartas anteriores, mas que só foi regulamentado em 1999, por força da Lei nº

9.882.

2. NATUREZA JURÍDICA

A arguição de descumprimento de preceito fundamental tem natureza

jurídica de ação. Trata-se de ação de competência originária do Supremo

Tribunal Federal, de modo a instaurar processo de controle concentrado de

constitucionalidade na Corte Suprema.

Não obstante, trata-se de ação subsidiária, porquanto só é admissível na

falta de outra via processual idônea para impugnar ato inconstitucional

proveniente de ente ou órgão do Poder Público. A propósito da subsidiariedade

que caracteriza a arguição de descumprimento de preceito fundamental, vale

conferir o disposto no § 1º do artigo 4º da Lei nº 9.882, de 1999, in verbis: ―§

1o Não será admitida argüição de descumprimento de preceito fundamental

quando houver qualquer outro meio eficaz de sanar a lesividade‖.

A arguição de descumprimento de preceito fundamental, portanto, é

ação subsidiária cujo escopo é completar o sistema de controle concentrado de

constitucionalidade dos atos oriundos do Poder Público66.

3. CONCEITO E ADMISSIBILIDADE

À vista da Lei nº 9.882, de 1999, a arguição de descumprimento de

preceito fundamental é ação de competência originária do Supremo Tribunal

Federal cabível para ―evitar ou reparar lesão a preceito fundamental, resultante

de ato do Poder Público‖, salvo ―quando houver qualquer outro meio eficaz de

sanar a lesividade‖.

Por conseguinte, a ação de arguição de descumprimento de preceito

fundamental é admissível para sustentar a constitucionalidade ou a

66

De acordo, na jurisprudência: ―II - A argüição de descumprimento de preceito fundamental é regida pelo princípio da subsidiariedade a significar que a admissibilidade desta ação constitucional pressupõe a inexistência de qualquer outro meio juridicamente apto a sanar, com efetividade real, o estado de lesividade do ato impugnado.‖ (ADPF nº 134/CE – AgRg, Pleno do STF, Diário da Justiça Eletrônico de 6 de agosto de 2009).

Page 48: BERNARDO PIMENTEL SOUZA - DAS       AÇÕES CONSTITUCIONAIS

inconstitucionalidade das leis e dos atos normativos federais ou locais que

sejam anteriores à Constituição de 1988, e também a constitucionalidade ou a

inconstitucionalidade das leis e dos atos normativos municipais posteriores (a

1988) em relação à Constituição Federal vigente, em razão da inadequação da

ação direta de inconstitucionalidade, da ação declaratória de

constitucionalidade e de outras vias processuais67.

Na mesma esteira, a arguição de descumprimento de preceito

fundamental também é admissível na hipótese prevista no enunciado nº 642 da

súmula do Supremo Tribunal Federal. Com efeito, diante da impossibilidade

jurídica de ação direta de inconstitucionalidade acerca de lei ou ato normativo

distrital de índole municipal objeto de contestação em face da Constituição

Federal, a arguição de descumprimento de preceito fundamental é a via

processual cabível na espécie.

Em contraposição, a arguição de descumprimento de preceito

fundamental não é admissível para impugnar decisões judiciais transitadas em

julgado, as quais são passíveis de impugnação mediante ação rescisória, via

processual específica cabível para desconstituir a coisa julgada. Daí a

incidência do ―princípio da subsidiariedade‖68.

A arguição de descumprimento de preceito fundamental não admissível

quando há desrespeito a enunciado sumular vinculante aprovado na Corte

Suprema, porquanto a via adequada é a reclamação constitucional. Também

não é admissível ação de arguição de descumprimento de preceito

fundamental cujo objeto seja a revisão ou o cancelamento de enunciado de

súmula vinculante, porquanto o procedimento administrativo adequado está

previsto na Lei nº 11.417 e no Regimento Interno do Supremo Tribunal

Federal69.

À vista do exposto, é lícito conceituar a arguição de descumprimento de

preceito fundamental como a ação de natureza subsidiária que integra o

controle concentrado de constitucionalidade exercido pelo Supremo Tribunal

Federal, para a impugnação dos atos dos entes e órgãos do Poder Público que

estão fora do alcance de outras vias processuais existentes no ordenamento

jurídico.

67

Cf. artigo 1º, parágrafo único, inciso I, da Lei nº 9.882, de 1999. 68

De acordo, na jurisprudência: ―CONSTITUCIONAL. AGRAVO REGIMENTAL. ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL. VINCULAÇÃO DO REAJUSTE DA REMUNERAÇÃO DE SERVIDORES PÚBLICOS AO SALÁRIO MÍNIMO. COISA JULGADA. NORMAS QUE PERDERAM SUA VIGÊNCIA. PRINCÍPIO DA SUBSIDIARIEDADE. AGRAVO IMPROVIDO. I - O presente caso objetiva a desconstituição de decisões judiciais, dentre as quais muitas já transitadas em julgado, que aplicaram índice de reajuste coletivo de trabalho definido pelos Decretos Municipais 7.153/1985, 7.182/1985, 7.183/1985, 7.251/1985, 7.144/1985, 7.809/1988 e 7.853/1988, bem como pela Lei Municipal 6.090/86, todos do Município de Fortaleza/CE. Este instituto de controle concentrado de constitucionalidade não tem como função desconstituir coisa julgada.‖ (ADPF nº 134/CE – AgRg, Pleno do STF, Diário da Justiça Eletrônico de 6 de agosto de 2009, sem os grifos no original). 69

De acordo, na jurisprudência: ―2. A arguição de descumprimento de preceito fundamental não é a via adequada para se obter a interpretação, a revisão ou o cancelamento de súmula vinculante.‖ (ADPF nº 147/DF – AgRg, Pleno do STF, Diário da Justiça eletrônico de 7 de abril de 2011).

Page 49: BERNARDO PIMENTEL SOUZA - DAS       AÇÕES CONSTITUCIONAIS

4. LEGITIMIDADE ATIVA

À vista do artigo 2º, inciso I, da Lei nº 9.882, de 1999, a legitimidade para

a propositura da ação de arguição de descumprimento de preceito fundamental

é equiparada à legitimidade ativa para a ação direta de inconstitucionalidade e

para a ação declaração de constitucionalidade, com a igual aplicação, portanto,

do disposto no artigo 103 da Constituição Federal. Por conseguinte, a ação de

arguição de descumprimento de preceito fundamental só pode ser ajuizada

pelo Presidente da República, pelas Mesas do Senado e da Câmara dos

Deputados, pelas Mesas das Assembleias Legislativas dos Estados e da

Câmara Legislativa do Distrito Federal, pelos Governadores dos Estados e do

Distrito Federal, pelo Procurador-Geral da República, pelo Conselho Federal da

Ordem dos Advogados do Brasil, por partido político com representação no

Congresso Nacional e por confederação sindical ou entidade de classe de

âmbito nacional.

Não obstante, as Mesas das Assembleias Legislativas dos Estados e da

Câmara Legislativa do Distrito Federal, os Governadores dos Estados e do

Distrito Federal, as confederações sindicais e as entidades de classe nacionais

só têm legitimidade ativa para ajuizar ações de arguição de descumprimento de

preceito fundamental que versem sobre os respectivos direitos e atribuições

institucionais, com a demonstração da pertinência temática70. Em

contraposição, o Presidente da República, as Mesas do Senado e da Câmara

dos Deputados, o Procurador-Geral da República, o Conselho Federal da

Ordem dos Advogados do Brasil e os partidos políticos com representação no

Congresso Nacional têm legitimidade ativa ampla, independentemente da

pertinência temática das ações que propõem com os respectivos direitos e

atribuições institucionais.

Em suma, apenas os legitimados ativos para a ação direta de

inconstitucionalidade – e, por consequência, para a ação declaratória de

constitucionalidade – podem aviar a arguição de descumprimento de preceito

fundamental71.

5. FUNGIBILIDADE DAS VIAS DE CONTROLE CONCENTRADO DE

CONSTITUCIONALIDADE: POSSIBILIDADE

70

Cf. ADPF nº 144/DF, Pleno do STF, Diário da Justiça eletrônico de 25 de fevereiro de 2010. 71

De acordo, na jurisprudência: ―LEGITIMIDADE. Ativa. Inexistência. Ação por descumprimento de preceito fundamental (ADPF). Prefeito municipal. Autor não legitimado para ação direta de inconstitucionalidade. Ilegitimidade reconhecida. Negativa de seguimento ao pedido. Recurso, ademais, impertinente. Agravo improvido. Aplicação do art. 2º, I, da Lei federal nº 9.882/99. Precedentes. Quem não tem legitimidade para propor ação direta de inconstitucionalidade, não a tem para ação de descumprimento de preceito fundamental.‖ (ADPF nº 148/SP – AgRg, Pleno do STF, Diário da Justiça Eletrônico de 5 de fevereiro de 2009, sem o grifo no original). ―Agravo regimental em argüição de descumprimento de preceito fundamental. 2. Ação proposta por particular. 3. Ausência de legitimidade. Somente podem propor ADPF os legitimados para a ação direta de inconstitucionalidade (art. 2º, I, da Lei nº 9.882/99).‖ (ADPF nº 11/SP – AgRg, Pleno do STF, Diário da Justiça de 5 de agosto de 2005, p. 6, sem o grifo no original).

Page 50: BERNARDO PIMENTEL SOUZA - DAS       AÇÕES CONSTITUCIONAIS

Ao contrário do que pode parecer à vista das Leis nºs 9.868 e 9.882, de

1999, a ação direta de inconstitucionalidade, a ação declaratória de

constitucionalidade, a ação de arguição de descumprimento de preceito

fundamental e as outras espécies que integram o controle concentrado de

constitucionalidade da competência originária do Supremo Tribunal Federal

podem ser convertidas na via adequada. Não obstante, a fungibilidade

depende da existência na via eleita de todos os requisitos de admissibilidade

da via adequada, como a legitimidade ativa72.

6. PETIÇÃO INICIAL

A petição inicial da arguição de descumprimento de preceito

fundamental deve ser elaborada à luz do artigo 3º da Lei nº 9.882, de 1999, e

ser veiculada na forma eletrônica prevista no artigo 18 da Resolução nº 421, de

200973.

A petição inicial deve ser endereçada ao Supremo Tribunal Federal,

mais especificamente, ao Ministro-Presidente da Corte Suprema, a quem

compete distribuir o processo ao Ministro-Relator.

À vista do artigo 3º da Lei nº 9.882, de 1999, a petição inicial deve conter

a precisa indicação do ―preceito fundamental que se considera violado‖, do ―ato

questionado‖, da ―prova da violação do preceito fundamental‖, ―o pedido, com

suas especificações‖ e, ―se for o caso, a comprovação da existência de

controvérsia judicial relevante sobre a aplicação do preceito fundamental que

se considera violado‖, como em caso de pedido de declaração de

constitucionalidade de lei ou ato normativo estadual, distrital ou municipal à luz

da Constituição Federal.

Ainda em relação aos pedidos que podem ser veiculado na petição

inicial da arguição de descumprimento de preceito fundamental, o autor

também pode requerer a concessão de medida liminar, com fundamento nos

artigos 5º e 6º da Lei nº 9.882, de 1999.

No que tange aos documentos eletrônicos que devem instruir a petição

inicial, deve estar ―acompanhada de instrumento de mandato‖ outorgado em

prol do advogado constituído para a causa74.

72

De acordo, na jurisprudência: ―1. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. Impropriedade da ação. Conversão em Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental - ADPF. Admissibilidade. Satisfação de todos os requisitos exigidos à sua propositura. Pedido conhecido como tal. Aplicação do princípio da fungibilidade. Precedentes. É lícito conhecer de ação direta de inconstitucionalidade como argüição de descumprimento de preceito fundamental, quando coexistentes todos os requisitos de admissibilidade desta, em caso de inadmissibilidade daquela.‖ (ADI nº 4.180/DF – MC – REF, Pleno do STF, Diário da Justiça eletrônico de 15 de abril de 2010). 73

―Art. 18. As classes processuais Reclamação (RCL), Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC), Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO), Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) e Proposta de Súmula Vinculante (PSV) passam a ser processadas, exclusivamente, no sistema eletrônico do STF (e-STF ).‖ (sem os grifos no original). 74

Por óbvio, o requisito não é aplicável quando a ação é ajuizada pelo Procurador-Geral da República, porquanto os promotores e procuradores do Ministério Público são dotados de capacidade postulatória ex vi legis.

Page 51: BERNARDO PIMENTEL SOUZA - DAS       AÇÕES CONSTITUCIONAIS

Por fim, cabe ao Ministro-Relator proferir juízo de admissibilidade da

petição inicial. Se constatar a manifesta inadequação da via eleita, a carência

de fundamentos, a total improcedência do pedido ou irregularidades formais

insanáveis na petição inicial, o Ministro-Relator indefere a petição inicial

liminarmente, com fundamento no artigo 4º da Lei nº 9.882, de 1999, por meio

de decisão monocrática, contra a qual cabe recurso de agravo interno ou

regimental, no prazo de cinco dias, para o Plenário da Corte Suprema. Em

contraposição, se a petição inicial estiver ―em termos‖, o Ministro-Relator

determina o processamento, conforme a veiculação de pedido de medida

liminar, ou não.

7. MEDIDA CAUTELAR LIMINAR

Como já anotado, há possibilidade de provimento jurisdicional liminar no

processo de arguição de descumprimento de preceito fundamental, até mesmo

para que juízes e tribunais suspendam o andamento de processos em

tramitação, tendo em vista a expressa previsão da medida nos artigos 5º e 6º

da Lei nº 9.882, de 1999.

Antes da deliberação sobre a medida requerida pelo autor, todavia, o

Ministro-Relator ―poderá ouvir os órgãos ou autoridades responsáveis pelo ato

questionado, bem como o Advogado-Geral da União ou o Procurador-Geral da

República, no prazo comum de cinco dias‖75.

Em regra, a decisão sobre a medida liminar deve ser tomada em sessão

plenária do Supremo Tribunal Federal, à luz dos votos da maioria absoluta dos

Ministros da Corte, conforme o disposto no caput do artigo 5º da Lei nº 9.882,

de 1999: ―Art. 5o O Supremo Tribunal Federal, por decisão da maioria absoluta

de seus membros, poderá deferir pedido de medida liminar na argüição de

descumprimento de preceito fundamental‖.

Não obstante, há possibilidade do deferimento da medida liminar

mediante decisão monocrática do Ministro-Relator ou do Ministro-Presidente

nas hipóteses excepcionais previstas no § 1º do artigo 5º da Lei nº 9.882, de

1999, condicionada à posterior ratificação em sessão plenária da Corte, assim

que possível76.

8. PROCEDIMENTO E JULGAMENTO

Admitida a petição inicial, com ou sem deferimento de medida liminar, o

Ministro-Relator deve conduzir e instruir o processo da arguição de

descumprimento de preceito fundamental rumo ao Plenário da Corte.

A despeito das eventuais manifestações, informações e pareceres já

apresentados no quinquídio previsto no § 2º do artigo 5º da Lei nº 9.882, de

75

Artigo 5º, § 2º, da Lei nº 9.882, de 1999. 76

Por exemplo, assim que retomados os trabalhos dos Ministros no Supremo Tribunal Federal, após as férias forenses.

Page 52: BERNARDO PIMENTEL SOUZA - DAS       AÇÕES CONSTITUCIONAIS

1999, cabe ao Ministro-Relator solicitar informações às autoridades

responsáveis pela prática do ato questionado, para que possam ser prestadas

em dez dias77.

Apresentadas as informações, o Ministro-Relator deve abrir vista ao

Procurador-Geral da República, pelo prazo de cinco dias. Segundo o parágrafo

único do artigo 7º na Lei nº 9.882, de 1999, a abertura de vista só tem lugar nos

processos nos quais o Procurador-Geral da República atua na qualidade de

custos legis, e não como autor da arguição.

Também cabe ao Ministro-Relator decidir sobre eventuais requerimentos

de interessados no processo, bem como autorizar a juntada de memoriais e a

sustentação oral das respectivas alegações.

O Ministro-Relator também pode nomear perito para emitir laudo e

designar audiência para ouvir pessoas especialistas na matéria sob

julgamento.

Finda a instrução, o Ministro-Relator lança o relatório, determina a

extração de cópias aos demais Ministros e pede a inclusão do processo em

pauta ao Ministro-Presidente.

No dia e no horário previstos na pauta, o Ministro-Presidente dá início ao

julgamento do processo, desde que ―presentes na sessão pelo menos dois

terços dos Ministros‖, vale dizer, oito Ministros. É o quorum constitutivo,

necessário para a realização do julgamento.

Presentes oito ou mais Ministros, o Presidente dá início ao julgamento,

com a leitura do relatório pelo Ministro-Relator. Após, há as sustentações orais,

as discussões e as prolações dos votos.

Colhidos os votos, o Ministro-Presidente deve anunciar o resultado, à luz

da maioria absoluta formada durante o julgamento, com a declaração da

constitucionalidade ou da inconstitucionalidade da lei ou do ato normativo

impugnado, conforme o caso.

À vista dos artigos 10, § 3º, e 13 da Lei nº 9.882, de 1999, os

julgamentos definitivos proferidos no Supremo Tribunal Federal nos processos

de arguição de descumprimento de preceito fundamental têm efeitos ex tunc,

erga omnes e vinculante, com a consequente possibilidade de reclamação à

Corte, na eventualidade de desrespeito ao que foi julgado.

Não obstante, os efeitos do julgamento podem ser modificados por força

da maioria qualificada de dois terços. Sem dúvida, os efeitos do julgamento

podem ser alterados por ―razões de segurança jurídica ou de excepcional

interesse social‖, se assim votarem pelo menos oito Ministros. A autorização

para a modulação dos efeitos consta do artigo 11 da Lei nº 9.882, in verbis:

―Art. 11. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, no

processo de argüição de descumprimento de preceito fundamental, e tendo em

77

Cf. artigo 6º, caput, da Lei nº 9.882, de 1999: ―Art. 6o Apreciado o pedido de liminar, o relator solicitará

as informações às autoridades responsáveis pela prática do ato questionado, no prazo de dez dias‖.

Page 53: BERNARDO PIMENTEL SOUZA - DAS       AÇÕES CONSTITUCIONAIS

vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o

Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros,

restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a

partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado‖.

Por fim, o artigo 12 da Lei nº 9.882 consagra a irrecorribilidade e a

imutabilidade dos julgamentos definitivos proferidos no Supremo Tribunal

Federal nos processos de arguição de descumprimento de preceito

fundamental, in verbis: ―Art. 12. A decisão que julgar procedente ou

improcedente o pedido em arguição de descumprimento de preceito

fundamental é irrecorrível, não podendo ser objeto de ação rescisória‖. Não

obstante, sustenta-se, no presente compêndio, o cabimento do recurso de

embargos de declaração, a fim de que os direitos – à publicidade e à

fundamentação – consagrados no inciso IX do artigo 93 da Constituição

Federal também sejam observados nos julgamentos proferidos nos processos

de arguição de descumprimento de preceito fundamental.

Page 54: BERNARDO PIMENTEL SOUZA - DAS       AÇÕES CONSTITUCIONAIS

CAPÍTULO V

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO

1. PRECEITOS CONSTITUCIONAIS E LEGAIS DE REGÊNCIA

A ação direta de inconstitucionalidade por omissão está prevista no § 2º

do artigo 103 da Constituição Federal e nos artigos 12-A a 12-H da Lei nº

9.868, de 1999, acrescentados pela Lei nº 12.063, de 2009. Trata-se de

inovação do constituinte de 1987 e 1988 em relação às Constituições e Cartas

pretéritas, a fim de conferir ao Supremo Tribunal Federal competência

originária para exercer o controle da constitucionalidade das omissões

legislativas e administrativas dos entes e órgãos públicos no tocante à

regulamentação e disponibilização dos direitos consagrados na Constituição

Federal.

Por fim, vale ressaltar que os artigos 12-E e 12-H, § 3º, ambos da Lei nº

9.868, de 1999, acrescentados por força da Lei nº 12.063, de 2009,

determinam a aplicação das regras gerais do processo da ação direta de

inconstitucionalidade ao processo da ação direta de inconstitucionalidade por

omissão.

2. CONCEITO, ESCOPO E ADMISSIBILIDADE

A ação direta de inconstitucionalidade por omissão é a ação de

competência originária do Supremo Tribunal Federal adequada para a

declaração da mora legislativa proveniente da ausência de regulamentação de

preceitos constitucionais de eficácia limitada, bem como da mora

administrativa, quando a omissão em relação ao cumprimento da Constituição

Federal tem lugar em entes ou órgãos da Administração Pública. É, portanto, a

ação que compõe o sistema de controle concentrado de constitucionalidade

exercido pelo Supremo Tribunal Federal cabível para a declaração da

inconstitucionalidade diante da omissão legislativa ou administrativa de ente ou

órgão público em relação a direitos previstos na Constituição Federal78.

78

Assim, na jurisprudência: ―DESRESPEITO À CONSTITUIÇÃO - MODALIDADES DE COMPORTAMENTOS INCONSTITUCIONAIS DO PODER PÚBLICO. - O desrespeito à Constituição tanto pode ocorrer mediante ação estatal quanto mediante inércia governamental. A situação de inconstitucionalidade pode derivar de um comportamento ativo do Poder Público, que age ou edita normas em desacordo com o que dispõe a Constituição, ofendendo-lhe, assim, os preceitos e os princípios que nela se acham consignados. Essa conduta estatal, que importa em um facere (atuação positiva), gera a inconstitucionalidade por ação. - Se o Estado deixar de adotar as medidas necessárias à realização concreta dos preceitos da Constituição, em ordem a torná-los efetivos, operantes e exeqüíveis, abstendo-se, em conseqüência, de cumprir o dever de prestação que a Constituição lhe impôs, incidirá em violação negativa do texto constitucional. Desse non facere ou non praestare, resultará a inconstitucionalidade por omissão, que pode ser total, quando é nenhuma a providência adotada, ou parcial, quando é insuficiente a medida efetivada pelo Poder Público.‖ (ADI nº 1.439/DF – MC, Pleno do STF, Diário da Justiça de 30 de maio de 2003, p. 28, sem o grifo no original). ―6. Quando o poder público se abstém do dever de cumprir a Constituição, cabe ação direta de inconstitucionalidade por omissão

Page 55: BERNARDO PIMENTEL SOUZA - DAS       AÇÕES CONSTITUCIONAIS

Em contraposição, se o preceito da Constituição Federal tem eficácia

imediata, sem depender de regulamentação alguma, não há lugar para a ação

direta de inconstitucionalidade por omissão79. Sem dúvida, a eventual omissão

dos entes e órgãos públicos em relação a direitos de eficácia plena previstos

na Constituição pode ensejar mandado de segurança, mas não a ação direta

de inconstitucionalidade por omissão.

A ação direta de inconstitucionalidade por omissão também não é

admissível quando o preceito constitucional já foi objeto de regulamentação80.

Eventual descompasso entre a lei ou o ato normativo de regulamentação e o

preceito constitucional regulamentado pode ensejar ação direta de

inconstitucionalidade, mas nunca a ação de inconstitucionalidade por omissão.

Em síntese, a ação direta de inconstitucionalidade por omissão é ação

de controle concentrado de constitucionalidade da competência do Supremo

Tribunal Federal cujo escopo é a declaração da inconstitucionalidade da mora

legislativa ou administrativa de ente ou órgão público na regulamentação ou

efetivação de direito previsto na Constituição Federal.

3. LEGITIMIDADE ATIVA

A ação direta de inconstitucionalidade por omissão pode ser ajuizada

pelos legitimados arrolados no artigo 103 da Constituição Federal. Na mesma

esteira, o artigo 12-A da Lei nº 9.868 estabelece que os legitimados ativos são

os mesmos que podem ajuizar a ação direta de inconstitucionalidade e a ação

declaratória de constitucionalidade. Por conseguinte, a ação direta de

inconstitucionalidade por omissão pode ser proposta pelo Presidente da

República, pelas Mesas do Senado e da Câmara dos Deputados, pelas Mesas

das Assembleias Legislativas dos Estados e da Câmara Legislativa do Distrito

Federal, pelos Governadores dos Estados e do Distrito Federal, pelo

Procurador-Geral da República, pelo Conselho Federal da Ordem dos

Advogados do Brasil, por partido político com representação no Congresso

Nacional e por confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.

Por oportuno, vale ressaltar a importante diferença que existe entre a

ação direta de inconstitucionalidade por omissão e o mandado de injunção em

relação à legitimidade ativa: a ação direta de inconstitucionalidade por omissão

só pode ser ajuizada por algum dos legitimados ativos arrolados no artigo 103

da Constituição Federal, enquanto o mandado de injunção pode ser impetrado

(CF, artigo 103, § 2º).‖ (MS nº 23.914/DF – AgRg, Pleno do STF, Diário da Justiça de 24 de agosto de 2001, p. 48). 79

Assim, na jurisprudência: ―- Ação direta de inconstitucionalidade por omissão, de que não se conhece, por ser auto-aplicável o dispositivo constitucional (art. 20 do ADCT), cuja possibilidade de cumprimento pretende o Requerente ver suprida.‖ (ADI nº 297/DF, Pleno do STF, Diário da Justiça de 8 de novembro de 1996, p. 43.199). 80

De acordo, na jurisprudência: ―AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSAO. ARTS. 203, V, E 204, DA CF/88. Dispositivos que já se acham regulamentados pela superveniente Lei n. 8.745/93. Pedido prejudicado.‖ (ADI nº 877/DF, Pleno do STF, Diário da Justiça de 27 de outubro de 1995, p. 36.331).

Page 56: BERNARDO PIMENTEL SOUZA - DAS       AÇÕES CONSTITUCIONAIS

por qualquer pessoa – física ou jurídica – cujo direito subjetivo previsto na

Constituição Federal depende de regulamentação legislativa para ser exercido.

4. DESISTÊNCIA DA AÇÃO PROPOSTA: IMPOSSIBILIDADE

A ação direta de inconstitucionalidade por omissão não é passível de

desistência. A propósito, vale conferir o artigo 12-D da Lei nº 9.868, de 1999,

acrescentado pela Lei nº 12.063, de 2009: ―Art. 12-D. Proposta a ação direta de

inconstitucionalidade por omissão, não se admitirá desistência‖.

5. FUNGIBILIDADE DAS VIAS DE CONTROLE CONCENTRADO DE

CONSTITUCIONALIDADE: POSSIBILIDADE

A despeito da omissão das Leis nºs 9.868, de 1999, e 12.063, de 2009,

o princípio da fungibilidade é aplicável em relação às ações que formam o

sistema de controle concentrado de constitucionalidade de competência do

Supremo Tribunal Federal. Sem dúvida, satisfeitos os requisitos de

admissibilidade, como a legitimidade ativa, a ação de controle concentrado de

constitucionalidade inadequada à espécie merece ser convertida e processada

de forma regular. Daí a perfeita conversibilidade de ação direta de

inconstitucionalidade em ação de inconstitucionalidade por omissão e vice-

versa81.

6. PETIÇÃO INICIAL

A petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade por omissão

deve ser elaborada de acordo com o disposto no artigo 12-B da Lei nº 9.868,

de 1999, acrescentado pela Lei nº 12.063, de 2009.

À vista do inciso I do artigo 12-B, o autor deve indicar na petição inicial

―a omissão inconstitucional total ou parcial quanto ao cumprimento de dever

constitucional de legislar ou quanto à adoção de providência de índole

administrativa‖, sob pena de indeferimento liminar.

O autor também deve formular os pedidos, com as especificações

cabíveis82. Ainda em relação aos pedidos, o autor pode requerer a concessão

de medida cautelar in limine litis, a qual ―poderá consistir na suspensão da

aplicação da lei ou do ato normativo questionado, no caso de omissão parcial,

bem como na suspensão de processos judiciais ou de procedimentos

administrativos, ou ainda em outra providência a ser fixada pelo Tribunal‖83.

A petição inicial deve ser endereçada ao Ministro-Presidente do

Supremo Tribunal Federal e protocolizada de forma eletrônica, conforme o

81

De acordo, na jurisprudência: ―Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI n.° 875/DF, ADI n.° 1.987/DF, ADI n.° 2.727/DF e ADI n.° 3.243/DF). Fungibilidade entre as ações diretas de inconstitucionalidade por ação e por omissão.‖ (ADI nº 875/DF, Pleno do STF, Diário da Justiça eletrônico de 29 de abril de 2010). 82

Cf. artigo 12-B, inciso II, da Lei nº 9.868, de 1999, acrescentado pela Lei nº 12.063, de 2009. 83

Artigo 12-F, § 1º, da Lei nº 9.868, de 1999, acrescentado pela Lei nº 12.063, de 2009.

Page 57: BERNARDO PIMENTEL SOUZA - DAS       AÇÕES CONSTITUCIONAIS

disposto no artigo 18 da Resolução nº 421, de 200984, já com os documentos

eletrônicos ―necessários para comprovar a alegação de omissão‖ e

―acompanhada do instrumento de procuração, se for o caso‖, em cumprimento

ao artigo 12-B, parágrafo único, da Lei nº 9.868, de 1999, acrescentado pela

Lei nº 12.063, de 2009.

Distribuída a petição inicial pelo Ministro-Presidente, há a conclusão ao

Ministro-Relator designado, a quem compete proferir o juízo de admissibilidade

previsto no artigo 12-C da Lei nº 9.868, de 1999, acrescentado pela Lei nº

12.063, de 2009. Assim, na eventualidade de inépcia da petição inicial,

ausência de fundamentação ou manifesta improcedência, cabe ao Ministro-

Relator indeferir desde logo a petição inicial e extinguir o processo mediante

decisão monocrática.

Não obstante, o autor pode recorrer mediante agravo interno ou

regimental, no prazo de cinco dias, com fundamento no artigo 12-C, parágrafo

único, da Lei nº 9.868, de 1999, a fim de que o Plenário decida sobre a

admissibilidade da ação.

Por fim, se a petição inicial estiver ―em termos‖, o Ministro-Relator a

admite e determina o processamento da ação à vista do artigo 12-F ou do

artigo 12-E, ambos da Lei nº 9.868, de 1999, conforme o autor tenha formulado

pedido cautelar, ou não, respectivamente.

7. MEDIDA CAUTELAR LIMINAR

Até o advento da Lei nº 12.063, de 2009, subsistiu a orientação

jurisprudencial da Corte Suprema proibitória de medida cautelar liminar em

processo de ação direta de inconstitucionalidade por omissão85. Em 2009,

entretanto, com a superveniência da Lei nº 12.063, houve um giro de cento e

oitenta graus, porquanto os artigos 12-F e 12-G foram incluídos no bojo da Lei

nº 9.868, para permitir a concessão de medida cautelar liminar em processo de

ação de inconstitucionalidade por omissão, para a suspensão da aplicação da

lei ou do ato normativo questionado, para a suspensão de processos judiciais e

procedimentos administrativos ou para a fixação de outra providência

determinada pela maioria absoluta dos Ministros que integram o Supremo

Tribunal Federal.

84

―Art. 18. As classes processuais Reclamação (RCL), Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC), Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO), Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) e Proposta de Súmula Vinculante (PSV) passam a ser processadas, exclusivamente, no sistema eletrônico do STF (e-STF ).‖ (sem os grifos no original). 85

Cf. ADI nº 1.458/DF – MC, Pleno do STF, Diário da Justiça de 20 de setembro de 1996, p. 34.531: ―INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO - DESCABIMENTO DE MEDIDA CAUTELAR. - A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou-se no sentido de proclamar incabível a medida liminar nos casos de ação direta de inconstitucionalidade por omissão (RTJ 133/569, Rel. Min. MARCO AURÉLIO; ADIn 267-DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO), eis que não se pode pretender que mero provimento cautelar antecipe efeitos positivos inalcançáveis pela própria decisão final emanada do STF.‖ (sem os grifos no original).

Page 58: BERNARDO PIMENTEL SOUZA - DAS       AÇÕES CONSTITUCIONAIS

Por fim, vale ressaltar que a superveniência da Lei nº 12.063 gerou mais

uma diferença em relação ao mandado de injunção, cujo processo não

comporta medida cautelar liminar.

8. PROCEDIMENTO E JULGAMENTO

Admitida a petição inicial, cabe ao Ministro-Relator submeter o eventual

pedido de medida cautelar liminar ao Plenário da Corte, mas antes pode

determinar a intimação pessoal e abrir vista ao Procurador-Geral da República,

pelo prazo de três dias, se julgar indispensável a prévia oitiva do Chefe do

Ministério Público86.

Também cabe ao Ministro-Relator conduzir e instruir o processo da ação

direta de inconstitucionalidade por omissão até o julgamento definitivo pelo

Plenário da Corte. Para tanto, o Ministro-Relator pode deferir a manifestação

de outros legitimados ativos interessados no processo, admitir o ingresso de

terceiro na qualidade de amicus curiae, nomear perito, designar audiência para

a oitiva de pessoas e especialistas, bem como ―solicitar a manifestação do

Advogado-Geral da União, que deverá ser encaminhada no prazo de 15

(quinze) dias‖87. Vale ressaltar que o Advogado-Geral da União não é citado

para oferecer defesa, mas pode ser intimado para apresentar manifestação, se

assim o Ministro-Relator julgar conveniente.

Finda a instrução, o Ministro-Relator deve abrir vista ao Procurador-

Geral da República, pelo prazo de quinze dias. À vista do parecer, o Ministro-

Relator lança o relatório, determina a extração de cópias aos demais Ministros

e pede a inclusão do processo em pauta ao Ministro-Presidente.

No dia e no horário previstos na pauta, o Ministro-Presidente dá início ao

julgamento do processo, desde que ―presentes na sessão pelo menos dois

terços dos Ministros‖, vale dizer, oito Ministros. É o quorum constitutivo,

necessário para a realização do julgamento88.

Presentes oito ou mais Ministros, o Presidente dá início ao julgamento,

com a leitura do relatório pelo Ministro-Relator. Após, há as sustentações orais,

as discussões e as prolações dos votos.

Colhidos os votos, o Ministro-Presidente deve anunciar o resultado, à luz

da maioria absoluta formada durante o julgamento.

Declarada a inconstitucionalidade por omissão legislativa, as autoridades

públicas inertes devem ser cientificadas da decisão, para a adoção das

providências necessárias, mas sem imposição de prazo muito menos

condenação em obrigação de fazer, porquanto o § 2º do artigo 103 da

Constituição e o artigo 12-H da Lei nº 9.868, de 1999, acrescido pela Lei nº

86

Artigo 12-F, § 2º, da Lei nº 9.868, de 1999, acrescentado pela Lei nº 12.063, de 2009. 87

Artigo 12-E, § 2º, da Lei nº 9.868, de 1999, acrescentado pela Lei nº 12.063, de 2009. 88

Com efeito, o disposto no artigo 22 da Lei nº 9.868 é igualmente aplicável ao processo da ação direta de inconstitucionalidade por omissão em razão tanto do genérico e amplo caput do artigo 12-F quanto do específico caput do artigo 12-H, expresso em relação ao artigo 22.

Page 59: BERNARDO PIMENTEL SOUZA - DAS       AÇÕES CONSTITUCIONAIS

12.063, de 2009, não fixam nenhum prazo nem autorizam condenação alguma,

razão pela qual os Ministros do Supremo Tribunal Federal só podem declarar a

inconstitucionalidade por omissão legislativa e dar ciência às autoridades

públicas inadimplentes.

Já na hipótese de declaração de inconstitucionalidade por omissão

administrativa, as autoridades públicas inertes devem ser cientificadas para a

adoção das providências necessárias ―em trintas dias‖, conforme consta do

artigo 103, § 2º, in fine, da Constituição Federal, com o reforço do artigo 12-H,

§ 1º, da Lei nº 9.868, de 1999, acrescentado pela Lei nº 12.063, de 2009. A

subsistência da mora administrativa pode implicar crime de responsabilidade, a

ser apurado em posterior processo específico, nos termos do artigo 85, caput e

inciso VII, da Constituição, dos artigos 4º, caput e inciso VIII, 13, inciso I, e 74

da Lei nº 1.079, de 1950, e do artigo 1º, caput e inciso XIV, do Decreto-lei nº

201, de 1967.

Em suma, as consequências jurídicas do julgamento da ação direta de

inconstitucionalidade por omissão diferem conforme a origem da inércia.

Constatada a inércia das autoridades legiferantes, os Ministros do Supremo

Tribunal declaram a inconstitucionalidade resultante da omissão e dão ciência

às autoridades públicas inadimplentes, mas não sanam a mora legislativa

mediante aprovação de norma jurídica concreta89. Aqui reside a mais

importante diferença entre a ação direta de inconstitucionalidade por omissão e

o mandado de injunção, em cujo julgamento os Ministros do Supremo Tribunal

vão além da declaração da mora legislativa e decidem desde logo sobre a

norma jurídica aplicável ao caso concreto até o advento da regulamentação da

Constituição Federal por parte das autoridades públicas dotadas de iniciativa e

competências legislativas90.

9. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO

VERSUS MANDADO DE INJUNÇÃO

A despeito da semelhança dos institutos sob o prisma da finalidade

remota, qual seja, a declaração da mora na regulamentação de preceito

constitucional, a ação direta de inconstitucionalidade por omissão não se

confunde com o mandado de injunção.

A primeira diferença digna de nota diz respeito à legitimação para a

causa. Enquanto toda e qualquer pessoa pode impetrar mandado de injunção,

89

De acordo, na jurisprudência: ―- A procedência da ação direta de inconstitucionalidade por omissão, importando em reconhecimento judicial do estado de inércia do Poder Público, confere ao Supremo Tribunal Federal, unicamente, o poder de cientificar o legislador inadimplente, para que este adote as medidas necessárias à concretização do texto constitucional. - Não assiste ao Supremo Tribunal Federal, contudo, em face dos próprios limites fixados pela Carta Política em tema de inconstitucionalidade por omissão (CF, art. 103, § 2º), a prerrogativa de expedir provimentos normativos com o objetivo de suprir a inatividade do órgão legislativo inadimplente.‖ (ADI nº 1.458/DF – MC, Pleno do STF, Diário da Justiça de 20 de setembro de 1996, p. 34.531). 90

A propósito do mandado de injunção, o instituto é objeto de posterior capítulo específico.

Page 60: BERNARDO PIMENTEL SOUZA - DAS       AÇÕES CONSTITUCIONAIS

a ação direta de inconstitucionalidade por omissão só pode ser ajuizada pelos

legitimados ativos arrolados no artigo 103 da Constituição Federal.

Em segundo lugar, o mandado de injunção e a ação direta de

inconstitucionalidade por omissão são espécies de diferentes classes de

controle de constitucionalidade. Enquanto a ação direta de

inconstitucionalidade por omissão é espécie de controle concentrado de

constitucionalidade, o mandado de injunção integra o controle difuso de

constitucionalidade.

Sob outro prisma, a ação direta de inconstitucionalidade por omissão é

admissível à vista de mora legislativa na regulamentação de todo e qualquer

preceito constitucional de eficácia limitada. Já o mandado de injunção só é

admissível quando a inércia legislativa impede ―o exercício dos direitos e

liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à

soberania e à cidadania‖, conforme se infere da restrição constante do inciso

LXXI do artigo 5º da Constituição Federal.

Por fim, a ação direta de inconstitucionalidade por omissão tem natureza

apenas declaratória, tanto de mora legislativa quanto de inércia administrativa,

mas não há o suprimento da omissão por parte do Supremo Tribunal Federal,

em virtude do disposto no § 2º do artigo 103 da Constituição Federal. Já o

mandado de injunção só é admissível para a declaração da mora legislativa na

regulamentação de preceito constitucional, mas há o suprimento da omissão

mediante a prolação de comando judiciário normativo específico para o caso

concreto, com eficácia até o advento da legislação geral e abstrata.

Page 61: BERNARDO PIMENTEL SOUZA - DAS       AÇÕES CONSTITUCIONAIS

CAPÍTULO VI

REPRESENTAÇÃO INTERVENTIVA OU AÇÃO DIRETA INTERVENTIVA

1. INTERVENÇÃO E REPRESENTAÇÃO INTERVENTIVA:

CONCEITOS ELEMENTARES E DISTINÇÃO DOS INSTITUTOS

A intervenção é ato político-administrativo excepcional por meio do qual

um ente federativo perde temporariamente a respectiva autonomia, a fim de

que sejam restabelecidas a ordem constitucional e a normalidade institucional.

Com efeito, a regra reside na autonomia; a intervenção só tem lugar nas

hipóteses taxativas arroladas nos artigos 34 e 35 da Constituição Federal. A

intervenção, portanto, é excepcional no sistema federativo, marcado pela

autonomia dos entes componentes da Federação, como bem revelam o

proêmio tanto do artigo 34 quanto do artigo 35 da Constituição Federal.

No que tange à natureza, a intervenção é instituto jurídico material e

constitucional, por ser direito previsto na Constituição Federal em prol da

União, em relação aos Estados e ao Distrito Federal, e também dos Estados,

em relação aos respectivos Municípios, para a preservação do pacto federativo

e dos princípios institucionais consagrados na própria Constituição.

Já a representação interventiva é instituto de natureza processual e

constitucional, por ser a via prevista na Constituição Federal para a instauração

de processo cujo objeto é a intervenção, após e conforme a decisão judiciária a

ser proferida em cada caso. A representação interventiva, portanto, é ação. Daí

a justificativa para a outra denominação do instituto: ―ação direta interventiva‖.

2. INTERVENÇÃO: PRECEITOS DE REGÊNCIA E ESPÉCIES

Os artigos 34 e 35 da Constituição Federal cuidam das espécies de

intervenção. A primeira é a intervenção federal, da União em Estado ou no

Distrito Federal, consoante o disposto no artigo 34 da Constituição. A segunda

espécie é a intervenção estadual, de Estado em Município, conforme consta do

artigo 35 da Constituição.

Em razão da falta de previsão constitucional, não há possibilidade de

intervenção direta da União em Município situado em Estado: a intervenção em

Município situado em Estado só é admissível pelo próprio Estado, e nunca pela

União91. Na ausência da intervenção estadual, a União pode intervir no Estado

91

De acordo, na jurisprudência: STF, IF n. 590/CE – QO, Diário da Justiça de 9 de outubro de 1998, p. 5: ―IMPOSSIBILIDADE DE DECRETAÇÃO DE INTERVENÇÃO FEDERAL EM MUNICÍPIO LOCALIZADO EM ESTADO-MEMBRO. - Os Municípios situados no âmbito dos Estados-membros não se expõem à possibilidade constitucional de sofrerem intervenção decretada pela União Federal, eis que, relativamente a esses entes municipais, a única pessoa política ativamente legitimada a neles intervir é o Estado-membro. Magistério da doutrina. Por isso mesmo, no sistema constitucional brasileiro, falece legitimidade ativa à União Federal para intervir em quaisquer Município, ressalvados, unicamente, os Municípios ‗localizados em Território Federal...‘ (CF, art. 35, caput)‖. Como bem fundamentou o Ministro CELSO DE MELLO, ―no sistema constitucional brasileiro, não há possibilidade de a União intervir em quaisquer

Page 62: BERNARDO PIMENTEL SOUZA - DAS       AÇÕES CONSTITUCIONAIS

omisso no qual está localizado o Município no qual se deu a quebra da

normalidade institucional. Não obstante, não há intervenção direta da União em

Município situado em Estado.

Também não existe intervenção distrital, efetuada pelo Distrito Federal,

em razão da impossibilidade da respectiva divisão em Municípios, ex vi do

proêmio do caput do artigo 32 da Constituição: ―O Distrito Federal, vedada sua

divisão em Municípios‖. Por conseguinte, o Distrito Federal pode sofrer

intervenção federal, mas jamais realizar a intervenção.

Em suma, há duas espécies de intervenção: – a intervenção federal, da

União em Estado ou no Distrito Federal, cuja iniciativa da representação

interventiva da competência do Supremo Tribunal Federal cabe ao Procurador-

Geral da República; – a intervenção estadual, de Estado em Município nele

situado, da competência do Tribunal de Justiça do respectivo Estado, por meio

de representação interventiva de iniciativa do Procurador-Geral de Justiça do

Estado92.

3. REPRESENTAÇÃO INTERVENTIVA: PRECEITOS DE REGÊNCIA E

ESPÉCIES

A representação interventiva está prevista tanto no artigo 36, inciso III,

quanto no artigo 35, inciso IV, ambos da Constituição Federal, como ação de

competência originária do Supremo Tribunal Federal ou de Tribunal de Justiça,

conforme a intervenção seja federal ou estadual, respectivamente. Há,

portanto, na Constituição Federal, a representação interventiva federal, da

competência do Supremo Tribunal Federal, constante do inciso III do artigo 36,

e a representação interventiva estadual, da competência de Tribunal de

Justiça, estampada no inciso IV do artigo 35.

Além da previsão constitucional, a representação interventiva também

está disciplinada na Lei nº 12.562, de 2011, diploma que regulamentou o inciso

III do artigo 36 da Constituição Federal, relativo à representação interventiva

federal, mas que também pode ser aplicado por analogia à representação

interventiva estadual prevista no inciso IV do artigo 35 da Constituição93.

Municípios, ressalvados, unicamente, os Municípios ‗localizados em Território Federal...‘ (CF, art. 35, caput). Desse modo, os Municípios situados no âmbito dos Estados-membros não se expõem à possibilidade constitucional de sofrerem intervenção decretada pela União Federal, eis que, relativamente a esses entes municipais, a única pessoa política ativamente legitimada a neles intervir é o Estado-membro‖. 92

Ad argumentandum tantum, vale ressaltar que o artigo 35 também dispõe sobre a intervenção da União em Município situado em Territórios Federais, consoante o disposto no proêmio do § 1º do artigo 33 da Constituição: ―Os Territórios poderão ser divididos em Municípios‖. Não obstante, apesar de ser possível a criação de Território à luz da Constituição de 1988, não há Território algum desde o advento da Constituição de 1988. Daí a precisa conclusão do Professor MANOEL JORGE E SILVA NETO: ―Contudo, tal regramento constitucional se apresenta bastante esvaziado, porquanto já se sabe que os antigos Territórios de Roraima e do Amapá foram transformados em Estados pela Constituição de 1988, enquanto o Território de Fernando de Noronha foi reincorporado ao Estado de Pernambuco (arts. 14 e 15 do ADCT).‖ (Curso de direito constitucional. 2006, p. 259). 93

Vale ressaltar que a interpretação analógica está expressamente autorizada no artigo 4º da denominada ―Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro‖.

Page 63: BERNARDO PIMENTEL SOUZA - DAS       AÇÕES CONSTITUCIONAIS

4. REPRESENTAÇÃO INTERVENTIVA: NATUREZA JURÍDICA,

COMPETÊNCIA E TIPOS DE CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE

A representação interventiva tem natureza jurídica de ação, com a

consequente instauração de processo de competência originária de tribunal:

Supremo Tribunal Federal ou Tribunal de Justiça, conforme o pedido de

intervenção seja federal ou estadual.

Sob outro prisma, trata-se de ação que integra o sistema de controle

concentrado de constitucionalidade exercido tanto pelo Supremo Tribunal

Federal quanto pelos Tribunais de Justiça, para a aferição da

constitucionalidade de pedido de intervenção federal ou estadual,

respectivamente.

Embora seja concentrado no Supremo Tribunal Federal ou em Tribunal

de Justiça, conforme a espécie de intervenção, o controle de

constitucionalidade realizado por meio da ação direta interventiva não se limita

ao controle abstrato94. Sem dúvida, a representação interventiva autoriza tanto

o controle abstrato quanto o controle concreto, conforme se infere do inciso II

do artigo 3º da Lei nº 12.562, de 2011, in verbis: ―a indicação do ato normativo,

do ato administrativo, do ato concreto ou da omissão questionados‖.

Por oportuno, vale ressaltar que o disposto no inciso II do artigo 3º da

Lei nº 12.562 confirma importante asserção da teoria geral do controle de

constitucionalidade: nem todo controle concentrado é abstrato. Controle

concentrado significa limitação de competência a um ou alguns poucos órgãos

judiciários, como se dá na representação interventiva, ação de competência

originária apenas do Supremo Tribunal Federal ou de Tribunal de Justiça,

conforme a intervenção seja federal ou estadual. Em contraposição, o controle

difuso implica ampla distribuição de competência em prol de muitos órgãos

judiciários, de diferentes graus de jurisdição95. Sob outro prisma, controle

abstrato significa controle teórico, em tese, cujo objeto é o ato geral e

impessoal, como as leis por excelência; é o contrário, portanto, de controle

concreto, no qual há julgamento de um caso concreto, proveniente de ato

específico e pessoal. Em regra, o controle concentrado é abstrato e o controle

difuso é concreto. Não obstante, as regras comportam exceções, como ocorre

na representação interventiva, na qual o controle de constitucionalidade pode

ser, a um só tempo, concentrado e concreto96.

94

Diferente, portanto, da ação direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade, nas quais o controle de constitucionalidade é sempre concentrado e abstrato. 95

Por exemplo, as ações de mandado de segurança e de habeas corpus podem ser da competência de juízo de primeiro grau, de tribunal de segundo grau, do Superior Tribunal de Justiça e até mesmo do Supremo Tribunal Federal, conforme a autoridade coatora e o paciente. Daí a conclusão: são ações que integram o controle difuso de constitucionalidade. 96

Não é só. Na arguição de descumprimento de preceito fundamental também há possibilidade de o controle concentrado ser concreto, a despeito de a regra ser a realização de controle abstrato, conforme se infere do artigo 1º, parágrafo único, inciso I, da Lei nº 9.882, de 1999, in verbis: ―Art. 1

o A argüição

prevista no § 1o do art. 102 da Constituição Federal será proposta perante o Supremo Tribunal Federal, e

terá por objeto evitar ou reparar lesão a preceito fundamental, resultante de ato do Poder Público.

Page 64: BERNARDO PIMENTEL SOUZA - DAS       AÇÕES CONSTITUCIONAIS

5. REPRESENTAÇÃO INTERVENTIVA: LEGITIMIDADE ATIVA

No que tange à legitimidade ativa, cabe apenas ao respectivo Chefe do

Ministério Público a iniciativa perante o Supremo Tribunal Federal e o Tribunal

de Justiça competente, a fim de que o pedido de intervenção federal ou

estadual seja processado e julgado.

Com efeito, ao contrário das demais ações de controle concentrado de

constitucionalidade, as quais podem ser ajuizadas por qualquer um dos muitos

legitimados ativos do artigo 103 da Constituição Federal, a representação

interventiva só pode ser acionada pelo respectivo Chefe do Ministério Público,

porquanto o inciso IV do artigo 35 e o inciso III do artigo 36 da mesma

Constituição revelam a legitimidade ativa exclusiva do Procurador-Geral de

Justiça, para o acionamento do respectivo Tribunal de Justiça, na busca da

intervenção de Estado em Município, e do Procurador-Geral da República, para

o acionamento do Supremo Tribunal Federal, na busca de intervenção federal

da União em Estado ou no Distrito Federal, conforme o caso.

Em suma, trata-se de legitimidade ativa exclusiva, e não concorrente,

porquanto apenas o Procurador-Geral da República pode acionar o Supremo

Tribunal Federal, na busca da intervenção federal, e somente o Procurador-

Geral de Justiça pode aviar a representação estadual no Tribunal de Justiça.

6. REPRESENTAÇÃO INTERVENTIVA: CAUSAS DE PEDIR OU

HIPÓTESES DE CABIMENTO

A representação interventiva pode ter como alvo atos normativos, atos

concretos e atos omissivos, e pode ser fundada em diferentes causas de pedir.

O inciso III do artigo 36 da Constituição Federal e o artigo 2º da Lei nº 12.562

revelam as causas de pedir da representação interventiva da competência do

Supremo Tribunal Federal, para a intervenção federal da União em Estado ou

no Distrito Federal: – a recusa ao cumprimento da legislação federal em geral;

– a ofensa a princípio constitucional sensível constante do rol do inciso VII do

artigo 34 da Constituição Federal: a) forma republicana, sistema representativo,

regime democrático; b) direitos humanos; c) autonomia municipal; d)

fiscalização das contas públicas; e) aplicação de recursos públicos na saúde e

no ensino, conforme os percentuais mínimos previstos nos artigos 198, § 2º, e

212 da Constituição Federal.

