azevedobuenosilveira (2005)
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Interação e alinhamento de organizações para a inovação em ecossistemas organizacionais: O caso do INCT Namitec
A. Azevedo – A. Karina – M. Silveira
Interação e alinhamento de organizações para a inovação em
ecossistemas organizacionais: o caso do Instituto Nacional de
Tecnologia de Sistemas Micro e Nanoeletrônicos (INCT Namitec)
Adalberto M.M. Azevedo – Ana Karina S. B. - Marco A. Silveira
Resumo
O Programa Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCT) tem como meta mobilizar e
articular em rede grupos de pesquisas de excelência em áreas de fronteira da ciência e em
áreas estratégicas para o desenvolvimento sustentável do País. No âmbito do Programa, que
atualmente conta com 123 INCTs, foi organizado o Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia
de Sistemas Micro e Nanoeletrônicos (INCT-Namitec). O Namitec é composto por 137
pesquisadores vinculados a 27 unidades de pesquisa sediadas em 23 instituições de 13 estados
brasileiros, tendo como áreas de conhecimento predominantes a física, química, ciência da
computação e engenharia elétrica e eletrônica. O grande número de participantes com relações
inter e intra-institucionais, a diversidade de conhecimentos e tecnologias envolvidas e a
imensa gama de aplicações torna a gestão do Namitec uma tarefa complexa. Para apoiar a
gestão da rede, o Namitec criou três áreas administrativas, cujo objetivo é aumentar o foco, a
cooperação, as sinergias e o alinhamento interno entre o conhecimento e as tecnologias
geradas, bem como alinhar a produção tecnológica com as demandas, atuais e potenciais, da
sociedade. O objetivo deste artigo é descrever a experiência da Coordenação de Transferência
de Conhecimento para o Setor Produtivo (Coordenação A.7.), uma das instâncias
administrativas do Namitec. Na descrição são caracterizados e classificados os principais
projetos de interação do Namitec com o setor produtivo. Após esta caracterização é proposto
um modelo de gestão para transferência de tecnologia baseado no conceito de ecossistemas
organizacionais voltado à inovação, de maneira a alinhar elementos heterogêneos que
desempenham funções cruciais para o processo inovativo (por exemplo, funções tecnológicas,
regulatórias e mercadológicas). A metodologia utilizada para a confecção do artigo incluiu
pesquisa bibliográfica, coleta de dados em documentos do Namitec e entrevistas com os
participantes da rede. Conclui-se que o conceito de ecossistemas organizacionais pode ser um
instrumento bastante eficaz para a gestão dos atores necessários ao cumprimento das funções
requeridas na geração e difusão de inovações no âmbito do Namitec, ao proporcionar o
gerenciamento integrado das diversas instituições importantes para esse processo. 1.
Introdução
A diminuição do tempo requerido para a introdução de inovações no mercado, a crescente
complexidade tecnológica dessas inovações, a exigência de competências diversificadas para
seu desenvolvimento e os elevados custos de introdução de novos produtos e processos no
mercado têm inviabilizado seu desenvolvimento de forma isolada por organizações públicas e
privadas, especialmente aquelas de pequeno e médio porte (De Pellegrin et al, 2007). Em
função disso, tem sido freqüente a organização de arranjos multiorganizacionais nos quais se
busca somar competências e recursos de organizações heterogêneas, visando o
desenvolvimento conjunto de inovações. Muitas vezes, a organização desses arranjos integra
políticas de desenvolvimento setorial capitaneadas por entidades estatais que vêem na
introdução de inovações um caminho seguro para a inserção competitiva de indústrias
regionais e nacionais em mercados de produtos de alto valor agregado e com potencial de
geração de empregos de alto nível.
