barbosa da silva - caderno de politicas culturais vol2

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  • 8/7/2019 BARBOSA DA SILVA - Caderno de Politicas Culturais VOL2

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    Repblica Federativa do BrasilMinistrio da Cultura

    Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada

    Coleo Cadernosde Polticas Culturais

    Volume 2

    Poltica Culturalno Brasil, 2002-2006:

    acompanhamentoe anlise

    Braslia, 2007

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    Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)

    B823p Brasil. Ministrio da Cultura.Poltica Cultural no Brasil, 2002-2006: acompanhamento e anlise.Frederico A. Barbosa da Silva, autor. Braslia:Ministrio da Cultura, 2007.220 p. (Coleo Cadernos de Polticas Culturais; v. 2)

    ISBN 978-85-88564-06-01. Poltica Cultural - Histria. 2. Brasil. I. Ttulo. II. Srie.

    CDU 316.7

    Repblica Federativa do BrasilMinistrio da Cultura

    Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada

    Coleo Cadernosde Polticas Culturais

    Volume 2

    Poltica Culturalno Brasil, 2002-2006:

    acompanhamentoe anlise

    Frederico A. Barbosa da Silva

    Braslia, 2007

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    Luiz Incio Lula da SilvaPresidente da Repblica

    Ministrio da Cultura

    Gilberto Passos Gil MoreiraMinistro

    Joo Luiz Silva FerreiraSecretrio Executivo

    Ranulfo Alfredo Manevyde Pereira MendesSecretrio de Polticas Culturais

    Clio Roberto Turino de MirandaSecretrio de Programas e Projetos Culturais

    Srgio Duarte MambertiSecretrio da Identidade e Diversidade Cultural

    Marco Antnio de Castilhos AccoSecretrio de Articulao Institucional

    Orlando de Salles SennaSecretrio do Audiovisual

    Marco Antnio de Castilhos AccoSecretrio de Fomento e Incentivo Cultura

    Isabella Pessa de Azevedo MadeiraChefe de Gabinete do Ministro

    Secretaria de Polticas Culturais

    Pablo Gonalo de Pires de Campos MartinsGerente

    Gustavo Carneiro Vidigal CavalcanteGerente

    Otvio Carlos Monteiro Afonso dos SantosCoordenador Geral de Direito Autoral

    Marcos Alves de SouzaCoordenador Geral de Direito Autoral Substituto

    Dulcinia de Ftima de MirandaCoordenadora Geral do Gabinete do Secretrio

    Ministrio do Planejamento,Oramento e Gesto

    Paulo Bernardo SilvaMinistro

    Joo Bernardo de Azevedo BringelSecretrio Executivo

    Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada

    Luiz Henrique Proena SoaresPresidente

    Renato Les Moreira (substituto)Diretor de Cooperao e Desenvolvimento

    Anna Maria T. Medeiros PelianoDiretora de Estudos Sociais

    Cinara Maria Fonseca de LimaDiretora de Administrao e Finanas

    Jos Aroudo Mota (substituto)Diretor de Estudos Regionais e Urbanos

    Joo Alberto De NegriDiretor de Estudos Setoriais

    Paulo Mansur LevyDiretor de Estudos Macroeconmicos

    Persio Marco Antonio DavisonChefe de Gabinete

    Murilo LboAssessor-Chefe de Comunicao

    Cadernos de Polticas Culturais:Volume 2 Poltica Cultural no Brasil, 2002-2006: acompanhamento e anliseEsta publicao foi feita por meio da parceria entre o Ministrio da Cultura (MinC),o Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada/Ministrio do Planejamento, Oramentoe Gesto (IPEA/MP) e o Centro de Gesto e Estudos Estratgicos CGEE.

    Alexandre PilatiLunde Braghini JniorNaiane de Brito FrancischettoSarah Ribeiro PontesReviso

    Anderson Lopes de MoraesIdentidade Visual e Design Editorial

    Ministrio da Cultura MinCEsplanada dos Ministrios, Bloco B70068-900, Braslia, DFhttp://www.cultura.gov.br/

    Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada Ipea/MPSBS - Quadra 1 - Bloco J - Ed. BNDES70076-900, Braslia, DFhttp://www.ipea.gov.br

    Centro de Gesto e Estudos Estratgicos - CGEESCN Qd 2, Bl. A, Ed. Corporate Financial Center, sala 110270712-900, Braslia, DFhttp://www.cgee.org.br

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    Apresentao 9

    Introduo 11

    Captulo 1Balano das Polticas Culturais na Dcada de 90 15

    Captulo 2O Debate sobre Comunicao e a Continuidade dos Programas 35

    Captulo 3

    As Propostas do Governo Lula 47

    Captulo 4Polticas Culturais Federais: Avanos e Possibilidades 69

    Captulo 5O Sistema Nacional de Cultura e a Propostade Emenda Constitucional n 310/2004 89

    Captulo 6Instituies Federais, Polticas e Programas 107

    Captulo 7Dilemas e Perspectivas das Polticas Culturais nos Anos 2000 135

    Captulo 8A Constitucionalizao e a Transformao dos Marcos Legaisda Poltica Cultural 165

    Captulo 9O Ministrio da Cultura no Governo Luiz Incio Lula da Silva:Um Primeiro Balano 193

    Sumrio

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    Apresentao

    O Ministrio da Cultura (MinC) e o Instituto de Pesquisa EconmicaAplicada (Ipea) tm a satisfao de apresentar sociedade mais um dosresultados do acordo indito de cooperao tcnica estabelecido entre asduas instituies, com o objetivo de fornecer subsdios para a formulao e areformulao de polticas pblicas no Pas em matria de cultura.

    Para tanto, a srie Cadernos de Polticas Culturais expe ao debate pblicocorrelaes que nem sempre se mostram evidentes quando o assunto cultura. Por corresponder a manifestaes subjetivas, tende-se ao tratamentodo tema de forma difusa, sem o necessrio rigor tcnico-cientfico. Estacoleo evidencia a imprescindvel mudana de paradigma nessa direo:cultura envolve legislao (e no somente no mbito dos direitos autorais),transversalidades sociais e econmicas, integrao nacional, enfim, relaesde custos e benefcios como qualquer outra atividade.

    Este segundo volume da srie reuniu estudos da mais alta qualidade, que

    discutem e analisam a poltica cultural experimentada no Brasil no perodocompreendido entre 2002 e 2006. A par das investigaes inovadorasapresentadas no livro, a sistematizao de pesquisas preexistentes e deinformaes dispersas, tambm estratgicas para o aprimoramento do atualcenrio, constitui instrumento de grande valia para todos aqueles direta ouindiretamente comprometidos com as atividades culturais no Brasil.

    Luiz Henrique Proena Soares Presidente do Ipea

    Gilberto Gil Ministro da Cultura

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    Introduo

    Cada um dos nove textos deste livro nasceu de um exerccio deacompanhamento da elaborao de polticas pblicas no campo da cultura.Sem soluo de continuidade, os trabalhos foram publicados sistematicamente,desde agosto de 2002, nas edies semestrais do boletim Pesquisas Sociais acompanhamento e anlise, do Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada(Ipea). A rigor, portanto, os trabalhos que vm a lume na presente coletneacoincidem com os quatro anos do primeiro governo Lula, de cuja polticacultural do um testemunho momento a momento.

    As anlises de conjuntura foram marcadas, durante esse perodo, pelanecessidade de enfrentar um duplo desafio. Primeiro, fazer com que o

    acompanhamento da poltica cultural fizesse sentido dentro de uma instituio(no caso, o Ipea) que pensa a poltica a partir dos grandes nmeros e cujoenfoque profissional privilegia o vis econmico. Entenda-se aqui a categoriaeconomia no sentido do antroplogo Louis Dumont, isto , como umacategoria ideolgica que engloba a poltica, a cultura, a moral, etc., queconfigura valores e hierarquiza os enunciados sobre a vida em sociedade.

    A economia configura e hierarquiza os fatos em uma perspectivasingular, com pretenso universal e, portanto, por e la passam as pretensesde legitimidade. Dessa forma, questes polticas, institucionais e problemassetoriais da cultura so objeto de inmeras tentativas de traduo em termosde quantidades e medidas.

    Assim, os aspectos materiais da poltica cultural fazem-se presentes naforma de temas recorrentes: quanto gasta o setor pblico, qual o seutamanho e abrangncia territorial; qual o tamanho do mercado de trabalhoda rea, quanto as famlias esto dispostas a pagar para usufruir e fruir deprticas e bens culturais, como se distribuem equipamentos e recursos

    materiais na rea cultural.

    Em segundo lugar, confrontando outro desafio, os textos empenham-seem organizar uma viso de conjunto para aqueles que conduzem osprogramas, aes e projetos culturais cujas caractersticas prprias de inseroinstitucional no lhes permite o delineamento de uma viso global.

    A poltica cultural tratada como uma categoria de interveno pblicaao lado da educao, sade ou previdncia. A cultura tem materialidadeinstitucional e enfrenta problemas anlogos a outras reas de polticaspblicas. Sofre com questes relativas falta de recursos financeiros e de

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    presena de conjuntos de aes fragmentrias e muitas vezes contraditrias,dado o fato de concorrerem por recursos escassos, tanto do ponto de vistafinanceiro quanto de gesto.

    Assim, a cultura no funciona como imperativo categrico, mas carregada pela historicidade das instituies que a delimitam e que configuramas polticas publicas culturais. As decises conceituais por um ou outroconjunto de significados so tcitas ou explcitas e impem traduesinstitucionais e estilos de governo, embora esses derivem no apenas dosconceitos, mas do conjunto de foras sociais e polticas, concepes einterpretaes sobre o objeto e as estratgias de interveno.

    Nesse sentido, e para no fazer opes a respeito de qual conceito utilizar

    para ordenar e hierarquizar as polticas, optou-se sempre que possvel porevitar discutir os desdobramentos institucionais que derivariam da escolha deum ou outro conceito. A escolha implicou deixar explcitos certos tipos ideais(sentido antropolgico, poltico, belas-artes, econmico da cultura) queseriam tomados como escolhas disponveis ou simplesmente dimenses doesquema conceitual que classifica e organiza a poltica. Cada conceito-tipopode se constituir em referncia para conjuntos de aes.

    Alm disso, cada ator poderia se identificar com um tipo e assim escolherobjetivos prprios, complementares ou excludentes em relao aos escolhidospelos demais. Na realidade, o tipo, conceito ou dimenso permitiria oagenciamento da reflexo, tanto para conferir identidade quanto paraestabelecer possibilidades de interlocuo entre diferentes linhas de ao.

    Conseqentemente, um determinado programa de ao poderia escolhero conceito antropolgico, organizando e formatando aes referentes aossaberes e fazeres do cotidiano de certa comunidade, mas ao mesmo tempopoderia dialogar com as artes. Um outro poderia fomentar projetos e

    realizaes tpicas das artes clssicas ou populares, mas aproveitando-as e seapoiando nos seus potenciais para dinamizar economias locais ou urbanas.Outro, ainda, poderia formular aes apoiadas na dimenso poltica,preconizando a incluso social, democratizao, construo e ampliao deespaos pblicos, mas aproveitando-se da dimenso econmica, artstica eantropolgica da cultura para a realizao do projeto cultural.