Com efeito, o inciso III do artigo 36 da Constituição estabelece que a

intervenção federal depende de provimento, pelo Supremo Tribunal Federal, de

representação interventiva proposta pelo Procurador-Geral da República, para

assegurar a observância dos princípios constitucionais sensíveis arrolados no

Parágrafo único. Caberá também argüição de descumprimento de preceito fundamental: I - quando for relevante o fundamento da controvérsia constitucional sobre lei ou ato normativo federal, estadual ou municipal, incluídos os anteriores à Constituição;‖.

Page 65: BERNARDO PIMENTEL SOUZA - DAS       AÇÕES CONSTITUCIONAIS

inciso VII do artigo 34 e o cumprimento das leis federais. São, em suma, as

causas de pedir que autorizam o acionamento da Suprema Corte mediante

representação interventiva, por parte do Procurador-Geral da República.

A propósito, vale ressaltar que o texto original da Constituição de 1988

conferia competência ao Superior Tribunal de Justiça, na hipótese de recusa à

execução de lei federal, para processar e julgar representação interventiva

federal. O inciso IV do artigo 36, todavia, foi expressamente revogado pela

Emenda nº 45, de 2004, razão pela qual a competência retornou, na esteira

das Constituições e Cartas pretéritas, ao Supremo Tribunal Federal, consoante

o disposto na atual redação do inciso III do artigo 36 da Constituição vigente97.

Por fim, as causas de pedir para a representação interventiva estadual

da competência de Tribunal de Justiça residem no inciso IV do artigo 35 da

Constituição Federal: – ―assegurar a observância dos princípios indicados na

Constituição estadual‖; – ―prover a execução de lei, de ordem ou de decisão

judicial‖.

7. REPRESENTAÇÃO INTERVENTIVA: PROCEDIMENTO E

JULGAMENTO

A representação interventiva com pedido de intervenção federal só pode

ser acionada pelo Procurador-Geral da República, mediante petição inicial

endereçada ao Ministro-Presidente do Supremo Tribunal Federal.

À vista do artigo 3º da Lei nº 12.562, de 2011, a petição inicial deve

conter ―a indicação do princípio constitucional que se considera violado ou, se

for o caso de recusa à aplicação de lei federal, das disposições questionadas‖,

―a indicação do ato normativo, do ato administrativo, do ato concreto ou da

omissão questionados‖, ―a prova da violação do princípio constitucional ou da

recusa de execução de lei federal‖ e ―o pedido, com suas especificações‖.

Ainda em relação aos pedidos, o Procurador-Geral da República pode

formular ―pedido de medida liminar na representação interventiva‖, com

fundamento no artigo 5º, caput, da Lei nº 12.562, de 2011. Trata-se de

importante inovação legal.

A petição inicial também deve ser instruída com ―cópia do ato

questionado e dos documentos necessários para comprovar a impugnação‖.

Distribuída a petição inicial pelo Ministro-Presidente, cabe ao Ministro-

Relator proferido o juízo de admissibilidade. Com efeito, se não for caso de

representação interventiva, faltar algum dos requisitos legais ou for inepta a

petição inicial, há o indeferimento liminar por parte do Ministro-Relator, com

fundamento no caput do artigo 4º da Lei nº 12.562, de 2011. Não obstante, a

97

De acordo, na doutrina: ―Note-se que a EC-45/2004 modificou a redação do inc. III do art. 36 para submeter ao controle do STF a hipótese de recusa à execução de lei federal que constava como de competência do STJ no inc. IV do mesmo artigo, inciso esse que ficou expressamente revogado pela mesma emenda constitucional.‖ (JOSÉ AFONSO DA SILVA. Curso de direito constitucional positivo. 26ª ed., 2006, p. 487; sem os grifos no original).

Page 66: BERNARDO PIMENTEL SOUZA - DAS       AÇÕES CONSTITUCIONAIS

decisão monocrática exarada pelo Ministro-Relator é passível de impugnação

mediante agravo interno ou regimental, a ser interposto em cinco dias, para o

Plenário do Supremo Tribunal.

Em contraposição, se a petição inicial estiver ―em termos‖, vale dizer,

apta, é recebida pelo Ministro-Relator. Após a admissão, o rito a ser adotado

pelo Ministro-Relator depende da existência de pedido de medida cautelar

liminar, ou não.

Caso tenha sido formulado pedido de medida cautelar liminar, o Ministro-

Relator ―poderá ouvir os órgãos ou autoridades responsáveis pelo ato

questionado, bem como o Advogado-Geral da União ou o Procurador-Geral da

República, no prazo comum de 5 (cinco) dias‖, tudo nos termos do § 1º do

artigo 5º da Lei nº 12.562, de 2011.

Após as eventuais manifestações, o Ministro-Relator submete o pleito ao

Plenário da Corte, porquanto o artigo 5º da Lei nº 12.562 estabelece que a

medida cautelar liminar só pode ser concedida ―por decisão da maioria

absoluta de seus membros‖, vale dizer, seis Ministros.

À vista do artigo 5º, § 2º, da Lei nº 12.562, de 2011, a concessão da

medida cautelar liminar pode ―consistir na determinação de que se suspenda o

andamento de processo ou os efeitos de decisões judiciais ou administrativas

ou de qualquer outra medida que apresente relação com a matéria objeto da

representação interventiva‖.

Apreciado o pedido de medida cautelar liminar no Plenário da Corte ou

assim que recebida a petição inicial, caso o Procurador-Geral da República não

tenha formulado pedido acautelatório, cabe ao Ministro-Relator solicitar as

informações às autoridades responsáveis pela prática do ato questionado, que

as prestarão em até dez dias98.

O Ministro-Relator também deve ―tentar dirimir o conflito que dá causa

ao pedido, utilizando-se dos meios que julgar necessários, na forma do

regimento interno‖, em cumprimento ao disposto no artigo 6º, § 2º, da Lei nº

12.562, de 2011.

Prestadas as informações e frustrada a tentativa de conciliação, o

Ministro-Relator deve determinar a intimação pessoal tanto do Advogado-Geral

da União quanto do Procurador-Geral da República.

À vista do artigo 6º, § 1º, da Lei nº 12.562, de 2011, o Advogado-Geral

da União deve ser intimado em primeiro lugar, para apresentar a respectiva

manifestação em dez dias. Vale ressaltar que a hipótese é de mera intimação,

e não de citação, como há na ação direta de inconstitucionalidade

propriamente dita.

Após, há a intimação pessoal do Procurador-Geral da República, o qual

deve apresentar a respectiva manifestação em dez dias.

98

Cf. artigo 6º, caput, da Lei nº 12.562, de 2011.

Page 67: BERNARDO PIMENTEL SOUZA - DAS       AÇÕES CONSTITUCIONAIS

Além das intimações e manifestações obrigatórias por força do § 1º do

artigo 6º da Lei nº 12.562, de 2011, o artigo 7º confere ao Ministro-Relator a

possibilidade de ―requisitar informações adicionais, designar perito ou comissão

de peritos‖ e designar audiência pública para ouvir pessoas com experiência e

autoridade na matéria objeto da representação interventiva. Daí a conclusão:

há possibilidade de ingresso de amicus curiae no processo da ação direta

interventiva.

Finda a instrução, o Ministro-Relator lança o relatório , com a exposição

dos pontos controvertidos, determina a extração de cópias para todos os

Ministros e pede dia para julgamento ao Ministro-Presidente da Corte.

Após, o Ministro-Presidente determina a inclusão da representação

interventiva em pauta, para julgamento em sessão plenária, e a publicação da

pauta no Diário da Justiça eletrônico.

No dia e no horário designados, o Ministro-Presidente dá início ao

julgamento da representação interventiva, desde que estejam ―presentes na

sessão pelo menos 8 (oito) Ministros‖99.

Após a leitura do relatório, as sustentações orais e proferidos todos os

votos, o Ministro-Presidente proclama o resultado, conforme a maioria absoluta

formada durante o julgamento. A propósito, vale conferir o disposto no artigo 10

da Lei nº 12.562, de 2011: ―Art. 10. Realizado o julgamento, proclamar-se-á a

procedência ou improcedência do pedido formulado na representação

interventiva se num ou noutro sentido se tiverem manifestado pelo menos 6

(seis) Ministros‖.

No que tange à recorribilidade do julgamento de mérito proferido no

processo de representação interventiva, o artigo 12 da Lei nº 12.562 consagra

tanto a irrecorribilidade quanto a imutabilidade do julgado: ―Art. 12. A decisão

que julgar procedente ou improcedente o pedido da representação interventiva

é irrecorrível, sendo insuscetível de impugnação por ação rescisória‖. Não

obstante, sustenta-se, no presente compêndio, o cabimento do recurso de

embargos de declaração, a fim de que os direitos – à publicidade e à

fundamentação – consagrados no inciso IX do artigo 93 da Constituição

Federal sejam respeitados em todos os julgamentos judiciários.

Na eventualidade de procedência da representação interventiva, o

Ministro-Presidente do Supremo Tribunal Federal deve levar o respectivo

acórdão ―ao conhecimento do Presidente da República para, no prazo

improrrogável de até 15 (quinze) dias, dar cumprimento aos §§ 1º e 3º do artigo

36 da Constituição Federal‖, tudo nos termos do artigo 11 da Lei nº 12. 562, de

2011, à vista do qual é lícito afirmar que a atuação presidencial é vinculada100.

99

Cf. artigo 9º da Lei nº 12.562, de 2011. 100

Autorizada doutrina também sustenta a tese da vinculação: ―De fato, ela é uma competência vinculada, cabendo ao Presidente a mera formalização de uma decisão tomada por órgão judiciário, sempre que a intervenção se destinar a ‗prover a execução de lei federal, ordem ou decisão judiciária‘ (art. 34, VI) ou a ‗assegurar o livre exercício‘ do Judiciário estadual (art. 34, IV).‖ (MANOEL GONÇALVES FERREIRA FILHO. Curso de direito constitucional. 31ª ed., 2005, p. 64 e 65; não há o grifo no original). Ainda no

Page 68: BERNARDO PIMENTEL SOUZA - DAS       AÇÕES CONSTITUCIONAIS

Com efeito, julgada procedente a representação, o Presidente da

República deve decretar e executar a intervenção federal, em cumprimento ao

disposto no artigo 84, inciso X, da Constituição Federal: ―decretar e executar a

intervenção federal‖.

O decreto presidencial, também denominado ―decreto interventivo‖, deve

versar sobre a amplitude, o prazo, as condições de execução e a nomeação do

interventor, se determinado o afastamento da autoridade estadual ou distrital

por ordem da maioria absoluta dos Ministros da Corte Suprema, tudo nos

termos do artigo 36, § 1º, da Constituição Federal.

Ao contrário do que pode parecer à primeira leitura do § 1º do artigo 36

da Constituição Federal, o § 3º revela que não há apreciação pelo Congresso

Nacional da intervenção decretada pelo Presidente da República após

requisição do Supremo Tribunal Federal.

Por ser sempre provisória, a intervenção subsiste somente durante o

prazo fixado no decreto interventivo, para que seja restabelecida a normalidade

institucional do ente federativo, tendo em vista o disposto no § 4º do artigo 36

da Constituição Federal.

Por fim, o procedimento estudado é aplicável por analogia ao processo

de representação interventiva da competência dos Tribunais de Justiça, com o

julgamento pelos Desembargadores integrantes do Pleno, da Corte Superior ou

do Conselho Especial, conforme o caso, sem igual possibilidade de recurso101,

salvo embargos de declaração para o próprio Tribunal, e a posterior decretação

da intervenção pelo Governador do Estado.

mesmo diapasão, há a respeitável lição do Professor PAULO NAPOLEÃO NOGUEIRA DA SILVA: Breves comentários à Constituição do Brasil. Volume I, 2002, p. 422, 423 e 424. Não obstante, trata-se de vexata quaestio: ―Discute-se sobre o grau de vinculação do Presidente à decisão emanada da Corte Suprema. Para determinada corrente, o Chefe do Executivo é obrigado a decretar a intervenção. Outros autores adotam essa corrente com certos temperamentos, admitindo que o Presidente possa controlar a regularidade formal da decisão. Por fim, há quem entenda que o ato é político, dependente do Chefe do Executivo, que poderá averiguar da oportunidade e conveniência em decretar a intervenção.‖ (ANDRÉ RAMOS TAVARES. Curso de direito constitucional. 3ª ed., 2006, p. 985). 101

Cf. enunciado nº 637 da Súmula do Supremo Tribunal Federal.

Page 69: BERNARDO PIMENTEL SOUZA - DAS       AÇÕES CONSTITUCIONAIS

CAPÍTULO VII

RECLAMAÇÃO CONSTITUCIONAL

1. NOMEN IURIS E PRECEITOS DE REGÊNCIA DO INSTITUTO

A reclamação também é denominada ―reclamação constitucional‖, em

virtude da previsão do instituto na Constituição Federal, nos artigos 102, inciso

I, letra ―l‖, 103-A, § 3º, e 105, inciso I, alínea ―f‖.

Além da previsão constitucional, a reclamação também consta dos artigos

13 usque 18 da Lei nº 8.038, de 1990, do artigo 13 da Lei nº 9.882, de 1999, do

artigo 7º, caput e §§ 1º e 2º, da Lei nº 11.417, de 2006, dos artigos 6º, inciso I,

alínea ―g‖, 9º, inciso I, letra ―c‖, 149, inciso III, 156 até 162, todos do Regimento

Interno do Supremo Tribunal Federal, assim como dos artigos 11, inciso X, 12,

inciso III, 187 usque 192, do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça.

Por fim, a Resolução nº 12, expedida pelo Ministro-Presidente do Superior

Tribunal de Justiça em 2009, dispõe sobre a admissibilidade de reclamação,

para dirimir divergência entre acórdão de turma recursal de juizado especial

cível à luz da jurisprudência daquela Corte Superior.

2. NATUREZA JURÍDICA: AÇÃO AUTÔNOMA

Há séria controvérsia acerca da natureza jurídica da reclamação. Ainda

que muito respeitáveis todas as diferentes correntes existentes na doutrina e

na jurisprudência, a reclamação não é recurso nem mero incidente processual,

mas, sim, processo independente, instaurado por força do exercício de ação

autônoma de impugnação de estatura constitucional.

Se fosse recurso, a reclamação estaria prevista nos incisos II ou III dos

artigos 102 e 105 da Constituição Federal, ao lado dos recursos ordinário,

extraordinário e especial. Não obstante, tanto no artigo 102 quanto no artigo

105, a reclamação consta do rol do inciso I, ao lado das ações constitucionais.

Sob outro prisma, tanto o recurso quanto o incidente processual

pressupõem a existência de processo em curso. A reclamação, entretanto, não

depende da existência de processo em curso. Com efeito, a reclamação pode

ter lugar depois do término do processo originário, a fim de que o respectivo

julgamento seja respeitado. Aliás, a reclamação pode ter lugar até mesmo sem

a existência de anterior processo.

Ademais, a reclamação pode ter como alvo ato administrativo, como bem

revela o § 3º do artigo 103-A da Constituição Federal. Não obstante, tanto o

recurso processual quanto o incidente processual estão relacionados a ato

processual proveniente de algum processo judicial. Como a reclamação

constitucional pode ter como em mira ato administrativo a ser julgado por

tribunal judiciário, é lícito concluir que o instituto tem natureza jurídica de ação

Page 70: BERNARDO PIMENTEL SOUZA - DAS       AÇÕES CONSTITUCIONAIS

autônoma, tal como o mandado de segurança, do qual derivou até alcançar a

autonomia como instituto jurídico, em 1957, quando foi reconhecida por meio

de emenda ao Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal então

vigente102.

Por tudo, a reclamação tem natureza jurídica de ação autônoma de

estatura constitucional103.

3. CONCEITO

A reclamação constitucional é a ação de competência originária de

tribunal admissível quando o respectivo julgado não é respeitado por juiz, por

outro tribunal ou por autoridade administrativa responsável pelo cumprimento

da decisão ou pela prática do ato omitido, e também cabível para preservar a

competência de tribunal que foi usurpada por juiz ou outro tribunal104-105-106.

102

Em abono, na doutrina: GISELE SANTOS FERNANDES GÓES. A reclamação constitucional. 2005, p. 133: ―A reclamação é uma ação constitucional, cuja cognição é exauriente e de natureza mandamental, porque seu objetivo final é determinar o cumprimento da decisão pela autoridade coatora.‖ (sem os grifos no original). 103

A propósito da natureza jurídica da reclamação constitucional, vale conferir o trecho colhido da ementa do seguinte acórdão: ―1. A Ação de Reclamação, em razão de sua natureza incidental e excepcional, destina-se à preservação da competência e garantia da autoridade dos julgados somente quando objetivamente violados, não podendo servir como sucedâneo recursal para discutir o teor da decisão hostilizada.‖ (RCL nº 4.192/RJ – AgRg, 3ª Seção do STJ, Diário da Justiça Eletrônico de 26 de abril de 2011, sem o grifo no original). 104

A propósito do conceito da reclamação constitucional, vale conferir o trecho colhido da ementa do seguinte acórdão: ―1. A ação reclamatória, que situa-se no âmbito do direito constitucional de petição (artigo 5.º, inciso XXXIV, da CF/1988), constitui o meio adequado para assegurar a garantia da autoridade das decisões desta Corte Superior em face de ato de autoridade administrativa ou judicial, à luz do disposto no artigo 105, inciso II, alínea f, da Carta Magna. (Precedentes: Rcl 2.559/ES, Rel. Ministro Barros Monteiro, Corte Especial, julgado em 02/04/2008, Dje 05/05/2008; Rcl 502/GO, Rel. Ministro Adhemar Maciel, Primeira Seção, julgado em 14/10/1998, DJ 22/03/1999 p. 35).‖ (RCL nº 4.421/DF, 1ª Seção do STJ, Diário da Justiça Eletrônico de 15 de abril de 2011, sem os grifos no original). 105

No que tange à outra hipótese de admissibilidade de reclamação, para preservar a competência de tribunal, vale conferir a ementa do seguinte acórdão: ―RECLAMAÇÃO. AÇÕES RESCISÓRIAS PROCESSADAS PERANTE O TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁ, COM ALEGADA USURPAÇÃO DE COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, JÁ QUE DIRIGIDAS CONTRA ACÓRDÃOS QUE HAVIAM SIDO APRECIADOS POR ESSA CORTE, EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO, CONQUANTO DESTE NÃO TENHA CONHECIDO. Evidenciado que, ao julgar o recurso, decidiu o STF questão federal nele suscitada, é fora de dúvida a incompetência da Corte Estadual para as ações rescisórias que, conquanto houvessem impugnado apenas a decisão local, na verdade investem contra os efeitos do acórdão do STF que a confirmou e que, conseqüentemente, a substituiu (art. 512 do CPC). O Supremo Tribunal Federal é competente para a ação rescisória quando, embora não tendo conhecido do recurso extraordinário, tiver apreciado a questão controvertida (Súmula nº 249). Competência que se afirma, independentemente da natureza da questão federal apreciada. Reclamação acolhida, para o fim de tornar sem efeito as decisões impugnadas e julgar extintas as rescisórias, por impossibilidade jurídica do pedido.‖ (RCL nº 377/PR, Pleno do STF, Diário da Justiça de 30 de abril de 1993, sem os grifos no original). 106

Na mesma esteira do precedente evocado na nota anterior, também na jurisprudência: ―RECLAMAÇÃO - RECEBIMENTO, POR MAGISTRADO DE PRIMEIRA INSTÂNCIA, DE DENÚNCIA OFERECIDA CONTRA TRINTA E DOIS INDICIADOS, DENTRE OS QUAIS FIGURA UM DEPUTADO FEDERAL, NO PLENO EXERCÍCIO DE SEU MANDATO - USURPAÇÃO DA COMPETÊNCIA PENAL ORIGINÁRIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL - NULIDADE - RECLAMAÇÃO QUE SE JULGA PROCEDENTE. O RESPEITO AO PRINCÍPIO DO JUIZ NATURAL - QUE SE IMPÕE À OBSERVÂNCIA DOS ÓRGÃOS DO PODER JUDICIÁRIO - TRADUZ INDISPONÍVEL GARANTIA CONSTITUCIONAL OUTORGADA A QUALQUER ACUSADO, EM SEDE PENAL. - O Supremo Tribunal Federal qualifica-se como juiz natural dos membros do Congresso Nacional (RTJ 137/570 - RTJ 151/402), quaisquer que sejam as infrações penais a eles imputadas (RTJ 33/590), mesmo que se cuide de simples ilícitos contravencionais (RTJ 91/423) ou se trate de crimes sujeitos à competência dos ramos especializados da Justiça da União (RTJ 63/1 - RTJ 166/785-786). Precedentes. SOMENTE O

Page 71: BERNARDO PIMENTEL SOUZA - DAS       AÇÕES CONSTITUCIONAIS

4. AÇÃO DE COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA DE TRIBUNAL

A Constituição Federal é explícita acerca da admissibilidade da

reclamação perante o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de

Justiça, como bem revelam os artigos 102, inciso I, letra ―l‖, 103-A, § 3º, e 105,

inciso I, alínea ―f‖.

No que tange aos Tribunais de Justiça, o artigo 125 da Constituição de

1988 consagrou o princípio da simetria, razão pela qual o constituinte estadual

deve ter em vista as disposições gerais da Constituição Federal aplicáveis por

analogia aos Estados-membros. Com efeito, como os Tribunais de Justiça

ocupam, no plano estadual, papel similar ao do Supremo Tribunal Federal,

como bem revela o cotejo dos artigos 102, inciso I, alínea ―a‖, e 125, § 1º,

ambos da Constituição Federal, a reclamação é até necessária para que os

Tribunais de Justiça possam garantir a autoridade dos respectivos julgamentos,

em especial dos acórdãos proferidos no controle concentrado de

constitucionalidade previsto no artigo 125, § 1º, da Constituição de 1988. Daí a

perfeita admissibilidade da reclamação perante os Tribunais de Justiça, como

bem assentou o Plenário da Suprema Corte107.

No que tange aos Tribunais Regionais Federais, entretanto, não há lugar

para a reclamação constitucional, porquanto a competência dos mesmos está

arrolada no artigo 108 da Constituição Federal, sem previsão alguma da

reclamação. Como a competência constitucional dos tribunais é taxativa, não

há como inserir a ação de reclamação na competência dos Tribunais Regionais

Federais, nem há como aplicar o artigo 125 à hipótese. Por fim, os Tribunais

Regionais Federais não exercem controle concentrado de constitucionalidade

como os Tribunais de Justiça dos Estados, mas apenas controle difuso, sem

efeitos erga onmes e vinculante, o que explica a falta de previsão da

reclamação no rol do artigo 108 da Constituição Federal. Sob todos os prismas,

não é admissível reclamação para Tribunal Regional Federal108.

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, EM SUA CONDIÇÃO DE JUIZ NATURAL DOS MEMBROS DO CONGRESSO NACIONAL, PODE RECEBER DENÚNCIAS CONTRA ESTES FORMULADAS. - A decisão emanada de qualquer outro Tribunal judiciário, que implique recebimento de denúncia formulada contra membro do Congresso Nacional, configura hipótese caracterizadora de usurpação da competência penal originária desta Suprema Corte, revestindo-se, em conseqüência, de nulidade, pois, no sistema jurídico brasileiro, somente o Supremo Tribunal Federal dispõe dessa especial competência, considerada a sua qualificação constitucional como juiz natural de Deputados Federais e Senadores da República, nas hipóteses de ilícitos penais comuns. Precedentes.‖ (RCL nº 1.861/MA, Pleno do STF, Diário da Justiça de 21 de junho de 2002, p. 99). 107

De acordo, na jurisprudência: ADI nº 2.480/PB, Pleno do STF, Diário da Justiça de 15 de junho de 2007, p. 20: ―Ação direta de inconstitucionalidade: dispositivo do Regimento Interno do Tribunal de Justiça do Estado da Paraíba (art. 357), que admite e disciplina o processo e julgamento de reclamação para preservação da sua competência ou da autoridade de seus julgados: ausência de violação dos artigos 125, caput e § 1º e 22, I, da Constituição Federal‖. 108

Assim, na jurisprudência: ―1. O instituto da reclamação, criado com a finalidade de preservar a autoridade das decisões judiciais, está previsto somente na competência do Supremo Tribunal Federal (CF/88, art. 102, I, "l") e do Superior Tribunal de Justiça (Lei 8.038/90, art. 13), não cabendo o processamento desse tipo de procedimento no âmbito dos Tribunais Regionais Federais por absoluta falta de amparo legal.‖ (Reclamação nº 2009.01.00.051439-5/MA, 3ª Seção do TRF da 1ª Região, Diário da Justiça eletrônico de 5 de julho de 2010, p. 17).

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Em suma, a reclamação é admissível no Supremo Tribunal Federal, no

Superior Tribunal de Justiça, nos Tribunais de Justiça, mas não o é nos

Tribunais Regionais Federais.

5. CAUSAS DE PEDIR DA RECLAMAÇÃO CONSTITUCIONAL

5.1. CAUSAS DE PEDIR EXPLÍCITAS NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL

À vista dos artigos 102, inciso I, letra ―l‖, 103-A, § 3º, e 105, inciso I, alínea

―f‖, todos da Constituição Federal, é lícito afirmar que a reclamação pode ser

ajuizada com fundamento em duas causas de pedir: usurpação de

competência e desrespeito aos pronunciamentos de tribunal.

As causas de pedir da reclamação constitucional são autônomas e

independentes entre si, razão pela qual a reclamação é admissível com esteio

em apenas uma delas.

A título de exemplificação, a reclamação é adequada para garantir a

autoridade de enunciado vinculante da Súmula do Supremo Tribunal

Federal109.

Outro exemplo: é admissível reclamação na eventualidade de

ajuizamento e processamento de ação direta de inconstitucionalidade perante

de Tribunal de Justiça em hipótese de competência de controle concentrado do

Supremo Tribunal Federal, por exemplo, em sede ação direta de

inconstitucionalidade, ação declaratória de constitucionalidade, ação de

arguição de descumprimento de preceito fundamental110.

109

Assim, na jurisprudência: ―RECLAMAÇÃO. NECESSIDADE DE PRÉVIO PAGAMENTO DE MULTAS DE TRÂNSITO PARA A EXPEDIÇÃO DE CERTIFICADO DE LICENCIAMENTO ANUAL DE VEÍCULOS. AFASTAMENTO DO ART. 131, § 2º, DO CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO POR ÓRGÃO FRACIONÁRIO DE TRIBUNAL. SÚMULA VINCULANTE Nº 10. DESCUMPRIMENTO CONFIGURADO. 1. A expedição de certificado de licenciamento anual de veículos está condicionada à quitação de eventuais multas de trânsito, nos termos do art. 131, § 2º, do Código de Trânsito Brasileiro. O afastamento dessa regra, sem prévia sujeição ao procedimento estabelecido no art. 97 da Constituição da República, descumpre a Sumula Vinculante 10. 2. Reclamação julgada procedente.‖ (RCL nº 7.856/MG, Pleno do STF). ―RECLAMAÇÃO. DESCUMPRIMENTO DA SÚMULA VINCULANTE 10 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. INOBSERVÂNCIA DO ART. 97 DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. EXCLUSÃO DE PESSOA JURÍDICA DO PROGRAMA DE RECUPERAÇÃO FISCAL. LEI 9.964/2000 E RESOLUÇÃO CG/REFIS nº 20/2001. ALEGADA OFENSA AOS PRINCÍPIOS DA AMPLA DEFESA E DO CONTRADITÓRIO. RECLAMAÇÃO JULGADA PROCEDENTE, PREJUDICADO O AGRAVO REGIMENTAL. 1. A exclusão da ora Interessada do Programa de Recuperação Fiscal foi feita em conformidade com o que dispõe o art. 5º, § 1º, da Resolução CG/REFIS nº 20/2001. 2. A Oitava Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, no entanto, decidiu que a intimação feita pelo Diário Oficial da União, na forma prescrita naquela Resolução, ofenderia os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa e determinou a reinclusão da pessoa jurídica no Programa de Recuperação Fiscal. 3. O Supremo Tribunal Federal considera declaratório de inconstitucionalidade o acórdão que – embora sem o explicitar – afasta a incidência da norma ordinária pertinente à lide, para decidi-la sob critérios diversos alegadamente extraídos da Constituição. Precedentes. 4. Configurado o descumprimento da Súmula Vinculante 10 do Supremo Tribunal Federal. 5. Reclamação julgada procedente, prejudicado o agravo regimental.‖ (RCL nº 7.322/DF, Pleno do STF). 110

Em abono, na jurisprudência: ―- DIREITO CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE DE LEI MUNICIPAL, EM CURSO NO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SERGIPE, COM LIMINAR DEFERIDA. RECLAMAÇÃO PARA O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. PROCEDÊNCIA. 1. Dispõe o art. 106, I, ‗c‘, da Constituição do Estado de Sergipe: ‗Art. 106. compete, ainda, ao Tribunal de Justiça: I - processar e julgar originariamente: ... ‗c‘ – a ação

Page 73: BERNARDO PIMENTEL SOUZA - DAS       AÇÕES CONSTITUCIONAIS

Mais um exemplo: a reclamação é admissível para preservar a

competência do tribunal ad quem para processar e julgar ação rescisória dos

respectivos julgados111.

Por fim, no que tange aos atos e omissões das autoridades

administrativas, embora seja admissível a reclamação constitucional, a

propositura da ação só é admissível após o esgotamento das eventuais vias

administrativas disponíveis, ex vi do artigo 7º, caput e § 1º, da Lei nº 11.417, de

2006.

5.2. CAUSA DE PEDIR PREVISTA NA RESOLUÇÃO Nº 12, DO S.T.J.

Além das tradicionais hipóteses de admissibilidade previstas nos artigos

102, inciso I, letra ―l‖, 103-A, § 3º, e 105, inciso I, alínea ―f‖, todos da

Constituição Federal, há outra causa que também autoriza reclamação: a

divergência entre acórdão de turma recursal de juizado especial cível e

enunciado sumular ou precedente jurisprudencial do Superior Tribunal de

Justiça proferido com fundamento no artigo 543-C do Código de Processo Civil,

desde que a divergência verse sobre direito material. É a hipótese de

admissibilidade prevista na Resolução nº 12, de 2009, expedida pelo Ministro-

Presidente do Superior Tribunal de Justiça112.

direta de inconstitucionalidade de lei ou atos normativos estaduais em face da Constituição Estadual e de lei ou de ato normativo municipal em face da Constituição Federal ou da Estadual‘. 2. Com base nessa norma, o Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe tem julgado Ações Diretas de Inconstitucionalidade de leis municipais, mesmo em face da Constituição Federal. 3. Sucede que esta Corte, a 13 de março de 2002, tratando de norma constitucional semelhante do Estado do Rio Grande do Sul, no julgamento da ADI nº 409, Relator Ministro SEPÚLVEDA PERTENCE (DJ de 26.04.2002, Ementário nº 2066-1), decidiu: ‗Controle abstrato de constitucionalidade de leis locais (CF, art. 125, § 2º): cabimento restrito à fiscalização da validade de leis ou atos normativos locais - sejam estaduais ou municipais - , em face da Constituição estadual: invalidade da disposição constitucional estadual que outorga competência ao respectivo Tribunal de Justiça para processar e julgar ação direta de inconstitucionalidade de normas municipais em face também da Constituição Federal: precedentes‘. 4. Adotados o fundamentos apresentados nesse aresto unânime do Plenário e em cada um dos precedentes neles referidos, a presente reclamação é julgada procedente, para se extinguir, sem exame do mérito, o processo da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 02/96, proposta perante o Tribunal de Justiça do Estado Sergipe, por falta de possibilidade jurídica do pedido, cassada definitivamente a medida liminar nele concedida. 5. Incidentalmente, o S.T.F. declara a inconstitucionalidade das expressões ‗Federal ou da‘, constantes da alínea ‗c‘ do inciso I do art. 106 da Constituição do Estado de Sergipe. 6. A esse respeito, será feita comunicação ao Senado Federal, para os fins do art. 52, X, da Constituição Federal. E também ao Tribunal de Justiça de Sergipe.‖ (RCL nº 595/SE, Pleno do STF, Diário da Justiça de 23 de maio de 2003, p. 31, sem os grifos no original). 111

Assim, na jurisprudência: ―RECLAMAÇÃO. AÇÕES RESCISÓRIAS PROCESSADAS PERANTE O TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁ, COM ALEGADA USURPAÇÃO DE COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, JÁ QUE DIRIGIDAS CONTRA ACÓRDÃOS QUE HAVIAM SIDO APRECIADOS POR ESSA CORTE, EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO, CONQUANTO DESTE NÃO TENHA CONHECIDO. Evidenciado que, ao julgar o recurso, decidiu o STF questão federal nele suscitada, é fora de dúvida a incompetência da Corte Estadual para as ações rescisórias que, conquanto houvessem impugnado apenas a decisão local, na verdade investem contra os efeitos do acórdão do STF que a confirmou e que, conseqüentemente, a substituiu (art. 512 do CPC). O Supremo Tribunal Federal é competente para a ação rescisória quando, embora não tendo conhecido do recurso extraordinário, tiver apreciado a questão controvertida (Súmula nº 249). Competência que se afirma, independentemente da natureza da questão federal apreciada. Reclamação acolhida, para o fim de tornar sem efeito as decisões impugnadas e julgar extintas as rescisórias, por impossibilidade jurídica do pedido.‖ (RCL nº 377/PR, Pleno do STF, Diário da Justiça de 30 de abril de 1993). 112

―Em deliberação quanto à admissibilidade da reclamação disciplinada pela Resolução nº 12, a Segunda Seção decidiu o seguinte: - é necessário que se demonstre a contrariedade à jurisprudência consolidada desta Corte quanto à matéria, entendendo-se por jurisprudência consolidada: (I) precedentes

Page 74: BERNARDO PIMENTEL SOUZA - DAS       AÇÕES CONSTITUCIONAIS

Na hipótese da Resolução nº 12, a petição inicial da reclamação deve ser

protocolizada no Superior Tribunal de Justiça no prazo de quinze dias,

contados da intimação do acórdão proferido pela turma recursal113.

5.3. RECLAMAÇÃO E CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE

A ação de reclamação pode ter causa de pedir tanto no controle difuso

quanto no controle concentrado de constitucionalidade. É certo que a relação

com o controle concentrado é mais nítida, por ser a reclamação a ação

adequada para assegurar o cumprimento de julgado do Supremo Tribunal

Federal dotado de efeitos vinculante e erga omnes. Daí a estreita relação

existente entre a reclamação e o controle concentrado, porquanto aquele é a

via processual idônea para que os julgamentos proferidos nas ações diretas

sejam respeitados e cumpridos pelas autoridades judiciárias e administrativas.

Não obstante, a reclamação é igualmente admissível no controle difuso,

quando o Supremo Tribunal Federal profere julgamento subjetivo em

determinada causa. Na eventualidade de o julgado não ser observado quando

da liquidação ou da execução, há lugar para reclamação constitucional por

parte das pessoas alcançadas pela coisa julgada produzida no caso concreto.

Além da autoridade dos julgados proferidos nos controles difuso e

concentrado, a reclamação também é adequada para preservar a competência

constitucional estabelecida para a realização de ambos os controles. Na

eventualidade do processamento de alguma das ações diretas previstas na

alínea ―a‖ do inciso I do artigo 102 da Constituição em algum tribunal que não

seja a Corte Suprema, há lugar para a reclamação. Mutatis mutandis, igual

raciocínio é aplicável ao controle difuso, caso algum recurso ordinário ou

extraordinário da competência do Supremo Tribunal Federal não seja

devidamente processado rumo à Corte Suprema114.

Em suma, a reclamação não é instituto exclusivo de apenas um dos

métodos de controle de constitucionalidade, porquanto a ação pode ter lugar à

exarados no julgamento de recursos especiais em controvérsias repetitivas (art. 543-C, do CPC); (II) enunciados de súmula da jurisprudência da Corte. – Não se admite, com isso, a propositura de reclamações com base apenas em precedentes exarados no julgamento de recursos especiais. – Para que seja admissível a reclamação é necessário também que a divergência se dê quanto a regras de direito material, não se admitindo a reclamação que discuta regras de processo civil, à medida que o processo, nos Juizados Especiais, orienta-se pelos critérios da Lei nº 9.099/95.‖ (Rcl nº 3.812/ES – AgRg, 2ª Seção do STJ, Informativo STJ, nº 487, de novembro de 2011). 113

Cf. artigo 1º, caput e § 1º, da Resolução nº 12, de 2009. 114

Em abono, na jurisprudência: ―Mandado de segurança. Ato do relator do Colegiado Recursal dos Juizados Especiais Cíveis de Vitória que negou seguimento a agravo de instrumento de decisão que inadmitiu recurso extraordinário. 2. Garantia constitucional aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, do contraditório e da ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes. 3. Direito inequívoco do impetrante de ver apreciado pelo STF o agravo de instrumento interposto contra decisão do Juiz Presidente do Colegiado Recursal dos Juizados Especiais Cíveis de Vitória, aforado tempestivamente, em ordem a, nele, esta Corte decidir sobre a admissibilidade do apelo extremo, que se fundamenta em alegação de ofensa ao art. 5º, LV, da CF, matéria prequestionada no Juízo a quo. 4. Mandado de segurança conhecido como reclamação e julgado procedente.‖ (MS nº 23.393/ES, Pleno do STF, Diário da Justiça de 1º de agosto de 2003, p. 105, sem os grifos no original).

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vista de causas de pedir provenientes das competências constitucionais e de

julgados de ambos os sistemas.

6. RECLAMAÇÃO CONSTITUCIONAL, CORREIÇÃO PARCIAL, AÇÃO

RESCISÓRIA E MANDADO DE SEGURANÇA: ANÁLISE COMPARATIVA

Ao contrário do que pode parecer à primeira vista, a reclamação

constitucional não pode ser confundida com a correição parcial. Aquela

(reclamação) é o processo constitucional cuja admissibilidade encontra

sustentação em alguma das duas causas de pedir: a) preservação da

competência do tribunal; e b) garantia da autoridade das decisões do tribunal.

Já a correição parcial ou reclamação correicional tem outras duas funções: a)

como remédio administrativo-disciplinar, a correição tem como alvo ato de

magistrado na qualidade de servidor público, para a apuração de falta perante

a corregedoria do respectivo tribunal, porquanto a função precípua do instituto

reside no controle previsto no artigo 96, inciso I, alínea ―b‖, in fine, da

Constituição Federal; b) como sucedâneo recursal, a correição é apta à

impugnação de decisão judicial irrecorrível contaminada por error in

procedendo, consoante revela a combinação do artigo 8º, inciso I, alínea ―l‖, da

Lei nº 11.697, de 2008, com o artigo 709, inciso II, da Consolidação das Leis do

Trabalho, com o artigo 498, alínea ―a‖, do Código de Processo Penal Militar,

com o reforço do artigo 184 do Regimento Interno do Tribunal de Justiça do

Distrito Federal e do artigo 265 do Regimento Interno do Tribunal Regional

Federal da 1ª Região. Em suma, a despeito da semelhança terminológica, a

reclamação constitucional não se confunde com a reclamação correicional ou

correição parcial, porquanto têm previsões e finalidades constitucionais, legais

e regimentais distintas.

A reclamação também não pode ser confundida com a ação rescisória,

nem proposta no lugar da última (rescisória), conforme revela o enunciado nº

734 da Súmula da Corte Suprema: ―Não cabe reclamação quando já houver

transitado em julgado o ato judicial que se alega tenha desrespeitado decisão

do Supremo Tribunal Federal‖.

Quanto ao mandado de segurança, a despeito de ser uma das fontes da

reclamação constitucional, não há lugar para dúvida acerca da adequação de

cada via processual constitucional. Diante da incidência de hipótese específica

de reclamação constitucional, é inadmissível mandado de segurança, até

mesmo por força dos enunciados nºs 330 e 624 da Súmula do Supremo

Tribunal Federal. Não obstante, em virtude da proximidade dos institutos, é

lícita a fungibilidade das vias, como já restou assentado no Plenário da Corte

Suprema115.

115

Cf. MS nº 23.393/ES, Pleno do STF, Diário da Justiça de 1º de agosto de 2003, p. 105: ―Mandado de segurança. Ato do relator do Colegiado Recursal dos Juizados Especiais Cíveis de Vitória que negou seguimento a agravo de instrumento de decisão que inadmitiu recurso extraordinário. 2. Garantia constitucional aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, do contraditório e da ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes. 3. Direito inequívoco do impetrante de ver apreciado pelo STF o

Page 76: BERNARDO PIMENTEL SOUZA - DAS       AÇÕES CONSTITUCIONAIS

Por tudo, a admissibilidade da reclamação constitucional é bem específica

à vista da Constituição Federal e não se confunde com os campos de

incidência da correição parcial, da ação rescisória e do mandado de segurança.

Não obstante, além da propositura da ação de reclamação, é admissível a

interposição prévia, simultânea ou posterior do recurso processual cabível

contra a mesma decisão judicial reclamada, em virtude do artigo 7º, caput, da

Lei nº 11.417, de 2006.

7. LEGITIMIDADE ATIVA E PETIÇÃO INICIAL

À vista do artigo 13 da Lei nº 8.038, de 1990, a reclamação constitucional

pode ser ajuizada pelo Ministério Público, bem como pelo litigante prejudicado

em razão da usurpação da competência ou do desrespeito ao julgado proferido

no processo primitivo, do qual era parte.

Além das partes que ocuparam os polos ativo e passivo no processo

primitivo, terceiro juridicamente prejudicado também tem legitimidade ativa para

ajuizar a reclamação, ainda mais em virtude da moderna orientação

jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal em prol da admissão da

reclamação até mesmo para garantir a autoridade dos julgamentos proferidos

em controle concentrado, a despeito de o autor da reclamação não ter

participado do processo objetivo116.

Em decorrência da natureza jurídica de ação, a reclamação constitucional

deve ser proposta mediante petição inicial, com a completa observância dos

artigos 282 e 283 do Código de Processo Civil117. Por conseguinte, a petição

inicial já deve ser instruída com a prova documental disponível para demonstrar

os fatos narrados pelo reclamante. O reclamante também deve comprovar o

respectivo recolhimento das custas iniciais eventualmente devidas, conforme o

disposto no artigo 59, inciso II, do Regimento Interno do Supremo Tribunal

Federal, no artigo 2º da Lei nº 11.636, de 2007, no inciso VI da Tabela ―A‖ da

agravo de instrumento interposto contra decisão do Juiz Presidente do Colegiado Recursal dos Juizados Especiais Cíveis de Vitória, aforado tempestivamente, em ordem a, nele, esta Corte decidir sobre a admissibilidade do apelo extremo, que se fundamenta em alegação de ofensa ao art. 5º, LV, da CF, matéria prequestionada no Juízo a quo. 4. Mandado de segurança conhecido como reclamação e julgado procedente.‖ (sem o grifo no original). 116

―LEGITIMIDADE ATIVA PARA A RECLAMAÇÃO NA HIPÓTESE DE INOBSERVÂNCIA DO EFEITO VINCULANTE. - Assiste plena legitimidade ativa, em sede de reclamação, àquele - particular ou não - que venha a ser afetado, em sua esfera jurídica, por decisões de outros magistrados ou Tribunais que se revelem contrárias ao entendimento fixado, em caráter vinculante, pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento dos processos objetivos de controle normativo abstrato instaurados mediante ajuizamento, quer de ação direta de inconstitucionalidade, quer de ação declaratória de constitucionalidade. Precedente.‖ (RCL nº 2.143/SP - AgRg, Pleno do STF, Diário da Justiça de 6 de junho de 2003, p. 30). ―4. Reclamação. Reconhecimento de legitimidade ativa ad causam de todos que comprovem prejuízo oriundo de decisões dos órgãos do Poder Judiciário, bem como da Administração Pública de todos os níveis, contrárias ao julgado do Tribunal. Ampliação do conceito de parte interessada (Lei 8038/90, artigo 13).‖ (RCL nº 1.880/SP – AgRg, Pleno do STF, Diário da Justiça de19 de março de 2004, p. 17). 117

No que tange à reclamação da competência do Supremo Tribunal Federal, a petição inicial também deve cumprir o disposto na Resolução nº 421, de 2009, cujo artigo 18 exige a forma eletrônica ―Art. 18. As classes processuais Reclamação (RCL), Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC), Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO), Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) e Proposta de Súmula Vinculante (PSV) passam a ser processadas, exclusivamente, no sistema eletrônico do STF (e-STF ).‖ (sem os grifos no original).

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Resolução de Custas do Supremo Tribunal Federal, e no inciso XVI da Tabela

―A‖ da Resolução de Custas do Superior Tribunal de Justiça.

Por fim, a reclamação é registrada no tribunal no qual a petição inicial foi

protocolizada, com a distribuição da reclamação pelo respectivo presidente.

8. DISTRIBUIÇÃO, PROCEDIMENTO E JULGAMENTO

Quando possível, a reclamação é distribuída ao mesmo relator do

processo primitivo, nos termos do artigo 70 do Regimento Interno do Supremo

Tribunal Federal.

Após a distribuição, a reclamação sobe à conclusão do respectivo relator.

Se manifestamente inadmissível a reclamação constitucional, compete ao

próprio relator proferir decisão monocrática de indeferimento da petição inicial,

a qual, todavia, é impugnável mediante agravo interno ou regimental, com

fundamento no artigo 39 da Lei nº 8.038, de 1990.

Em contraposição, satisfeitas as condições da ação e os pressupostos

processuais, o relator admite a petição inicial e dá seguimento ao processo. Ao

admitir a reclamação, o relator pode proferir decisão monocrática liminar de

suspensão do processo anterior ou do ato impugnado, conforme o disposto no

artigo 14 da Lei nº 8.038, de 1990. Também cabe ao relator requisitar

informações da autoridade reclamada, na mesma oportunidade.

À vista do artigo 15 da Lei nº 8.038, de 1990, qualquer interessado pode

impugnar a reclamação constitucional, especialmente a parte contrária no

processo primitivo.

Por força do artigo 16 da Lei nº 8.038, de 1990, é obrigatória a

intervenção do Ministério Público como custos legis, salvo se for o próprio autor

da reclamação constitucional.

Após o oferecimento do parecer ministerial, compete ao relator pedir dia

para julgamento ao presidente do colegiado competente. Incidem, por analogia,

os artigos 552 e 554 do Código de Processo Civil.

A reclamação é julgada pelo órgão coletivo indicado no regimento interno.

No que tange ao Superior Tribunal de Justiça, tanto a corte especial quanto as

seções têm as respectivas competências fixadas nos artigos 11, inciso X, e 12,

inciso III, ambos do Regimento Interno de 1989. Já no Supremo Tribunal

Federal, além do plenário, também as turmas e até mesmo os relatores têm

competências próprias, conforme o disposto nos artigos 6º, inciso I, alínea ―g‖,

9º, inciso I, letra ―c‖, 10, 149, inciso III, e 161, caput e parágrafo único, todos do

Regimento Interno de 1980, com as redações alteradas pelas Emendas

Regimentais n°s 9 e 13, de 2001 e 2004, respectivamente.

Se procedente a reclamação constitucional, o tribunal cassa a decisão

exorbitante do seu julgado ou determina a providência necessária à

preservação da respectiva competência. Aliás, cabe ao presidente do colegiado

determinar o imediato cumprimento da decisão, com a posterior redação do

Page 78: BERNARDO PIMENTEL SOUZA - DAS       AÇÕES CONSTITUCIONAIS

acórdão, tendo em vista o disposto nos artigos 17 e 18 da Lei nº 8.038, de

1990.

9. RECORRIBILIDADE NO PROCESSO DE RECLAMAÇÃO

As decisões monocráticas proferidas pelos relatores – e também as

prolatadas pelos presidentes, vice-presidentes ou substitutos regimentais, nas

férias, nas licenças e nos eventuais afastamentos dos relatores – são

impugnáveis por meio de agravo interno ou regimental, em cinco dias, à vista

do artigo 39 da Lei nº 8.038, de 1990.

Já os acórdãos proferidos no processo de reclamação desafiam recurso

extraordinário para o Supremo Tribunal Federal, salvo quando prolatados na

própria Corte Suprema. Sem dúvida, os acórdãos proferidos pelo Superior

Tribunal de Justiça e pelos Tribunais de Justiça em processo de reclamação

são passíveis de recurso extraordinário, nas hipóteses do artigo 102, inciso III,

alíneas ―a‖, ―b‖, ―c‖ ou ―d‖, da Constituição Federal.

Ainda em relação aos acórdãos prolatados pelos Tribunais de Justiça,

também há o cabimento de recurso especial para o Superior Tribunal de

Justiça, nas hipóteses do artigo 105, inciso III, letras ―a‖, ―b‖ e ―c‖, da

Constituição Federal.

Em contraposição, não cabem embargos infringentes contra acórdão em

processo de reclamação, ainda que proferido por maioria de votos, porquanto

não há previsão da reclamação no artigo 530 do Código de Processo Civil. A

propósito, vale conferir o preciso enunciado nº 368 da Súmula do Supremo

Tribunal Federal: ―Não há embargos infringentes no processo de reclamação‖.

Também não são admissíveis embargos de divergência contra acórdão

prolatado em julgamento de reclamação, pela igual falta de previsão no artigo

546 do Código de Processo Civil118.

Por fim, os acórdãos proferidos no processo de reclamação são passíveis

de embargos declaratórios. Na verdade, sustenta-se no presente compêndio

que até mesmo as decisões monocráticas exaradas – por relator, presidente ou

vice-presidente – em processo de reclamação são impugnáveis mediante

embargos de declaração.

10. AÇÃO RESCISÓRIA CONTRA JULGAMENTO PROFERIDO EM

RECLAMAÇÃO CONSTITUCIONAL

Além dos recursos cabíveis, também é admissível ação rescisória de

julgado proferido em processo de reclamação, desde que proposta com a

observância do artigo 485 do Código de Processo Civil.

118

Assim, na jurisprudência: PET nº 1.292 - AgRg, Corte Especial do STJ, Diário da Justiça de 25 de março de 2002, p. 157.

Page 79: BERNARDO PIMENTEL SOUZA - DAS       AÇÕES CONSTITUCIONAIS

Sem dúvida, a reclamação constitucional ocasiona a instauração de

processo judicial de jurisdição contenciosa, em razão do real litígio existente

entre as partes. Daí a formação de coisa julgada material119 passível de

desconstituição mediante ação rescisória, desde que ajuizada dentro do prazo

previsto no artigo 495 do Código de Processo Civil.

119

De acordo, na doutrina: GISELE SANTOS FERNANDES GÓES. A reclamação constitucional. 2005, p. 133: ―Por estar enquadrada como jurisdição contenciosa, produz coisa julgada formal e material‖.

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TOMO II

REMÉDIOS

CONSTITUCIONAIS

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INTRODUÇÃO

Os remédios constitucionais ou writs são as ações constitucionais de

garantia de direitos fundamentais consagrados na Constituição Federal, como,

por exemplo, o direito de locomoção, de ir e vir, garantido pela ação de habeas

corpus, e o direito de acesso às informações pessoais existentes em bancos de

dados públicos, protegido por meio da ação de habeas data. São, portanto, os

remédios constitucionais ações constitucionais de garantia de direitos

fundamentais previstos na Constituição.

Os principais remédios constitucionais estão arrolados nos incisos

LXVIII, LXIX, LXX, LXXI, LXXII e LXXIII do artigo 5º da Constituição Federal,

quais sejam, o habeas corpus, o mandado de segurança, o mandado de

injunção, o habeas data e a ação popular, respectivamente.

Além dos cinco remédios constitucionais previstos no artigo 5º da

Constituição Federal, a ação civil pública também protege direitos

constitucionais fundamentais, razão pela qual merece igual atenção em

compêndio destinado ao estudo das ações constitucionais de garantia.

Page 82: BERNARDO PIMENTEL SOUZA - DAS       AÇÕES CONSTITUCIONAIS

CAPÍTULO I

HABEAS CORPUS

1. PRECEITOS CONSTITUCIONAIS E LEGAIS DE REGÊNCIA

A garantia do habeas corpus está consagrada nos incisos LXVIII e

LXXVII do artigo 5º da Constituição de 1988, para a proteção do direito de

liberdade de locomoção das pessoas. O amplo alcance da garantia sofre

apenas a exceção estampada no § 2º do artigo 142 da mesma Constituição.

No que tange à competência constitucional para o processamento e o

julgamento do habeas corpus, consta dos artigos 102, inciso I, alíneas ―d‖ e ―i‖,

105, inciso I, letra ―c‖, 108, inciso I, alínea ―d‖, 109, inciso VII, e 114, inciso IV,

todos da Constituição Federal.

