bacalhau da amazônia

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Caderno H [email protected] (92) 3090-1017 Especial MANAUS, DOMINGO, 24 DE NOVEMBRO DE 2013 O MILAGRE DOS PEIXES Por muito pouco o pirarucu não desapareceu da região de Maraã. Na primeira pesquisa de estoque feita em 1999, os lagos da região do Médio Solimões e Japurá estavam quase extintos. O motivo era a pesca predatória, a invasão da região para pesca esportiva e comercial. Não havia nenhuma iniciativa de conservação. Foi o programa de Manejo de Recursos Naturais, do Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá (IDSM), que salvou a espécie e resgatou a qualidade de vida dos pescadores da região e de suas famílias. Quinze anos depois da atividade, em unidades de manejo como os lagos Preto, Canivete e Itaúba, a contagem aponta que já habitam mais de 30 mil pirarucus. Na primeira avaliação, o estoque não chegou a 200 peixes. Para acompanhar o manejo deste ano, que começou no dia 14 de novembro, o EM TEMPO enviou uma equipe à Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá. Em seis dias, nossos repórteres presenciaram mais de 500 pescadores - monitorados pelos técnicos do Instituto Mamirauá - operarem um verdadeiro “milagre dos peixes”. s canoas com motores de “rabeta” da Colônia de Pescadores Z-32 de Maraã (Colpema) já estão posicionadas à entrada do lago do Ca- nivete, nas proximidades do município de Maraã (a 615 quilômetros em linha reta de Manaus e a 892 quilômetros via fluvial). A cidade está encravada à margem esquerda do rio Japurá – afluente do rio Solimões. O lago fica a 20 quilômetros e é o cenário paradisíaco onde vai ser dada a largada para a pesca manejada do pirarucu, que ocorre todos os anos durante 17 dias do mês de novembro. Os pescadores somam 570, ocupando cerca de 400 canoas. Se- renamente, eles aguardam o sinal para avançar com seus arpões e malhadeiras na captura do “peixe-rei”. São 6h e o sol, timidamente, acabou de chegar afastando a ameaça de chuva, uma constante no inverno amazônico. “Isso é prenúncio de que será um bom dia para a pesca”, aposta o pescador Cacau Nogueira, 43, que vive da pesca há 23 anos. O sinal de que “está valendo” é dado pontualmente às 7h30 pelo presidente da Colônia, Raimundo Ferreira de Souza, que, com um grito de guerra, abre oficialmente a pesca do pirarucu. Rapidamente, cada pescador rema em direção ao que manda sua intuição. Mas, para onde eles direcionarem a canoa, vão esbarrar no pirarucu, porque o lago está infestado de peixes. Mas, se derem azar, também podem, vez por outra, bater de frente com o jacaré, hóspede indesejável que habita os lagos da região. A equipe do EM TEMPO é conduzida por dois experientes pescadores da Colônia Z-32 de Maraã: Zizinho, que comanda o leme do motor de rabeta; e Antônio, que vai na proa da canoa ajudando com seu braço forte a desencalhar a embarcação, o que ocorre a todo instante, por- que as águas baixaram. Quando não, Antônio tem que usar o terçado afiado para cortar o capim “memeca”, que avança sobre as águas do lago do Canivete e praticamente cobre a canoa. A MÁRIO ADOLFO Equipe EM TEMPO No primeiro dia do ma- nejo, depois de arpoar o pirarucu, o pescador deixa a canoa e vai buscar sua presa, que havia fugido para o capin- zal que invade as águas RICARDO OLIVEIRA MANEJO DO PIRARUCU

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Caderno Especial deste domingo (24.11) do Jornal Em Tempo trouxe 16 páginas sobre a despesca do pirarucu em Maraã e a produção do Bacalhau da Amazônia.

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Page 1: Bacalhau da Amazônia

Cade

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H

[email protected] (92) 3090-1017

EspecialMANAUS, DOMINGO, 24 DE NOVEMBRO DE 2013

O MILAGRE DOS PEIXESPor muito pouco o pirarucu não desapareceu da região de Maraã.

Na primeira pesquisa de estoque feita em 1999, os lagos da região do Médio Solimões e Japuráestavam quase extintos. O motivo era a pesca predatória, a invasão

da região para pesca esportiva e comercial. Não havia nenhuma iniciativa de conservação. Foi o programa de Manejo de Recursos Naturais, do Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá (IDSM), que

salvou a espécie e resgatou a qualidade de vida dos pescadores da região e de suas famílias.Quinze anos depois da atividade, em unidades de manejo como os lagos Preto, Canivete e Itaúba, a contagem aponta

que já habitam mais de 30 mil pirarucus. Na primeira avaliação, o estoque não chegou a 200 peixes. Para acompanhar o manejo deste ano, que começou no dia 14 de novembro, o EM TEMPO enviou uma equipe à

Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá. Em seis dias, nossos repórteres presenciarammais de 500 pescadores - monitorados pelos técnicos do Instituto

Mamirauá - operarem um verdadeiro “milagre dos peixes”.

s canoas com motores de “rabeta” da Colônia de Pescadores Z-32 de Maraã (Colpema) já estão posicionadas à entrada do lago do Ca-nivete, nas proximidades do município de Maraã (a 615 quilômetros em linha reta de Manaus e a 892 quilômetros via fl uvial). A cidade está encravada à margem esquerda do rio Japurá – afl uente do rio Solimões. O lago fi ca a 20 quilômetros e é o cenário paradisíaco onde vai ser dada a largada para a pesca manejada do pirarucu, que ocorre todos os anos durante 17 dias do mês de novembro.

Os pescadores somam 570, ocupando cerca de 400 canoas. Se-renamente, eles aguardam o sinal para avançar com seus arpões e malhadeiras na captura do “peixe-rei”. São 6h e o sol, timidamente, acabou de chegar afastando a ameaça de chuva, uma constante no inverno amazônico. “Isso é prenúncio de que será um bom dia para a pesca”, aposta o pescador Cacau Nogueira, 43, que vive da pesca há 23 anos. O sinal de que “está valendo” é dado pontualmente às 7h30 pelo presidente da Colônia, Raimundo Ferreira de Souza, que, com um grito de guerra, abre ofi cialmente a pesca do pirarucu. Rapidamente, cada pescador rema em direção ao que manda sua intuição. Mas, para onde eles direcionarem a canoa, vão esbarrar no pirarucu, porque o lago está infestado de peixes. Mas, se derem azar, também podem, vez por outra, bater de frente com o jacaré, hóspede indesejável que habita os lagos da região.

A equipe do EM TEMPO é conduzida por dois experientes pescadores da Colônia Z-32 de Maraã: Zizinho, que comanda o leme do motor de rabeta; e Antônio, que vai na proa da canoa ajudando com seu braço forte a desencalhar a embarcação, o que ocorre a todo instante, por-que as águas baixaram. Quando não, Antônio tem que usar o terçado afi ado para cortar o capim “memeca”, que avança sobre as águas do lago do Canivete e praticamente cobre a canoa.

AMÁRIO ADOLFOEquipe EM TEMPO

No primeiro dia do ma-nejo, depois de arpoar o pirarucu, o pescador deixa a canoa e vai buscar sua presa, que havia fugido para o capin-zal que invade as águas

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H2 Especial MANAUS, DOMINGO, 24 DE NOVEMBRO DE 2013

Como cardumes de pequenos peixes, as canoas deslizam pe-las águas claras e

penetram nos igapós, pro-curando melhor local para armar suas malhadeiras ou empunhar o arpão. Quase sempre são dois pescadores em cada canoa. Mas existem os que levam mulher e filho e também aqueles que pre-ferem pescar solitariamente. Os que cultuam a tradição de pescar com arpão buscam os capinzais nas margens do lago, onde o peixe costuma se entocar em busca de sombra e água fresca.

O manejo do pirarucu é realizado desde 2002 num complexo de lagos que estão dentro da Reserva de De-

senvolvimento Sustentável Mamirauá (RDSM), criada em 1990 pelo governo do Amazonas, numa extensão territorial de 1.124.000 hec-tares, delimitada pelos rios Solimões, Japurá e Uati-Pa-raná, na região do Médio Solimões, próxima à cidade de Tefé (600 quilômetros a oeste de Manaus). A asses-soria técnica para a Colônia de pescadores R–32 cultivar o pirarucu de janeiro a agosto é dada pelo Instituto de De-senvolvimento Sustentável Mamirauá (IDSM). A pesca é feita por meio de cotas determinadas pelo Ibama, a partir do levantamento dos estoques feito pela própria Colôni, com a supervisão téc-nica do Instituto Mamirauá.

Quando o lago, enfim, se abre à nossa frente e avis-tamos centenas de canoas, o motor de “rabeta” tem que ser desligado. A partir de ago-ra o silêncio é fundamental, para não espantar o pirarucu. Ouve-se apenas a batida do remo nas águas e o canto dos pássaros, principalmente das garças que sobrevoam nos-sas cabeças. Se alguém pre-cisar falar alguma coisa terá que fazer bem baixinho.

— Aqueles pontinhos ne-

gros que vocês estão vendo lá na margem são jacarés –, aponta Zizinho,e como se estivesse nos aconselhando fala baixinho que “seria pru-dente se você parasse de me-ter a mão na água para lavar o rosto”. Por volta das 8h15 o silêncio do lago é quebrado por batidas de porretes. Seu Zizinho avisa que o primeiro peixe caiu na malhadeira e é para lá que nossa canoa apon-ta a proa. A visão é de encher os olhos. Um pescador puxa a malhadeira e bate com cacete – ferramenta de paracuúba, fundamental para a pesca do pirarucu –, na cabeça do pei-xe, que, conforme arriscam nossos guias, deve pesar em torno de 48 a 50 quilos. Os au-tores da façanha de pescar o primeiro pirarucu do manejo de 2013 são Raimundo Costa e Euclides Moraes Neto, que, juntos, têm direito a uma cota de 25 peixes. Depois de puxar o “grandão” para a canoa, Raimundo enfia a mão na boca do peixe, como se o gesto fizesse parte de um estranho ritual. Zizinho, nosso canoeiro, explica:

— O nome disso é pane-ma. Quando o pescador leva muito tempo para pescar e consegue, finalmente, captu-

rar o primeiro peixe, ele enfia a mão na boca do bicho para afastar a onda de azar.

