caderno de politicas culturais vol1

Download Caderno de Politicas Culturais VOL1

If you can't read please download the document

Upload: jessica-marinho

Post on 01-Jul-2015

1.840 views

Category:

Documents


7 download

TRANSCRIPT

Coleo Cadernos de Polticas Culturais

Volume 1

Direito Autoral

ExpedienteLuiz Incio Lula da Silva Presidente da Repblica Gilberto Gil Ministro da Cultura Juca Ferreira Secretrio Executivo Alfredo Manevy Secretrio de Polticas Culturais Clio Turino Secretrio de Programas e Projetos Culturais Srgio Mamberti Secretrio da Identidade e Diversidade Cultural Instituies vinculadas Mrcio Meira Secretrio de Articulao Institucional Orlando Senna Secretrio do Audiovisual Marco Acco Secretrio de Fomento e Incentivo Cultura Luiz Fernando de Almeida Instituto do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional IPHAN Gustavo Dahl Agncia Nacional do Cinema ANCINE Jos Almino de Alencar e Silva Neto Fundao Casa de Rui Barbosa Ubiratan Castro Arajo Fundao Cultural Palmares FCP Antonio Carlos Grassi Fundao Nacional de Artes Funarte Muniz Sodr de Arajo Cabral Fundao Biblioteca Nacional FBN Cyntia Campos Assessoria de Comunicao Jorge Vinhas Assessoria Parlamentar Paula Porta Assessora Econmica e de Projetos Especiais Letcia Schwarz Diretoria de Gesto Estratgica Elaine Santos Diretoria de Gesto Interna

Assessores especiais do Ministro da Cultura Adolpho Ribeiro Schindler Netto Chefe de Gabinete Nazar Pedrosa Assessoria de Assuntos Internacionais

Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)

B823d

Brasil. Ministrio da Cultura. Direito autoral. Braslia : Ministrio da Cultura, 2006. 436 p. (Coleo cadernos de polticas culturais ; v. 1) ISBN 13 978-85-88564-05-3 ISBN 10 85-88564-05-X

1. Direito autoral. I. Ttulo. II. Srie. CDU: 347.78

Representaes Regionais Jos Roberto Aguilar Representao Regional de So Paulo Adair Leonardo Rocha Representao Regional do Rio de Janeiro Cesria Alice Macedo Representao Regional de Minas Gerais Tarciana Gomes Portella Representao Regional do Nordeste Rozane Maria Dalsasso Representao Regional do Rio Grande do Sul Ana Elizabeth de Almeida Representao Regional do Par

Secretaria de Polticas Culturais Elder Vieira Gerente de Formulao de Polticas Culturais Pablo Gonalo Gerente de Planejamento, Estudos e Pesquisas Erlon Jos Paschoal Gerente de Desenvolvimento e Informao Otvio Afonso Coordenador Geral de Direito Autoral Marcos Alves de Souza Coordenador Geral de Direito Autoral Substituto Dulcinia Miranda Coordenadora Geral do Gabinete do Secretrio Cadernos de Polticas Culturais: Volume 1 Direito Autoral Esta publicao foi feita por meio da parceria entre o Ministrio da Cultura e o Centro de Gesto e Estudos Estratgicos CGEE Alexandre Pilati Reviso Anderson Lopes de Moraes Identidade Visual e Design Editorial

Ministrio da Cultura - MinC Esplanada dos Ministrios, Bloco B 70068-900, Braslia, DF http://www.cultura.gov.br/

Centro de Gesto e Estudos Estratgicos (CGEE) SCN Qd 2, Bl. A, Ed. Corporate Financial Center, sala 1102 70712-900, Braslia, DF Telefone: (61) 3424.9600 http://www.cgee.org.br

Repblica Federativa do Brasil Ministrio da Cultura

Coleo Cadernos de Polticas Culturais

Volume 1

Direito Autoral

Braslia, 2006

Jurados

Fbio Maria de Mattia Jos Carlos Costa Netto Antonio Murta Filho Manoel Joaquim Pereira dos Santos

Cadernos de Polticas Culturais Direito Autoral

ApresentaoA carncia de reflexes e debates aprofundados sobre alguns temas culturais estratgicos e a escassez de informaes calcadas em apuraes empricas so constataes consensuais. Sem anlises e dados consistentes, o Estado permanecer impossibilitado de formular, acompanhar e avaliar, com a preciso requerida, as polticas pblicas da cultura. A necessidade de ampliar o debate sobre temas contemporneos e de elaborar uma srie de publicaes referentes ao campo cultural levou o Ministrio da Cultura, atravs da sua Secretaria de Polticas Culturais, a lanar os Cadernos de Polticas Culturais, uma iniciativa que pretende preencher parte dessa lacuna. A Coleo divulgar os principais trabalhos da produo intelectual sobre cultura produzidas interna e externamente ao MinC. rgos que possuem publicaes relevantes referentes cultura, como os parceiros IPEA e IBGE, institutos de pesquisas nacionais, pesquisadores universitrios e intelectuais do campo da cultura

Coleo Cadernos de Polticas Culturais

colaboraro para a qualidade da circulao de informaes culturais. Trata-se de uma oportunidade de tornar a discusso sobre polticas culturais mais consistente, madura metodologicamente e fundamentada em aspectos empricos que julgamos de fundamental importncia. Desse modo, os Cadernos de Polticas Culturais difundiro pesquisas, artigos, estudos, anlises, informaes e dados sobre o campo da cultura no Brasil. Os Cadernos tm como finalidade reunir tambm as principais produes intelectuais realizadas no decorrer da ltima gesto do Ministrio da Cultura e visam, assim, ampliar o acesso do pblico aos debates e aos textos da cultura em diversos mbitos e temas. O primeiro volume dos Cadernos de Polticas Culturais, cujo tema Direito Autoral, apresenta as monografias premiadas do Concurso Nacional de Monografias sobre Direitos Autorais, realizado pelo Ministrio da Cultura. almejada tambm a publicao, nas prximas edies, das principais pesquisas sobre o setor cultural, sistema de indicadores culturais e estudos setoriais diversos, tratando de temas da maior relevncia para o debate e, conseqentemente, para a construo de polticas pblicas da cultura inovadoras, coerentes com a realidade brasileira e capazes de contribuir verdadeiramente para o desenvolvimento do Pas.

Gilberto Gil Ministro da Cultura

10

Direito Autoral

IntroduoO Ministrio da Cultura deu incio, na atual gesto, ao processo de construo do Plano Nacional de Cultura (PNC). Trata-se de um instrumento de planejamento que visa dar conta dos grandes desafios que estaro ligados s diversas reas da cultura nos prximos anos. O PNC reunir diagnsticos e diretrizes para os vrios segmentos da cultura. Assim acontece com as questes referentes ao Direito Autoral, que ganharam, na atual gesto do MinC, um tratamento prioritrio. Nesta etapa de elaborao do PNC, , portanto, imprescindvel a ampliao do debate sobre Direito Autoral. Nesse sentido, a Secretaria de Polticas Culturais decidiu publicar este caderno temtico sobre Direito Autoral. A publicao de significativa relevncia, pois tem como objetivo divulgar e debater o tema luz dos textos vencedores do Concurso Nacional de Monografias sobre Direito Autoral. O Concurso, institudo pela Portaria No. 95, de 5 de maio de 2004, foi gerido pela Coordenao-Geral de Direito Autoral do MinC. Foram premiadas trs monografias, alm da designao de Meno Honrosa pela Comisso Julgadora a uma das monografias submetidas. O Ministrio da Cultura, reconhece a utilidade da propriedade intelectual no processo de fortalecimento da capacidade tecnolgica. De outra parte, tambm reafirma a importncia da flexibilidade necessria no mbito do interesse pblico, prevista no prprio sistema de propriedade intelectual, assim como a

11

Coleo Cadernos de Polticas Culturais

funo que essa flexibilidade pode desempenhar no fomento de polticas orientadas para o desenvolvimento. Este foi o esprito do MinC quando lanou o Concurso Nacional de Monografias sobre Direito Autoral com o tema A Funo Social dos Direitos Autorais. do conhecimento de todos que o direito autoral est tambm sujeito s limitaes constitucionalmente impostas em favor do bem comum a funo social da propriedade, consignada no Art. 5., XXIII da Carta de 1988, assim como preconiza o Art. 170, ao estabelecer a propriedade privada como princpio essencial da ordem econmica, sempre condicionada funo social. Esperamos que a publicao dos textos vencedores do Concurso Nacional de Monografias sobre Direitos Autorais, ao enfocar a funo social, possa contribuir para as reflexes necessrias ao pleno aproveitamento dos recursos criativos e culturais nacionais. Essa contribuio amplia o exame crtico que o fortalecimento da proteo dos direitos de propriedade intelectual pode ter para os pases em desenvolvimento, afastando interpretaes vestidas de verdades absolutas, unicamente do ponto de vista unidimensional dos titulares de direitos e ignorando o interesse pblico geral. Assim, apresentamos, nesta publicao, os trs textos vencedores do Concurso Nacional de Monografias sobre Direito Autoral, de autoria de Maurcio Cozer Dias (1. Lugar), Aline Vitalis (2. Lugar), Rodrigo Moraes Ferreira (3. Lugar), alm da monografia de Fbio Barbosa Pereira, que recebeu Meno Honrosa. Inovando nos estudos da propriedade intelectual, A Proteo de Obras Musicais Cadas em Domnio Pblico, de Maurcio Cozer Dias, destaca necessidade da proteo e da divulgao12

Direito Autoral

do acervo musical brasileiro composto por obras cujo prazo de proteo patrimonial autoral j expirou ou que, por outra hiptese legal, encontram-se em domnio pblico. O trabalho apresenta, primeiramente, os princpios do direito intelectual e a sua importncia na sociedade de informao e tecnologia. O autor aborda a temtica especfica do domnio pblico em todos os ramos do direito intelectual e autoral e apresenta um panorama da legislao brasileira, bem como das convenes internacionais para a proteo do patrimnio cultural e imaterial da humanidade. Segundo o autor, as obras musicais cadas em domnio pblico so parte importante do patrimnio artstico e cultural brasileiro e precisam ser sistematizadas e protegidas tanto pelo Estado como pela sociedade. Aline Vitalis, em A Funo Social dos Direitos Autorais: uma perspectiva constitucional e os novos desafios da sociedade da informao, apresenta um panorama da problemtica que envolve os Direito Autoral na sociedade atual e destaca o conceito de Direito de Propriedade, um dos principais institutos do Direito Civil. O trabalho aborda, inicialmente, a constitucionalizao da propriedade intelectual, destacando o multiculturalismo brasileiro e a importncia da cultura na formao do Estado, alm dos conflitos entre o desenvolvimento da educao e da cultura e a margem de proteo concedida s criaes intelectuais. A autora tambm realizou uma anlise comparativa e histrica sobre a funo social dos direitos autorais e as interpretaes do conceito de propriedade. A busca pelo equilbrio entre os espaos privados e pblicos das obras culturais a principal preocupao da monografia13