Além da previsão constitucional, o instituto também consta dos artigos

574, inciso I, 581, inciso X, 647 a 667, todos do Código de Processo Penal,

diploma legal de regência da admissibilidade, do processamento e do

julgamento do habeas corpus.

Por fim, há os regimentos internos dos tribunais, aprovados com

fundamento no artigo 96, inciso I, alínea ―a‖, da Constituição Federal, e nos

artigos 666 e 667 do Código de Processo Penal. Merece destaque o

Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, cujos artigos 188 a 199

versam sobre a admissibilidade, o processamento e o julgamento do habeas

corpus.

2. ETMOLOGIA, CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA

A expressão constitucional habeas corpus provém dos termos latinos

―habeo‖120 e ―corpus‖121, cujo significado é ―trazer o corpo‖.

Sob o prisma jurídico, o habeas corpus é a ação constitucional

adequada para a proteção do direito de liberdade de locomoção das pessoas.

Tem lugar, portanto, sempre que alguém sofrer restrição ou ameaça ilegal ou

abusiva em prejuízo do direito de ir e vir. A propósito do conceito, vale conferir

o disposto no inciso LXVIII do artigo 5º da Constituição Federal: ―LXVIII -

conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar

ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por

ilegalidade ou abuso de poder‖. Ainda em relação ao conceito de habeas

corpus, o artigo 647 do Código de Processo Penal também merece destaque:

―Art. 647. Dar-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar na

120

Cf. FRANCISCO TORRINHA. Dicionário latino português. 2ª ed., Porto, 1942, p. 371. 121

Cf. FRANCISCO TORRINHA. Dicionário latino português. 2ª ed., Porto, 1942, p. 207.

Page 83: BERNARDO PIMENTEL SOUZA - DAS       AÇÕES CONSTITUCIONAIS

iminência de sofrer violência ou coação ilegal na sua liberdade de ir e vir, salvo

nos casos de punição disciplinar‖122.

No que tange à natureza jurídica, trata-se de ação cognitiva que instaura

processo judicial idôneo para afastar ato lesivo ou ameaçador ao direito de

locomoção de pessoa, em virtude de ordem judicial consubstanciada em

condenação de obrigação de fazer ou de não fazer.

Com efeito, o habeas corpus não é espécie de recurso processual, como

pode parecer à primeira vista, em razão da inclusão do instituto nos artigos 647

e seguintes do Código de Processo Penal, no título destinado aos recursos.

Basta lembrar que nem sempre o habeas corpus tem lugar em um processo já

instaurado: o habeas corpus impetrado contra ato de delegado de polícia ou de

promotor de justiça tem lugar sem a prévia existência de processo; e não há

lugar para recurso processual sem a prévia existência de processo. Em boa

hora, portanto, o constituinte de 1987 e 1988 esclareceu a verdadeira natureza

jurídica do habeas corpus, conforme se infere do proêmio do inciso LXXVII do

artigo 5º da Constituição Federal: ―LXXVII – são gratuitas as ações de habeas

corpus e habeas data‖. Daí a conclusão: o habeas corpus tem natureza jurídica

de ação cognitiva que instaura processo judicial.

Por fim, é preciso ressaltar que o habeas corpus é ação de estatura

constitucional, destinada à proteção de direito fundamental, motivo pelo qual é

espécie de writ ou remédio constitucional, ao lado, por exemplo, do habeas

data, do mandado de segurança e da ação popular.

3. PROCESSO GRATUITO

À vista do inciso LXXVII do artigo 5º da Constituição de 1988, é gratuito

o processo de habeas corpus. Não há necessidade, portanto, de recolhimento

de custas judiciais para a admissibilidade, o processamento e o julgamento do

habeas corpus.

4. ADEQUAÇÃO

4.1. GENERALIDADES

A ação de habeas corpus tem lugar para afastar todo e qualquer ato

ilegal ou abusivo que ameace ou prejudique o direito de liberdade de

locomoção das pessoas.

Há duas espécies de habeas corpus: preventivo e liberatório. O habeas

corpus é preventivo quando há ameaça ilegal ou abusiva ao direito de ir e vir,

hipótese na qual a impetração visa à expedição de salvo-conduto, nos termos

do § 4º artigo 660 do Código de Processo Penal: ―§ 4º Se a ordem de habeas

122

No que tange à parte final do artigo 647 do Código de Processo Penal, foi recepcionada pela Constituição de 1988, tendo em vista a igual exceção constante do § 2º do artigo 142: ―Não caberá habeas corpus em relação a punições disciplinares militares‖.

Page 84: BERNARDO PIMENTEL SOUZA - DAS       AÇÕES CONSTITUCIONAIS

corpus for concedida para evitar ameaça de violência ou coação ilegal, dar-se-

á ao paciente salvo-conduto assinado pelo juiz‖. Já na hipótese de

concretização de prisão ilegal ou abusiva, o habeas corpus é repressivo ou

liberatório, porquanto visa à expedição de alvará de soltura para reprimir a

prisão ilegal ou abusiva.

Como já anotado, o habeas corpus é admissível tanto no caso de

ilegalidade quanto na hipótese de abuso de poder. É o que se infere do artigo

5º, inciso LXVIII, in fine, da Constituição Federal: ―por ilegalidade ou abuso de

poder‖123.

A ilegalidade é a desconsideração da norma jurídica de forma direta,

frontal: a norma de regência só apresenta uma opção juridicamente possível e

há o desrespeito por alguém, seja autoridade pública, seja particular Vale

ressaltar que a ilegalidade alcança tanto o desrespeito à lei propriamente dita

quanto a ofensa à Constituição. Há ilegalidade, por exemplo, quando o juiz

determina a imediata prisão do condenado, para o cumprimento desde logo da

pena, a despeito de a decisão condenatória não ter transitado em julgado, em

afronta direta ao disposto no inciso LVII do artigo 5º da Constituição Federal124.

Já o abuso de poder se dá quando, a despeito da aparente

compatibilidade com o disposto na norma jurídica, a autoridade pública pratica

ato omissivo ou comissivo desproporcional, desprovido de razoabilidade. O

abuso de poder implica, portanto, ofensa indireta à norma jurídica, apesar da

aparente compatibilidade com o texto normativo. Por exemplo, o inciso LXVII

do artigo 5º da Constituição e o artigo 733 do Código de Processo Civil

autorizam a prisão do devedor de alimentos, sem previsão alguma em relação

ao período da inadimplência que enseja a prisão civil. Não obstante, a despeito

de os textos constitucional e legal não fixarem o período de inadimplência que

autoriza a prisão, há abuso de poder quando o juiz decreta a prisão do devedor

de prestações alimentícias anteriores aos últimos três meses contados do

ajuizamento da ação de execução dos alimentos. Daí a justificativa para a

aprovação do enunciado nº 309 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça: ―O

débito alimentar que autoriza a prisão civil do alimentante é o que compreende

as três prestações anteriores ao ajuizamento da execução e as que se

vencerem no curso do processo‖.

Por fim, o habeas corpus pode ser utilizado para prevenir e reprimir toda

espécie de ameaça e prisão, em processo penal, eleitoral, trabalhista e até

123

Reforça o artigo 188 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, in verbis: ―Dar-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder‖. 124

De acordo, na jurisprudência: ―Habeas Corpus. 2. Execução provisória da pena. Impossibilidade. Ofensa aos princípios constitucionais da presunção de inocência e da dignidade da pessoa humana. Precedente firmado no HC 84.078/MG de relatoria do Min. Eros Grau. 3. Superação da Súmula 691. 4. Ordem concedida.‖ (HC nº 107.547/SP, 2ª Turma do STF, Diário da Justiça eletrônico de 30 de maio de 2011).

Page 85: BERNARDO PIMENTEL SOUZA - DAS       AÇÕES CONSTITUCIONAIS

mesmo civil125. A única exceção prevista na Constituição em relação à

admissibilidade do habeas corpus ocorre em relação às punições disciplinares

militares. Com efeito, o § 2º do artigo 142 da Constituição proíbe habeas

corpus em relação às punições disciplinares militares. Não obstante, à vista

das interpretações histórica, sistemática e teleológica, o Supremo Tribunal

Federal também mitiga a vedação constitucional, para admitir o habeas corpus

em algumas hipóteses de ilegalidade ou de abusividade de decretação de

prisão de natureza disciplinar-militar126.

4.2. DIREITO LÍQUIDO E CERTO: PROVA DOCUMENTAL PRÉ-

CONSTITUÍDA

A admissibilidade da ação de habeas corpus depende da instrução da

respectiva petição inicial com prova documental suficiente para demonstrar os

fatos narrados pelo impetrante127. Não há lugar, portanto, para dilação

probatória em sede de habeas corpus128. Daí o acerto do enunciado nº 80 da

Súmula do Tribunal de Justiça de Pernambuco: ―A restrita via do habeas

corpus não comporta o revolvimento probatório necessário à aferição da

125

Por exemplo, decretada a prisão civil do devedor de alimentos, há lugar para habeas corpus, a fim de se eventual ilegalidade ou abusividade do juiz, como a decretação da prisão em razão do inadimplemento de prestações alimentares antigas, vale dizer, anteriores aos últimos três meses da execução, como bem revela o enunciado sumular nº 59 aprovado pelos Desembargadores das Câmaras Criminais do Tribunal de Justiça de Minas Gerais: ―59 - Dívida de alimentos antiga (aquela vencida há mais de três meses antes do início da execução) não pode justificar a decretação da prisão civil‖. Assim, na jurisprudência: ―HABEAS CORPUS (GARANTIA CONSTITUCIONAL) E TUTELA ORDINÁRIA (RECURSO CÍVEL).

PRISÃO CIVIL. A previsão de agravo de instrumento como meio bastante para impedir a prisão civil do devedor de alimentos não lhe suprime o direito ao habeas corpus, que é garantia constitucional, insuscetível à limitações de prazo.‖ (RHC nº 19.521/MG, 3ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 30 de junho de 2006, p. 213). Também de acordo, ainda na jurisprudência: ―HC - PRISÃO CIVIL - DEVEDOR DE ALIMENTOS - WRIT NÃO CONHECIDO PELO TRIBUNAL A QUO ANTE A EXISTÊNCIA DE RECURSO PRÓPRIO - CERCEAMENTO DE DEFESA - NULIDADE DO ACÓRDÃO - ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO PARA QUE SE APRECIE O MÉRITO DO PEDIDO. 1 - Consoante entendimento desta Corte, o fato de ter havido a interposição de Agravo de Instrumento perante a Corte estadual, não impede o conhecimento do remédio heróico ali impetrado, mormente quando a matéria versada no habeas corpus diz respeito ao status libertatis do paciente, ainda que pendente de apreciação recurso próprio. Precedentes. 2 - Ordem concedida determinando a remessa dos autos ao e. Tribunal a quo, para que este examine o mérito do writ.‖ (HC nº 45.898/MG, 4ª Turma do STJ, Diário da Justiça de

13 de fevereiro de 2006, p. 801). 126

"- O entendimento relativo ao § 20 do artigo 153 da Emenda Constitucional nº 1/69, segundo o qual o princípio, de que nas transgressões disciplinares não cabia habeas corpus, não impedia que se examinasse, nele, a ocorrência dos quatro pressupostos de legalidade dessas transgressões (a hierarquia, o poder disciplinar, o ato ligado à função e a pena susceptível de ser aplicada disciplinarmente), continua válido para o disposto no § 2º do artigo 142 da atual Constituição que é apenas mais restritivo quanto ao âmbito dessas transgressões disciplinares, pois a limita às de natureza militar. Habeas corpus deferido para que o S.T.J. julgue o writ que foi impetrado perante ele, afastada a preliminar do seu não-cabimento. Manutenção da liminar deferida no presente habeas corpus até que o relator daquele possa apreciá-la, para mantê-la ou não.‖ (HC nº 70.648/RJ, 1ª Turma do STF, Diário da Justiça de 4 de março de 1994, p. 3.289). 127

De acordo, na jurisprudência: ―1. O rito do habeas corpus pressupõe prova pré-constituída do direito alegado, devendo a parte demonstrar, de maneira inequívoca, por meio de documentos que evidenciem a pretensão aduzida, a existência do aventado constrangimento ilegal suportado pelo paciente.‖ (HC nº 153.121/SP, 5ª Turma do STJ, Diário da Justiça eletrônico de 1º de setembro de 2011). 128

De acordo, na jurisprudência: ―- O habeas corpus constitui remédio processual inadequado para a análise da prova, para o reexame do material probatório produzido, para a reapreciação da matéria de fato e, também, para a revalorização dos elementos instrutórios coligidos no processo penal de conhecimento.‖ (HC nº 74.420/RJ, 1ª Turma do STF, Diário da Justiça de 19 de dezembro de 1996, p. 51.768).

Page 86: BERNARDO PIMENTEL SOUZA - DAS       AÇÕES CONSTITUCIONAIS

negativa de autoria‖. Em suma, a petição inicial do habeas corpus sempre deve

estar instruída com prova documental idônea ao completo esclarecimento dos

fatos narrados pelo impetrante, sob pena de extinção do processo sem

julgamento do mérito, por carência de ação129.

4.3. DECISÃO JUDICIAL TRANSITADA EM JULGADO:

ADMISSIBILIDADE DO HABEAS CORPUS

A despeito da existência do instituto da revisão criminal, admissível para

impugnar decisões judiciais condenatórias transitadas em julgado, o Supremo

Tribunal Federal também autoriza a impetração de habeas corpus, tendo em

vista a ausência de restrição no inciso LXVIII do artigo 5º da Constituição130.

4.4. PROTEÇÃO DE OUTROS DIREITOS ALHEIOS À LIBERDADE DE

LOCOMOÇÃO: INADEQUAÇÃO DO HABEAS CORPUS

O habeas corpus só é adequado para a defesa do direito de ir e vir

lesado ou ameaçado, e não para proteger outros direitos alheios à liberdade de

locomoção das pessoas. Por conseguinte, não é admissível habeas corpus se

o paciente beneficiário da impetração já está livre, por ter cumprido a pena

privativa de liberdade131, ou foi libertado em razão da extinção da pena por

outro fundamento132. Daí o acerto do enunciado nº 695 da Súmula do Supremo

Tribunal Federal: ―Não cabe habeas corpus quando já extinta a pena privativa

de liberdade‖.

Na mesma esteira, não é admissível habeas corpus se o paciente

beneficiário da impetração não sofreu pena privativa de liberdade, mas, sim,

pena de outra natureza, sem repercussão alguma no direito de ir e vir. Em

129

De acordo, na jurisprudência: ―- O habeas corpus, ação constitucional destinada a assegurar o direito

de locomoção em face de ilegalidade ou abuso de poder, não se presta para desconstituir decisão condenatória fundada em judicioso exame de provas, pois o estudo do fato não se compadece com o rito especial do remédio heróico.‖ (HC nº 21.200/SP, 6ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 2 de setembro de 2002, p. 249). 130

―Habeas corpus. Penal. Decisão transitada em julgado. Possibilidade de impetração de habeas corpus. Precedentes. Crime de furto qualificado. Artigo 155, § 4º, inciso IV, do Código Penal. Aplicação do privilégio (ibidem § 2º) ao furto qualificado. Possibilidade. Precedentes. Ordem concedida. 1. A jurisprudência desta Suprema Corte consolidou-se no sentido de que ‗a coisa julgada estabelecida no processo condenatório não é empecilho, por si só, à concessão de habeas corpus por órgão jurisdicional de gradação superior, de modo a desconstituir a decisão coberta pela preclusão máxima‘ (RHC nº 82.045/SP, Primeira Turma, Relator o Ministro Sepúlveda Pertence, DJ de 25/10/02).‖ (HC nº 101.256/RS, 1ª Turma do STF, Diário da Justiça eletrônico de 13 de setembro de 2011). 131

De acordo, na jurisprudência: ―Sem se achar em causa o direito de locomoção do paciente, não cabe habeas corpus para atacar condenação, já se achando cumprida e a pena nela cominada.‖ (HC nº 77.540/CE, 1ª Turma do STF, Diário da Justiça de 16 de abril de 1999). ―– Habeas Corpus. – Seu fim precípuo é prevenir ou remediar a liberdade de locomoção da paciente. II. Se esta já não existe porque extinta a pena, incabível é o uso do writ, nos termos da Constituição, art. 153, § 20, e segundo jurisprudência pacífica do S.T.F. III. Pedido de habeas corpus não conhecido.‖ (HC nº 52.534/SP, 2ª Turma do STF, Diário da Justiça de 8 de novembro de 1974). 132

De acordo, na jurisprudência: ―– HABEAS CORPUS. Prescrição. Não cabimento do writ, porque o paciente não está preso, nem ameaçado de prisão. Seu direito de ir e vir não se acha comprometido por qualquer ato emanado de autoridade. Embora condenado, a prescrição, que lhe favoreceu (art. 110 do Código Penal), importou a renúncia do Estado à pretensão executiva da pena.‖ (HC nº 57.753/SP, 1ª Turma do STF, Diário da Justiça de 16 de maio de 1980).

Page 87: BERNARDO PIMENTEL SOUZA - DAS       AÇÕES CONSTITUCIONAIS

abono, vale conferir o enunciado nº 694 da Súmula do Supremo Tribunal

Federal: ―Não cabe habeas corpus contra a imposição de pena de exclusão de

militar ou de perda de patente ou de função pública‖. As hipóteses previstas no

enunciado sumular autorizam a impetração de mandado de segurança, mas

nunca de habeas corpus, porquanto não está em jogo o direito de liberdade de

locomoção133.

Por fim, também não é admissível habeas corpus para discutir a erronia

da aplicação de simples pena de multa. A propósito, merece ser prestigiado o

correto enunciado nº 693 da Súmula do Supremo Tribunal Federal: ―Não cabe

habeas corpus contra decisão condenatória a pena de multa, ou relativo a

processo em curso por infração penal a que a pena pecuniária seja a única

cominada‖. Sem dúvida, não há lugar para habeas corpus se não existe lesão

nem ameaça ao direito de liberdade de locomoção.

5. PROCEDIMENTO ESPECIAL E SUJEITOS DO PROCESSO DE

HABEAS CORPUS

O processo de habeas corpus segue procedimento especial marcado

pela celeridade, em razão do bem jurídico objeto do writ: o direito de liberdade

de locomoção do ser humano. Daí a possibilidade da prestação de tutela

jurisdicional liminar pelo juiz ou tribunal competente, para a imediata soltura

daquele que se encontra preso de forma ilegal ou abusiva, ou para a

concessão de salvo-conduto em prol da pessoa que sofre risco de prisão ilegal

ou abusiva.

Além do juiz ou tribunal competente, há outras sujeitos no processo de

habeas corpus: – o impetrante, peticionário do writ; – o paciente, beneficiário

da impetração; – e o coator, autoridade pública ou até mesmo particular que

ameaça ou lesa direito de liberdade de locomoção de outrem.

5.1. IMPETRANTE

A ação de habeas corpus pode ser impetrada por qualquer pessoa, em

seu favor ou em prol de outrem, bem assim pelo Ministério Público, como bem

autoriza o artigo 654 do Código de Processo Penal: ―O habeas corpus poderá

ser impetrado por qualquer pessoa, em seu favor ou de outrem, bem como pelo

Ministério Público‖. Nada impede, portanto, que o impetrante seja o próprio

paciente, vale dizer, o beneficiário da impetração.

Ainda em relação ao impetrante, a capacidade postulatória não depende

de formação jurídica, motivo pelo qual a impetração pode se dar

independentemente do patrocínio da causa por advogado. É o que se infere do

§ 1º do artigo 1º da Lei nº 8.906, de 1994, in verbis: ―§ 1º Não se inclui na

133

De acordo, na jurisprudência: ―Não está em causa a liberdade de locomoção do oficial, na decisão do Tribunal de Justiça que decreta a perda de sua patente na Polícia Militar, sem caber, portanto, impugná-la pela via do habeas corpus.‖ (HC nº 77.505/ RN, 1ª Turma do STF, Diário da Justiça de 4 de dezembro de 1998).

Page 88: BERNARDO PIMENTEL SOUZA - DAS       AÇÕES CONSTITUCIONAIS

atividade privativa de advocacia a impetração de habeas corpus em qualquer

instância ou tribunal‖.

No habeas corpus, portanto, a legitimidade ativa e a capacidade

postulatória são amplas, em virtude da autorização legal em prol da impetração

por toda e qualquer pessoa, em nome próprio, ainda que em favor de outrem,

independentemente de mandato judicial e de inscrição nos quadros da Ordem

dos Advogados do Brasil.

Por fim, no que tange à impetração do habeas corpus por parte do

Ministério Público, é admissível, mas com ressalva: a impetração só pode ser

favorável ao paciente; o writ não é admissível quando a impetração implica

algum prejuízo, ainda que indireto, ao paciente134.

5.2. PACIENTE

O paciente é o beneficiário da impetração do habeas corpus. É a pessoa

em favor de quem é requerida a ordem de soltura, na impetração liberatória, ou

a expedição de salvo-conduto, na impetração preventiva.

Nada impede que uma pessoa seja, a um só tempo, impetrante e

paciente, porquanto o habeas corpus pode ser impetrado em favor do próprio

peticionário.

A impetração do habeas corpus não depende de prévia autorização do

paciente. Não obstante, se o writ for desautorizado pelo paciente, o processo

deve ser extinto, sem julgamento do mérito, por carência da ação. Sem dúvida,

se o paciente manifestar discordância com a impetração realizada em seu

favor, o processo de habeas corpus deve ser extinto sem julgamento do

mérito135.

Por fim, o paciente só pode ser pessoa natural, tendo em vista o bem

jurídico tutelado pelo writ, qual seja, a liberdade de locomoção das pessoas,

bem jurídico alheio ao universo das pessoas jurídicas. Com efeito, toda e

qualquer pessoa natural pode ser paciente no habeas corpus, tanto os

brasileiros, natos e naturalizados, quanto os estrangeiros residentes no Brasil,

conforme se infere da interpretação sistemática do artigo 5º, caput e inciso

LXVIII, da Constituição Federal136. Aliás, o Supremo Tribunal Federal firmou

correta interpretação extensiva da Constituição, a fim de conferir a garantia

constitucional do habeas corpus até mesmo aos estrangeiros sem residência

134

De acordo, sob ambos os prismas, na jurisprudência: ―1. O Código de Processo Penal (art. 654) e a Lei Orgânica Nacional do Ministério Público (art. 32, I) conferem legitimidade ao Promotor de Justiça para impetrar habeas corpus, desde que, segundo a jurisprudência desta Corte, a impetração não atente contra o interesse do paciente, caracterizando abuso de poder, com o fito de favorecer interesses da acusação.‖ (HC n° 77.017/RS, 2ª Turma do STF, Diário da Justiça de 11 de setembro de 1998, p. 5, sem os grifos no original). 135

É o que dispõe o artigo 192, § 3º, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal. 136

De acordo, na jurisprudência: ―DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS - ESTRANGEIROS - A teor do disposto na cabeça do artigo 5º da Constituição Federal, os estrangeiros residentes no País têm jus aos direitos e garantias fundamentais.‖ (HC nº 74.051/SC, 2ª Turma do STF, Diário da Justiça de 20 de setembro de 1996, p. 34.538).

Page 89: BERNARDO PIMENTEL SOUZA - DAS       AÇÕES CONSTITUCIONAIS

no país137. Em suma, o habeas corpus pode ter como beneficiária toda e

qualquer pessoa natural, nacional ou estrangeira, mas não pode ser impetrado

em prol de pessoa jurídica, tendo em vista o escopo do writ: a proteção do

direito de liberdade de locomoção.

5.3. COATOR

Coator é a autoridade pública ou o particular que lesa ou ameaça o

direito de liberdade de locomoção de outrem. Sem dúvida, embora a regra seja

a impetração à vista de ato de autoridade pública, nada impede a impetração

quando a lesão ou a ameaça ao direito de ir e vir se dá por particular, como,

por exemplo, quando o diretor de hospital privado que impede a saída de

paciente, por falta de pagamento138, ou o deslocamento do paciente para outro

hospital, em razão da gravidade da enfermidade.

6. HABEAS CORPUS EX OFFICIO

Além da ampla legitimidade ativa consagrada no caput do artigo 654 do

Código de Processo Penal para a impetração de habeas corpus, o § 2º do

mesmo artigo também autoriza a concessão de ofício por juiz ou tribunal, nos

seguintes termos: ―§ 2o Os juízes e os tribunais têm competência para expedir

de ofício ordem de habeas corpus, quando no curso de processo verificarem

que alguém sofre ou está na iminência de sofrer coação ilegal‖. Daí a

possibilidade concessão da ordem de ofício tanto por juiz de primeiro grau

quanto por relator, presidente, turma, câmara, grupo, seção, órgão especial ou

plenário de tribunal.

7. COMPETÊNCIA

7.1. COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA DO SUPREMO TRIBUNAL

FEDERAL

A competência para o processamento e o julgamento de habeas corpus

no Supremo Tribunal Federal deve ser aferida à luz do paciente139 e do

coator140, tendo em vista o disposto nas alíneas ―d‖ e ―i‖ do inciso I do artigo

102 da Constituição Federal.

À vista do artigo 102, inciso I, alínea ―d‖, da Constituição Federal, a

distribuição da competência se dá em razão do paciente: cabe ao Supremo

137

Assim, na jurisprudência: ―ESTRANGEIRO NÃO DOMICILIADO NO BRASIL - IRRELEVÂNCIA - CONDIÇÃO JURÍDICA QUE NÃO O DESQUALIFICA COMO SUJEITO DE DIREITOS E TITULAR DE GARANTIAS CONSTITUCIONAIS E LEGAIS‖ (HC nº 94.016/SP, 2ª Turma do STF, Diário da Justiça eletrônico nº 38). 138

De acordo, na jurisprudência: ―HABEAS CORPUS - Impetração contra particular - Cabimento - Hospital - Saída de internado impedida por não ter feito o pagamento das despesas - Constrangimento ilegal caracterizado - Ordem concedida.‖ (TJMS, Revista dos Tribunais, volume 574, página 400). 139

Vale dizer, pessoa beneficiária da impetração. 140

Vale dizer, autor da ilegalidade ou da ameaça objeto do writ.

Page 90: BERNARDO PIMENTEL SOUZA - DAS       AÇÕES CONSTITUCIONAIS

Tribunal Federal processar e julgar originariamente as ações de habeas corpus

impetradas em favor do Presidente da República, do Vice-Presidente, de

Senador da República, de Deputado Federal, do Procurador-Geral da

República, de Ministro da Corte Suprema ou de algum dos Tribunais

Superiores141, de Ministro de Estado, de Ministro do Tribunal de Contas da

União, de Comandante das Forças Armadas142 ou de Chefe de Missão

Diplomática brasileira de caráter permanente.

Já a alínea ―i‖ do inciso I do artigo 102 da Constituição versa sobre a

competência à vista do coator: cabe ao Supremo Tribunal Federal processar e

julgar originariamente as ações de habeas corpus impetradas em face de

Tribunais Superiores ou de autoridades sujeitas à jurisdição da Corte Suprema.

Em primeiro lugar, é importante aferir o alcance da expressão

constitucional ―quando o coator for Tribunal Superior‖, inserta na alínea ―i‖ do

inciso I do artigo 102 da Constituição, a fim de se saber se a impetração é

admissível à vista de ato monocrático de Ministro-Relator ou se o writ só tem

lugar quando há ato colegiado de Turma, de Seção, da Corte Especial ou do

Plenário de Tribunal Superior.

Ao examinarem a vexata quaestio na sessão plenária de 23 de setembro

de 2003, os Ministros da Corte Suprema aprovaram o enunciado nº 691,

contrário à impetração em face de ato monocrático de Ministro-Relator de

Tribunal Superior: ―Não compete ao Supremo Tribunal Federal conhecer de

habeas corpus impetrado contra decisão do relator que, em habeas corpus

requerido a Tribunal Superior, indefere a liminar‖. Não obstante, a orientação

jurisprudencial estampada no enunciado nº 691 não é absoluta, como também

já decidiram os Ministros da Corte Suprema em mais de uma oportunidade143.

Aliás, já é possível encontrar recentes precedentes jurisprudenciais com a

declaração explícita da superação do enunciado sumular144.

141

Quais sejam: Superior Tribunal de Justiça, Tribunal Superior do Trabalho, Tribunal Superior Eleitoral e Superior Tribunal Militar. 142

Quais sejam, Marinha, Exército e Aeronáutica. 143

―1. COMPETÊNCIA CRIMINAL. Habeas corpus. Impetração contra decisão de ministro relator do Superior Tribunal de Justiça. Indeferimento de liminar em habeas corpus. Rejeição de proposta de cancelamento da súmula 691 do Supremo. Conhecimento admitido no caso, com atenuação do alcance do enunciado da súmula. O enunciado da súmula 691 do Supremo não o impede de, tal seja a hipótese, conhecer de habeas corpus contra decisão de relator que, em habeas corpus requerido ao Superior Tribunal de Justiça, indefere liminar.‖ (HC nº 85.185/SP, Plenário do STF, Diário da Justiça de 1º de setembro de 2006). ―PENAL. PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. ARTS. 288 E 344 DO CÓDIGO

PENAL, COMBINADO COM O ART. 10, § 2º DA LEI 9.437/97. SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECOLHIMENTO À PRISÃO PARA APELAR. NECESSIDADE DE GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA E DA APLICAÇÃO DA LEI PENAL. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO ADEQUADA. DECISÃO ENUNCIADA GENERICAMENTE. SÚMULA 691 DO STF. CONSTRANGIMENTO ILEGAL QUE PERMITE A SUPERAÇÃO DESTA. I – Na hipótese de evidente constrangimento ilegal, admite-se a superação da Súmula 691 do Supremo Tribunal Federal.‖ (HC nº 90.746/SP, 1ª Turma do STF, Diário da Justiça de 11 de maio de 2007). 144

De acordo, na jurisprudência: ―Habeas Corpus. 2. Execução provisória da pena. Impossibilidade. Ofensa aos princípios constitucionais da presunção de inocência e da dignidade da pessoa humana. Precedente firmado no HC 84.078/MG de relatoria do Min. Eros Grau. 3. Superação da Súmula 691. 4. Ordem concedida.‖ (HC nº 107.547/SP, 2ª Turma do STF, Diário da Justiça eletrônico de 30 de maio de 2011, sem o grifo no original).

Page 91: BERNARDO PIMENTEL SOUZA - DAS       AÇÕES CONSTITUCIONAIS

Ainda em relação à interpretação da alínea ―i‖ do inciso I do artigo 102

da Constituição, também é preciso voltar os olhos para a expressão ―ou

quando o coator ou o paciente for autoridade ou funcionário cujos atos estejam

sujeitos diretamente à jurisdição do Supremo Tribunal Federal‖. À vista da

expressão constitucional sub examine, os Ministros da Corte Suprema

aprovaram o enunciado nº 690: ―Compete originariamente ao Supremo Tribunal

Federal o julgamento de habeas corpus contra decisão de turma recursal dos

juizados especiais criminais‖. Não obstante, hoje a maioria dos Ministros da

Corte Suprema marcha em rumo oposto, com a defesa da tese da

incompetência do Supremo Tribunal em relação às ações de habeas corpus

provenientes das Turmas Recursais dos Juizados Especiais Criminais145.

Por fim, a interpretação das alíneas ―d‖ e ―i‖ do inciso I do artigo 102 da

Constituição Federal também autoriza a conclusão segundo a qual não

compete ao Supremo Tribunal Federal processar e julgar habeas corpus

impetrado em face de ato de Ministro da própria Corte Suprema, muito menos

contra julgamentos colegiados das Turmas ou do Plenário do Tribunal. É o que

se infere do enunciado nº 606 da Súmula da Corte Suprema: ―Não cabe

habeas corpus originário para o Tribunal Pleno de decisão de Turma, ou do

Plenário, proferida em habeas corpus ou no respectivo recurso‖. Sem dúvida,

não compete ao Supremo Tribunal Federal processar e julgar as ações de

habeas corpus que tenham em mira julgamentos monocráticos e colegiados

proferidos na própria Corte Suprema, pelo Ministro-Presidente, por Ministro-

Relator, em Turma ou no Plenário146.

145

―COMPETÊNCIA – HABEAS CORPUS – ATO DE TURMA RECURSAL. Estando os integrantes das turmas recursais dos juizados especiais submetidos, nos crimes comuns e nos de responsabilidade, à jurisdição do tribunal de justiça ou do tribunal regional federal, incumbe a cada qual, conforme o caso, julgar os habeas impetrados contra ato que tenham praticado.‖ (HC nº 86.834/SP, Plenário do STF, Diário da Justiça de 9 de março de 2007). ―II. Habeas corpus: conforme o entendimento firmado a partir do julgamento do HC 86.834 (Pl, 23.6.06. Marco Aurélio, Inf., 437), que implicou o cancelamento da Súmula 690, compete ao Tribunal de Justiça julgar habeas corpus contra ato de Turma Recursal dos Juizados Especiais do Estado.‖ (HC nº 90.905/SP – AgRg, 1ª Turma do STF, Diário da Justiça de 11 de maio de 2007). 146

―HABEAS CORPUS. NÃO CABIMENTO CONTRA ATO DE MINISTRO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. O Supremo Tribunal Federal firmou, no julgamento do HC nº 86.548, entendimento no sentido do não cabimento de habeas corpus originário para o Pleno contra ato de seus ministros. Aplicou-se, por analogia, a Súmula 606/STF. Habeas corpus não conhecido.‖ (HC nº 91.207/RJ, Plenário do STF, Diário da Justiça eletrônico de 4 de março de 2010). ―Habeas corpus. Impetração contra ato da Segunda Turma que negou seguimento a agravo de instrumento. Inadmissibilidade. Súmula nº 606/STF. Habeas corpus não conhecido. 1. O habeas corpus não tem passagem quando impugna ato emanado por órgão

fracionário deste Supremo Tribunal. Incidência do enunciado da Súmula nº 606 desta Suprema Corte. 2. Writ não conhecido.‖ (HC nº 96.851/BA, Plenário do STF, Diário da Justiça eletrônico de 10 de junho de 2010). ―2. De mais a mais, este Excelso Pretório firmou a orientação do não-cabimento da impetração de habeas corpus contra ato de Ministro Relator ou contra decisão colegiada de Turma ou do Plenário do próprio Tribunal, independentemente de tal decisão haver sido proferida em sede de habeas corpus ou

proferida em sede de recursos em geral. (Cf. Súmula 606; HC 100.738/RJ, Tribunal Pleno, redatora para o acórdão a ministra Cármen Lúcia, DJ 01/07/2010; HC 101.432/MG, Tribunal Pleno, redator para o acórdão o ministro Dias Toffoli, DJ 16/04/2010; HC 88.247-AgR-AgR/RJ, Tribunal Pleno, da relatoria do ministro Celso de Mello, DJ 20/11/2009; HC 91.020-AgR/MG, Tribunal Pleno, da relatoria do ministro Celso de Mello, DJ 03/04/2009; HC 86.548/SP, Tribunal Pleno, da relatoria do ministro Cezar Peluso, DJ 19/12/2008.)‖ (HC nº 96.954/SP – AgRg, Pleno do STF, Diário da Justiça eletrônico de 7 de junho de 2011).

Page 92: BERNARDO PIMENTEL SOUZA - DAS       AÇÕES CONSTITUCIONAIS

7.2. COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE

JUSTIÇA

Tal como estudado em relação à competência originária do Supremo

Tribunal Federal, a competência para o processamento e o julgamento de

habeas corpus no Superior Tribunal de Justiça também deve ser aferida à luz

do paciente147 e do coator148, tendo em vista o disposto nas alíneas ―a‖ e ―c‖ do

inciso I do artigo 105 da Constituição.

Em primeiro lugar, compete ao Superior Tribunal de Justiça processar e

julgar originariamente as ações de habeas corpus quando o paciente ou o

coator for Governador de Estado ou do Distrito Federal, Desembargador de

Tribunal de Justiça de Estado ou do Distrito Federal, Juiz de Tribunal Regional

Federal149, Juiz de Tribunal Regional do Trabalho, Juiz de Tribunal Regional

Eleitoral, Conselheiro de Tribunal de Contas de Estado, do Distrito Federal ou

de Município, Procurador da República ou Subprocurador-Geral do Ministério

Público da União que oficie perante algum dos tribunais acima apontados.

Ainda à vista do disposto na alínea ―c‖ do inciso I do artigo 105 da

Constituição Federal, também compete ao Superior Tribunal de Justiça

processar e julgar originariamente as ações de habeas corpus quando o coator

for Tribunal de Justiça, Tribunal Regional Federal, Ministro de Estado ou

Comandante das Forças Armadas.

7.3. COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA DOS TRIBUNAIS REGIONAIS

FEDERAIS

À vista do artigo 108, inciso I, alínea ―d‖, da Constituição Federal,

compete aos Tribunais Regionais Federais processar e julgar originariamente

as ações de habeas corpus quando o coator for Juiz Federal.

7.4. COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA DOS TRIBUNAIS DE JUSTIÇA

A Constituição Federal não dispõe sobre a competência originária dos

Tribunais de Justiça para o processamento e julgamento de habeas corpus. O

caput e o § 1º do artigo 125 da Constituição Federal apenas revelam que a

Constituição do Estado versará sobre a competência do respectivo Tribunal de

Justiça. Daí a necessidade da conferência das Constituições de cada Estado

da Federação, bem como da Lei de Organização Judiciária150 e da Lei

Orgânica do Distrito Federal151.

147

Vale dizer, pessoa beneficiária da impetração. 148

Vale dizer, autor da ilegalidade ou da ameaça objeto do writ. 149

A despeito do termo estampado no caput do artigo 107 da Constituição Federal, qual seja, ―juízes‖, há preceitos regimentais de Tribunais Regionais Federais que adotam a expressão ―desembargadores federais‖, a qual, todavia, não tem previsão na Constituição. 150

Cf. artigo 21, inciso XIII, e 22, inciso XVII, ambos da Constituição Federal. 151

Ao contrário dos Estados-membros, o Distrito Federal não é regido por diploma denominado ―Constituição‖, mas, sim, pela ―lei orgânica‖ prevista no artigo 32 da Constituição Federal.

Page 93: BERNARDO PIMENTEL SOUZA - DAS       AÇÕES CONSTITUCIONAIS

7.5. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL

Segundo o artigo 109, inciso VII, da Constituição, aos Juízes Federais

compete processar e julgar as ações de habeas corpus em matéria criminal da

competência da Justiça Federal, bem como as impetrações quando o

constrangimento provier de autoridade federal cujos atos não estejam

diretamente submetidos à jurisdição do Supremo Tribunal Federal, do Superior

Tribunal de Justiça nem dos Tribunais Regionais Federais.

7.6. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA LOCAL

Na falta de previsão de competência constitucional do Supremo Tribunal

Federal, do Superior Tribunal de Justiça, do Tribunal Regional Federal, do

Tribunal de Justiça ou da Justiça Federal, o habeas corpus é da competência

de Juiz de Direito. Trata-se, à evidência, de competência residual, vale dizer,

só tem lugar quando o paciente e o coator não afetam a competência de outra

Justiça ou de algum Tribunal, à vista da Constituição Federal ou da

Constituição do Estado. Sob outro prisma, trata-se de competência de primeiro

grau de jurisdição, tal como se dá em relação ao habeas corpus da

competência da Justiça Federal, julgado por Juiz Federal em primeiro grau de

jurisdição.

8. PROCESSAMENTO E RECORRIBILIDADE

8.1. PROCESSAMENTO E RECORRIBILIDADE EM HABEAS CORPUS

EM PRIMEIRO GRAU DE JURISDIÇÃO

O habeas corpus é ação de natureza cognitiva que instaura processo

judicial marcado pela celeridade máxima, com possibilidade de prestação

jurisdicional in limine litis, tanto pelo juiz quanto pelo tribunal competente, para

a expedição de alvará de soltura ou de salvo-conduto, conforme o paciente já

esteja preso ou apenas ameaçado.

A petição inicial de habeas corpus deve ser elaborada à luz do artigo

654, § 1º, do Código de Processo Penal, com a indicação do nome do

impetrante, do paciente e do coator, a exposição dos fatos constitutivos do

pedido de soltura ou de salvo-conduto, e a assinatura do impetrante. A petição

de habeas corpus também deve ser instruída com toda prova documental

disponível no momento da impetração, para a demonstração dos fatos

narrados. Por fim, o impetrante pode requerer a concessão liminar da ordem,

para a soltura imediata do paciente ou a expedição de salvo-conduto, em razão

de manifesta ilegalidade ou abuso de poder do coator.

Com efeito, distribuído o writ, o juiz pode proferir decisão in limine litis,

para fazer cessar a ilegalidade ou o abuso de poder desde logo. Trata-se de

competência que encontra sustentação nas interpretações sistemática e

teleológica do artigo 656 do Código de Processo Penal.

Page 94: BERNARDO PIMENTEL SOUZA - DAS       AÇÕES CONSTITUCIONAIS

Em seguida, o juiz determina as diligências que julgar necessárias à

instrução do processo, como a requisição de informações a serem prestadas

pelo coator e a realização de interrogatório do paciente.

Ainda em relação às diligências no processo de habeas corpus da

competência de juízo de primeiro grau, vale ressaltar que não há intervenção

ministerial na qualidade de fiscal da lei. Com efeito, à vista do Decreto-lei nº

552, de 1969, não há abertura de vista ao representante do Ministério Público

no processo de habeas corpus em tramitação em primeiro grau de jurisdição152.

Findas as diligências determinadas pelo juiz, a sentença deve ser

proferida ―dentro de 24 (vinte e quatro) horas‖153.

Proferida sentença concessiva do habeas corpus, há a imediata

expedição de alvará de soltura ou de salvo-conduto, conforme a impetração

seja liberatória ou preventiva. Com efeito, a sentença concessiva deve ser

cumprida desde logo, a despeito da necessidade de reexame pelo tribunal, por

força do artigo 574, inciso I, do Código de Processo Penal154. Sem dúvida, a

necessidade de reexame pelo tribunal não impede o cumprimento imediato da

ordem de soltura ou de expedição de salvo-conduto.

Por fim, a sentença proferida em processo de habeas corpus enseja

recurso em sentido estrito, com fundamento no artigo 581, inciso X, do Código

de Processo Penal. Sem dúvida, quando a impetração tem lugar em juízo de

primeiro grau de jurisdição, seja federal, estadual ou distrital, tanto a sentença

concessiva quanto a denegatória de habeas corpus são impugnáveis mediante

152

De acordo, na jurisprudência: ―PROCESSUAL PENAL. INQUÉRITO. HABEAS CORPUS. PRIMEIRO GRAU DE JURISDIÇÃO. JULGAMENTO DO MÉRITO. ORDEM DENEGADA. AUSÊNCIA PRÉVIA DE INTIMAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. INEXISTÊNCIA DE NULIDADE DA SENTENÇA. PREJUÍZO NÃO RECONHECIDO. DECRETO-LEI 552/69. 1. A intimação do Ministério Público Federal para manifestar-se em sede de habeas corpus é necessária tão-somente nos tribunais federais e estaduais, a teor do Decreto-Lei nº 552/69, não sendo obrigatória a intervenção ministerial nas ações em trâmite no primeiro grau de jurisdição, salvo se o Parquet for o autor da ação ou a autoridade coatora.‖

(RES n° 0034818-17.2008.4.01.3400/DF, 3ª Turma do TRF da 1ª Região, Diário da Justiça Eletrônico de 7 de junho de 2010, p. 174, sem os grifos no original). ―HABEAS CORPUS. PUNIÇÃO DISCIPLINAR MILITAR. LEGALIDADE. DISCUSSÃO. CF/1988, ART. 142, § 2º. CABIMENTO. ORDEM CONCEDIDA. REMESSA OFICIAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. UNIÃO FEDERAL. LEGITIMIDADE PARA RECORRER. MINISTÉRIO PÚBLICO. NÃO INTERVENÇÃO EM PRIMEIRA INSTÂNCIA. LIBERDADE DE LOCOMOÇÃO. AMEAÇA IMINENTE. 1. Carece a União Federal de legitimidade ad causam para recorrer de decisão que concede ordem de habeas corpus. 2. A não intervenção do Ministério Público Federal na primeira instância não é motivo para a anulação da sentença.‖ (RSE n° 0020457-76.2009.4.01.3200/AM, 4ª Turma do TRF da 1ª Região, Diário da Justiça Eletrônico de 11 de março de 2011, p. 378, sem os grifos no original). Colhe-se do voto-vencedor proferido pelo Desembargador-Relator: ―Inicialmente, rejeito a arguição de nulidade da sentença por falta de intervenção no processo do Ministério Público, em primeiro grau de jurisdição. É que a abertura de vista ao Ministério Público Federal após prestadas as informações pela autoridade coatora, é obrigatória apenas nos habeas corpus originários ou em grau de recurso nos Tribunais, por força de previsão legal consubstanciada no Decreto-lei n. 552/69. ‗Na primeira instância‘, consoante anota Damásio Evangelista de Jesus, ‗o Ministério Público não intervém. Nesse sentido: STJ, HC 1484, 6ª Turma, DJU 26.10.92, p. 19.072)‘ (in Código de Processo Penal Anotado – 23ª ed. – Saraiva – p. 541). De concluir que a não intervenção do Parquet federal, no

caso, não é motivo para a anulação da sentença." (sem os grifos no original). Contra, entretanto, há o enunciado nº 3 da 2ª Câmara do Ministério Público Federal, aprovado em 31 de maio de 2004, na 268ª sessão, nos seguintes termos: ―O Procurador da República deve obrigatoriamente atuar em habeas corpus que tramite no 1° grau de jurisdição, oficiando como custos legis.‖ 153

Artigo 660, caput, in fine, do Código de Processo Penal. 154

É o denominado ―recurso de ofício‖ do juiz, apesar de o instituto jurídico do inciso I do artigo 574 do Código de Processo Penal não ter natureza jurídica de recurso.

Page 95: BERNARDO PIMENTEL SOUZA - DAS       AÇÕES CONSTITUCIONAIS

recurso em sentido estrito. Trata-se de recurso com prazo de interposição de

cinco dias, com prazo adicional de dois dias para a apresentação das razões

recursais, conforme se infere dos artigos 586, caput, e 588, caput, ambos do

Código de Processo Penal.

8.2. PROCESSAMENTO E RECORRIBILIDADE EM HABEAS CORPUS

ORIGINÁRIO DE TRIBUNAL DE JUSTIÇA E DE TRIBUNAL REGIONAL

FEDERAL

Nas hipóteses constitucionais e legais de competência originária, o

habeas corpus deve ser impetrado diretamente no tribunal competente, por

meio de petição endereçada ao respectivo presidente.

Como já anotado, a petição do habeas corpus deve ser elaborada com a

observância do disposto no artigo 654, § 1º, do Código de Processo Penal,

igualmente aplicável às impetrações originárias de tribunal. Por conseguinte, a

petição de habeas corpus deve conter as qualificações do impetrante, do

paciente e do coator, a exposição dos fatos constitutivos do pedido de soltura

ou de salvo-conduto, e a assinatura do impetrante na petição. A petição

também deve ser instruída com toda prova documental disponível no momento

da impetração, para a demonstração dos fatos narrados. Por fim, o impetrante

pode requerer a concessão liminar da ordem, para a soltura imediata do

paciente ou a expedição de salvo-conduto, em razão de manifesta ilegalidade

ou abuso de poder do coator.

Após o protocolo da petição no tribunal, o habeas corpus é distribuído

pelo presidente a um relator, o qual passa a ser o competente para a instrução

do processo no tribunal. Cabe ao relator dar processamento ao habeas corpus

e proferir as decisões urgentes, como no caso de réu preso. Com efeito, o

relator no tribunal pode proferir decisão monocrática liminar, quer para

conceder a ordem, quer para denegá-la, até o julgamento final pelo colegiado

competente. Durante as férias e no recesso forense, cabe ao presidente do

tribunal proferir as decisões in limine litis.

À vista do artigo 39 da Lei nº 8.038, de 1990, tanto a decisão

monocrática de autoria de relator quanto a decisão monocrática presidencial

são passíveis de impugnação mediante agravo interno ou regimental, no prazo

de cinco dias. Não obstante, a orientação jurisprudencial predominante é

contrária ao cabimento de agravo na hipótese de decisão monocrática liminar

proferida em processo originário de habeas corpus, como revela o enunciado

nº 6 da Súmula do Tribunal de Justiça da Paraíba: ―Não cabe recurso contra

decisão do Relator que concede ou nega liminar em habeas corpus‖. É o que

também se infere do enunciado nº 52 aprovado nas Câmaras Criminais do

Tribunal de Justiça de Minas Gerais: ―Não cabe agravo regimental de decisão

Page 96: BERNARDO PIMENTEL SOUZA - DAS       AÇÕES CONSTITUCIONAIS

monocrática de relator que indefere liminar em processo de habeas corpus‖155-156.

Proferida a decisão concessiva ou denegatória da ordem liminar, o

relator pode requisitar informações ao coator, se julgar conveniente. Com

efeito, o § 2º do artigo 1º do Decreto-lei nº 552 revela que o relator pode

requisitar informações ou dispensá-las, se julgar que são desnecessárias à

instrução do processo.

Prestadas as informações pelo coator ou dispensadas pelo relator, há a

abertura de vista ao Procurador do Ministério Público que oficia no tribunal,

pelo prazo de dois dias, para apresentação de parecer, ex vi do artigo 1º do

Decreto-lei nº 552, de 1969. Findo o prazo, com ou sem parecer ministerial,

cabe ao relator levar o habeas corpus ―para julgamento, independentemente de

pauta‖157.

Sem dúvida, concedida ou denegada a ordem liminarmente, colhidas ou

dispensadas as informações, oferecido o parecer ou não apresentada a

manifestação ministerial a tempo e modo, cabe ao relator submeter o habeas

corpus ao órgão colegiado indicado no regimento interno do tribunal,

independentemente de inclusão em pauta. Com efeito, em razão da celeridade

que marca o procedimento especial do habeas corpus, não há prévia inclusão

nem publicação de pauta, mas, sim, o imediato julgamento, na primeira sessão

do colegiado competente: turma, câmara, grupo, seção, órgão especial ou

plenário.

Como já anotado, o julgamento definitivo de habeas corpus tem lugar no

órgão colegiado indicado no regimento interno do tribunal, com a apuração do

resultado à vista da maioria dos votos proferidos na turma, na câmara, no

grupo de câmaras, na seção especializada, no órgão especial ou no plenário.

Na eventualidade de empate no julgamento realizado no tribunal, o presidente

do colegiado profere voto de desempate. Caso no presidente do colegiado já

tenha participado da votação cujo resultado foi o empate, há a concessão da

ordem em favor do paciente, tendo em vista o disposto no parágrafo único do

artigo 664 do Código de Processo Penal, in verbis: ―Parágrafo único. A decisão

será tomada por maioria de votos. Havendo empate, se o presidente não tiver

tomado parte na votação, proferirá voto de desempate; no caso contrário,

prevalecerá a decisão mais favorável ao paciente‖.

Denegado o habeas corpus pelo colegiado competente do Tribunal de

Justiça ou do Tribunal Regional Federal, cabe recurso ordinário para o Superior

Tribunal de Justiça, no prazo de cinco dias, já com as razões recursais, à vista

155

Assim também já assentou o Plenário da Corte Suprema: ―- Não se revela suscetível de conhecimento, por incabível, recurso de agravo (‗agravo regimental‘) contra decisão do Relator, que, motivadamente, defere ou indefere pedido de medida liminar formulado em sede de ‗habeas corpus‘ originariamente impetrado perante o Supremo Tribunal Federal.‖ (HC nº 94.993/RR – AgRg, Plenário do STF, Diário da Justiça eletrônico de 12 de fevereiro de 2009). 156

Na falta de recurso cabível para o próprio Tribunal de Justiça ou Tribunal Regional Federal, tem-se admitido a excepcional impetração de ação de habeas corpus para o Superior Tribunal de Justiça. 157

Cf. artigo1º, § 1º, do Decreto-lei nº 552, de 1969.