    Finalmente, tambm devem ser assinaladas algumas questes que seapresentam como limites metodolgicos dados pela posio institucional dequem organiza e escreve estes textos.

    gesto. Por outro lado, enfrenta problemas que exigem um tratamentoconceitual e poltico diferenciado.

    O diagrama e a demarcao conceitual que justifica as polticas culturaisno so evidentes por si mesmos, pois no se tratam de simples reflexos dedemandas lineares ou de problemas objetivos que se impem de formanatural, e que os separaria de outros como os da rea da educao,comunicaes, polticas urbanas, etc.

    A reflexo parte da constatao evidente da heterogeneidade efragmentao do campo de interveno pblica cultural no Brasil. Osprogramas so fragilmente articulados tanto em razo da naturezaestrutural do campo de ao quanto das dificuldades institucionais no

    processamento de problemas que direcionariam as aes para objetivosconjunturalmente convergentes.

    importante assinalar que essas caractersticas das polticas culturais,sobretudo a dificuldade de encontrar uma definio precisa para a categoriacultura e uma delimitao exata para os problemas que so referncias daspolticas pblicas da rea, no impedem o processamento poltico deproblemas abrangidos por cada sentido do conceito, que permite a formulaoe implementao de aes coordenadas, parcialmente convergentes e capazesde aglutinar esforos e recursos institucionais.

    Alis, a constituio de outras polticas tambm se liga a um trabalho declassificao, delimitao, construo histrica e social. Em realidade, oconceito de cultura est carregado de ambigidades e imprecises quederivam de sua indexao histria dos diversos campos institucionais. Noentanto, o conceito unifica fatos que podemos qualificar como culturais,agregando aes, discursos, prticas administrativas e despesas oramentriasabsurdamente heterclitos.

    Os problemas sociais envolvidos, os objetivos de ao enunciados outcitos, as prticas constitudas so designadas pela categoria cultura e passama ser objeto de interveno simblica e poltica, embora as controvrsias sobreo que seja a cultura e sobre aquilo que deva ser objeto de formulao depoltica pblica mantenham uma imensa dosagem de impreciso e fluidez.

    Dessa maneira, convivem no espao pblico crenas e objetivosheterogneos que so unificados por finas linhas que constituem o camposemntico da categoria cultura, mas que so insuficientes para unificar umprograma coerente de interveno e gesto cultural. O resultado disso a

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    Captu lo 1

    Balano das Polticas

    Culturais na Dcada de 90

    O Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada (Ipea) um rgo de governoque acompanha polticas e as avalia. Tem a caracterstica de empreender tantoanlises contextualizadas e compreensivas, que iluminam as razes e explicamo porqu de as polticas terem certo dinamismo, alcances e insuficincias,quanto de realizar anlises instrumentais, que visam a apoiar linhas de ao ourefletir a respeito da coerncia entre os objetivos declarados, os recursosmobilizados e as estratgias escolhidas. Em outros casos, simplesmenteorganiza informaes dispersas e descreve fatos, de preferncia medindo-ose quantificando-os.

    O conjunto de textos apresentados possui essa trplice caracterstica. Emcerto ponto, o trabalho levanta questes e problemas enfrentados pelaspolticas culturais; em outro, ganha tom normativo ou instrumental,

    apontando limites e potencialidades; e, finalmente, em certos momentos,faz-se simplesmente descritivo, mas no ingenuamente, pois indicacomplexidades prprias da rea cultural.

    Em realidade, essa caracterstica ternria, talvez anime o estabelecimentode dilogos ampliados, pois os textos abrem-se a leituras em diferentes nveis,isto , apresentam a poltica cultural a um pblico maior e menos especializado;propem classificaes que permitem compreender direes possveis para asaes; e oferecem elementos de contextualizao e sugerem interpretaesque estimulam a compreenso dos labirintos da poltica cultural.

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    1 Tendncias e questes mais marcantes

    A evoluo das polticas culturais ao longo das duas gestes do ministroFrancisco Weffort ser examinada sob o enfoque da sua consolidao institucional,da reconfigurao das formas de gesto de diversos programas culturais e daparceria com a sociedade, baseada em mecanismos de renncia fiscal.1

    A rea pblica federal de cultura vivenciou dois momentos singulares nadcada de 1990. Nos primeiros anos, as instituies pblicas de culturasofreram profundas mudanas e as polticas culturais perderam o status depoltica ministerial em nome do descomprometimento do Estado com asdemandas culturais e da conteno de gastos. A partir de 1995, a reao dosagentes culturais deflagrou um processo de reconstruo institucional da

    rea com a recriao do Ministrio da Cultura (MinC) e a reconfigurao dasinstituies a ele vinculadas. Tal processo, durante os anos 1990, atravessoutambm diversos setores. A modernizao dos museus nacionais, osprogramas do patrimnio histrico, artstico e cultural, a recente poltica dopatrimnio imaterial e a poltica para o cinema merecem acento pelasinovaes institucionais que significaram.

    O grande avano alcanado na segunda metade da dcada deveu-se,em grande medida, aos diversos mecanismos de financiamento criadosou modernizados. As leis de incentivos fiscais, isto , as Leis Rouanet(Lei n 8.313, de 23 de dezembro de 1991) e do Audiovisual (Lei n 8.685, de 20de julho de 1993), foram ajustadas ao longo da dcada e aportaram montantessignificativos de recursos para o financiamento de projetos culturais, tantorecursos pblicos provenientes da renncia fiscal quanto aportes adicionais dasempresas financiadoras. Tambm merecem destaque o Fundo Nacional deCultura (FNC) e os Fundos de Investimento Cultural e Artstico (Ficart), com poucaefetividade como mecanismo de financiamento. No entanto, sobretudo, as

    polticas foram dotadas de recursos oramentrios crescentes nos primeiros anose que depois mantiveram um nvel razovel de estabilidade.

    Portanto, a rea cultural passou por um significativo esforo dereorganizao, adotando programas e mecanismos estveis de fomento satividades culturais, embasados em regras e procedimentos pblicos e napresena do Estado, garantindo, assim, apoio ao desenvolvimento e democratizao da cultura.

    1. Texto originalmente publicado na edio n 6, de fevereiro de 2003, do boletim Polticas Sociais acompanhamento e anlise, editado pelo Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada (Ipea).

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    2 Polticas culturais na dcada de 1990

    Delimitar o campo cultural e o objeto de ao das polticas culturais no fcil. As fronteiras entre um e outro so mveis e histricas, dependendodas relaes e foras sociais prprias a cada configurao. Como exemplo,podem-se citar as mdias eletrnicas, a radiodifuso e a televiso, as polticaseditoriais e mesmo de internet, que so, em outros pases, consideradas reasde interveno cultural e que, no entanto, tm sido apenas tangenciadas peloMinistrio da Cultura brasileiro.

    A configurao institucional liga-se histria social e poltica e caracteriza-se por ser constituda de jogos nos quais esto presentes diversos atores, ospoderes pblicos e suas administraes em diversos nveis, as instituies no

    governamentais, as empresas, os artistas e outros agentes culturais. As polticaspblicas so conjuntos de aes (e de omisses) conduzidas de forma planejadae coordenada, muitas vezes submetidas a acompanhamentos e avaliaessistemticas e visam modificar ou manter a realidade nas diferentes reas davida social. A tendncia atual das polticas culturais, presente em diversos grausem outros pases, que ao setor pblico no cabe produzir ou dirigir a cultura,mas fomentar a sua produo, a sua distribuio e o seu consumo,democratizando e proporcionando acesso produo cultural. Essa a linhade atuao do ministrio brasileiro.

    Entretanto, as especificidades da nossa histria social e cultural fizeramdo MinC um executor relevante em diversas reas, tendo at mesmo secretariasinternas para isso, sobretudo por meio de suas instituies vinculadas,algumas j seculares, como a Biblioteca Nacional, encarregada legalmente degerir o sistema nacional de bibliotecas pblicas e depositria nacional dareserva legal de livros, da Biblioteca Demonstrativa de Braslia e da BibliotecaEuclides da Cunha, os museus nacionais, como o Museu Imperial, o Museu

    da Repblica, o Museu Nacional de Belas Artes, a Cinemateca Nacional, entreoutros, o Instituto do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional(Iphan), que data da dcada de 1930 e tem dez superintendncias regionais,o Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular (CNFCP), hoje vinculado Fundao Nacional de Arte (Funarte), datado das campanhas nacionais defolclore das dcadas de 1940 e 1950, que so importantes referncias narea do patrimnio imaterial em nvel internacional. H ainda a Funarte; maisrecentemente, a Fundao Palmares, de 1988, que tem a incumbnciaconstitucional de titulao, preservao e dinamizao de reas remanescentesde quilombos (artigos 215, 216 e artigo 68 das disposies constitucionais

    transitrias); bem como a Fundao Casa de Rui Barbosa. Essas instituiesatuam na execuo de aes e tambm so referncias na rea cultural e naorientao de outros agentes executores.

    Pode-se afirmar que a rea cultural formada por duas modalidades deaes complementares e que se apiam estrategicamente, a saber, a polticade eventos e as polticas culturais stricto sensu.

    2.1 Poltica de eventos

    A poltica de eventos constitui-se em estmulo e condies materiais paraaes. Em grande parte dos casos, so aes fragmentrias, desarticuladas,isoladas e sem muita continuidade, mas que, bem manejadas, preenchemespaos importantes e tm efeitos multipl icadores significativos.

    A forma mais importante de estmulo produo e circulao dasprodues culturais so os inmeros festivais, concursos, prmios e bolsas,que tambm cumprem o papel de consagrao e valorizao das obrasproduzidas. Na rea do cinema, o Grande Prmio Cinema Brasil teve o mritode mostrar ao pblico os resultados da retomada da produo do cinemanacional, homenageando autores e reconhecendo o trabalho de inmeroscineastas, produtores, artistas e tcnicos depois da desorganizao vivenciadano incio da dcada de 1990. Na rea do teatro, o Ministrio da Culturainstituiu o Concurso Nacional de Textos Teatrais, incentivando a capacidadecriadora e gerando o aparecimento da imensa produo que se esconde nasgavetas sem o estmulo para vir a pblico. A Bolsa V irtuose outro importantemecanismo de estmulo ao desenvolvimento das capacidades profissionaisem todos os segmentos da rea cultural. O programa contempla artistas eprofissionais com bolsas de especializao no exterior. Nessa mesma linha,realizou-se a Mostra de Curtas e Documentrios do Ministrio da Cultura O Cinema dos Brasileiros. A Secretaria de Msica e Artes Cnicas, do Ministrio

    da Cultura, desenvolveu o programa Encena Brasil, que concede prmios agrupos de teatro e dana, alm de passagens, estadia e alimentao para osgrupos de todo o pas durante a circulao dos espetculos. Alm disso,apoiou concesso de prmios, fomentou projetos e concedeu bolsas,implantou e modernizou espaos culturais, promoveu o intercmbio deeventos culturais de msica e de artes cnicas no pas e no exterior e apoioubandas de msica e orquestras.

    A poltica de eventos foi modalidade fortemente acentuada pelo financiamentovia leis de incentivos (e tambm oramentrias) e tem limites claros no que tange descontinuidade e s dificuldades na orientao da demanda.