Coleo Cadernos de Polticas Culturais

A Funo Social da Propriedade Intelectual na Era das novas Tecnologias, de Rodrigo Moraes. O autor analisa como os novos desafios impostos pela era digital impelem a mudanas na lei de direito autoral (LDA 1998) e podem, inclusive, buscar aperfeioamentos nos seus conceitos, na sua estrutura e na sua relao entre direitos e deveres de autores e empresas. O texto reconstri o histrico dos direitos autorais. Enfocando o percurso de revoluo da imprensa de Gutenberg, passando pela consolidao do copyright at a emergncia da Internet, o autor mostra que os direitos autorais foram, primeiramente, uma conquista do mercado editorial. Os criadores e os autores, segundo Moraes, foram historicamente lesados nos seus possveis direitos. Por isso, a tnica da monografia a personalizao do direito autoral, sendo investigadas as possibilidades de livre cooperao criativa e artstica propiciadas pelas tecnologias digitais. Em A Eficcia do Direito Autoral Face Sociedade da Informao: uma questo de instrumentalizao na obra musical?, Fbio Barbosa Pereira apresenta os desafios das novas modalidades de utilizao das obras com nfase na funo social da propriedade intelectual. O autor discorre sobre o Direito Autoral na era digital e da sociedade de informao, apresentando os adventos da modernidade, as inovaes tecnolgicas no campo da msica e as necessidades de mudanas e adequao da legislao autoral para divulgao da criatividade humana com respeito proteo da propriedade intelectual. A preocupao primordial do autor desta monografia a divulgao eletrnica das obras musicais diante do surgimento e da expanso das novas mdias e dos novos formatos de gravao e de reproduo. Eis ento uma

14

Direito Autoral

inquietude: possvel a coexistncia do Direito Autoral com a Sociedade da Informao, mais precisamente com a Internet?, indaga Fbio Barbosa. Ao buscar uma resposta, o autor analisa os instrumentos e princpios da sociedade de informao, apresenta os avanos da Internet, o surgimento e difuso do MP3 como formato para distribuio de obras musicais e a proteo ao Direito Autoral na legislao brasileira.

Alfredo Manevy Secretrio de Polticas Culturais

15

SumrioA proteo de obras musicais cadas em domnio pblico . . . . . . . . . . . . . . . 19 Introduo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21 1. ASPECTOS GERAIS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25 2. DOMNIO PBLICO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 66 3. IMPLEMENTAO DO DOMNIO PBLICO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 131 CONSIDERAES FINAIS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 158 A funo socialdos direitos autorais: uma perspectiva constitucional e os novos desaos da sociedade de informao . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 173 INTRODUO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 174 1. A CONSTITUCIONALIZAO DO DIREITO DA PROPRIEDADE INTELECTUAL . . . . . . . . . . . . 1772. RETROSPECTIVA HISTRICA DO DIREITO DE PROPRIEDADE E A FUNO SOCIAL DO DIREITO AUTORAL . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3. OS DIREITOS AUTORAIS NA ATUALIDADE . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . CONCLUSO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . REFERNCIAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

189 212 233 234

A funo social da propriedade intelectual na era das novas tecnologias . . 237 INTRODUO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 239 1. EVOLUO HISTRICA DO DIREITO AUTORAL . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 245 2. A FUNO SOCIAL DA PROPRIEDADE INTELECTUAL . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 260 3. REPERSONALIZAO DO DIREITO AUTORAL . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 267 4. CONFLITOS EM RELAO AO DOMNIO PBLICO. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2875. CONFLITOS ENTRE INTERESSES PBLICO E PRIVADO NA ERA DAS NOVAS TECNOLOGIAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 6. PROJETO GENOMA HUMANO E A FUNO SOCIAL DAS PATENTES . . . . . . . . . . . . . . . . . CONCLUSES . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . REFERNCIAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

303 327 342 348

A eccia do direito autoral face sociedade da informao: uma questo de instrumentalizao na obra musical? . . . . . . . . . . . . . . . . 355 AGRADECIMENTOS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 357 INTRODUO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3581. A SOCIEDADE DA INFORMAO: SEUS INSTRUMENTOS, PRINCPIOS E SUA RELAO COM O DIREITO. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2. O DIREITO AUTORAL, PRINCPIOS E LEGISLAES VIGENTES . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3. TEORIA TRIDIMENSIONAL DO DIREITO E EFICCIA SOCIAL NA VISO REALEANA . . . . . . . 4. O PARADOXO DA INSTRUMENTALIZAO RECPROCA ENTRE SOCIEDADE DA INFORMAOE DIREITO AUTORAL. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Consideraes finais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Referncias . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

364 393 413 423 427 431

A proteo de obras musicais cadas em domnio pblicoMaurcio Cozer Dias

Direito Autoral

IntroduoA msica est presente no dia-a-dia da humanidade desde os tempos pr-histricos. Sua importncia cultural e comercial inquestionvel. O cotidiano est muito ligado msica, desde o momento em que se acorda at quando se deita. Em casa, no trabalho, nos momentos de entretenimento, nos cultos religiosos, enfim, em todos os aspectos da vida humana a msica se faz sentir. Com o advento do rdio, do cinema, da televiso, da Internet e de outras formas de comunicao, a difuso musical se tornou macia, a msica tambm se tornou um produto que movimenta cifras incalculveis em todo o mundo numa gama infindvel de atividades. Em funo das novas tecnologias e do surgimento de novas formas de comunicao, o direito autoral vem enfrentando batalhas rduas para combater a pirataria. Tanto governos quanto entidades de titulares tm se esforado para conscientizar o pblico das conseqncias das utilizaes ilcitas, bem como para coibir essa prtica. O foco deste trabalho, entretanto, no est voltado para o estudo de medidas de proteo de obras que esto protegidas patrimonialmente, pois a estrutura legislativa, corporativa e empresarial montada e em constante aperfeioamento suficiente para enfrentar e dirimir as questes relativas s novas tecnologias e novas utilizaes delas.

21

Coleo Cadernos de Polticas Culturais

O objetivo deste trabalho foi abordar a situao da proteo conferida s obras cujo prazo de proteo j expirou ou, ainda, por outra hiptese legal, esto no domnio pblico, podendo e devendo ser disponibilizadas e utilizadas livremente. Assim, enquanto a grande maioria dos estudos da propriedade intelectual, mais especificamente do direito autoral, preocupa-se com a defesa daquilo que est protegido este trabalho se preocupa com todo o acervo musical brasileiro que no goza mais da proteo patrimonial autoral, embora goze da proteo autoral moral e constitucional sendo obras integrantes de nosso patrimnio artstico cultural. Alm das obras musicais, serve este estudo para conscientizar os operadores do direito e profissionais da rea autoral da importncia das obras cadas em domnio pblico como integrantes do patrimnio artstico cultural, da memria artstico-cultural e da identidade artstica brasileira. Nas demais reas do direito autoral, como a literatura, o teatro, a fotografia, a pintura, entre tantas outras, tambm aplicvel mutatis mutandis o objeto desse trabalho, como forma de completar o ciclo da funo social da proteo intelectual. A idia da pesquisa adveio da constatao da inexistncia de bancos de dados, de bibliotecas, de arquivos pblicos ou associativos que disponibilizem as obras musicais brasileiras cadas em domnio pblico. Com certeza, esse acervo musical existe e deveria estar acessvel aos cidados para que eles pudessem estudar a evoluo da histria musical brasileira, utilizar as obras, as partituras, as letras, conhecer seus autores, enfim, entrar em contato com esses bens, integrantes da memria musical e sociolgica brasileiras.22

Direito Autoral

Para tanto, primeiro foram abordadas as questes do direito intelectual como um todo, bem como os reflexos da sociedade de informao crescente. Tambm foram abordados os princpios do direito intelectual, que devem ser analisados em conjunto, tratados como pilares do direito intelectual. As definies conceituais so trazidas ao leitor aliadas s novas formas de comunicao e aos novos suportes, concluindo um panorama inicial do tema proposto. Aps os tpicos supra mencionados, abordada toda a temtica especfica do domnio pblico em todos os ramos do direito intelectual e, principalmente, no direito autoral. Toda a legislao brasileira foi pesquisada, levantando cada sistemtica de domnio pblico j existente no direito ptrio, possibilitando uma viso da evoluo do instituto, bem como o seu regramento na legislao comparada de Portugal, da Bolvia e dos Estados Unidos da Amrica do Norte. As convenes internacionais tambm foram objeto de estudo, incluindo os mecanismos internacionais para a proteo do patrimnio cultural e imaterial da humanidade. Alm de toda a legislao nacional e supranacional, foram pesquisadas as organizaes internacionais e toda a estrutura associativa nacional e internacional envolvidas na defesa dos direitos autorais. A questo do registro das obras e sua evoluo na legislao brasileira no poderiam deixar de ser objeto do presente estudo por estar ligada possibilidade de sistematizao das obras musicais cadas em domnio pblico.

23

Coleo Cadernos de Polticas Culturais

Traz ainda esta monografia referncias sobre as principais instituies brasileiras que podem e devem contribuir para a criao de um banco de dados de obras musicais cadas em domnio pblico, tais como: a Biblioteca Nacional e a Escola de Msica, caracterizando as obras em domnio pblico como integrantes do patrimnio artstico cultural brasileiro e ainda, os mecanismos processuais destinados proteo desse inestimvel acervo. Encerra-se o presente trabalho com uma anlise das entidades de gesto coletiva existentes na rea musical brasileira e do Ministrio da Cultura e seus papis na criao e disponibilizao de um acervo desse gnero de obras musicais. O tema certamente de relevncia pblica para a criao de uma poltica cultural de macia difuso artstica do acervo de obras em domnio pblico, difundindo a arte nacional no Brasil e no mundo. Tornando acessvel esse imenso patrimnio sero perpetuadas as razes culturais brasileiras e ser ampliado o acesso dos cidados a toda produo artstica nacional, completando o ciclo e objetivo da proteo da atividade intelectual.