Page 97: BERNARDO PIMENTEL SOUZA - DAS       AÇÕES CONSTITUCIONAIS

do artigo 105, inciso II, alínea ―a‖, da Constituição Federal, combinado com o

artigo 30 da Lei nº 8.038, de 1990. Na verdade, o recurso ordinário em habeas

corpus para o Superior Tribunal de Justiça é cabível tanto na hipótese de

denegação de habeas corpus originário de Tribunal de Justiça ou de Tribunal

Regional Federal, quanto na hipótese de denegação de habeas corpus em

última instância, em sede de recurso em sentido estrito ou de reexame

necessário, porquanto a alínea ―a‖ do inciso II do artigo 105 da Constituição

Federal autoriza a interposição de recurso ordinário contra os julgados

proferidos em única e em última instância pelos Tribunais de Justiça e

Regionais Federais.

8.3. PROCESSAMENTO E RECORRIBILIDADE EM HABEAS CORPUS

ORIGINÁRIO DE TRIBUNAL SUPERIOR

A Constituição Federal, a legislação federal e os regimentos internos

dispõem sobre a competência originária para o processamento e julgamento de

habeas corpus nos Tribunais Superiores, quais sejam: Superior Tribunal de

Justiça, Tribunal Superior do Trabalho, Tribunal Superior Eleitoral e Superior

Tribunal Militar.

Distribuído o habeas corpus no Tribunal Superior, cabe ao Ministro-

Relator decidir acerca do pleito liminar. Discute-se se a decisão monocrática

concessiva ou denegatória da ordem provisória desafia recurso de agravo

regimental, ou não. Tudo indica que sim, à vista do artigo 39 da Lei nº 8.038,

de 1990. Não obstante, como já anotado no tópico anterior, prevalece a

orientação jurisprudencial contrária ao cabimento de recurso de agravo.

Conforme já estudado, é firme a jurisprudência dos tribunais acerca da

irrecorribilidade da decisão monocrática de relator proferida in limine litis em

processo originário de habeas corpus, tanto para conceder quanto para

denegar a ordem provisória158.

Também há séria controvérsia acerca da possibilidade da impetração de

habeas corpus no Supremo Tribunal Federal, a fim de impugnar decisão

monocrática de autoria de Ministro-Relator de Tribunal Superior. Ao

examinarem a vexata quaestio, os Ministros da Corte Suprema aprovaram o

enunciado nº 691: ―Não compete ao Supremo Tribunal Federal conhecer de

habeas corpus impetrado contra decisão do relator que, em habeas corpus

requerido a Tribunal Superior, indefere a liminar‖. Não obstante, a orientação

jurisprudencial estampada no enunciado nº 691 não é absoluta, como também

já decidiram os Ministros da Corte Suprema em mais de uma oportunidade159.

158

Assim também já assentou o Plenário da Corte Suprema: ―- Não se revela suscetível de conhecimento, por incabível, recurso de agravo (‗agravo regimental‘) contra decisão do Relator, que, motivadamente, defere ou indefere pedido de medida liminar formulado em sede de ‗habeas corpus‘ originariamente impetrado perante o Supremo Tribunal Federal.‖ (HC nº 94.993/RR – AgRg, Plenário do STF, Diário da Justiça eletrônico de 12 de fevereiro de 2009). 159

―1. COMPETÊNCIA CRIMINAL. Habeas corpus. Impetração contra decisão de ministro relator do Superior Tribunal de Justiça. Indeferimento de liminar em habeas corpus. Rejeição de proposta de cancelamento da súmula 691 do Supremo. Conhecimento admitido no caso, com atenuação do alcance

Page 98: BERNARDO PIMENTEL SOUZA - DAS       AÇÕES CONSTITUCIONAIS

Aliás, há recentes precedentes jurisprudenciais com explícita declaração de

superação do enunciado nº 691160. Em síntese, a despeito da vedação

estampada no enunciado nº 691, é possível a impetração de habeas corpus

diretamente no Supremo Tribunal Federal, para impugnar decisão monocrática

de Ministro-Relator, proferida em Tribunal Superior.

De volta ao processamento do habeas corpus no Tribunal Superior, após

a prolação da decisão monocrática in limine litis, também cabe ao Ministro-

Relator requisitar informações ao coator, se julgar conveniente à instrução do

processo161.

Em seguida, há a abertura de vista ao Ministério Público, quando o

Subprocurador-Geral da República que oficia no Tribunal Superior é intimado

para que possa oferecer parecer em dois dias.

Apresentado o parecer ou decorrido o prazo legal sem intervenção

ministerial, o Ministro-Relator leva o habeas corpus a julgamento perante o

órgão colegiado competente à luz do regimento interno: turma, seção, órgão

especial ou plenário. Em razão da celeridade que marca o procedimento, não

há inclusão de pauta, mas, sim, a imediata apresentação do writ em mesa,

para julgamento colegiado.

Por fim, denegado o habeas corpus originário pelo colegiado competente

do Superior Tribunal de Justiça, do Tribunal Superior do Trabalho, do Tribunal

Superior Eleitoral ou do Superior Tribunal Militar, cabe recurso ordinário para o

Supremo Tribunal Federal, no prazo de cinco dias, já com as razões recursais,

à vista do artigo 102, inciso II, alínea ―a‖, da Constituição Federal, combinado

com o artigo 310 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal162.

do enunciado da súmula. O enunciado da súmula 691 do Supremo não o impede de, tal seja a hipótese, conhecer de habeas corpus contra decisão de relator que, em habeas corpus requerido ao Superior Tribunal de Justiça, indefere liminar.‖ (HC nº 85.185/SP, Plenário do STF, Diário da Justiça de 1º de setembro de 2006). ―PENAL. PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. ARTS. 288 E 344 DO CÓDIGO

PENAL, COMBINADO COM O ART. 10, § 2º DA LEI 9.437/97. SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECOLHIMENTO À PRISÃO PARA APELAR. NECESSIDADE DE GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA E DA APLICAÇÃO DA LEI PENAL. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO ADEQUADA. DECISÃO ENUNCIADA GENERICAMENTE. SÚMULA 691 DO STF. CONSTRANGIMENTO ILEGAL QUE PERMITE A SUPERAÇÃO DESTA. I – Na hipótese de evidente constrangimento ilegal, admite-se a superação da Súmula 691 do Supremo Tribunal Federal.‖ (HC nº 90.746/SP, 1ª Turma do STF, Diário da Justiça de 11 de maio de 2007). 160

De acordo, na jurisprudência: ―Habeas Corpus. 2. Execução provisória da pena. Impossibilidade.

Ofensa aos princípios constitucionais da presunção de inocência e da dignidade da pessoa humana. Precedente firmado no HC 84.078/MG de relatoria do Min. Eros Grau. 3. Superação da Súmula 691. 4. Ordem concedida.‖ (HC nº 107.547/SP, 2ª Turma do STF, Diário da Justiça eletrônico de 30 de maio de 2011, sem o grifo no original). 161

Cf. artigo 1º, § 2º, do Decreto-lei nº 552, de 1969. 162

Na verdade, a despeito da vedação estampada no artigo 6º, inciso III, alíneas ―a‖ e ―b‖, e parágrafo único, e no artigo 9º, inciso II, letra ―a‖, e parágrafo único, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, houve a consagração jurisprudencial do habeas corpus substitutivo de recurso ordinário: ―Habeas corpus recebido como substitutivo de recurso ordinário.‖ (HC nº 83.560/MG, 2ª Turma do STF,

Diário da Justiça de 12 de março de 2004). Não obstante, após o ingresso do Ministro Luiz Fux na Corte, passou-se a observar o disposto no artigo 6º, inciso III, alíneas ―a‖ e ―b‖, e parágrafo único, e no artigo 9º, inciso II, letra ―a‖, e parágrafo único, do Regimento Interno, com a consequente vedação do habeas corpus como substitutivo do recurso ordinário e a exigência da interposição, a tempo e modo, do recurso cabível: ―1. A utilização promíscua do habeas corpus como substitutivo de recurso ordinário deve ser combatida, sob pena de banalização da garantia constitucional, tanto mais quando não há teratologia a eliminar, como no caso sub judice, em que a fundamentação do decreto de prisão se fez hígida e

Page 99: BERNARDO PIMENTEL SOUZA - DAS       AÇÕES CONSTITUCIONAIS

8.4. PROCESSAMENTO DE HABEAS CORPUS ORIGINÁRIO NO

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

O habeas corpus é processado e julgado no Supremo Tribunal Federal à

luz dos artigos 188 a 199 do Regimento Interno da Corte Suprema.

À vista do artigo 190 do Regimento Interno, a petição inicial do habeas

corpus deve conter os nomes do impetrante, do paciente e do coator, os

motivos do pedido, a assinatura do impetrante e a prova documental disponível

em relação aos fatos narrados.

Distribuído o habeas corpus, cabe ao Ministro-Relator requisitar

informações do coator e a remessa dos autos originais, se julgar conveniente à

instrução do processo, bem como proferir decisão monocrática liminar, apenas

para determinar a expedição de alvará de soltura ou de salvo-conduto

enquanto há o processamento do writ na Suprema Corte163.

Se existir jurisprudência consolidada da Corte acerca do objeto do

habeas corpus, o Ministro-Relator também pode julgar desde logo o writ, quer

para conceder a ordem, quer denegá-la, por meio de decisão monocrática

definitiva, com fundamento no artigo 192 do Regimento Interno. Da decisão do

Ministro-Relator cabe agravo regimental, em cinco dias, com fundamento no

artigo 317, caput, do Regimento Interno.

Na falta de jurisprudência consolidada acerca do objeto do writ, o

Ministro-Relator deve abrir vista ao Procurador-Geral da República, por dois

dias, para o oferecimento de parecer164.

Apresentado o parecer ministerial ou decorrido in albis do prazo de dois

dias, há a conclusão ao Ministro-Relator. Cabe ao Ministro-Relator apresentar o

habeas corpus em mesa165, para julgamento do writ pelo colegiado

competente: Turma ou Plenário, conforme o disposto no artigo 192, § 1º, do

Regimento Interno.

O resultado do julgamento do habeas corpus é extraído pela maioria de

votos proferidos na Turma ou no Plenário, conforme a competência prevista no

Regimento Interno. Na eventualidade de empate na votação, o resultado é

extraído dos votos favoráveis ao paciente, nos termos dos artigos 146,

parágrafo único, 150, § 3º, e 192, § 1º, do Regimento Interno.

Concedido o habeas corpus pelo Ministro-Relator, pela Turma ou pelo

Plenário, conforme o caso, a decisão deve ser imediatamente comunicada à

autoridade pública a quem couber cumprir a ordem preventiva ou liberatória,

harmônica com a jurisprudência desta Corte.‖ (HC nº 101.248/CE, 1ª Turma do STF, Diário da Justiça eletrônico de 8 de agosto de 2011). 163

Cf. artigos 21, incisos IV, V, V-A e VII, e 191, ambos do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal. 164

Cf. artigo 1º do Decreto-lei nº 552, de 1969, e artigo 192, § 1º, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal. 165

Vale dizer, não há inclusão em pauta, conforme também revela o artigo 83, § 1º, inciso III, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal.

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por meio de ofício, telegrama ou radiograma, tudo nos termos do artigo 194,

caput e parágrafo único, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal.

Page 101: BERNARDO PIMENTEL SOUZA - DAS       AÇÕES CONSTITUCIONAIS

CAPÍTULO II

HABEAS DATA

1. PRECEITOS DE REGÊNCIA

A garantia do habeas data está consagrada nos incisos LXXII e LXXVII

do artigo 5º da Constituição de 1988.

No que tange à competência constitucional para o processamento e o

julgamento do habeas data, consta dos artigos 102, inciso I, alínea ―d‖, 105,

inciso I, letra ―b‖, 108, inciso I, alínea ―c‖, 109, inciso VIII, e 114, inciso IV, todos

da Constituição Federal.

Além da previsão constitucional, o instituto consta da Lei nº 9.507, de

1997, a qual é o diploma de regência do processo de habeas data.

2. ETMOLOGIA, CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA

A expressão constitucional habeas data provém dos termos latinos

―habeo‖166 e ―datus‖167, cujo significado é ―trazer o dado‖.

No que tange ao conceito, o habeas data é a ação constitucional

adequada para a obtenção de informações pessoais existentes nos arquivos

públicos ou disponíveis ao público em geral, bem assim para a retificação e

para a complementação dos dados pessoais existentes nos registros168.

Aliás, no que tange à natureza jurídica de ação, vale conferir o proêmio

do inciso LXXVII do artigo 5º da Constituição Federal: ―LXXVII – são gratuitas

as ações de habeas corpus e habeas data,‖. Exercido o direito de ação,

portanto, há a instauração de processo para o julgamento do habeas data, na

busca de ordem judicial destinada ao acesso, à retificação ou à

complementação das informações relativas ao impetrante existentes em

arquivos públicos.

Por fim, é preciso ressaltar que o habeas data é ação de estatura

constitucional, destinada à proteção de direito fundamental, motivo pelo qual é

espécie de writ ou remédio constitucional, ao lado, por exemplo, do habeas

corpus, do mandado de segurança e da ação popular.

166

Cf. FRANCISCO TORRINHA. Dicionário latino português. 2ª ed., Porto, 1942, p. 371. 167

Cf. FRANCISCO TORRINHA. Dicionário latino português. 2ª ed., Porto, 1942, p. 226. 168

De acordo, na jurisprudência: ―- O habeas data configura remédio jurídico-processual, de natureza

constitucional, que se destina a garantir, em favor da pessoa interessada, o exercício de pretensão jurídica discernível em seu tríplice aspecto: (a) direito de acesso aos registros; (b) direito de retificação dos registros e (c) direito de complementação dos registros. - Trata-se de relevante instrumento de ativação da jurisdição constitucional das liberdades, a qual representa, no plano institucional, a mais expressiva reação jurídica do Estado às situações que lesem, efetiva ou potencialmente, os direitos fundamentais da pessoa, quaisquer que sejam as dimensões em que estes se projetem.‖ (RHD nº 22/DF, Pleno do STF, Diário da Justiça de 1º de setembro de 1995, p. 27.378).

Page 102: BERNARDO PIMENTEL SOUZA - DAS       AÇÕES CONSTITUCIONAIS

3. LEGITIMIDADE ATIVA

Qualquer pessoa pode impetrar a ação de habeas data. Com efeito,

tanto o nacional quanto o estrangeiro têm legitimidade ativa para impetrar

habeas data. Aliás, o nacional nem precisa ser cidadão, isto é, brasileiro eleitor.

Sob outro prisma, o habeas data é ação personalíssima, razão pela qual

só pode versar sobre dados relativos ao impetrado169. À vista do caráter

personalíssimo do writ, não é admissível habeas data para obter informações

acerca de terceira pessoa170. Sem dúvida, a ação de habeas data não é

admissível para a obtenção de informações acerca de terceiros, motivo pelo o

eventual processo deve ser extinto, sem julgamento de mérito, por ilegitimidade

ativa.

Por fim, vale ressaltar que a impetração do habeas data deve se dar por

intermédio de advogado devidamente habilitado. Com efeito, ao contrário do

habeas corpus, cuja impetração dispensa advogado, à vista do § 1º do artigo 1º

da Lei nº 8.906, de 1994, o mesmo não ocorre em relação ao habeas data,

porquanto instaura processo de natureza cível sujeito às exigências dos artigos

36, 37 e 38 do Código de Processo Civil, motivo pelo qual é indispensável o

patrocínio do writ por advogado titular de mandato judicial conferido pelo

impetrante171.

4. LEGITIMIDADE PASSIVA

O habeas data pode ser impetrado contra pessoas jurídicas portadoras

de arquivos públicos ou, ao menos, disponíveis ao público. Pouco importa se

os dados estão em entidades públicas ou privadas; o importante é que os

dados estejam disponíveis ao público em geral. Daí a admissibilidade da

impetração em relação às pessoas jurídicas de direito privado que armazenam

169

Vale ressaltar que prevalece o entendimento jurisprudencial segundo o qual o caráter personalíssimo do habeas data é absoluto, de forma a impedir a impetração até mesmo por parente da pessoa cujo acesso aos dados é pleiteado: ―I – Sendo o habeas data um direito personalíssimo, não pode o terceiro, mesmo que parente, dele fazer uso, para obter informações junto à SAE sobre cidadão desaparecido.‖ (Apelação nº 91.01.02148-6, 2ª Turma do TRF da 1ª Região, Diário da Justiça de 24 de novembro de 1994, p. 67.984). 170

De acordo, na doutrina: JOSÉ DA SILVA PACHECO. Mandado de segurança e outras ações constitucionais típicas. 4ª edição, 2002, p. 361. Assim, na jurisprudência: ―2. O habeas data não se presta para solicitar informações relativas a terceiros, pois, nos termos do inciso LXXII do art. 5º da Constituição da República, sua impetração deve ter por objetivo ‗assegurar o conhecimento de informações relativas à pessoa do impetrante‘.‖ (HD nº 87/DF – AgRg, Pleno do STF, Diário da Justiça eletrônico de 4 de fevereiro de 2010). 171

De acordo, na jurisprudência: ―HABEAS DATA. NECESSIDADE DE ADVOGADO PARA IMPETRAR. AUSÊNCIA. NÃO CONHECIMENTO. 1 - Capacidade postulatória é a aptidão técnica para postular em juízo exclusiva de membros do Ministério Público, quando a lei expressamente autoriza e advogados, inscritos nos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil. 2 - A lei só excepciona a necessidade de advogado para postular quando se trata de Juizado Especial, em causas menores de vinte salários mínimos; empregado, em causa própria na Justiça do Trabalho e para impetração de Habeas Corpus. 3 - Para impetrar Habeas Data é necessário o patrocínio por advogado devidamente inscrito nos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil. 4 - Habeas Data não conhecido.‖ (Habeas Data nº 1.0000.06.446764-0/000, 2ª Câmara Cível do TJMG, Diário da Justiça de 11 de maio de 2007).

Page 103: BERNARDO PIMENTEL SOUZA - DAS       AÇÕES CONSTITUCIONAIS

e administram dados pessoais para finalidades públicos, como os denominados

―SPC – Serviço de Proteção ao Crédito‖ e ―SERASA‖172.

Em contraposição, o habeas data não é admissível quando tem em mira

pessoa jurídica de direito privado cujos arquivos de dados são para uso apenas

interno, doméstico, conforme se infere da interpretação a contrario sensu da

parte final do parágrafo único do artigo 1º da Lei nº 9.507, de 1997: ―Parágrafo

único. Considera-se de caráter público todo registro ou banco de dados

contendo informações que sejam ou que possam ser transmitidas a terceiros

ou que não sejam de uso privativo do órgão ou entidade produtora ou

depositária das informações‖173.

5. INTERESSE DE AGIR DO IMPETRANTE E RECUSA DO

IMPETRADO

A falta da prévia recusa da autoridade impetrada impede a

admissibilidade do habeas data, por carência de ação. Trata-se, aliás, de

jurisprudência consolidada à vista do enunciado nº 2 da Súmula do Superior

Tribunal de Justiça: ―Não cabe habeas data (CF, art. 5º, LXXII, ‗a‘) se não

houve recusa de informações por parte da autoridade administrativa‖174.

Por conseguinte, antes da impetração do habeas data, é necessário o

prévio requerimento administrativo fundado no artigo 2º da Lei nº 9.507, de

1997. Protocolizado o requerimento, deve ser objeto de apreciação e

deliberação no prazo máximo de quarenta e oito horas, com a posterior

comunicação ao requerente nas vinte e quatro horas seguintes. Deferido o

172

De acordo, na jurisprudência: ―HABEAS DATA - ÓRGÃOS DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO - CARÁTER PÚBLICO - LEGITIMIDADE PASSIVA - INFORMAÇÃO INCOMPLETA - INTERESSE PROCESSUAL. 1. Os órgãos de proteção ao crédito, tais como SPC e SERASA, são considerados de caráter público, nos termos do parágrafo único do art. 1° da Lei 9.507, de 12 de novembro de 1997, devendo submeter-se às disposições atinentes ao habeas data, no tocante aos registros e informações cadastrais mantidos em seus bancos de dados. 2. Negada, pela entidade de proteção ao crédito, a informação solicitada, ou sendo esta prestada de maneira incompleta, legítimo é o interesse da pessoa em servir-se do habeas data para obtê-la.‖ (Apelação nº 1.0702.06.283404-0/000, 18ª Câmara Cível do TJMG, Diário da Justiça

de 31 de outubro de 2007). 173

Assim, na jurisprudência: ―Habeas Data. Ilegitimidade passiva do Banco do Brasil S.A para a revelação, à ex-empregada, do conteúdo da ficha de pessoal, por não se tratar, no caso, de registro de caráter público, nem atuar o impetrado na condição de entidade Governamental (Constituição, art. 5º, LXXII, a e art. 173, § 1º, texto original).‖ (RE nº 165.304/MG, Pleno do STF, Diário da Justiça de 15 de dezembro de 2000, p. 105). 174

De acordo, na jurisprudência: ―RECURSO DE HABEAS DATA. CARÊNCIA DE AÇÃO: INTERESSE DE AGIR. 1. A lei nº 9.507, de 12.11.97, que regula o direito de acesso a informações e disciplina o rito processual do habeas data, acolheu os princípios gerais já proclamados por construção pretoriana. 2. É princípio axiomático do nosso direito que só pode postular em juízo quem tem interesse de agir (CPC, arts. 3º e 267, VI), traduzido pela exigência de que só se pode invocar a prestação da tutela jurisdicional diante de uma pretensão resistida, salvo as exceções expressamente previstas. 3. Recurso de habeas-data não provido.‖ (RHD nº 24/DF, 2ª Turma do STF, Diário da Justiça de 13 de fevereiro de 1998, p. 31). ―- O acesso ao habeas data pressupõe, dentre outras condições de admissibilidade, a existência do interesse de agir. Ausente o interesse legitimador da ação, torna-se inviável o exercício desse remédio constitucional. - A prova do anterior indeferimento do pedido de informação de dados pessoais, ou da omissão em atendê-lo, constitui requisito indispensável para que se concretize o interesse de agir no habeas data. Sem que se configure situação prévia de pretensão resistida, há carência da ação constitucional do habeas data.‖ (RHD nº 22/DF, Pleno do STF, Diário da Justiça de 1º de setembro de 1995, p. 27.378).

Page 104: BERNARDO PIMENTEL SOUZA - DAS       AÇÕES CONSTITUCIONAIS

pedido, o depositário do registro ou do banco de dados deve designar dia e

hora para que o requerente tenha acesso às informações.

6. DIREITO LÍQUIDO E CERTO: PROVA PRÉ-CONSTITUÍDA

À vista do artigo 8º da Lei nº 9.507, de 1997, é lícito afirmar que o

habeas data é processo de natureza documental175. Por conseguinte, a petição

inicial deve ser instruída com todos os documentos disponíveis no momento da

impetração. Em suma, não há lugar para dilação probatória no processo de

habeas data, o qual exige prova pré-constituída176.

7. CAUSAS DE PEDIR E PEDIDOS NO HABEAS DATA

A combinação do artigo 5º, inciso LXXII, da Constituição Federal, com os

artigos 7º e 8º da Lei nº 9.507, de 1997, revela que o habeas data pode ser

impetrado com fundamento em três diferentes causas de pedir: – recusa ao

acesso às informações; – recusa em fazer a retificação dos dados; – recusa em

fazer a anotação de dados complementares ou explicações.

À vista das três causas de pedir, há lugar para a veiculação de três

diferentes pedidos por meio do habeas data: – o conhecimento de informações

relativas à pessoa do impetrante; – a retificação de dados referentes ao

impetrante; – a anotação de dados complementares ou explicações do

impetrante.

Resta saber se há lugar para a cumulação de duas ou mais causas de

pedir e dos correspondentes pedidos em um mesmo processo de habeas data.

Há importante precedente jurisprudencial contrário à cumulação de causas de

pedir e de pedidos em habeas data177.

8. INADEQUAÇÃO DO HABEAS DATA PARA A OBTENÇÃO DE

CERTIDÕES

175

―Art. 8° A petição inicial, que deverá preencher os requisitos dos arts. 282 a 285 do Código de Processo Civil, será apresentada em duas vias, e os documentos que instruírem a primeira serão reproduzidos por cópia na segunda. Parágrafo único. A petição inicial deverá ser instruída com prova: I - da recusa ao acesso às informações ou do decurso de mais de dez dias sem decisão; II - da recusa em fazer-se a retificação ou do decurso de mais de quinze dias, sem decisão; ou III - da recusa em fazer-se a anotação a que se refere o § 2° do art. 4° ou do decurso de mais de quinze dias sem decisão.‖ (não há os grifos no original). 176

De acordo, na jurisprudência: ―1. A Lei 9.507/97, ao regulamentar o art. 5º, LXXII, da Constituição Federal, adotou procedimento semelhante ao do mandado de segurança, exigindo, para o cabimento do habeas data, prova pré-constituída do direito do impetrante. Não cabe, portanto, dilação probatória.‖ (HD nº 160/DF, 1ª Seção do STJ, Diário da Justiça Eletrônico de 22 de setembro de 2008). 177

De acordo, na jurisprudência: ―2. Em razão da necessidade de comprovação de plano do direito do demandante, mostra-se inviável a pretensão de que, em um mesmo habeas data, se assegure o conhecimento de informações e se determine a sua retificação. É logicamente impossível que o impetrante tenha, no momento da propositura da ação, demonstrado a incorreção desses dados se nem ao menos sabia o seu teor. Por isso, não há como conhecer do habeas data no tocante ao pedido de retificação de eventual incorreção existente na base de dados do Banco Central do Brasil.‖ (HD nº 160/DF, 1ª Seção do STJ, Diário da Justiça Eletrônico de 22 de setembro de 2008).

Page 105: BERNARDO PIMENTEL SOUZA - DAS       AÇÕES CONSTITUCIONAIS

Os incisos XIV, XXXIII e XXXIV do artigo 5º da Constituição Federal

consagram a regra178 do acesso às informações de ―seu interesse particular, ou

de interesse coletivo ou geral‖, e o consequente direito à obtenção de certidão

nas repartições públicas em geral, no prazo legal179, ―independentemente do

pagamento de taxas‖180, para a posterior defesa de direitos pessoais e da

sociedade em geral181.

Resta saber qual é a via processual adequada na eventualidade de

recusa ou omissão intempestiva em relação à expedição de certidão, bem

como na hipótese de recusa ou omissão intempestiva acerca da prestação de

informações de interesse coletivo ou geral.

Ao contrário do que pode parecer à primeira vista, a via processual

adequada não é o habeas data, porquanto o writ tem como escopo apenas o

acesso, retificação e complementação das informações de natureza pessoal

existentes nos arquivos e bancos de dados públicos ou disponíveis ao público

em geral. Não serve, portanto, o habeas data, para a obtenção de certidões,

ainda que destinadas a assuntos de interesse particular, muito menos para a

prestação de informações e a expedição de certidões de interesse coletivo. Por

exemplo, diante de recusa ou de omissão intempestiva, o discente que

conhece o respectivo histórico escolar e deseja a extração de certidão de

inteiro teor subscrita pela autoridade competente da faculdade ou universidade

na qual está matriculado não dispõe de habeas data, mas, sim, de mandado de

segurança, tendo em vista a combinação dos incisos LXIX e LXXII do artigo 5º

da Constituição Federal182.

Em suma, os direitos consagrados nos incisos XIV, XXXIII e XXXIV do

artigo 5º da Constituição Federal são assegurados mediante mandado de

178

Não obstante, a regra não é absoluta: o direito à informação não subsiste quando há risco à segurança da sociedade e do Estado. Cf. Lei n. 11.111, de 2005. 179

A propósito, vale conferir o artigo 1º da Lei n. 9.051, de 1995: ―Art. 1º As certidões para a defesa de direitos e esclarecimentos de situações, requeridas aos órgãos da administração centralizada ou autárquica, às empresas públicas, às sociedades de economia mista e às fundações públicas da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, deverão ser expedidas no prazo improrrogável de quinze dias, contado do registro do pedido no órgão expedidor‖. 180

Cf. artigo 5º, inciso XXXIV, caput, in fine, da Constituição Federal. 181

Como, por exemplo, ajuizar ação popular, com fundamento no artigo 5º, inciso LXIV, da Constituição Federal, em defesa do patrimônio público lesado diante de improbidade administrativa praticada por autoridade pública. 182

Outros exemplos colhidos na jurisprudência: ―HABEAS DATA – REQUERIMENTO DE CERTIDÃO DE CONTAGEM DE TEMPO PARA FINS DE APOSENTADORIA – IMPROPRIEDADE DA VIA ELEITA – CABIMENTO DE MANDADO DE SEGURANÇA – FEITO EXTINTO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO. – Na hipótese específica dos autos não busca a impetrante o acesso às informações relativas à sua própria pessoa, mas o acesso a informações de seu interesse particular, com a emissão de certidão de contagem de tempo, para fins de envio ao INSS para a sua aposentadoria. – Incabível, portanto, a via do habeas data, pois o direito de informações de interesse particular, art. 5º, XXXIII, CR/88, se negado pela Administração, deve ser pleiteado nas vias ordinárias ou através da impetração de mandado de segurança.‖ (Habeas Data nº 1.0000.10.045923-9/000, 1º Grupo de Câmaras Cíveis do TJMG, Diário da Justiça Eletrônico de 15 de abril de 2011). ―2) O não fornecimento de certidão funcional do impetrante junto ao Poder Público Municipal enseja a impetração de mandado de segurança, e não de habeas data.‖ (Apelação nº 1.0009.09.015322-3/001, 2ª Câmara Cível do TJMG, Diário da Justiça Eletrônico de 2 de junho de 2010). ―HABEAS DATA – Impetração de servidor a forçar órgão público a fornecer certidão de tempo de serviço – Meio inidôneo – Cabimento de mandado de segurança.‖ (TJGO, Revista dos Tribunais, volume 724, página 396).

Page 106: BERNARDO PIMENTEL SOUZA - DAS       AÇÕES CONSTITUCIONAIS

segurança, writ cabível nas hipóteses que extrapolam o angusto campo de

incidência do habeas data183.

9. COMPETÊNCIA PARA PROCESSAR E JULGAR HABEAS DATA

À vista do artigo 102, inciso I, alínea ―d‖, da Constituição de 1988,

compete ao Supremo Tribunal Federal processar e julgar, originariamente, o

habeas data impetrado contra ato do Presidente da República, das Mesas da

Câmara dos Deputados e do Senado da República, do Tribunal de Contas da

União, do Procurador-Geral da República e da própria Suprema Corte.

Já o habeas data impetrado contra o Superior Tribunal de Justiça,

Ministro de Estado, Comandante da Marinha, do Exército ou da Aeronáutica,

deve ser processado e julgado originariamente pelo Superior Tribunal de

Justiça, tendo em vista o disposto no artigo 105, inciso I, alínea ―b‖, da

Constituição Federal184. Na eventualidade de denegação do writ pelo Superior

Tribunal de Justiça, cabe recurso ordinário para o Supremo Tribunal Federal,

no prazo de quinze dias, com fundamento no artigo 102, inciso II, alínea ―a‖, da

Constituição, combinado com os artigos 508 e 539, inciso I, do Código de

Processo Civil.

À vista do artigo 108, inciso I, alínea ―c‖, da Constituição Federal,

compete aos Tribunais Regionais Federais processar e julgar originariamente

as ações de habeas data impetrado contra ato de Juiz Federal ou do próprio

Tribunal.

No que tange aos Tribunais de Justiça, a Constituição Federal não é

explícita sobre a competência originária para o processamento e julgamento de

habeas data. Na verdade, o caput e o § 1º do artigo 125 da Constituição

Federal apenas revelam que a Constituição do Estado versará sobre a

competência do respectivo Tribunal de Justiça. Daí a necessidade da

conferência das Constituições de cada Estado da Federação, bem como da Lei

de Organização Judiciária185 e da Lei Orgânica do Distrito Federal186.

183

Assim, na jurisprudência: ―HABEAS DATA – DIREITO LÍQUIDO E CERTO NÃO DEMONSTRADO – OBTENÇÃO DE CERTIDÃO – VIA PRÓPRIA – MANDADO DE SEGURANÇA. Necessária demonstração de direito líquido e certo pelo impetrante do habeas data, sob pena de extinção do feito sem análise do mérito, cabendo registrar, ainda, que a negativa de obtenção de certidão por órgão da administração direta ou indireta desafia mandado de segurança.‖ (Apelação nº 1.0024.10.310944-3/001, 16ª Câmara Cível do TJMG, Diário da Justiça Eletrônico de 9 de março de 2012). 184

De acordo, na jurisprudência: ―HABEAS DATA REQUERIDO CONTRA MINISTRO DE ESTADO. COMPETÊNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. TENDO EM VISTA O DISPOSTO NO ART. 105, I, LETRA 'B', DA NOVA CARTA POLÍTICA, A COMPETÊNCIA PARA JULGAR 'HABEAS DATA' REQUERIDO CONTRA O SERVIÇO NACIONAL DE INFORMAÇÕES, CUJO TITULAR POSSUI O 'STATUS' DE MINISTRO DE ESTADO E CONTRA O MINISTRO DA MARINHA É DO SUPERIOR

TRIBUNAL DE JUSTIÇA. QUESTÃO DE ORDEM QUE SE RESOLVE, DANDO-SE PELA COMPETÊNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA PARA APRECIAR E JULGAR O 'HABEAS DATA', COMO FOR DE DIREITO, SENDO-LHE, EM CONSEQÜÊNCIA, ENCAMINHADOS OS AUTOS.‖ (HD nº 18/RJ – QO, Pleno do STF, Diário da Justiça de 9 de junho de 1989, p. 10.095). 185

Cf. artigo 21, inciso XIII, e 22, inciso XVII, ambos da Constituição Federal. 186

Ao contrário dos Estados-membros, o Distrito Federal não é regido por diploma denominado ―Constituição‖, mas, sim, pela ―lei orgânica‖ prevista no artigo 32 da Constituição Federal.

Page 107: BERNARDO PIMENTEL SOUZA - DAS       AÇÕES CONSTITUCIONAIS

Aos Juízes Federais compete processar e julgar as ações de habeas

data contra ato de autoridade federal cujos atos não estejam diretamente

submetidos à jurisdição de tribunal algum187.

Por fim, na falta de previsão de competência constitucional do Supremo

Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça, de Tribunal Regional Federal,

de Tribunal de Justiça ou da Justiça Federal, o habeas data é da competência

de Juiz de Direito. Trata-se, à evidência, de competência residual, vale dizer,

só tem lugar quando a impetração não afeta a competência de outra Justiça ou

de algum Tribunal, à vista da Constituição Federal ou da Constituição do

Estado. Sob outro prisma, trata-se de competência de primeiro grau de

jurisdição, tal como se dá em relação ao habeas data da competência da

Justiça Federal, julgado por Juiz Federal em primeiro grau de jurisdição.

10. PROCESSO GRATUITO

À vista do inciso LXXVII do artigo 5º da Constituição, é gratuito o

processo de habeas data. Daí a evidente impossibilidade de exigência de

custas judiciais para a admissibilidade, o processamento e julgamento do

habeas data.

No que tange à condenação em honorários advocatícios, todavia, não há

unanimidade. Prevalece, entretanto, a tese da igual impossibilidade da

condenação em verba honorária, a qual é prestigiada no presente compêndio,

em homenagem ao princípio de hermenêutica constitucional da máxima

efetividade188.

11. PROCESSAMENTO E JULGAMENTO DO HABEAS DATA

O habeas data deve ser ajuizado mediante petição inicial elaborada à luz

do artigo 8º da Lei nº 9.507, de 1997, combinado com os artigos 282 e 283 do

187

Cf. artigo 109, inciso VIII, da Constituição. 188

De acordo, na doutrina: HELY LOPES MEIRELLES. Mandado de segurança, ação popular, ação civil pública, mandado de injunção, habeas data. 16ª ed., 1995, p. 191: ―Como a Constituição tornou gratuita a ação do habeas data, não haverá qualquer execução para pagamento de custas ou recebimento de honorários de advogado (art. 5º, LXXVII)‖. Assim, na jurisprudência: ―HABEAS DATA – HONORÁRIOS DE SUCUMBÊNCIA. Diante da finalidade precípua de facilitar o acesso à justiça, são inexigíveis honorários de sucumbência em habeas data.‖ (Apelação nº 1.0702.06.280612-1/001, 13ª Câmara Cível do TJMG, Diário da Justiça de 1º de dezembro de 2007). ―CONSTITUCIONAL - HABEAS DATA - INTERESSE PROCESSUAL - INFORMAÇÕES PRESTADAS APÓS A NOTIFICAÇÃO DA AUTORIDADE IMPETRADA - OCORRÊNCIA - INTELIGÊNCIA DO ART. 8º, INC. I, DA LEI Nº 9.507/97 - GRATUIDADE - HONORÁRIOS DE SUCUMBÊNCIA - NÃO-CABIMENTO - INTELIGÊNCIA DO ART. 5º, INC. LXXVII. 1 - Tem interesse processual, nos termos do art. 8º, inc. I, da Lei nº 9.507/97, o impetrante de habeas data que não vê atendido seu requerimento administrativo no prazo de 10 dias contados do protocolo junto à Administração Pública, guardiã das informações. 2 - Não cabe condenação em honorários de sucumbência na ação de habeas data, uma vez que o acesso ao Poder Judiciário por meio daquele

remédio constitucional é franqueado nos termos do art. 5º, inc. LXXVII, da CR/88 e obedece ao disposto nas Súmulas nºs 105 do STJ e 512 do STF. 3 - Preliminar rejeitada e recurso parcialmente provido.‖ (Apelação nº 1.0024.03.091539-1/001, 8ª Câmara Cível do TJMG, Diário da Justiça de 5 de agosto de 2005). Contra, entretanto, há autorizada doutrina: ―O habeas data também é isento de custas (art. 5º, LXXVII, da CF), mas não de honorários advocatícios, já que se trata de ônus de sucumbência.‖ (ERNANE FIDÉLIS DOS SANTOS. Manual de direito processual civil. Volume III, 10ª ed., 2006, p. 250).

Page 108: BERNARDO PIMENTEL SOUZA - DAS       AÇÕES CONSTITUCIONAIS

Código de Processo Civil. Daí a necessidade da instrução da inicial com os

documentos disponíveis no momento da impetração, especialmente da prova

da recusa do acesso aos dados, da retificação dos dados ou da anotação dos

dados pessoais do impetrante. Trata-se de processo documental, isto é, que

não enseja dilação probatória.

Admitida a petição inicial pelo juiz, há a notificação do coator para que

preste as informações que desejar no prazo de dez dias.

Prestadas as informações, é abertura vista ao representante do

Ministério Público, para emissão de parecer, em cinco dias.

Após, o juiz profere sentença. Se concessiva do writ, o juiz condena a

parte passiva a cumprir obrigação de fazer prevista no artigo 13 da Lei nº

9.507, de 1997189, bem como determina a imediata comunicação do coator pelo

correio, por telegrama, por radiograma ou até mesmo telefonema, conforme o

disposto no artigo 14 da Lei nº 9.507, de 1997.

Tanto a sentença concessiva quanto a sentença denegatória ensejam

recurso de apelação, em quinze dias, para o Tribunal de Justiça ou para o

Tribunal Regional Federal, conforme tenha sido proferida por Juiz de Direito ou

Juiz Federal, conforme o caso.

Por fim, no que tange ao processamento do habeas data de

competência originária de tribunal, cabe ao relator dar seguimento ao processo

rumo ao julgamento pelo colegiado competente à vista do disposto no

regimento interno do tribunal, com a igual aplicação, mutatis mutandis, dos

artigos 8º, 9º, 11 e 12 da Lei nº 9.507, de 1997.

12. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS DATA

À vista do artigo 102, inciso II, alínea ―a‖, da Constituição de 1988,

combinado com os artigos 508 e 539, inciso I, do Código de Processo Civil, o

recurso ordinário em habeas data é cabível apenas para o Supremo Tribunal

Federal, no prazo de quinze dias.

Em contraposição, não há no texto constitucional – nem na legislação

ordinária – previsão de recurso ordinário em habeas data para o Superior

Tribunal de Justiça. Sem dúvida, a exegese do artigo 105, inciso II, da

Constituição Federal revela a inexistência de recurso ordinário em habeas data

para o Superior Tribunal de Justiça190. A propósito, ao contrário do que pode

parecer à primeira vista, nem mesmo o artigo 20, inciso II, alínea ―b‖, da Lei nº

9.507, de 1997, instituiu recurso ordinário em habeas data para o Superior

189

―Art. 13. Na decisão, se julgar procedente o pedido, o juiz marcará data e horário para que o coator: I - apresente ao impetrante as informações a seu respeito, constantes de registros ou bancos de dadas; ou II - apresente em juízo a prova da retificação ou da anotação feita nos assentamentos do impetrante‖. 190

De acordo, na jurisprudência: ―1. O artigo 105, inciso II, da Constituição Federal não prevê a competência do Superior Tribunal de Justiça para o julgamento de recurso ordinário constitucional interposto contra decisão de última instância oriunda de Tribunal de Justiça do Estado denegatória de habeas data.‖ (PET nº 5.428/RS – AgRg, 2ª Turma do STJ, Diário da Justiça Eletrônico de 2 de março de 2009).

Page 109: BERNARDO PIMENTEL SOUZA - DAS       AÇÕES CONSTITUCIONAIS

Tribunal de Justiça. Aliás, nem poderia fazê-lo. À luz do princípio da

indisponibilidade de competências e do princípio da tipicidade de

competências, é lícito concluir que a competência recursal constitucional é

taxativa, razão pela qual mera lei ordinária não tem o condão de ampliar a

competência fixada no texto constitucional.

Na verdade, diante da pouca clareza do artigo 20 da Lei nº 9.507, de

1997, nem há necessidade de declaração de inconstitucionalidade do

dispositivo legal. Basta lançar mão da técnica da interpretação conforme,

consagrada no parágrafo único do artigo 28 da Lei nº 9.868, de 1999: quando a

lei apresentar duas ou mais interpretações razoáveis, aceitáveis, possíveis,

mas apenas uma delas em perfeita conformidade com a Constituição, ao invés

da declaração da inconstitucionalidade sic et simpliciter, deve-se prestigiar a

interpretação compatível com a Constituição.

À vista da técnica da interpretação conforme, encontra-se a exegese que

deve ser conferida ao artigo 20, inciso II, alínea ―b‖, da Lei nº 9.507, de 1997: o

preceito legal não versa sobre o cabimento de recurso ordinário, mas, sim, de

apenas uma hipótese na qual é cabível recurso especial para o Superior

Tribunal de Justiça, sem prejuízo das inúmeras outras. É a única interpretação

que torna o dispositivo compatível com o texto constitucional e com os

princípios da indisponibilidade e da tipicidade de competências.

Em suma, denegado o habeas data originário em ―Tribunal Superior‖, vale

dizer, no Superior Tribunal de Justiça, no Tribunal Superior Eleitoral, no

Tribunal Superior do Trabalho ou no Superior Tribunal Militar, cabe recurso

ordinário para o Supremo Tribunal Federal, com fundamento no artigo 102,

inciso II, alínea ―a‖, da Constituição Federal. Denegado, entretanto, o habeas

data originário em Tribunal de Justiça ou em Tribunal Regional Federal, não

cabe recurso ordinário para o Superior Tribunal de Justiça, mas, sim, recurso

extraordinário para o Supremo Tribunal Federal, na eventualidade de

contrariedade à Constituição Federal, e recurso especial para o Superior

Tribunal de Justiça, na eventualidade de contrariedade à legislação federal,

como, por exemplo, aos preceitos da Lei nº 9.507, de 1996. Não há lugar para

recurso ordinário em sede de habeas data, portanto, para o Superior Tribunal

de Justiça191.

191

De acordo, na jurisprudência: ―1. O artigo 105, inciso II, da Constituição Federal não prevê a competência do Superior Tribunal de Justiça para o julgamento de recurso ordinário constitucional interposto contra decisão de última instância oriunda de Tribunal de Justiça do Estado denegatória de habeas data.‖ (PET nº 5.428/RS – AgRg, 2ª Turma do STJ, Diário da Justiça Eletrônico de 2 de março de 2009).

Page 110: BERNARDO PIMENTEL SOUZA - DAS       AÇÕES CONSTITUCIONAIS

CAPÍTULO III

MANDADO DE SEGURANÇA

1. PRECEITOS DE REGÊNCIA DO MANDADO DE SEGURANÇA

A Constituição Federal contém muitos dispositivos específicos sobre o

mandado de segurança: artigo 5º, incisos LXIX e LXX; artigo 102, inciso I,

alínea ―d‖, e inciso II, alínea ―a‖; artigo 105, inciso I, alínea ―b‖, e inciso II, alínea

―b‖; artigo 108, inciso I, alínea ―c‖; artigo 109, inciso VIII.

Além dos preceitos constitucionais, o mandado de segurança também é

regido por diploma legal especial, qual seja, a Lei nº 12.016, de 2009, por força

da qual houve a revogação tanto da Lei nº 1.533, de 1951, quanto da Lei nº

4.348, de 1964, principais diplomas de regência do instituto ao longo da

segunda metade do Século XX e também na primeira década do presente

Século XXI. Revogadas ambas as leis, hoje o principal diploma de regência do

mandado de segurança é a Lei nº 12.016, de 2009.

2. CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA DO MANDADO DE

SEGURANÇA

O mandado de segurança é o processo judicial de estatura

constitucional192 que pode ser movido por qualquer pessoa física ou jurídica, no

prazo decadencial de cento e vinte dias, para a impugnação de atos comissivos

e omissivos ilegais ou abusivos das autoridades públicas em geral e até

mesmo de particulares no exercício de atribuições públicas193, mediante

procedimento especial marcado pela celeridade e pela produção apenas de

prova apenas documental, sempre que a omissão e o ato comissivo

contaminados por ilegalidade ou abuso de poder não puderem ser impugnados

por outra via processual específica194.

3. ADMISSIBILIDADE DO MANDADO DE SEGURANÇA

O mandado de segurança foi inicialmente idealizado contra os atos da

Administração Pública, para que o particular tivesse uma via processual

expedita para impugnar os atos do Poder Executivo.

Não obstante, como não há restrição alguma na Constituição Federal e

na legislação de regência acerca da natureza da autoridade pública, não há

dúvida de que, além dos atos provenientes do Poder Executivo, os atos dos

Poderes Judiciário e Legislativo também podem ser impugnados mediante

192

Cf. artigo 5º, incisos LXIX e LXX, da Constituição Federal. 193

Cf. enunciado nº 510 da Súmula do Supremo Tribunal Federal e enunciado nº 15 da Súmula do antigo Tribunal Federal de Recursos. 194

Cf. enunciados n°s 101, 266, 267, 268 da Súmula do Supremo Tribunal Federal.

Page 111: BERNARDO PIMENTEL SOUZA - DAS       AÇÕES CONSTITUCIONAIS

mandado de segurança, desde que não exista via processual específica no

ordenamento jurídico.

Com efeito, o mandado de segurança tem como alvo atos comissivo e

omissivo das autoridades públicas e delegadas, lesivos a direito subjetivo ou

que coloquem em risco o mesmo, sem proteção por outra via processual

específica. Se o ato lesivo ou intimidador puder ser impugnado por outra via

processual195, não há a admissibilidade do mandado de segurança.

Sem dúvida, à vista do inciso LXIX do artigo 5º da Constituição Federal,

com o reforço dos artigos 1º e 5º, incisos II e III, da Lei nº 12.016, de 2009, é

lícito concluir que o mandado de segurança só é admissível contra atos – de

autoridades públicas e delegadas – que não sejam impugnáveis por outra via

processual, mas geram lesão ou ameaça a direito subjetivo, em razão de

ilegalidade ou de abuso de poder.

Por outro lado, não há a necessidade do esgotamento dos recursos

administrativos para a impetração do mandado de segurança. Com efeito, à

vista do artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal, e do artigo 5º, inciso I,

da Lei nº 12.016, de 2009, o impetrante não está obrigado a esgotar os

recursos administrativos para só então acionar o writ196; basta a existência de

ato administrativo lesivo ou abusivo em prejuízo do impetrante para que possa

acionar o mandado de segurança. Não obstante, se o impetrante optou pela

completa utilização da via administrativa, com a interposição de recurso

administrativo dotado de efeito suspensivo à luz da legislação de regência, do

estatuto ou do regimento interno da entidade administrativa, não tem interesse

de agir para impetrar mandado de segurança antes da deliberação

administrativa final197. Se o fizer, será carecedor da ação, com a consequente

extinção do processo de mandado de segurança.

195

Por exemplo, habeas data, habeas corpus, ação direta de inconstitucionalidade, ação declaratória de constitucionalidade, ação rescisória, recursos processuais específicos, como o agravo de instrumento e o agravo interno ou regimental. 196

De acordo, na jurisprudência: ―MANDADO DE SEGURANÇA - PENSÃO POR MORTE - PRELIMINAR - FALTA DE INTERESSE DE AGIR - DESNECESSIDADE DE ESGOTAMENTO DA VIA ADMINISTRATIVA - MÉRITO - PROVENTOS INTEGRAIS - INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 40, § 7º, CF/88 - CONCESSÃO DA ORDERM - SENTENÇA CONFIRMADA EM REEXAME NECESSÁRIO.‖ (Reexame necessário nº 1.0024.06.218149-0/001, 8ª Câmara Cível do TJMG, Diário da Justiça de 28 de fevereiro de 2008). ―1. A exigência de esgotamento da esfera administrativa para que nasça o direito de ação não encontra, atualmente, respaldo em nosso ordenamento jurídico. Assim sendo, não mais se pode pretender que a parte esgote a instância administrativa para que, só então, possa acessar o Judiciário. 2. É perfeitamente admissível a impetração de mandado de segurança contra ato administrativo apto a gerar efeitos concretos na esfera patrimonial do impetrante.‖ (Apelação nº 1.0400.05.016654-7/001, 4ª Câmara Cível do TJMG, Diário da Justiça de 27 de junho de 2006). ―Improcede a exigência de esgotamento da via administrativa, para, a posteriori, o suposto lesado vir ao socorro do Judiciário, pois é do escólio constitucional o mandamento segundo o qual ‗a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito‘.‖ (Apelação nº 000.326.138-5/00, 5ª Câmara Cível do TJMG, Diário da Justiça de 20 de maio de 2003). 197

De acordo, na jurisprudência: ―MANDADO DE SEGURANÇA - CONCURSO PÚBLICO - AGENTE DE SEGURANÇA SOCIOEDUCATIVO - EXAME PSICOTÉCNICO - CONTRAINDICAÇÃO - INTERPOSIÇÃO DE RECURSO ADMINISTRATIVO - PENDÊNCIA DE APRECIAÇÃO - IMPETRAÇÃO - NÃO CABIMENTO. Não cabe impetração de mandado de segurança contra ato que ainda não possui exequibilidade, ou seja, quando o recurso administrativo interposto, dotado de efeito suspensivo, encontra-se pendente de apreciação. Acolhida a preliminar, extingue-se o processo, denegando a

Page 112: BERNARDO PIMENTEL SOUZA - DAS       AÇÕES CONSTITUCIONAIS

4. MANDADO DE SEGURANÇA COMO SUCEDÂNEO DE AÇÃO

POPULAR: INADEQUAÇÃO

Como já estudado no tópico anterior, a adequação do mandado de

segurança é obtida por exclusão, vale dizer, não é admissível mandado de

segurança quando há via processual específica no ordenamento jurídico para a

impugnação do ato administrativo, legislativo ou judicial, conforme o caso.

Na qualidade de via processual específica do cidadão contra os atos

administrativos lesivos ao patrimônio público ou contrários à moralidade

administrativa, a denominada ―ação popular‖ prevalece em relação ao

mandado de segurança, cujo campo de incidência é obtido por exclusão, à

vista do artigo 5º, inciso LXIX, da Constituição Federal. Daí a inadequação do

mandado de segurança diante de hipótese própria de ação popular, como bem

assentou o Supremo Tribunal Federal no enunciado nº 101: ―O mandado de

segurança não substitui a ação popular‖198.

Ademais, os processos têm ritos distintos, porquanto a denominada

―ação popular‖ segue o procedimento ordinário e enseja dilação probatória, até

mesmo a produção de provas testemunhal e pericial199, as quais não podem

ser produzidas no mandado de segurança, cuja celeridade do procedimento

pressupõe prévia prova documental produzida desde logo, já com a petição

inicial.

Sob outro prisma, enquanto o mandado de segurança é apto à defesa

de direitos individuais e coletivos, a denominada ―ação popular‖ só tem como

escopo a defesa de direitos transindividuais, coletivos.