Excluído: ¶
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Contudo, a constituição desses arranjos não é uma fórmula mágica que garante o sucesso dos
esforços inovativos. Em primeiro lugar, para cumprir o objetivo de somar diferentes
competências, os arranjos multiorganizacionais compõem-se de instituições heterogêneas, o
que gera dificuldades de comunicação e integração,1 cuja superação depende de mecanismos
eficazes de coordenação. Em segundo lugar, freqüentemente tais arranjos são limitados em
termos de instituições participantes, o que torna igualmente limitadas suas possibilidades de
induzir um processo completo de transferência de tecnologia, gerador de inovação, para o qual
é imprescindível a participação de uma ampla gama de organizações que cumprem funções
específicas nesse processo (por exemplo, funções tecnológicas, regulatórias e
mercadológicas). De maneira geral,2 para se completar um processo inovativo é necessária a
participação de organizações do setor privado (empresas), institutos de pesquisa e órgãos
governamentais, que em seu conjunto são os elementos constituintes do ecossistema
organizacional relacionado a uma indústria ou tecnologia.
Tendo em vista essa problemática, o objetivo deste artigo é descrever o Instituto Nacional de
Ciência e Tecnologia de Sistemas Micro e Nanoeletrônicos3 (INCT Namitec), mostrando seus
principais indicadores e formas de coordenação desta rede, com foco na Coordenação de
Transferência de Conhecimento para o Setor Produtivo do INCT Namitec (Coordenação A.7.).
São também apresentados os principais avanços e problemas da rede em termos de cooperação
interorganizacional e de transferência de conhecimento tecnológico na área de microeletrônica
para o setor produtivo e para a sociedade.
Além dessa introdução, o artigo é composto por mais três partes. O item 2 apresenta a
abordagem de autores selecionados sobre alguns dos conceitos que definem arranjos
multiorganizacionais para a inovação: redes, sistemas de inovação, hélice tripla e ecossistemas
organizacionais. O item 3 apresenta o INCT Namitec, destacando seus principais instrumentos
de gestão, alguns de seus resultados e as limitações dos instrumentos adotados para promover
a transferência de tecnologia. O item termina com uma proposta inicial de gestão de arranjos
multiorganizacionais baseada no conceito de ecossistemas organizacionais, desenvolvida no
âmbito das atividades da Coordenação A.7. Por fim, são apresentadas as conclusões do artigo,
argumentando-se que a gestão eficiente de arranjos multiorganizacionais para a inovação deve
promover a integração das diversas organizações que compõe o ecossistema organizacional e
que cumprem funções essenciais para o processo inovativo.
2. Arranjos multiorganizacionais para a transferência de tecnologia e
inovação: redes, sistemas de inovação, hélices triplas e ecossistemas
organizacionais
Diversas denominações são dadas a arranjos multiorganizacionais voltados à transferência de
tecnologia para a inovação. Entre as mais utilizadas, serão aqui brevemente descritos os
1 Um exemplo muito lembrado desses problemas é a integração entre universidades e empresas, dificultada por fatores como a
definição de direitos de propriedade intelectual, lacunas de comunicação, inadequação dos recursos humanos, inconstância no
financiamento, conflitos socioculturais e diferenças de prazos aceitáveis de execução de projetos (Rapini, 2007). No Brasil,
tais dificuldades se refletem em um sistema científico e tecnológico com desempenho respeitável na produção científica, mas
que gera pouca inovação nas empresas (Velho, 2004; Lotufo, 2009). 2 A natureza das instituições envolvidas no processo de inovação (ecossistema) depende de características particulares dos
artefatos e instituições envolvidas, como setor, localização, complexidade tecnológica, aspectos éticos e legais, entre outros. 3 Criado em 2008, o Programa de INCTs visa articular em rede grupos de pesquisas em áreas de fronteira da ciência e em
áreas estratégicas para o desenvolvimento sustentável do País (CNPq, 2008). Atualmente, existem 123 INCTs no Brasil.