24

Direito Autoral

1. ASPECTOS GERAIS

1.1 Objeto do Direito IntelectualO direito intelectual abrange todos os segmentos do direito ligados atividade intelectual, s criaes, s invenes do esprito humano. Tecnicamente, a inveno diferente da criao, que diferente da descoberta. O direito industrial tem um foco diferente do autoral, porm, os direitos e obrigaes decorrentes dessa atividade intelectual possuem pontos comuns que devem ser estudados em conjunto. Atualmente, existem vrios ramos dentro desse segmento que se destacam, tais como: o direito autoral relativo s criaes do esprito humano, notadamente as atividades literrias e artsticas, que envolvem o tema desse trabalho. O direito industrial tem como objeto as marcas, as patentes, os modelos de utilidade e os desenhos industriais, mais voltados para a rea empresarial. O direito de software regula os direitos sobre programas de computadores, algo muito relevante no estgio atual de nossa sociedade, que tem seu nvel de desenvolvimento ligado ao domnio e utilizao da informtica. Finalmente, h o biodireito, que tem como objeto o trabalho intelectual voltado s alteraes ou criaes de novos organismos animais ou vegetais: os transgnicos. Cada ramo do direito intelectual assumiu na sociedade contempornea uma posio estratgica em face de sua importncia

25

Coleo Cadernos de Polticas Culturais

econmica, tecnolgica, cultural. Toda uma gama de leis nacionais e acordos internacionais foram elaborados para regular esses novos ramos, que possuem pontos em comum, sendo um deles o domnio pblico. O conhecimento, o estudo, a pesquisa desse conjunto de normas imprescindvel, pois o direito intelectual vem assumindo posio de destaque nas negociaes comerciais, ligadas represso da pirataria, cinema, televiso, transferncia de tecnologia, Internet, alimentos geneticamente modificados e suas conseqncias. A doutrina atualmente classifica o direito industrial, que trata das marcas, patentes, desenhos industriais e modelos de utilidade, como ramo do direito comercial1. O direito autoral trata das obras literrias, artsticas e cientficas, como ramo do direito civil. O direito de software vem sendo estudado dentro da sistemtica autoral, portanto, como direito civil. O biodireito, por possuir semelhanas com as patentes, vem sendo estudado dentro da sistemtica industrial, ou seja, dentro do direito comercial. Pode-se afirmar que com a unificao do direito privado, ocorrida com o novo Cdigo Civil, tanto direito autoral quanto direito industrial estariam unificados na nova sistemtica, uma vez que se trata de direitos notadamente privados. Porm, cumpre observar que esses ramos especficos possuem caractersticas muito prprias e peculiares, necessitando de uma

1 Nesse sentido, cf. PAES, P R. Tavares. Nova lei da propriedade industrial: lei n . 9279 de 14.05.96: anotaes. So Paulo: Revista dos Tribunais, 1996. p. 14.

26

Direito Autoral

sistematizao particular para entendimento mais profundo de seus institutos. A sistematizao do direito intelectual, reunindo esses novos ramos do direito que esto em franca expanso, muito importante para sua exata compreenso e manuseio.

1.2 Importncia do Direito Intelectual na Sociedade de Informao e Tecnologia GlobalizadaO direito intelectual formado pelo direito industrial, autoral, informtico e de cultivares, enfrenta a transformao imposta pela informtica e pela rede internacional que tornou instantnea a troca de arquivos de informao com os contedos mais variados. Ajustar as imposies legais do direito intelectual, que tem por misso proteger os autores e as empresas titulares desses direitos, o grande desafio do novo milnio, sem contudo, descurar das obras no mais patrimonialmente protegidas. Jos Carlos Tinoco ao comentar o direito industrial tratando da importncia desse segmento do direito afirma:Considerando que a riqueza de um Pas depende de sua produo agrcola, manufatureira ou industrial, chegaremos concluso que para o melhor aproveitamento e desenvolvimento necessria a colaborao direta do homem. Se o homem continuasse a se utilizar das coisas da natureza tal como se encontram ou com pequenos melhoramentos, jamais sairamos do estgio inicial, todavia, para o bem da prpria humanidade o homem foi evoluindo e muito tem ainda a alcanar. Atravs desse desenvolvimento nota-se que o homem foi, a princpio, arteso, isto , o trabalhador autnomo, por ser

27

Coleo Cadernos de Polticas Culturais

patro de si mesmo, mais tarde se transformou em manufatureiro, ou o precursor da grande indstria, e logo aps, em industrial. Hoje, pode-se dizer, que o homem tecnlogo. Sua indstria depende da pesquisa e do trabalho de equipe. Para a fabricao de um simples alfinete ou um complicadssimo crebro eletrnico necessita o homem do trabalho intelectual de uma equipe. Vale dizer, portanto, que no est mais sozinho sob o regime da produo.2

A expanso da indstria, a produo de riquezas, o domnio comercial e cultural, esto diretamente ligados aos ramos do direito intelectual. Sua importncia vem aumentando notadamente nos ltimos anos, uma vez que o nvel de incremento tecnolgico aumenta na sociedade. Porm, necessrio compatibilizar o sistema legal intelectual com as novas realidades impostas pela sociedade informacional globalizada. Nesse sentido, afirma o autor italiano Luigi Carlo Ubertazzi: In questo quadro generale si inserisce il problema particolare della ricollocazione dei diritti dautore e connessi nel quadro della societ dellinformazione globale [...]. Questevoluzione muta radicalmente gli scenari delleconomia e del diritto3.

Porm, fato que no pode escapar argcia deste trabalho que o direito intelectual est vinculado aos investimentos que

2 SOARES, Jos Carlos Tinoco. Comentrios lei de patentes, marcas e direitos conexos: lei no 9.279 14.05.1996. So Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. p. 26-27. 3 UBERTAZZI, Luigi Carlo. I diritti dautore e connessi. 2.ed. Milo:G iuffr Editore, 2003. p. 16.

28

Direito Autoral

um pas, seja atravs da iniciativa privada, seja atravs da iniciativa pblica, faz em educao e cultura. Sem educao, como falar em produo de cultura ou tecnologia? O Brasil possui um histrico de analfabetismo e consumo de cultura e tecnologias estrangeiras que vem sendo modificado nos ltimos anos. O esforo das esferas administrativas em aprimorar o sistema educativo bsico e universitrio visvel. As leis de incentivo cultura demonstram a iniciativa do Poder Executivo brasileiro em suas esferas federais, estaduais e municipais em reverter esse quadro, estimulando os autores e a produo cultural com incentivos fiscais. Relevante a afirmao do Diretor Superintendente do Instituto Ita Cultural sobre a produo de cultura no Brasil, abaixo transcrita.Trabalhar com cultura em um pas como o Brasil um desafio e tanto. Se, por um lado, um pas de rico patrimnio artsticocultural, marcado pela diversidade e criatividade de seu povo e de sua arte, por outro ainda possui profundas desigualdades sociais, o que faz com que nem sempre o acesso aos bens culturais seja amplo e democrtico.4

Desde o advento das leis de incentivo cultura,5 muitos projetos culturais se tornaram realidade, como filmes brasileiros que

4 RIBENBOIM, Ricardo. In: CESNIK, Fbio de S. Guia do incentivo cultura. Barueri: Manole, 2002. p. 11. 5 Lei Rouanet n 8.313 de 23 de Dezembro de 1991; Lei do Audiovisual n 8.685 de 20 de Julho de 1993; Lei Fazcultura, da Bahia n 7.015 de 09 de Dezembro de 1996; Lei Mendona, do municpio de So Paulo n 10.923 de 30 de Dezembro de 1990.

29

Coleo Cadernos de Polticas Culturais

conseguiram destaque internacional, verificando-se uma situao mais favorvel produo cultural no Brasil. A universidade brasileira granjeou vitrias no campo da pesquisa, com a produo de uma quantidade cada vez maior de cientistas. Todavia, considerando-se as dimenses do pas, bem como de sua populao, percebe-se que estamos muito aqum do que poderamos produzir intelectualmente. O povo brasileiro possui uma cultura riqussima, uma criatividade reconhecida em todo o mundo, mas, mesmo assim, consumimos mais cultura estrangeira do que nacional. Este pesquisador, em sua infncia, estranhava as rdios tocarem predominantemente msicas americanas. No conseguia entender por que as pessoas ouviam msicas de que no podiam entender as letras, pois no sabiam o que as msicas diziam. Esse comportamento era uma incgnita at se perceber que as pessoas gostavam do ritmo e do som das msicas americanas. Era o poder da influncia cultural, que tambm se dissemina pelo vocabulrio, pela vestimenta, pelo cinema, pela alimentao, enfim, toda uma dominao cultural, todo um aparato de consumo cultural. Cumpre constatar que a indstria cultural americana ocupa o terceiro lugar em nmero de produtos de exportao, gerando emprego e renda naquele pas.6 A realidade da sociedade de informao em sua ntima ligao com os direitos intelectuais to grande que o Parlamento da

6

Cf. CESNIK, Fbio de S. Guia do incentivo cultura, p. 3.

30

Direito Autoral

Comunidade Europia editou a Diretiva n 29 de 22 de maio de 2001, relativa harmonizao de certos aspectos do direito de autor e dos direitos conexos na sociedade de informao. O item 2 dos considerandos da respectiva Diretiva merece ser transcrito:(2) O Conselho Europeu reunido em Corfu em 24 e 25 de Junho de 1994 salientou a necessidade de criar, a nvel comunitrio, um enquadramento legal geral e flexvel que estimule o desenvolvimento da sociedade da informao na Europa. Tal exige, nomeadamente, um mercado interno para os novos produtos e servios. Existe j, ou est em vias de ser aprovada, importante legislao comunitria para criar tal enquadramento regulamentar. O direito de autor e os direitos conexos desempenham um importante papel neste contexto, uma vez que protegem e estimulam o desenvolvimento e a comercializao de novos produtos e servios, bem como a criao e a explorao do seu contedo criativo. (grifo nosso).7

Os direitos autorais passam a ser ponto pacfico na harmonizao legislativa dos blocos econmicos surgidos com a globalizao. Nesse sentido, tambm h esforos para harmonizar e regular os direitos de autor e conexos no mbito do Mercosul, surgindo mais um reforo no direito intelectual, que conta com normas nacionais, internacionais e, agora, com normas comunitrias dos blocos que vm se formando na economia mundial. No Mercado Comum da Amrica do Sul, foi firmado um Acordo de Harmonizao de Normas de Propriedade Intelectual, deno-

7

. Acesso em 20 set. 2004.

31

Coleo Cadernos de Polticas Culturais

minado AANPI, aprovado pelo Conselho do Mercado Comum, no mbito do Tratado de Assuno. Segundo Assafim8, o processo de harmonizao e regulamentao de direitos intelectuais, dentre outros, no contexto do Mercosul, uma etapa de um processo maior de harmonizao e unio que tem vistas rea de livre comrcio das Amricas, a ALCA. Em nossa poca, as pessoas possuem acesso cada vez maior rede mundial, sendo esse um meio de comunicao dos mais eficazes, rpidos e abrangentes. Um meio onde obras de todos os gneros so difundidas e adquiridas, atingindo bilhes de pessoas em todo o mundo. H uma necessidade premente de regular a questo dos direitos autorais, tanto pelo aspecto econmico quanto pelo aspecto moral. Para se ter uma idia do poder de difuso da rede mundial e da importncia da regulamentao dos direitos autorais nesse meio, cumpre mencionar a pesquisa de portais que contm alguma informao sobre domnio pblico de lngua inglesa, public domain in copyright, resultando em mais de cinqenta pginas com base no portal de pesquisas da rede mundial de computadores Google. Trata-se de uma infinidade de informaes, trabalhos e obras de todos os gneros que so acessados de forma instantnea em vrios pases do mundo, podendo ser copiados e utilizados de

8 ASSAFIM, Joo Marcelo. La Propriedad intelectual en el mercado comn del sur. Arquivo do Ministrio da Justia, Braslia, v. 48, n. 186, p. 139-175, jul./dez. 1995.