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    brasileiro ainda defronta com inmeras dificuldades, da articulao planejadaentre produo, distribuio e exibio at o uso de direitos de exibio emteleviso e vdeo. O nmero de salas reduzido e seus gestores resistem programao de filmes nacionais. No entanto, vrias iniciativas foramtomadas ao longo da dcada, com relativo sucesso, para preencher ouminimizar essa lacuna. O programa Mais Cinema 1999-2000 para oincremento e a articulao da produo, da comercializao e da distribuiodas obras visa a aumentar as potencialidades e possibilidades competitivas ecomerciais do cinema nacional por meio do financiamento de filmes brasileirospara exportao via Programa de Financiamento s Exportaes/Banco doBrasil (Proex/BB) e da incluso do cinema, a partir de 1998, nas treze metasdo Programa Brasileiro de Produtividade e Qualidade (PBPQ).

    Um grande problema na dcada decorreu da falta de bons resultados debilheteria da maioria dos filmes que usou os incentivos fiscais. Como acapacidade de capitalizao das empresas produtoras pequena, a perspectivade autonomia do setor em relao aos fundos pblicos e incentivos do Estadono vivel a curto prazo.

    As leis de cota de tela tambm foram usadas durante a dcada e somecanismos importantes que obrigam os grandes exibidores a apresentarcerto nmero de horas de filmes do cinema nacional, mas seus resultados eo potencial de fiscalizao e sano so muito baixos.

    Finalmente, no binio 2001-2002, com a criao da Agncia Nacional doCinema Brasileiro (Ancine), do Conselho Superior de Cinema e a reestruturaodo financiamento da produo de cinema, som e vdeo, ocorreu fortereconfigurao do papel da administrao pblica na rea. No semdivergncias e conflitos, optou-se por uma ao interministerial em favor dofomento da produo nacional cinematogrfica em moldes industriais.A Ancine ficou no Ministrio do Desenvolvimento, Indstria e Comrcio

    Exterior (MDIC) e o papel do MinC no novo desenho da rea ainda no estmuito claro. possvel que esse ministrio, por intermdio da Secretariado Audiovisual (SAV), dedique-se ao fomento da produo independente(curtas e documentrios), aquela frao da produo que no tem garantiasde retorno, nem se sustenta pelo mercado.

    Todos esses mecanismos e iniciativas, alguns mais, outros menosdesenvolvidos, fizeram que a produo do cinema nacional se reorganizassenos anos 1990. Pode-se verificar na tabela 1 que a freqncia de pblico aocinema nacional cresceu de forma significativa e o nmero de lanamentos temsido incrementado. A participao dos lanamentos nacionais (em 2000) no

    significa uma abordagem global da ocupao e dos usos sociais dopatrimnio. O gestor do programa Urbis o Ministrio da Cultura por meioda Secretaria de Patrimnio, Museus e Artes Plsticas (SPMAP/MinC). O Iphan,autarquia federal vinculada ao Ministrio da Cultura, rgo executor e, coma participao da Caixa Econmica Federal (CEF), disponibiliza crdito parafinanciar imveis de uso residencial por intermdio de seu Programa deRevitalizao de Stios Histricos (PRSH).

    O processo de regulamentao do Registro de Bens Culturais de NaturezaImaterial foi institudo pelo Decreto-Lei n 3.551, de agosto de 2000,e constituiu um marco na recuperao da memria cultural, dos saberese modos de fazer populares. Consolidou-se com a definio de certosprocedimentos de inventrio e preservao e referncia para aes similares

    em outros pases. A prpria Unesco tomar essa legislao como modelo dereferncia para os Estados membros. Conceitualmente, trata os saberes, ascelebraes, as formas de expresso e os lugares (de memria e prticas) emseus contextos socioeconmicos. Para a consolidao dos procedimentos,realizaram-se em 2001 as Oficinas de Resgate da Memria Cultural: Paneleirasde Goiabeiras (ES), Crio de Nazar (PA) e Rota Indgena do Rio Negro (AM).Outras iniciativas podem ser identificadas e relacionadas ao patrimnioimaterial e so objeto de relevo internacional pelo fato de a legislao serinovadora. O Ofcio de Paneleiras de Goiabeiras foi o primeiro bem de naturezaimaterial a ser reconhecido como patrimnio, tendo a sua inscrio executadano Livro de Registro dos Saberes do Instituto do Patrimnio Histrico eArtstico Nacional.

    4 Cinema

    Desde a extino da Empresa Brasileira de Filmes (Embrafilme) em 1990,o cinema no dispunha de mecanismos institucionais de estmulo pblico

    produo e ao financiamento. A partir de 1993, os problemas de financiamentopara o cinema foram parcialmente resolvidos com as leis de incentivo,2 aindaque algumas das caractersticas da captao de recursos via incentivos fiscaispara a rea, sobretudo o tempo de produo muito longo, tenham frustradoas expectativas do pblico e dos investidores quanto aos resultados daaplicao dessas verbas. Ainda assim, conseguiu-se alavancar de maneiraimportante a produo audiovisual brasileira. verdade que o cinema

    2. Lei do Audiovisual Lei n 8.685, de 1993.

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    Ainda que insuficiente, o incremento de bibliotecas municipais amenizaas distores do desenvolvimento desigual brasileiro. Alm disso, o segmentode livros didticos ocupa a maior parte do mercado editorial e uma parcelamuito pequena dos leitores acessa obras via bibliotecas. Diante desses fatores,a criao do hbito de leitura na populao constitui-se em um desafio aindamaior quando consideradas as desigualdades socioeconmicas e asconseqentes dificuldades para a compra de livros.

    A implantao de bibliotecas em municpios enfrenta a herana dasdesigualdades regionais nas mais diferentes dimenses: no que se refere capacidade implementadora local, capacidade tcnica na formulao deprojetos e capacidade de oferecer contrapartidas, que vo desde acomplementao de recursos financeiros at a existncia de equipamentos e

    locais adequados. Com efeito, o maior desafio atender demanda porbibliotecas, ampliar acervos e desenvolver aes de fortalecimento dascapacidades locais mediante treinamentos e capacitao a distncia. Os nveislocais nem sempre esto aparelhados administrativa e financeiramente paraimplementar e desenvolver atividades de biblioteca sem o devidoassessoramento tcnico e sem a presena ativa de outros nveis de governo.At 2001, foram implantadas 1.471 bibliotecas, o que significou umaampliao de 38% no nmero de bibliotecas desde o incio do governo,segundo estimativas do Ministrio da Cultura. Outro aspecto da poltica dolivro e da leitura que vem sendo insistentemente discutido a informatizaode bibliotecas. Essa ao objetiva dotar mais da metade das bibliotecasexistentes de acesso internet e disponibilizar acervos entre bibliotecas.

    6 Perspectivas para as polticas culturais

    A despeito desses avanos, grande parcela dos municpios b rasileiros no

    dispe de cinemas, teatros ou salas de espetculos em geral, museus, arquivose bibliotecas (ver grfico 1), o que expe as dificuldades de acesso e aprecariedade dos hbitos culturais do brasileiro, mesmo quando consideramosa penetrao massiva de algumas redes de televiso.

    Apesar de a expressiva parcela de municipalidades brasileiras no disporde qualquer equipamento cultural, como mostra o grfico 1, as atividadesculturais responderam em 2000 por mais de 700 mil empregos formais,enquanto na Frana (guardadas as propores entre populao e territrio) onmero de 400 mil sem contar com estimativas do setor informal, quecorresponderia no Brasil a aproximadamente 40% do formal.

    mercado est em torno de 15% e a freqncia de pblico chega a 10%. NaFrana, os filmes americanos ocupam 70% do mercado de exibio; na Inglaterra,88%; na Alemanha, 85%; Mxico e Argentina atingem o mesmo nvel brasileiro. 3

    Tabela 1

    Nmero de lanamentos e freqncia de pblicoao cinema, 1994-2000

    AnoLanamentos F reqncia de pblico

    Percentual departicipao nacional

    Nac iona l Est rangei ro Nac iona l Est rangei ro Lanamentos Pb lico

    1994 7 216 271.454 74.728.546 3,14 0,36

    1995 12 222 3.150.000 81.850.000 5,13 3,71

    1996 23 236 2.550.000 59.450.000 8,88 4,11

    1997 22 184 2.388.888 49.611.112 10,68 4,59

    1998 26 167 3.606.279 66.393.721 13,47 5,15

    1999 25 200 6.000.000 64.000.000 11,11 8,57

    2000 24 133 7.551.000 64.828.340 15,29 10,43

    Fonte: MinC.

    5 Bibliotecas

    A produo e a circulao de livros correspondem a parcela significativadas atividades culturais. Difcil a conciliao entre atividades culturais eimperativos comerciais. O livro, no Brasil, de qualidade reconhecidainternacionalmente e seu mercado editorial dinmico, mas ele no estdisponvel para toda a populao brasileira, seja por razo de preo,distribuio, nmero de livrarias ou acesso a bibliotecas. Deve-se tambmressaltar que o mercado mundial, assim como em outras reas, por exemplo,a fonogrfica, tende a se concentrar em conglomerados de mdia, integrando

    o setor de comunicao como um todo: TV, jornal, editoras, etc. Dessamaneira, a interveno do Estado primordial. A Secretaria do Livro e Leituravem tentando implantar e qualificar uma rede de bibliotecas pblicas,concentrando-se tambm na promoo do hbito de leitura e na discussode uma legislao para o setor. A secretaria tem implementado uma polticade compra e repasse de acervos que junto com as aes do Ministrio daEducao respondem por 12% do mercado de livros no Brasil.

    3. CARDOSO, F. H.; WEFFORT, F. C.; MOISS, J. A. Cinema brasileiro. Cadernos d o Nosso Tempo. Riode Janeiro: Edies Fundo Nacional de Cultura, 2001.

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    Grfico 1

    Municpios que no possuam, em 1999, os equipamentosculturais respectivos(Em %)

    Fonte: IBGE.Elaborao: Disoc/Ipea.

    A rea cultural tem o reconhecimento de sua importncia at mesmo naorganizao do Estado brasileiro, mas sua distribuio regional profundamente desigual (39% dos empregos formais situam-se no Rio deJaneiro e em So Paulo e 82%, nas regies metropolitanas).4

    A Constituio de 1988, nos seus artigos 215 e 216, representa umavano no que se refere ao reconhecimento dos direitos culturais e doprincpio da cidadania cultural. Estabeleceu-se que o Estado deveria garantira todos o exerccio dos direitos culturais e o acesso universal aos valoresgerados. Para tanto, deveria apoiar, incentivar e valorizar as diferentesmanifestaes culturais. A exemplo de direitos consagrados, como os civis,polticos, sociais e econmicos, os direitos culturais foram alados condiode direito fundamental e ao reconhecimento da cultura em sua naturezamaterial e imaterial. Entretanto, apesar de enunciar claramente o papel dosnveis de governo e da sociedade, o legislador foi omisso quanto aosinstrumentos para alcanar tais objetivos. No intuito de preencher essalacuna, tramita no Congresso a Proposta de Emenda Constitucional 306-A,de 2000, que acrescenta ao artigo 215 da Constituio Federal o (PEC)pargrafo 3, que institui o Plano Nacional de Cultura. A PEC 306-A estabelece

    19,1

    73,2

    74,8

    80,9

    64,1

    65,0

    35,7

    92,7

    Bibliotecas pblicas

    Museus

    Teatro ou casas de espetculos

    Cinemas

    TV a cabo

    Livraria

    Loja de discos/fitas/CDs

    Videolocadora

    4. BARBOSA DA SILVA, F. A.; ARAJO, H. E. O mercado formal de cultura caractersticas e evoluo(Relatrio de pesquisa). Braslia: Ipea, 2002 (mimeo).

    que o Plano Nacional de Cultura, a ser institudo por lei, com duraoplurianual, ter como escopo o desenvolvimento cultural do pas e a integraodas aes do poder pblico, tendo em vista a defesa e a valorizao dopatrimnio cultural brasileiro; a produo e a difuso de bens culturais; aformao de pessoal qualificado para a gesto da cultura em suas mltiplasdimenses; a democratizao do acesso aos bens de cultura; e a valorizaodas diversidades tnica e regional.