Alguns minutos depois, um novo barulho – este mais in-tenso, repetitivo e nervoso – chama a nossa atenção. “Mas com certeza dessa vez não é pirarucu”, avisa mestre Zizinho, “isso é jacaré batendo em canoa”. Dito e feito. Ao aproximar nossa embarcação do local de onde está vindo o barulho, deparamos com o pescador Toinho Luiz, tentan-do desembaraçar um enorme jacaré que se enrolou em sua malhadeira. Quanto mais o bi-cho se debate, mas se envolve nos fios de nylon. “Esse é o jacaré-açu, o mais perigoso de todos”, reconhece Zizinho, que se prontifica a ajudar Toi-nho a se livrar do invasor. Numa manobra rápida, nosso canoeiro amarra a boca do jacaré com os próprio fios da malhadeira, dá três tapinhas de forma ousada no focinho do bicho e começa a livrar o “monstro” da arapuca em que se meteu.

— O jacaré é assim. Quanto mais medo a gente tem dele, mais perigoso ele fica! – diz Zizinho, revelando sua sabe-doria de homem do rio.

Esse tipo de cena nós iría-

mos presenciar por cinco ou sete vezes durante o dia. Isso nos levou a admitir que está na hora de pensar, também, no manejo do jacaré. Os lagos estão superpovoados.

Bastou o primeiro pirarucu ser pescado, para que o ba-rulho do porrete se repetisse em sequência. Aos poucos, canoas já circulavam ao nosso redor com dois a três piraru-

cus. Os pescadores exibem o sorriso mais bonito do mundo, com a certeza de que vão cum-prir a cota antes do tempo.

Às margens do lago, no meio do capinzal, Jease Du-arte, 28, parece uma estátua fincada na proa da canoa. Erguendo seu arpão à al-tura do ombro, ele perma-nece imóvel com os olhos

fixos sobre as bolhas de ar que surgem sobre o espelho d’água. É preciso paciência e muita atenção para não perder o momento em que o peixe coloca a cara fora d’água, porque na época da seca, o pirarucu precisa vir à tona para respirar a cada 20 minutos. É nesse momento que o majestoso peixe fica vulnerável à ação do pesca-dor concentrado. Jease nem pisca. Subitamente, um sibilo corta o ar quando ele atira a arma de pesca atingindo o pirarucu que veio à tona respirar. A partir daí inicia-se uma luta entre ele e o bicho de quase 2 metros. Firme, ele segura o fio que prende a ponta de aço do arpão que está preso e dilacera a carne do animal. O pirarucu nada e rompe a malhadeira que cercava o território. É aí que um segundo pescador entra em ação, puxando o peixe para perto de sua canoa até conseguir bater o cacete fortemente, por várias vezes, na cabeça do pirarucu que, cansado e machucado, já não resiste aos seus captores e é puxado por dois homens para dentro da canoa. Mais uma vez, a natureza perde a luta para o homem.

PRECAUÇÃO“Aqueles pontinhos negros que vocês estão vendo na mar-gem são jacarés” –, aponta Zizinho, nos aconselhado a parar de mergulhar a mão na água para lavar o rosto

MÁRIO ADOLFOEquipe EM TEMPO

MANEJO DOPIRARUCU

Na captura do pira-rucu, homem e peixe travam uma luta nas

águas do lago

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Como cardumes de pequenos peixes, as canoas deslizam pe-las águas claras e

penetram nos igapós, pro-curando melhor local para armar suas malhadeiras ou empunhar o arpão. Quase sempre são dois pescadores em cada canoa. Mas existem os que levam mulher e filho e também aqueles que pre-ferem pescar solitariamente. Os que cultuam a tradição de pescar com arpão buscam os capinzais nas margens do lago, onde o peixe costuma se entocar em busca de sombra e água fresca.

O manejo do pirarucu é realizado desde 2002 num complexo de lagos que estão dentro da Reserva de De-

senvolvimento Sustentável Mamirauá (RDSM), criada em 1990 pelo governo do Amazonas, numa extensão territorial de 1.124.000 hec-tares, delimitada pelos rios Solimões, Japurá e Uati-Pa-raná, na região do Médio Solimões, próxima à cidade de Tefé (600 quilômetros a oeste de Manaus). A asses-soria técnica para a Colônia de pescadores R–32 cultivar o pirarucu de janeiro a agosto é dada pelo Instituto de De-senvolvimento Sustentável Mamirauá (IDSM). A pesca é feita por meio de cotas determinadas pelo Ibama, a partir do levantamento dos estoques feito pela própria Colôni, com a supervisão téc-nica do Instituto Mamirauá.

Quando o lago, enfim, se abre à nossa frente e avis-tamos centenas de canoas, o motor de “rabeta” tem que ser desligado. A partir de ago-ra o silêncio é fundamental, para não espantar o pirarucu. Ouve-se apenas a batida do remo nas águas e o canto dos pássaros, principalmente das garças que sobrevoam nos-sas cabeças. Se alguém pre-cisar falar alguma coisa terá que fazer bem baixinho.

— Aqueles pontinhos ne-

gros que vocês estão vendo lá na margem são jacarés –, aponta Zizinho,e como se estivesse nos aconselhando fala baixinho que “seria pru-dente se você parasse de me-ter a mão na água para lavar o rosto”. Por volta das 8h15 o silêncio do lago é quebrado por batidas de porretes. Seu Zizinho avisa que o primeiro peixe caiu na malhadeira e é para lá que nossa canoa apon-ta a proa. A visão é de encher os olhos. Um pescador puxa a malhadeira e bate com cacete – ferramenta de paracuúba, fundamental para a pesca do pirarucu –, na cabeça do pei-xe, que, conforme arriscam nossos guias, deve pesar em torno de 48 a 50 quilos. Os au-tores da façanha de pescar o primeiro pirarucu do manejo de 2013 são Raimundo Costa e Euclides Moraes Neto, que, juntos, têm direito a uma cota de 25 peixes. Depois de puxar o “grandão” para a canoa, Raimundo enfia a mão na boca do peixe, como se o gesto fizesse parte de um estranho ritual. Zizinho, nosso canoeiro, explica:

— O nome disso é pane-ma. Quando o pescador leva muito tempo para pescar e consegue, finalmente, captu-

rar o primeiro peixe, ele enfia a mão na boca do bicho para afastar a onda de azar.

Alguns minutos depois, um novo barulho – este mais in-tenso, repetitivo e nervoso – chama a nossa atenção. “Mas com certeza dessa vez não é pirarucu”, avisa mestre Zizinho, “isso é jacaré batendo em canoa”. Dito e feito. Ao aproximar nossa embarcação do local de onde está vindo o barulho, deparamos com o pescador Toinho Luiz, tentan-do desembaraçar um enorme jacaré que se enrolou em sua malhadeira. Quanto mais o bi-cho se debate, mas se envolve nos fios de nylon. “Esse é o jacaré-açu, o mais perigoso de todos”, reconhece Zizinho, que se prontifica a ajudar Toi-nho a se livrar do invasor. Numa manobra rápida, nosso canoeiro amarra a boca do jacaré com os próprio fios da malhadeira, dá três tapinhas de forma ousada no focinho do bicho e começa a livrar o “monstro” da arapuca em que se meteu.

— O jacaré é assim. Quanto mais medo a gente tem dele, mais perigoso ele fica! – diz Zizinho, revelando sua sabe-doria de homem do rio.

Esse tipo de cena nós iría-

mos presenciar por cinco ou sete vezes durante o dia. Isso nos levou a admitir que está na hora de pensar, também, no manejo do jacaré. Os lagos estão superpovoados.

Bastou o primeiro pirarucu ser pescado, para que o ba-rulho do porrete se repetisse em sequência. Aos poucos, canoas já circulavam ao nosso redor com dois a três piraru-

cus. Os pescadores exibem o sorriso mais bonito do mundo, com a certeza de que vão cum-prir a cota antes do tempo.

Às margens do lago, no meio do capinzal, Jease Du-arte, 28, parece uma estátua fincada na proa da canoa. Erguendo seu arpão à al-tura do ombro, ele perma-nece imóvel com os olhos

fixos sobre as bolhas de ar que surgem sobre o espelho d’água. É preciso paciência e muita atenção para não perder o momento em que o peixe coloca a cara fora d’água, porque na época da seca, o pirarucu precisa vir à tona para respirar a cada 20 minutos. É nesse momento que o majestoso peixe fica vulnerável à ação do pesca-dor concentrado. Jease nem pisca. Subitamente, um sibilo corta o ar quando ele atira a arma de pesca atingindo o pirarucu que veio à tona respirar. A partir daí inicia-se uma luta entre ele e o bicho de quase 2 metros. Firme, ele segura o fio que prende a ponta de aço do arpão que está preso e dilacera a carne do animal. O pirarucu nada e rompe a malhadeira que cercava o território. É aí que um segundo pescador entra em ação, puxando o peixe para perto de sua canoa até conseguir bater o cacete fortemente, por várias vezes, na cabeça do pirarucu que, cansado e machucado, já não resiste aos seus captores e é puxado por dois homens para dentro da canoa. Mais uma vez, a natureza perde a luta para o homem.