Por tudo, o mandado de segurança não pode ser confundido nem pode

ser utilizado em hipótese passível de ação popular, tal como assentou o

Supremo Tribunal Federal ao aprovar o enunciado sumular nº 101: ―O

mandado de segurança não substitui a ação popular‖200.

segurança.‖ (MS nº 1.0000.09.490093-3/000, 2º Grupo de Câmaras Cíveis do TJMG, Diário da Justiça eletrônico de 25 de setembro de 2009). 198

No mesmo sentido, na jurisprudência: MS nº 25.609/DF – AGR – ED, Pleno do STF, Diário da Justiça de 22 de setembro de 2006, p. 29; e MS nº 23.182/PI, Pleno do STF, Diário da Justiça de 3 de março de 2000, p. 63: ―Com isso, está pretendendo converter a ação de Mandado de Segurança em autêntica Ação Popular, o que não é tolerado pela Súmula 101 desta Corte.‖. 199

Cf. artigo 7º, inciso V, da Lei nº 4.717, de 1965. 200

De acordo, na doutrina: ―Realmente, os pressupostos do mandado de segurança são diversos dos da ação popular e o rito processual daquele não se coaduna com a maior amplitude das discussões e provas necessárias ao julgamento da ação popular.‖ (CELSO AGRÍCOLA BARBI. Do mandado de segurança. 7ª ed., 1993, p. 89, nº 96). ―Por fim, lembramos que a ação popular é inconfundível com o mandado de segurança e colima fins diversos, razão pela qual tais remédios judiciais não podem ser usados indistintamente (STF, Súmula 101). Cada um tem objetivo próprio e específico: o mandado de segurança presta-se a invalidar atos de autoridade ofensivos de direito individual ou coletivo, líquido e certo; a ação popular destina-se à anulação de atos ilegítimos e lesivos do patrimônio público. Por aquele se defende direito próprio; por esta se protege o interesse da comunidade, ou, como modernamente se diz, os interesses difusos da sociedade.‖ (HELY LOPES MEIRELLES. Mandado de segurança, ação popular, ação civil pública, mandado de injunção e habeas data. 16ª ed., 1995, p. 95 e 96).

Page 113: BERNARDO PIMENTEL SOUZA - DAS       AÇÕES CONSTITUCIONAIS

5. MANDADO DE SEGURANÇA CONTRA LEI EM TESE:

INADEQUAÇÃO

Na esteira da premissa firmada nos tópicos anteriores, o mandado de

segurança não é admissível contra lei em tese, como bem revela o enunciado

nº 266 da Súmula do Supremo Tribunal Federal: ―Não cabe mandado de

segurança contra lei em tese‖. Pouco importa se o mandado de segurança é

individual ou coletivo; não é admissível mandado de segurança para impugnar

norma geral e abstrata, porquanto há outras vias processuais específicas no

ordenamento jurídico brasileiro, com destaque para a denominada ―ação direta

de inconstitucionalidade‖ e a arguição de descumprimento de preceito

fundamental201.

Sem dúvida, o mandado de segurança jamais enseja controle abstrato

de constitucionalidade, nem mesmo quando a ação é da competência originária

do Supremo Tribunal Federal. O mandado de segurança só enseja controle

concreto de constitucionalidade, admissível no julgamento de causa cujo

desate exige o prévio enfrentamento da compatibilidade de lei ou de ato

normativo. Daí o acerto do enunciado nº 266 da Súmula do Supremo Tribunal

Federal.

6. MANDADO DE SEGURANÇA CONTRA RECUSA OU OMISSÃO

INTEMPESTIVA DE EXPEDIÇÃO DE CERTIDÃO: ADEQUAÇÃO

Os incisos XIV, XXXIII e XXXIV do artigo 5º da Constituição Federal

consagram a regra202 do acesso às informações de ―seu interesse particular, ou

de interesse coletivo ou geral‖, e o consequente direito à obtenção de certidão

nas repartições públicas em geral, no prazo legal203, ―independentemente do

pagamento de taxas‖204, para a posterior defesa de direitos pessoais e da

sociedade em geral.

Resta saber se as hipóteses previstas nos incisos XIV, XXXIII e XXXIV

do artigo 5º ensejam a impetração de habeas data, à vista do inciso LXXII do

mesmo artigo 5º, de forma a afastar a via do mandado de segurança, nos

termos da segunda parte do inciso LXIX: ―conceder-se-á mandado de

segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas-

corpus ou habeas-data".

201

Daí a justificativa para a aprovação do enunciado sumular nº 15 pela Corte Superior do Tribunal de Justiça de Minas Gerais: ―O mandado de segurança não cabe contra autoridade que edita norma geral e abstrata, ainda que seus eventuais destinatários sejam determináveis‖. 202

Não obstante, a regra não é absoluta: o direito à informação não subsiste quando há risco à segurança da sociedade e do Estado. Cf. Lei n. 11.111, de 2005. 203

A propósito, vale conferir o artigo 1º da Lei n. 9.051, de 1995: ―Art. 1º As certidões para a defesa de direitos e esclarecimentos de situações, requeridas aos órgãos da administração centralizada ou autárquica, às empresas públicas, às sociedades de economia mista e às fundações públicas da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, deverão ser expedidas no prazo improrrogável de quinze dias, contado do registro do pedido no órgão expedidor‖. 204

Cf. artigo 5º, inciso XXXIV, caput, in fine, da Constituição Federal.

Page 114: BERNARDO PIMENTEL SOUZA - DAS       AÇÕES CONSTITUCIONAIS

A resposta reside no escopo peculiar e restrito do habeas data: acesso,

retificação e complementação das informações de natureza pessoal existentes

nos arquivos e bancos de dados públicos ou disponíveis ao público em geral.

Por conseguinte, na eventualidade de recusa ou omissão intempestiva em

relação à expedição de certidão, ou de recusa ou omissão intempestiva acerca

da prestação de informações de interesse coletivo ou geral, a via processual

adequada não é o habeas data, mas, sim, o mandado de segurança, porquanto

aquele writ (habeas data) não se destina à obtenção de certidões, ainda que

relativas a assuntos de interesse particular, muito menos à prestação de

informações e à expedição de certidões de interesse coletivo. Por exemplo,

diante de recusa ou de omissão intempestiva, o discente que conhece o

respectivo histórico escolar e deseja a extração de certidão de inteiro teor

subscrita pela autoridade competente da faculdade ou universidade na qual

está matriculado não dispõe de habeas data, mas, sim, de mandado de

segurança, tendo em vista a combinação dos incisos LXIX e LXXII do artigo 5º

da Constituição Federal205.

Em suma, os direitos consagrados nos incisos XIV, XXXIII e XXXIV do

artigo 5º da Constituição Federal são assegurados mediante mandado de

segurança, writ cabível nas hipóteses que extrapolam o angusto campo de

incidência do habeas data206.

7. MANDADO DE SEGURANÇA CONTRA DECISÃO JUDICIAL:

REGRA DA INADEQUAÇÃO E EXCEÇÃO DA ADMISSIBILIDADE

Em primeiro lugar, a impetração de mandado de segurança contra

decisão judicial não modifica a natureza jurídica do instituto: trata-se de ação,

até mesmo quando o writ tem mira decisão judicial207.

205

Outros exemplos colhidos na jurisprudência: ―HABEAS DATA – REQUERIMENTO DE CERTIDÃO DE

CONTAGEM DE TEMPO PARA FINS DE APOSENTADORIA – IMPROPRIEDADE DA VIA ELEITA – CABIMENTO DE MANDADO DE SEGURANÇA – FEITO EXTINTO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO. – Na hipótese específica dos autos não busca a impetrante o acesso às informações relativas à sua própria pessoa, mas o acesso a informações de seu interesse particular, com a emissão de certidão de contagem de tempo, para fins de envio ao INSS para a sua aposentadoria. – Incabível, portanto, a via do habeas data, pois o direito de informações de interesse particular, art. 5º, XXXIII, CR/88, se negado pela Administração, deve ser pleiteado nas vias ordinárias ou através da impetração de mandado de segurança.‖ (Habeas Data nº 1.0000.10.045923-9/000, 1º Grupo de Câmaras Cíveis do TJMG, Diário da

Justiça Eletrônico de 15 de abril de 2011). ―2) O não fornecimento de certidão funcional do impetrante junto ao Poder Público Municipal enseja a impetração de mandado de segurança, e não de habeas data.‖ (Apelação nº 1.0009.09.015322-3/001, 2ª Câmara Cível do TJMG, Diário da Justiça Eletrônico de 2 de junho de 2010). ―HABEAS DATA – Impetração de servidor a forçar órgão público a fornecer certidão de

tempo de serviço – Meio inidôneo – Cabimento de mandado de segurança.‖ (TJGO, Revista dos Tribunais, volume 724, página 396). 206

Assim, na jurisprudência: ―HABEAS DATA – DIREITO LÍQUIDO E CERTO NÃO DEMONSTRADO – OBTENÇÃO DE CERTIDÃO – VIA PRÓPRIA – MANDADO DE SEGURANÇA. Necessária demonstração de direito líquido e certo pelo impetrante do habeas data, sob pena de extinção do feito sem análise do

mérito, cabendo registrar, ainda, que a negativa de obtenção de certidão por órgão da administração direta ou indireta desafia mandado de segurança.‖ (Apelação nº 1.0024.10.310944-3/001, 16ª Câmara Cível do TJMG, Diário da Justiça Eletrônico de 9 de março de 2012). 207

De acordo, na doutrina: PONTES DE MIRANDA. Comentários ao Código de Processo Civil. Tomo VIII, 2ª ed., atualizada por SERGIO BERMUDES, 2000, p. 258: ―O recurso extraordinário é recurso. A reclamação não no é. Nem no é o mandado de segurança contra decisão judicial.‖ ―Omissis; aqui, propõe-se ação de mandado de segurança‖ (não há os grifos no original).

Page 115: BERNARDO PIMENTEL SOUZA - DAS       AÇÕES CONSTITUCIONAIS

No que tange à admissibilidade do mandado de segurança contra

decisão judicial, a interpretação do artigo 5º, inciso LXIX, da Constituição

Federal, reforçado pelos artigos 1º e 5º, incisos II e III, da Lei nº 12.016, de

2009, revela que o alcance do mandado de segurança é obtido por exclusão.

Não é admissível mandado de segurança, portanto, quando há outro tipo de

processo específico para a impugnação da decisão jurisdicional, como a ação

rescisória, por exemplo. Na mesma esteira, também não é admissível mandado

de segurança quando cabe algum recurso processual específico contra a

decisão jurisdicional, como bem revela o enunciado nº 4 do Primeiro Colégio

Recursal de São Paulo: ―Não cabe mandado de segurança contra ato judicial

passível de recurso‖208. A propósito, reforça o preciso enunciado nº 102 da

Súmula do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro: ―Descabe a impetração de

mandado de segurança perante o Órgão Especial contra as decisões das

Câmaras isoladas, nos casos em que a lei prevê recursos para os Tribunais

Superiores‖209. É o que também dispõe o enunciado nº 22 da Súmula do

Tribunal de Justiça de Minas Gerais: ―O Mandado de Segurança contra decisão

de Câmara isolada não é cabível perante a Corte Superior quando lei facultar

recurso para o Superior Tribunal de Justiça ou para o Supremo Tribunal

Federal‖. Em suma, a regra reside na inadmissibilidade de segurança contra

decisão judicial, tendo em vista o disposto no artigo 5º, inciso II, da Lei nº

12.016, de 2009.

Não obstante, se a decisão judicial não comportar recurso processual

específico, é admissível o mandado de segurança, consoante a interpretação a

contrario sensu do próprio inciso II do artigo 5º da Lei nº 12.016, de 2009.

Um exemplo muito frequente na prática forense pode facilitar a

compreensão tanto da regra (da inadmissibilidade do mandado de segurança)

quanto da exceção (da admissibilidade do writ). Imagine-se a prolação de

decisão monocrática por relator ou por presidente de turma de tribunal. Em

regra, as decisões monocráticas podem ser impugnadas por meio do recurso

de agravo interno ou regimental; é a regra consagrada no artigo 39 da Lei nº

8.038, de 1990, e no § 1º do artigo 557 do Código de Processo Civil. Diante da

existência de recurso processual específico (qual seja, o agravo interno ou

regimental), não há lugar para mandado de segurança, conforme revela o

enunciado nº 121 da Súmula do antigo Tribunal Federal de Recursos: ―Não

cabe mandado de segurança contra ato ou decisão, de natureza jurisdicional,

emanado de relator ou presidente de turma‖.

Em contraposição, quando não há recurso específico para impugnar a

decisão judicial, como nas hipóteses dos incisos II e III do artigo 527 do Código

208

Aprovado por votação unânime e publicado no Diário Oficial da Justiça de 12 de junho de 2006. 209

Cf. Aviso nº 17, Diário de 30 de maio de 2005, p. 1. Eis a precisa justificativa: ―A legislação processual prevê recursos específicos contra as decisões proferidas em apelações, agravos e embargos infringentes, que são os especial e extraordinário. O Regimento Interno da Corte também não prevê o writ. Não pode ele, portanto, ser utilizado pela parte como substituto desses recursos‖.

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de Processo Civil, é admissível mandado de segurança210. Com efeito, diante

da irrecorribilidade das decisões monocráticas arroladas nos incisos II e III do

artigo 527 mediante agravo interno ou regimental, é admissível mandado de

segurança211 para o colegiado competente do próprio tribunal: pleno, órgão

especial, turma especial, conforme o disposto no regimento interno. Por

oportuno, vale ressaltar que a possibilidade da formulação do pedido de

reconsideração previsto no parágrafo único do mesmo artigo 527 não impede a

impetração da segurança, porquanto o pedido de reconsideração não tem

natureza recursal, nem aciona órgão colegiado, mas apenas a competência do

mesmo relator que proferiu a decisão monocrática causadora do

inconformismo212. Daí a conclusão: a regra da inadmissibilidade de mandado

de segurança contra decisão monocrática comporta exceções, como nas

hipóteses dos incisos II e III do artigo 527, nas quais a impetração do mandado

de segurança encontra sustentação no artigo 5º, LXIX, da Constituição Federal 210

De acordo, na jurisprudência: ―PROCESSO CIVIL. CONVERSÃO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO EM AGRAVO RETIDO. ATO JUDICIAL IRRECORRÍVEL. MANDADO DE SEGURANÇA. CABIMENTO. 1. É cabível o mandado de segurança contra ato judicial que determina a conversão de agravo de instrumento em agravo retido. 2. A transformação em retido somente se admite em agravo que ainda poderá ter utilidade quando do julgamento da apelação. Hipótese em que o agravo de instrumento voltou-se contra decisão que deferiu liminar em ação civil pública para, dentre outras providências, proibir prática que se alega inerente à operação do produto ‗cartão de crédito‘, a saber, o financiamento do saldo devedor no caso de a fatura mensal não ser paga em sua integralidade. Manifesto o prejuízo e a prejudicialidade do agravo com a postergação do exame da liminar para o momento do julgamento de eventual apelação pela Turma competente. 3. Recurso provido. Segurança concedida para invalidar o ato que converteu o agravo de instrumento em agravo retido.‖ (RMS nº 32.204/BA, 3ª Turma do STJ, Diário da Justiça Eletrônico de 17 de maio de 2011). Na mesma esteira, também na jurisprudência: RMS nº 24.654/PA, 3ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 19 de dezembro de 2007. Colhe-se da didática ementa do precedente jurisprudencial: ―- Por ser garantia constitucional, não é possível restringir o cabimento de mandado de segurança. Sendo irrecorrível, por disposição expressa de lei, a decisão que determina a conversão de agravo de instrumento em agravo retido, ela somente é impugnável pela via do remédio heróico‖. ―- Já com a retenção do agravo pode haver violação a direito líquido e certo do impetrante. Com a violação, nasce para o impetrante a pretensão de obter segurança para afastar o ato coator‖. 211

Assim, na jurisprudência: Mandado de Segurança nº 2002.01.00.025040-9/DF — AgRg, Turma Recursal de Férias do TRF da 1ª Região: ―CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. DECISÃO DE RELATOR. INDEFERIMENTO DE EFEITO SUSPENSIVO EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. INEXISTÊNCIA DE PREVISÃO RECURSAL. CABIMENTO, EM TESE, DO MANDADO DE SEGURANÇA. INDEFERIMENTO DA INICIAL. REFORMA DA DECISÃO. 1. Nos termos do artigo 5º, II, da Lei nº 1.533/51, não se dará mandado de segurança contra ‗despacho ou decisão judicial, quando haja recurso previsto nos leis processuais ou possa ser modificado por via de correição‘. 2. Da decisão de relator sobre efeito suspensivo em agravo de instrumento não cabe agravo regimental (art. 293, § 1º, do Regimento Interno), logo, a contrario sensu do citado dispositivo, é cabível, em tese, mandado de segurança.‖ (não há o grifo no original). Também em sentido semelhante: Mandado de Segurança nº 2001.01.00.044260-1/MG — AgRg, Corte Especial do TRF da 1ª Região, Revista do Tribunal Regional Federal 1ª Região, número 12, ano 14, dezembro de 2002, p. 71: ―Processual Civil. Agravo Regimental. Mandado de Segurança contra ato judicial. Indeferimento liminar da inicial de Mandado de Segurança interposto contra decisão de relator, que atribuiu efeito suspensivo em agravo. Iminência de prejuízos irreparáveis. Provimento do regimental. 1. A teor do art. 5º, II, da Lei 1.533/51, não cabe mandado de segurança contra despacho ou decisão judicial quando haja recurso previsível nas leis processuais ou possa ser modificado por via de correição. 2. De acordo com o § 1º do art. 293 do Regimento Interno deste Tribunal Regional Federal, não cabe qualquer recurso contra decisão de Relator que confere ou denega efeito suspensivo em agravo de instrumento, sendo, pois, tal decisão impugnável por via de mandado de segurança, em casos teratológicos, ou de manifesta ilegalidade, ou na iminência de prejuízos irreparáveis ou de difícil reparação dela decorrentes.‖ (não há o grifo no original). 212

Em sentido conforme, na jurisprudência: RMS nº 24.654/PA, 3ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 19 de dezembro de 2007. Colhe-se da precisa ementa do precedente jurisprudencial: ―- O pedido de reconsideração não tem, na hipótese do art. 527, parágrafo único, CPC, natureza recursal. A possibilidade de haver retratação pelo relator indica apenas que a legislação afastou a preclusão pro judicato. Assim, o pedido de reconsideração é simples decorrência lógica do sistema de preclusões processuais‖ (não há o grifo no original).

Page 117: BERNARDO PIMENTEL SOUZA - DAS       AÇÕES CONSTITUCIONAIS

e no artigo 5º, inciso II, da Lei nº 12.016, de 2009, em razão da inadequação do

agravo interno ou regimental.

Outro caso de admissibilidade de mandado de segurança contra decisão

judicial reside no § 1º do artigo 557 do Código de Processo Civil: imagine-se a

hipótese de o relator do agravo interno deixar de submeter o recurso ao

colegiado competente, mesmo sem reconsideração da decisão monocrática

agravada. Sem dúvida, se o relator negar ―seguimento‖ ao agravo regimental,

resta ao agravante a impetração de mandado de segurança, admissível à vista

do artigo 5º, inciso II, da Lei nº 12.016, de 2009213.

Outro exemplo reside na impossibilidade jurídica de recurso no processo

de justificação judicial, ex vi do artigo 865 do Código de Processo Civil. Por

conseguinte, é admissível a impetração de mandado de segurança contra

sentença proferida em justificação judicial: diante da restrição contida no artigo

865 do Código de Processo Civil, abre-se a via excepcional do mandado de

segurança como sucedâneo recursal, a fim de afastar eventual ilegalidade. Por

exemplo, é admissível mandado de segurança contra sentença que dispõe

sobre o mérito das provas produzidas na justificação judicial, em desacordo

com o disposto no artigo 866 do Código de Processo Civil214.

À vista do enunciado nº 637 da Súmula do Supremo Tribunal Federal, não

cabe recurso processual algum contra acórdão proferido por Tribunal de

Justiça, no exercício da competência do artigo 35, inciso IV, da Constituição

Federal, tendo em vista a natureza político-administrativa da decisão

interventiva. Daí a admissibilidade de mandado de segurança215.

À vista do exposto, surge a primeira conclusão: se for cabível algum

recurso processual específico, tem-se a impossibilidade jurídica do mandado

213

De acordo, na jurisprudência: ―MANDADO DE SEGURANÇA - ATO JUDICIAL - DECISÃO MONOCRÁTICA PROFERIDA PELO RELATOR DE APELAÇÃO CÍVEL - INTERPOSIÇÃO DE AGRAVO REGIMENTAL - REJEIÇÃO MONOCRÁTICA COM A DETERMINAÇÃO DE REMESSA DOS AUTOS AO REVISOR - ART. 221, §§ 1º, 3º E 4º, DO RITJDFT - VIOLAÇÃO - ORDEM CONCEDIDA. 1. Interposto agravo regimental contra decisão monocrática, cumpre ao relator elevar o inconformismo ao órgão colegiado competente, salvo no caso de retratação. Essa é a redação literal do art. 221 e seus §§, do Regimento Interno desta egrégia Corte de Justiça. 2. O agravo regimental não pode ser trancado pelo relator. É da natureza do recurso que, mantida a decisão, o órgão colegiado se pronuncie a respeito dela. Precedentes. 3. Ordem concedida.― (MS nº 2010.00.2.003901-5, 3ª Câmara Cível do TJDF, Diário da Justiça eletrônico de 25 de maio de 2010, p. 37). 214

Em abono ao raciocínio sustentado no texto, na jurisprudência: ―PROCESSO CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA CONTRA SENTENÇA PROFERIDA EM JUSTIFICAÇÃO JUDICIAL. CABIMENTO. ATO IRRECORRÍVEL. SÚMULA 267/STF. NÃO INCIDÊNCIA. 1. É possível o manejo de mandado de segurança contra sentença proferida em justificação judicial, procedimento de jurisdição voluntária destinado, quase sempre, a produzir princípio de prova quanto à existência e veracidade de um fato ou de uma relação jurídica, pois se trata de decisão irrecorrível, não incidindo, assim, enunciado de nº 267 da Súmula do Supremo Tribunal Federal. 2. Recurso provido.‖ (RMS nº 19.247/CE, 6ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 7 de novembro de 2005; grifos aditados). 215

De acordo, na jurisprudência: ―CONSTITUCIONAL. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. INTERVENÇÃO ESTADUAL EM MUNICÍPIO. PRECATÓRIO DE NATUREZA ALIMENTAR. INADIMPLÊNCIA. ADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. AUTARQUIA MUNICIPAL. LEGITIMIDADE PASSIVA DO MUNICÍPIO. INADEQUAÇÃO DA MEDIDA INTERVENTIVA. REQUISITOS. PRECEDENTES DO STF E STJ. RECURSO ORDINÁRIO PROVIDO. 1. O mandado de segurança é adequado para a impugnação de decreto interventivo, em razão da inexistência de recurso aplicável à hipótese, em razão da natureza política-administrativa da decisão interventiva.‖ (RMS nº 30.663/SP, 2ª Turma do STJ, Diário da Justiça Eletrônico de 25 de novembro de 2010).

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de segurança; em contraposição, se a decisão não for — nem em tese —

impugnável por recurso específico, o mandado de segurança é admissível, em

virtude da interpretação a contrario sensu do inciso II do artigo 5º da Lei nº

12.016, de 2009.

Não obstante, não é toda decisão irrecorrível que enseja mandado de

segurança. É o que ocorre com sentença de mérito sob o manto da coisa

julgada. Há outra via processual de impugnação específica: ação rescisória. Se

existe outra via própria, é inadmissível o mandado de segurança, tendo em

vista o disposto no artigo 5º, inciso III, da Lei nº 12.016, de 2009. É o que

também se infere do preciso verbete nº 268 da Súmula do Supremo Tribunal

Federal: ―Não cabe mandado de segurança contra decisão judicial com trânsito

em julgado‖. Com efeito, como a rescisória é a via processual apropriada para

desconstituir julgado protegido pela res iudicata, não há lugar para o mandado

de segurança, em razão da inadmissibilidade — e da consequente carência —

da ação de segurança216.

Por tudo, o campo de incidência do mandado de segurança é residual. A

ação de segurança é admissível apenas quando não for cabível recurso

processual específico e também não for adequada outra ação específica. Daí a

asserção de que só excepcionalmente o mandado de segurança tem em mira

decisão judicial.

8. MANDADO DE SEGURANÇA CONTRA ATO JUDICIAL EM

PROCESSO PENAL

Como já estudado no tópico anterior, é admissível mandado de segurança

contra decisão judicial quando não há previsão de recurso processual

específico na legislação de regência. O mesmo raciocínio tem lugar quando a

decisão judicial irrecorrível é proferida em processo penal. Pouco importa,

portanto, se a decisão judicial irrecorrível foi exarada em processo civil ou

criminal. Tanto é admissível a impetração para impugnar decisão judicial

irrecorrível prolatada em processo penal que os Ministros do Supremo Tribunal

Federal aprovaram o enunciado nº 701: ―No mandado de segurança impetrado

pelo Ministério Público contra decisão proferida em processo penal, é

obrigatória a citação do réu como litisconsorte passivo‖.

Um exemplo de impetração de mandado de segurança contra decisão

judicial irrecorrível prolatada em processo penal é encontrado no artigo 273 do

Código de Processo Penal217: diante da ausência de recurso processual próprio

para impugnar decisão de juiz de primeiro grau que versa sobre o ingresso de 216

De acordo, na jurisprudência: MS nº 23.975/DF — AgRg, Pleno do STF, Diário da Justiça de 5 de outubro de 2001, p. 41: ―A AÇÃO DE MANDADO DE SEGURANÇA NÃO CONSTITUI SUCEDÂNEO DA AÇÃO RESCISÓRIA. — A ação de mandado de segurança — que se qualifica como ação autônoma de impugnação (RTJ 168/174-175, Rel. Min. CELSO DE MELLO) — não constitui sucedâneo de ação rescisória, não podendo ser utilizada como meio de desconstituição de decisões já transitadas em julgado. Precedentes‖. 217

―Art. 273. Do despacho que admitir, ou não, o assistente, não caberá recurso, devendo, entretanto, constar dos autos o pedido e a decisão‖.

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assistente de acusação, é admissível a impetração de mandado de

segurança218-219.

9. ILEGALIDADE OU ABUSO DE PODER

A ilegalidade consiste na prática de ato ou omissão contra texto de lei,

vale dizer, a despeito da natureza vinculada do ato, a autoridade pública é

omissa ou pratica o ato contra o disposto na lei. Com maior razão, a

inconstitucionalidade do ato comissivo ou omissivo também autoriza a

impetração220. Daí a conclusão: o vocábulo ―ilegalidade‖ deve ser interpretado

em sentido amplo, porquanto a inconstitucionalidade do ato também pode ser

impugnada mediante mandado de segurança.

A propósito, é comum a confusão entre duas hipóteses bem distintas sob

o ponto de vista jurídico: 1ª) mandado de segurança para a declaração de

inconstitucionalidade de lei ou ato normativo; 2ª) declaração de

inconstitucionalidade de ato administrativo em mandado de segurança. Tanto

quanto sutil, a diferença é muito relevante. Na esteira do enunciado nº 266 da

Súmula do Supremo Tribunal Federal, o mandado de segurança não é

admissível na primeira hipótese, por não ser a ação adequada para a

declaração de inconstitucionalidade de lei ou de ato normativo em tese221. Já

218

Assim, na jurisprudência: MS nº 89.01.20274-3, 2ª Seção do TRF da 1ª Região, Diário da Justiça de 21 de agosto de 1989; e AG nº 166.762/RJ – AgRg, 5ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 26 de abril de 1999, p. 115: ―3. Razoável a tese que admitiu mandado de segurança contra decisão que admitiu assistente de acusação, à míngua de recurso cabível‖. De acordo, na doutrina: ―Pensemos no exemplo do ofendido que busque a habilitação como assistente de acusação e tenha indeferido o seu pleito pelo Juiz. Conforme o art. 273 do CPP, contra esta decisão não cabe recurso. Nestas condições, poderá fazer uso do mandado de segurança, para garantir seu ingresso na lide.‖ (Lúcio Santoro de Constantino. Recursos criminais, sucedâneos recursais criminais e ações impugnativas autônomas criminais. 2ª ed., 2006, p. 321). 219

Outro exemplo de impetração de mandado de segurança em processo penal, na jurisprudência: ―MANDADO DE SEGURANÇA CONTRA ATO DE JUIZ DE DIREITO INVESTIDO NA JURISDIÇÃO CRIMINAL - CABIMENTO - TRANSAÇÃO PENAL, PROPOSTA DE OFÍCIO, DO JUÍZO - INADMISSIBILIDADE - PRERROGATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO NÃO OBSERVADA - ORDEM CONCEDIDA. 1. Diante da interligação dos princípios gerais de direito, possível o entendimento de que a ausência justificada de membro do Ministério Público em audiência criminal onde poderia ser apresentada proposta de transação penal ou suspensão processual, de iniciativa do MP, constitui motivo de adiamento, ainda mais, que o próprio Magistrado reconheceu, naquela oportunidade, "ausência justificada pelo ofício número 018/2001" e constante do termo de audiência. 2. Se não cabe correição parcial ou recurso em sentido estrito contra ato judicial que não observa prerrogativa do Ministério Público, então, a ação constitucional do mandado de segurança constitui meio idôneo.‖ (Mandado de Segurança nº 1.0000.11.024872-1/000, 6ª Câmara Criminal do TJMG, Diário da Justiça eletrônico de 13 de setembro de 2011). 220

Frise-se, é admissível a impetração contra ato comissivo ou omissivo com vício de inconstitucionalidade, mas não contra lei em tese (cf. enunciado nº 266 da Súmula do Supremo Tribunal Federal). 221

Assim: ―PROCESSUAL CIVIL – MANDADO DE SEGURANÇA – LEI EM TESE – IMPOSSIBILIDADE – DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE. Norma de caráter geral e abstrato não é atacável por Mandado de Segurança. Mandado de segurança não é meio próprio para se obter a declaração de inconstitucionalidade de lei.‖ (RMS nº 10.122/RJ, 1ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 25 de outubro de 1999, p. 47). ―PROCESSO CIVIL – MANDADO DE SEGURANÇA: IMPROPRIEDADE. 1. Não é o mandado de segurança via própria para atacar lei em tese e assim obter-se a declaração de inconstitucionalidade da mesma.‖ (RMS nº 12.883/AL, 2ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 9 de setembro de 2002, p. 180). ―2. O mandado de segurança não é via própria para atacar a lei em tese e, assim, obter-se a declaração de inconstitucionalidade da norma vergastada. 3. Aplicação da Súmula n° 266 do STF. Precedentes do STJ.‖ (RMS nº 6.181/SP, 2ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 4 de novembro de 2002, p. 175).

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na segunda hipótese, o alvo do mandado de segurança é o ato administrativo,

cuja norma geral e abstrata na qual está fundamentado pode ser declarada

inconstitucional incidenter tantum. Com efeito, é admissível a declaração da

inconstitucionalidade incidental da lei ou do ato normativo na qual reside a

sustentação jurídica do ato administrativo, com a posterior concessão da

segurança222. Daí a perfeita possibilidade de impetração de mandado de

segurança contra ato concreto ou ato omissivo fundado em lei ou ato normativo

inconstitucional. Trata-se, à evidência, de controle concreto de

constitucionalidade, o qual tem lugar quando o julgamento da causa depende

do prévio exame de compatibilidade da lei ou ato normativo à luz da

Constituição.

Além da ilegalidade, incluída a inconstitucionalidade, o mandado de

segurança também é admissível para a impugnação do ato e da omissão

contaminados por abuso de poder, como bem revela o artigo 5º, inciso LXIX,

da Constituição Federal. Há o abuso de poder quando a autoridade pública

conta com margem de discricionariedade, mas não pratica o ato dentro dos

parâmetros nos quais pode exercer o livre juízo de conveniência e

oportunidade. Há abuso de poder, por exemplo, quando o Chefe do Poder

Executivo223 recebe a lista tríplice com as indicações do tribunal e deixa

transcorrer in albis o prazo de vinte dias para a respectiva escolha prevista no

parágrafo único do artigo 94 da Constituição Federal. Não há dúvida de que o

Chefe do Executivo pode escolher qualquer um dos três nomes eleitos no

tribunal; só não pode deixar de fazê-lo (ato omissivo) ou indicar um nome que

não conste da lista (ato comissivo)224.

222

De acordo: ―RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE EM SEDE DE MANDAMUS. POSSIBILIDADE. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA LIVRE INICIATIVA E INCENTIVO À CULTURA. ARTS. 170 E 216 DA CF/88. INTERPRETAÇÃO. PROPORCIONALIDADE. OCORRÊNCIA. EXIGÊNCIA DE REGULAMENTAÇÃO. ART. 4° DA LEI Nº 2.519/96. REVOGAÇÃO. LEI ESTADUAL Nº 4.161/03. COISA JULGADA. IDENTIDADE DE AÇÕES. INEXISTÊNCIA. 1. Para apreciar o writ, o magistrado necessariamente examina o embase jurídico do ato praticado pela Administração Pública, a fim de, posteriormente, julgar a ocorrência ou não de violação do direito líquido e certo do particular. Em conseqüência, inexiste óbice para a declaração incidental de inconstitucionalidade da lei analisada, ainda que em ação mandamental. Precedentes.‖ (RMS nº 19.524/RJ, 2ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 26 de setembro de 2005, p. 272). 223

Presidente da República ou Governador de Estado, conforme o caso. 224

Exemplo de abuso de poder foi noticiado pela imprensa da Argentina, em razão da omissão do Presidente em indicar dois ministros para a Suprema Corte, a fim de dificultar a existência de maioria absoluta indispensável para eventuais julgamentos contrários aos interesses do Chefe do Poder Executivo. A hipótese, com similar no Brasil durante o período denominado República Velha, é um exemplo de abuso de poder impugnável por meio do mandado de segurança brasileiro. Eis alguns trechos que demonstram o abuso de poder: ―Al mismo tiempo, em medio de um intenso debate sobre las dos vacantes em el máximo tribunal de justicia que Néstor Kirchner se niega a cubrir, el Gobierno, al responder una presentación judicial sobre el caso, desconoció el decreto que el proprio presidente había firmado para autorregular sus facultades sobre las designaciones de los ministros de la Corte (El artículo cuarto del decreto 222 dice textualmente: „Establécese que, producida una vacante em la Corte Suprema de Justicia de la Nación, en un plazo máximo de 30 días se publicará em el Boletín Oficial y en por lo menos dos diarios de alcance nacional, durante tres días, el nombre y los antecedentes curriculares de la o las personas que se encuentren en consideración para la cobertura de la vacancia‟.)”. “El Presidente se ha negado a tratar personalmente las consecuencias de su demora em nombrar las vacantes de la Corte o en enviar um proyecto de ley al Congreso por el cual se reduce a siete el número de miembros del tribunal. Esa reticencia del mandatario es lo que sustenta la sospecha de algunos jueces de la Corte de que la estrategia del gobierno consiste, precisamente, en paralizar al tribunal sometiéndolo a mayorías

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10. PROCEDIMENTO ESPECIAL

No que tange ao procedimento, o rito do processo de mandado de

segurança é especial, marcado pela celeridade, por ser permitida apenas a

produção de prova documental.

Com efeito, ressalvada a hipótese prevista no § 1º do artigo 6º da Lei nº

12.016, de 2009, a prova documental comprobatória dos fatos deve

acompanhar a petição inicial225, o que explica a celeridade do procedimento,

especialmente se comparado o rito do mandado de segurança com o

procedimento comum do Código de Processo Civil.

Ainda a respeito da petição inicial do mandado de segurança, incidem os

artigos 39, inciso I, 258, 282 e 283, todos do Código de Processo Civil226, razão

pela qual o autor-impetrante deve declarar o endereço do respectivo advogado,

atribuir valor à causa, indicar a documentação que acompanha a exordial e

acostar os documentos desde logo.

Ainda à vista do caput do artigo 6º da Lei nº 12.016, de 2009, o autor-

impetrante também deve indicar na petição inicial tanto a autoridade coatora

quanto a pessoa jurídica da qual aquela é órgão. Por exemplo, se o mandado

de segurança tem em mira ato administrativo praticado por reitor de

universidade pública: a autoridade coatora é o reitor, a pessoa jurídica é a

Fundação Universidade Federal, e ambas devem ser identificadas na petição

inicial do writ. Além de indicar a autoridade coatora e a pessoa jurídica, o autor-

impetrante também deve requerer a notificação pessoal da primeira (autoridade

coatora) e a citação da segunda (pessoa jurídica), por intermédio do respectivo

procurador, para que possam responder em dez dias.

Na eventualidade de litisconsórcio passivo necessário entre a parte ré e

outra pessoa, o autor-impetrante também deve requerer a citação do

litisconsorte227.

Por fim, a petição inicial deve ser instruída com a guia de recolhimento

das custas iniciais, previstas nos artigos 19 e 257 do Código de Processo Civil.

11. DIREITO LÍQUIDO E CERTO

Da proibição de dilação probatória no mandado de segurança nasceu da

interpretação conferida pela jurisprudência e pela doutrina à expressão ―direito

líquido e certo‖. Tal cláusula indica que os fatos narrados na petição inicial não

podem ser duvidosos. Ademais, devem ser comprovados de plano. O que pode

muy dificiles de alcanzar: Actualmente, la Corte debe reunir cinco votos, sobre siete designados, para poder adoptar uma resolución‖. (trechos extraídos das páginas 1 e 9, da edição do Jornal La Nacion, de 8 de setembro de 2006). 225

Cf. artigo 6º, caput, da Lei nº 12.016, de 2009. 226

A propósito, o caput do artigo 6º da Lei nº 12.016 é explícito acerca da necessidade da elaboração da petição inicial à luz da legislação processual. 227

Cf. enunciado nº 631 da Súmula do Supremo Tribunal Federal.

Page 122: BERNARDO PIMENTEL SOUZA - DAS       AÇÕES CONSTITUCIONAIS

ser confusa, complexa e intrincada no mandado de segurança é a matéria de

direito, mas nunca a de fato228. A respeito da exegese da cláusula ―direito

líquido e certo‖, vale conferir o correto enunciado nº 625 da Súmula do

Supremo Tribunal Federal: ―Controvérsia sobre matéria de direito não impede a

concessão de mandado de segurança‖. Em suma, o que impede a

admissibilidade do mandado de segurança é a controvérsia sobre a matéria de

fato narrada na petição inicial. Tanto quanto sutil, a diferença é relevantíssima.

12. PRAZO DECADENCIAL

O direito ao rito especial do mandado de segurança deve ser exercido

dentro dos cento e vinte dias posteriores à data em que o prejudicado atingido

pelo ato tomou ciência do mesmo, ainda que de forma ficta, em razão da

publicação no órgão oficial. A propósito, o Plenário do Supremo Tribunal

Federal já assentou que o mandado de segurança está sujeito a prazo

decadencial, nos termos do enunciado nº 632: ―É constitucional lei que fixa o

prazo de decadência para a impetração de mandado de segurança‖.

Não obstante, o prazo decadencial não diz respeito ao eventual direito

material sustentado pelo autor-impetrante. O decurso in albis do prazo previsto

no artigo 23 da Lei nº 12.016 apenas fecha a via especial do writ. Nada

impede, no entanto, que o jurisdicionado proponha demanda sob procedimento

comum para impugnar o ato tido por coativo, à vista dos mesmos fatos e

fundamentos jurídicos229.

Na verdade, o § 6º do artigo 6º da Lei nº 12.016 autoriza até mesmo a

impetração de novo mandado de segurança dentro do prazo decadencial de

cento e vinte dias, se o respectivo processo foi extinto sem julgamento do

mérito da causa, vale dizer, sem a resolução do objeto do writ.

Por fim, é preciso examinar a problemática do prazo decadencial de cento

e vinte dias nas relações jurídicas de trato sucessivo, quando há novos atos

lesivos mês a mês. Na hipótese sub examine, o direito à impetração é

igualmente ressurge mês a mês, o que afasta a decadência prevista no artigo

23 da Lei nº 12.016, como bem revela o enunciado nº 24 da Súmula do

Tribunal de Justiça de Pernambuco: ―O direito à impetração de mandado de

segurança, cujo objeto verse sobre relação jurídica de trato sucessivo, não é

atingido pela decadência‖230. Vale ressaltar, entretanto, que o raciocínio acima

228

Assim, na jurisprudência: RMS nº 8.143/CE, 6ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 4 de agosto de 1997, p. 34.894; e MS nº 4.822/DF, 1ª Seção do STJ, Diário da Justiça de 25 de agosto de 1997: ―A condição da ação de segurança do direito líqüido e certo consiste na exigência de que a matéria fática seja incontroversa, certa, induvidosa, já que na angusta via do writ não se admite dilação probatória‖. 229

De acordo, na doutrina: ATHOS CARNEIRO. O mandado de segurança. Revista Forense, volume 316, p. 42. 230

De acordo, na jurisprudência: ―RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. PRAZO DECADENCIAL PARA IMPETRAÇÃO. INOCORÊNCIA. PRESTAÇÃO DE TRATO SUCESSIVO. PROVIMENTO DO RECURSO. O prazo de impetração do mandado de segurança é de 120 dias, contados da data da ciência do ato impugnado (art. 18 da Lei 1.533/1951). Contudo, em se tratando de prestações de trato sucessivo, o prazo renova-se a cada ato. Precedentes. Recurso a que se dá

Page 123: BERNARDO PIMENTEL SOUZA - DAS       AÇÕES CONSTITUCIONAIS

exposto não é aplicável aos casos nos quais há ato concreto específico de

autoridade pública, mas com efeitos permanentes. Se há ato lesivo pontual,

ainda que dotado de efeitos futuros, há o início da fluência o prazo decadencial

a partir da comunicação da pessoa lesada, ainda que por meio do órgão oficial.

Tanto quanto sutil, a diferença é relevantíssima231.

13. MANDADOS DE SEGURANÇA REPRESSIVO E PREVENTIVO

Além da forma tradicional de impetração repressiva, pela qual se combate

ato ou omissão já perpetrados, o mandado de segurança também pode ser

preventivo, quando impetrado com o fito de impedir a concretização de ato ou

omissão ofensivos a direito do impetrante.

Ao contrário do mandado de segurança repressivo, a impetração

preventiva exige apenas a existência de ameaça, a qual já é suficiente para a

admissibilidade do writ, em virtude da combinação dos incisos XXXV e LXIX,

ambos do artigo 5º da Constituição Federal. Não basta, entretanto, o mero

receio, o simples medo do impetrante de que o ato e a omissão sejam

perpetrados. É imprescindível que haja ameaça real e atual de o ato comissivo

ou omissivo vir a ser realizado por parte da autoridade pública ou delegada.

Por fim, o mandado de segurança preventivo não está sujeito ao prazo

decadencial previsto no artigo 23 da Lei nº 12.016, porquanto na impetração

preventiva não existe ato coator já concretizado a ser impugnado, mas apenas

indícios de que o ato será perpetrado.

14. LEGITIMIDADE ATIVA

O sujeito ativo no processo de mandado de segurança é a pessoa física

ou jurídica ameaçada ou lesada pelo ato comissivo ou omissivo, de autoria da

autoridade pública ou delegada.

À vista do § 3º do artigo 1º da Lei nº 12.016, de 2009, quando o direito

ameaçado ou violado couber a duas ou mais pessoas, cada uma tem

legitimidade ativa autônoma para, por si só, impetrar o mandado de segurança.

Por conseguinte, o segundo classificado em concurso público pode impetrar

mandado de segurança na eventualidade da nomeação antecipada do terceiro

classificado, independentemente da anuência do primeiro colocado; a inércia

do primeiro não impede que o segundo acione o mandado de segurança. Na

mesma esteira, vale conferir o exemplo extraído do preciso enunciado nº 628

provimento.‖ (RMS nº 24.736/DF, 2ª Turma do STF, Diário da Justiça de 5 de agosto de 2005, p. 119, sem o grifo no original). 231

De acordo, na jurisprudência: ―MANDADO DE SEGURANÇA. Prazo para ajuizamento. Decadência. Não consumação. Impetração contra ato concernente a vencimentos de servidor público. Prestações de trato sucessivo. Inexistência de indeferimento expresso da pretensão pela autoridade administrativa. Renovação mensal da pretensão. Preclusão afastada. Provimento ao recurso para esse fim. Precedentes. O prazo decadencial para ajuizamento de mandado de segurança renova-se mês a mês, quando o ato impugnado respeite a pagamento de prestações de trato sucessivo, sem que tenha havido indeferimento expresso da pretensão pela autoridade.‖ (RMS nº 24.250/DF, 2ª Turma do STF, Diário da Justiça Eletrônico de 4 de março de 2010, sem o grifo no original).

Page 124: BERNARDO PIMENTEL SOUZA - DAS       AÇÕES CONSTITUCIONAIS

da Súmula do Supremo Tribunal Federal: ―Integrante da lista de candidatos a

determinada vaga da composição de tribunal é parte legítima para impugnar a

validade da nomeação concorrente‖.

Se o ato, a omissão ou a ameaça atingir um grupo de pessoas, pode ser

impetrado mandado de segurança coletivo por organização sindical, entidade

de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há pelo

menos um ano, assim como por partido político com representação no

Congresso Nacional. À vista do artigo 21 da Lei nº 12.016, de 2009, o mandado

de segurança coletivo pode ser impetrado até mesmo em favor apenas de uma

parcela da coletividade. A propósito, merece ser prestigiado o enunciado nº

630 da Súmula do Supremo Tribunal Federal: ―A entidade de classe tem

legitimação para o mandado de segurança ainda quando a pretensão veiculada

interesse apenas a uma parte da respectiva categoria‖.

Ainda em relação ao sujeito ativo e ao mandado de segurança coletivo, a

organização, a entidade, a associação e o partido figuram no polo ativo da

relação processual como substitutos processuais das pessoas integrantes da

coletividade lesada ou ameaçada. Daí a justificativa para a desnecessidade de

autorização específica dos associados e filiados, dispensada por força do artigo

21 da Lei nº 12.016, de 2009. Em abono, vale conferir o preciso enunciado nº

629 da Súmula do Supremo Tribunal Federal: ―A impetração do mandado de

segurança coletivo por entidade de classe em favor dos associados independe

de autorização destes‖.

Também em consequência da substituição processual prevista no artigo

5º, inciso LXX, da Constituição Federal, o mandado de segurança coletivo pode

ser impetrado sem que a petição inicial esteja acompanhada com a relação

nominal dos substituídos, ou seja, dos associados e filiados substituídos. Sem

dúvida, como o polo ativo do mandado de segurança coletivo é ocupado pela

organização, pela entidade, pela associação ou pelo partido político, em virtude

da substituição processual, só haverá a necessidade da identificação dos

substituídos no momento do cumprimento da decisão concessiva da

segurança. Só então, após a concessão da segurança, pode ser necessária a

apresentação da relação nominal dos associados e filiados, a fim de que a

ordem concedida seja efetivamente cumprida.

Por fim, vale ressaltar a construção jurisprudencial em prol da legitimidade

ativa dos denominados ―órgãos públicos despersonalizados‖, com o

reconhecimento da admissibilidade de mandado de segurança impetrado para

a proteção específica das atribuições e dos direitos institucionais232.

232

Assim, na jurisprudência: ―Mandado de segurança impetrado pela Presidência do Tribunal de Contas contra atos do Governador e da Assembléia Legislativa, ditos ofensivos da competência daquele Tribunal. Legitimidade ativa. Órgão público despersonalizado e parte formal. Defesa do exercício da função constitucionalmente deferida ao Tribunal de Contas. Poder jurídico, abrangido no conceito de direito público subjetivo. Mandado de Segurança cabível.‖ (RE nº 74.836/CE, Pleno do STF, Diário da Justiça de 7 de junho de 1973). ―I – A legitimidade do Ministério Público para interpor mandado de segurança na qualidade de órgão público despersonalizado, deve ser restrito à defesa de sua atuação funcional e de

Page 125: BERNARDO PIMENTEL SOUZA - DAS       AÇÕES CONSTITUCIONAIS

15. AUTORIDADE COATORA

A petição inicial do mandado de segurança deve conter a indicação da

autoridade coatora com precisão, tendo em vista o disposto no caput do artigo

6º da Lei nº 12.016, de 2009. Aliás, o veto presidencial ao § 4º do artigo 6º da

Lei nº 12.016 reforça a ideia de que a petição inicial deve conter precisa

indicação da autoridade coatora, sob pena até mesmo de indeferimento liminar

da petição inicial do mandado de segurança.

À vista § 3º do artigo 6º da Lei nº 12.016, de 2009, autoridade coatora é a

autoridade pública – ou o particular que exerce atribuição pública – que tenha

praticado o ato impugnado ou da qual emane a ordem para a efetivação.

A correta indicação da autoridade coatora é essencial para a fixação do

órgão judiciário com competência para processar e julgar o mandado de

segurança233. Por conseguinte, o erro na indicação da autoridade coatora pode

ocasionar a incompetência absoluta do juízo ou tribunal, conforme o caso.

Resta saber se o erro na indicação da autoridade coatora implica extinção

do processo de mandado de segurança, com o indeferimento liminar da

respectiva petição inicial. Trata-se de vexata quaestio, conforme se infere da

vacilação da jurisprudência dos tribunais pátrios. Em 2003, por exemplo, o

Conselho Especial do Tribunal de Justiça do Distrito Federal chegou a aprovar

o enunciado nº 21, com a determinação de extinção do processo, in verbis: ―A

indicação errônea da autoridade coatora importa na extinção do processo‖. Não

obstante, em 2005, o enunciado sumular nº 21 foi cancelado pelo mesmo

Conselho Especial do Tribunal de Justiça do Distrito Federal. Em 2004, o

Plenário do Tribunal de Justiça do Ceará aprovou o enunciado sumular nº 19,

com a consagração da orientação jurisprudencial em prol da extinção do

processo de mandado de segurança, nos seguintes termos: ―Extingue-se o

mandado de segurança, sem julgamento do mérito, quanto o ato tido por ilegal

ou abusivo não tenha sido praticado pela autoridade coatora apontada na

petição inicial‖. Mais recentemente, o Tribunal de Justiça do Paraná também

assentou orientação jurisprudencial acerca da questão, conforme dispõe o

preciso enunciado nº 25, in verbis: "A indicação errônea da autoridade coatora

não conduz à extinção do mandado de segurança por ilegitimidade passiva ad

causam, devendo ser possibilitada a emenda da petição inicial em prestígio ao

princípio da instrumentalidade das formas; ocorrendo a correção e surgindo a

incompetência absoluta os autos deverão ser remetidos ao órgão julgador

competente". É a opinião também sustentada no presente ensaio, em

homenagem aos artigos 113, § 2º, e 284, caput, ambos do Código de Processo

Civil, igualmente aplicáveis ao processo de mandado de segurança.

suas atribuições institucionais. Precedentes.‖ (MS nº 30.717/DF – AgRg, 2ª Turma do STF, Diário da Justiça Eletrônico de 10 de outubro de 2011). 233

De acordo, na jurisprudência: ―1. A competência para processar e julgar mandado de segurança é determinada pela natureza e hierarquia funcional da autoridade coatora.‖ (MS nº 15.774/DF – AGrG, 1ª Seção do STJ, Diário da Justiça Eletrônico de 7 de abril de 2011).

Page 126: BERNARDO PIMENTEL SOUZA - DAS       AÇÕES CONSTITUCIONAIS

Ainda em relação à autoridade coatora indicada pelo autor-impetrante na

petição inicial, o juiz deve determinar a expedição de notificação acompanhada

da segunda via daquela (petição inicial) e dos respectivos documentos, para a

prestação de informações, no prazo de dez dias234. Ainda que a autoridade não

preste as informações requisitadas pelo juiz, não há confissão ficta, não há

presunção da veracidade dos fatos veiculados na petição inicial, porquanto o

ônus processual de comprovar os fatos narrados mediante documentos é do

autor-impetrante235. Em outros termos, a regra estampada no artigo 319 do

Código de Processo Civil não é aplicável ao processo de mandado de

segurança.

16. LEGITIMIDADE PASSIVA

A parte passiva no processo de mandado de segurança é a pessoa

jurídica da qual a autoridade coatora é órgão. Em abono, vale conferir o preciso

enunciado nº 114 da Súmula do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro:

―Legitimado passivo do mandado de segurança é o ente público a que está

vinculada a autoridade coatora‖. Nem poderia ser diferente, já que é a pessoa

jurídica quem sofre as consequências jurídicas da sucumbência no mandado

de segurança, da coisa julgada, da litispendência, e não a autoridade coatora.