    Alm do empenho do governo federal durante a ltima dcada no sentidoda reconstruo das instituies federais de cultura e de mecanismos defomento e financiamento, os demais nveis de governo tambm tiveraminiciativas importantes na ampliao dos recursos oramentrios prprioscom a finalidade de dinamizao cultural.5 De meados dos anos 1990 em

    diante, proliferaram nas instncias subnacionais as leis de incentivo nosmoldes das leis federais.

    Por outro lado, possvel promover a reorganizao institucional, aredefinio do escopo de atuao e a melhoria da qualidade de atuao dosetor pblico na rea cultural. Os programas Monumenta, Som e Vdeo,Patrimnio Cultural, Museu Memria e Futuro, Produo e Difuso Cultural,Msica e Artes Cnicas, Livro Aberto e Cultura Afro-brasileira integram o rolde programas executados ou fomentados pelo Ministrio da Cultura. O setorpblico no Brasil no tem compromissos com a produo em escala industrial,exceo feita s iniciativas em relao ao c inema e a alguma interveno queenvolva direitos autorais, ainda assim, aes pontuais. Entretanto, a reacultural tem interfaces com outros rgos: com o Ministrio do Trabalho, naformao, na capacitao profissional e na intermediao de mo-de-obra;com o Ministrio da Educao, poltica de compra e produo dos livrosdidticos, a formao de bibliotecas e dotao de acervos, na formao deprofissionais e, sobretudo, na formao do gosto cultural; e com os ministrios,

    as fundaes e as autarquias que possuem museus, bibliotecas e arquivoscujo tratamento tcnico perpassa questes de referncia cultural. Areorganizao e a ampliao dessas interfaces ampliam o escopo de ao dasinstituies pblicas, sem significar o adensamento das medidas marcadaspela produo industrial e pelas regras de mercado.

    5. Cf. BARBOSA DA SILVA, F. A. Os gastos culturais dos trs nveis de governo e a descentralizao .Braslia: Ipea, abril de 2002 (Texto para Discusso, n. 876).

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    As intervenes do Ministrio da Cultura no abrangem de formaampla nenhuma das indstrias culturais, sendo as atividades de produode livros, discos e CDs limitadas. Embora as instituies vinculadas aoMinistrio da Cultura desenvolvam atividades dessa natureza, no seguemobjetivos estratgicos, na medida em que so produes pequenas,despreocupadas com a distribuio e impacto reduzido na produonacional. No mximo, estimulam setores dos diversos segmentos sempenetrao de mercado.

    Os objetivos de democratizao e acesso cultura, se levados a srio,implicam:

    redefinio das relaes do aparato pblico com as indstrias culturais;

    postura ativa em relao aos contedos culturais transmitidos na escola;

    postura ativa quanto aos contedos veiculados nos diversos meios decomunicao;

    polticas de proteo dos mercados internos e formao de recursoshumanos profissionalizados na produo e na gesto pblicas da cultura;

    ateno aos diversos usos da cultura, inclusive com perspectivas deexportao e como pea de estratgias de desenvolvimento do turismo;

    preocupao com a desconcentrao da circulao e da produo decultura pelo espao nacional, de forma a descentralizar a cultura do eixoRioSo Paulo (as principais instituies federais de cultura concentram-seentre Rio de Janeiro, So Paulo e Minas Gerais);

    preocupao com a eqidade regional na distribuio de recursos pblicos; e

    articulao entre os diversos espaos institucionais, sobretudo aquelesreferentes formulao e implementao de polticas pblicas culturais.

    As interconexes da cultura com o espao das telecomunicaes tambmso muito evidentes, sobretudo atualmente com a ao clara do Ministrioda Cultura de utilizar a mdia eletrnica para a difuso da produo cultural

    brasileira. A Constituio Federal previu, no seu artigo 221, que as TVs abertasexibissem filmes e produes culturais, mas elas no o fazem ou o fazem deforma insuficiente. A discusso sobre a criao da TV Cultura e Arte, peloMinistrio da Cultura, para a difuso da produo cultural brasileira reacendeuo debate sobre as relaes entre cultura em especial a produocinematogrfica , TVs abertas e fechadas, canais pblicos educativos epreceitos legais, como j mencionado. Essas relaes evidenciam a necessidadede a produo e a circulao cultural contemplarem as novas tecnologias dedifuso e de a poltica cultural considerar esse aspecto e suas conseqncias(econmicas, institucionais, estticas, etc.) no mbito de suas aes. A reacultural abrange a indstria e a poltica de telecomunicaes, seus marcos

    regulatrios, a indstria grfica (fundamental para as polticas do livro), omercado cinematogrfico, o turismo e toda atividade que proporcionedinamismo e sustentabilidade produo e circulao cultural. importanteo estmulo gerao de produtos (em audiovisual ou livro, por exemplo) comcontedos de qualidade e, muitas vezes, sem penetrao de mercado.

    A imensa rede de educao nacional ainda no foi suficientementeexplorada quanto ao seu potencial de difuso de valores culturais, sendopossvel uma maior interao do MinC com o Ministrio da Educao (MEC)para o estabelecimento de aes complementares e que incluam a culturacomo elemento da educao formal. A formao do gosto significa mais doque a possibilidade de criar indivduos capazes de fruio esttica; demandacompreenso e crtica, capacidade de reconhecer estilos, linguagens, valorizar

    e perceber diferenas, requer aptido de relativizar as prprias crenas egostos. Enfim, torna necessria a educao do olhar, da audio, dos sentidos,o que proporciona discernimento aos indivduos e no a simples assimilaopassiva ou dogmtica de padres estabelecidos e conhecidos. fundamental,na democratizao cultural, a articulao das aes do MinC com o sistemaeducacional, com iniciativas voltadas para a formao de hbitos e domniosde referncias culturais, at mesmo com a efetiva educao artstica noscurrculos escolares (teatro, dana, msica, artes plsticas, audiovisual, etc.).

    A produo cultural nacional significativa, mas o escopo de atuao dospoderes pblicos tem sido limitado. possvel organizar um conjunto deintervenes que aumente as capacidades instaladas em termos de infra-estrutura e capacitao profissional o que no funo isolada, ainda queo setor pblico tenha papel fundamental nesse aspecto. vivel e necessrioque o setor pblico estatal retenha a funo de articulador e coordenador deaes, instituies e diversos agentes culturais, com o objetivo de fomentar aproduo e descentralizar equipamentos culturais; mas para tal imprescindvel

    aumentar as capacidades de gesto.Da mesma forma, seria importante uma redefinio do seu escopo de

    atuao, dos objetos de interveno e das aes interinstitucionais.A rengenharia do Conselho Nacional de Cultura, que tem representatividadee atribuies circunscritas, poderia contribuir como ponto de partida nareviso da funo do poder pblico federal na rea, que, alm de fomentar eexecutar algumas polticas, poderia adquirir a funo central de articuladorde planos nacionais e seus desdobramentos locais e regionais. Poderia aindairradiar e negociar polticas de ampliao da oferta cultural, descentralizandoe criando capilaridade nas aes, multiplicando com os demais nveis de

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    governo os equipamentos culturais e facilitando a diversificao da oferta dediferentes contedos e expresses culturais.

    7 Financiamento

    Depois da poltica de terra-arrasada dos primeiros anos da dcada de1990, pode-se afirmar que houve um processo de reconstruo institucional,acompanhado por aportes crescentes de recursos para a rea cultural.

    O financiamento na rea cultural tem duas leis de referncias. Primeiro, aLei n 8.313, de dezembro de 1991 a Lei Rouanet , atualizada pelo Decreto-Lei n 1.494, de maio de 1995, que criou o Programa Nacional de Apoio Cultura (Pronac). A sua implementao deu-se a partir de trs pilares: o Fundo

    Nacional da Cultura (FNC); os Incentivos a Projetos Culturais; e os Fundos deInvestimento Cultural e Artstico (Ficart), pouco efetivos.

    A outra lei a de n 8.685 a Lei do Audiovisual , de julho de 1993,a qual foi modificada pela Lei n 9.323, de dezembro de 1996. Ela segue amesma lgica dos incentivos fiscais e se destina a projetos cinematogrficosde produo independente e a outros projetos da rea do audiovisual deexibio, distribuio e infra-estrutura tcnica.

    Ento, o sistema de financiamento cultural se d por dois mecanismos:

    a) o incentivo fiscal, que faculta s pessoas fsicas e jurdicas a opo pelaaplicao de parcelas de impostos devidos para doao e apoio diretoa atividades culturais; e

    b) os recursos oramentrios, nos quais esto inseridos os recursosdestinados ao Fundo Nacional de Cultura.

    7.1 O financiamento via isenes ou dedues tributrias

    O Incentivo a Projetos Culturais se d por isenes ou dedues tributriaspara contribuintes do Imposto de Renda que apiem projetos culturais sob aforma de doao ou patrocnio. So recursos no oramentrios, isto , notransitam pelo oramento federal. O incentivador o doador ou o patrocinador.O doador faz transferncia gratuita (doao), em carter definitivo, pessoafsica ou jurdica de natureza cultural, sem fins lucrativos, de numerrio, bensou servios para a realizao de projetos culturais, sendo vedado o uso depublicidade paga para divulgao desse ato. O patrocinador faz transfernciagratuita (patrocnio), em carter definitivo, a pessoa fsica ou jurdica denatureza cultural, com ou sem fins lucrativos, de numerrio para a realizao

    de projetos culturais com finalidade promocional e institucional depublicidade.6 O FNC pode receber recursos passveis de deduo tributriacom destinao prvia ou livre, a critrio do contribuinte.

    As caractersticas das dedues previstas nas leis de incentivo culturaesto resumidas no quadro 1.

    Quadro 1

    Limites de deduo fiscal por tipo de investimentoe de investidor

    Leis de incentivo

    Doao Patrocnio

    Pessoafsica

    Pessoajurdica

    Pessoafsica

    Pessoajurdica

    1) Art igo 26 da Lei n 8 .313/91 ( Le i Rouanet ) 80% 40% 60% 30%

    2) Lei n 8.685/93 (Lei do Audiovisual) 100% 100% 100% 100%

    3) Lei n 9.874/99 (altera artigo 18 da Lei Rouanet) 100% 100% 100% 100%

    Alguns dos mecanismos reformados nas leis de incentivo so:7

    a) aumento do percentual de abatimento do Imposto de Renda daspessoas jurdicas de 1% para 3% nos investimentos em projetosaudiovisuais em agosto de 1996; e

    b) aumento da deduo do Imposto de Renda para 100% no caso deprojetos de artes cnicas; livros de valor artstico, literrio ouhumanstico; msica erudita ou instrumental; circulao de exposiesde artes plsticas; doaes de acervos para bibliotecas pblicas e paramuseus8 (Medida Provisria n 1.589/97, convertida na Lei n9.874/99); depois estendeu o abatimento para outros segmentos.