32

Direito Autoral

forma ilcita. Entretanto, o poder de difuso desse novo meio de comunicao compensa as vicissitudes autorais, sendo os benefcios para a humanidade muito maiores que as perdas autorais que esto sendo seriamente combatidas tanto pelos titulares quanto pelos governos e pelas entidades de proteo coletiva.

1.3 Pilares do Direito IntelectualO direito intelectual possui caractersticas muito prprias. , com certeza, direito privado, porm possui reflexos muito importantes no campo do direito pblico. Possui importante e farta normatizao internacional, mas nas legislaes ptrias que efetivamente regulado. Nas faculdades de Direito, ele estudado de forma fragmentada: parte na disciplina de direito comercial, o direito industrial; parte na disciplina de direito civil, o direito autoral. Muitas grades escolares sequer contemplam o direito de software, ou o biodireito. Falta unidade no ensino do direito intelectual, pois este possui caractersticas prprias que se perdem quando estudadas separadamente. Tais caractersticas sero abordadas aqui, no sentido de construir uma linha de entendimento de todas as caractersticas prprias do direito intelectual. Nesse sentido, Sherwood9, tambm elenca elementos comuns no estudo da propriedade intelectual. Para o referido autor 8 (oito)

9 SHERWOOD, Robert M. Propriedade intelectual e desenvolvimento econmico, p. 37.

33

Coleo Cadernos de Polticas Culturais

so os elementos comuns da proteo da propriedade intelectual tais como: a exclusividade, o mecanismo para a criao de um direito exclusivo; a durao desse direito de exclusividade; o interesse pblico; a negociabilidade; os acordos entre as naes; a vigncia da exclusividade e os arranjos de transio para efeitos de mercado. Diferentemente do autor supra citado, sero tratados nesse trabalho como pilares do direito intelectual 5 questes fundamentais de toda essa sistemtica, excludo o domnio pblico que tambm um pilar, que ser tratado, porm, em tpico apartado.

1.3.1 A Exclusividade

Todas as disposies relativas a direito intelectual, nacionais ou de outros pases ou, ainda, a supranacional, garantem o direito de exclusividade aos autores ou inventores. Desde o Estatuto da Rainha Ana de 1710, na Inglaterra10, o privilgio da exclusividade sempre foi deferido como direito fundamental aos titulares. A exclusividade uma das principais garantias concedidas aos autores e inventores previstas na Constituio ptria de 1988, em seu art.5, incisos XXVII e XXIX, que proclamam:[...] aos autores pertence o direito exclusivo de utilizao, publicao ou reproduo de suas obras, transmissvel aos herdeiros pelo tempo que a lei fixar; [...].

10 Nesse sentido, ASCENSO, Jos de Oliveira. Direito autoral, p. 4. ; SANTIAGO, Oswaldo. Aquarela do direito autoral, p. 13.

34

Direito Autoral

A lei assegurar aos autores de inventos industriais privilgio temporrio para sua utilizao, bem como proteo s criaes industriais, propriedade das marcas, aos nomes de empresas e a outros signos distintivos, tendo em vista o interesse social e o desenvolvimento tecnolgico e econmico do Pas [...].

O mandamento constitucional completado pelas normas infraconstitucionais. No caso da legislao autoral o art. 28 da Lei no 9.610/98 dispe: Cabe ao autor o direito exclusivo de utilizar, fruir e dispor da obra literria, artstica ou cientfica. A legislao nacional de programas de computador, n 9.609/98, em seu artigo segundo, tambm defere a exclusividade ao autor das criaes informticas nos seguintes termos:Art. 2, 5, inclui-se dentre os direitos assegurados por esta Lei e pela legislao de direitos autorais e conexos vigentes no Pas aquele direito exclusivo de autorizar ou proibir o aluguel comercial, no sendo esse direito exaurvel pela venda, licena ou outra forma de transferncia da cpia do programa.

Aqui deve ser analisado um possvel paradoxo entre a essncia da atividade cultural e sua necessria difuso e o regime de exclusividade previsto pela lei. O criador de uma obra sempre deseja que sua criao circule e faa sucesso. Pode-se dizer que a inteno do criador que sua obra esteja na boca e nos ouvidos do povo como diz o adgio popular. Seria, ento, o regime de exclusividade um empecilho circulao das obras? A resposta deve ser negativa; no h nenhum paradoxo entre o regime de exclusividade e a circulao das35

Coleo Cadernos de Polticas Culturais

obras ou inventos. Legalmente, a inteno do legislador ptrio e dos legisladores estrangeiros foi conferir a possibilidade dos criadores de exigir a retribuio pela utilizao de suas obras, bem como poder proteg-las de utilizaes ilcitas, sem, contudo, inibir sua circulao. Com certeza, quando as primeiras normas sobre inventos ou sobre obras foram editadas, o consumo era muito menor, a propagao no era industrializada, ou globalizada como se tornou. Foi no contexto medieval que a exclusividade foi concebida; porm, esse pilar resiste inalterado at os dias de hoje, acompanhado de outros alicerces que do fora a esse arcabouo jurdico. A doutrina atual ao tratar da exclusividade assevera:O direito autoral um monoplio do autor. Mas um monoplio temporrio. Ele no absoluto. Ocorre com a obra de criao um fenmeno que a diferencia de qualquer outro tipo de produto humano. A arte destina-se ao pblico e seu objetivo maior alcanar uma universalidade to ampla quanto possvel. Muito se discutiu sobre a natureza da obra de arte. Ela tem uma natureza incorprea. H, na obra de arte, algo que a torna diferente pela emoo que transmite. Neste caso, ela transcende do bem material em si, da base em que est fixada, para transformar-se em algo imaterial que a lei reconhece como tal.11

11

CABRAL, Plnio. A Nova lei de direitos autorais, p. 110

36

Direito Autoral

A exclusividade, como visto, em qualquer legislao, industrial, autoral, cultivar, tem como objetivo permitir ao criador e ao inventor a explorao econmica do fruto de sua atividade intelectual, corporificada em qualquer tipo de suporte. Atualmente a Internet est provocando uma grande discusso na rea autoral em razo da criao de portais que oferecem msicas gratuitamente. A gravao e a troca de arquivos musicais na rede mundial foi mais um grande golpe na indstria fonogrfica, que tem resistido bravamente com o apoio das legislaes autorais dos pases e de seus respectivos poderes judicirios.12As perdas so sensveis. Do ponto de vista jurdico, os titulares e a indstria so vtimas da combinao da inovao tecnolgica e da conduta de cidados que preferem violar a lei a adquirir os produtos e pagar os direitos autorais e todos os encargos decorrentes. Certamente essa situao demonstra os influxos de uma sociedade tecnolgica consumista, que atinge o pilar secular da exclusividade como ondas do mar.

1.3.2 Reciprocidade

Assim como a exclusividade est presente em todos os diplomas intelectuais, tanto no nosso pas como nas legislaes de outros pases e nas convenes internacionais, a reciprocidade de

12 Segundo matria veiculada na Revista poca, nos EUA o Poder Judicirio impediu o funcionamento do Napster, portal de msicas que permitia que usurios baixassem msicas protegidas sem o pagamento dos direitos autorais. Atualmente a batalha judicial se dirige contra o portal KazaA que permite em mdia a conexo de 3 milhes de pessoas simultaneamente para baixar msicas e audiovisuais, sem o pagamento de direitos autorais. (In: Revista poca 03 fev. 2003, p. 82-83).

37

Coleo Cadernos de Polticas Culturais

proteo de autores e inventores entre a grande maioria dos pases tambm se faz presente e necessria, em razo da difuso das obras sem observncia de fronteiras. O artigo 2 do diploma autoral vigente prev a proteo assegurada aos estrangeiros domiciliados no exterior, constante dos acordos, convenes e tratados em vigor no Brasil, sendo principalmente aplicveis a Conveno de Berna, o Tratado Sobre Aspectos da Propriedade Intelectual Relacionados ao Comrcio, na rea autoral e os Acordos administrados pela Organizao Mundial de Propriedade Intelectual (O.M.P.I.).Art. 2. Os estrangeiros domiciliados nos exterior gozaro da proteo assegurada nos acordos, convenes e tratados em vigor no Brasil. Pargrafo nico. Aplica-se o disposto nesta Lei aos nacionais ou pessoas domiciliadas em pas que assegure aos brasileiros domiciliados no Brasil a reciprocidade na proteo aos direitos autorais equivalentes.

Esta norma da lei autoral consectria da garantia constitucional insculpida no artigo 5, 2, bem como do artigo 1 da Conveno de Berna abaixo transcritos: Constituio Federal, art. 5, 2: Os direitos e garantias expressos nesta Constituio no excluem outros decorrentes do regime e dos princpios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a Repblica Federativa do Brasil seja parte. Conveno de Berna, art. 1: Os pases a que se aplica a presente Conveno constituem-se em Unio para a proteo dos direitos dos autores sobre suas obras literrias e artsticas.

38

Direito Autoral

A atual lei de marcas e patentes n 9.279/96 possui a mesma sistemtica e determina em seu artigo 3:Aplica-se tambm o disposto nesta Lei: I ao pedido de patente ou de registro proveniente do exterior e depositado no Pas por quem tenha proteo assegurada por tratado ou conveno em vigor no Brasil; e II aos nacionais ou pessoas domiciliadas em Pas que assegure aos brasileiros ou pessoas domiciliadas no Brasil a reciprocidade de direitos iguais ou equivalentes.

Assim, a inteno do legislador foi diferenciar o tratamento legal dos titulares em razo da reciprocidade de proteo autoral concedida em seu pas de origem. Podemos exemplificar a questo da seguinte forma:

A utilizao de uma obra musical, aqui no Brasil, de um compositor cujo pas no outorgue a mesma proteo ao autor nacional ser regulada pelos acordos ou convenes internacionais em vigor no Brasil, especificamente a Conveno de Berna. A utilizao de uma obra de titular estrangeiro, mesmo que domiciliado no exterior, ser regulada pela Lei nacional, se, no pas de origem do titular estrangeiro, for assegurada proteo equivalente ao titular nacional, ou se o seu pas for aderente s normas convencionais. Em nosso pas, as entidades estrangeiras de direitos autorais decorrentes de execuo musical, por exemplo, so represen39

Coleo Cadernos de Polticas Culturais

tadas pela Unio Brasileira de Compositores (UBC), por fora de contratos de reciprocidade devidamente registrados em cartrio pblico, recebendo esta entidade os direitos arrecadados em razo da execuo de obras musicais internacionais no Brasil e repassando os valores arrecadados para as respectivas entidades representativas no exterior, conforme abordado em obra de autoria deste pesquisador.13 A reciprocidade na proteo autoral extremamente importante para os titulares, principalmente no contexto de uma economia de consumo massificado e globalizado como se possui atualmente. Esse princpio possibilita aos titulares de direitos autorais um tratamento mais benfico perante as legislaes de outros pases, sendo que, via de regra, gozaro de um tratamento como se fossem nacionais daquele pas, tornando-os cidados do mundo, conforme se verificar no item que aborda as convenes internacionais.