Ademais, simples órgão de pessoa jurídica não pode ser parte, porquanto não

é dotado de personalidade jurídica.

Por ser a parte passiva no processo de mandado de segurança, a pessoa

jurídica deve ser indicada na petição inicial, tal como a autoridade coatora, em

cumprimento ao artigo 6º da Lei nº 12.016, de 2009: ―Art. 6º A petição inicial,

que deverá preencher os requisitos estabelecidos pela lei processual, será

apresentada em duas vias com os documentos que instruírem a primeira

reproduzidos na segunda e indicará, além da autoridade coatora, a pessoa

jurídica que esta integra, à qual se acha vinculada ou da qual exerce

atribuições‖.

Fixada a premissa de que o polo passivo da relação jurídica processual é

ocupado pela pessoa jurídica da qual a autoridade coatora é órgão, resta saber

quem pode recorrer da decisão judicial concessiva do provimento liminar e da

sentença concessiva da segurança: a pessoa jurídica, a autoridade coatora ou

ambas?

Em primeiro lugar, a pessoa jurídica tem legitimidade para recorrer na

qualidade de parte. Com efeito, a legitimidade para recorrer em mandado de

segurança é da pessoa jurídica, parte passiva no processo.

234

Cf. artigo 7°, inciso I, da Lei n° 12.016, de 2009. 235

De acordo, na jurisprudência: ―- Em se tratando de mandado de segurança, não há sequer que pretender-se a ocorrência de confissão ficta por falta de contestação, dada a intempestividade das informações. Com efeito, em mandado de segurança quem tem de fazer prova da liquidez e certeza do direito, mediante prova documental pré-constituída, é o impetrante, o que afasta, conseqüentemente, a aplicação da confissão ficta por não contestação se aquela prova, cujo ônus é do impetrante, não for feita.‖ (RMS n° 21.300/DF, 1ª Turma do STF, Diário da Justiça de 14 de agosto de 1992, p. 12.225).

Page 127: BERNARDO PIMENTEL SOUZA - DAS       AÇÕES CONSTITUCIONAIS

À vista do § 2º do artigo 14 da Lei nº 12.016, de 2009, a autoridade

coatora também tem legitimidade recursal, de natureza extraordinária: ―§ 2º

Estende-se à autoridade coatora o direito de recorrer‖.

Por fim, a pessoa física cujo ato ou omissão foi alvo da impetração

também pode interpor recurso em nome próprio, na qualidade de terceiro

prejudicado, com fundamento no artigo 499, § 1º, do Código de Processo Civil.

O interesse jurídico que permite a interposição de recurso está

consubstanciado na possibilidade de a pessoa física poder ser acionada de

forma regressiva, nos termos do § 6º do artigo 37 da Constituição Federal236.

17. LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO

Na eventualidade de litisconsórcio passivo necessário entre a pessoa

jurídica da qual a autoridade coatora é órgão e outra pessoa, o autor-

impetrante também deve requerer a citação do litisconsorte desde logo, na

própria petição inicial. É o que se dá, por exemplo, na hipótese objeto do

enunciado nº 701 da Súmula do Supremo Tribunal Federal: ―No mandado de

segurança impetrado pelo Ministério Público contra decisão proferida em

processo penal, é obrigatória a citação do réu como litisconsorte passivo‖.

Se não o fizer, incide o parágrafo único do artigo 47 do Código de

Processo Civil, razão pela qual o advogado do autor-impetrante deve ser

intimado, a fim de que promova a citação, isto é, requeira especificamente a

citação do litisconsorte, com a qualificação do mesmo e o fornecimento do

respectivo endereço, além do recolhimento das eventuais custas processuais

da citação.

Se o autor-impetrante não cumprir o disposto no parágrafo único do artigo

47 do Código de Processo Civil, a petição inicial do mandado de segurança

deve ser indeferida, com a extinção do processo. Assim dispõe o enunciado nº

631 da Súmula do Supremo Tribunal Federal: ―Extingue-se o processo de

mandado de segurança se o impetrante não promove, no prazo assinado, a

citação do litisconsorte passivo necessário‖237.

18. COMPETÊNCIA

A competência do juízo ou tribunal para o processamento e o julgamento

do mandado de segurança está diretamente relacionada à autoridade coatora,

consoante o disposto nos artigos 102, inciso I, alínea ―d‖, 105, inciso I, letra ―b‖,

108, inciso I, alínea ―c‖, todos da Constituição Federal. Por conseguinte, o

236

É o didático exemplo indicado pelo Professor EDUARDO RIBEIRO (Recursos em mandado de segurança. 1990, p. 290) e pelo Professor SÉRGIO FERRAZ (Mandado de segurança. 3ª ed., p. 186). 237

Vale ressaltar que o enunciado sumular nº 631 consagra o disposto no enunciado nº 145 da Súmula do antigo Tribunal Federal de Recursos: ―Extingue-se o processo de mandado de segurança, se o autor não promover, no prazo assinado, a citação do litisconsorte necessário‖.

Page 128: BERNARDO PIMENTEL SOUZA - DAS       AÇÕES CONSTITUCIONAIS

mandado de segurança pode ser da competência originária de tribunal238, mas

também pode ser da competência de juízo de primeiro grau239, tudo à vista da

autoridade coatora indicada na petição inicial.

A competência é originária do Supremo Tribunal Federal quando a

impetração tem como alvo ato ou omissão do Presidente da República, da

Mesa do Senado Federal, da Mesa da Câmara dos Deputados Federais, do

Procurador-Geral da República, do Tribunal de Contas da União e do próprio

Supremo Tribunal Federal. Com efeito, nas hipóteses previstas no artigo 102,

inciso I, letra ―d‖, da Constituição Federal, o mandado de segurança deve ser

impetrado desde logo no Supremo Tribunal Federal, como bem exemplifica o

enunciado nº 248 da Súmula da Corte Suprema: ―É competente,

originariamente, o Supremo Tribunal Federal, para mandado de segurança

contra ato do Tribunal de Contas da União‖. Em contraposição, não compete

ao Supremo Tribunal Federal processar nem julgar os mandados de segurança

contra atos unipessoais e coletivos de outros tribunais, ainda que judiciários.

Trata-se de orientação jurisprudencial clássica, conforme revela o enunciado nº

330 da Súmula da Corte Suprema: ―O Supremo Tribunal Federal não é

competente para conhecer de mandado de segurança contra atos dos

Tribunais de Justiça dos Estados‖. Reforça o enunciado nº 624: ―Não compete

ao Supremo Tribunal Federal conhecer originariamente de mandado de

segurança contra atos de outros tribunais‖.

À luz do artigo 105, inciso I, alínea ―b‖, da Constituição Federal, compete

ao Superior Tribunal de Justiça processar e julgar os mandados de segurança

contra ato e omissão de Ministro de Estado, dos Comandantes da Marinha, do

Exército e da Aeronáutica, bem assim do próprio Superior Tribunal de Justiça.

Por conseguinte, não compete ao Superior Tribunal de Justiça julgar mandado

de segurança contra ato unipessoal ou colegiado proveniente de tribunal local,

de tribunal regional federal ou de outro tribunal. Sem dúvida, à vista do artigo

105, inciso I, letra ―b‖, da Constituição Federal, o Superior Tribunal de Justiça

tem competência para processar e julgar originariamente mandado de

segurança contra ato do ―próprio Tribunal‖; quanto aos demais tribunais, o writ

refoge à competência da Corte, como bem revela o enunciado nº 41: ―O

Superior Tribunal de Justiça não tem competência para processar e julgar,

originariamente, mandado de segurança contra ato de outros tribunais ou dos

respectivos órgãos‖.

No que tange aos Tribunais Regionais Federais e aos Tribunais de

Justiça, incidem os artigos 108, inciso I, letra ―c‖, e 125, caput, ambos da

Constituição Federal. No que tange à alínea ―c‖ do inciso I do artigo 108, o

238

A propósito do mandado de segurança de competência originária de tribunal, vale conferir o artigo 16 da Lei nº 12.016, de 2009: ―Art. 16 Nos casos de competência originária dos tribunais, caberá ao relator a instrução do processo, sendo assegurada a defesa oral na sessão de julgamento‖. 239

Cf. artigo 109, inciso VIII, da Constituição Federal. A propósito do mandado de segurança de competência de juiz de primeiro grau, vale conferir os artigos 7º, 10, 12 e 13, todos da Lei nº 12.016, de 2009

Page 129: BERNARDO PIMENTEL SOUZA - DAS       AÇÕES CONSTITUCIONAIS

preceito versa sobre a competência originária dos Tribunais Regionais Federais

para o processamento e o julgamento dos mandados de segurança contra atos

do próprio tribunal e dos juízes federais de primeiro grau. Igual raciocínio

alcança os Tribunais de Justiça, por força do princípio da simetria consagrado

no caput do artigo 125 da Constituição Federal. Sem dúvida, os Tribunais de

Justiça têm competência originária para o processamento e o julgamento dos

mandados de segurança impetrados contra atos do próprio tribunal e dos juízes

de direito, além de outras competências previstas na respectiva Constituição do

Estado240.

Por fim, há a competência dos juízes de primeiro grau. Como a fixação da

competência deve ser aferida à luz da autoridade coatora, é preciso examinar

se o ato impugnado foi praticado por autoridade federal, estadual, distrital ou

municipal. À vista do artigo 2º da Lei nº 12.016, de 2009, considerar-se-á

federal a autoridade coatora se as consequências patrimoniais provenientes do

ato impugnado ―houverem de ser suportadas pela União ou entidade por ela

controlada‖. Mutatis mutandis, igual raciocínio deve ser empregado para a

identificação das autoridades estaduais, distritais e municipais. Identificada a

autoridade coatora, a competência é revelada: se a autoridade for federal, a

competência é de juiz federal de primeiro grau, à vista do artigo 109, inciso VIII,

da Constituição Federal241; se a autoridade for distrital, a competência é de juiz

de direito do Distrito Federal; e se a autoridade for estadual ou municipal, a

competência é de juiz de direito do respectivo Estado-membro, conforme o

caso.

19. PETIÇÃO INICIAL

A petição inicial deve ser elaborada à luz dos artigos 282 e 283 do Código

de Processo Civil, aplicáveis ao mandado de segurança por força do artigo 6º

da Lei nº 12.016, de 2009. Por conseguinte, a petição inicial do mandado de

segurança deve conter a indicação do valor da causa, bem como deve estar

instruída com toda a documentação disponível no momento da impetração.

À vista do artigo 6º da Lei nº 12.016, de 2009, a petição inicial deve conter

a precisa indicação da autoridade coatora e também da pessoa jurídica que

ocupa o polo passivo da relação processual. O autor-impetrante deve, ainda,

requerer a notificação da autoridade coatora e também do representante

judicial da pessoa jurídica. Sem dúvida, a interpretação sistemática dos artigos

6º, caput, 7º e 11, todos da Lei nº 12.016, de 2009, revela que devem ser

240

À vista do artigo 106, inciso I, alínea ―c‖, da Constituição do Estado de Minas Gerais, por exemplo, compete ao Tribunal de Justiça processar e julgar originariamente os mandados de segurança impetrados contra atos do Governador do Estado, dos Secretários de Estado, do Procurador-Geral de Justiça, do Advogado-Geral do Estado, do próprio Tribunal de Justiça e dos Juízes de Direito, da Presidência e da Mesa Diretora da Assembleia Legislativa, da Presidência do Tribunal de Contas do Estado e, no caso de perda de mandato de Prefeito, da Presidência e das Comissões das Câmaras Municipais. 241

―Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar: omissis; VIII – os mandados de segurança e os habeas data contra ato de autoridade federal, excetuados os casos de competência dos tribunais federais;‖.

Page 130: BERNARDO PIMENTEL SOUZA - DAS       AÇÕES CONSTITUCIONAIS

―feitas as notificações‖ da autoridade coatora e do representante judicial da

pessoa jurídica que ocupa o polo passivo. A autoridade coatora é notificada

para prestar informações no prazo de dez dias242. Já o representante judicial da

pessoa jurídica é notificado para que também possa responder à impetração243.

Ainda a respeito da petição inicial, o autor-impetrante também pode

requerer a prolação de provimento jurisdicional liminar, para ―que se suspenda

o ato que deu motivo‖ à impetração. Se a competência para processar e julgar

o mandado de segurança for de juízo de primeiro grau, o juiz profere decisão

interlocutória, passível de agravo de instrumento, em dez dias, nos termos do

artigo 7º, § 1º, da Lei nº 12.016, de 2009, combinado com o artigo 522 do

Código de Processo Civil. Se a competência for de tribunal, o relator profere

decisão monocrática, passível de agravo interno ou regimental, em cinco dias,

nos termos do artigo 16, caput e parágrafo único, combinado com o artigo 39

da Lei nº 8.038, de 1990.

20. CONTROLE DA ADMISSIBILIDADE DA PETIÇÃO INICIAL

Distribuída a petição inicial, cabe ao juiz efetuar o controle da

admissibilidade da mesma, à vista dos pressupostos processuais, das

condições da ação do mandado de segurança e do prazo decadencial para a

impetração.

Na eventualidade de carência da ação ou de decadência, por exemplo, a

petição inicial do mandado de segurança deve ser indeferida liminarmente, por

meio de sentença, contra a qual, entretanto, cabe recurso de apelação, em

quinze dias, por parte do autor-impetrante. Igual juízo de admissibilidade da

petição inicial deve ser proferido pelo relator no tribunal, no caso de mandado

de segurança de competência originária, com a prolação de decisão

monocrática, contra a qual cabe recurso de agravo interno ou regimental, no

prazo de cinco dias, para o colegiado competente previsto no regimento interno

do tribunal: câmara, grupo de câmaras, seção, órgão especial ou plenário.

Em contraposição, se a petição inicial estiver ―em termos‖, vale dizer,

apta, o juiz admite o mandado de segurança e determina o processamento do

mesmo, nos termos do artigo 7º da Lei nº 12.016, de 2009. Na mesma

oportunidade, o juiz deve apreciar o eventual pedido de concessão provisória

da segurança liminar, por meio de decisão interlocutória. Igual competência

cabe ao relator, por meio de decisão monocrática, no caso de mandado de

segurança originário de tribunal.

Resta saber se o juiz de primeiro grau e o relator no tribunal podem

evocar o artigo 284 do Código de Processo Civil na eventualidade de a petição

inicial do mandado de segurança apresentar defeito sanável, como, por

242

Cf. artigo 7º, inciso I, da Lei nº 12.016, de 2009. 243

Cf. artigo 7º, inciso II, da Lei nº 12.016, de 2009.

Page 131: BERNARDO PIMENTEL SOUZA - DAS       AÇÕES CONSTITUCIONAIS

exemplo, a ausência de indicação do valor da causa ou a falta de juntada de

documento indispensável.

Trata-se de vexata quaestio. O Tribunal Superior do Trabalho decidiu de

forma negativa ao aprovar o enunciado sumular nº 415, contra a aplicação do

artigo 284 do Código de Processo Civil ao mandado de segurança, in verbis:

―Exigindo o mandado de segurança prova documental pré-constituída,

inaplicável se torna o art. 284 do CPC, quando verificada, na petição inicial do

mandamus, a ausência de documento indispensável ou de sua autenticação‖.

Em contraposição, o Tribunal de Justiça do Paraná aprovou o enunciado nº 25,

calcado na incidência do artigo 284 ao processo de mandado de segurança: "A

indicação errônea da autoridade coatora não conduz à extinção do mandado

de segurança por ilegitimidade passiva ad causam, devendo ser possibilitada a

emenda da petição inicial em prestígio ao princípio da instrumentalidade das

formas; ocorrendo a correção e surgindo a incompetência absoluta os autos

deverão ser remetidos ao órgão julgador competente".

Expostas as duas correntes jurisprudenciais antagônicas, prestigia-se a

interpretação consagrada no enunciado nº 25 aprovado no Tribunal de Justiça

do Paraná, em prol da aplicabilidade do artigo 284 do Código de Processo Civil

também em relação ao processo de mandado de segurança.

21. DECISÃO INTERLOCUTÓRIA PROFERIDA IN LIMINE LITIS POR

JUIZ DE PRIMEIRO GRAU

À vista do artigo 7º, § 1º, da Lei nº 12.016, de 2009, cabe recurso de

agravo de instrumento contra decisão interlocutória prolatada por juiz de

primeiro grau em processo de mandado de segurança. Pouco importa se a

decisão proferida in limine litis foi concessiva ou denegatória: ambas são

passíveis de impugnação mediante agravo de instrumento244, como bem

assentou o antigo Primeiro Tribunal de Alçada Civil de São Paulo, nos termos

244

Assim, com maior autoridade: ARNALDO ESTEVES LIMA. Agravo e suspensão de liminar ou de sentença. IV; BARBOSA MOREIRA. Mandado de segurança. 1996, p. 85; e Recorribilidade. p. 215; EDUARDO RIBEIRO. Recursos em mandado de segurança. 1989, p. 283, 284 e 287; HELY LOPES MEIRELLES. Mandado de segurança. 16ª ed., 1995, p. 73 e 82; e NERY JUNIOR. Princípios fundamentais. 5ª ed., 2000, p. 250. Ainda no mesmo sentido do texto, na jurisprudência: RMS nº 8.516/RS, 2ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 8 de setembro de 1997, p. 42.435; e REsp nº 139.276/ES, 1ª Turma do STJ, julgado em 5 de abril de 2001, noticiado no Informativo de jurisprudência STJ, nº 91: ―É cabível o agravo de instrumento em mandado de segurança, certo que as normas do CPC aplicam-se a todas as ações, inclusive às de ritos especiais, salvo quando elas tiverem específicas regras contrários, hipótese inocorrente‖. Por oportuno, confira-se a didática ementa de outro precedente: ―PROCESSO CIVIL – MANDADO DE SEGURANÇA – LIMINAR: ATAQUE VIA AGRAVO DE INSTRUMENTO – LEGITIMIDADE PARA RECORRER. Superada a posição jurisprudencial que, ortodoxamente, rejeita recurso contra decisão concessiva, só atacável via suspensão de segurança. A liminar, negando ou concedendo a antecipação é decisão interlocutória que desafia agravo de instrumento.‖ (REsp nº 264.555, 2ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 19 de fevereiro de 2001, p. 159). Na mesma linha: ―1. Esta Corte adota entendimento majoritário no sentido de admitir a interposição de agravo de instrumento contra decisão de magistrado de primeira instância que indefere ou concede liminar em mandado de segurança.‖ (REsp nº 714.215/MG, 2ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 3 de outubro de 2005, p. 214). Por fim, vale a pena conferir a conclusão do eminente Ministro EDUARDO RIBEIRO: ―Concluo tendo como certo que é possível o uso do agravo de instrumento para impugnar a decisão que conceda ou negue a liminar‖ (p. 287).

Page 132: BERNARDO PIMENTEL SOUZA - DAS       AÇÕES CONSTITUCIONAIS

do enunciado nº 48, in verbis: ―Das decisões interlocutórias proferidas em

mandado de segurança caberá agravo de instrumento‖245.

22. MINISTÉRIO PÚBLICO

À vista do artigo 12 da Lei nº 12.016, de 2009, findo o prazo de dez dias

referente às informações, o representante do Ministério Público deve ser

intimado pessoalmente, quando terá oportunidade de apresentar o respectivo

parecer, também em dez dias.

23. SENTENÇA

Decorrido o prazo de dez dias, com ou sem parecer do Ministério Público,

os autos são conclusos ao juiz de primeiro grau, para a prolação da sentença

monocrática.

Concessiva ou denegatória, da sentença cabe apelação, no prazo de

quinze dias. Sem prejuízo da recorribilidade, a sentença concessiva também

está sujeita ao reexame necessário, razão pela qual o juiz deve determinar a

remessa dos autos ao tribunal competente, com ou sem interposição de

apelação246.

Vale ressaltar, por oportuno, que a prolação de sentença e a

recorribilidade mediante recurso de apelação só têm lugar em processo de

mandado de segurança de competência de juízo de primeiro grau de jurisdição.

No que tange aos mandados de segurança de competências originárias de

tribunais, tanto os julgamentos quanto os recursos cabíveis são outros247.

24. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS: IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA

Na vigência da antiga Lei nº 1.533, de 1951, surgiu séria controvérsia

acerca da possibilidade jurídica de condenação da parte vencida no mandado

de segurança ao pagamento de honorários advocatícios.

Com efeito, a vexata quaestio foi suscitada e julgada pelo Supremo

Tribunal Federal nos anos de 1968 e 1969, tendo em vista a discussão acerca

da aplicação subsidiária do artigo 64 do Código de Processo Civil de 1939, com

a redação conferida pela Lei nº 4.632, de 1965, in verbis: ―A sentença final na

causa condenará a parte vencida ao pagamento de honorários do advogado da

parte vencedora, observado, no que fôr aplicável, o disposto no art. 55‖.

245

Uniformização de jurisprudência nº 1.148.413-4/01, Órgão Especial, Diário da Justiça de 4 de julho de 2003. No mesmo sentido: EREsp nº 471.513/MG, Corte Especial do STJ, Diário da Justiça de 7 de agosto de 2006: ―A decisão liminar em mandado de segurança é de natureza interlocutória. O seu indeferimento acarreta evidente gravame ao impetrante, da mesma forma que a sua concessão gera gravame para a pessoa jurídica a que está vinculada a autoridade indicada como coatora. Assim, há a possibilidade de interposição de agravo de instrumento, ainda que não exista previsão expressa na Lei do Mandado de Segurança‖. 246

Cf. artigo 14 da Lei nº 12.016, de 2009. 247

Cf. tópicos 26, 27 e 28 do presente capítulo.

Page 133: BERNARDO PIMENTEL SOUZA - DAS       AÇÕES CONSTITUCIONAIS

Após quatro julgamentos248 contrários à aplicação do artigo 64 do Código

anterior ao processo de mandado de segurança, o Plenário da Corte Suprema

aprovou o enunciado nº 512, nos seguintes termos: ―Não cabe condenação em

honorários de advogado na ação de mandado de segurança‖.

Não obstante, a aprovação do enunciado nº 512 não pacificou a

divergência, a qual foi ressuscita em 1994, perante o Superior Tribunal de

Justiça, com fundamento no artigo 20 do Código de Processo Civil de 1973.

Na esteira do Supremo Tribunal Federal, entretanto, a Corte Especial do

Superior Tribunal de Justiça prestigiou o enunciado nº 512, com a aprovação

do enunciado nº 105, in verbis: ―Na ação de mandado de segurança não se

admite condenação em honorários advocatícios‖.

À vista dos dois verbetes sumulares contrários à condenação da parte

vencida ao pagamento de honorários advocatícios, o legislador consagrou a

orientação jurisprudencial no artigo 25 da Lei nº 12.016, de 2009: ―Art. 25. Não

cabem, no processo de mandado de segurança, a interposição de embargos

infringentes e a condenação ao pagamento dos honorários advocatícios, sem

prejuízo da aplicação de sanções no caso de litigância de má-fé‖.

Por tudo, não há possibilidade jurídica de condenação em verba honorária

em processo de mandado de segurança, independentemente de a sentença ter

sido concessiva ou denegatória, sem prejuízo, entretanto, da condenação ao

pagamento das custas processuais e das eventuais multas por litigância de

má-fé.

25. COISA JULGADA EM PROCESSO DE MANDADO DE SEGURANÇA

25.1. COISA JULGADA EM PROCESSO DE MANDADO DE

SEGURANÇA INDIVIDUAL

Como as sentenças em geral, os julgamentos de mérito proferidos em

processos de mandado de segurança também adquirem a auctoritas rei

iudicatae e são passíveis de impugnação mediante ação rescisória.

Em contraposição, os julgamentos apenas terminativos (ou processuais)

não produzem coisa julgada. Daí a possibilidade jurídica de nova impetração

dentro do prazo decadencial de cento e vinte dias, como autoriza o § 6º do

artigo 6º da Lei nº 12.016, de 2009, além da possibilidade da propositura de

demanda sob procedimento comum, com fundamento no artigo 19 da Lei nº

12.016, de 2009: ―Art. 19. A sentença ou o acórdão que denegar mandado de

segurança, sem decidir o mérito, não impedirá que o requerente, por ação

própria, pleiteie os seus direitos e os respectivos efeitos patrimoniais‖.

248

Cf. RE nº 61.097, MS nº 19.071, RE nº 66.843 e RE nº 65.572.

Page 134: BERNARDO PIMENTEL SOUZA - DAS       AÇÕES CONSTITUCIONAIS

Sem dúvida, na esteira do enunciado nº 304 da Súmula do Supremo

Tribunal Federal249, o artigo 19 da Lei nº 12.016 dispõe – com melhor

redação250 – sobre a possibilidade jurídica da propositura de demanda sob

procedimento comum, caso o julgamento proferido no processo de mandado

de segurança não tenha versado sobre o mérito da causa. Se o fez, o decisum

— concessivo ou denegatório da ordem — fica protegido pelo manto da coisa

julgada após o decurso in albis do prazo recursal e só pode ser desconstituído

por meio de ação rescisória.

25.2. COISA JULGADA EM PROCESSO DE MANDADO DE

SEGURANÇA COLETIVO

No que tange aos processos de mandado de segurança coletivo

impetrado com fundamento no artigo 5º, inciso LXX, da Constituição Federal, e

nos artigos 21 e 22 da Lei nº 12.016, de 2009, referentes a direitos difusos251,

coletivos252 ou homogêneos253, prevalece a interpretação segundo a qual todas

as sentenças de mérito (tanto as concessivas quanto as denegatórias254)

alcançam os indivíduos substituídos, desde que formulem requerimento de

desistência255 nos respectivos processos individuais no prazo de trinta dias a

partir da eventual intimação realizada no processo de mandado de segurança

coletivo.

26. EMBARGOS INFRINGENTES E APELAÇÃO EM MANDADO DE

SEGURANÇA

Durante muitos anos houve séria divergência quanto ao cabimento de

embargos infringentes contra acórdão proferido por maioria de votos em

249

―Decisão denegatória de mandado de segurança, não fazendo coisa julgada contra o impetrante, não impede o uso da ação própria‖. 250

A redação do artigo 19 da Lei nº 12.016 é muito superior ao texto do enunciado nº 304, aprovado pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal em 1963. O preceito legal revela, à evidência, o que está implícito no enunciado sumular: só há possibilidade jurídica de nova demanda sob procedimento comum se o julgamento proferido no processo não versou sobre o mérito do mandado de segurança. Daí o elogio ao legislador de 2009, pela clareza do teor do artigo 19 da Lei nº 12.016. 251

Difusos são os direitos e os interesses indivisíveis e de pessoas indeterminadas. 252

Coletivos são os direitos e os interesses indivisíveis de pessoas indeterminadas, mas que são passíveis de identificação. 253

Homogêneos são os direitos e interesses individuais divisíveis de várias pessoas determinadas. É a homogeneidade dos direitos e interesses comuns de muitos indivíduos que explica a admissibilidade do mandado de segurança coletivo. 254

―2. A incompatibilidade do regime de substituição processual de pessoa de direito público por entidade privada se mostra particularmente evidente no atual regime do mandado de segurança coletivo, previsto nos artigos 21 e 22 da Lei 12.016/09, que prevê um sistema automático de vinculação tácita dos substituídos processuais ao processo coletivo, podendo sujeitá-los inclusive aos efeitos de coisa julgada material em caso de denegação da ordem.‖ (RMS nº 34.270/MG, 1ª Turma do STJ, Diário da Justiça eletrônico de 28 de outubro de 2011, sem o grifo no original). 255

Desistência, e não de simples suspensão, como prevê o artigo 104 do Código do Consumidor, regra aplicável aos processos coletivos em geral, mas não ao mandado de segurança coletivo, regido por norma especial (artigo 22 da Lei nº 12.016, de 2009) que prevalece em relação à regra geral.

Page 135: BERNARDO PIMENTEL SOUZA - DAS       AÇÕES CONSTITUCIONAIS

julgamento de apelação interposta contra sentença prolatada em ação de

mandado de segurança da competência de juiz de primeiro grau256.

Após sucessivos julgamentos, todavia, os tribunais assentaram que não

há lugar para embargos infringentes de acórdão proferido em apelação

interposta de sentença prolatada em ação de mandado de segurança, ainda

que o julgamento da apelação tenha sido tomado por maioria de votos. A

propósito, vale conferir o enunciado nº 597 da Súmula do Supremo Tribunal

Federal, in verbis: ―Não cabem embargos infringentes de acórdão que, em

mandado de segurança, decidiu, por maioria de votos, a apelação‖.

Na esteira do enunciado nº 597 da Súmula do Supremo Tribunal Federal,

o artigo 25 da Lei nº 12.016, de 2009, proibiu a interposição do recurso de

embargos infringentes nos processos de mandado de segurança em geral,

tanto os de competência originária dos tribunais quanto os que chegam aos

mesmos em grau de apelação, com julgamento por maioria de votos.

Sem dúvida, à vista da literalidade do artigo 25 da Lei nº 12.016, de 2009,

preceito que ratificou a tese consagrada no enunciado nº 597 da Súmula do

Supremo Tribunal Federal, não há mais lugar para discussão: não cabem

embargos infringentes contra acórdão majoritário proferido em grau de

apelação proveniente de sentença prolatada em ação de mandado de

segurança. Enfim, não há lugar para embargos infringentes em nenhuma

hipótese de julgamento de mandado de segurança, seja originário, seja em

grau de recurso.

27. AGRAVO INTERNO E DECISÃO MONOCRÁTICA DENEGATÓRIA

OU CONCESSIVA DE PROVIMENTO LIMINAR EM AÇÃO ORIGINÁRIA DE

MANDADO DE SEGURANÇA

Antes do advento da Lei nº 12.016, de 2009, também prevalecia a

orientação jurisprudencial contrária ao cabimento de agravo interno ou

regimental contra decisão monocrática referente ao provimento liminar em

mandado de segurança de competência originária de tribunal. Foi o que

assentou o Supremo Tribunal Federal, cujo Plenário aprovou o enunciado nº

622: ―Não cabe Agravo Regimental contra decisão de relator que concede ou

indefere liminar em Mandado de Segurança‖.

Não obstante, com a superveniência da Lei nº 12.016, de 2009, cujo

artigo 16 é explícito acerca do cabimento de agravo interno ou regimental

contra decisão monocrática concessiva ou denegatória, não há mais dúvida

acerca da adequação do agravo em ambas das hipóteses. Por conseguinte, o

enunciado nº 622 não subsistiu ao advento da Lei nº 12.016, de 2009, em

256

A favor do cabimento do recurso, vale lembrar a conclusão nº 43 do Simpósio de Curitiba, de 1975: ―Cabem embargos infringentes do acórdão, não unânime, que julga apelação em processo de mandado de segurança.‖ (Revista Forense, volume 252, p. 26). Foi a opinião também defendida pelo autor do presente compêndio até o advento da Lei nº 12.016, de 2009, cujo artigo 25 vedou a interposição dos embargos infringentes e pôs fim à discussão.

Page 136: BERNARDO PIMENTEL SOUZA - DAS       AÇÕES CONSTITUCIONAIS

especial do respectivo parágrafo único do artigo 16, in verbis: ―Da decisão do

relator que conceder ou denegar a medida liminar caberá agravo ao órgão

competente do tribunal que integre‖.

Como já anotado, trata-se do agravo interno ou regimental cabível contra

decisão monocrática, cujo prazo de interposição é de cinco dias, ex vi do artigo

39 da Lei nº 8.038, de 1990. Sem dúvida, o agravo previsto no artigo 16 da Lei

nº 12.016 segue o disposto no artigo 39 da Lei nº 8.038, e não o artigo 522 do

Código de Processo Civil, referente a outra espécie de agravo.

28. RECURSO ORDINÁRIO CONTRA ACÓRDÃO DENEGATÓRIO DE

MANDADO DE SEGURANÇA ORIGINÁRIO DE TRIBUNAL

28.1. RECURSO ORDINÁRIO PARA O SUPERIOR TRIBUNAL DE

JUSTIÇA

À luz do artigo 105, inciso II, alínea ―b‖, da Constituição de 1988,

reforçado pelo artigo 539, inciso II, letra ―a‖, do Código de Processo Civil, cabe

recurso ordinário em mandado de segurança para o Superior Tribunal de

Justiça contra acórdão proferido por Tribunal Regional Federal ou por Tribunal

de Justiça, denegatório de mandado de segurança originário, no prazo de

quinze dias257.

A expressão ―denegatória a decisão‖, inserta na alínea ―b‖ do inciso II do

artigo 105 da Constituição Federal e na letra ―a‖ do inciso II do artigo 539 do

Código de Processo Civil deve ser interpretada em sentido amplo, abarcando o

acórdão denegatório da ordem após o julgamento do mérito do writ, bem como

o acórdão extintivo do processo de segurança sem julgamento do mérito. A

cláusula ―denegatória a decisão‖ abrange o julgado denegatório próprio,

marcado pelo julgamento do mérito contra o impetrante, mas também a

decisão denegatória imprópria, meramente terminativa. Os textos constitucional

e legal não impõem óbice interpretativo, razão pela qual é vedado ao intérprete

fazê-lo: ubi lex non distinguit nec nos distinguere debemus.

Ademais, as normas constitucionais devem ser interpretadas em sentido

amplo, a fim de que tenham a maior efetividade possível. Sem dúvida, o artigo

105, inciso II, alínea ―b‖, da Constituição de 1988, e o artigo 539, inciso II, letra

―a‖, do Código de Processo Civil devem ser interpretados à luz do princípio da

máxima efetividade, segundo o qual o hermeneuta deve sempre buscar a

interpretação geradora da maior eficácia da norma constitucional.

Há outro argumento que justifica a interpretação ampla. A expressão

―denegatória a decisão‖ é equívoca, alcançando duas hipóteses distintas em

nosso direito. A primeira é encontrada nos artigo 6º, § 5º, e 19, ambos da Lei nº

12.016, de 2009. Os preceitos revelam que há ―decisão denegatória‖ sem que

tenha sido ―apreciado o mérito‖. Além da mencionada decisão denegatória 257

Cf. artigo 508 do Código de Processo Civil.

Page 137: BERNARDO PIMENTEL SOUZA - DAS       AÇÕES CONSTITUCIONAIS

imprópria, existe a própria. É com maior razão denegatória a decisão em

mandado de segurança quando o próprio pedido do impetrante é julgado

improcedente, nos termos do inciso I do artigo 269 do Código de Processo

Civil. Com efeito, se julgamento do mérito contra o impetrante, tem-se decisão

denegatória própria.

Por tudo, é lícito concluir que a cláusula ―denegatória a decisão‖ alcança

tanto o julgado de improcedência quanto o de extinção do processo de

segurança sem julgamento do mérito. Por conseguinte, todo acórdão não

concessivo da segurança pleiteada originariamente em Tribunal Regional

Federal ou em Tribunal de Justiça deve ser considerado denegatório, com o

cabimento do recurso ordinário para o Superior Tribunal de Justiça.

Concedida a ordem, entretanto, não cabe recurso ordinário em mandado

de segurança. Nem poderia ser diferente, diante da clareza dos textos

constitucional e codificado, segundo os quais o recurso ordinário é cabível

―quando denegatória a decisão‖. Não obstante, o acórdão concessivo do writ

pode ser impugnado por meio de recursos extraordinário e especial, desde que

preenchidas as exigências insertas nos artigos 102, inciso III, e 105, inciso III,

da Constituição Federal, respectivamente.

Como o julgamento proferido por corte regional ou local em mandado de

segurança originário pode ocasionar sucumbência recíproca, o capítulo do

acórdão concessiva da ordem pode ser combatido por meio de recursos

extraordinário e especial — desde que atendidas as exigências previstas nos

artigos 102, inciso III, e 105, inciso III, da Constituição de 1988. Já a parte do

aresto na qual houve denegação da segurança só pode ser impugnada

mediante recurso ordinário para o Superior Tribunal de Justiça.

O recurso ordinário em mandado de segurança só cabe contra acórdão

proferido por tribunal regional ou local em ―única instância‖, ou seja, em

processo de segurança de competência originária. Já os arestos proferidos

pelas cortes regionais e locais no exercício da competência recursal não

podem ser atacados por meio de recurso ordinário para o Superior Tribunal de

Justiça — ainda que haja denegação da segurança. Pelo mesmo motivo, não

cabe recurso ordinário contra acórdão proferido em reexame obrigatório.

Também não cabe recurso ordinário contra acórdão proferido por plenário

ou por órgão especial de tribunal a quo em julgamento de incidente de

inconstitucionalidade. É que o interesse recursal que possibilita a interposição

do recurso ordinário surge apenas com o julgamento do mandado de

segurança originário. Não há sucumbência antes do pronunciamento final do

órgão fracionário. Por tal razão, só o acórdão que aplica ao caso concreto a

tese fixada pelo órgão jurisdicional máximo do tribunal a quo pode ser

impugnado por meio de recurso ordinário. Aliás, só há denegação da

segurança quando o colegiado fracionário julga a ação originária. Antes, o

recurso ordinário nem sequer é cabível, tendo em vista a inexistência de

decisão denegatória da segurança. Por oportuno, merece ser prestigiado o

Page 138: BERNARDO PIMENTEL SOUZA - DAS       AÇÕES CONSTITUCIONAIS

enunciado nº 513 da Súmula do Supremo Tribunal Federal: ―A decisão que

enseja a interposição de recurso ordinário ou extraordinário não é a do

plenário, que resolve o incidente de inconstitucionalidade, mas a do órgão

(Câmaras, Grupos ou Turmas) que completa o julgamento do feito‖. Em

contraposição, o acórdão denegatório do pleno ou do órgão especial de tribunal

regional ou local com o imediato julgamento do próprio mandado de segurança

originário, o recurso ordinário é cabível desde logo. Tanto quanto sutil, a

diferença é relevante.

Ao contrário do que pode parecer à primeira vista, não cabe recurso

ordinário em mandado de segurança para o Superior Tribunal de Justiça contra

decisão monocrática proferida por magistrado de corte regional ou local. O

próprio preceito constitucional estabelece que tal modalidade de recurso serve

para combater pronunciamentos de ―Tribunais‖. Daí a incidência do artigo 163

do Código de Processo Civil, com o cabimento do recurso ordinário apenas

contra acórdãos. Além do mais, contra decisão monocrática há recurso

específico para órgão colegiado da própria corte de origem, o que impede o

imediato acesso a tribunal ad quem, consoante o princípio do esgotamento das

vias recursais.

Na esteira do artigo 39 da Lei nº 8.038, as decisões monocráticas

proferidas em processos de segurança de competência originária dos tribunais

regionais e locais podem ser impugnadas por meio de agravo interno ou

regimental. Cabível recurso de agravo da competência da própria corte de

origem, é inadmissível a interposição imediata de recurso ordinário para o

tribunal ad quem. Já o acórdão denegatório proferido no julgamento do agravo

interposto contra decisão monocrática denegatória da segurança pode ser

combatido mediante recurso ordinário para o Superior Tribunal de Justiça. O

recurso ordinário só é cabível quando o legitimado interpôs o adequado recurso

processual pretérito na corte de origem, com a consequente denegação do

mandado de segurança originário por meio de acórdão proferido pelo órgão

colegiado competente do tribunal regional ou local.

No entanto, quando a decisão monocrática agravada não ocasiona o

julgamento da segurança, mas apenas a denegação de provimento liminar

pleiteado pelo impetrante, o acórdão proveniente do agravo interno não pode

ser atacado por meio de recurso ordinário para o Superior Tribunal de Justiça.

À luz do artigo 105, inciso II, letra ―b‖, da Constituição de 1988, só os acórdãos

com a denegação da própria segurança são passíveis de impugnação por meio

de recurso ordinário para o Superior Tribunal de Justiça. Já os demais arestos

podem, em tese, ser impugnados por meio de embargos de declaração,

recurso especial e recurso extraordinário — mas não por recurso ordinário.

O recurso previsto na alínea ―b‖ do inciso II do artigo 105 da Constituição

só serve para impugnar arestos proferidos ―pelos Tribunais Regionais Federais

ou pelos Tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios‖. Não é meio

idôneo, por conseguinte, para impugnar acórdão prolatado por Turma Recursal

Page 139: BERNARDO PIMENTEL SOUZA - DAS       AÇÕES CONSTITUCIONAIS

dos Juizados Especiais, até mesmo julgado denegatório de mandado de

segurança originário. Foi o entendimento também assentado no Fórum

Nacional dos Juizados Especiais, conforme revela o enunciado nº 124: ―Das

decisões proferidas Turmas Recursais em mandado de segurança não cabe

recurso ordinário‖.

Ainda à vista da letra ―b‖ do inciso II do artigo 105 da Constituição, não

cabe recurso ordinário para o Superior Tribunal de Justiça contra acórdão

proferido por Tribunal Regional do Trabalho ou por Tribunal Regional Eleitoral.

Contra os julgamentos dos últimos só são cabíveis recursos para o Tribunal

Superior do Trabalho e do Tribunal Superior Eleitoral, respectivamente.

É importante salientar que o recurso ordinário é cabível contra acórdão

proferido em ação originária de mandado de segurança. É irrelevante se o

julgamento foi unânime ou por maioria de votos, pois não há exigência no texto

constitucional e no codificado acerca da unanimidade, ou não. Aliás, o artigo

530 do Código também revela a inadequação de embargos infringentes contra

acórdão não unânime proferido em ação originária de mandado de segurança,

o que reforça o cabimento do recurso ordinário, desde que denegatório o

aresto. Em suma, sob todos os prismas, tanto o acórdão unânime quanto o

proferido por maioria ensejam recurso ordinário.

Resta examinar se cabe recurso ordinário para o Superior Tribunal de

Justiça contra acórdão proferido por corte regional ou estadual, que denega o

writ à luz de preceitos constitucionais.

Diante da premissa de que o recurso ordinário em mandado de segurança

é dotado de efeito devolutivo amplo, tem-se que é cabível tal modalidade de

recurso contra aresto proferido por tribunal regional federal ou por tribunal

estadual, que denega writ com esteio em fundamento de índole constitucional.

É que, ao contrário do inciso III do artigo 105 da Constituição Federal, o inciso

II não impõe restrições no que se refere à matéria a ser submetida à

apreciação do Superior Tribunal de Justiça. Por conseguinte, cabe recurso

ordinário para o Superior Tribunal de Justiça contra aresto proferido por corte

regional ou local, que, apoiando-se apenas em fundamento constitucional,

denega mandado de segurança originário. Por exclusão, não é pertinente a

interposição de recurso extraordinário. A propósito, merece ser prestigiado o

correto enunciado nº 281 da Súmula do Supremo Tribunal Federal: ―É

inadmissível o recurso extraordinário, quando couber, na Justiça de origem,

recurso ordinário da decisão impugnada‖. Em suma, ainda que a questão

decidida pela corte regional ou local em julgamento de mandado de segurança

originário seja de índole constitucional, o recurso adequado para impugnar o

acórdão é o ordinário. Aliás, a interposição do recurso extraordinário na

hipótese é erro grosseiro que impede a fungibilidade recursal, como bem revela

o enunciado nº 272 da Súmula do Supremo Tribunal Federal: ―Não se admite

como ordinário recurso extraordinário de decisão denegatória de mandado de

segurança‖.

Page 140: BERNARDO PIMENTEL SOUZA - DAS       AÇÕES CONSTITUCIONAIS

28.2. RECURSO ORDINÁRIO PARA O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

Feitas as considerações gerais sobre o recurso ordinário, e estudado o

recurso ordinário em mandado de segurança para o Superior Tribunal de

Justiça, resta tratar de assunto específico referente ao recurso em mandado de

segurança para o Supremo Tribunal Federal.

Consoante o artigo 102, inciso II, alínea ―a‖, da Constituição de 1988, o

recurso ordinário para Supremo Tribunal Federal tem como alvo apenas

acórdãos proferidos ―pelos Tribunais Superiores‖ — em única instância, em

denegação da segurança. Por tal razão, o recurso ordinário em mandado de

segurança para a Corte Suprema somente é cabível contra acórdãos

prolatados pelo Superior Tribunal de Justiça, pelo Tribunal Superior Eleitoral,

pelo Tribunal Superior do Trabalho e pelo Superior Tribunal Militar.

No mais, o que foi dito no anterior tópico destinado ao recurso ordinário

em mandado de segurança para o Superior Tribunal de Justiça tem total

aplicação ao recurso ordinário em mandado de segurança para o Supremo

Tribunal Federal. Por conseguinte, também é de quinze dias o prazo para a

interposição de recurso ordinário destinado ao Supremo Tribunal Federal258.

29. INCIDENTE DE SUSPENSÃO

29.1. CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA

Ao contrário do que pode parecer à primeira vista, o instituto previsto no

artigo 15 da Lei nº 12.016 não é recurso processual. Com efeito, a suspensão

não tem natureza recursal259. Na verdade, trata-se de incidente processual260

258

Cf. artigos 508 e 539, inciso I, ambos do Código de Processo Civil. 259

Com igual opinião, na doutrina: ARNALDO ESTEVES LIMA. Agravo e suspensão de liminar ou de sentença. III: ―Convém observar que o procedimento em foco não constitui recurso, na acepção processual, pois não visa a reforma da decisão, mas, apenas, à suspensão, si et in quantum, de sua execução‖. Em sentido conforme, também na doutrina: BARBOSA MOREIRA. Recorribilidade. p. 222: ―A suspensão por ato do presidente não tem a natureza de recurso, nem é sucedâneo de recurso‖. Em sentido conforme, ainda na doutrina: EDUARDO RIBEIRO. Recursos em mandado de segurança. 1989, p. 286: ―Vê-se que se trata de medida especialíssima que não há de ser confundida ou equiparada a recurso‖. Também com igual opinião, na doutrina: FREDIE DIDIER JR. e LEONARDO JOSÉ CARNEIRO DA CUNHA: ―O pedido de suspensão não detém natureza recursal, por não estar previsto em lei como recurso e, igualmente, por não gerar a reforma, anulação nem desconstituição da decisão liminar ou antecipatória. Desse modo, o requerimento de suspensão não contém o efeito substitutivo a que alude o art. 512 do CPC.‖ (Curso de direito processual civil. Volume III, 3ª ed., 2007, p. 404 e 405). Assim, também na doutrina: NELSON NERY JUNIOR e ROSA NERY. Código de Processo Civil. 4ª ed., 1999, p. 2443, comentário 1: ―Não se trata de recurso‖. ‖Esta medida, entretanto, não é recurso autêntico, porque ajuizada diretamente no tribunal ad quem, caracterizando incidente autônomo‖ (NERY JUNIOR. Princípios fundamentais. 5ª ed., 2000, p. 250). Contra, também na doutrina: JOSÉ DOS SANTOS CARVALHO FILHO. Ação civil pública. 1995, p. 280: ―Ocorre que o atendimento do pedido, determinando a suspensão da execução da liminar, constitui o reconhecimento de que ao ato impugnado não merece ter inteira eficácia. Se o Presidente do Tribunal não chega a cassar o ato, não é menos certo que sua decisão o atinge frontalmente, pois que lhe retira a idoneidade de produzir efeitos jurídicos. Há, por conseguinte, um interesse revisional do postulante, com o que a medida passa a guardar semelhança com os recursos em geral. Em fase desse óbvio hibridismo, parece-nos cabível caracterizar a medida como sendo requerimento de natureza recursal, pois que assim voltados para os dois aspectos que nela estão presentes: o requerimento e o recurso.‖ (grifos aditados).

Page 141: BERNARDO PIMENTEL SOUZA - DAS       AÇÕES CONSTITUCIONAIS

de competência exclusiva de tribunal, mais especificamente, do respectivo

presidente, sem prejuízo, entretanto, da interposição do recurso propriamente

dito cabível contra o decisum cuja eficácia se pretende suspender261.

Vários são os motivos que impedem a inserção do pedido de suspensão

no rol taxativo dos recursos processuais. Em primeiro lugar, o instituto

recursório é marcado pela existência de prazo peremptório para o exercício do

direito de recorrer262. Em contraposição, não há na legislação de regência

prazo peremptório para a veiculação do pedido de suspensão263. Com efeito,

ao contrário dos recursos, não há no instituto da suspensão o requisito da

tempestividade, em razão da inexistência de previsão legal de prazo

peremptório para a respectiva veiculação.

Sob outro prisma, o recurso pode ensejar a reforma, a cassação ou a

integração da decisão jurisdicional impugnada. Em contraposição, o instituto da

suspensão tem como finalidade específica ―suspender‖ ―a execução‖ do

decisum concessivo do provimento liminar ou final, conforme o caso. A rigor,

não é possível reformar ou cassar a própria decisão jurisdicional na angusta via

da suspensão264. Conclusão oposta configuraria verdadeira contradictio in

adiecto; como o próprio nome do instituto revela, a suspensão não enseja a

cassação, muito menos a reforma da decisão, porquanto não há a substituição

da decisão, consequências jurídicas próprios dos verdadeiros recursos, à vista

do artigo 512 do Código de Processo Civil.

No que tange ao objeto, os recursos podem veicular qualquer error in

procedendo e error in iudicando, até mesmo os cometidos contra os interesses

dos entes públicos, sem restrição. No incidente de suspensão, entretanto, só é

possível alegar a ocorrência de grave lesão aos bens jurídicos

Ainda contra, também há respeitável precedente jurisprudencial: AGR no MSG nº 2001.00.2.000398-8, Conselho Especial do TJDF, acórdão registrado sob o nº 137.316, Diário da Justiça de 2 de maio de 2001, p. 31: ―PROCESSUAL CIVIL — AGRAVO INTERNO CONTRA DESPACHO CONCESSIVO DE LIMINAR EM MS — LEI Nº 8.038/90 — REGIMENTO INTERNO — IMPOSSIBILIDADE — NÃO CONHECIMENTO. O Agravo Regimental dito interno, interposto com fulcro no art. 39 da Lei nº 8.038/90 não se presta a atacar decisão concessiva de liminar em mandado de segurança, eis que o Regimento Interno desta Corte preconiza, para a presente hipótese, o recurso denominado Suspensão de Segurança. Não conhecido. Unânime‖ (não há o grifo no original). 260

Com maior autoridade, os Professores FREDIE DIDIER JR. e LEONARDO JOSÉ CARNEIRO DA CUNHA também sustentam a tese de que ―não restam dúvidas de que o pedido de suspensão constitui incidente processual‖ (Curso de direito processual civil. Volume III, 2007, p. 406; não há o grifo no original). 261

Cf. artigo 15, § 3º, da Lei nº 12.016, de 2009. 262

Assim, na doutrina: LINO ENRIQUE PALACIO. Manual. 11ª ed., 1995, p. 569: ―Constituyen requisitos comunes a todos los recursos: omissis; 3º) Su interposición dentro de un plano perentorio‖. 263

Com igual opinião, na doutrina ARNALDO ESTEVES LIMA. Agravo e suspensão de liminar ou de sentença. p. 3: ―Não há contraditório e nem mesmo prazo, legalmente fixado, para fazê-lo‖. Também com entendimento semelhante, ainda na doutrina: MARCELO ABELHA RODRIGUES. Suspensão de segurança. 2002, conclusão 33, p. 237. 264

De acordo, na doutrina: ARNALDO ESTEVES LIMA. Agravo e suspensão de liminar ou de sentença. p. 3; BARBOSA MOREIRA. Recorribilidade. p. 222; MARCELO ABELHA RODRIGUES. Suspensão de segurança. 2002, conclusão 61, p. 241; e NERY JUNIOR. Código. 4ª ed., 1999, p. 2443, comentário 1. Em sentido conforme, na jurisprudência: REsp nº 160.217/SC, 2ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 28 de setembro de 1998, p. 39.

Page 142: BERNARDO PIMENTEL SOUZA - DAS       AÇÕES CONSTITUCIONAIS

consubstanciados na ordem pública, economia pública, segurança pública e

saúde pública265.