    Existe um teto de renncia fiscal anual permitido por lei, o qual definidopela Receita Federal e autorizado por decreto presidencial. Atualmente9 ele

    de R$ 160 milhes. O teto tem sido atingido todos os anos, mas antes de1994 a sua utilizao era muito baixa.

    6. O patrocinador pode cobrir gastos ou proporcionar a utilizao de bens mveis ou imveis, do seupatrimnio, sem a transferncia de domnio, para re alizao de projetos culturais por pes soa fsica oujurdica de natureza cultural, com ou sem fins lucrativos.7. As pessoas jurdicas tributadas com base no lucro real podem abater o total das doaes e dospatrocnios como despesa operacional nas Leis Rouanet e do Audiovisual.

    8. Nesse caso, os incentivos no podem ser deduzidos das despesas operacionais.

    9. Em 2003.

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    As tabelas 2 e 3 mostram o incremento de recursos provenientes das leisfederais de incentivo que praticamente triplicam de 1996 para 2001.Ressalte-se que a demanda por financiamento no foi satisfeita, na medidaem que dos 21.333 projetos apresentados, 80% foram aprovados e, desses,apenas 30% conseguiram captao.

    Tabela 2

    Recursos de captao das leis de incentivo, 1996-2001(Em R$ mil)

    Captao Lei Rouanet

    Segmentos 1996 1997 1998 1999 2000 2001

    Artes cnicas 15.780 22.731 22.315 29.427 58.601 77.154

    Artes integradas 20.419 49.150 44.393 35.953 40.847 39.048Artes plsticas 7.309 1 1.937 2 3.156 1 7.878 3 2.624 2 4.955

    Humanidades 4.873 18.176 19.793 27.106 30.763 35.928

    Msica 20.357 25.188 38.056 42.238 58.566 75.722Patrimnio cultural 25.270 46.067 50.272 39.217 37.531 44.059

    Audiovisual 17.499 34.160 30.089 19.232 22.096 41.261

    Total 111.506 207.408 228.074 211.052 281.028 338.128

    Fonte: MinC.

    Tabela 3

    Recursos de captao da Lei do Audiovisual, 1996-2001(Em R$ mil)

    Captao Lei do Audiovisual

    1996 1997 1998 1999 2000 2001

    Audiovisual 57.852 79.456 43.252 4.470 33.254 45.220

    Fonte: MinC.

    Os diferenciais de descontos oferecidos explicam o comportamento dos

    recursos incentivados a partir de 1998. As sucessivas crises internacionaistambm tiveram impacto sobre as disposies de investimento das empresas.Mas, em parte, pode-se creditar a explicao, sobretudo do comportamentono segmento de udio, ao tempo de maturao e concluso dos projetos,que mais longo. De qualquer maneira, assinalam-se trs caractersticas dacaptao de incentivos: i) em mdia a contribuio dos empresrios caiu aolongo da dcada era de 66% contra 34% da renncia fiscal, em 1996; em2000, a relao j estava invertida, apenas 35% eram de recursos novos; 10

    10. DRIA, C. A. Aspectos do financiamento da cultura na dcada de 90 . Braslia: Cmarados Deputados, novembro de 2001.

    ii) as empresas pblicas constituram-se nos principais incentivadores na reacultural uma empresa estatal consumiu aproximadamente 45% dos recursosincentivados em 2002, tendo sido o padro durante toda a dcada; e iii) osrecursos incentivados concentram-se na regio Sudeste.

    7.2 Recursos oramentrios

    Os dispndios oramentrios sofreram retrao no binio 1998-1999 emrazo do controle fiscal e das crises no sistema financeiro internacional.Entretanto, sempre estiveram acima dos montantes executados em 1995.O crescimento mdio foi pequeno, mas contnuo ao longo das duas gestesde FHC. Em 2001, os gastos oramentrios atingiram R$ 326,6 milhes, osquais, somados aos recursos incentivados, ultrapassaram R$ 699 milhes.

    Algumas medidas devem ser destacadas no que concerne aos recursosoramentrios durante a dcada de 1990:

    a) o aumento de alquota de 1% para 3% da fonte Concursos ePrognsticos em 2001 elevou os recursos oramentrios do FNC, osquais mais que duplicaram, passando a responder por 18% do totalde recursos da cultura. Embora o FNC tenha sido penalizado comcontingenciamentos de meados da dcada em diante, chegou ao ano2000 com um montante significativo em relao aos anos anteriores.

    b) reformulao da Codecine, o que ainda no teve efeitos na ampliaode recursos.

    c) o aporte de recursos, importante de ser assinalado, de organismosinternacionais, sobretudo no programa Monumenta. As operaes decrdito aportaram R$ 3,8 milhes em 2001.

    A fonte Tesouro constitui-se na quase totalidade dos recursos despendidospelo MinC nos anos 1990. Em 2001, os recursos ordinrios contriburam com74% dos recursos e a fonte Concursos e Prognsticos concorreu com outros18%. O Fundo Social de Emergncia (FSE), renomeado Fundo de EstabilizaoFiscal (FEF), apresentou-se como outra importante fonte de recursos para area cultural.

    Nos recursos oramentrios, sobressaem as transferncias da Unio paraestados e municpios, que tambm se ampliam entre 1995 e 2001. Emboraos recursos de transferncia no sejam majoritrios (em mdia foram de21,5% no perodo 1995-2001), apontam para tendncias e para o papelsignificativo das parcerias e da participao de instituies culturais regionais.

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    Captu lo 2

    O Debate sobre Comunicao

    e a Continuidade dos Programas

    Os municpios receberam 41%, em mdia, das transferncias entre 1995 e2001, enquanto os estados obtiveram 35% do total em 1995 e tiveram suaparticipao reduzida para 14% em 2001 (21%, em mdia, na duas gestesde Weffort).

    A participao dos dispndios com pessoal e encargos nos gastos totaiscaiu de 53%, em 1995, para 34%, em 2001, enquanto as aposentadoriasaumentaram de 18,5%, em 1995, para 30%, em 2001 o que representa umproblema importante para os prximos anos, quando se prev aumento dasaposentadorias sem a devida recomposio do quadro de pessoal.

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    1 Introduo

    Um dos acontecimentos importantes na rea cultural foi a discusso daProposta de Emenda Constitucional (PEC) no 203-A, de 1995, apensada PECno 455-A, de 1997, a qual permite a participao do capital estrangeiro nasempresas jornalsticas e nas empresas de radiodifuso b rasileiras.1 Tal propostaabre a possibilidade para que at 30% do capital das empresas jornalsticas ede radiodifuso brasileiras seja estrangeiro, alm de permitir que elas sejamcontroladas por pessoas jurdicas, mantidas as limitaes de capital. Portanto,segundo a PEC, as pessoas jurdicas podero dispor de 100% do capital dasempresas e os estrangeiros podero deter at 30% desse total. Essa composiosocietria permite a abertura das empresas em bolsa, bem como capitalizaocom dinheiro de pequenos investidores. A entrada efetiva de capital externodepende de regulamentao de lei ordinria de acordo com a redao donovo texto constitucional, no artigo 222, pargrafo 4 o. A responsabilidadeeditorial e de seleo de contedo nos meios de comunicao social (TV pagae TV aberta, internet, rdios, jornais, revistas, etc.) dever ser de brasileiros.Ajustes sero necessrios nas legislaes existentes (a Lei do Cabo exime ooperador de responsabilidades sobre contedos, por exemplo), e no claroo que um veculo de comunicao social ou uma empresa jornalstica. Essesaspectos aguardam discusso e definio conceitual e legal. O Congressodever ser comunicado sobre qualquer mudana patrimonial no controlesocietrio das empresas.

    A questo do contedo dos meios de comunicao, bem como ainstalao do Conselho de Comunicao Social, tambm foi objeto de debatesquando da discusso da PEC. A legislao brasileira de radiodifuso e aexistncia de um rgo autnomo so instrumentos importantes de regulaodo setor. A primeira depende de lei complementar, possivelmente de uma le igeral de radiodifuso. A discusso de uma lei com esse teor demorada e a

    aprovao da emenda ganhou certa urgncia conjuntural. As dificuldadesfinanceiras das empresas jornalsticas e de radiodifuso, as quais encontram-seendividadas, sem capital para novos investimentos, e com queda na arrecadaocom publicidade, deram o tom da discusso. A aprovao da emenda significavaa possibilidade de capitalizao das empresas em pouco tempo. Segundoestimativas do Ibope, a abertura dos capitais significaria aumento da arrecadaopublicitria de 1,7% para 2,5% do Produto Interno Bruto (PIB).

    1. Texto originalmente publicado na edio n5, de agosto de 2002, do boletim Polticas Sociais acompanhamento e anlise, editado pelo Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada (Ipea).

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    J a questo do Conselho de Comunicao prevista no artigo 224 daConstituio Federal com o seguinte texto: para os efeitos do disposto nesseCaptulo (Captulo V Da Comunicao Social), o Congresso Nacionalinstituir, como rgo auxiliar, o Conselho de Comunicao Social, na formada lei. A Constituio tem mais de uma dcada de vigncia e esse Conselhoainda no foi institudo. Os recentes embates e discusses resultaram nocompromisso poltico para sua instalao.

    Outro fato importante foi a operao do Banco Nacional deDesenvolvimento Econmico e Social (BNDES) com a Globo Cabo, a qualenvolveu a aplicao de recursos da ordem de R$ 284 milhes do BNDES.A operao levantou inmeras crticas. A principal delas centra-se no fato deos recursos pblicos no terem sido empregados com transparncia e comcritrio de eqidade. A Globo Cabo teria sido beneficiada por motivaespolticas, visto que as linhas de financiamento deveriam estar disponveistambm para as outras empresas. Por seu lado, o BNDES argumenta que aoperao significou um investimento de mercado com expectativas deretorno. O banco tinha por objetivo, com isso, capitalizar e reestruturar aempresa, com todos os riscos presentes em operaes desse tipo. Outrosacionistas participaram da operao, mas o BNDES ofereceu o maior aportede recursos, o que ampliou sua participao acionria. O banco procuraintegrar o Conselho de Administrao da Globo Cabo para influir nas decisessobre as estratgias da empresa, tais como compra de equipamentose demisso do diretor-geral, mas as regras da Agncia Nacionalde Telecomunicaes (Anatel) impedem que o banco participe do conselhode duas empresas de telecomunicaes ao mesmo tempo (o BNDES membrodo Conselho da Telemar).

    O acompanhamento de divulgao de pesquisas peridicas, realizado

    pela Cmara Brasileira do Livro, permite esboar um retrato do setor editorialbrasileiro. Os dados divulgados em 2001 revelam que o setor cresceu nadcada de 1990. O faturamento das empresas alcanou R$ 2 bilhes em1998. O crescimento foi, em mdia, de 10% ao ano. Em 1999 e 2000, talcrescimento sofreu uma ligeira queda, mas o desempenho ainda foi positivo,visto ter sido superior ao dos primeiros anos da dcada. O nmero de livrosvendidos, por sua vez, atingiu, em 1998, 410 milhes (metade deles didticos,e aproximadamente 20% desses correspondem a li vros do Fundo Nacional doDesenvolvimento da Educao ou FNDE). Esse nmero declinou nos anosseguintes. Mesmo assim, em 2000, as vendas atingiram o ainda significativo

    nmero de 334 milhes de exemplares. A tiragem mdia caiu ao longo dadcada, o nmero de ttulos publicados chegou a 45 mil, e a produo internaatingiu 329 milhes de exemplares em 2000.