PRECAUÇÃO“Aqueles pontinhos negros que vocês estão vendo na mar-gem são jacarés” –, aponta Zizinho, nos aconselhado a parar de mergulhar a mão na água para lavar o rosto

MÁRIO ADOLFOEquipe EM TEMPO

MANEJO DOPIRARUCU

Preso pelo arpão, o animal tenta se

libertar, debatendo-se contra a canoa

O pescador segu-ra firme a linha do

arpão e abate o peixe com pancada de por-

rete na cabeça

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Page 4: Bacalhau da Amazônia

H4 Especial MANAUS, DOMINGO, 24 DE NOVEMBRO DE 2013 H5EspecialMANAUS, DOMINGO, 24 DE NOVEMBRO DE 2013

Por volta das 11h, as canoas de “rabeta” começam a aportar no flutuante Modelo.

Trazem duplas de pescado-res eufóricos e felizes com o “dia bom” para a captura do pirarucu. Nesse primeiro dia do manejo, mais de 200 peixes já tinham chegado à

base para a biometria. Em pouco tempo, o assoalho do flutuante está coberto de pi-rarucus, deixando o piso liso pela gosma que o bicho solta quando está fora d’água.

Depois que o pirarucu é capturado – ou de arpão ou de malhadeira –, o pescador tem um prazo de duas a três horas para chegar ao flutuan-te, sob pena de o peixe entrar em processo de decomposi-ção. O sol é forte e, quando esse prazo não é atendido, os pescadores cortam galhos de árvores da floresta, mo-lham suas folhas e cobrem o animal, para protegê-lo da exposição ao calor.

No flutuante, monitores contratados pela Colônia de Pescadores de Maraã (Col-pema) recebem o peixe para fazer a biometria – peso e

metragem –, colocar o lacre e preencher uma ficha identi-ficando o nome do pescado e a forma como o pirarucu foi capturado, se foi de arpão ou malhadeira. O tamanho da malha também é importante, pois não deve ultrapassar à medida de 35.

Após a biometria, o peixe é levado para um barco com

geleira, onde a temperatura do pescado é conferida, de-vendo ser mantida em torno de 0ºC, pois acima desse grau inicia-se o processo enzimá-tico e bacteriano, causando a deterioração do pescado, comprometendo, assim, a qualidade do pescado. Para manter essa temperatura, o gelo é colocado via boca do pirarucu, para resfriar a par-te interna do pescado até o recebimento na indústria.

O trabalho da equipe de monitoramento é fundamen-tal, porque é ela que coloca os lacres, mede o tamanho e o peso dos peixes, além de recolher os dados dos pescadores, como o nome, a categoria de sócio, o instru-mento utilizado na pesca e o tempo em que o pirarucu foi pescado.

Em 1975, o pirarucu foi colocado na lista do anexo 2 da Convenção sobre o Comércio Inter-

nacional das Espécies da Fauna e da Flora Silvestres Ameaça-das de Extinção (Cites). Institu-tos científicos calculam que o estoque capturado anualmente na Amazônia esteja em torno de 150 mil indivíduos. Mas, pelo

menos nas unidades de manejo do Mamirauá, a pesca indis-criminada é coisa do passado. Hoje os pescadores obede-cem a um código de ética defendido por eles mesmos, mas que é supervisionado pelo Ibama e pelos técnicos do Instituto Mamirauá.

Por exemplo, durante o ma-nejo, é proibido pescar “bo-deco” – como são chamados popularmente os filhotes de pirarucu. Pelas regras estabe-lecidas pelo Ibama e fiscaliza-das pelos próprios pescadores da Colônia Z-32, só é permitido capturar os indivíduos que te-nham, ao menos, 1,5 metro. Mas, existem espécies que po-dem chegar a medir mais de 2 metros e pesar até 100 quilos. Já os “bodecos” menores que 1 metro conseguem escapar das malhadeiras de tamanho 32 (malhas largas). Se arpoado,

por engano, o bodeco terá que ser sacrificado, pois não vai sobreviver depois do trauma, mesmo que seja devolvido à água. Mas aí, não vale como cota. O pescador é obrigado a assinar um documento doando o pequenino para instituições de caridade.

Jacaré – A captura do jacaré também não é permitida, em-bora já exista uma proposta de um sistema de manejo de jacarés, no Estado do Ama-zonas, baseada em pesquisas desenvolvidas na Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, no final da década de 90. Sempre que algum deles cai na malhadeira, o pescador inicia uma luta para tentar controlar a mordida fatal do animal, amarrando sua man-díbula com o próprio fio da rede, enquanto procura des-vencilhá-lo.

De acordo com as pesquisas do Instituto Mamirauá, nos úl-timos anos foi registrado um aumento significativo das po-pulações naturais de jacarés. “Após a implementação da unidade de manejo, houve o declínio da comercialização da carne de jacarés”. Essas infor-mações foram fundamentais para que o jacaré-açu (Mela-nosuchus niger) deixasse de ser considerado uma espécie ameaçada, e tornaram-se um incentivo a mais para pensar em seu aproveitamento legal.

Desde 2002, o governo do Estado do Amazonas, em parceria com diversas instituições, entre elas o Ins-tituto Mamirauá, desenvolve atividades experimentais de abate e comercialização as-sociadas ao projeto-piloto para o manejo de jacarés na Reserva Mamirauá.

É proibido pescar ‘bodeco’ ou jacaré

Já existe uma proposta de um sistema de manejo para a pesca do jacaré,baseada em pesquisas desenvolvidas na Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá

MÁRIO ADOLFOEquipe EM TEMPO

Pescar jacaré não é permiti-do, mas vez por outra ele cai na malhadeira. E aí, começa uma briga para o pescador se livrar do animal

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Corrida para entregar o peixe a tempo

No flutuante, monitores contratados pela Colônia de Pescadoresde Maraã recebem o peixe para fazer a biometria – peso e metragem –, e colocar o lacre

MÁRIO ADOLFOEquipe EM TEMPO

Em poucas horas, o assoa-lho do flutuante fica coberto de pirarucus, deixando o piso liso pela gosma que o peixe sol-ta quando está fora d’água

TAMANHOE PESOO trabalho da equi-pe de monitoramen-to é fundamental porque são eles que colocam os lacres, medem o tamanho e o peso dos peixes

Capturado o pirarucu, o pes-cador tem um prazo de duas a três horas para chegar ao flutuante Mode-lo, sob pena de o peixe entrar em processo de decomposição

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MANEJO DOPIRARUCU

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H4 Especial MANAUS, DOMINGO, 24 DE NOVEMBRO DE 2013 H5EspecialMANAUS, DOMINGO, 24 DE NOVEMBRO DE 2013

Por volta das 11h, as canoas de “rabeta” começam a aportar no flutuante Modelo.

Trazem duplas de pescado-res eufóricos e felizes com o “dia bom” para a captura do pirarucu. Nesse primeiro dia do manejo, mais de 200 peixes já tinham chegado à

base para a biometria. Em pouco tempo, o assoalho do flutuante está coberto de pi-rarucus, deixando o piso liso pela gosma que o bicho solta quando está fora d’água.

Depois que o pirarucu é capturado – ou de arpão ou de malhadeira –, o pescador tem um prazo de duas a três horas para chegar ao flutuan-te, sob pena de o peixe entrar em processo de decomposi-ção. O sol é forte e, quando esse prazo não é atendido, os pescadores cortam galhos de árvores da floresta, mo-lham suas folhas e cobrem o animal, para protegê-lo da exposição ao calor.

No flutuante, monitores contratados pela Colônia de Pescadores de Maraã (Col-pema) recebem o peixe para fazer a biometria – peso e

metragem –, colocar o lacre e preencher uma ficha identi-ficando o nome do pescado e a forma como o pirarucu foi capturado, se foi de arpão ou malhadeira. O tamanho da malha também é importante, pois não deve ultrapassar à medida de 35.

Após a biometria, o peixe é levado para um barco com

geleira, onde a temperatura do pescado é conferida, de-vendo ser mantida em torno de 0ºC, pois acima desse grau inicia-se o processo enzimá-tico e bacteriano, causando a deterioração do pescado, comprometendo, assim, a qualidade do pescado. Para manter essa temperatura, o gelo é colocado via boca do pirarucu, para resfriar a par-te interna do pescado até o recebimento na indústria.

O trabalho da equipe de monitoramento é fundamen-tal, porque é ela que coloca os lacres, mede o tamanho e o peso dos peixes, além de recolher os dados dos pescadores, como o nome, a categoria de sócio, o instru-mento utilizado na pesca e o tempo em que o pirarucu foi pescado.

Em 1975, o pirarucu foi colocado na lista do anexo 2 da Convenção sobre o Comércio Inter-

nacional das Espécies da Fauna e da Flora Silvestres Ameaça-das de Extinção (Cites). Institu-tos científicos calculam que o estoque capturado anualmente na Amazônia esteja em torno de 150 mil indivíduos. Mas, pelo

menos nas unidades de manejo do Mamirauá, a pesca indis-criminada é coisa do passado. Hoje os pescadores obede-cem a um código de ética defendido por eles mesmos, mas que é supervisionado pelo Ibama e pelos técnicos do Instituto Mamirauá.

Por exemplo, durante o ma-nejo, é proibido pescar “bo-deco” – como são chamados popularmente os filhotes de pirarucu. Pelas regras estabe-lecidas pelo Ibama e fiscaliza-das pelos próprios pescadores da Colônia Z-32, só é permitido capturar os indivíduos que te-nham, ao menos, 1,5 metro. Mas, existem espécies que po-dem chegar a medir mais de 2 metros e pesar até 100 quilos. Já os “bodecos” menores que 1 metro conseguem escapar das malhadeiras de tamanho 32 (malhas largas). Se arpoado,

por engano, o bodeco terá que ser sacrificado, pois não vai sobreviver depois do trauma, mesmo que seja devolvido à água. Mas aí, não vale como cota. O pescador é obrigado a assinar um documento doando o pequenino para instituições de caridade.