1.3.3 A Autorizao Prvia

A autorizao prvia outro fundamento da sistmica intelectual que no pode deixar de ser analisado, pois muito importante no contexto da proteo desses direitos. consectrio do direito de exclusividade abordado no item anterior e est previsto na lei autoral em seus artigos 29 e 68 abaixo transcritos:

13 DIAS, Maurcio Cozer. Utilizao musical e direito autoral, Campinas: Bookseller, 2000.

40

Direito Autoral

Art. 29. Depende de autorizao prvia e expressa do autor a utilizao da obra, por quaisquer modalidades, [...]. Art. 68. Sem prvia e expressa autorizao do autor ou titular, no podero ser utilizadas obras teatrais, composies musicais ou ltero-musicais e fonogramas, em representaes e execues pblicas. Aqui, mais uma vez, procurou o legislador dar condies legais aos titulares de exigirem principalmente os seus direitos patrimoniais decorrentes da utilizao de qualquer obra. Em verdade, na prtica, no tarefa simples o cumprimento de tal preceito em todas as reas em que a obra pode ser utilizada. Na rea de execuo musical, geralmente a autorizao prvia concedida pelas entidades de gesto coletiva que representam os titulares como se ver em tpico a seguir. Assim, a regra a necessidade da obteno prvia e expressa da autorizao do autor de uma obra protegida para que a utilizao no seja ilcita. Esta norma, de cunho notadamente patrimonial, tem repercusses muito importantes na sistmica de proteo intelectual, devendo fazer-se refletir na prestao jurisdicional como se ver. Desta forma, os usurios de programas de computador, de inventos industriais, de obras artsticas, literrias ou cientficas devem obter, antes da utilizao, a autorizao do titular ou de quem o represente. Este tipo de comando legal define um tipo de tutela impeditiva que possibilita aos titulares agir judicialmente para impedir41

Coleo Cadernos de Polticas Culturais

utilizaes desautorizadas. Este tipo de tutela deve ser aplicado pelo poder judicante, impedindo as utilizaes desprovidas de autorizao prvia e expressa. uma tutela que foge um pouco da rotina judicial que normalmente trabalha com a tutela ressarcitria em que a obrigao decorrente do ato ilcito. Nesse sentido, deve o julgador ter cincia dessa importante peculiaridade da sistmica intelectual para no aplicar a lei erroneamente em prejuzo dos titulares.

1.3.4 O Associativismo e a Gesto Coletiva

A representao dos titulares por suas entidades de gesto coletiva outro pilar da proteo intelectual que no pode deixar de ser analisado. A Constituio Federal em seu artigo 5, XXVIII, b, garante aos titulares e suas entidades representativas o direito da fiscalizao do aproveitamento econmico das obras, nos seguintes termos:Art.5, XXVIII, b, o direito de fiscalizao do aproveitamento econmico das obras que criarem ou de que participarem aos criadores, aos intrpretes e s respectivas representaes sindicais e associativas; [...].

Cumpre observar, que no h em constituies de outros pases garantia semelhante, provando a pujana da Carta Magna brasileira nesse segmento to estratgico do direito e da sociedade moderna.42

Direito Autoral

O associativismo se encontra mais fortalecido na rea autoral em face de uma maior difuso das obras em comparao com os inventos industriais. Na rea de programas de computador, o associativismo vem ganhando fora para combater a pirataria de programas e a globalizao da utilizao no autorizada. A lei autoral, em perfeita sintonia com a Lei Maior, garante s entidades associativas, em seu artigo 97, a possibilidade de defesa e representao dos titulares, nos seguintes termos: Art. 97. Para o exerccio e defesa de seus direitos, podem os autores e titulares de direitos conexos associar-se sem intuito de lucro. Para possibilitar a atuao judicial das associaes em benefcio dos titulares, o artigo 98 do mesmo diploma dispe: Art. 98. Com o ato de filiao, as associaes tornam-se mandatrias de seus associados para a prtica de todos os atos necessrios defesa judicial e extrajudicial de seus direitos autorais, bem como para sua cobrana. A existncia e o reconhecimento das entidades coletivas protetoras desses direitos so imprescindveis para a sistmica intelectual. A idia que toda a utilizao seja autorizada por seu criador ou inventor, ou pela entidade que o represente, para que ele possa viver do aproveitamento econmico de sua criao. Porm, se os criadores tivessem que cuidar das autorizaes no lhes sobraria tempo para continuarem criando. Ademais, os titulares no podem estar em todos os lugares em que suas obras so utilizadas, sendo invivel a administrao dos direitos intelectuais nica e exclusivamente pelos seus titulares, alm de ser,43

Coleo Cadernos de Polticas Culturais

culturalmente, uma perda de potencial cerebrino, caso somente os titulares pudessem exercer seus direitos. A importncia das entidades de gesto coletiva no direito autoral to patente em todo o mundo, que a Organizao Mundial da Propriedade Intelectual reconhece sua importncia e a estimula. Por gestin colectiva se entiende el ejercicio del derecho de autor y los derechos conexos por intermedio de organizaciones que actam en representacin de los titulares de derechos, en defensa de sus intereses.[...] Cada ao, una cadena de televisin difunde un promedio de 60.000 obras musicales; en teora, habra que ponerse en contacto con cada uno de los titulares de derechos sobre esas obras para solicitar la debida autorizacin. Es evidente la imposibilidad material de gestionar esas actividades de forma individual, tanto para el titular de derechos como para el usuario; de hay la necesidad de crear organizaciones de gestin colectiva cuyo cometido es el de ocuparse de los problemas que se plantean entre usuarios y titulares de derechos en esas esferas fundamentales.14

Este contexto ftico e fundamental da sistmica intelectual mencionado pelo autor Plnio Cabral em sua obra15, nos seguintes termos:A arte no tem fronteiras. Os meios de comunicao multiplicamse. Autores e usurios, evidentemente, no podem manter

14 15

. Acesso em 10 mar. 2004. CABRAL, Plnio. A Nova lei de direitos autorais, p. 220.

44

Direito Autoral

contato pessoal para negociar direitos autorais. Isto seria impraticvel e at mesmo impossvel. A OMPI reconheceu a necessidade das associaes gestoras de direitos autorais.

Ao citar Isabel Spn Alba sobre esse tema continua o autor16:Tendo em conta a massificao do processo de comunicao de obras intelectuais, derivada da ampliao do nmero de usurios e da transposio de fronteiras, praticamente impossvel que um autor ante tamanha disperso territorial e temporal, controle a utilizao de sua obra.

Essa garantia constitucional inexistente em outros ordenamentos constitucionais possibilitando a atuao das associaes de titulares somente deixa clara a profundidade da proteo intelectual outorgada pela Lei Maior que deve refletir em todo o ordenamento infra-constitucional, garantindo uma proteo eficaz aos titulares. No Brasil, existem vrias entidades de gesto coletivas correlatas s suas atividades especficas. Na rea da msica, h doze (12) associaes de titulares relacionadas a obras e profissionais da msica e um escritrio central que unifica o sistema arrecadatrio e distribuidor dos direitos relativos execuo musical, que ser oportunamente esmiuado. Na rea das obras literrias, h a Associao Brasileira de Direitos Reprogrficos (ABDR) que fiscaliza a reproduo de obras lite-

16

ALBA, Isabel Spn. Contrato de edicin literaria, 1994. apud Op. cit. p.221.

45

Coleo Cadernos de Polticas Culturais

rrias. No que diz respeito s obras teatrais existe a Sociedade Brasileira de Artistas de Teatro (SBAT). No campo da informtica, atua a Associao Brasileira das Empresas de Software (ABES) que fiscaliza a utilizao de programas de computador. Sem tais entidades, os respectivos titulares no teriam como viabilizar uma observncia efetiva dos seus direitos autorais, o que prejudicaria certamente a produo intelectual.

1..3.5 A Tutela de Impedimento

Por ltimo, importante abordar a tutela de impedimento que tambm um pilar da sistemtica protetora intelectual. Na lei autoral, essa proteo conseqente dos artigos 29, 68, j transcritos, bem como, no artigo 105, abaixo analisado, que deferem aos titulares o direito de impedirem quaisquer utilizaes desprovidas de autorizao prvia.Art. 105. A transmisso e a retransmisso, por qualquer meio ou processo, e a comunicao ao pblico de obras artsticas, literrias e cientficas, de interpretaes e de fonogramas, realizadas mediante violao aos direitos de seus titulares, devero ser imediatamente suspensas ou interrompidas pela autoridade judicial competente, sem prejuzo da multa diria pelo descumprimento e das demais indenizaes cabveis, independentemente das sanes penais aplicveis; caso se comprove que o infrator reincidente na violao aos direitos dos titulares de direitos de autor e conexos, o valor da multa poder ser aumentado at o dobro. (grifo nosso).

46

Direito Autoral

O estudo em conjunto dos artigos 29, 68, e 105 do diploma autoral, em conjunto com a norma constitucional, deixa claro o tipo de tutela impeditiva deferida aos titulares para evitar a violao de seus direitos. O legislador prestigiou uma tutela impeditiva, diferenciada da tutela ordinria ressarcitria decorrente dos atos ilcitos que deve ser imposta pelo poder judicante. Este tipo de tutela tambm peculiar na proteo dos direitos decorrentes da propriedade industrial, onde o titular da carta patente tem o direito de impedir que terceiros utilizem indevidamente sua inveno, nos termos do artigo 42 infra transcrito: Art. 42. A patente confere ao seu titular o direito de impedir terceiro, sem o seu consentimento, de produzir, usar, colocar venda, vender ou importar com estes propsitos (grifo nosso). O objetivo principal da tutela impeditiva o de impedir a utilizao ilcita, ao invs do titular ou a entidade que o represente pleitear o ressarcimento pela ilegalidade. Agindo assim, a idia do legislador foi prestigiar o direito de exclusividade e a obteno da autorizao prvia e expressa, que, do contrrio, certamente cairiam por terra em prejuzo de todo o sistema de proteo intelectual. Fato que no pode deixar de ser analisado que a tutela de impedimento visa parar imediatamente a violao, no permitindo que ela se prolongue no tempo, durante o andamento dos processos judiciais que, via de regra, so lentos. O legislador preferiu impedir a indenizar. A indenizao na rea intelectual secundria, a tutela primordial a impeditiva.