Em relação à legitimidade, não há como negar a existência de diferença

entre o disposto no artigo 499 do Código de Processo Civil e o que

estabelecem o artigo 25, caput, da Lei nº 8.038, de 1990, e o artigo 15, caput,

da Lei nº 12.016, de 2009. À vista do artigo 499 do Código de Processo Civil, a

legitimidade recursal tem alcance superior. Já a legitimidade para requerer a

suspensão não é tão ampla: enquanto o recurso pode ser interposto por

qualquer uma das partes, pelo Ministério Público e até por terceiro prejudicado,

a suspensão é exclusiva da parte que seja pessoa jurídica de direito público e

pelo Ministério Público, conforme se infere da combinação do artigo 15, caput,

da Lei nº 12.016, de 2009, com o artigo 12, § 1º, da Lei nº 7.347, de 1985, com

o artigo 25 da Lei nº 8.038, de 1990, e com o artigo 4º da Lei nº 8.437, de 1992.

A legislação de regência da suspensão ainda fornece outros argumentos

que demonstram a ausência da natureza recursal do instituto. O artigo 12, § 1º,

da Lei nº 7.347, o artigo 25 da Lei nº 8.038, o artigo 4º da Lei nº 8.437 e o

artigo 15 da Lei nº 12.016 utilizam o vocábulo ―requerimento‖ de suspensão.

Em contraposição, o recurso é ―interposto‖, conforme revelam os artigos 506,

507, 508, 509, 511, 541 e 559, todos do Código de Processo Civil. Ademais, a

expressão ―respectivo recurso‖ inserta no artigo 12, § 1º, da Lei nº 7.347, no

artigo 4º da Lei nº 8.437 e no artigo 15 da Lei nº 12.016 também reforça a

conclusão de que o instituto da suspensão não pode ser confundido com o

recurso próprio. O proêmio do § 3º do artigo 25 da Lei nº 8.038 conduz ao

mesmo raciocínio: ―A suspensão de segurança vigorará enquanto pender o

recurso‖. Como é perceptível primo ictu oculi, os preceitos legais revelam que a

suspensão não dispensa o julgamento do posterior recurso interposto contra a

decisão suspensa. Ora, se há o respectivo recurso contra a mesma decisão, a

única conclusão lógica é a de que a suspensão não tem natureza recursal.

Aliás, além de não ter natureza recursal, a suspensão não substitui nem

impede a interposição do recurso processual cabível contra o decisum

concessivo do provimento liminar ou final, conforme o caso266.

265

Cf. artigo 12, § 1º, da Lei nº 7.347, artigo 4º da Lei nº 8.437 e artigo 15, caput, da Lei nº 12.016, in verbis: ―Art. 15. Quando, a requerimento de pessoa jurídica de direito público interessada ou do Ministério Público e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas, o presidente do tribunal ao qual couber o conhecimento do respectivo recurso suspender, em decisão fundamentada, a execução da liminar e da sentença, dessa decisão caberá agravo, sem efeito suspensivo, no prazo de 5 (cinco) dias, que será levado a julgamento na sessão seguinte à sua interposição.‖ (sem o grifo no original). 266

Cf. artigo 15, § 3º, da Lei nº 12.016, de 2009: ―§ 3º A interposição de agravo de instrumento contra liminar concedida nas ações movidas contra o poder público e seus agentes não prejudica nem condiciona o julgamento do pedido de suspensão a que se refere este artigo‖. Com opinião similar, na doutrina: EDUARDO RIBEIRO. Recursos em mandado de segurança. 1989, p. 286: ―Ademais, presta-se a finalidades estritas que não se confundem com as que podem ser buscadas com o agravo‖. Também com entendimento semelhante, na doutrina: MARCELO ABELHA RODRIGUES. Suspensão de segurança. 2002, conclusão 63, p. 241. Com orientação similar, na jurisprudência: REsp nº 160.217/SC, 2ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 28 de setembro de 1998, p. 39. A propósito, vale a pena conferir o preciso pronunciamento da Ministra ELLEN GRACIE NORTHFLEET: ―Para que a preclusão não ocorra, é indispensável, que ademais do requerimento de suspensão seja aviado o recurso cabível na espécie, seja

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Por tudo, é lícito concluir que o instituto da suspensão não tem natureza

jurídica de recurso, mas, sim, de incidente processual de competência

exclusiva dos tribunais, mais especificamente, dos respectivos presidentes.

29.2. RECORRIBILIDADE DA DECISÃO MONOCRÁTICA

PRESIDENCIAL PROFERIDA NO INCIDENTE DE SUSPENSÃO

Durante muitos anos prevaleceu a tese da inadequação do agravo interno

ou regimental contra a decisão monocrática presidencial denegatória da

suspensão. Aliás, o Plenário do Supremo Tribunal Federal chegou até mesmo

a consagrar a vedação do agravo interno ou regimental contra a decisão

presidencial denegatória, nos termos do enunciado nº 506 da Súmula da Corte:

―O agravo a que se refere o art. 4º, da Lei nº 4.348, de 26.6.1964, cabe,

somente do despacho do Presidente do Supremo Tribunal Federal que defere

a suspensão da liminar, em mandado de segurança; não do que denega‖. Na

esteira do verbete nº 506, o Superior Tribunal de Justiça editou o enunciado nº

217, com igual vedação: ―Não cabe agravo de decisão que indefere o pedido

de suspensão da execução da liminar, ou da sentença em mandado de

segurança‖.

Não obstante, o artigo 4º da Lei nº 8.437 assegura o cabimento do agravo

interno ou regimental em ambas as hipóteses, já que da decisão do presidente

―que conceder ou negar a suspensão, caberá agravo, no prazo de 5 (cinco

dias)‖. Na esteira do artigo 4º da Lei nº 8.437, o artigo 15 da Lei nº 12.016

também autoriza a interposição do agravo interno ou regimental, no mesmo

prazo de cinco dias.

Em suma, além da decisão monocrática presidencial de deferimento,

também cabe agravo interno contra decisão monocrática denegatória de

requerimento de suspensão, como bem reconheceu o Pleno do Supremo

Tribunal Federal, ao cancelar o verbete nº 506 da Súmula da Corte

Suprema267, com o igual posterior cancelamento do enunciado nº 217 pelo

Superior Tribunal de Justiça268.

o agravo contra a liminar ou a apelação contra a sentença de mérito.‖ (Suspensão de sentença e de liminar. Revista de Processo, volume 97, p. 188). 267

―O Tribunal, por maioria, resolvendo questão de ordem suscitada pelo Min. Gilmar Mendes, decidiu pelo cabimento de agravo regimental contra despacho do Presidente do Supremo Tribunal Federal que indefere o pedido de suspensão de segurança, cancelando, portanto, o Verbete 506 da Súmula do STF‖ (SS nº 1.945/AL — AgRg — AgRg — AgRg, Pleno do STF, julgado em 19 de dezembro de 2002, noticiado no Informativo nº 295). 268

Conferir: ―A Corte Especial, apreciando o AgRg na SS, entendeu, preliminarmente, por maioria, ser cabível agravo regimental tanto no caso de concessão, como no de denegação de suspensão da segurança (vide Súm. nº 217-STJ).‖ (SS nº 1.166/SP — AgRg, julgado em 16 de junho de 2003, noticiado no Informativo nº 177). Em seguida, no dia 23 de outubro de 2003, a Corte Especial cancelou o enunciado nº 217 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça.

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CAPÍTULO IV

MANDADO DE INJUNÇÃO

1. PRECEITOS DE REGÊNCIA DO MANDADO DE INJUNÇÃO

A Constituição Federal de 1988 inovou ao instituir o mandado de

injunção no inciso LXXI do artigo 5º, como garantia para assegurar a

concretização de preceitos constitucionais carentes de regulamentação

infraconstitucional que impedem o exercício de direitos subjetivos consagrados

na Constituição.

O instituto também consta do artigo 102, inciso I, alínea ―q‖, da

Constituição Federal, referente à competência originária do Supremo Tribunal

Federal para processar e julgar mandado de injunção.

Além dos preceitos constitucionais, o mandado de injunção também é

regido pelo parágrafo único do artigo 24 da Lei nº 8.038, de 1990, preceito que

consagrou a aplicação subsidiária das normas referentes ao mandado de

segurança também em relação ao mandado de injunção.

2. CONCEITO, NATUREZA JURÍDICA E ESCOPO DO MANDADO DE

INJUNÇÃO

O mandado de injunção é a ação de estatura constitucional disponível a

toda e qualquer pessoa titular de direito subjetivo consagrado na Constituição,

mas cuja eficácia depende de regulamentação por meio de lei ou outro ato

normativo do Poder Legislativo, Executivo ou Judiciário. Trata-se, portanto, de

writ constitucional, tal como os estudados habeas corpus, habeas data e

mandado de segurança.

O mandado de injunção tem como escopo a declaração da inércia na

regulamentação de preceito constitucional cuja eficácia depende da atuação do

Poder Legislativo, Executivo ou Judiciário, bem como estabelecer a norma

concreta para a espécie, até ulterior elaboração de norma geral e abstrata pelo

Poder Legislativo competente.

Com efeito, mais do que declarar a mora legislativa na regulamentação

de preceito constitucional de eficácia limitada, o mandado de injunção confere

ao Poder Judiciário o poder-dever de emitir o comando concreto de regência

para a espécie sub iudice269.

269

De acordo, na jurisprudência: ―MANDADO DE INJUNÇÃO - NATUREZA. Conforme disposto no inciso LXXI do artigo 5º da Constituição Federal, conceder-se-á mandado de injunção quando necessário ao exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania. Há ação mandamental e não simplesmente declaratória de omissão. A carga de declaração não é objeto da impetração, mas premissa da ordem a ser formalizada.‖ (MI nº 1.083/DF, Pleno do STF, Diário da Justiça Eletrônico de 2 de setembro de 2010). ―II - A jurisprudência desta Corte, após o julgamento dos Mandados de Injunção 721/DF e 758/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, passou a adotar a tese de que o mandado de injunção destina-se à concretização, caso a caso, do direito constitucional

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3. CAMPO DE INCIDÊNCIA DO MANDADO DE INJUNÇÃO:

PRECEITOS CONSTITUCIONAIS DE EFICÁCIA LIMITADA

No que tange ao campo de incidência do mandado de injunção, o writ

tem lugar para suprir a inércia legislativa, executiva ou judiciária na iniciativa ou

aprovação de norma regulamentadora de preceitos constitucionais de eficácia

reduzida ou limitada270. Por exemplo, o inciso XI do artigo 7º da Constituição

Federal é norma constitucional de eficácia limitada, porquanto a participação

dos empregados nos lucros das sociedades empresárias empregadoras

depende de regulamentação do respectivo direito mediante lei. Outro exemplo:

o inciso VII do artigo 37 da Constituição é outra norma constitucional de

eficácia limitada, porquanto o direito de greve pelos servidores públicos

depende de regulamentação mediante lei. Enfim, a Constituição de 1988 está

repleta de preceitos de eficácia limitada.

Não obstante, todas as normas constitucionais têm alguma eficácia,

ainda que reduzida. Por exemplo, as normas constitucionais de eficácia

limitada têm o condão de revogar as leis pretéritas contrárias ou incompatíveis.

Ademais, podem ensejar a impetração de mandado de injunção, a fim de que a

mora legislativa, executiva ou judiciária na regulamentação do preceito

constitucional seja suprida mediante a prestação jurisdicional no caso concreto,

até o advento da lei ou de outro ato normativo geral e abstrato.

Por fim, vale ressaltar que a garantia do mandado de injunção tem lugar

para impugnar a inércia legislativa, executiva ou judiciária na regulamentação

de preceitos constitucionais federais ou estaduais. Sem dúvida, os preceitos

das Constituições dos Estados-membros com eficácia reduzida ou limitada

também ensejam a impetração de mandado de injunção, por força do princípio

da simetria consagrado no caput do artigo 125 da Constituição Federal271.

4. LEGITIMIDADE ATIVA

O mandado de injunção pode ser impetrado por toda e qualquer pessoa

titular de direito subjetivo constitucional cuja eficácia depende de

regulamentação de preceito constitucional.

não regulamentado, assentando, ainda, que com ele não se objetiva apenas declarar a omissão legislativa, dada a sua natureza nitidamente mandamental.‖ (MI nº 1.231/DF – AgRg, Pleno do STF, Diário da Justiça Eletrônico de 30 de novembro de 2011). 270

Em reforço, na jurisprudência: ―norma constitucional de eficácia limitada – constitui preceito de integração que reclama, em caráter necessário, para efeito de sua plena incidência, a mediação legislativa concretizadora do comando nela positivado.‖ (RE nº 244.935/RS – AgRg, 2ª Turma do STF, Diário da Justiça de 5 de maio de 2000, p. 33). 271

A propósito, merece ser prestigiado o acórdão proferido no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro por ocasião do julgamento do mandado de injunção nº 6/90, de relatoria do eminente Desembargador BARBOSA MOREIRA, emérito professor titular da Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Colhe-se da ementa do didático acórdão: ―– É admissível mandado de injunção seja qual for o texto constitucional, federal ou estadual, que preveja o direito cujo exercício depende de norma regulamentadora ainda não editada.‖ (BARBOSA MOREIRA. Direito aplicado I. 2ª ed., 2001, p. 351).

Page 146: BERNARDO PIMENTEL SOUZA - DAS       AÇÕES CONSTITUCIONAIS

Além da impetração individual, também é admissível a impetração

coletiva, com fundamento no artigo 24, parágrafo único, da Lei nº 8.038, de

1990, combinado com o artigo 5º, inciso LXXI, da Constituição Federal. Daí a

admissibilidade de mandado de injunção coletivo, ação que pode ser impetrada

pelos legitimados e sob as condições constantes do inciso LXXI do artigo 5º da

Constituição272.

5. COMPETÊNCIA

A competência para o processamento e julgamento do mandado de

injunção depende da autoridade inerte acerca da iniciativa do processo

legislativo ou da aprovação da norma regulamentadora.

A principal competência para processamento e julgamento de mandado

de injunção é a prevista no artigo 102, inciso I, alínea ―q‖, da Constituição

Federal, em prol do Supremo Tribunal Federal: compete à Corte Suprema

processar e julgar, originariamente, os mandados de injunção quando a

elaboração da norma regulamentadora for atribuição do Presidente da

República, do Congresso Nacional, da Câmara dos Deputados, do Senado,

das Mesas de alguma das Casas Legislativas, do Tribunal de Contas da União,

de algum dos Tribunais Superiores ou do próprio Supremo Tribunal Federal.

À vista do artigo 105, inciso I, alínea ―h‖, da Constituição Federal, o

Superior Tribunal de Justiça também tem competência originária para

processar e julgar mandado de injunção, ―quando a elaboração da norma

regulamentadora for atribuição de órgão, entidade ou autoridade federal, da

administração direta ou indireta, excetuados os casos de competência do

Supremo Tribunal Federal‖. Na eventualidade de denegação do mandado de

injunção de competência originária do Superior Tribunal de Justiça, cabe

recurso ordinário para o Supremo Tribunal Federal, com fundamento no artigo

102, inciso II, alínea ―a‖, da Constituição Federal, no prazo de quinze dias.

Os Tribunais de Justiça também têm competência para processar e

julgar mandado de injunção originário, quando a mora legislativa estiver

relacionada à Constituição do Estado273-274. Não obstante, ainda que denegado

272

De acordo, na jurisprudência: ―1. O acesso de entidades de classe à via do mandado de injunção coletivo é processualmente admissível, desde que legalmente constituídas e em funcionamento há pelo menos um ano.‖ (MI nº 712/PA, Pleno do STF, Diário da Justiça Eletrônico de 30 de outubro de 2008). 273

De acordo, na jurisprudência: ―MANDADO DE INJUNÇÃO - CABIMENTO - ART. 5º, LXXI, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL - APOSENTADORIA ESPECIAL - AUSÊNCIA DE NORMA REGULAMENTADORA - MORA LEGISLATIVA QUANTO À REGULAMENTAÇÃO DO ART. 40, § 4º, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA - APLICAÇÃO DO PREVISTO NO ART. 57, DA LEI 8.213/91 - PRECEDENTES DO STF - GARANTIA DA EFICÁCIA DO DIREITO CONSTITUCIONAL À APOSENTADORIA - ORDEM CONCEDIDA.‖ (MI nº 1.0000.09.504024-2/000, Corte Superior do TJMG, Diário da Justiça Eletrônico de 20 de agosto de 2010). Em abono, merece ser prestigiado o acórdão proferido no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro por ocasião do julgamento do mandado de injunção nº 6/90, de relatoria do eminente Desembargador BARBOSA MOREIRA, emérito professor titular da Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Colhe-se da ementa do didático acórdão: ―– É admissível mandado de injunção seja qual for o texto constitucional, federal ou estadual, que preveja o direito cujo exercício depende de norma regulamentadora ainda não editada.‖ (BARBOSA MOREIRA. Direito aplicado I. 2ª ed., 2001, p. 351).

Page 147: BERNARDO PIMENTEL SOUZA - DAS       AÇÕES CONSTITUCIONAIS

o writ, não cabe recurso ordinário275, mas apenas recursos extraordinário e

especial, conforme a contrariedade tenha se dado em relação à Constituição

Federal ou à legislação federal, respectivamente.

6. PROCEDIMENTO: APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA DAS NORMAS DE

REGÊNCIA DO MANDADO DE SEGURANÇA

Como já anotado, não há diploma legal específico referente ao

procedimento do processo de mandado de injunção, motivo pelo qual incidem

as normas gerais de regência do mandado de segurança. Não obstante, há

preceitos legais relativos ao mandado de segurança que não são compatíveis

com o mandado de injunção. Por exemplo, não há lugar para a prolação de

provimento de antecipação liminar da tutela jurisdicional no processo de

mandado de injunção276. Outro exemplo: o prazo decadencial previsto no artigo

23 da Lei nº 12.016 também não é aplicável ao mandado de injunção,

porquanto a omissão é renovada a cada dia de mora legislativa, executiva ou

judiciária na iniciativa ou aprovação da norma regulamentadora do preceito

constitucional de eficácia limitada. Em suma, ressalvadas as normas

incompatíveis com o instituto do mandado de injunção, a regra é a

aplicabilidade subsidiária dos preceitos de regência do mandado de segurança

também em relação ao mandado de injunção.

À vista da regra da incidência subsidiária das normas relativas ao

mandado de segurança, o mandado de injunção também deve ser impetrado

por meio de petição inicial, com a observância do disposto no artigo 6º da Lei

nº 12.016, de 2009, e na ―lei processual‖, especialmente nos artigos 37, 39,

inciso I, 258277, 282 e 283, todos do Código de Processo Civil.

Recebida a petição inicial e admitida a ação, há a notificação da

autoridade impetrada para prestar informações, em dez dias. Autoridade

impetrada é o órgão legislativo, executivo ou judiciário omisso na iniciativa do

processo legislativo ou inerte na deliberação e aprovação do projeto de lei já

apresentado, conforme o caso.

274

Igual raciocínio é aplicável à ―lei orgânica‖ do Distrito Federal, correspondente, mutatis mutandis, às Constituições dos Estados. 275

De acordo, na jurisprudência: ―PROCESSUAL CIVIL E CONSTITUCIONAL. MANDADO DE INJUNÇÃO. RECURSO ORDINÁRIO. ERRO GROSSEIRO. NÃO CONHECIMENTO. 1. A decisão denegatória de Mandado de Injunção, proferida por Tribunal Estadual, é recorrível através dos Recursos Extraordinário e Especial. 2. A interposição de Recurso Ordinário, nesta hipótese, constitui erro grosseiro, impossibilitando a análise do mérito recursal. 3. Precedente. 4. Recurso não conhecido.‖ (PET nº 983/SP, 5ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 21 de setembro de 1998, p. 215). 276

De acordo, na jurisprudência: ―MANDADO DE INJUNÇÃO - LIMINAR. Os pronunciamentos da Corte são reiterados sobre a impossibilidade de se implementar liminar em mandado de injunção - Mandados de Injunção nºs 283, 542, 631, 636, 652 e 694, relatados pelos ministros Sepúlveda Pertence, Celso de Mello, Ilmar Galvão, Maurício Corrêa, Ellen Gracie e por mim, respectivamente. AÇÃO CAUTELAR - LIMINAR. Descabe o ajuizamento de ação cautelar para ter-se, relativamente a mandado de injunção, a concessão de medida acauteladora.‖ (AC nº 124/PR – AgRg, Pleno do STF, Diário da Justiça de 12 de novembro de 2004, p. 6). 277

Como toda e qualquer causa, ao mandado de injunção também deve ser atribuído valor, como bem determinou o eminente Desembargador BARBOSA MOREIRA, do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, na qualidade de relator do mandado de injunção nº 6/90.

Page 148: BERNARDO PIMENTEL SOUZA - DAS       AÇÕES CONSTITUCIONAIS

Tal como se dá no processo de mandado de segurança, também é

necessária a intimação pessoal do representante do Ministério Público, na

qualidade de custos legis, a fim de que possa apresentar o parecer ministerial

em dez dias.

No que tange aos mandados de injunção de competência originária de

tribunal, cabe ao relator a instrução do processo, nos termos do artigo 16,

caput, da Lei nº 12.016, de 2009. Também cabe ao relator pedir dia para

julgamento do mandado de injunção, ao presidente do colegiado do tribunal

competente.

7. JULGAMENTO DO MANDADO DE INJUNÇÃO E COISA JULGADA

Em virtude da consagração da teoria concretista no Plenário do

Supremo Tribunal Federal, não há mais dúvida de que o Poder Judiciário deve

emitir pronunciamento jurisdicional consubstanciado na regulamentação de

preceito constitucional de eficácia limitada para o caso concreto278-279. Não

obstante, o julgamento proferido no mandado de injunção tem efeito apenas

entre as partes do processo. É certo que pode ser utilizado em outros casos

como precedente jurisprudencial, mas o comando jurisdicional é restrito às

partes do processo instaurado280.

Por fim, no mandado de injunção coletivo o comando jurisdicional tem

serventia em favor de todos os substituídos, vale dizer, os associados ou

filiados da associação, da entidade de classe ou do partido político, conforme o

impetrante.

8. MANDADO DE INJUNÇÃO VERSUS AÇÃO DIRETA DE

INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO

A despeito da semelhança dos institutos sob o prisma da finalidade

remota, qual seja, a declaração da mora na regulamentação de preceito

constitucional, o mandado de injunção não se confunde com a ação direta de

inconstitucionalidade por omissão.

A primeira diferença digna de nota diz respeito à legitimação para a

causa. Enquanto toda e qualquer pessoa pode impetrar mandado de injunção,

278

De acordo, na jurisprudência: ―14. O Poder Judiciário está vinculado pelo dever-poder de, no mandado de injunção, formular supletivamente a norma regulamentadora de que carece o ordenamento jurídico. 15. No mandado de injunção o Poder Judiciário não define norma de decisão, mas enuncia o texto normativo que faltava para, no caso, tornar viável o exercício do direito de greve dos servidores públicos.‖ (MI nº 712/PA, Pleno do STF, Diário da Justiça Eletrônico de 30 de outubro de 2008). 279

Antes mesmo de a tese ser consagrada no Plenário da Corte Suprema (cf. nota anterior), assim já sustentavam os doutos Professores BARBOSA MOREIRA (Direito aplicado I. 2ª ed., 2001, p. 351) e RODRIGO MAZZEI (cf. Mandado de injunção. In Ações constitucionais. Coordenação de Fredie Didier Jr., Salvador, Editora JusPodivm, 2006). 280

Em abono, merece ser prestigiado o acórdão proferido no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro por ocasião do julgamento do mandado de injunção nº 6/90, de relatoria do eminente Desembargador BARBOSA MOREIRA, emérito professor titular da Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (cf. BARBOSA MOREIRA. Direito aplicado I. 2ª ed., 2001, p. 351).

Page 149: BERNARDO PIMENTEL SOUZA - DAS       AÇÕES CONSTITUCIONAIS

a ação direta de inconstitucionalidade por omissão só pode ser ajuizada pelos

legitimados ativos arrolados no artigo 103 da Constituição Federal.

Em segundo lugar, é preciso ter em mente que o mandado de injunção e

a ação direta de inconstitucionalidade por omissão são espécies de diferentes

classes de controle de constitucionalidade. Enquanto a ação direta de

inconstitucionalidade por omissão é espécie de controle concentrado de

constitucionalidade, o mandado de injunção integra o controle difuso.

Sob outro prisma, a ação direta de inconstitucionalidade por omissão é

admissível à vista de mora legislativa na regulamentação de todo e qualquer

preceito constitucional de eficácia limitada. Já a ação de mandado de injunção

só é admissível quando a inércia legislativa impede ―o exercício dos direitos e

liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à

soberania e à cidadania‖, conforme se infere da restrição constante do inciso

LXXI do artigo 5º da Constituição Federal.

Por fim, a ação direta de inconstitucionalidade por omissão tem natureza

apenas declaratória, tanto de mora legislativa quanto de inércia administrativa,

mas não há o suprimento da omissão por parte do Supremo Tribunal Federal,

em virtude do disposto no § 2º do artigo 103 da Constituição Federal. Já o

mandado de injunção só é admissível para a declaração da mora legislativa na

regulamentação de preceito constitucional, mas há o suprimento da omissão

mediante a prolação de comando judiciário normativo específico para o caso

concreto, com eficácia até o advento da legislação geral e abstrata

Page 150: BERNARDO PIMENTEL SOUZA - DAS       AÇÕES CONSTITUCIONAIS

CAPÍTULO V

AÇÃO POPULAR

1. PRECEITO CONSTITUCIONAL DE REGÊNCIA

A ação popular está consagrada no artigo 5º, inciso LXXIII, da

Constituição Federal de 1988. Além das linhas mestras consagradas no

preceito constitucional de regência, a ação popular também segue o disposto

na Lei nº 4.717, de 1965, com as modificações provenientes das Leis nºs 6.014

e 6.513, de 1973 e 1977, respectivamente, bem como na Lei nº 8.437, de 1992.

2. CONCEITO DE AÇÃO POPULAR

A ação popular é a ação constitucional conferida a todos os cidadãos

para a impugnação e a anulação dos atos administrativos comissivos e

omissivos que sejam lesivos ao patrimônio público em geral, à moralidade

administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, com a

imediata condenação dos administradores, dos agentes administrativos e

também dos beneficiados pelos atos lesivos, ao ressarcimento dos cofres

públicos, em prol da pessoa jurídica lesada281.

3. PATRIMÔNIO PÚBLICO

É amplo o significado da expressão constitucional ―patrimônio público‖.

Em primeiro lugar, a ação popular é admissível não só quando os atos

administrativos são lesivos às pessoas jurídicas de direito público interno, mas

também quando a lesão atinge as entidades da administração indireta (como

as empresas públicas e as sociedades de economia mista) e até mesmo outras

pessoas jurídicas, desde que subvencionadas pelos cofres públicos (artigo 5º,

inciso LXXIII, da Constituição Federal, e artigo 1º da Lei nº 4.717, de 1965).

Por outro lado, o conceito de ―patrimônio público‖ alcança não só o

patrimônio econômico, os cofres públicos, mas também os patrimônios

histórico, cultural, artístico, turístico, estético, paisagístico, ambiental, natural e

moral, bens caros à coletividade, passíveis de proteção mediante ação popular

(artigo 5º, inciso LXXIII, da Constituição Federal, e artigo 1º, § 1º, da Lei nº

4.717, de 1965, com a redação determinada pela Lei nº 6.513, de 1977)282.

281

Ainda a respeito do conceito, merece ser prestigiada a lição da Professora MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO: ―Ação popular é a ação civil pela qual qualquer cidadão pode pleitear a invalidação de atos praticados pelo poder público ou entidades de que participe, lesivos ao patrimônio público, ao meio ambiente, à moralidade administrativa ou ao patrimônio histórico e cultural, bem como a condenação por perdas e danos dos responsáveis pela lesão.‖ (Direito administrativo. 7ª ed., 1996, p. 525). 282

De acordo, na doutrina: ―Na defesa do patrimônio público, que não é apenas o econômico, mas também o artístico, o estético, o histórico, o turístico e o paisagístico, cabe a suspensão liminar do ato impugnado.‖ (VICENTE GRECO FILHO. Direito processual civil brasileiro. Volume III, 17ª ed., 2005, p. 325).

Page 151: BERNARDO PIMENTEL SOUZA - DAS       AÇÕES CONSTITUCIONAIS

4. ATO LESIVO

A expressão ―ato lesivo‖ é encontrada no artigo 5º, inciso LXXIII, da

Constituição Federal. Na verdade, a expressão já constava do artigo 1º, caput,

da Lei nº 4.717, de 1965, ainda que no plural (―atos lesivos‖).

No que tange ao conceito de ―ato lesivo‖, há séria controvérsia tanto na

doutrina quanto na jurisprudência. O estudo comparativo da doutrina e da

jurisprudência revela a existência de três correntes acerca do significado da

expressão ―ato lesivo‖. A primeira corrente sustenta que a lesão por si só

autoriza a ação popular283. A segunda corrente defende que a lesão já contém

a ilegalidade de forma implícita284. Já a terceira corrente assevera que a

simples lesão não é suficiente para a ação popular, porquanto é indispensável

que a lesão seja proveniente da ilegalidade, ou seja, que a lesão seja efeito da

ilegalidade do ato administrativo, com a existência de uma relação de causa e

efeito entre a ilegalidade e a lesão285.

No que tange à corrente predominante, prevalece a terceira tese,

fundada no binômio ilegalidade-lesividade286. Não obstante, à vista do disposto

no inciso LXXIII do artigo 5º da Constituição de 1988 e do princípio de

hermenêutica jurídica segundo o qual as normas constitucionais devem ser

interpretadas na busca da maior efetividade possível287, prestigia-se a primeira

283

―A questão fica ainda presa quanto ao saber se a ação popular continuará a depender dos dois requisitos que sempre a nortearam: lesividade e ilegalidade do ato impugnado. Na medida em que a Constituição amplia o âmbito da ação popular, a tendência é a de erigir a lesão, em si, à condição de motivo autônomo de nulidade do ato.‖ (JOSÉ AFONSO DA SILVA. Curso de direito constitucional positivo. 26ª ed., 2006, p. 463 e 464). 284

―A doutrina e a jurisprudência têm enfrentado o problema de saber se basta a lesividade para autorizar a demanda popular ou se é indispensável a configuração da ilegalidade. A questão pode ser solucionada pela compreensão de que é impossível a existência de um ato lesivo, mas ‗legal‘. É que a lesividade traz em si a ilegalidade.‖ (MICHEL TEMER. Elementos de direito constitucional. 20ª ed., 2005, p. 204). 285

De acordo, na doutrina: ―O que o constituinte de 1988 deixou claro é que a ação popular destina-se a invalidar atos praticados com ilegalidade de que resultou lesão ao patrimônio público.‖ ―O pronunciamento do Judiciário, nessa ação, fica limitado unicamente à legalidade do ato e à sua lesividade ao patrimônio público. Sem a ocorrência desses dois vícios no ato impugnado não procede a ação.‖ ―O objeto da ação popular é o ato ilegal e lesivo ao patrimônio público.‖ (HELY LOPES MEIRELLES. Mandado de segurança, ação popular, ação civil pública, mandado de injunção e habeas data. 16ª ed., 1995, p. 90, 92 e 97). ―Assim, exige-se o binômio ilegalidade-lesividade para a propositura da ação, dando-se tão-somente sentido mais amplo à lesividade, que pode não importar prejuízo patrimonial, mas lesão a outros valores, protegidos pela Constituição.‖ (ARNOLD WALD. In HELY LOPES MEIRELLES. Mandado de segurança, ação popular, ação civil pública, mandado de injunção e habeas data. 16ª ed., 1995, p. 93, à vista da explicação que consta da nota de rodapé da página 8). ―Finalmente, considera-se lesivo ao patrimônio das entidades protegidas o ato que, além de ilegal, tenha também lesividade.‖ (VICENTE GRECO FILHO. Direito processual civil brasileiro. Volume III, 17ª ed., 2005, p. 325). 286

Cf. MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO. Direito administrativo. 7ª ed., 1996, p. 526: ―a tese que acabou predominando foi a da necessidade de conjugação dos dois fundamentos – ilegalidade e lesividade – como requisito para propositura da ação popular‖. 287

No mesmo sentido, na doutrina: ―A interpretação constitucional colhe a característica da necessidade de concretização da norma jurídica, maximizando-a, porém, justamente por se tratar de norma constitucional.‖ (ANDRÉ RAMOS TAVARES. Curso de direito constitucional. 5ª ed., 2007, p. 84 e 85). ―Por isso ao invés de se ater a uma técnica interpretativa exigente e estreita, procura-se atingir um sentido que torna efetivos e eficientes os grandes princípios de governo, e não o que os contrarie ou reduza a inocuidade.‖ (CARLOS MAXIMILIANO PEREIRA DOS SANTOS. Hermenêutica e aplicação do direito. 16ª ed., 1996, p. 306, nº 364).

Page 152: BERNARDO PIMENTEL SOUZA - DAS       AÇÕES CONSTITUCIONAIS

tese: a ação popular pode ser proposta diante da só lesividade do ato

administrativo, independentemente da ilegalidade288.

5. ATO ADMINISTRATIVO

A lesão que enseja a ação popular diz respeito aos atos administrativos,

manifestações de efeitos concretos oriundas da administração da coisa pública.

Em contraposição, atos legislativos e judiciais não ensejam ação popular. Com

efeito, as leis e os atos normativos gerais e abstratos são impugnáveis

mediante ações próprias (por exemplo, ação direta de inconstitucionalidade,

ação de argüição de descumprimento de preceito fundamental), e não por meio

da ação popular. Da mesma forma, os atos judiciais são passíveis de recursos

processuais e de ações próprias (por exemplo, ação rescisória, reclamação

constitucional). Em suma, o ato lesivo passível de impugnação mediante ação

popular é o ato administrativo289.

6. ATOS COMISSIVOS E OMISSIVOS

A expressão constitucional ―ato lesivo‖ não distingue entre o ato

comissivo, ou seja, o ato propriamente dito, e o omissivo, proveniente da

inércia da autoridade que deveria praticar algum ato em defesa do patrimônio

público. Daí a admissibilidade da ação popular contra atos comissivos e

omissivos lesivos ao patrimônio público290.

7. ESCOPO DA AÇÃO POPULAR: DEFESA DA COLETIVIDADE

Embora possa ser proposta por um só cidadão, a ação popular tem

como escopo a defesa da coletividade291, porquanto são coletivos os bens

288

Em sentido conforme ao texto do parágrafo, na doutrina: ―Há as seguintes posições doutrinárias sobre o tema: a) necessidade de conjugação lesividade e ilegalidade; b) basta a lesividade; c) a lesividade contém a ilegalidade. Na jurisprudência o entendimento prevalecente é de que não basta a lesividade do ato impugnado se não contém também sua ilegalidade, embora a atual dicção da CF enfatize a lesividade.‖ (GEISA DE ASSIS RODRIGUES. Da ação popular. In Ações constitucionais. Coordenação de

FREDIE DIDIER JR., 2006, p. 224). 289

Assim, na doutrina: ―Na ampla acepção administrativa, ato é a lei, o decreto, a resolução, a portaria, o contrato e demais manifestações gerais ou especiais, de efeitos concretos, do Poder Público e dos entes com funções públicas delegadas ou equiparadas. Ato lesivo, portanto, é toda manifestação de vontade da Administração danosa aos bens e interesses da comunidade.‖ (HELY LOPES MEIRELLES. Mandado de segurança, ação popular, ação civil pública, mandado de injunção e habeas data. 16ª ed., 1995, p. 94). 290

No mesmo sentido, na doutrina: ―Outro aspecto que merece assinalado é que a ação popular pode ter finalidade corretiva da atividade administrativa ou supletiva da inatividade do Poder Público nos casos em que devia agir por expressa imposição legal. Arma-se, assim, o cidadão para corrigir a atividade omissiva da Administração como para obrigá-la a atuar, quando sua omissão também redunde em lesão ao patrimônio público.‖ (HELY LOPES MEIRELLES. Mandado de segurança, ação popular, ação civil pública, mandado de injunção e habeas data. 16ª ed., 1995, p. 95). ―A lesão ou ameaça de lesão pode resultar de ato ou omissão, desde que produza efeitos concretos;‖ (MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO. Direito administrativo. 7ª ed., 1996, p. 528). ―Entendemos que se da omissão administrativa, que ocorre quando a Administração Pública devia agir e não o faz, resulta lesão ao patrimônio público, à moralidade administrativa, ao meio ambiente, ao patrimônio histórico e cultural há possibilidade da propositura da ação.‖ (GEISA DE ASSIS RODRIGUES. Da ação popular. In Ações constitucionais. Coordenação de

FREDIE DIDIER JR., 2006, p. 224). 291

De acordo, na doutrina: JOSÉ AFONSO DA SILVA. Curso de direito constitucional positivo. 26ª ed., 2006, p. 462 e 463: ―O que lhe dá conotação essencial é a natureza impessoal do interesse defendido por

Page 153: BERNARDO PIMENTEL SOUZA - DAS       AÇÕES CONSTITUCIONAIS

tutelados pela ação: patrimônio público econômico, moral, ambiental, natural,

histórico, cultural, turístico, estético e paisagístico. Por conseguinte, ainda que

o autor possa ter algum interesse individual subjacente, a ação popular é só

admissível quando busca a proteção do patrimônio público em geral292.

8. NATUREZA JURÍDICA DA AÇÃO POPULAR

Como bem revela o artigo 22 da Lei nº 4.717, de 1965, a ação popular

tem ―natureza específica‖.

Em primeiro lugar, a ação popular reside no rol das ações

constitucionais, porquanto está prevista no artigo 5º, inciso LXXIII, da

Constituição Federal, ou seja, ao lado das principais ações constitucionais

(habeas corpus, mandado de segurança, habeas data, mandado de injunção).

Sob outro prisma, trata-se de ação civil de natureza constitutiva,

porquanto enseja a anulação dos atos administrativos lesivos ao patrimônio

público. Ademais, a ação popular também tem natureza condenatória, em

virtude da possibilidade da imediata condenação dos administradores, dos

agentes administrativos e de terceiros citados como réus na ação, os quais são

condenados desde logo, ou seja, no mesmo processo, ao ressarcimento dos

cofres públicos293. Trata-se, portanto, de ação com natureza eclética, mista, em

razão das naturezas constitutiva e condenatória294.

9. AÇÃO POPULAR E AÇÃO DE MANDADO DE SEGURANÇA

Como ação específica do cidadão contra os atos administrativos lesivos

ao patrimônio público ou contrários à moralidade administrativa, a ação popular

meio dela: interesse da coletividade. Ela há de visar a defesa de direito ou interesse público. O qualificativo popular prende-se a isto: defesa da coisa pública, coisa do povo (publicum, de populicum, de populum)‖. ―Contudo, ela se manifesta como uma garantia coletiva na medida em que o autor popular

invoca a atividade jurisdicional, por meio dela, na defesa da coisa pública, visando a tutela de interesses coletivos, não de interesse pessoal‖. Também no mesmo sentido, ainda na doutrina: ―É um instrumento de defesa dos interesses da coletividade, utilizável por qualquer de seus membros. Por ela não se amparam direitos individuais próprios, mas sim interesses da comunidade. O beneficiário direto e imediato desta ação não é o autor; é o povo, titular do direito subjetivo ao governo honesto. O cidadão a promove em nome da coletividade, no uso de uma prerrogativa cívica que a Constituição da República lhe outorga.‖ (HELY LOPES MEIRELLES. Mandado de segurança, ação popular, ação civil pública, mandado de injunção e habeas data. 16ª ed., 1995, p. 88). ―No entanto, prevalecem as duas características

básicas: o fato de que sua titularidade cabe a qualquer cidadão e o de que este age na defesa do interesse público e não de interesse individual.‖ (MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO. Direito administrativo. 7ª ed., 1996, p. 524). 292

De acordo, na jurisprudência: RE nº 74.151/PR, 1ª Turma do STF, Diário da Justiça de 25 de agosto de 1972: ―– Ação popular. Legitimidade ad causam de qualquer cidadão, ainda que ele possa ter algum interesse de ordem particular, desde que tenha em mira, não proteger qualquer direito seu, mas apenas resguardar o patrimônio público. Recurso extraordinário conhecido e provido‖. 293

Em abono, na doutrina: ―O ato lesivo não é praticado contra o indivíduo, mas contra o patrimônio da entidade pública de que o agente administrativo participa, objetivando a ação de reparação do dano, em favor da entidade, responsabilizando todos aqueles que, administradores ou não, a ele concorreram.‖ (VICENTE GRECO FILHO. Direito processual civil brasileiro. Volume III, 17ª ed., 2005, p. 323). 294

De acordo, na doutrina: ―Pela ação popular, o que se pleiteia do órgão jurisdicional é: 1. a anulação do ato lesivo; 2. a condenação dos responsáveis ao pagamento de perdas e danos ou à restituição de bens ou valores, conforme artigo 14, § 4º, da Lei nº 4.717. Daí a dupla natureza da ação, que é, ao mesmo tempo, constitutiva e condenatória.‖ (MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO. Direito administrativo. 7ª ed., 1996, p. 531).

Page 154: BERNARDO PIMENTEL SOUZA - DAS       AÇÕES CONSTITUCIONAIS

prevalece em relação ao mandado de segurança, ação cujo campo de

incidência é obtido por exclusão, à vista do artigo 5º, inciso LXIX, da

Constituição Federal. Daí a inadequação do mandado de segurança diante de

hipótese própria de ação popular, como bem assentou o Supremo Tribunal

Federal no enunciado nº 101: ―O mandado de segurança não substitui a ação

popular‖295. Ademais, as ações têm ritos distintos, porquanto a ação popular

segue o procedimento ordinário e enseja dilação probatória, até mesmo a

produção de provas testemunhal e pericial296, as quais não podem ser

produzidas no mandado de segurança, cuja celeridade do procedimento

pressupõe prévia prova documental juntada já com a petição inicial. Por fim,

enquanto o mandado de segurança é apto à defesa de direitos individuais, a

ação popular só tem como escopo a defesa de direitos transindividuais,

coletivos297.

10. AÇÃO POPULAR E AÇÃO CIVIL PÚBLICA

O cotejo analítico dos preceitos constitucionais e das leis de regência da

ação popular e da ação civil pública revela a existência de grande semelhança

em relação ao objeto da proteção de ambas as ações constitucionais. Na

verdade, as principais diferenças residem na legitimidade ativa e na

legitimidade passiva. Enquanto a ação popular é exclusiva do cidadão, a ação

civil pública pode ser movida pelo Ministério Público, pela Defensoria

Pública298, por pessoa jurídica de direito público, por entidade da administração

indireta e até mesmo por associação civil constituída há pelo menos um ano,

cujas finalidades institucionais sejam transindividuais. Quanto ao polo passivo,

a ação popular é movida contra a pessoa jurídica lesada, os respectivos

administradores e agentes administrativos, bem assim contra os beneficiados

pela lesão ao patrimônio público. Em contraposição, a ação civil pública tem

como alvo qualquer pessoa, natural ou jurídica, de direito público ou privado.

295

Assim, na jurisprudência: MS nº 25.609/DF – AGR – ED, Pleno do STF, Diário da Justiça de 22 de setembro de 2006, p. 29; e MS nº 23.182/PI, Pleno do STF, Diário da Justiça de 3 de março de 2000, p. 63: ―Com isso, está pretendendo converter a ação de Mandado de Segurança em autêntica Ação Popular, o que não é tolerado pela Súmula 101 desta Corte.‖. 296

Cf. artigo 7º, inciso V, da Lei nº 4.717, de 1965. 297

De acordo, na doutrina: ―Realmente, os pressupostos do mandado de segurança são diversos dos da ação popular e o rito processual daquele não se coaduna com a maior amplitude das discussões e provas necessárias ao julgamento da ação popular.‖ (CELSO AGRÍCOLA BARBI. Do mandado de segurança. 7ª ed., 1993, p. 89, nº 96). ―Por fim, lembramos que a ação popular é inconfundível com o mandado de segurança e colima fins diversos, razão pela qual tais remédios judiciais não podem ser usados indistintamente (STF, Súmula 101). Cada um tem objetivo próprio e específico: o mandado de segurança presta-se a invalidar atos de autoridade ofensivos de direito individual ou coletivo, líquido e certo; a ação popular destina-se à anulação de atos ilegítimos e lesivos do patrimônio público. Por aquele se defende direito próprio; por esta se protege o interesse da comunidade, ou, como modernamente se diz, os interesses difusos da sociedade.‖ (HELY LOPES MEIRELLES. Mandado de segurança, ação popular, ação civil pública, mandado de injunção e habeas data. 16ª ed., 1995, p. 95 e 96). 298

Assim, na doutrina: ―Por meio da alteração introduzida pela Lei Federal 11.448, de 15.01.2007, foi atribuída, expressamente, legitimidade ativa para o ajuizamento de ação civil pública à Defensoria Pública (art. 1º, II, da Lei nº 7.347/85).‖ (LUIZ MANOEL GOMES JUNIOR. Ação Civil Pública – Legitimidade Ativa da Defensoria Pública – Lei 11.448/2007. In Direito Civil e Processo: Estudos em homenagem ao Professor ARRUDA ALVIM. 2008, p. 689).

Page 155: BERNARDO PIMENTEL SOUZA - DAS       AÇÕES CONSTITUCIONAIS

Por fim, ao contrário do que ocorre com o mandado de segurança, o

qual é inadmissível quando for cabível ação popular, o mesmo não ocorre com

a ação civil pública, a qual pode ser movida na pendência de ação popular299,

como bem autoriza o artigo 1º da Lei nº 7.347, de 1985, observada a

prevenção prevista no § 3º do artigo 5º da Lei nº 4.717, de 1965.

11. AÇÃO POPULAR CORRETIVA E PREVENTIVA

Ao contrário do que pode parecer à primeira vista, a ação popular pode

ser corretiva (ou seja, repressiva) de atos administrativos lesivos já praticados,

mas também pode ser preventiva, a fim de evitar futura lesão ao patrimônio

público300. Aliás, a autorização legal (cf. artigo 5º, § 4º, da Lei nº 4.717, de

1965) de suspensão liminar do ato lesivo impugnado confirma a existência da

ação popular preventiva.

12. LEGITIMIDADE ATIVA: QUALQUER CIDADÃO

A ação popular pode ser proposta por qualquer cidadão. Considera-se

cidadão o nacional com direitos políticos, ou seja, o brasileiro eleitor. Não

importa se a nacionalidade é originária (brasileiro nato) ou adquirida (brasileiro

naturalizado), porquanto incide a regra do § 2º do artigo 12 da Constituição

Federal. Não basta, entretanto, que seja nacional, porquanto o inciso LXXIII do

artigo 5º da Constituição de 1988 exige mais do que a nacionalidade, ou seja, a

cidadania, a qual é alcançada quando o nacional realiza o alistamento eleitoral

e passa a ser cidadão301. Daí a necessidade de a petição inicial da ação

299

De acordo, na doutrina: ―Com relação ao uso da ação popular para proteção do patrimônio público e para defesa do meio ambiente, há uma superposição de medidas, já que a ação civil pública serve à mesma finalidade, consoante decorre do artigo 129, III, da Constituição, e da Lei nº 7.347, de 24-7-85. A diferença básica está na legitimidade ativa e passiva: na ação popular, sujeito ativo é o cidadão e passivo a entidade pública ou privada detentora do patrimônio público tal como definido no artigo 1º da Lei nº 4.717; na ação civil pública, sujeito ativo é o poder público (eventualmente associação particular) e, passivo, qualquer pessoa, física ou jurídica, pública ou privada, que cause lesão ao interesse difuso protegido. Poderá até ocorrer a hipótese de cabimento das duas ações, quando o ato lesivo for praticado por uma das pessoas definidas no artigo 1º da Lei nº 4.717.‖ (MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO. Direito administrativo. 7ª ed., 1996, p. 527 e 528). 300

Assim, na doutrina: ―A ação popular tem fins preventivos e repressivos da atividade administrativa ilegal e lesiva ao patrimônio público, pelo quê sempre propugnamos pela suspensão liminar do ato impugnado, visando à preservação dos superiores interesses da coletividade. Como meio preventivo de lesão ao patrimônio público, a ação popular poderá ser ajuizada antes da consumação dos efeitos lesivos do ato; como meio repressivo, poderá ser proposta depois da lesão, para reparação do dano. Esse entendimento deflui do próprio texto constitucional, que a torna cabível contra atos lesivos do patrimônio público, sem indicar o momento de sua propositura.‖ (HELY LOPES MEIRELLES. Mandado de segurança, ação popular, ação civil pública, mandado de injunção e habeas data. 16ª ed., 1995, p. 94). Também em favor da ação popular preventiva, na doutrina: MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO. Direito administrativo. 7ª ed., 1996, p. 528. 301

Em abono, na doutrina: ―Quanto à legitimidade ativa, é ela ampla ou coletiva, de qualquer cidadão. Cidadão é a pessoa no gozo de direitos políticos. Distingue-se do nacional, que é a pessoa com determinada nacionalidade. A cidadania é um atributo a mais, que é a possibilidade do exercício de direitos políticos. Para a ação popular basta a cidadania mínima, que é o direito de votar, e não é necessária a plena, que é a possibilidade de ser votado para todos os cargos eletivos e que se alcança aos 35 anos de idade.‖ (VICENTE GRECO FILHO. Direito processual civil brasileiro. Volume III, 17ª ed., 2005, p. 324). Também de acordo, ainda na doutrina: ―Será cidadão aquele alistado eleitor, o que significa que se trata de pessoa maior de 16 anos, civilmente capaz, e no exercício de direitos políticos. É o eleitor, como conceituado no art. 14, § 1º, do Texto Constitucional (combinado com o art. 15).‖ (MICHEL TEMER.

Page 156: BERNARDO PIMENTEL SOUZA - DAS       AÇÕES CONSTITUCIONAIS

popular ser instruída com prova documental atinente ao regular alistamento

perante a Justiça Eleitoral, mediante o título eleitoral ou a respectiva certidão.

Comprovada a cidadania por meio do título eleitoral ou da respectiva certidão

proveniente da Justiça Eleitoral302, está demonstrada a legitimidade ativa do

autor da ação popular.

Em contraposição, os estrangeiros, os brasileiros que não são eleitores

e as pessoas jurídicas – de direito público e de direito privado – não têm

legitimidade ativa para a ação popular303. No que tange à vedação às pessoas

jurídicas em geral, merece ser prestigiado o verbete nº 365 da Súmula do

Supremo Tribunal Federal: ―Pessoa jurídica não tem legitimidade para propor

ação popular‖304. Por ser pessoa jurídica305, partido político306 não tem

legitimidade ativa para ajuizar ação popular307.

Estudada a legitimidade ativa ad causam em prol de todos os cidadãos,

é preciso examinar a capacidade processual e a capacidade postulatória. No

tocante à última, o advogado tem capacidade postulatória308, razão pela qual o

cidadão-autor deve ser representado em juízo por advogado legalmente

habilitado309, salvo quando o próprio cidadão-autor também for advogado,

quando pode postular em causa própria.

Por fim, apesar de o eleitor relativamente incapaz310 devidamente

alistado perante a Justiça Eleitoral ter legitimidade ativa ad causam para, na

qualidade de cidadão, ajuizar ação popular, carece o mesmo da capacidade

processual, conforme se extrai dos artigos 7º e 8º do Código de Processo Civil,

combinados com o artigo 4º, inciso I, do Código Civil. Com efeito, por força do

artigo 22 da Lei nº 4.717, de 1965, os artigos 7º e 8º do Código de Processo

Civil também alcançam a ação popular. Daí a conclusão: o cidadão menor de

Elementos de direito constitucional. 20ª ed., 2005, p. 203). ―Sujeito ativo, já se viu que é o cidadão, assim considerado, para fins de ação popular, o eleitor.‖ (MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO. Direito administrativo. 7ª ed., 1996, p. 528). 302

Cf. artigo 1º, § 3º, da Lei nº 4.717, de 1965. 303

De acordo, na doutrina: ―Assim, o menor de 16 anos, os demais incapazes ou os que não estão no gozo dos direitos políticos não podem propor a ação‖. ―Em síntese: é legitimado para propor a ação popular o titular da cidadania; não são legitimados os estrangeiros, os apátridas, os que não exercem seus direitos políticos (seja porque os perderam ou porque não os adquiriram) e as pessoas jurídicas.‖ (MICHEL TEMER. Elementos de direito constitucional. 20ª ed., 2005, p. 203). ―Quando a Constituição diz que qualquer cidadão pode propor ação popular, está restringindo a legitimidade para a ação apenas ao nacional no gozo dos direitos políticos, ao mesmo tempo em que a recusa aos estrangeiros e às pessoas jurídicas, entre elas os partidos políticos.‖ (JOSÉ AFONSO DA SILVA. Curso de direito constitucional positivo. 26ª ed., 2006, p. 463). 304

Assim, na jurisprudência: RE nº 52.398/BA, 2ª turma do STF, Diário da Justiça de 25 de julho de 1963, p. 407. 305

Com efeito, à luz do § 2º do artigo 17 da Constituição Federal e do inciso V do artigo 44 do Código Civil, os partidos políticos têm natureza de pessoa jurídica de direito privado. 306

Assim, na jurisprudência: RE nº 18.741/SP, 2ª Turma do STF, Diário da Justiça de 10 de novembro de 1955, p. 3.603. 307

No mesmo sentido, na doutrina: ―Os inalistáveis ou inalistados, bem como os partidos políticos, entidades de classe ou qualquer outra pessoa jurídica, não têm qualidade para propor ação popular (STF, Súmula 365).‖ (HELY LOPES MEIRELLES. Mandado de segurança, ação popular, ação civil pública, mandado de injunção e habeas data. 16ª ed., 1995, p. 90). 308

Cf. artigo 36 do Código de Processo Civil. 309

Cf. artigo 22 da Lei nº 4.717, de 1965. 310

Com mais de dezesseis anos e menos de dezoito anos.