Jacaré – A captura do jacaré também não é permitida, em-bora já exista uma proposta de um sistema de manejo de jacarés, no Estado do Ama-zonas, baseada em pesquisas desenvolvidas na Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, no final da década de 90. Sempre que algum deles cai na malhadeira, o pescador inicia uma luta para tentar controlar a mordida fatal do animal, amarrando sua man-díbula com o próprio fio da rede, enquanto procura des-vencilhá-lo.

De acordo com as pesquisas do Instituto Mamirauá, nos úl-timos anos foi registrado um aumento significativo das po-pulações naturais de jacarés. “Após a implementação da unidade de manejo, houve o declínio da comercialização da carne de jacarés”. Essas infor-mações foram fundamentais para que o jacaré-açu (Mela-nosuchus niger) deixasse de ser considerado uma espécie ameaçada, e tornaram-se um incentivo a mais para pensar em seu aproveitamento legal.

Desde 2002, o governo do Estado do Amazonas, em parceria com diversas instituições, entre elas o Ins-tituto Mamirauá, desenvolve atividades experimentais de abate e comercialização as-sociadas ao projeto-piloto para o manejo de jacarés na Reserva Mamirauá.

É proibido pescar ‘bodeco’ ou jacaré

Já existe uma proposta de um sistema de manejo para a pesca do jacaré,baseada em pesquisas desenvolvidas na Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá

MÁRIO ADOLFOEquipe EM TEMPO

Pescar jacaré não é permiti-do, mas vez por outra ele cai na malhadeira. E aí, começa uma briga para o pescador se livrar do animal

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Corrida para entregar o peixe a tempo

No flutuante, monitores contratados pela Colônia de Pescadoresde Maraã recebem o peixe para fazer a biometria – peso e metragem –, e colocar o lacre

MÁRIO ADOLFOEquipe EM TEMPO

Em poucas horas, o assoa-lho do flutuante fica coberto de pirarucus, deixando o piso liso pela gosma que o peixe sol-ta quando está fora d’água

TAMANHOE PESOO trabalho da equi-pe de monitoramen-to é fundamental porque são eles que colocam os lacres, medem o tamanho e o peso dos peixes

Capturado o pirarucu, o pes-cador tem um prazo de duas a três horas para chegar ao flutuante Mode-lo, sob pena de o peixe entrar em processo de decomposição

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A cota de Maraã, auto-rizada para captura pelo Ibama para o ano de 2013, foi

de 3.586 pirarucus. Desse total 3.196 são da colônia de pescadores a Z-32; e 390 do sindicato de pescadores.

Considerando o peso mé-dio de cada pirarucu em tor-no de 54 kg, a previsão é de produção desse ano será de 193.644 kg. Isto somente com o manejo de Maraã – informa a Secretaria Exe-cutiva Executiva de Pesca e Aquicultura (SEPA).

Em todo o estado, as unida-des de conservação revelam números impressionantes, onde a produção de pirarucu representa 74% do sistema de manejo e passou de 60 toneladas, em 2002, para 800 toneladas no ano passado.

A atividade envolve 2,1 mil pescadores em quatro Re-servas de Desenvolvimento Sustentável (RDS). Os dados são do Centro Estadual de Unidades de Conservação

(Ceuc), da Secretaria de De-senvolvimento Sustentado.

Der acordo com a SDS, O manejo é realizado em quatro reservas estaduais: RDS Mamirauá (nos muni-cípios de Uarini, Fonte Boa, Tonantins, Maraã e Japurá), RDS Piagaçu-Purus (Anorí, Beruri e Tapauá), RDS Ua-cari (Carauari) e RDS Amanã (Maraã, Barcelos, Coari e Codajás).

Em 2011, o manejo de pirarucu foi realizado em 564 ambientes aquáticos (98% em lagos), onde foram contados 53.911 pirarucus com menos de1,5 metros, popularmente conhecidos como “budecos”, e 54.332 pirarucus adultos (maior ou igual a1,5 metros), totalizan-do 108.243 pirarucus entre jovens e adultos.

Desse montante, 11.009 pirarucus adultos foram capturados para comercia-lização, os demais perma-neceram no ambiente aquá-tico para reprodução. No total, garante a SDS, o ma-nejo de pirarucu nas quatro unidades de conservação estaduais beneficiou 1.072 famílias de 115 comunida-des ribeirinhas. A produção total foi de 592,6 toneladas, a qual foi comercializada com preço médio de R$ 4,89, gerando um faturamento bruto de R$ 2,8 milhões o ano, especificamente no período de setembro a no-vembro, a ser dividido entre os pescadores.

MÁRIO ADOLFOEquipe EM TEMPO

Produção salta de 60 para 800 toneladas

Manejo envolve 2,1 mil pescadoresem quatro Reservas de

Desenvolvimento Sustentável (RDS) mantidas pelo estado. Em Maraã,a cota autorizada pelo Ibama para

2013 é de 3.586 peixes

A cota para captura, au-

torizada pelo Ibama para o ano de 2013,

na unidade de manejo de Ana-mã foi de 3.586

pirarucus

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Por muito pouco o pi-rarucu não entrou em extinção na década de 1970. Devido à

exploração comercial sem nenhum freo e feita da forma mais irracional, a população da espécie quase desaps-rece dos lagos amazônicos. Pesquisas revelaram que no início do século passado e a década de 70, foram ex-portados em média, 3 mil toneladas/ano de pirarucu, o que corresponde a mais ou menos 45% do total ex-portado. Somado ao consu-mo interno, teremos uma captura estimada de 94 mil peixes/ano.

A estimativa, garante um estudo da Secretaria Execu-tiva de Pesca e Aquicultura (SEPA), . é que, nesse perío-do, foram pescados 8,4 mi-lhões de pirarucus. “Consta que nesse período, o peixe foi o principal produto extrativo da pauta de exportação do estado do Amazonas”.

Em 1996 o IBAMA-AM com base no principio da precau-ção e após intensa discussão com o meio acadêmico e pes-cadores, editou a portaria 01/96, proibindo a pesca do pirarucu em todo o estado, o fazendo de forma casada com portaria do IBAMA em nível nacional, que proibia a pesca da espécie entre 1° de dezembro e 31 de maio,

norma local suspendia a cap-tura entre 30 de junho a 30 de novembro. Ressalvando, contudo no seu artigo 3° que a pesca seria autorizada em área de manejo.

A primeira proposta para manejar áreas de pesca com foco no pirarucu foi feita pelo Instituto Mamirauá em 1998 propondo a pesca nas áreas focais das RDS Mamirauá e Anamã. E foi somente com o manejo, monitorado pelo Instituto de Desenvolvimen-to Sustentado de Mamirauá (IDSM), a partir de 1999, que a pesca do pirarucu passou a ser controlada e, os lagos passaram a ser repovoados novamente.

— Na primeira pesquisa de estoque feita em 1999 , os lagos da região do médio Solimões e Japurá estavam quase zerados. O motivo era a pesca predatoria, a invasão da região para pesca espor-tiva e comercial. Isto porque não tinha nenhuma inicativa de conservação –, argumen-ta Said Pereira Barbosa, técnico de pesca da Coorde-nação de Manejo de Pesca do Insituto Mamirauá.

Depois que o instituto co-meçou a trabalhar na região, a Colônia de Pescadores de Maraã foi a primeira ter a iniciativa de aderir ao ma-nejo. Até 2001, o uso dos recursos naturais da reserva estava restrito às comuni-dades de moradores. Nesse ano, o grupo de pescadores associados à Colônia de Ma-raã entrou em contato com os técnicos do Mamirauá e apresentou um trabalho de conservação dos recursos pesqueiros que estavam re-alizando, com êxito, no Com-plexo do Lago Preto, resulta-do de três anos de proteção. A partir desse momento, os técnico do IDSM começara a observar na área uma grande

quantidade de pirarucus e seu potencial para um futuro manejo da espécie.

O interesse e o esforço dos pescadores encontra-ram eco no instituto, que passou a apoiar a Colônia, concedendo o direito ao uso da Reserva de Desenvolvi-mento Sustentado (RDSM), viabilizando a pesca de pi-rarucu, com cota autorizada pelo IBAMA a partir de 2002. Começava aí a história do manejo participativo.na Uni-dade de Reserva do Maraã e na qualidade de vida dos habitantes da região.

Os pescadores se orga-nizaram em torno da Co-lônia Z-32 e eles mesmos passaram a vigiar a região, tornando-se os fiscais da reserva, impedindo a en-trada de barcos de pesca esportiva, o roubo de peixe e a pesca predatória. Durante três anos ninguém tirou um pirarucu dos lagos de Ma-raã. Aos poucos os lagos foram sendo repovoados novamente.

— Já no ano de 2000 eles

começaram a se preocupar em fazer um sistema de vi-gilância da área e isso deu bons resultados. Tanto é que hoje, esse sistema de lagos, como os lagos Preto, Cani-vete, Itaúba têm mais de 30 mil peixes. Isso em menos de 15 anos. Antes, na primeira avaliação, não chegou a 200 peixes. Não tinha pratica-mente nada – conta Said.

A ameaça de extinção não paraiva somente sobre o pi-rarucu. Eram todos os peixes que coriam risco. Depoimen-tos de pescadores à época revelm que eles passavam e semanas pra abastecer o mercado. Hoje eles vêm na reserva e, em um ou dois dias, pegam muitos pira-rucu. Em 2008, em um dos melhores momentos do ma-nejo, mais de 5.200 pirarucus foram pescados na reserva. A captura manejada rendeu cerca de R$ 1 milhão para os sócios da Colônia Z-32. Foi nesse momento que eles descobriram que o manejo é o caminho para melhorar a vida de seu povo.