47

Coleo Cadernos de Polticas Culturais

O legislador ptrio tambm alinhou-se s normas pactuadas internacionalmente, uma vez que o Decreto n 1.355 de 30 de Dezembro de 1994, tambm conhecido como Trips Tratado sobre Aspectos da Propriedade Intelectual Relacionados ao Comrcio em sua parte III, Seo 1, artigo 41, privilegia a preveno a violaes de direitos intelectuais como medidas jurdicas a serem outorgadas pelos pases signatrios.17

1.4 Objeto do Direito AutoralSegundo Oswaldo Santiago18, o direito autoral o mais entranhado dos direitos humanos, em razo de sua ntima ligao com as profundezas do Esprito. Dentro dos vrios ramos do direito intelectual, o direito autoral, segundo a maioria dos autores19, cuida das obras literrias, artsticas ou cientficas, das criaes do esprito humano. O direito autoral trata dos direitos de autores, como pais ou criadores da obra e dos direitos conexos, ou seja, daqueles ligados, conectados aos direitos dos criadores das obras, como os direitos dos artistas intrpretes. Atualmente, a Lei n 9.610/98 consiste em alterao, atualizao

17 623. 18

PIMENTA Eduardo Ss. Cdigo de direitos autorais e acordos internacionais, p. SANTIAGO, Oswaldo. Aquarela do direito autoral, 1946.

19 Nesse sentido, Carlos Fernando Mathias de Souza; Plnio Cabral; Carlos Alberto Bittar; Francisco E. Baleoti.

48

Direito Autoral

e consolidao da legislao autoral em nosso pas, possuindo ainda os autores garantias constitucionais insculpidas no artigo 5, incisos XVII e XVIII. Alm da legislao ptria, integram o ordenamento brasileiro a Conveno de Berna, por fora do Decreto n 75.699/75, bem como o Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comrcio, denominado tambm como Trips, internado em nosso ordenamento pelo Decreto n 1.355/94, bem como, inmeras outras convenes que tratam dos direitos conexos, dos fonogramas entre outras. O artigo 7 da lei autoral define com clareza o que so obras protegidas, nos seguintes termos:Art.7 So obras intelectuais protegidas as criaes do esprito, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangvel ou intangvel, conhecido ou que se invente no futuro, [...]. Em artigo denominado Titularidade dos Direitos Autorais, Francisco E. Baleoti, procura analisar a extenso do objeto do direito autoral contido no preceito legal do artigo supra mencionado, afirmando a existncia de vrios entendimentos doutrinrios que defendem deva ser realada a segunda parte do dispositivo legal em questo, sendo objeto do direito autoral as obras20.

O rol de obras protegidas contido no artigo 7 no exaustivo, permitindo tambm a proteo de obras que surjam com a tecnologia, ou com a atividade intelectiva humana em suportes que se inventem no futuro.

20

BALEOTI, Francisco E. In: RNDJ, v. 25, p. 32-33, jan. 2002.

49

Coleo Cadernos de Polticas Culturais

O diploma autoral procede de maneira diversa ao regular o que no objeto de proteo; no artigo 8, a tcnica completamente inversa, elencando em hipteses fechadas o que no obra protegida, conforme se observa da redao legal, bem como da afirmao de Plnio Cabral: No artigo 7 a lei procurou exemplificar alguns casos de proteo s obras de criao. J no artigo 8, pelo mesmo processo elenca as produes intelectuais que no so objeto de proteo.Aqui, entretanto, o conceito muda. O enunciado taxativo: no so objeto de proteo como direitos autorais de que trata essa lei, passando a enumerar aquilo que no recebe a proteo da lei de direitos autorais. So, tipicamente, numerus clausus, devidamente apontados21.

1.4.1 Conceito de Obra

A lei atual de direitos autorais, em seu artigo 7, define obra como criao do esprito, conforme supra transcrito, relacionando treze hipteses, sem, entretanto, esgotar as formas de criao. A definio legal ptria de obra segue os contornos da definio dada pela Conveno de Berna abaixo transcrita, que norteou as definies legais dos pases unionistas.Art. 2 ) 1) Os termos obras literrias e artsticas compreendem todas as produes do domnio literrio, cientfico e artstico, qualquer que seja a sua maneira ou forma de expresso,

21

CABRAL, Plnio. A Nova lei de direitos autorais, p. 60.

50

Direito Autoral

tais como: livros, brochuras e outros escritos; conferncias, alocues, sermes e outras obras da mesma natureza; obras dramticas ou dramtico-musicais; obras coreogrficas ou pantomimas, cuja representao anunciada por escrito ou de outro modo; as composies musicais, com ou sem letra; os trabalhos de desenho, pintura, arquitetura, escultura, gravura e litografia; as ilustraes e cartas geogrficas; as plantas, esboos e trabalhos plsticos relativos geografia, topografia, arquitetura e cincias.

A arte e a cincia tambm acompanham o desenvolvimento de novas tecnologias, novos materiais, novas perspectivas sociais, surgindo novas obras, novas formas de criao, assim como surgiu o cinema em relao ao teatro. Nesse sentido, o conceito de obra protegida adotado pela legislao atual amplo e aberto, adequado s rpidas transformaes da sociedade contempornea. Um exemplo do conceito aberto de obra que possibilita uma ampla proteo frente s rpidas inovaes tecnolgicas so os ringtones, toques musicais dos aparelhos celulares que j esto movimentando cifras considerveis de direitos autorais, conforme relata matria veiculada na revista poca22. Segundo a reportagem, as empresas de ringtones j pagam mais em direitos autorais do que empresas multinacionais da rea fonogrfica. O direito portugus em seu cdigo de direito de autor define obra da seguinte forma:

22 80/89

Especial Msica. Revista Veja n. 328 de 30 ago.2004. Editora Globo. p.

51

Coleo Cadernos de Polticas Culturais

1- Consideram-se obras as criaes intelectuais do domnio literrio, cientfico e artstico, por qualquer modo exteriorizadas, que, como tais, so protegidas nos termos deste Cdigo, incluindose nessa proteco os direitos dos respectivos autores. Nesse aspecto referente amplitude do conceito de obra, o autor portugus Jos de Oliveira Ascenso23 afirma:I Vejamos ento como se chega obra literria ou artstica. Partindo ou no de um tema, o criador tem uma idia de uma obra literria ou artstica. H sempre uma prefigurao, mesmo que vaga. Sobre essa prefigurao se trabalhar, de maneira a que a idia venha a tomar forma. E esse percurso pode ser longo e tormentoso, pois muitas vezes a idia norteadora no logra concretizar-se, ou a concretizao no est a sua medida; doutras, infelizmente mais raras, a forma saiu mais valiosa que a idia. II Se a obra no pois meramente a criao do esprito, temos de realar a Segunda parte do preceito legal: a criao deve ser de qualquer forma exteriorizada. Isto significa que a prpria criao do esprito a que se faz apelo na obra literria ou artstica desde o incio uma criao no domnio da forma.

As definies legais, entretanto, embora acolham novas formas de criao decorrentes do incremento tecnolgico deixam em aberto a questo de novas formas de criao. Uma das questes que se impem a criao por computador que j foi enfrentada aqui no Brasil nos seguintes termos:

23

ASCENSO, Jos de Oliveira. Direito autoral. 2.ed., p. 30-31.

52

Direito Autoral

A partir de programas prprios, j realidade a criao no computador de obras artsticas: temos assistido a freqentes demonstraes, desde pinturas clebres, figuras humanas, de animais, desenhos, gravuras, traados, projetos arquitetnicos e outras. Geradas por clculos matemticos, novas imagens e figuras de conotaes prprias vm povoar o mbito das artes, inclusive a recente histria em quadrinhos (chamada graphic novel crash) Nesse sentido, pode-se dizer que a criao computadorizada nova forma de expresso de arte.24

A expanso da criao de obras e dos direitos autorais j h muito tempo deixou de estar ligada apenas atividade cultural e passou a integrar tambm a atividade empresarial e a comunicao. Segundo o autor supra mencionado25, na rea empresarial temos a criao das logomarcas, slogans publicitrios, vinhetas, desenhos artsticos vinculados a catlogos de produtos e marcas, criao de embalagens, campanhas publicitrias, entre uma gama de criaes ligadas ao dia-a-dia das empresas. Uma vez que a obra fruto do esprito humano ela integrar com certeza todas as atividades exercidas pelo ser humano, imputando valorizao ao trabalho humano, diferenciando-o, enobrecendo-o, e, com certeza, gerando disputas, conflitos.

24 BITTAR, Carlos Alberto. Contornos atuais do direito autoral. 2.ed. So Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 193-194. 25 BITTAR, Carlos Alberto. O autor em suas obras: O Direito nos modernos meios de comunicao; Tutela dos direitos da personalidade e dos direitos autorais nas atividades empresariais enfoca a importncia crescente dos direitos de autor em criaes publicitrias e questes relativas a empresas.

53

Coleo Cadernos de Polticas Culturais

De particular interesse para este trabalho so as obras musicais que tm uma grande influncia no cotidiano das pessoas, sendo, de longe, o tipo de obra mais utilizado pelos meios de comunicao e pelos usurios, a ser abordado no tpico seguinte.

1.4.2 Conceito de Obras Musicais

A Lei n 9.610/98, em seu artigo 7, inciso V, define obra musical nos seguintes termos: V as composies musicais, tenham ou no letra; A msica e a pintura talvez sejam as formas mais antigas de arte. Os homens das cavernas pintavam suas caas, seus animais, nas paredes das cavernas que habitavam. A msica e a dana tambm acompanham o ser humano desde seus mais rudimentares agrupamentos. Alm de entreter, sempre serviu para adorar os deuses, para fortalecer o esprito para as batalhas, para identificar os grupos, as tribos, as classes sociais. A msica acompanhou o desenvolvimento das civilizaes e dos instrumentos, sendo equacionadas as notas musicais e desenvolvida a escrita musical. Atualmente, pode-se ter obras musicais compostas apenas de letras ou, ainda, msicas sem letra, onde h apenas a conjugao de ritmos, de notas musicais. A produo musical pode ser complexa envolvendo vrios tipos de profissionais da msica, tais como: maestros, arranjadores,54

Direito Autoral

percussionistas, vocalistas, letristas, entre outros msicos. Existem obras ainda que so apenas repeties de arranjos, uma identidade de notas musicais. Proteger essas criaes, tanto para os titulares, quanto para a sociedade como um todo a misso do direito autoral, uma vez que a arte a expresso das manifestaes dos sentimentos humanos, dos seus costumes, da identidade de povos, pocas, culturas, alm da integrao das recordaes. Para o direito autoral, h que se considerar e proteger dois grupos distintos e igualmente importantes de obras: aquelas cujo prazo de proteo j expirou, ou seus titulares no deixaram herdeiros, denominadas obras cadas em domnio pblico, foco especfico deste trabalho; e, tambm, as obras cujo prazo de proteo est em vigor ou seus titulares deixaram herdeiros.