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conceitos de redes técnico-científicas (Callon,1992), sistemas nacionais, locais e setoriais de
inovação (Nelson, 1993; Cassiolato e Lastres, 2000; Malerba, 2002; Hekkert et al, 2008) e
hélices triplas (Leydesdorf e Etzkowitz, 1996; Etkowitz e Leydesdorf, 2000). Esses conceitos
definem arranjos deliberadamente organizados para somar esforços dos setores público e
privado, visando desenvolver uma ou mais inovações. Freqüentemente, inspiram políticas de
inovação baseadas na organização e coordenação de arranjos multiorganizacionais:
“Em diversos países, as políticas tecnológicas têm enfatizado programas de cooperação entre os
setores público e privado para estimular e apoiar os esforços das empresas, reduzir riscos e
maximizar os resultados da capacitação científica constituída localmente. Esses esforços, além de
incentivar as parcerias entre universidades, institutos de pesquisa e empresas, estão voltados à
maior interação entre as próprias empresas, seja na forma de “redes cooperativas” de pesquisa,
centros compartilhados, infra-estruturas comuns, ou por meio de políticas explícitas de suporte a
arranjos e sistemas locais de inovação.” (Lotufo, 2009: 42).
O conceito de redes é utilizado em diversos campos da ciência para descrever sistemas
complexos formados por componentes diversos (Börzel, 1997). Nas ciências sociais,
destacam-se os estudos sobre redes de indústrias, redes de administração de negócios e redes
de políticas públicas. No campo dos estudos de ciência, tecnologia e inovação, Börzel (1997)
considera seminal o artigo de Michel Callon, The Sociology of an Actor Network: the Case of
the Electric Vehicle, publicado em 1986 no livro Mapping the Dynamics of Science and
Technology: Sociology of Science in the Real World.
Em um artigo posterior, Callon (1992) introduz o conceito de redes técnico-econômicas,
descrevendo os componentes das redes de transferência de tecnologia e inovação como sendo
formada por diversos atores heterogêneos pertencentes a três pólos: um pólo científico,
produtor de conhecimento; um pólo tecnológico, voltado à aplicação do conhecimento; um
pólo de mercado (empresas e usuários), onde se efetiva a inovação. Entre estes pólos, circulam
intermediários que mediam as interações entre os atores, como documentos científicos e
tecnológicos (artigos, patentes), competências e capacitações (que circulam, por exemplo,
através de cursos e mobilidade profissional), recursos financeiros (financiamentos, mercados),
bem como artefatos (equipamentos científicos e tecnológicos). Callon (1995) propõe uma
tipificação que diferencia redes convergentes de redes divergentes: uma rede convergente é
aquela onde os atores apresentam consenso sobre as ações a serem realizadas (por exemplo,
quais tecnologias adotar); já uma rede divergente é aquela na qual não existe um consenso
estabelecido sobre as ações a serem tomadas, coexistindo diferentes opções de ação que
dificultam o alinhamento entre os atores. Em geral, as redes convergentes estão construídas
em torno de tecnologias com trajetórias bem estabelecidas; já as redes divergentes são típicas
de novas tecnologias sobre as quais existem grandes incertezas sobre a trajetória a ser seguida,
exigindo um processo mais intenso de negociação entre os atores através da troca de
intermediários, o que torna a transferência de tecnologia um processo complexo e incerto.
Corallo e Protopapa (2007) remetem o conceito de redes de inovação aos estudos de Manuel
Castells, organizados no livro The Rise of the Network Society, de 1996. Diferente da
concepção de Callon, Castells considera a empresa privada o locus central das redes de
transferência de tecnologia para a inovação. Essas redes nada mais são que uma forma de
organização adequada para ambientes com alto grau de incerteza, nos quais é necessário
mudar de uma estrutura de governança vertical (concentrada na empresa individual) para uma
estrutura horizontal (dispersa entre diversas organizações). Essa nova forma de governança,
facilitada pelas tecnologias de comunicação digital, tem como características principais a
exploração de complementaridades e a colaboração inter-organizacional, direcionando as
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organizações a processos de co-evolução alimentados pela troca de conhecimento e iniciados
por alguma característica comum (geográfica, institucional, ideológica ou tecnológica) que
aproxima as organizações em torno de interesses compartilhados.