O pirarucu quase desaparece

Manejo salvou o peixe. Na primeira avaliação de estoque, em2002, não tinha 200 peixes. Hoje eles já somam mais de 30 mil

MÁRIO ADOLFOEquipe EM TEMPO

Devido à pesca predatória, o pirarucu chegou a desaparecer dos lagos e entrar na lista de extinção. Graças ao ma-nejo organizado pela Colônia dos Pescadores, monitorado pelo Instituto Mami-rauá voltou a ser povoado

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Em 15 anos de fundação, o Ins-tituto Mamirauá

conseguiu aumen-tar o estoque na-tural de pirarucu nas unidades de

manejo

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MÁRIO ADOLFOEquipe EM TEMPO

O Instituto de Desen-volvimento Susten-tável Mamirauá (RDS) monitora

dez unidades de manejo do pirarucu. De acordo com o técnico de pesca do instituto, Said Barboza, a produção de todas elas juntas pode ultrapassar 8 mil peixes. Nas dez unidades – Mar-raã, Acapul, Caruara, Cleto, Tijuaca, Coraci, Jarauá, São José, Paranazeli e Pantaleão –, os lagos estão bordados de peixe, mas a vigilância é constante.

Said disse que um dos maiores ganhos nas unida-

des de manejo é a consci-ência ecológica que “foi tra-balhada gradualmente” na cabeça do pescador, tarefa que não foi das mais fáceis. Hoje são eles que mantêm a vigilância da reserva, obede-cem às cotas impostas pelo Ibama e não matam jacaré ou pescam pirarucu fora da temporada do manejo.

— Foi um grande desafio, mudar essa consciência so-bre uma cultura muito antiga, que eles receberam de seus tataravós.

Antes, diz Said, a ideia dos pescadores era sempre che-gar no lago e tirar todos os peixes que existiam. Falar para eles que onde tem cem adultos só é permitido tirar 30 “era quase que impos-sível”.

— Tanto é que nas pri-meiras iniciativas de manejo em Maraã, apenas 42 pes-soas participaram, porque os outros não acreditavam, achavam que isso não ia dar certo. Hoje, os associados da Colônia já chegam a 600 pescadores.

Tem mais um detalhe, se

a Colônia Z-32 não tives-se dado uma freada para a entrada de mais pessoas, hoje haveriam mais de mil pescadores envolvidos. Said adverte que, em relação a isso, o Instituto Mamirauá já está tendo um certo cui-dado, porque Maraã não é a única área existente, logo, eles podem procurar outras unidades de manejo e formar novos grupos de pescadores. “Porque senão, quanto mais

aumenta o número de pesca-dores, mas diminui o número de cotas por participante”.

— Maraã é a maior cota preparada pelo Mamirauá, mas é a menor renda por pescador. Isto porque o fa-turamento é alto, mas são muitos pescadores. Vamos tentar, por meio do regimen-to interno deles (da Colônia) frear esse crescimento, para não passar de 550 pescado-res associados.

A cota de pesca é definida pelo Ibama, a partir da contagem do estoque. Apenas 30% dos pirarucus adultos podem ser

pescados

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AJá existe uma consciência

ecológica entre pescadores“É quase impossível dizer para ele que onde tem cem pirarucus adultos, só é permitido tirar 30”

Said Barboza, técnico de pesca do Instituto Mamirauá

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Por trás da mesa desar-rumada , um homem gordo, de cabelos gri-salhos e barba por

fazer interrompe o café com pão e manteiga para nos re-ceber. Veste uma bata branca que vai até os joelhos, calças largas cáqui e sandálias de couro. O botão entreaberto do jaleco mostra que ele usa uma cinta ortopédica no tórax , uma exigência médica após a ope-ração do coração que lhe abriu o peito. Antes que possamos trocar cumprimentos e apre-sentações, observo o poster de Ernesto Chê Guevara na parede onde sua escrivaninha está encostada.

Este homem, a quem tenta-mos traduzir em poucas linhas é um visionário que já viveu em países como a Rússia, Colômbia, Alemanha, Norue-ga, Angola e Portugal. Fala mais de cinco idiomas, viveu e lutou revoluções. Algumas venceu, outras perdeu. Mas, por acreditar naquilo que faz, nunca se entregou. Depois de

rodar por mais de 40 anos em mundos diferentes, veio parar em Maraã, às margens do rio Japurá, onde esta em-penhando em lutar por uma única causa: a revolução do pirarucu.

Bismarck dos Prazeres, 65, é o direto de produção da Indústria de Bacalhau da Ama-zônia, inaugurada pelo minis-tro da Pesca e Aquicultura, Luiz Sérgio, e pelo governador Omar Aziz, em agosto de 200. A unidade é a primeira da América do Sul e tem capa-cidade para processar até 1,5 mil toneladas de pescado por ano. “Mas isso se deixarem a gente trabalhar, se acredita-rem no potencial do projeto e investirem, de fato – obser-va Bismarck, que é formado em Engenharia de Alimentos, com especialização na área de pescado, pela Universida-de de Coimbra, Portugal.

Histórico - A semente que deu origem à Indústria de Ba-calhau não foi plantada ago-ra. Essa história começou em 1989, quando Bismarck trouxe o proceso para o Amazonas e apresentou ao então go-vernador Amazonino Mendes. Apaixonado pela ideia, Ama-zonino destacava em todos os cantos por onde passava que “bacalhau não é um peixe. É um processo. Vamos produzir bacalhau em larga escala”, di-zia empolgado. Para acelerar ainda mais a implantação do projeto, o governador resolveu criar o peixe em cativeiro, na região de Jutaí, através da Eco

Peixe, uma empresa vertical que colhia os ovos e levava para o laboratório onde, após a eclosão, eram produzidos os alevinos.

— Tirávamos da natureza e, de balsa levávamos para Manacapuru, onde além de criar os peixes produzíamos farinha e ração de peixe – lem-bra Bismarck.

Mas o sonho acabou quando Zequinha Sarney, filho do se-nador José Sarney, assumiu o Ministério do Meio Ambiente e cassou a licença para a em-presa Eco Peixe criar pirarucu em cativeiro. “Foi um duro golpe em todos nós. Ele fez isso por motivos polítocos e atrasou por décadas a revo-lução que estávamos fazendo no manejo a salga de peixe”, queixa-se Bismarck que, com o preto debaixo do braço, retornou para a Europa .

Quando o deputado e en-genheiro agrônomo Eron Bezerra (PcdoB) assumiu a Secretaria de Estado da Pro-dução Rural (SEPROR), Bis-marck teve a oportunidade de desengavetar o projeto e “vender seu peixe”. Deu certo. O engenheiro de alimentos recebeu o sinal verde e, no prazo de quatro anos, conse-guiu montar toda a estrutura para instalar em Maraã a pri-meira Indústria de Bacalhau da América Latina.

— Essa fábrica está muito mais preparada do que a fa-brica da Noruega, porque o que tinha errado lá eu corrigi aqui –, garante o diretor de

produção. No momento a Industria

de Bacalhau emprega 40 homens, mas no pique do manejo, quando começam a chegar rios de pirarucus à empresa, esse número cres-ce para 60, só na linha de produção. O grande problema é que o peixe só pode ser capturado durante quatro me-ses. O defeso vai de janeiro a agosto. Nesse periodo, a maioria fica desempregada e envereda pelo alcoolismo. O ideal seria beneficiar também o jacaré e o peixe liso, para que a mão de obra pudesse ser ocupada o ano inteiro.

--- Fui aos poucos treinando nosso pessoal, passando aos poucos o meu conhecimento. Mas a evasão é muito grande, principalmente por causa da bebida, que é o gande mal do interior do Amazonas. Nin-guém consegue segurar fu-nionário, até porque este é um emprego periódico só nos quatro meses do manejo, por isso eles não se interessam em permanecer – lamenta Bismarck.

Apesar dos problemas, o momento é para festejar. De acordo com o engenheiro, a produção de 2013 está sendo “o maior assombro”.

— Vamos beneficiar 7.000 peixes, o que representa uma faixa de 120 toneladas de pirarucu salgado e seco — re-vela o diretor, informando que este ano a indústria também está processando pirarucu de Fonte Boa.

O engenheiro de alimentos,

Bismarck Praze-res, recebe mais

um “grandão” para beneficiar

e transformar em bacalhau.

Ele andou pelo mundo inteiro,

mas o sonho da indústria de bacalhau só foi

realizado em Maraã

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MÁRIO ADOLFOEquipe EM TEMPO

A revoluçãodo PirarucuEngenheiro de alimentos transforma pirarucu em bacalhau

e diz que a indústria de Maraã tem mais qualidade que a da Noruega,porque “o que tinha errado lá eu corrigi aqui”

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EM TEMPO – No Amazonas se desperdiça muito peixe. É verdade que, se bem aprovei-tada, nossa produção teria proteína para alimentar o mundo?

Bismarck – O Amazonas tem potencial para ser o celeiro do mundo em proteína. Eu mes-mo tenho vários projetos nesse sentido, mas que precisariam de uma carga pesada em investi-mentos. Exportar peixe in natura não seria bom, mas agregar valores por meio da venda de fast food, com farinhas concentradas e cálcios concentrados. Existe uma infinidade de alternativas de obter o peixe em baixíssimo valor comercial, agregar valor e transformá-lo em alimentos para matar a fome das regiões pobres do Brasil e de países pobres do terceiro mundo. Até porque também somos um “ter-ceiro mundo melhorado”.

EM TEMPO – O senhor apos-ta numa linha de fast food com empanados fabricados com o peixe do Amazonas. Quando o processo deve en-trar em produção?