    Tabela 1

    Mercado editorial no Brasil 1990-2000

    AnoProduo Vendas

    Ttulos Exemplares (mil) Tiragem mdia Exemplares (mil) Faturamento(R$ mil) Preo mdio

    1990 22.479 239.392 10,6 212.206 902 4,25

    1991 28.450 303.492 10,7 289.958 872 3,01

    1992 27.561 189.892 6,9 159.678 803 5,03

    1993 33.509 222.522 6,6 277.620 931 3,351994 38.253 245.986 6,4 267.005 1.261 4,72

    1995 40.503 330.834 8,2 374.626 1.857 4,96

    1996 43.315 376.747 8,7 389.151 1.896 4,87

    1997 51.460 381.870 7,4 348.152 1.845 5,30

    1998 49.746 369.186 7,4 410.335 2.083 5,08

    1999 43.697 295.442 6,8 289.680 1.818 6,28

    2000 45.111 329.520 7,3 334.235 2.060 6,16

    VariaoAnual (%) 7,9 5,5 (2,4) 9,9 10,0 4,8

    Fonte: Convnio entre Centro Regional para o Livro na Amrica Latina e Caribe (Cerlalc),Cmara Brasileira do Livro (CBL) e Associao Brasileira da Indstria Grfica (Abigraf).

    2 Patrimnio cultural

    O processo de regulamentao do Registro de Bens Culturais de NaturezaImaterial foi institudo pelo Decreto n 3.551, de agosto de 2000, e constituiuum marco na recuperao da memria cultural e dos saberes populares. Talprocesso se consolida com a definio de certos procedimentos de inventrioe de preservao e j referncia para iniciativas similares em outros pases.Inclusive a Unesco ter essa legislao como modelo de referncia paraos pases membros. Conceitualmente, ela trata os saberes, as celebraes,as formas de expresso e os lugares (de memria e prticas) em seus contextossocioeconmicos. Para a consolidao dos procedimentos, foram realizadas,em 2001, as seguintes Oficinas de Resgate da Memria Cultural: Paneleirasde Goiabeiras (ES), Crio de Nazar (PA) e Rota Indgena do Rio Negro (AM).2

    2. Polticas Sociais acompanhamento e anlise, n. 3, ano 2, agosto de 2001.

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    Outras iniciativas podem ser identificadas e esto relacionadas ao patrimnioimaterial. Algumas receberam o Prmio Rodrigo Mello Franco de Andrade,concedido pelo Instituto do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional (Iphan):a Escola de Artes e Ofcios de Sobral (CE) e o Dossi Sescordel e Novos Talentosem Juazeiro do Norte (CE). A primeira treina meninos entre 16 e 21 anos emmarcenaria, alvenaria e restaurao. A segunda incentiva o processo decriao da literatura de cordel e xilogravura.

    Em 2001, a Unesco conferiu a Gois Velho (GO) o ttulo de PatrimnioCultural da Humanidade. Entretanto, as chuvas ocorridas em dezembro de2001 na cidade causaram srios danos ao patrimnio tombado. Aesemergenciais foram desenvolvidas. A cidade recebeu dotao de recursos dogoverno federal e foi iniciada campanha para fixao de parcerias com a

    iniciativa privada para financiamento e recuperao do patrimnio. A cidadetambm recebeu recursos do Monumenta.

    Para a preservao e a recuperao dos bens patrimoniais, foi iniciadaoutra parceria. A Caixa Econmica Federal (CEF) passou a disponibilizar linhasde crdito para reformas em moradias e para pequenos negcios ligados areas tombadas. So linhas consolidadas da CEF que recorrem a recursos doFGTS/Caixa, alm de se destinarem recuperao privada de imveis devalor histrico-cultural.

    A necessidade de um sistema integrado de planejamento, de coordenaode aes e de execuo fsico-financeira na rea da preservao patrimonialdeu origem ao Programa de Reabilitao Urbana de Stios Histricos (Urbis),cujas premissas so a promoo e o desenvolvimento de aes que valorizemas potencialidades socioeconmicas em reas urbanas de stio histrico.A reabilitao pressupe, alm das aes de recuperao dos bens, arecuperao de infra-estrutura como saneamento bsico, iluminao pblica,sistema virio, reas verdes, parques, alamedas, jardins e praas. O problema

    tambm envolve a recuperao e a instalao de estabelecimentos culturaiscoletivos, tais como museus, bibliotecas, cinemas e teatros. O Urbis preconizaa construo de gesto compartilhada de aes e de responsabilidades econceitua as aes sobre o patrimnio cultural como recurso para odesenvolvimento das cidades. As parcerias com a sociedade, apesar de aindaincipientes, possuem grande potencial. Algumas cidades j so objeto deao: Mariana (MG), Pirenpolis (GO), Sobral (CE) e Laguna (SC). Os gestoresdo Programa so a Secretaria de Patrimnio, Museus e Artes Plsticas doMinistrio da Cultura, o Iphan e a Caixa Econmica Federal. O Programatambm conta com recursos oramentrios e do mecenato.

    3 Livro e leitura

    O programa Uma Biblioteca em Cada Municpio implantou, em 2001,bibliotecas em 124 municpios, alm de ter ampliado e modernizadooutras 378. At 2001 foram 1.471 bibliotecas implantadas (umaampliao de 38%, nas estimativas do Ministrio da Cultura). Foramprogramados cursos de capacitao para os responsveis por bibliotecas(com a meta de atingir mais 10 mil pessoas em 2002). O programacomprou livros para o acervo de bibliotecas no valor aproximado deR$ 13 milhes. O MinC negociou co m as editoras e barateou o preo porexemplar. A compra totalizou mais de um milho de livros. At maroapenas 16% haviam sido pagos, o que criou srias dificuldades, sobretudo

    para as editoras de pequeno porte.Outro aspecto da poltica do livro e de leitura que vem sendo

    insistentemente discutido o da informatizao de bibliotecas. Essa aoobjetiva introduzir em mais da metade das bibliotecas existentes o acesso internet e disponibilizar acervos entre bibliotecas. As aes pretendemenvolver o Fundo de Universalizao dos Servios de Telecomunicaes (Fust),o qual foi criado pela Portaria n 254, de 10 de maio de 2001, do Ministriodas Telecomunicaes. Tal portaria define o Programa Bibliotecas que visa apermitir: I o acesso a informaes digitalizadas de bibliotecas pblicasfederais, estaduais e municipais, de centros de difuso cultural e cientfica ede organizaes da sociedade civil de interesse pblico e II a implantaode acessos para utilizao de servios de redes digitais de informaodestinadas ao acesso pblico, inclusive internet, nas bibli otecas de entidadespblicas federais, estaduais e municipais, de centros de difuso cultural ecientfica e de organizaes da sociedade civil de interesse pblico (nostermos da Lei n 9.790, de 23 de maro de 1999). Os recursos para a

    implantao e a operacionalizao viro do Fust e sero aplicados pe la Anatel(Decreto n 3.624, de 5 de outubro de 2000) nos projetos Bibliotecas PblicasFederais, Estaduais e Municipais, Bibliotecas de Centros de Difuso Cultural eCientfica e Bibliotecas de Organizaes do Terceiro Setor.

    Alm disso, importante a atuao do Ministrio da Educao na reaaudiovisual e de cinema. O projeto A Redescoberta do Cinema Nacional promovea interface entre a mdia e o estmulo leitura. So exibidos obras e filmesnacionais pela TV Escola. O projeto importante, pois d visibilidade ao cinemanacional e forma o gosto do pblico em relao nossa pesquisa esttica e

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    cinematogrfica. Ademais, estimula a leitura: mencione-se a exibio de diversosdocumentrios, de programas educativos e o estmulo ao hbito de leitura deautores nacionais (e tambm estrangeiros) por meio da TV Escola.

    4 Cinema, som e vdeo

    Dois importantes fatos que tiveram repercusso e que se consolidaramcomo instrumentos importantes da poltica cultural foram a TV Cultura eArte, implantada pela Portaria n 235, de 25 de abril de 2001, e a criao daAgncia Nacional do Cinema (Ancine), por meio da Medida Provisria (MP)n 2.228/2001, de 6 de setembro de 2001, que deveria, a partir de 2002,reconfigurar a matriz organizacional da indstria cinematogrfica no pas.

    Em conseqncia, o programa Cinema, Som e Vdeo dever ser redesenhado:seus objetivos passaro a se concentrar na vertente propriamente cultural daatividade audiovisual. A MP n 2.228 estabeleceu princpios gerais da PolticaNacional do Cinema, criou o Conselho Superior do Cinema e a AgnciaNacional do Cinema (Ancine), instituiu o Programa de Apoio aoDesenvolvimento do Cinema Nacional (Prodecine), autorizou a criao deFundos de Financiamento da Indstria Cinematogrfica Nacional (Funcines),alterou a legislao sobre a Contribuio para o Desenvolvimento da IndstriaCinematogrfica Nacional. Diversos aspectos dessa MP ainda geram polmicase controvrsias. Uma das mais importantes sobre a Contribuio para oDesenvolvimento da Indstria Cinematogrfica (Codecine).

    A Codecine foi criada para financiar a Ancine e fomentar a produocinematogrfica. O texto da MP n 2.228-1 estabeleceu uma taxa de 11%sobre lucros remetidos ao exterior a ttulo de explorao de produtosaudiovisuais. Os estdios reagiram e obtiveram da Justia liminar queconsiderou a cobrana indevida e suspendeu seus efeitos. As emissoras de TV,

    em especial aquelas cujo acesso ocorre por assinatura (elas deveriam pagar aCodecine e no estavam autorizadas a usar os benefcios da renncia fiscal,ao contrrio das abertas), tambm reagiram e alegaram que a contribuiocausaria um enorme prejuzo para o setor. Em maio de 2002 foi aprovada aLei n 10.454 que disps sobre a remisso do pagamento da contribuio.Entretanto, esse pagamento estava suspenso e ainda aguarda deciso judicialdefinitiva sobre o mrito do pagamento da Codecine. As grandes distribuidorasde filmes, entre elas a Warner, obtiveram na Justia brasileira liminar quesuspendeu os efeitos da cobrana. Desse modo, a falta de recursos fez comque a Agncia no sasse do papel.

    5 Direitos autorais

    Os direitos autorais no so respeitados no Brasil e, em decorrncia, asperdas para os diversos segmentos so significativas, o que prejudica no sos autores, mas tambm as relaes comerciais e o planejamento deinvestimentos das empresas que compem a indstria cultural. Segundo aInternational Intelectual Property Alliance (IIPA), o Brasil o segundo maiormercado mundial de produtos pirateados. A China seria o primeiro.

    As perdas para os detentores dos direitos chegaram a R$ 2 bilhes em2000. Mais de 50% de programas (softwares) vendidos no Brasil, segundo aAssociao Brasileira de Empresas de Software (Abes) so piratas. O grfico 1permite a visualizao das perdas em direitos autorais no ano 2000.