De Pellegrin et al (2007) propõem um modelo de gestão de redes que denominam Rede de
Inovação Horizontal Induzida (RIHI). Em uma RIHI, o Governo e/ou um conjunto de
empresas4 desenvolvem ações para melhorar ou desenvolver a cooperação entre as
organizações de um setor, visando sua convergência no processo inovativo. Para alcançar esse
objetivo, é necessária a criação de uma organização cujos objetivos e estrutura sejam
decididos pelos atores participantes, incluindo-se aí uma central de coordenação que
harmonize os diferentes objetivos dos integrantes da rede tendo em vista os objetivos das
empresas, consideradas pelos autores o locus da inovação. A essa central de coordenação cabe
recrutar os membros da rede, articular as relações de cooperação e transferência de tecnologia
(utilizando, por exemplo, chamadas de projetos de pesquisa cooperativos entre universidades e
empresas), organizar informações de interesse (por exemplo, prospectar mercados), atuar
sobre fatores ambientais (promovendo ações focadas em mercados específicos), criar
mecanismos de aprendizado (como cursos) e atuar junto a instituições de apoio (por exemplo,
facilitando a prestação de serviços tecnológicos como certificação/acreditação). Dessa
maneira, cabe à central de coordenação da rede reduzir o risco das empresas engajadas em um
projeto colaborativo de inovação tecnológica através da prospecção de oportunidades e da
promoção da colaboração entre empresas, bem como entre empresas e outras instituições.
O conceito de Sistema5 de Inovação (SI), de acordo com Edquist (2001), foi introduzido por
três autores: Christopher Freeman em 1987, no livro Technology Policy and Economic
Performance: Lessons from Japan; Bengt-Aake Lundvall, que em 1992 foi o organizador do
livro National Systems of Innovation: Towards a Theory of Innovation and Interactive
Learning; e Richard Nelson, que organizou em 1993 o livro National Innovation Systems: a
Comparative Study.
Um SI é composto por todos os elementos econômicos, sociais, políticos e organizacionais
que influenciam o desenvolvimento, difusão e utilização de inovações, geradas através do
aprendizado que ocorre nas interações entre instituições que trocam conhecimento e tecnologia
(Edquist, 2001). Os componentes principais de um SI são as organizações e instituições. As
organizações são os componentes criados de forma consciente pelos atores, com objetivos
explícitos (por exemplo, empresas, instituições de ensino e pesquisa e agências públicas de
fomento). Já as instituições compreendem um conjunto de rotinas e regras que regulam as
interações (de mercado ou não) entre as organizações (por exemplo, regras de propriedade
intelectual, códigos de ética, leis comerciais, contratos de transferência de tecnologia, etc.).
A inovação induzida pela criação de arranjos colaborativos interinstitucionais que gerem
ciclos virtuosos de aprendizado e transferência tecnológica pode ser facilitada pela formação
de sistemas setoriais de inovação (Malerba, 2002). Esses SIs incluem diversos componentes
com funções específicas (Hekkert et al., 2007): desenvolvimento e difusão do conhecimento;
influência sobre a direção das buscas de novas tecnologias; promoção de empreendimentos
experimentais; formação de mercados; mobilização de recursos humanos e financeiros;
legitimação de novas tecnologias e geração de externalidades positivas. Assim, a definição de
4 O autor também considera que a indução pode ser feita por uma firma âncora (rede top down). No exemplo citado no artigo
(Rede Petro-RS), a empresa âncora é a Petrobras, que coordena uma rede de fornecedores e laboratórios. 5 Um sistema é formado por componentes e pelas relações entre componentes. É sempre uma simplificação da realidade,
devido à necessidade prática de definir os componentes e limites do sistema de forma arbitrária e idealizada (Edquist, 2001).