B – A partir do momento em que eu consiga manter o pessoal trabalhando o ano todo, e não só na época do manejo, com um salário compatível, treinamen-to contínuo e bons transportes. Também é preciso dar ao traba-

lhador lazer, qualidade de vida. Com tudo isso, a gente começa a mudar a história.

EM TEMPO – Alimentar as crianças com proteína de peixe é a sua grande revo-lução?

B – Imagine as escolas de 62 municípios consumindo uma tonelada e meia de de empana-dos de peixe? A criança sendo alimentada com a proteína, com sais minerais e utilizando pro-dutos regionais, com certeza e cérebro dela vai se desenvolver de forma mais rápida e, claro, vai aprender mais rápido e po-der sair desse ostracismo. Vou até aproveitar esse momento para fazer uma chamada geral direcionada às pessoas que têm dinheiro e não sabem nem aonde colocar. Coloquem na produção de alimentos que possam matar a fome de quem sente fome; coloquem na criança; coloquem no homem porque assim você vai ter um retorno e ajudar a mudar a sociedade.

EM TEMPO – Como explicar que o Amazonas tem o maior potencial de peixe do mundo e não tem um terminal pes-queiro?

B – São coisas inconcebíveis que não se vê em nenhum país do mundo. Não adianta só criar peixe, temos que pensar, peixe também come. Por isso temos que criar fábricas de ração, sis-tema de transportes explorando nossa estradas de rios, que são as hidrovias. O frete, por exem-plo, é caríssimo, aqui no interior do Amazonas nós pagamos a passagem aérea mais cara do mundo e nossas estradas, que já são poucas, estão comprometi-das e abandonadas. É mais bara-to ir a Miami que vir a Tefé.

EM TEMPO – A Indústria de Bacalhau da Amazônia pode

ser o início dessa transfor-mação, não é?

B – Sim, mas poderia estar bem melhor do que está se houvesse mais investimentos. Existe a situação precária de manutenção global do projeto que me deixa de certa forma triste, poderíamos ter avançado muito mais.

EM TEMPO – Implantar uma indústria de beneficiamento de pescado é um velho so-nho que precisou de muita luta para torná-lo realidade. O senhor se sente realizado profissionalmente?

B – Pessoalmente sim. Eu me sinto realizado por ver a coisa funcionando, ver o povo interio-rano progredir e ganhar algum dinheiro. Mas volto a dizer que poderia estar bem melhor do que está agora.

EM TEMPO – O senhor se dedica de corpo e alma a esse projeto por responsa-bilidade profissional ou por ideologia?

B – Eu acredito que pelos dois. Profissionalmente, porque desenvolvi uma tecnologia que podemos chamar de tecnologia de ponta, que já tentaram fazer de tudo que é jeito e não conse-guiram. Sem aquele processo de secagem, desenvolvido por mim, nunca se chega a esse produto. O lado da ideologia também funciona, porque se trata de uma revolução na vidas das pessoas que vivem no interior e nun-ca tiveram muitas esperanças em mudar sua vida. Implantar uma indústria dessa, num lugar desses, distante, como uma in-fraestrutura quase que “zero”, não é brincadeira, é um coisa muito séria.

EM TEMPO – Esse processo é único ou existe algo seme-lhante em outros Estados do

Brasil? B – Não, o Amazonas é o único

em toda a América do Sul. Com essa tecnologia só aqui e, futura-mente, em Fonte Boa (município à quilômetros de Manaus).

EM TEMPO – Até aon-de o senhor pretende levar a Indústria de Bacalhau da Amazônia?

B – Os planos e projetos são muitos. Como a rede de fast food, por exemplo. Vou continuar levando em frente o projeto até o dia em que deixarem.

EM TEMPO – E se mudar a política corre o risco do sonho acabar novamente, como já acabou um dia?

B – Essa é a nossa grande preo-cupação, que de repente entrem gestores sem conhecimento e responsabilidade técnica ou so-cial pelo projeto e resolver fechar a indústria. É o risco que temos que correr.

EM TEMPO – O amazonas hoje importa tambaqui de Roraima e a China produz mais o peixe em cativeiro do que a gente. Como o senhor avalia essa perda?

B – Eu não dúvido nada que isso esteja ocorrendo. Mas é tudo por falta de fomento e não por falta do peixe. É preciso direcionar a piscicultura para o peixe adequa-do. A captura é muito precária, faltam câmeras frigoríficas para alojar o pescado. Tem também a entrada de estrangeiros levando peixe pelo preço que quer. Está entrando o narcotráfico como moeda corrente para compra do peixe. Falta muita fiscalização. A Polícia Federal tem que estar mais presente, o Ibama tem que estar mais presente, as Forças Armadas têm que estar mais presentes. Com o Exército refor-çando a segurança na fronteira. o nível de respeito é outro.

‘Temos proteína para matar a fome do mundo’

Bismarck dos Prazeres, 65, é um ex-oficial do Exército, chegando à patente de capitão. Mas, durante o golpemilitar de 1964, foi afastado por “adversidades políticas”. Era filho de pais comunistas e teve toda a família “convidada” a

partir para o exílio. A partir daí virou cidadão do mundo, tomando como “pátria emprestada” países como Angola, Moçambique, Namíbia, Cidade do Cabo e Portugal. Mas demorou mais tempo em Coimbra, onde estudou e se formou em engenharia de

alimento com especialização na área de pescado. Também foi em Portugal que se filiou ao SSPC (Supremo Socialista Partido Comunista), o que viria lhe render, no futuro, muitos problemas políticos no retorno ao Brasil.

Veja aqui uma conversa franca com o homem que está transformando pirarucu em bacalhau no interior do Amazonas e tem projetos para desenvolver uma rede de fast food com empanados de peixe, para alimentar as crianças da rede pública de ensino

MÁRIO ADOLFOEquipe EM TEMPO

O revolucionário Bismarck faz um apelo para as pessoas que têm dinheiro e não sabem onde co-locar, “coloquem em programas que possam gerar alimentos e matar a fome das crianças pobres”

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Linha de empanados vai alimentar crianças Além disso, uma empresa de Recife (Kaeru Indústria e Comércio de Couro Ltda.) está comprando a pele do pirarucu

Crianças de Maraã disputam

a carcaça do pirarucu, que

são distribuídas de graça, pois as mantas são

retiradas no processo indus-trial da fábrica

de bacalhau

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MÁRIO ADOLFOEquipe EM TEMPO

A Indústria de Baca-lhau da Amazônia, implantada em Ma-raã por meio de um

convênio entre a Secre-taria de Produção Rural do Amazonas (Sepror) e a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) do Minis-tério da Ciência e Tecno-logia, trabalha atualmente em alguns segmentos que deverão diversificar a linha de produção da empresa, gerando mais empregos e renda para a população do município, além de atrair novos investimentos para o Amazonas.

O primeiro deles, de gran-de responsabilidade social, são as pesquisas para o be-neficiamento da carne de

jacaré para uma linha de fast food, com a produção de empanados para abaste-cer a merenda escolar das escolas públicas.

— Já estamos bem avan-çados nesse setor –, garan-te o diretor de produção Bismarck dos Prazeres, mostrando alguns empa-nados fabricados como teste.

O engenheiro de alimen-tos adianta que uma empre-sa de Recife (Kaeru Indús-tria e Comércio de Couro Ltda.) está comprando a pele do pirarucu e que, no momento ele tenta encon-

trar o destino para as es-camas, que bem poderia ser usadas na confecção de peças de artesanato, mas que, no momento, são queimadas no quintal da empresa para não atrair moscas e urubus.

— Uma empresa já ma-nifestou interesse para transformar as escamas em pó e utilizá-las como esfoliante numa linha de cosméticos. Mas aí temos que primeiro chegar no pre-ço que queremos. O gargalo está aí, mas vamos chegar a um acordo – aposta Bis-marck.

MANEJO DOPIRARUCU

Empanados com peixe seco já estão sendo tes-tados pelos téc-nicos da Indús-tria de Bacalhau da Amazônia. A ideia é desen-volver uma rede de fast food

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H12 Especial MANAUS, DOMINGO, 24 DE NOVEMBRO DE 2013 H13EspecialMANAUS, DOMINGO, 24 DE NOVEMBRO DE 2013

Desde a captura, o pro-cesso para transfor-mar pirarucu em ba-calhau leva 32 dias.

O processo desenvolvido pelo engenheiro de alimentos Bis-marck dos Prazeres e implan-tado na Indústria de Bacalhau da Amazônia chega a ser fasci-nante. São peixes gigantescos

– às vezes chegando a medir 2 metros –, que chegam à recepção, causando espanto em quem nunca tinha estado à frente de um peixe desse tamanho.

Explica a engenheira de pesca Aline Souza, da Se-cretaria Executiva de Pesca e Aquicultura (Sepa/Sepror), que a matéria-prima utilizada na fabricação dos produtos da empresa é adquirida da Reserva de Desenvolvimen-to Sustentável Mamirauá, o pescado é capturado nos rios e lagos da região, tais como lago Preto, lago do Maraã e outros. Durante a época de safra, período de captura do pirarucu, a matéria-prima chega com horas de captura. Confira, passo a passo, todo o processo de produção:

Como transformar pirarucu em bacalhau

7Corte das mantas: ao sair do túnel de lavagem

o pescado é colocado em mesas de aço inox, onde é realizado o corte das man-tas. O processo é feito por pessoal treinado e com vasta experiência. Com auxílio de uma faca, faz-se um cor-te na região dorsal, um de cada lado, permanecendo a pele sem qualquer fissura, em seguida retira-se a manta da pele.

8Choque térmico: As mantas são conduzidas

ao tanque com gelo per-manecendo até a retirada para as mesas de salga. Esta etapa do processo tem como finalidade a redução da tem-peratura das mantas, evi-tando-se assim o processo enzimático.