    Grfico 1

    Estimativas de perda com falsificaes em 2000(Em R$)

    Fonte: International Intelectual Property Alliance (IIPA), Associao Brasileira para Proteodos Direitos Editoriais e Autorais (ABPDEA) e Internacional Federation of the FhonographicIndustrie (IFPI).

    O mercado fonogrfico brasileiro o stimo do mundo, apresenta 97,1milhes de unidades vendidas e faturamento em torno de R$ 1,3 bilho. Na

    indstria fonogrfica, os CDs e cassetes piratas representam de 30% a 40%

    do total vendido, segundo a Associao Brasileira de Produtores de Discos

    (ABPD). Todo o mercado de fitas de udio pirata. O mercado editorial

    faturou em 2000 cerca de R$ 2 bilhes segundo a Cmara Brasileira do Livro

    (334 milhes de unidades vendidas). As cpias ilegais de livros representam

    umaperda de R$ 350 milhes por ano, segundo a Associao Brasileira paraProteo dos Direitos Editoriais e Autorais (ABPDEA).

    220.133

    550.332

    950.240

    350.000

    Indstria

    Cinematogrfica

    Indstria Fonogrfica

    Indstria de Softwares

    Indstria de Livros

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    Para o combate pirataria e para a defesa do direito autoral, foiconstitudo o Comit Interministerial de Combate Pirataria. A ele competea proposio de uma poltica que resguarde o cumprimento dos direitosautorais e auxilie no desenho de aes preventivas e repressivas violaodas obras. Tal comit integrado por trs representantes do Ministrio daJustia, sendo um do Departamento da Polcia Federal e um da SecretariaNacional de Segurana Pblica, por dois representantes do Ministrio daCincia e Tecnologia; por dois representantes do Ministrio da Cultura, pordois representantes do Ministrio do Desenvolvimento, Indstria e ComrcioExterior, por dois representantes do Ministrio da Fazenda, sendo um daSecretaria da Receita Federal e por dois representantes do Ministrio dasRelaes Exteriores.

    6 Financiamento e gastos

    A execuo oramentria do Ministrio da Cultura foi de R$ 318,3 milhesem 2001. O nvel de execuo foi de 87%. Se comparada de 2001, aDotao Inicial para 2002 cresceu em 15,4%.

    A fonte Recursos Ordinrios Provenientes de Impostos foi responsvel por73% dos recursos executados pelo MinC. As contribuies sociais participaramcom 22%, entre as quais a fonte Arrecadao dos Fundos de InvestimentosRegionais (que compe o FNC, ou Fundo Nacional de Cultura) participou com18,4%. O nvel de execuo dessa fonte foi de 71%. A contribuio econmicapara o Desenvolvimento da Indstria Cinematogrfica Nacional foi de 1%(R$ 3,7 milhes). O perfil da participao das fontes na Dotao Inicial similar para o ano 2002.

    O nvel de execuo com pessoal foi de 34% do total: 24% dos recursosforam executados com pessoal e encargos e 10% com inativos e pensionistas.

    Outro aspecto importante: o montante das transferncias correspondeu a25% dos recursos executados. Os municpios receberam 10% (R$ 32,5milhes), mas o nvel de execuo de 60%. As instituies privadas receberam9% das transferncias e executaram 90%. Na dotao inicial para 2002 estprevista a transferncia de 35% dos recursos, dos quais 21% destinam-se aosmunicpios. Os recursos para investimentos (exceto os das transferncias)representam 2,2%.

    A execuo oramentria dos programas do MinC corresponde a 52,6%da execuo do ministrio e exclui gastos com pessoal (inativo e pensionistas+ pessoal e encargos), juros e encargos e parte das transferncias.

    Todos os programas (exceto o Monumenta, o qual apresentou nvel deexecuo de 54%) tiveram nvel de execuo superior a 70%. O desenhodesse programa complexo, visto as suas aes dependerem do aval doBanco Mundial e das aes dos parceiros, sobretudo os municipais que, porsua vez, entram com contrapartida e devem seguir uma srie de critrios(entre eles a Lei de Responsabilidade Fiscal). Ademais, a incorporao em2001 de mais de vinte municpios no escopo de ao exigiu novas estratgiase, portanto, novos cronogramas de execuo. Em decorrncia da dificuldadede gastar os recursos, o Monumenta teve a dotao inicial modificada: cercade 40% menor do que a dotao inicial de 2001.

    O programa Brasil Patrimnio Cultural representa 17% do total de recursosdo Ministrio da Cultura e teve 92% de execuo. O programa atende a

    demandas emergenciais e executou R$ 31 milhes em 2001. Est previstoaumento de 13% de recursos para 2002.

    O programa Msica e Artes Cnicas executou R$ 7,5 milhes. O nvel deexecuo foi de 79%. As principais aes so Apoio e Fomento a Projetos narea, com R$ 5,3 milhes, e Apoio a Bandas de Msica e Orquestras, comR$ 1,3 milho. A dotao oramentria inicial para as bandas em 2002 de6,7 milhes de reais e, para as orquestras, de R$ 1,5 milho.

    Implantao de Bibliotecas nos Municpios liquidou R$ 18,5 milhes e suadotao inicial para o ano 2000 menor (apenas R$ 11,2 milhes). As aespara funcionamento das bibliotecas da Unio executaram R$ 3,2 milhes.

    O fomento de projetos na rea audiovisual contou com R$ 13,4 milhesde recursos oramentrios. Para intercmbio de eventos e concesso debolsas, foram gastos mais 940 mil reais. O programa Cinema, Som e Vdeoprev uma reduo inicial de 21% dos recursos.

    No programa Produo e Difuso Cultural, foram gastos 63 milhes dereais. A dotao para 2002 prev aumento de 37,5%. O seu nvel de execuoem 2001 foi de 75,4%; os recursos correspondem a 37,5% dos recursosoramentrios dos programas culturais. O fomento a projetos de difusocultural usou R$ 40 milhes e a implantao e modernizao de espaosculturais executou R$ 18 milhes.

    O programa Museu, Memria e Futuro empregou R$ 11 milhes. Desses,R$ 9 milhes foram empregados para o funcionamento dos museus da Unio.

    O programa Cultura Afro-Brasileira despendeu R$ 3,9 milhes e estoprevistos aumentos significativos (380%) na dotao de 2002. Os recursosprevistos para 2002 chegam a R$ 19 milhes.

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    Captu lo 3

    As Propostas do

    Governo Lula

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    1 Introduo

    O governo Lula prope-se a alcanar importantes metas na reacultural: a configurao de um sistema nacional de financiamento, aconstruo de uma poltica cultural de envergadura nacional e, finalmente,a democratizao cultural.1

    Para a consecuo do primeiro desafio, consolidao de um sistema definanciamento nacional e aumento de recursos financeiros para a cultura,discutem-se novos critrios na utilizao dos mecanismos presentes no ProgramaNacional de Apoio Cultura (Pronac), que composto pelo Fundo Nacional deCultura (FNC), pelo Fundo de Investimento Cultural e Artstico (Ficart), poucoefetivo como mecanismo de financiamento, estabelecidas pela Lei n 8.313, de

    23 de dezembro de 1991, conhecida como Lei Rouanet e, ainda, pela Lei deIncentivo do Audiovisual (Lei n 8.685, de 20 de julho de 1993).

    O uso das leis de incentivo foi sendo consolidado ao longo da dcada de1990 e viabilizou montantes significativos de recursos tanto provenientes darenncia fiscal quanto de aportes adicionais das empresas financiadoras parao custeio de projetos culturais, mas apresentou uma srie de distores. Emparte, o desafio refere-se aos ajustamentos e ao aproveitamento daspotencialidades das leis de incentivo na montagem de um sistema definanciamento nacional de cultura: aumento de tetos globais, contrapartidadas empresas e contrapartidas sociais, mecanismos de desconcentraoregional na utilizao dos recursos incentivados e, finalmente, mecanismosque permitam a orientao de recursos conforme prioridades setoriais doagente pblico. Nesse sentido, inclui-se o fortalecimento do FNC,provavelmente com fonte em uma Loteria da Cultura e com o aporte derecursos incentivados ao prprio Fundo, medida essa permitida pela legislao,embora tenha sido pouco utilizada.

    Toda essa discusso tem como norte estratgico um segundo desafio: adefinio dos novos papis para os agentes pblicos com a reviso da funodo Estado na rea e a criao de um sistema efetivamente nacional de culturapor meio do fortalecimento dos instrumentos polticos e das instituiesfederais de poltica cultural. Para a realizao desse objetivo, o Ministrio daCultura (MinC) pretende imprimir na sua ao a idia de polticas integradas,

    1. Texto originalmente publicado na edio n 7, de agosto de 2003, do boletim Polticas Sociais acompanhamento e anlise, editado pelo Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada (Ipea).

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    para as quais se fazem necessrias mudanas nas suas estruturas viafortalecimento de suas capacidades de planejamento e de formulao depolticas, o que inclui aumento de recursos humanos capacitados na gestopoltica e no fortalecimento institucional, em especial no Instituto doPatrimnio Histrico e Artstico Nacional (Iphan), na Fundao Nacional deArtes (Funarte) e no que se refere Poltica Nacional de Museus. Esse desafiofoi reforado pela aprovao, na Cmara dos Deputados, em 2 de julho de2003, da PEC 306/2000, que institui o Plano Nacional de Cultura. A propostaacresce o pargrafo 3o ao artigo 215 da Constituio Federal (CF), em que sedetermina que lei especfica estabelecer o Plano Nacional de Cultura, comdurao plurianual, para estimular o desenvolvimento cultural do pas. Aemenda instrumento legal que permite a ao integrada de Unio, estados

    e municpios, e possibilita a construo de uma poltica de cultura quecontemple as expresses culturais de todo o territrio e atue no amploleque e nas mltiplas dimenses da cultura, democratizando no apenas oacesso, mas tambm a produo cultural.

    Outro desafio do Ministrio da Cultura, que talvez preceda logicamenteos outros dois, consiste em explicar para a sociedade e para os demaisagentes pblicos e econmicos o mbito de atuao das polticasculturais e seus objetos de interveno. O conceito de cultura de difcildelimitao e preciso, em especial para a interveno pblica. A afirmaode autonomia da rea cultural, ora em relao ao mercado e economia,ora em relao ao Estado e sua burocracia, que parte da gnese histricada rea e objeto de constante controvrsia entre seus diversos agentes, matria de difcil formalizao.

    No governo Lula, os conceitos de cultura esto sendo revisados paraestabilizar os objetos de interveno pblica recobertos pelo termo. O governoprocura elevar a cultura mesma categoria de interveno da educao, da

    sade ou das indstrias estratgicas, como a automobilstica, de materiaiseltricos ou txtil. De fato, os contedos do conceito de cultura, bem comosuas premissas polticas e econmicas e os problemas que pretende resolverou priorizar so determinados socialmente a cada momento histrico. Procura-se tambm dar nfase s interfaces dos diversos nveis do conceito, justificandoreformas do Ministrio da Cultura que lhe permitam interferir de formasistmica no fomento produo e s atividades que no tm a proteo domercado, e tambm nas reas industriais e de importncia econmicasignificativa para os diversos agentes. reas recobertas pela noo de cultura.