1.4.3 A Msica Contempornea e a Tecnologia

Muitos so os desafios impostos ao direito autoral na seara de proteo de obras musicais em face das novas tecnologias e da rede mundial. Entre eles encontram-se a possibilidade de gravar CDs, em computadores pessoais; a possibilidade de gravar msicas atravs da troca de arquivos via portais da Internet, onde os usurios trocam com outros usurios obras musicais, ltero-musicais e vdeomusicais; a pirataria de cds, fitas e DVDs. Tanto os operadores do sistema de copyright anglo-americano, quanto os operadores do sistema europeu, tm se debruado e buscado legislativa e judicialmente solues para proteger os titulares e a indstria fonogrfica,55

Coleo Cadernos de Polticas Culturais

gerando uma batalha herclea atualmente, em face da velocidade e da disperso proporcionadas pelas novas tecnologias. Novos ritmos e novas tendncias musicais surgem numa velocidade incrvel. Novos portais de trocas de arquivos em formato MP3 (music player) so criados ao redor do mundo, facilitando muito a utilizao de obras sem a observncia dos direitos patrimoniais e morais dos titulares. A indstria fonogrfica, em conjunto com governos, titulares e organizaes internacionais, tem se esforado no combate s violaes: novas leis foram editadas, processos judiciais esto sendo movidos contra portais e usurios; maiores poderes de investigao foram outorgados s autoridades policiais para combater essa prtica ilegal hodierna. No Brasil, os dados da pirataria so preocupantes,26 da ordem de 53% (cinqenta e trs) por cento dos CDs vendidos, tendo as autoridades procurado agir com rigor legal, mas obtendo resultados ainda tmidos. O mercado brasileiro, que j foi o sexto do mundo, ocupa atualmente a dcima segunda colocao.

1.4.4 Obras Cadas em Domnio Pblico

O direito autoral confere um prazo de explorao aos titulares que possui regramento internacional na Conveno de Berna, bem como nas legislaes dos pases. Esse direito limitado no tempo, certamente em razo da reconhecida funo social

26 2003.

TEIXEIRA JUNIOR, Srgio. Qual a msica. Revista Exame, p. 71, 29 jan.

56

Direito Autoral

da propriedade intelectual. Via de regra, uma vez expirado esse prazo de proteo ou falecido o autor sem deixar sucessores legais, suas obras podero ser utilizadas pelo pblico em geral, sem necessidade de autorizao prvia, sem necessidade de pagamento de retribuio pela utilizao. Uma vez cadas em domnio pblico, aps um longo prazo de proteo, pois os prazos de proteo somente se iniciam aps o falecimento do titular, as obras podem ser utilizadas livremente pelos cidados. Atualmente, na rea musical, pode ser afirmado que no existem obras em domnio pblico e sim obras no esquecimento pblico, uma vez que no h nenhuma sistematizao dessas obras, referentemente s suas letras, s suas partituras, aos seus autores. Cabem aqui as seguintes indagaes. Quem tem o interesse de defend-las, torn-las efetivamente de domnio, de acesso pblico, velando pela preservao de nosso patrimnio cultural musical? Os titulares? Cr-se que no, pois j faleceram h muito tempo. Os sucessores? Cr-se que no, pois muitos tambm j faleceram e os que esto vivos no possuem mais os direitos patrimoniais. A indstria fonogrfica? Tambm se cr que no em razo da possvel inviabilidade de explorao comercial e lucros. Nos Estados Unidos da Amrica, h um interesse maior pelas obras cadas em domnio pblico por parte de editores especializados nessas obras, bem como, entidades interessadas pela difuso da cultura, como o caso do projeto Gutemberg, existindo inclusive uma pgina da rede mundial denominada

57

Coleo Cadernos de Polticas Culturais

pdinfo27, ou seja, informaes sobre domnio pblico, que disponibiliza uma lista com mais de 3500 (trs mil e quinhentas) obras musicais americanas de domnio pblico. Alm de informaes sobre domnio pblico, oferecida uma obra de um advogado americano especializado em domnio pblico que contm obras dessa natureza. Com certeza, a sistematizao das obras cadas em domnio pblico e sua efetiva disponibilizao aos cidados um desafio que os governos devem enfrentar com a ajuda das entidades de direitos autorais respectivas, para a preservao e difuso de nosso patrimnio artstico cultural, in casu o nosso patrimnio musical. Interessante notar que o direito autoral est enfrentando os desafios impostos pelas novas modalidades de utilizao, pela tecnologia, com os olhos voltados para o presente e para o futuro. Porm, no se pode descuidar de todo o patrimnio artstico j produzido por mestres e artistas geniais. Nesse sentido, recentemente a esttua de David de Michelangelo, exposta no Museu de Florena completou 500 (quinhentos) anos. Preservar o patrimnio cultural j produzido e integrante do acervo mundial uma atitude que vem sendo esquecida na rea musical, que est apenas preocupada com o presente e com o futuro. Certamente, a indstria fonogrfica e os titulares no esto sozinhos nessa luta, que tambm de toda a sociedade. Mais do que isso, possuem grandes quantidades de recursos humanos e materiais para protegerem seus direitos. Porm, proteger o

27

. Acesso em 18/09/04.

58

Direito Autoral

patrimnio de domnio pblico, que no d mais lucro, mas possui igual importncia cultural, social e histrica um verdadeiro desafio a ser enfrentado por governos, entidades e cidados, uma vez que os desafios presentes e futuros j detm a ateno da legislao e dos respectivos interessados.

1.5 Autoria e suas ModalidadesUma vez abordado o objeto de proteo do direito autoral, cumpre analisar quem considerado autor e as vrias hipteses de autoria. As obras podem ser concebidas de forma singular, quando apenas uma pessoa cria. Mas tambm podem ocorrer outros processos de criao tais como a coautoria e a criao coletiva, ambos definidos no artigo 5, inciso VIII, alneas a e h do atual diploma autoral, bem como, pelos seus artigos 11/17. Em artigo publicado na RNDJ, o autor Francisco E. Baleoti, aborda a distino entre a co-autoria e a obra coletiva, nos seguintes termos:Para distinguir a obra em co-autoria da chamada obra coletiva, devemos realar alguns elementos que so fundamentais primeira, e bvio, no ocorrentes na segunda. O preceito legal estabelece que obra em co-autoria aquela resultante da atividade criativa de pelo menos dois autores.

J definimos qual seja a atividade que origina obra protegida pelo direito autoral; aquela prpria do esprito, desde que plasmada em um suporte fsico, material ou no, contando com originalidade. 59

Coleo Cadernos de Polticas Culturais

Entretanto, somente este elemento, o da atividade criativa, insuficiente para definirmos a co-autoria, pois, ao contrrio da obra coletiva, neste caso a atividade dos autores envolvidos deve ser realmente de criao, fundindo seus esforos criativos, criando uma obra por sua iniciativa.28

Em termos de obras cadas em domnio pblico, necessrio investigar se a autoria singular, em co-autoria ou coletiva. Essa investigao preliminar necessria, pois o prazo de proteo sempre comear a fluir aps o falecimento do ltimo autor em caso de obras ou em co-autoria. Ou do falecimento do organizador, nos casos de autoria coletiva. Na rea musical, enfocada nesse trabalho, a co-autoria muito comum, trazendo reflexos para a determinao de quais obras integram atualmente o domnio pblico. Assim, detalhe vital na pesquisa das obras diz respeito co-autoria, para a fixao do prazo de proteo de cada obra sendo necessria uma investigao sobre as criaes em co-autoria, coletando as datas de falecimentos de todos os autores, pois o prazo de proteo se iniciar aps o falecimento do ltimo autor ou co-autor.

28 BALEOTI, Francisco E. Titularidade dos Direitos Autorais. RNDJ, v. 25,p. 36, jan. 2002.

60

Direito Autoral

1.6 Direitos Patrimoniais e MoraisNo se pode deixar de analisar, antes do domnio pblico propriamente dito, os direitos outorgados pela legislao aos titulares. A doutrina desenvolveu vrias teorias sobre os direitos atribudos aos autores, tais como: a teoria monista, a teoria pluralista e a teoria dualista29. As vrias doutrinas surgiram para explicar as duas ordens de direitos atribudos aos titulares: os direitos patrimoniais ligados explorao econmica da obra e os direitos morais ligados paternidade e integridade das obras. Tal questo se prende ao tema em estudo, uma vez que cada a obra em domnio pblico os direitos patrimoniais deixam de existir, subsistindo os direitos morais que devem ser exercidos pelo Estado. Assim, a defesa da integridade das obras, da paternidade, compete ao Estado nos estritos termos do artigo abaixo transcrito, de nmero 24, 2 da atual lei de direito autoral: Art. 24. So direitos morais do autor: 2 Compete ao Estado a defesa da integridade e autoria da obra cada em domnio pblico. Se ao Estado cabe a misso de proteger a integridade e a autoria das obras cadas em domnio pblico, cabe aqui a indagao:

29 Nesse sentido, GOMES, Orlando. Direitos reais. 3.ed. Rio de Janeiro: Forense, 1969. v. 1.

61

Coleo Cadernos de Polticas Culturais

Como defender o que no est disponvel? Essa misso do Estado vem sendo cumprida? A produo musical cada em domnio pblico est exercendo sua funo social? Antes de respondermos s questes, imperativo mencionar a opinio acerca dos aspectos contraditrios, inconsistncias e omisses, da redao legal do artigo 24, expostas por Vanisa Santiago30 abaixo transcrita:No Captulo referente aos Direitos Morais alguma inconsistncia se faz notar nos 1 e 2 do art. 24, que transferem o exerccio de parte desses direitos respectivamente aos sucessores do autor falecido e ao Estado no caso de obras cadas em domnio pblico, sem esclarecer importantes detalhes...... Por outro lado, o 2 declara que compete ao Estado a defesa da integridade e autoria da obra cada em domnio pblico, mas no define a autoridade ou o rgo pblico encarregado dessa defesa nem os meios que podero ser empregados para seu exerccio. Na Lei n 5.988/73 essa defesa era de competncia do Conselho Nacional de Direito Autoral. (grifo nosso).

Pode-se afirmar, com base no dispositivo supra mencionado, bem como na ausncia de proteo tanto por parte do Estado quanto das entidades nacionais ligadas ao direito autoral, em consonncia com a assertiva da autora, que as respostas so negativas. O Estado e a sociedade civil como um todo no esto

30 SANTIAGO, Vanisa. A lei n 9.610 de 19 de fevereiro de 1998 aspectos contraditrios. Conferncia proferida no Seminrio sobre Direito Autoral, realizado pelo Centro de Estudos Judicirios, nos dias 17 e 18 de maro de 2003, no Centro Cultural Justia Federal, Rio de Janeiro. In Revista CEJ Direito Autoral, n 21 p. 8-15, abr./jun.2003.