9Mesa de salga: As man-tas são retiradas do tan-

que de choque térmico e dispostas em mesas de aço inox, onde consta uma ca-mada de sal. Em seguida é adicionado sal na proporção de 25% com relação ao peso da manta. Posteriormente a manta é bobinada (enrolada) no sentido cabeça-cauda.

10Transporte: As man-tas “salgadas” são

transportadas até o tanque de cura em caçapas.

11 Tanque de cura: As mantas são dispos-

tas no tanque de cura com

a pele voltada para baixo para que a mesma sirva de bandeja para o sal. O tem-po de permanência varia em função da espessura do músculo que será no mínimo de 120 horas e no máximo de 192 horas. O processo é feito sob uma temperatura ambiente de 12ºC.

12 Pré-secagem: Esta fase completa a cura

salgada. As mantas são empilhadas sobre estrados plásticos com a pele voltada para cima com altura média de 2 metros para que por pressão do empilhamento haja liberação da salmoura. A cada 24 horas realiza-se o tombo, isto é, inverte-se a posição da manta obtendo-se assim um produto pré-seco a uma temperatura de 7ºC. As mantas perma-necem no pré-secador por 120 horas.

13Secagem: As man-tas são arrumadas

em raquetes tramadas em linha de nylon com a pele voltada para baixo. São em-pilhadas a 2 metros de altura em túnel de vento capaz de manter o ambiente a 15ºC a 18ºC retirando do ambiente a umidade até que o produto empilhado alcance umidade de 45%, neste ambiente o produto permanecerá por 120 horas completando o ciclo de secagem do pro-duto.

14 Toalete: Após a reti-rada das mantas do

secador, antes da pesagem são removidas as partes com alterações, tipo corte do ar-pão ou outro tipo de mancha ou ferimento.

15 Pesagem: As mantas são pesadas em balan-

ça eletrônica de gancho.

16 Classificação e em-balagem: As mantas

são classificadas por tama-nho e embaladas. Quando de grande volume e porte, as mantas são embaladas em sacos plástico de polie-tileno de 8 camadas, as de pequeno volume e porte são bobinadas, amarradas com fitas de ráfia e colocadas em sacos de polietileno.

17 Estocagem: Após a classificação e emba-

lagem, o produto é organiza-do em prateleiras na câmara fria a temperatura de 5°C, formando lotes, mantendo-se distância de 30 cm das pare-des, 60 cm do teto e 50 cm entre os lotes para permitir a circulação do ar frio e con-servação da temperatura de todo o estoque obedecendo o princípio PEPS – Primeiro que entra, primeiro que sai.

18 Expedição: O pro-duto é expedido em

balsa resfriado a tempera-tura de 5°C, seguindo para a comercialização em feiras e supermercados de Manaus.

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Do desembarque à comercialização, processo de produção passa por 18

setores até chegar ao carrinho do supermercado

MÁRIO ADOLFOEquipe EM TEMPO

1Desembarque: O de-sembarque da matéria-

prima é realizado em balsa flutuante, localizada a mar-gem do rio Maraã, onde são desembarcados os peixes. Após desembarque do pes-cado, o peixe é mantido em câmara fria na temperatura de 0°C.

2Transporte: O pescado é transportado até o fri-

gorífico em caminhão-baú fechado e climatizado.

3Classificação: A maté-ria-prima é classificada

por pessoal treinado e com vasta experiência, sendo ob-servado as características e temperatura do pescado, que deve ser de 0ºC, a fim de evitar o processo de de-terioração.

4Recepção: ao chegar à recepção, a matéria-

prima é pesada e avaliada, medindo-se a temperatura e a forma de captura.

5Câmara de espera: a matéria-prima que não

for absorvida imediatamen-te pela linha de produção ficará na câmara de espera, mantida com gelo em esca-mas e temperatura próxima de 0ºC até o momento de ser processada.

6Lavagem: o pirarucu é colocado em um túnel de

lavagem recebendo esgui-chos de água hiperclorada com 5ppm de Cloro Residual Livre (CRL) para a remoção de todo o muco e sangue.

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Page 13: Bacalhau da Amazônia

H12 Especial MANAUS, DOMINGO, 24 DE NOVEMBRO DE 2013 H13EspecialMANAUS, DOMINGO, 24 DE NOVEMBRO DE 2013

Desde a captura, o pro-cesso para transfor-mar pirarucu em ba-calhau leva 32 dias.

O processo desenvolvido pelo engenheiro de alimentos Bis-marck dos Prazeres e implan-tado na Indústria de Bacalhau da Amazônia chega a ser fasci-nante. São peixes gigantescos

– às vezes chegando a medir 2 metros –, que chegam à recepção, causando espanto em quem nunca tinha estado à frente de um peixe desse tamanho.

Explica a engenheira de pesca Aline Souza, da Se-cretaria Executiva de Pesca e Aquicultura (Sepa/Sepror), que a matéria-prima utilizada na fabricação dos produtos da empresa é adquirida da Reserva de Desenvolvimen-to Sustentável Mamirauá, o pescado é capturado nos rios e lagos da região, tais como lago Preto, lago do Maraã e outros. Durante a época de safra, período de captura do pirarucu, a matéria-prima chega com horas de captura. Confira, passo a passo, todo o processo de produção:

Como transformar pirarucu em bacalhau

7Corte das mantas: ao sair do túnel de lavagem

o pescado é colocado em mesas de aço inox, onde é realizado o corte das man-tas. O processo é feito por pessoal treinado e com vasta experiência. Com auxílio de uma faca, faz-se um cor-te na região dorsal, um de cada lado, permanecendo a pele sem qualquer fissura, em seguida retira-se a manta da pele.

8Choque térmico: As mantas são conduzidas

ao tanque com gelo per-manecendo até a retirada para as mesas de salga. Esta etapa do processo tem como finalidade a redução da tem-peratura das mantas, evi-tando-se assim o processo enzimático.

9Mesa de salga: As man-tas são retiradas do tan-

que de choque térmico e dispostas em mesas de aço inox, onde consta uma ca-mada de sal. Em seguida é adicionado sal na proporção de 25% com relação ao peso da manta. Posteriormente a manta é bobinada (enrolada) no sentido cabeça-cauda.

10Transporte: As man-tas “salgadas” são

transportadas até o tanque de cura em caçapas.

11 Tanque de cura: As mantas são dispos-

tas no tanque de cura com

a pele voltada para baixo para que a mesma sirva de bandeja para o sal. O tem-po de permanência varia em função da espessura do músculo que será no mínimo de 120 horas e no máximo de 192 horas. O processo é feito sob uma temperatura ambiente de 12ºC.

12 Pré-secagem: Esta fase completa a cura

salgada. As mantas são empilhadas sobre estrados plásticos com a pele voltada para cima com altura média de 2 metros para que por pressão do empilhamento haja liberação da salmoura. A cada 24 horas realiza-se o tombo, isto é, inverte-se a posição da manta obtendo-se assim um produto pré-seco a uma temperatura de 7ºC. As mantas perma-necem no pré-secador por 120 horas.

13Secagem: As man-tas são arrumadas

em raquetes tramadas em linha de nylon com a pele voltada para baixo. São em-pilhadas a 2 metros de altura em túnel de vento capaz de manter o ambiente a 15ºC a 18ºC retirando do ambiente a umidade até que o produto empilhado alcance umidade de 45%, neste ambiente o produto permanecerá por 120 horas completando o ciclo de secagem do pro-duto.

14 Toalete: Após a reti-rada das mantas do

secador, antes da pesagem são removidas as partes com alterações, tipo corte do ar-pão ou outro tipo de mancha ou ferimento.

15 Pesagem: As mantas são pesadas em balan-

ça eletrônica de gancho.

16 Classificação e em-balagem: As mantas

são classificadas por tama-nho e embaladas. Quando de grande volume e porte, as mantas são embaladas em sacos plástico de polie-tileno de 8 camadas, as de pequeno volume e porte são bobinadas, amarradas com fitas de ráfia e colocadas em sacos de polietileno.

17 Estocagem: Após a classificação e emba-

lagem, o produto é organiza-do em prateleiras na câmara fria a temperatura de 5°C, formando lotes, mantendo-se distância de 30 cm das pare-des, 60 cm do teto e 50 cm entre os lotes para permitir a circulação do ar frio e con-servação da temperatura de todo o estoque obedecendo o princípio PEPS – Primeiro que entra, primeiro que sai.

18 Expedição: O pro-duto é expedido em

balsa resfriado a tempera-tura de 5°C, seguindo para a comercialização em feiras e supermercados de Manaus.

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Do desembarque à comercialização, processo de produção passa por 18

setores até chegar ao carrinho do supermercado

MÁRIO ADOLFOEquipe EM TEMPO

1Desembarque: O de-sembarque da matéria-

prima é realizado em balsa flutuante, localizada a mar-gem do rio Maraã, onde são desembarcados os peixes. Após desembarque do pes-cado, o peixe é mantido em câmara fria na temperatura de 0°C.

2Transporte: O pescado é transportado até o fri-

gorífico em caminhão-baú fechado e climatizado.

3Classificação: A maté-ria-prima é classificada

por pessoal treinado e com vasta experiência, sendo ob-servado as características e temperatura do pescado, que deve ser de 0ºC, a fim de evitar o processo de de-terioração.

4Recepção: ao chegar à recepção, a matéria-

prima é pesada e avaliada, medindo-se a temperatura e a forma de captura.

5Câmara de espera: a matéria-prima que não

for absorvida imediatamen-te pela linha de produção ficará na câmara de espera, mantida com gelo em esca-mas e temperatura próxima de 0ºC até o momento de ser processada.

6Lavagem: o pirarucu é colocado em um túnel de

lavagem recebendo esgui-chos de água hiperclorada com 5ppm de Cloro Residual Livre (CRL) para a remoção de todo o muco e sangue.