    A importncia do desafio, que se refere ampliao do entendimento da aoe do valor do MinC, corresponde tambm construo da necessriavisibilidade das polticas culturais para os diversos setores de governo esegmentos sociais. Essas razes justificam a preocupao dos agentes pblicoscom a explicao e a definio conceitual das dimenses do objeto de intervenodas polticas culturais. A seguir so descritos os principais aspectos da configuraodiscursiva e ideolgica dos agentes do governo Lula na rea cultural, os quais soprecedidos de uma pequena contextualizao.

    2 Novos objetos de interveno ou nova visibilidade?

    Na rea cultural, os agentes so mltiplos e seus ojetivos diferenciados e

    heterogneos. A classificao e a delimitao conceitual do unidade a umconjunto heterclito de atos, discursos e despesas pblicas, o que, naprtica, tem efeitos e significados de democratizao e integrao deagncias, estruturas sociais especficas e intensificao de suas mltiplasinteraes. Ou seja, tem o efeito de configurao de um campo social comagentes cujos comportamentos seguem regras e definies especficas.

    A poltica cultural caracteriza-se pela capacidade institucional para amultiplicao de atividades e aes culturais. Paradoxalmente, essas polticasreferem-se aos fatos histricos da gnese do campo cultural que, desdesculo o XIX, afirma-se pela hostilidade racionalizao burocrtica, hierarquizao de prioridades, gesto rigorosa de recursos e avaliaocriteriosa de resultados, enfim, pela referncia genialidade do artista e suaautonomia criativa. De outra forma, o campo cultural constri-sehistoricamente contra o mundo da racionalizao econmica e contra oEstado, embora, paradoxalmente, desenvolva-se em estreita relao comesses domnios, pois tanto se apia no campo poltico, quanto se desenvolve

    em estreita relao com as tecnologias e indstrias culturais.

    Essas dificuldades foram tomadas como um desafio pelo atual governo,que, por sua vez, procura trabalhar as diversas dimenses do conceito.A dimenso econmica refere-se necessidade de aumento de recursos paraa rea e sua capacidade de gerao de emprego e renda. A dimenso polticadiz respeito s propostas de reforma do Ministrio da Cultura a fim de torn-lo gil, eficaz e capaz de atuar conforme valores e critrios pblicos. Nadimenso simblica, a cultura vista como narrativa das identidades sociais.

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    Esses fatos esto presentes nos discursos dos agentes pblicos federaisda rea cultural, solidrios com os projetos sociais do governo e zelosos daautonomia e dos potenciais singulares da dimenso cultural nos projetos demudanas e de desenvolvimentos sociais.

    Nitidez e clareza nem sequer se esboam quando se trata de delimitar otermo, especialmente porque a cultura no algo que se possa apontar como dedo, tais como o so casas ou prdios, artesanatos em ouro, prata oumesmo barro, tecnologias, ofcios e produes agrcolas, embora se saibaque tais atividades so tambm culturais. Alm disso, um termo que sepresta s mais diversas finalidades, e por essa razo interessante fazerbreves consideraes a respeito de alguns usos da expresso que tm origeme significados histricos e correspondem, de certa maneira, ao conjunto de

    diversos agentes envolvidos e interessados na sua produo. Na anlise dosprogramas, apresenta-se um quadro-sntese, em que possvel visualizar oconjunto de aes referentes aos conceitos que seguem.

    2.1 Belas-Artes

    Quanto ao conceito de cultura, habitual se pensar no conjunto dasformas tradicionais das belas-artes de inspirao europia, alm de literatura,teatro, pintura, concertos musicais, dana e, mais recentemente, cinema.Exclui-se desse universo o que por ele no pode ser classificado como bomgosto esttico. Os outros modos de viver, os saberes, os modos de fazer,ficam em categoria parte; o popular, folclrico, etc. ficam em outracategoria: o extico, o vagamente interessante, sensual, quando no primitivoe simples. O objeto de ao da cultura nas belas-artes restringe as experinciasculturais e expressivas, retirando um sem-nmero de obras e de prticasculturais do circuito da interveno e do fomento pblico. Esse conceito incluia idia de cultura como formao intelectual e atividade volitiva humana e

    no descuida de aes que ampliem as possibilidades de fruio, como ocaso do apoio aos espaos de museus, casas e centros de cultura e do fomentoa projetos nos diversos segmentos das belas-artes.

    Os atuais agentes pblicos federais advogam um conceito mais amplo decultura. Esse conceito, presente nos documentos oficiais das polticasbrasileiras desde a dcada de 1930, mais amplo, pois inscreve a culturacomo prtica de produo e de circulao de valores sociais e estticosexpressivos dos mais diversos agentes.

    2.2 Cultura como experincia

    Em sentido antropolgico, a cultura uma dimenso da existncia social,um conjunto dinmico de todos os atos criativos de uma sociedade. Portanto,uma forma de estar no mundo, de forma criativa, considerando tradio enovidade como inseparveis.

    Nesse sentido, a sociedade um fato de cultura, sem o qual no se criaminstituies, no se negociam significados e diretrizes, no se travam conflitos.Mas tambm, e por essas razes, pode-se dizer que a cultura sintoma dasociedade. Desigualmente distribuda e desigualmente valorizada em suasmanifestaes, indicia desigualdades sociais mais gerais e as reproduz.A sociedade brasileira se constitui em sua prpria obra nessa rea, pois so

    muitos os que no tm acesso aos instrumentos de produo e aos produtosculturais. A cultura , alm de espao da fruio esttica do bom gosto,espao de exerccio da vontade e de ampliao das capacidades individuaise sociais. Permite tambm a realizao da cidadania e refora a auto-estimae o sentimento de pertencimento, o que inclui dimenso econmica epossibilidades de incluso social.

    2.3 Cultura como atividade econmica

    Os bens simblicos tm mltiplas dimenses que no se separam: so, aomesmo tempo, produto cultural, poltico e econmico. So, como diriam osantroplogos, um fato social total. Isso significa distino para os produtoresculturais, legitimidade para o Estado, lucros para as empresas, captao derecursos para pases exportadores de bens e servios culturais e possibilidadesde emprego e renda.

    O mercado fonogrfico brasileiro, por exemplo, o stimo do mundo:

    vende 97,1 milhes de unidades e seu faturamento anual em torno deR$ 1,3 bilho. Segundo a Cmara Brasileira do Livro, o mercado editorialfaturou cerca de R$ 2 bilhes em 2000 (334 milhes de unidades vendidas,sem considerar a pirataria, que imensa). O Brasil um exportador de bensculturais na msica e no setor audiovisual. Esse ltimo movimenta de US$ 8bilhes a 10 bilhes ao ano exportou, em 2001, aproximadamente US$ 58milhes. Nessas reas, o poder pblico de interveno e de fomento aindano foi explorado, mas potencial.

  • 8/7/2019 BARBOSA DA SILVA - Caderno de Politicas Culturais VOL2

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    Em termo de empregos gerados, pode-se observar, na tabela 1, umexemplo dos empregos formais na cultura e sua participao no conjunto deempregos do mesmo tipo. Essas informaes desconsideram os empregosinformais e praticamente se restringem s indstrias culturais.

    Tabela 1

    Empregos formais na cultura, 1995/20001

    Empregos formaisdo setor cultural

    Rio de Janeiroe So Paulo

    Outras regiesmetropolitanas

    Outras regies nometropolitanas

    Total

    1995 2000 1995 2000 1995 2000 1995 2000

    Edio de livrose leitura 160.224 153.083 63.769 63.542 124.440 154.381 348.465 371.006

    Fonogrfica 7.181 4.138 952 780 3.674 2.524 11.807 7.442

    P ub li ci da de 2 4. 340 2 9. 72 4 9 .2 96 1 1. 39 7 1 0. 37 9 13 .2 46 4 4. 02 1 5 4. 36 7

    Atividadesfotogrficas 5 .9 91 4 .9 03 4 .1 39 3 .6 87 6 .7 81 8 .3 62 1 6. 91 1 1 6. 95 2

    Atividades decinema e vdeo 1 2. 057 1 0. 87 7 3 .3 73 3 .4 94 7 .8 76 7 .9 47 2 3. 30 6 2 2. 31 8

    Atividades de rdioe televiso 25.221 30.296 14.406 13.213 49.866 51.374 89.498 94.883

    Teatro, msica eespetculos 1 3. 630 1 0. 04 9 6 .8 20 4 .5 20 9 .6 36 9 .6 74 3 0. 08 6 2 4. 24 3

    Conservao dopatrimnio 1.489 1.019 145 262 294 629 1.928 1.910

    Entretenimento eoutras atividadesligadas cultura

    43.673 30.244 29.307 22.877 71.655 56.767 144.648 109.888

    Total 293.806 274.333 132.207 123.772 284.601 304.904 710.670 703.009

    Participao noemprego formaltotal

    2,87 2,94 2,01 1,84 1,52 1,49 2,00 1,92

    Distribuio dosempregos culturaispor regies

    41,8 39,0 18,8 17,6 40,5 43,4 100 100

    Fonte: Rais/MTb.Elaborao: Ipea.

    Nota:1 No so contados os trabalhadores de estabelecimentos pblicos, professores e gestoresde polticas culturais. O nmero de pessoas no setor cultural da Rais refere-se apenas a empregadosformais. A tabela refere-se ao nmero de admisses e desligamentos no ano.

    Como se pode observar, o setor cultural responde por uma parcelasignificativa dos empregos formais: 700 mil empregos em 2000. Respondiapor 2% dos empregos formais em 1995 e por 1,9% em 2000.2 Considerando-se que, entre 1995 e 2000, o montante e a participao do setor cultural

    2. Em maro de 2001, a Frana registrava 460 mil pessoas trabalhando no setor cultural. O Brasilregistrava, em dezembro de 2000, 483 mil pessoas trabalhando formalmente no setor.

    declinaram no conjunto de empregos formais, deve-se perceber que essesfatos compem-se de linhas de fora diferentes, conforme os espaos sociais.Rio Janeiro e So Paulo, que em 1995 respondiam por 42% desses empregos,declinaram para 39% na participao total. interessante notar que asatividades de rdio, televiso e tambm publicidade, estritamente associadas mdia aumentaram nessas cidades. Da mesma forma, declinaram as outrasregies metropolitanas, enquanto as demais (no metropolitanas) tiveramligeiro aumento na gerao de empregos no setor cultural, mesmo que outrasreas tenham sido mais dinmicas. Esses fatos podem indicar uma levetendncia desconcentrao das atividades culturais, mas, em todo caso,revelam potenciais para o fomento das polticas culturais na gerao deemprego e renda nas regies no metropolitanas, ou seja, naqueles espaosque tm baixssimo nvel de investimento em equipamentos e pouca presenado setor pblico na rea cultural. Por outro lado, registram as profundasdesigualdades espaciais e sociais do desenvolvimento.

    2.4 Cultura como espao de interveno poltica

    O campo cultural afirma a autonomia de seus espaos ao recusar tanto algica econmica quanto a interveno poltica e as tutelas burocrticasimpessoais. Essa construo argumentativa e valorativa recorrente, a fim deque sejam tomadas posies sobre o papel do Estado e sobre os princpiosrepublicanos. Assim, as leis que regulam o mercado de arte, como as depropriedade intelectual e artstica e de proteo patrimonial, so importantes,bem como so importantes as intervenes das instituies pblicas nacionaise locais que valorizem e dinamizem a rica variedade e pluralidade da produo,pois per