62

Direito Autoral

cumprindo sua misso de proteger as obras cadas em domnio pblico. A produo musical cada em domnio pblico tambm no est exercendo a funo social que deveria, uma vez que o pblico no tem acesso s obras, no pode utilizar, conhecer essas obras, seus autores, suas histrias, a histria da prpria produo musical brasileira. Implementar um banco de obras cadas em domnio pblico na rea musical, bem como nas demais reas artsticas um real desafio para a preservao do patrimnio artstico-cultural brasileiro. Ligao umbilical da temtica do domnio pblico com os direitos patrimoniais reside no direito de exclusividade deferido aos titulares, na obrigao dos usurios em obterem a autorizao prvia e expressa dos titulares ou de quem os represente. Bem como ao prazo de durao dos direitos patrimoniais, que consiste na hiptese mais comum ligada ao domnio pblico. O prazo de proteo estipulado pelo diploma autoral atual de 70 (setenta) anos, nos termos do artigo 41 infratranscrito: Art. 41. Os direitos patrimoniais do autor perduram por setenta anos contados de 1 de janeiro do ano subseqente ao do seu falecimento, obedecida a ordem sucessria da lei civil. A Conveno de Berna estabeleceu um piso mnimo de 50 (cinqenta) anos que vem sendo gradativamente aumentado, sendo atualmente de 70 (setenta) anos na grande maioria dos pases unionistas. A dilao do prazo de proteo dos direitos patrimoniais em 20 (vinte) anos no foi justificada pelos governos ou pelas enti63

Coleo Cadernos de Polticas Culturais

dades internacionais, principalmente levando-se em considerao que o prazo de (70) setenta anos s se inicia aps o ano subseqente ao do falecimento do autor. Os programas de computador que se tornam rapidamente obsoletos em face do avano rpido e constante da tecnologia so protegidos pelo prazo de 50 (cinqenta) anos. Na rea de patentes de inveno o prazo de proteo de 20 (vinte) anos. Quais os fundamentos que levaram ao aumento dos prazos de proteo autoral? Quais os interesses internacionais comerciais ou estatais por trs desses aumentos protetivos? O autor Robert Sherwood reconhece a inexistncia de pesquisas na rea de direito intelectual que embasem respostas para as indagaes. Porm, fator que no pode ser desconsiderado o interesse das grandes multinacionais da indstria fonogrfica que so as principais beneficiadas com os incrementos de proteo31. Em obra de minha autoria32, ao tratar dos prazos de proteo foi tecido comentrio a respeito do tema, uma vez que o prazo de proteo somado longevidade mdia dos titulares eleva a durao dos direitos patrimoniais para mais de 100 (cem) anos facilmente. Esse exagero de proteo certamente contribui para que as obras caiam no esquecimento completo e no no domnio pblico como deveriam.

31

Sherwood, Robert M. Propriedade intelectual e desenvolvimento econmico.

32 DIAS, Maurcio Cozer. Utilizao musical e direito autoral. Campinas: Bookseller, 2000. P 36 .

64

Direito Autoral

Alm das obras carem no esquecimento completo, desequilibrando a relao entre interesse particular e coletivo existente no direito intelectual, os dilatados prazos de proteo do direito autoral deixam de proteger apenas os titulares que so os destinatrios principais da tutela para proteger vrias geraes de herdeiros e uma indstria que somente se preocupa em explorar economicamente a criao intelectual. Ademais, no h razo para aumentar tanto a proteo da criao artstica, diferenciando-a tanto dos outros seguimentos do direito intelectual. Qual a razo de conferir maior prazo ao artista e no conferir ao inventor, ao pesquisador de novos organismos alterados geneticamente, ou ainda aos programadores? Essa diferena existente hoje no direito intelectual deve ser melhor equacionada para que a atividade intelectual seja tratada legalmente com critrios patrimoniais semelhantes, pois o artista est muito mais valorizado que o inventor, que o programador e o pesquisador.

65

Coleo Cadernos de Polticas Culturais

2. DOMNIO PBLICO

2.1 Conceito de Domnio PblicoSegundo Celso Ribeiro Bastos33, indubitvel a necessidade da existncia de bens de domnio pblico. Afirma esse autor que a vida em comunidade seria mesmo impossvel sem a existncia de bens destinados ao cumprimento de finalidades coletivas. No caso especfico do direito de autor, o regime primordial do exclusivo, do privado. Apenas e to somente aps exaurirem-se esses direitos patrimoniais que surgir o domnio pblico e a coletividade poder ter acesso e utilizar as obras que passam proteo da Unio. O autor supra referido conceitua o domnio pblico como um conjunto de bens possudos e afetados pelo Estado destinados a finalidades coletivas e regido pelo direito administrativo34. Cabe, ento, a indagao sobre o domnio pblico de bens imateriais, como o caso das obras musicais, objeto deste trabalho. A resposta tambm dada pelo mesmo autor do direito administrativo quando classifica os bens de domnio pblico como materiais ou imateriais35. Assim, uma vez cadas as obras em

33 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito administrativo. 2.ed. So Paulo: Saraiva, 1996. p. 303. 34 35 Op. cit., p. 305. Op. cit., p. 306.

66

Direito Autoral

domnio pblico, cumpre ao Estado sistematizar, disponibilizar e proteger essas obras musicais, conforme comando do artigo 24 2 da Lei n 9.610/9836. Em Portugal, as obras cadas em domnio pblico passam para a tutela do Ministrio da Cultura, conforme se ver em tpico a seguir, mas, no Brasil, a legislao somente se refere ao Estado e no especificamente ao Ministrio da Cultura ou outra entidade estatal. O autor Carlos Fernando Mathias de Souza, ao diferenciar o instituto do domnio pblico do direito administrativo e do direito autoral afirma:O conceito de domnio pblico, em direito de autor ou direito autoral, no se confunde com o do direito administrativo. Hely Lopes Meirelles, aps observar que o conceito no uniforme na doutrina, lembra que entre os administrativistas h uma concordncia em que tal domnio, como direito de propriedade, s exercido sobre os bens pertencentes s entidades pblicas, e, como poder de soberania interna, alcana tanto os bens pblicos como as coisas particulares de interesse coletivo.

Acrescenta ainda o administrativista: A equivocidade da expresso obriga-nos a conceituar o domnio pblico em sentido amplo e em seus desdobramentos polticos (domnio eminente) e jurdico (domnio patrimonial).

36 Art. 24 2 Compete ao Estado a defesa da integridade e autoria da obra cada em domnio pblico.

67

Coleo Cadernos de Polticas Culturais

O domnio pblico, em sentido amplo, o poder de dominao ou de regulamentao que o Estado exerce sobre os bens do seu patrimnio (bens pblicos), ou sobre os bens do patrimnio privado (bens particulares de interesse pblico) ou sobre as coisas inapropriveis individualmente, mas de fruio geral da coletividade (res nullius). Neste sentido amplo e genrico, o domnio pblico abrange no s os bens das pessoas jurdicas de direito pblico interno, como as demais coisas que, por sua utilidade coletiva, merecem a proteo do Poder Pblico, tais como as guas, as jazidas, as florestas, a fauna, o espao areo, e as que interessam ao patrimnio histrico e artstico nacional.37

Em direito autoral, a expresso domnio pblico refere-se em geral s obras que se constituem em uma espcie de res communis omnium (coisa comum de todos), de modo que podem ser utilizadas livremente por quem quer que seja, com ou sem intuito de lucro38. A autora Georgette Nazzo ao tratar do tema domnio pblico na seara do direito autoral assim o define:Obras cadas em domnio pblico Vencidos os prazos estipulados nas leis internas ou nas Convenes internacionais, as obras caem em domnio pblico, permitindo a qualquer pessoa o seu aproveitamento econmico. Quanto s obras estrangeiras, a matria passa a regular-se pelos prazos fixados pela lei de cada pas considerado, sob o critrio determinado pelas grandes convenes internacionais, que no

37

Direito administrativo brasileiro. 2.ed. p. 431-432.

38 SOUZA, Carlos Fernando Mathias de. Direito autoral: legislao bsica. Braslia, DF: Livraria e Editora Braslia Jurdica, 1998. p. 35-38.

68

Direito Autoral

agasalham as obras cadas em domnio pblico, conceito este que, sob o ponto de vista pecunirio, contraditrio com o de obra protegida. O prazo mnimo vigente para todas as naes que subscreveram a Conveno de Berna, como regra geral, o de 50 anos [...] Com efeito no s pelo decurso do lapso de proteo, mas por outros motivos, como, a ttulo de exemplo, a no observncia de formalidades essenciais, ausncia de reciprocidade, etc., uma obra pode cair em domnio pblico.39

O autor Washington de Barros Monteiro, em sua obra Curso de Direito Civil,40 tratando do prazo de proteo das obras regido pelo Cdigo Civil de 1916 e, conseqentemente, a entrada da obra em domnio pblico, cita o autor italiano Trabucchi, nos seguintes termos:No sentir de Trabucchi, duas foram as razes que levaram o legislador a determinar a temporariedade do direito autoral: a) em primeiro lugar, a importncia que sses bens ideais tem para a coletividade, julgando-se oportuno que todos, depois de certo tempo, possam ampla e livremente dles gozar; b) em segundo lugar, porque a criao literria, cientfica e artstica imperceptivelmente concorrem elementos estranhos personalidade do autor.41

39 NAZO, Georgette N. A Tutela jurdica do direito de autor. So Paulo: Saraiva, 1991. p. 112-113. 40 MONTEIRO, Washington Barros de. Curso de direito civil: direito das coisas. 4.ed. So Paulo, Saraiva, 1961. p. 232. 41 Op. cit. Instituzioni di Dirito Civile, p. 384.

69

Coleo Cadernos de Polticas Culturais

Muito se discutiu sobre o assunto do prazo de proteo e do domnio pblico das obras literrias, artsticas e cientficas. Washington42 relata em sua obra de direito civil as controvrsias j havidas sobre a proteo do direito de autor mencionando Proudhon, que negava a natureza jurdica do direito do autor fundado no carter social das idias. Ou ainda, Waline43, que sustentou que as obras no poderiam ser objeto de propriedade, porque a literatura e a arte no so coisas venais, mas que se distribuem gratuitamente. Felizmente, essas opinies no vingaram. A mesma obra cita tambm a posio de Chapelier e parte de seu discurso na constituinte francesa onde proclamou:[...] a mais sagrada, a mais inatacvel e a mais pessoal de todas as propriedades era a obra intelectual, fruto do pensamento de um escritor.

A corrente vencedora foi a da admisso dos direitos do autor como propriedade, embora limitada no tempo. Uma vez vencido o prazo estabelecido pela lei, a obra passa a pertencer coletividade e pode ser utilizada livremente.

2.1.1 Domnio Pblico como Instituto do Direito Intelectual

O direito concedeu aos autores, inventores e demais titulares de direitos intelectuais, a exclusividade desses direitos por certo

42 43

Op.cit. p. 229. Op. cit. p. 229. apud LIndividualisme et le Droit, p. 146.

70

Direito Autoral

perodo de tempo. Expirado o prazo legal, toda e qualquer pessoa poder utilizar as obras ou inventos, sem necessidade de autorizao prvia e expressa, bem como pagamento de direitos autorais aos titulares. A expirao do prazo de proteo concedido embora no seja a nica via legal, a principal hiptese de domnio pblico e est presente em todas as legislaes intelectuais, por fora de acordos internacionais que padronizam a temtica como se ver a seguir. Pode ser afirmado que o domnio pblico um instituto caracterstico do direito intelectual, tanto no sistema europeu ou continental quanto no sistema de copyright, assim como a autorizao prvia, assim como a exclusividade. A lei concede um determinado prazo para a explorao da obra, possibilitando aos cidados uma utilizao livre depois de vencido o tempo de explorao exclusiva do aut