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Page 14: Bacalhau da Amazônia

H14 Especial MANAUS, DOMINGO, 24 DE NOVEMBRO DE 2013

Para a comer-cialização do bacalhau da Amazônia, a SE-PROR tem lança-do campanhas e inovado a forma de fazer o pro-duto chegar ao consumidor, como o “carinho do bacalhau”

LUZI

MAR

BES

SA

O carrinhodo bacalhau

A Indústria de Baca-lhau da Amazônia está registrada sob o número de 046 no

S.I.E. (Serviço de Inspeção Estadual). Isso significa que é possível comercializar o produto dentro do Estado do Amazonas e que todos os critérios sanitários estão sendo cumpridos conforme legislação.

— Mas é claro que necessita de alguns ajustes, pois não existe uma empresa 100%. Estamos em etapas conclu-sivas para que se adquira o SIF (Serviço de Inspeção Federal), estamos em etapas conclusivas, a solicitação do está em andamento – explica Aline Souza.

De acordo com a engenhei-ra de pesca da SEPSA, ao chegar a Manaus, o bacalhau da Amazônia é comerciali-zado em feiras e supermer-cados. O produto também é comercializado no “carrinho

do bacalhau”, que circula pela cidade em pontos estraté-gicos como, UFAM, INPA e empresas do Distrito.

Amazonas X NórdicosO grande desafio da Se-

cretaria de Produção Ru-ral do Amazonas (SEPROR) agora é tentar conquistar os mercados internacionais, principalmente com os “nór-dicos” que continua sendo o preferido não só dos amazo-nenses, mas de todo o resto do país, embora os chefs de cozinha garantam que é pos-sível fazer todas as receitas tradicionais com o “bacalhau de pirarucu”.

Em recente entrevista à imprensa local, o chef Feli-pe Schaedler garantiu que o “gosto é parecido com o ba-calhau comum, normalmente importado da Noruega”.

Uma das críticas ao baca-lhau da Amazônia é quanto ao preço. Mas a SEPROR tem feitos promoções em datas especiais. No Natal de 2012, por exemplo, lançou a promo-

ção “Natal com Bacalhau da Amazônia”, disponibilizando o produto a preços promocio-nais para servidores públicos federais, estaduais e para a sociedade em geral, com pa-gamento também no cartão.

Para chegar até o consu-midor sem que este precise se deslocar até onde está o produto, a secretaria ad-quiriu um microcaminhão adaptado com câmara fri-gorífica e uma minicozinha para percorrer vários locais da cidade. De acordo com a assessoria da SEPROR, o “ público adorou a ideia e fez até fila para comprar o Bacalhau da Amazônia”.

MÁRIO ADOLFOEquipe EM TEMPO

Ao chegar a Manaus, o bacalhau da Amazônia é comercializado em feiras e supermercados disputando o mercado com o parente “norueguês” .

MANEJO DOPIRARUCU

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Page 15: Bacalhau da Amazônia

H15EspecialMANAUS, DOMINGO, 24 DE NOVEMBRO DE 2013

A junção do pescador tradicional com a ciência gerou essa abundância de pei-

xes nos lagos de Maraã. Tal-vez esta seja a maior he-rança do plano de Manejo do Pirarucu que vem sendo monitorado pelo Instituto Desenvolvimento Sustentá-

vel Mamirauá (IDSM). A opi-nião é do antropólogo José Cândido . Formado pela Uni-versidade Federal de Minas Gerais (UFMG), que mora em Tefé, onde, através de uma bolsa de pesquisa vem es-tudando os conhecimentos tradicionais da pesca.

Para José, foi o manejo do pirarucu que o atraiu para a região do Maraã, onde se integrou totalmente ao modo de vida dos pescadores. É co-mum encontra-lo em canoas, com chapéu de palha, pes-cando e remando ao lado dos caboclos. Por acompanhar nas pescarias um pescador conhecido por “farinha”, José acabou ganhando o apelido de “xibé”. Juntos eles formam a dupla “Farinha & Xibé”.

— A reserva tem impor-tância fundamental porque

está conseguindo integrar o conhecimento científico ao saber tradicional dos pes-cadores. Agora precisamos avançar ainda mais e pen-sar, também, no manejo do aruanã e do tambaqui – diz, pensando no futuro.

O antropólogo mineiro ana-lisa o perfil sócioeconomico do pescador de Maraã, reve-lando que ele pertence quase sempre uma família de cin-co filhos, sobrevive da pesca, mas, no período do defeso, tem a roça e o comércio para complementar a renda.

— Numa escala urbana, os pescadores pertencem a famílias de classe baixa, pois vivem de uma atividade que tem uma renda irregular, ga-rantida somente no período do manejo do pirarucu. Às vezes chegam a ganhar até

R$ 3 mil. Mas de janeiro a agosto tem que ir buscar outras formas de sustento.

Jose cândido também é de opinião que hoje já existe uma consciência ecológica na região, porque os pescadores sabem que, se não preservar e não obedecer às regras da sustentabilidade, evitando a pesca predatória, eles não terão mais essa riqueza que representa o pirarucu.

— Houve um momento em que nos lagos de Maaraã só havia “budeco”, que é o filhote de pirarucu. A reserva e a atividade de conservação, através da vigilância cons-tante feita pelos próprios pescadores e a organização da colônia com o monitora-mento do Instituto Mami-rauá, mudou esse cenário – analisa José Candido.

Um antropólogo mineiro vira pescador

O trabalho de manejo do pirarucu tem importância fundamentalporque está conseguindo integrar o conhecimento científico ao saber tradicional dos pescadores

O antropólogo José Cândido, da UFMG vem estudando os conhecimentos tradicionais da pesca no manejo de Maraã atra-vés de uma bol-sa de pesquisa

RICA

RDO

OLI

VEIR

A

MÁRIO ADOLFOEquipe EM TEMPO

Aos 67 anos, o pescador Ailton da Silva é grato à abundância de pirarucu, para ele “uma dádiva da mãe natureza”

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Page 16: Bacalhau da Amazônia

H16Especial MANAUS, DOMINGO, 24 DE NOVEMBRO DE 2013

No refeitório, na hora do almoço, a figura de Leô-nidas Andrade, 29,

chega a destoar de seus companheiros. A maioria é de pele morena, castigada pelo sol inclemente do Ama-zonas, tem cabelos negros e apresenta traços fortes da herança genética indígena. Já o coordenador do Setor de Qualidade da Indústria de Bacalhau da Amazônia, em Maraã, é demasiadamente branco, tem olhos azuis e

cabelos ruivos.Não é para menos. Leôni-

das é catarinense e, quem diria, foi parar em Maraã depois que recebeu o canudo da Universidade federal de santa Catarina (UFSC), onde se formou em Engenharia de Alimentos, e resolveu fazer um concurso no Amazonas.

— Pesquisei na inter-net e descobri o concurso público da Secretaria de estado da produção Rural (SEPROR/AM) , em 2011. Me inscrevi, passei, fui treinado em Manaus e aqui estou, no meio da floresta, às margens dos rios Solimões e Japurá – conta o catarinense.

Leônidas não foi o primeiro da família de “catarinas” a se aventurar

Pela Amazônia. Seu avô, abandonou a mina de carvão onde trabalhava em Santa Catarina e veio em busca do sonho para a região Norte.

— Meu avô trabalhava na produção de carvão mineral, que tanto mal fazia à saúde,

pela incidência de pneumo-coniose, uma doença pul-monar ocupacional, causada pela inalação de poeiras. E as pessoas se aposentam por volta de 30 anos e se torna inútil para o trabalho – conta o engenheiro.

O avô de Leônidas perce-bendo o risco que corria e por gostar muito de agricultu-ra migrou para a Amazônia, onde andou por Altamira e acabou chegando a Araque-mes, em Rondônia, em 77.

— A Amazônia é generosa, em Rondônia meu avô con-seguiu o realizar o sonho de ter um pedaço e terra para plantar e criar bois. Mas meu pai não gostava disso foi para Porto Velho, onde con-seguiu um emprego fixo.

O engenheiro avalia que fez a escolha certa quando decidiu encarar o desafio de trabalhar num Indústria de Bacalhau instalada no meio da floresta, numa cidade pequena e distante como Maraã.

— Eu acho o projeto mui-to bom. Ninguém conseguia imaginar que um estado in-vestisse em um projeto tão ousado como uma indústria de um peixe conhecido como o bacalhau da Amazônia.

O catarinense diz que está gostando muito de traba-lhar no interior do Amazo-nas, mas não pretende se aposentar em Maraã.

— No entanto, sou grato ao Amazonas pela grande oportunidade de estar tra-balhando numa industria onde tem aprendendo tanto, adquirindo uma experiência única.

— E o salário, compensa? – pergunta o repórter.

— É razoável – respon-de ele –, mas talvez se eu estivesse trabalhando na iniciativa privada estivesse ganhando bem mais. Só não sei se teria o mesmo aprendizado que estou ten-do aqui ou se viveria numa região tão fantástica quanto a Amazônica.

Um “catarina” em busca do sonho amazônico

Engenheiro de alimentos de Santa Catarina encara concurso públicoe vem trabalhar no meio da floresta, às margens do rio Solimões

MÁRIO ADOLFOEquipe EM TEMPO

O catarinense Leônidas Andra-de, coordenador do Setor de Qualidade da In-dústria de Baca-lhau é grato por viver e aprender no Amazonas

RICA

RDO

OLI

VEIR

A

EXPEDIENTE

EDIÇÃO EREPORTAGEMMário Adolfo

FOTOSRicardo Oliveira

DiagramaçãoMario Henrique Silva

Tratamento de imagensPablo Filard

REVISÃODernando Monteiro

MANEJO DOPIRARUCU

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