Page 157: BERNARDO PIMENTEL SOUZA - DAS       AÇÕES CONSTITUCIONAIS

dezoito anos tem legitimidade ativa ad causam, mas não a capacidade

processual, razão pela qual necessita da assistência de algum dos pais para

ingressar com a ação popular311.

13. LITISCONSÓRCIO E ASSISTÊNCIA

A ação popular pode ser ajuizada por um ou mais cidadãos. Quando

proposta por dois ou mais cidadãos, há litisconsórcio ativo inicial, inaugural. À

vista do § 5º do artigo 6º da Lei nº 4.717, de 1965, também há lugar para

posterior ingresso de outros cidadãos no curso do processo, em virtude da

possibilidade de intervenção de assistentes litisconsorciais do autor originário,

quando há a formação de verdadeiro litisconsórcio ulterior. Aliás, é possível o

ingresso de outros cidadãos até mesmo na fase recursal, como bem autoriza o

artigo 19, § 2º, da Lei nº 4.717, de 1965.

14. PRAZO: CINCO ANOS

Por força do artigo 21 da Lei nº 4.717, de 1965, a ação popular está

sujeita a prazo de cinco anos312. Em virtude da natureza predominante da ação

(qual seja, a condenatória), é possível afirmar que o prazo é prescricional313,

raciocínio que é confirmado pela literalidade do artigo 21: ―A ação prevista

nesta Lei prescreve em 5 (cinco) anos‖.

15. LEGITIMIDADE PASSIVA

A ação popular deve ser proposta contra todos os administradores,

agentes administrativos, terceiros beneficiados pela lesão, bem assim contra as

pessoas jurídicas envolvidas com os atos administrativos lesivos impugnados

pelo autor da ação popular314.

Embora sejam citadas, as pessoas jurídicas prejudicadas pelos atos

administrativos lesivos podem deixar de contestar a ação popular e passar a

311

Em sentido contrário, entretanto, há autorizada doutrina: ―Grassa viva controvérsia na doutrina quanto à necessidade de assistência ao cidadão menor de 18 anos para propositura da ação popular. Uma corrente postula a plena capacidade de fato do eleitor de 16 ou 18 anos, pois se este pode exercer, sozinho, o seu direito de voto, sendo a ação popular uma manifestação da cidadania, prescindiria de assistência. Outra corrente entende que embora a capacidade eleitoral possa ocorrer aos 16 ou 18 anos, esta é distinta e autônoma da capacidade civil e processual, devendo o eleitor menor de 18 anos ser assistido ao propor a ação popular. ‗A exigência da assistência para o relativamente incapaz, na ação popular, não implica restrição ao direito constitucional, nem contraria as disposições da Lei 4717/65‘ (Bol. AASP 1597/180). A interpretação mais adequada é, no nosso sentir, a que dispensa a necessidade da assistência.‖ (GEISA DE ASSIS RODRIGUES. Da ação popular. In Ações constitucionais. 2006, p. 216 e nota 12). ―Do mesmo modo, um cidadão-eleitor com dezesseis anos, embora relativamente incapaz no âmbito civil, tem plena capacidade processual para o ajuizamento de uma ação popular.‖ (FREDIE DIDIER JR. Curso de direito processual civil. Volume I, 9ª ed., 2008, p. 215). 312

De acordo, na jurisprudência: 78.250/PR, 1ª Turma do STF, Diário da Justiça de 3 de setembro de 1982, p. 8.501. 313

Com igual opinião, na doutrina: MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO. Direito administrativo. 7ª ed., 1996, p. 533. 314

Cf. artigo 6º da Lei nº 4.717, de 1965.

Page 158: BERNARDO PIMENTEL SOUZA - DAS       AÇÕES CONSTITUCIONAIS

atuar ao lado do cidadão-autor315, na busca da condenação dos

administradores, agentes administrativos e terceiros beneficiados pelos atos

administrativos lesivos ao patrimônio público316. Com efeito, constatada a lesão

ao patrimônio público, a pessoa jurídica lesada pode passar a atuar em prol da

ação popular, a fim de que seja ressarcida, à vista do artigo 14 da Lei nº 4.717,

de 1965.

16. COMPETÊNCIA: JUÍZO DE PRIMEIRO GRAU

À vista do artigo 5º da Lei nº 4.717, de 1965, tem-se que a ação popular

é da competência de juízo de primeiro grau de jurisdição, e não da

competência originária de tribunal317. A competência do juízo de primeiro grau

subsiste até mesmo quando a ação popular tem como ré autoridade pública

com foro privilegiado, como o Presidente da República318. Com efeito, ainda

que a ação popular seja movida contra autoridade pública com foro

privilegiado, subsiste a competência do juízo de primeiro grau319. Em suma, o

juiz natural da ação popular é o juiz de primeiro grau de jurisdição, regra que só

é afastada diante de exceção explícita consagrada na Constituição Federal320.

315

Cf. artigo 6º, § 3º, da Lei nº 4.717, de 1965. 316

De acordo, na doutrina: ―No polo passivo, instaura-se um litisconsórcio necessário especial: ação será proposta contra as autoridades, funcionários ou administradores das entidades públicas que autorizaram o ato lesivo ou que, por omissão, permitiram a prática do ato e ainda contra todos os beneficiários do ato. A pessoa jurídica de direito público ou privado equiparada será, também, citada e poderá abster-se de contestar o pedido ou atuar ao lado do autor, se isso for de conveniência para o interesse público. A sentença que julgar procedente a ação condenará solidariamente os que praticaram o ato e os beneficiários.‖ (VICENTE GRECO FILHO. Direito processual civil brasileiro. Volume III, 17ª ed., 2005, p. 325). ―A pessoa jurídica de Direito Público ou Privado chamada na ação poderá contestá-la ou não, como poderá, até mesmo, encampar o pedido do autor, desde que isso se afigure útil ao interesse público, a juízo exclusivo do representante legal da entidade ou da empresa (art. 6º, § 3º). A inovação processual é das mais relevantes, pois permite que o réu confesse tacitamente a ação, pela revelia, ou a confesse expressamente, passando a atuar em prol do pedido na inicial, em defesa do patrimônio público.‖ (HELY LOPES MEIRELLES. Mandado de segurança, ação popular, ação civil pública, mandado de injunção e habeas data. 16ª ed., 1995, p. 100). 317

De acordo, na jurisprudência: ―Não compete ao Supremo Tribunal conhecer originariamente de ação popular (CF, art. 102 e incisos).‖ (PET nº 3.451/MG – AgRg, Pleno do STF, Diário da Justiça de 18 de novembro de 2005, p. 2). 318

Assim, na jurisprudência: PET nº 96/RJ – AGR, Pleno do STF, Diário da Justiça de 21 de maio de 1982, p. 4.869; e PET nº 3.152/PA – AgRg, Pleno do STF, Diário da Justiça de 20 de agosto de 2004, p. 37: ―Não é da competência originária do STF conhecer de ações populares, ainda que o réu seja autoridade que tenha na Corte o seu foro por prerrogativa de função para os processos previstos na Constituição‖. 319

No mesmo sentido, na doutrina: ―Esclareça-se que a ação popular, ainda que ajuizada contra o Presidente da República, o Presidente do Senado, o Presidente da Câmara dos Deputados, o Governador ou o Prefeito, será processada e julgada perante a Justiça de primeiro grau (Federal ou Comum).‖ (HELY LOPES MEIRELLES. Mandado de segurança, ação popular, ação civil pública, mandado de injunção e habeas data. 16ª ed., 1995, p. 103). 320

Assim, na jurisprudência: ―CONSTITUCIONAL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL: COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA: C.F., art. 102, I, nº AÇÃO POPULAR. I. - A simples alegação de que os Juízes de 1º grau estariam impedidos de julgar a causa - ação popular cujo juiz natural é o juiz de 1º grau - não é suficiente para deslocar a competência para o Supremo Tribunal Federal, na forma do disposto no art. 102, I, n, da C.F. Somente a incompatibilidade de todos os magistrados de 1ª instância, desde que comprovada nos autos, é que justificaria o deslocamento. Enquanto houver um Juiz capaz de decidir a causa, em 1º grau, não será lícito deslocar a competência para o STF. Precedentes do STF: AO 520-AgR/AM, Ministro Marco Aurélio; AO 465-AgR/RS, Ministro Celso de Mello; AO 263-QO/SC, Ministro Sepúlveda Pertence; AO 378/SC, Ministro Maurício Corrêa; AO 859-QO/AP, Ministro Maurício Corrêa para o acórdão, "DJ" de 1º.8.2003. II. - Agravo não provido.‖ (AO nº 1.031/RN – AgRg, Pleno do STF, Diário da Justiça de 19 de março de 2004, p. 16, sem os grifos no original). ―AÇÃO ORIGINÁRIA. QUESTÃO DE ORDEM. AÇÃO

Page 159: BERNARDO PIMENTEL SOUZA - DAS       AÇÕES CONSTITUCIONAIS

Em regra, a ação popular é da competência do juízo local de primeiro

grau. Não obstante, compete ao juízo federal processar e julgar a ação popular

movida contra alguma das pessoas arroladas no artigo 109, inciso I, da

Constituição Federal.

Por fim, a distribuição da ação popular ocasiona a prevenção do juízo

para todas as demais ações populares contra as mesmas partes e sob a

mesma causa de pedir321.

17. PROCEDIMENTO: ORDINÁRIO, COM ADAPTAÇÕES

À vista do artigo 7º da Lei nº 4.717, de 1965, a ação popular segue o

procedimento ordinário consagrado no Código de Processo Civil, com as

adaptações previstas na Lei nº 4.717, de 1965.

Com efeito, embora o procedimento ordinário seja a regra a ser seguida

na ação popular, não é utilizado de forma integral. Em primeiro lugar, não

incide o artigo 257 do Código de Processo Civil, segundo o qual o autor deve

recolher as custas judiciais iniciais, sob pena de cancelamento da distribuição

da ação não preparada. Na ação popular, as custas judiciais e os preparos são

pagos, quando devidos, somente no final do processo, consoante o disposto na

sentença322.

Outra importante diferença reside no prazo da contestação. No

procedimento ordinário, a contestação deve ser apresentada no prazo de

quinze dias323. Quando os litisconsortes passivos têm procuradores diferentes,

incide o artigo 191 do Código de Processo Civil, com a duplicação do prazo

para trinta dias. Em contraposição, os réus da ação popular dispõem de prazo

comum de vinte dias para apresentarem as respectivas contestações, mas o

juiz pode conceder prazo adicional de vinte dias, independentemente de os

POPULAR. COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL: NÃO-OCORRÊNCIA. PRECEDENTES. 1. A competência para julgar ação popular contra ato de qualquer autoridade, até mesmo do Presidente da República, é, via de regra, do juízo competente de primeiro grau. Precedentes. 2. Julgado o feito na primeira instância, se ficar configurado o impedimento de mais da metade dos desembargadores para apreciar o recurso voluntário ou a remessa obrigatória, ocorrerá a competência do Supremo Tribunal Federal, com base na letra n do inciso I, segunda parte, do artigo 102 da Constituição Federal. 3. Resolvida a Questão de Ordem para estabelecer a competência de um dos juízes de primeiro grau da Justiça do Estado do Amapá.‖ (AO nº 859/AP – QO, Pleno do STF, Diário da Justiça de 1º de agosto de 2003, p. 102, sem os grifos no original). ―Competência originária do Supremo Tribunal para as ações contra o Conselho Nacional de Justiça e contra o Conselho Nacional do Ministério Público (CF, art. 102, I, r, com a redação da EC 45/04): inteligência: não inclusão da ação popular, ainda quando nela se vise à declaração de nulidade do ato de qualquer um dos conselhos nela referidos. 1. Tratando-se de ação popular, o Supremo Tribunal Federal - com as únicas ressalvas da incidência da alínea ‗n‘ do art. 102, I, da Constituição ou de a lide substantivar conflito entre a União e Estado-membro -, jamais admitiu a própria competência originária: ao contrário, a incompetência do Tribunal para processar e julgar a ação popular tem sido invariavelmente reafirmada, ainda quando se irrogue a responsabilidade pelo ato questionado a dignitário individual - a exemplo do Presidente da República - ou a membro ou membros de órgão colegiado de qualquer dos poderes do Estado cujos atos, na esfera cível - como sucede no mandado de segurança - ou na esfera penal - como ocorre na ação penal originária ou no habeas corpus - estejam sujeitos diretamente à sua jurisdição.‖ (PET nº 3.674/DF – QO, Pleno do STF, Diário da Justiça de 19 de dezembro de 2006, p. 37). 321

Cf. artigo 5º, § 3º, da Lei nº 4.717, de 1965. 322

Cf. artigos 10, 12 e 13 da Lei nº 4.717, de 1965. 323

Cf. artigo 297 do Código de Processo Civil.

Page 160: BERNARDO PIMENTEL SOUZA - DAS       AÇÕES CONSTITUCIONAIS

réus serem patrocinados pelo mesmo advogado ou por advogados

diferentes324.

18. PETIÇÃO INICIAL

A petição inicial deve ser elaborada à luz dos artigos 39, inciso I, 258,

282 e 283 do Código de Processo Civil. Por conseguinte, a petição inicial deve

ser instruída com a procuração outorgada ao advogado, bem assim com

fotocópia do título eleitoral do autor ou a certidão expedida pela Justiça

Eleitoral.

19. SUSPENSÃO LIMINAR DO ATO LESIVO IMPUGNADO:

POSSIBILIDADE

Ex vi do § 4º do artigo 5º da Lei nº 4.717, de 1965, acrescentado pela Lei

nº 6.513, de 1977, há lugar para a suspensão in limine litis do ato lesivo

impugnado na ação popular. Trata-se, à evidência, de decisão interlocutória,

razão pela qual cabe agravo de instrumento, em dez dias325.

A despeito do cabimento do recurso próprio (agravo de instrumento),

também há lugar para requerimento de suspensão da decisão concessiva da

liminar, endereçado ao presidente do tribunal competente para o julgamento

daquele (recurso). Não obstante, o requerimento de suspensão só pode ser

veiculado pelo Ministério Público e pela pessoa jurídica de direito público, tudo

nos termos do artigo 4º da Lei nº 8.437, de 1992, aplicável às ações

populares326.

20. CONTESTAÇÃO

Citados, os réus podem contestar a ação popular. O prazo, entretanto,

não é o previsto no artigo 297 do Código de Processo Civil, mas, sim, o prazo

de vinte dias do artigo 7º, inciso IV, da Lei nº 4.717, de 1965, o qual, entretanto,

pode ser prorrogado por mais vinte dias, mediante requerimento de algum dos

réus. Por conseguinte, também não incide o artigo 191 daquele Código, em

virtude da existência de preceito específico: artigo 7º, inciso IV, da Lei nº 4.717,

de 1965.

324

Cf. artigo 7º, inciso IV, da Lei nº 4.717, de 1965. De acordo, na doutrina: ―O prazo para contestação é de vinte dias, prorrogável por mais vinte, a requerimento dos interessados, se difícil a obtenção da prova documental. Esse prazo é comum a todos os contestantes (art. 7º, IV)‖ (HELY LOPES MEIRELLES. Mandado de segurança, ação popular, ação civil pública, mandado de injunção e habeas data. 16ª ed., 1995, p. 105). 325

Cf. artigo 522 do Código de Processo Civil, combinado com os artigos 19, § 1º, e 22, ambos da Lei nº 4.717, de 1965. De acordo, na doutrina: ―Da decisão que concede a liminar cabe, então, agravo de instrumento.‖ (VICENTE GRECO FILHO. Direito processual civil brasileiro. Volume III, 17ª ed., 2005, p. 325). ―Não há qualquer norma relativa a prazo ou a recursos cabíveis em caso de concessão ou indeferimento, o que não impede o agravo de instrumento;‖ (MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO. 7ª ed., 1996, p. 533). 326

Assim, na jurisprudência: SS nº 1.945/AL – AgRg – AgRg – AgRg - QO, Pleno do STF, Diário da Justiça de 1º de agosto de 2003, p. 102, com destaque para o voto proferido pelo Ministro-Relator, explícito acerca da aplicação do artigo 4º da Lei nº 8.437 às ações populares.

Page 161: BERNARDO PIMENTEL SOUZA - DAS       AÇÕES CONSTITUCIONAIS

21. RECONVENÇÃO: INADMISSIBILIDADE

Não é admissível reconvenção na ação popular, em razão das

peculiaridades que marcam a legitimidade das partes e o objeto da ação

popular327.

22. MINISTÉRIO PÚBLICO

À vista dos artigos 6º, § 4º, e 7º, inciso I, alínea ―a‖, ambos da Lei nº

4.717, de 1965, é obrigatória a intimação do Ministério Público nas ações

populares, para a intervenção do respectivo representante na qualidade de

fiscal da lei, sob pena de nulidade do processo.

Não obstante, a atuação ministerial não fica restrita à fiscalização em

prol da correta aplicação do direito objetivo ao caso concreto. Além da atuação

como fiscal da lei, o Ministério Público também pode atuar como parte ativa em

duas hipóteses: 1ª) se o autor originário abandonar ou desistir da ação, o

representante do Ministério Público é intimado e pode promover o

prosseguimento da ação popular328; 2ª) se a pessoa jurídica lesada, o autor

originário e nenhum outro cidadão promoverem a execução civil da decisão

judicial condenatória dos réus dentro do prazo de sessenta dias do trânsito em

julgado, o representante do Ministério Público deverá promover a execução da

decisão proferida na ação popular, nos trinta dias seguintes329-330.

23. POSSIBILIDADE DE DECLARAÇÃO INCIDENTAL DE

INCONSTITUCIONALIDADE

A ação popular tem em mira ato administrativo lesivo ao patrimônio

público e contrário à moralidade administrativa. O fato de o ato administrativo

impugnado estar sustentado em lei não impede a procedência da demanda

popular, porquanto a ação popular também enseja a declaração incidental da

inconstitucionalidade da lei que dá sustentação ao ato administrativo lesivo.

Com efeito, se o ato administrativo e a respectiva lei na qual aquele encontra

sustentação contrariam preceito constitucional, há lugar para a declaração da

inconstitucionalidade incidental, em virtude do controle difuso exercido nos

processos subjetivos em geral, em cujo rol reside a ação popular331.

327

Por oportuno, merece ser prestigiado o ensinamento do Professor HELY LOPES MEIRELLES, com a sustentação da tese de que é ―inadmissível reconvenção, porque o autor não pleiteia direito próprio contra o réu.‖ (Mandado de segurança, ação popular, ação civil pública, mandado de injunção e habeas data. 16ª ed., 1995, p. 90). 328

Cf. artigo 9º da Lei nº 4.717, de 1965, combinado com o artigo 267, incisos II, III e VIII, do Código de Processo Civil. 329

Cf. artigos 16 e 17 da Lei nº 4.717, de 1965, e artigo 566, inciso II, do Código de Processo Civil. 330

De acordo, na doutrina: ―Na execução, o Ministério Público tem legitimidade extraordinária subsidiária: deve promovê-la se, decorridos sessenta dias da sentença condenatória em segundo grau, o autor popular ou terceiro não providenciar a execução da sentença.‖ (VICENTE GRECO FILHO. Direito processual civil brasileiro. Volume III, 17ª ed., 2005, p. 324). 331

Assim, na jurisprudência: RE nº 100.354/SC, 1ª Turma do STF, Diário da Justiça de 1º de fevereiro de 1985, p. 2.098; RE nº 82.482/RJ, Pleno do STF, Diário da Justiça de 13 de fevereiro de 1976, p. 902; e

Page 162: BERNARDO PIMENTEL SOUZA - DAS       AÇÕES CONSTITUCIONAIS

24. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA

Julgado procedente o pedido, o juiz profere sentença à luz dos artigos

11 e 12 da Lei nº 4.717, de 1965, com a desconstituição do ato administrativo

impugnado e a condenação dos administradores, agentes administrativos,

demais responsáveis e dos beneficiários do ato lesivo, os quais são

condenados pelas perdas e danos causados à pessoa jurídica de direito

público interno, à entidade da administração indireta ou à pessoa jurídica de

direito privado subvencionada pelos cofres públicos, em razão da lesão332. À

vista do artigo 12, julgado procedente o pedido veiculado na ação popular, os

réus também são condenados a pagar as custas judiciais, os honorários

advocatícios e as outras despesas, verbas que são destinadas ao cidadão

autor da ação.

A sentença de procedência é passível de apelação, em quinze dias, com

efeito suspensivo333.

Transitada em julgado a sentença de procedência, a respectiva coisa

julgada tem eficácia erga omnes, a fim de alcançar todos, até mesmo os

cidadãos alheios ao processo, tanto que os terceiros também têm legitimidade

ativa para a execução da sentença334.

Ainda em relação aos efeitos da sentença de procedência na ação

popular, a condenação não tem alcance penal, disciplinar nem político. Não

obstante, se o ato administrativo impugnado por meio da ação popular também

tiver repercussão nas esferas penal, administrativa e política, cabe ao juiz

determinar a remessa de fotocópias ao Ministério Público e às demais

autoridades competentes, para as providências cabíveis335-336. Com efeito, a

sentença condenatória não tem o condão de suspender os direitos políticos dos

administradores públicos condenados na ação popular, porquanto a suspensão

depende de sentença condenatória em ação própria, qual seja, a ação de

improbidade administrativa337.

RCL nº 664/RJ, Pleno do STF, Diário da Justiça de 21 de junho de 2002, p. 99: ―Reclamação. Decisão judicial que conheceu de ação popular, cujo objeto era a anulação de resolução legislativa pela qual foram criados cargos no âmbito da Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro. Ação que reputava inconstitucional tal resolução. Possibilidade de eventual desconformidade com a Constituição Federal ser aferida no exercício do controle difuso de constitucionalidade. Ausência de usurpação da competência do Supremo Tribunal Federal, tendo em vista não se tratar a resolução legislativa impugnada pela ação popular de ato normativo dotado de generalidade e abstração. Reclamação julgada improcedente.‖ (grifos aditados). 332

Cf. artigos 1º e 11 da Lei nº 4.717, de 1965. 333

Cf. artigos 19, caput, in fine, e 22, ambos da Lei nº 4.717, de 1965, combinados com o artigo 508 do Código de Processo Civil. 334

Cf. artigos 16 e 17 da Lei nº 4.717, de 1965. 335

Cf. artigo 15 da Lei nº 4.717, de 1965. 336

De acordo, na doutrina: ―Além da invalidade do ato ou do contrato e das reposições e indenizações devidas, a sentença em ação popular não poderá impor qualquer outra sanção aos vencidos. Sua natureza civil não comporta condenações políticas, administrativas ou criminais.‖ (HELY LOPES MEIRELLES. Mandado de segurança, ação popular, ação civil pública, mandado de injunção e habeas data. 16ª ed., 1995, p. 110). 337

Cf. artigos 15, inciso V, e 37, § 4º, ambos da Constituição Federal, e Lei nº 8.429, de 1992.

Page 163: BERNARDO PIMENTEL SOUZA - DAS       AÇÕES CONSTITUCIONAIS

25. SENTENÇA DE CARÊNCIA DA AÇÃO POPULAR E REEXAME

NECESSÁRIO

Se o juiz reconhecer a impossibilidade jurídica do pedido, a ausência de

interesse de agir ou a ilegitimidade da parte ativa ou da passiva, profere

sentença terminativa, em razão da carência da ação338.

Contra a sentença, não só o autor popular, mas também o Ministério

Público e todos os cidadãos até então alheios ao processo podem recorrer

mediante apelação339.

Além do cabimento do recurso de apelação, a sentença de carência da

ação também fica sujeita à remessa obrigatória ao tribunal de segundo grau de

jurisdição, razão pela qual não tem eficácia alguma até o reexame necessário

do processo pelo tribunal competente340.

Por fim, a combinação do artigo 268 do Código de Processo Civil com o

artigo 22 da Lei nº 4.717 revela que a sentença de carência da ação não

impede a propositura de nova ação popular, até mesmo pelo autor popular da

primeira ação.

26. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA, REEXAME NECESSÁRIO E

DEFICIÊNCIA PROBATÓRIA

Tal como a sentença de carência da ação popular, a sentença de

improcedência também fica sujeita à remessa obrigatória ao tribunal de

segundo grau competente para o reexame necessário do processo341, sem

prejuízo da possibilidade da interposição de recurso de apelação pelo autor

popular, pelo Ministério Público e por qualquer cidadão, na qualidade de

terceiro prejudicado342.

Ainda em relação à sentença de improcedência, é preciso distinguir a

sentença de improcedência por deficiência de prova da sentença de

improcedência do pedido em si, porquanto a ação popular não segue o padrão

previsto no Código de Processo Civil em relação à formação da coisa julgada

material. Com efeito, só a sentença de improcedência do pedido produz coisa

julgada substancial. Em contraposição, a sentença de improcedência por

deficiência de prova não produz coisa julgada material, razão pela qual é

admissível a propositura de outra ação popular por qualquer cidadão que tiver

nova prova, ainda que o pedido e a causa de pedir sejam idênticos343. Aliás, a

338

Cf. artigo 267, inciso VI, do Código de Processo Civil. 339

Cf. artigo 19, § 2º, da Lei nº 4.717, de 1965. 340

Cf. artigo 19, caput, da Lei nº 4.717, de 1965. 341

Cf. artigo 19, caput, da Lei nº 4.717, de 1965. 342

Cf. artigo 19, § 2º, da Lei nº 4.717, de 1965. 343

Cf. artigo 18 da Lei nº 4.717, de 1965.

Page 164: BERNARDO PIMENTEL SOUZA - DAS       AÇÕES CONSTITUCIONAIS

nova ação popular pode ser movida até mesmo pelo autor da anterior ação

popular, desde que apresente nova prova344.

27. CUSTAS JUDICIAIS E ÔNUS DA SUCUMBÊNCIA: REGRA DA

ISENÇÃO

Em regra, o autor da ação popular está livre do pagamento tanto das

custas judiciais quanto dos ônus da sucumbência, como os honorários

advocatícios. Com efeito, por força do artigo 5º, inciso LXXIII, da Constituição

Federal, mesmo que o julgamento proferido seja contrário ao autor da ação

popular, o cidadão está isento do pagamento das custas judiciais e também

dos ônus da sucumbência.

Não obstante, o mesmo inciso LXXIII do artigo 5º autoriza a condenação

do cidadão vencido na ação popular, ao pagamento das custas judiciais, dos

honorários advocatícios e das demais despesas, quando a ação popular é

temerária, isto é, movida com evidente má-fé345. Aliás, se a ação popular for

manifestamente temerária, o autor popular será condenado a pagar o décuplo

das custas judiciais346.

28. EXECUÇÃO POPULAR

À vista dos artigos 16 e 17 da Lei nº 4.717, de 1965, o autor, qualquer

outro cidadão, a pessoa jurídica lesada e o Ministério Público têm legitimidade

ativa para a execução da sentença condenatória proferida na ação popular.

Não obstante, enquanto o autor popular, os outros cidadãos e a pessoa jurídica

lesada têm legitimidade ativa concorrente, o Ministério Público tem legitimidade

subsidiária, ou seja, só pode promover a execução se os primeiros legitimados

não executarem a sentença condenatória dentro de sessenta dias do trânsito

em julgado. Além do artigo 16 da Lei nº 4.717, de 1965, o artigo 566, inciso II,

do Código de Processo Civil também consagra a legitimidade ativa do

Ministério Público para promover a execução civil.

344

Assim, na doutrina: ―A sentença definitiva produzirá efeitos de coisa julgada oponível erga omnes, exceto quando a improcedência resultar da deficiência da prova, caso em que poderá ser renovada com idêntico fundamento, desde que se indiquem novas provas (art. 18). Essa renovação da ação tanto pode ser feita pelo mesmo autor como por qualquer outro cidadão.‖ (HELY LOPES MEIRELLES. Mandado de segurança, ação popular, ação civil pública, mandado de injunção e habeas data. 16ª ed., 1995, p. 114). 345

De acordo, na jurisprudência: ―- A não ser quando há comprovação de má-fé do autor da ação popular, não pode ele ser condenado nos ônus das custas e da sucumbência (artigo 5º, LXXIII, da Constituição). Precedentes da Corte. Recurso extraordinário conhecido e provido.‖ (RE nº 221.291/RJ, 1ª Turma do STF, Diário da Justiça de 9 de junho de 2000, p. 32). 346

Cf. artigo 13 da Lei nº 4.717, de 1965.

Page 165: BERNARDO PIMENTEL SOUZA - DAS       AÇÕES CONSTITUCIONAIS

CAPÍTULO VI

AÇÃO CIVIL PÚBLICA

1. PRECEITO CONSTITUCIONAL E LEGISLAÇÃO DE REGÊNCIA

A ação civil pública está consagrada no artigo 129, inciso III, da

Constituição Federal de 1988. Além das linhas mestras consagradas no

preceito constitucional de regência, a ação civil pública também segue o

disposto na Lei nº 7.347, de 1985, na Lei nº 8.078, de 1990 – Código de Defesa

do Consumidor, na Lei nº 8.437, de 1992, na Lei nº 8.884, de 1994, e na Lei nº

11.448, de 2007.

2. NATUREZA DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA: AÇÃO DE CONHECIMENTO

CONDENATÓRIA

À vista dos artigos 3º e 11 da Lei nº 7.347, de 1985, a ação civil pública

é ação de conhecimento de natureza condenatória. A condenação pode ser em

dinheiro e em obrigação de fazer ou de não fazer.

A eventual condenação em dinheiro deve ser revertida em prol do Fundo

previsto no artigo 13 da Lei nº 7.347, de 1985, com a posterior aplicação dos

recursos para a reconstituição dos bens lesados.

Além da condenação em dinheiro, a ação civil pública enseja a

imposição de obrigação de fazer e de não fazer, com possibilidade de

execução específica e de imposição de multa diária, de ofício pelo juiz (artigo

11). E mais, tanto a execução específica quanto a multa diária podem ser

determinadas liminarmente, mediante decisão interlocutória proferida in limine

litis (artigo 12).

3. AÇÃO CIVIL PÚBLICA REPRESSIVA E PREVENTIVA:

POSSIBILIDADE DE DECISÃO LIMINAR

A combinação dos artigos 11 e 12 da Lei nº 7.437 conduz à conclusão

de que a ação civil pública pode ser repressiva e preventiva, porquanto é

admissível diante de ofensa já perpetrada e também de ameaça ao meio

ambiente, aos consumidores e ao patrimônio público em geral.

Com efeito, à vista dos artigos 11 e 12 da Lei nº 7.347, de 1985, o juiz

pode conceder tutela específica e impor multa diária in limine litis,

independentemente de pedido explícito do autor da ação civil pública.

Trata-se de decisão interlocutória agravável por instrumento, em dez

dias347. Diante da inexistência de efeito suspensivo automático por força de

347

Cf. artigos 12, caput, e 19 da Lei nº 7.347, de 1985, e artigo 522 do Código de Processo Civil.

Page 166: BERNARDO PIMENTEL SOUZA - DAS       AÇÕES CONSTITUCIONAIS

lei348, o agravante pode requerer a concessão do efeito pelo relator do recurso

no tribunal, tendo em vista o disposto no artigo 558 do Código de Processo

Civil, combinado com o artigo 497, in fine, do mesmo diploma.

Além do recurso de agravo, se a parte ré na ação civil pública for pessoa

jurídica de direito público, também há lugar para a veiculação de requerimento

de suspensão ao presidente do mesmo tribunal competente para julgar o

recurso de agravo349. O requerimento de suspensão é incidente processual que

pode ser veiculado antes, durante ou depois do agravo de instrumento, já que,

ao contrário do recurso (de agravo), o incidente de suspensão não há prazo

legal para a formulação do requerimento350. Não obstante, o incidente de

suspensão é competência do presidente do tribunal. Com efeito, enquanto o

agravo de instrumento é distribuído a um relator no tribunal, escolhido dentre

os membros do tribunal mediante sorteio351, o incidente de suspensão é da

competência do presidente do mesmo tribunal.

Ao contrário do recurso de agravo, de livre fundamentação e que enseja

tanto a reforma quanto a cassação da decisão interlocutória, o incidente

previsto no § 1º do artigo 12 da Lei nº 7.347 só enseja a suspensão da decisão

interlocutória, até o julgamento do recurso. Ademais, a suspensão não pode

ser concedida pelo presidente do tribunal com base em livre fundamentação,

mas apenas diante da ocorrência de risco de lesão grave à ordem, à saúde, à

segurança e à economia públicas.

Da decisão monocrática presidencial cabe agravo interno para o órgão

colegiado competente previsto no regimento interno, no prazo de cinco dias352.

Por fim, tanto o acórdão proferido no agravo interno interposto no

incidente de suspensão quanto o acórdão proferido no agravo de instrumento

interposto da decisão interlocutória liminar são passíveis de suspensão

mediante incidente da competência originária do presidente do tribunal ad

quem competente para o julgamento de eventuais recursos especial e

extraordinário, conforme o caso353.

4. MINISTÉRIO PÚBLICO

Em primeiro lugar, o Ministério Público tem legitimidade ativa para

ajuizar a ação civil pública. É o principal legitimado ativo, à vista do artigo 129,

inciso III, da Constituição Federal, e dos artigos 5º, inciso I, 6º e 7º, todos da

Lei nº 7.347, de 1985.

Não obstante, o Ministério Público não é o único legitimado ativo, como

bem revela o § 1º do artigo 129 da Constituição Federal. Com efeito, além da

348

Cf. artigo 497, segunda parte, do Código de Processo Civil. 349

Cf. artigo 12, § 1º, da Lei nº 7.347, de 1985. 350

Cf. artigo 12, § 1º, da Lei nº 7.347, de 1985. 351

Cf. artigo 548 do Código de Processo Civil. 352

Cf. artigo 12, § 1º, da Lei nº 7.347, de 1985, e artigo 4º, §§ 1º e 3º, da Lei nº 8.437, de 1992. 353

Cf. artigo 4º, §§ 1º, 4º, e 5º, da Lei nº 8.437, de 1992.

Page 167: BERNARDO PIMENTEL SOUZA - DAS       AÇÕES CONSTITUCIONAIS

legitimidade ativa do Ministério Público, o preceito constitucional assegura a

igual legitimidade ativa em favor daqueles autorizados por força de lei. Daí a

perfeita compatibilidade do artigo 5º da Lei nº 7.347, de 1985, com as

modificações determinadas pelas Leis nºs 8.884, de 1994, e 11.448, de 2007,

com a legitimidade ativa em prol da Defensoria Pública, da União, dos Estados,

dos Municípios, do Distrito Federal, das autarquias, das empresas públicas,

das fundações públicas, das sociedades de economia mista e também das

associações com finalidades institucionais voltadas à proteção do patrimônio

público.

Movida a ação civil pública por algum dos outros legitimados ativos, o

membro do Ministério Público deverá ser intimado pessoalmente, na qualidade

de fiscal da lei. Com efeito, se o Ministério Público não for o autor da ação civil

pública, há a necessidade da intimação destinada à atuação ministerial como

custos legis354.

Na eventualidade de desistência infundada ou abandono da ação civil

pública movida por associação legitimada, o Ministério Público deve patrocinar

a causa, quando deixa de atuar como fiscal da lei e assume a autoria no

processo355.

5. DEFESA DO PATRIMÔNIO PÚBLICO: ENUNCIADO Nº 329

A ação civil pública é cabível para a defesa do patrimônio público sob

todos os prismas, e pode ser proposta pelo Ministério Público, tendo em vista o

disposto no inciso III do artigo 129 da Constituição Federal de 1988, com o

reforço do enunciado nº 329 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça,

aprovado em 2006: ―O Ministério Público tem legitimidade para propor ação

civil pública em defesa do patrimônio público‖.

O conceito legal de patrimônio público é encontrado no § 1º do artigo 1º

da Lei nº 4.717, de 1965, com a redação determinada pela Lei nº 6.513, de

1977. Com efeito, o conceito de patrimônio público é amplo, genérico, de forma

a alcançar os bens jurídicos tutelados por intermédio dos artigos 1º, 4º, 5º,

inciso V, e 21, todos da Lei nº 7.347, de 1985: meio ambiente, consumidor,

patrimônios artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, ordem

econômica e urbanística, e qualquer outro direito ou interesse difuso, coletivo

ou individual homogêneo.

6. PROTEÇÃO DOS DIREITOS E INTERESSES DIFUSOS,

COLETIVOS E INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS: ENUNCIADO Nº 643

À vista do artigo 129, inciso III, da Constituição Federal, dos artigos 1º,

inciso IV, e 21, da Lei nº 7.347, de 1985, e dos artigos 81, parágrafo único,

incisos I, II e III, e 90, da Lei nº 8.078, de 1990, a ação civil pública é cabível

354

Cf. artigo 5º, § 1º, da Lei nº 7.347, de 1985. 355

Cf. artigo 5º, § 3º, da Lei nº 7.347, de 1985.

Page 168: BERNARDO PIMENTEL SOUZA - DAS       AÇÕES CONSTITUCIONAIS

para a proteção dos direitos e interesses difusos, coletivos e individuais

homogêneos.

Difusos são os direitos e os interesses indivisíveis e de pessoas

indeterminadas. São os direitos e os interesses com maior grau de

indeterminação das pessoas atingidas pela lesão ao patrimônio público em

sentido amplo. Por exemplo, não há como individualizar nem é divisível o dano

ao meio ambiente.

Coletivos são os direitos e os interesses indivisíveis de pessoas

indeterminadas, mas que são passíveis de identificação. Os direitos e os

interesses coletivos são indivisíveis, mas de pessoas determináveis356.

Individuais homogêneos são os direitos e interesses divisíveis de

pessoas determinadas. É a homogeneidade dos direitos e interesses comuns

de vários indivíduos que explica a admissibilidade da ação civil pública, com

legitimidade ativa do Ministério Público357. A respeito do tema, merece ser

prestigiado o enunciado nº 643 da Súmula do Supremo Tribunal Federal: ―O

Ministério Público tem legitimidade para promover ação civil pública cujo

fundamento seja a ilegalidade de reajuste de mensalidades escolares‖.

Não obstante, não são todos os direitos individuais homogêneos que são

passíveis de defesa mediante ação civil pública. Com efeito, à vista do

parágrafo único do artigo 1º da Lei nº 7.347, de 2985, acrescentado pela

Medida Provisória nº 2.180-35, de 2001, não é admissível ação civil pública

para a defesa de direitos individuais homogêneos referentes a tributos358,

contribuições previdenciárias e fundos institucionais, como o Fundo de

Garantia do Tempo de Serviço.

7. LEGITIMIDADE ATIVA

À vista do artigo 5º da Lei nº 7.347, de 1985, a ação civil pública pode

ser proposta pelo Ministério Público, pela Defensoria Pública, pela União, pelos

Estados-membros, pelo Distrito Federal, pelos Municípios, pelas entidades da

administração indireta359 e até mesmo pelas associações civis constituídas há

pelo menos um ano, para a defesa dos direitos e interesses difusos, coletivos e

356

―(por exemplo: os membros de um consórcio de automóveis que postulam a anulação de um dispositivo do respectivo instrumento contratual; os alunos de uma escola que reclamam contra a qualidade de ensino).‖ (ILMAR GALVÃO. Ação civil pública e o Ministério Público. Apud LUIZ MANOEL GOMES JÚNIOR. Curso de direito processual coletivo. 2005, p. 43 e nota 55). 357

De acordo, na doutrina: ―De qualquer modo, inexiste incompatibilidade entre as funções institucionais previstas na Constituição Federal para o Ministério Público e a defesa dos direitos individuais homogêneos.‖ (LUIZ MANOEL GOMES JÚNIOR. Curso de direito processual coletivo. 2005, p. 37). 358

Em sentido conforme, na jurisprudência: ―1. Nos termos do disposto no artigo 1º, parágrafo único, da Lei nº 7.347/85, não é possível a utilização da ação civil pública com objetivos tributários, escopo visado na demanda com pedido pressuposto de nulificação do TARE.‖ (REsp nº 922.734/SP – AgRg, 1ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 13 de dezembro de 2007, p. 329). 359

Quais sejam: as autarquias, as fundações públicas, as empresas públicas e as sociedades de economia mista.

Page 169: BERNARDO PIMENTEL SOUZA - DAS       AÇÕES CONSTITUCIONAIS

individuais homogêneos360 relativas à proteção do meio ambiente, do

consumidor, da ordem econômica, da livre concorrência e do patrimônio

público em geral361.

No que tange à pertinência temática, só pode ser exigida na ação civil

pública movida por associações civis, porquanto os demais legitimados ativos

são pessoas jurídicas de direito público interno ou órgãos daquelas pessoas de

direito público, com ampla legitimidade ativa362.

Por fim, a exigência de um ano de constituição cabível em relação às

associações civis pode ser relevada pelo juiz, tendo em vista o interesse

público em jogo363.

8. PENDÊNCIA DE AÇÕES CIVIS PÚBLICAS, AÇÕES POPULARES E

AÇÕES INDIVIDUAIS: POSSIBILIDADE E PREVENÇÃO DO JUÍZO DA

PRIMEIRA PROPOSITURA

À vista do artigo 1º, caput, e 2º, parágrafo único, ambos da Lei nº 7.347,

de 1985, a admissibilidade da ação civil pública em nada prejudica o cabimento

da ação popular e de outras ações, individuais ou coletivas, com a mesma

causa de pedir e o mesmo pedido364.

Com efeito, não há litispendência entre o processo coletivo instaurado

por força de ação civil pública e os processos individuais com igual pedido e a

mesma causa de pedir, porquanto o proêmio do artigo 104 do Código do

Consumidor estabelece que os processos coletivos ―não induzem

litispendência para as ações individuais‖. Em abono, vale conferir o disposto no

enunciado sumular nº 23 do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região: ―A

demanda coletiva não induz litispendência em relação às ações individuais,

com mesma causa de pedir e pedido, ajuizadas pelo próprio detentor do direito

subjetivo material (CDC, art. 104, primeira parte)‖365. Daí a conclusão: não

existência litispendência entre os processos coletivos e individuais366.

360

No mesmo sentido, na jurisprudência: ―- Nos termos de precedentes, associações possuem legitimidade ativa para propositura de ação relativa a direitos individuais homogêneos.‖ (REsp nº 866.636/SP, 3ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 6 de dezembro de 2007, p. 312). 361

Vale dizer, os patrimônios histórico, turístico, artístico, estético, paisagístico. 362

De acordo, na doutrina: ―Assim, temos duas classes de legitimados para a defesa dos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos: a) a dos legitimados amplos, que não se sujeitam ao requisito da pertinência temática – Ministério Público e entes de Direito Público, com interesse processual presumido; e b) a dos legitimados restritos que, de ordinário, tenham sido criados visando à defesa de tais interesses, ou que, em sua atuação, tenham um mínimo de correlação com o objeto tutelado.‖ (LUIZ MANOEL GOMES JÚNIOR. Curso de direito processual coletivo. 2005, p. 87). 363

Cf. artigo 5º, § 4º, da Lei nº 7.347, de 1985. 364

De acordo, na jurisprudência: ―- Como o mesmo fato pode ensejar ofensa tanto a direitos difusos, quanto a coletivos e individuais, dependendo apenas da ótica com que se examina a questão, não há qualquer estranheza em se ter uma ação civil pública concomitante com ações individuais, quando perfeitamente delimitadas as matérias cognitivas em cada hipótese.‖ (REsp nº 866.636/SP, 3ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 6 de dezembro de 2007, p. 312). 365

Cf. Resolução Administrativa nº 21, de 2011. 366

Em abono, na jurisprudência: ―PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE COBRANÇA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA E DEMANDA INDIVIDUAL. INOCORRÊNCIA DE LITISPENDÊNCIA. 1. A existência de ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público não impede o ajuizamento da ação individual com idêntico objeto. Desta forma, no caso

Page 170: BERNARDO PIMENTEL SOUZA - DAS       AÇÕES CONSTITUCIONAIS

Sem dúvida, é perfeitamente possível a existência de outras ações sobre

a mesma causa de pedir e o mesmo objeto da ação civil pública. A única

consequência da existência de várias ações pendentes é a prevenção do juízo

da propositura da primeira delas, em homenagem aos princípios da economia

processual e da segurança jurídica367.

9. CONTROLE DIFUSO DE CONSTITUCIONALIDADE EM SEDE DE

AÇÃO CIVIL PÚBLICA

Tal como se ocorre no processo de mandado de segurança, também há

lugar para controle judicial de constitucionalidade pelo juiz competente para

processar e julgar ação civil pública, quando o julgamento do pedido depender

de prévia análise de compatibilidade de alguma norma jurídica em relação à

Constituição. Trata-se de controle difuso de constitucionalidade, incidenter

tantum, de alguma causa de pedir veiculada na ação civil pública para o

posterior julgamento do pedido ou objeto. Insista-se, o pedido não pode ser a

declaração da inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do poder público,

porquanto a ação civil pública não substitui a ação direta de

inconstitucionalidade nem a ação de arguição de descumprimento de preceito

constitucional. O controle da constitucionalidade em processo de ação civil

pública só pode se dar de forma incidental, como causa de pedir de algum caso

concreto368.

não há ocorrência do fenômeno processual da litispendência, visto que a referida ação coletiva não induz litispendência quanto às ações individuais. Precedentes: REsp 1056439/RS, Relator Ministro Carlos Fernando Mathias (Juiz Federal convocado do TRF 1ª Região), Segunda Turma, DJ de 1º de setembro de 2008; REsp 141.053/SC, Relator Ministro Francisco Peçanha Martins, Segunda Turma, DJ de 13 de maio de 2002; e REsp 192.322/SP, Relator Ministro Garcia Vieira, Primeira Turma, DJ de 29 de março de 1999.‖ (Agravo nº 1.400.928/RS – AgRg, 1ª Turma do STJ, Diário da Justiça eletrônico de 13 de dezembro de 2011, sem o grifo no original). 367

Assim, na jurisprudência: ―2. Dá-se a conexão quando existe identidade parcial de partes e identidade das causas de pedir entre duas ações civis públicas propostas concomitantemente pelo Ministério Público Federal e pela União, devendo ser determinada a reunião de ambas as ações, a fim de se evitar julgamentos conflitantes entre si.‖ (REsp nº 958.561/SC, 2ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 10 de dezembro de 2007, p. 363). No mesmo sentido, na doutrina: ―Resumindo: ainda que haja coincidência entre o objeto de uma Ação Popular e uma Ação Civil Pública, não há lugar para a invocação da litispendência, devendo haver a reunião dos processos, com fundamento na conexão, para tramitação e decisão conjunta, raciocínio que se estende às demais Ações Coletivas.‖ (LUIZ MANOEL GOMES JÚNIOR. Curso de direito processual coletivo. 2005, p. 116). 368

De acordo, na jurisprudência: ―A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem reconhecido que se pode pleitear a inconstitucionalidade de determinado ato normativo na ação civil pública, desde que incidenter tantum. Veda-se, no entanto, o uso da ação civil pública para alcançar a declaração de inconstitucionalidade com efeitos erga omnes.‖ (RE nº 424.993/DF, Pleno do STF, Diário da Justiça

Eletrônico de 18 de outubro de 2007, sem o grifo no original). ―2. Ação civil pública que veicula pedido condenatório, em favor de ‗interesses individuais homogêneos‘ de sujeitos indeterminados mas determináveis, quando fundada na invalidez, em face da Constituição, de lei federal não se confunde com ação direta de inconstitucionalidade, sendo, pois, admissível no julgamento da ACP a decisão incidente acerca da constitucionalidade da lei, que constitua questão prejudicial do pedido condenatório.‖ (RCL nº 597/SP, Pleno do STF, Diário da Justiça de 2 de fevereiro de 2007, p. 75, sem o grifo no original). ―2. LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA PROPOSITURA DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA. O Supremo Tribunal Federal possui sólida jurisprudência sobre o cabimento da ação civil pública para proteção de interesses difusos e coletivos e a respectiva legitimação do Ministério Público para utilizá-la, nos termos dos arts. 127, caput, e 129, III, da Constituição Federal. No caso, a ação civil pública foi proposta pelo Ministério Público com o objetivo de proteger não apenas os interesses individuais homogêneos dos profissionais do jornalismo que atuam sem diploma, mas também os direitos

Page 171: BERNARDO PIMENTEL SOUZA - DAS       AÇÕES CONSTITUCIONAIS

Por fim, vale ressaltar que o julgamento só alcança as pessoas insertas

na área territorial da competência do juízo no qual a sentença foi prolatada,

tendo em vista o disposto no artigo 16 da Lei nº 7.347, de 1985, com a redação

conferida pela Lei nº 9.494, de 1997. Sem dúvida, o efeito erga omnes

proveniente da sentença proferida em ação civil pública não se espraia por

todo o território nacional369.

10. CONDENAÇÃO DO AUTOR EM DESPESAS E HONORÁRIOS:

IMPOSSIBILIDADE, SALVO COMPROVADA MÁ-FÉ

À vista do artigo 18 da Lei nº 7.347, de 1985, com a redação

determinada pela Lei nº 8.078, de 1990, o autor da ação civil pública está

isento do pagamento de despesas processuais e de honorários advocatícios,

―salvo comprovada má-fé‖370.

fundamentais de toda a sociedade (interesses difusos) à plena liberdade de expressão e de informação. 3. CABIMENTO DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA. A não-recepção do Decreto-Lei n° 972/1969 pela Constituição de 1988 constitui a causa de pedir da ação civil pública e não o seu pedido principal, o que está plenamente de acordo com a jurisprudência desta Corte. A controvérsia constitucional, portanto, constitui apenas questão prejudicial indispensável à solução do litígio, e não seu pedido único e principal. Admissibilidade da utilização da ação civil pública como instrumento de fiscalização incidental de constitucionalidade. Precedentes do STF.‖ (RE nº 511.961/SP, Pleno do STF, Diário da Justiça Eletrônico de 12 de novembro de 2009, sem o grifo no original). 369

De acordo, na jurisprudência: ―EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. EFICÁCIA. LIMITES. JURISDIÇÃO DO ÓRGÃO PROLATOR. 1 - Consoante entendimento consignado nesta Corte, a sentença proferida em ação civil pública fará coisa julgada erga omnes nos limites da competência do órgão prolator da decisão, nos termos do art. 16 da Lei n. 7.347/85, alterado pela Lei n. 9.494/97. Precedentes. 2 - Embargos de divergência acolhidos.‖ (EREsp nº 411.529/SP, 2ª Seção do STJ, Diário da Justiça Eletrônico de 24 de março de 2010, sem o grifo no original). 370

De acordo, na jurisprudência: ―AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ART. 18 DA LEI Nº 7.347/85. IMPOSSIBILIDADE DE ADIANTAMENTO DE CUSTAS PELO AUTOR. CONDENAÇÃO AO PAGAMENTO. INVIABILIDADE. 1. Em se tratando de ação civil pública, a parte autora só pode ser condenada ao pagamento de honorários advocatícios e de despesas processuais em caso de comprovada má-fé. 2. Recurso especial parcialmente conhecido e provido.‖ (REsp nº 999.003/RJ, 4ª Turma do STJ, Diário da Justiça eletrônico de 15 de março de 2010).

Page 172: BERNARDO PIMENTEL SOUZA - DAS       AÇÕES CONSTITUCIONAIS

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