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funções de um SI é um instrumento de gestão que ajuda a definir as atribuições de seus
componentes, bem como a controlar a execução dessas funções.
O conceito de hélice tripla é um modelo de explicação do processo de inovação
multiorganizacional apresentado em 1995 por Henry Etzkowitz e Loet Leydesdorf no artigo
The Triple Helix of University-Industry-Government Relations: A Laboratory for Knowledge
Based Economic Development6 (Leydesdorf e Etzkowitz, 1996). O modelo destaca o papel da
universidade como o agente central do processo inovativo em economias intensivas em
conhecimento, papel esse induzido por inovações institucionais criadas pelo governo que
buscam aproximar a universidade das empresas7 (Etzkowitz e Leydesdorf, 2000).
Identificam-se, dessa maneira, as três hélices do modelo: universidades, empresas e governo.
As relações entre as hélices podem tomar três formas (Etzkowitz e Leydesdorf, 2000): a hélice
tripla I, caracterizada pelo controle do Governo sobre a universidade e empresas; a hélice
tripla II, em que as instituições são nitidamente separadas e cujos relacionamento são
circunscritos a contatos eventuais (modelo liberal, contraposto à hélice 1); a hélice tripla III,
representada pela justaposição das três esferas, o que significa que cada uma das esferas
assume papéis tradicionalmente atribuídos às outras: por exemplo, a universidade
capitaneando arranjos multiorganizacionais, o governo produzindo ou consumindo bens e as
empresas gerando conhecimento científico e tecnológico de interesse. Simplificadamente, o
modelo da hélice tripla busca entender as relações entre esses três atores, que se combinam e
recombinam constantemente de forma adaptativa às condições de transferência de recursos
humanos, financeiros e tecnológicos.
O conceito de ecossistemas organizacionais remete-se à tradição de economistas de diversas
escolas de pensamento que discutem as similaridades entre a evolução biológica e o
desenvolvimento econômico (Corallo e Protopapa, 2007).8 Os autores atribuem a primeira
utilização do termo “ecossistema de negócios” ao artigo Predators and Prey: A New Ecology
of Competition, publicado por James F. Moore em 1993 na Harvard Business Review. Para
Moore, uma firma não é apenas um membro de uma indústria específica, mas parte de um
ecossistema de negócios que envolve diversas indústrias, onde as capacitações evoluem
conjuntamente em torno de um conjunto de tecnologias produzidas por essas empresas.
Kay et al (1999) definem os ecossistemas organizacionais como sistemas complexos (não
explicáveis por relações lineares de causalidade), chamados pelos autores de sistemas abertos
auto-organizativos holárquicos (SOHO).9 Esses sistemas caracterizam-se pela permanente
interação entre seus componentes, pelas hierarquias flexíveis e pela constante reconfiguração
de um estado de organização para outro. Essa instabilidade requer e promove um aprendizado
adaptativo constante, fundamental em ambientes de rápidas mudanças compostos por
instituições heterogêneas, tais como os ecossistemas organizacionais inovativos.
6 O artigo foi publicado na European Association for the Study of Science and Technology Review, v.14, n.1, 1995, p. 11-19.
7 Para os autores, a inclusão da universidade como agente de desenvolvimento econômico (a “terceira missão” da academia)
representa uma revolução acadêmica similar à ocorrida no final do século XIX, quando a pesquisa (“segunda missão”) foi
introduzida como missão acadêmica complementar ao ensino (“primeira missão”). 8 Corallo e Protopapa (2007) observam dois problemas no uso de analogias biológicas na economia: primeiro, a evolução
biológica não tem objetivos bem definidos como o desenvolvimento econômico; segundo, espécies complexas não se
combinam através de cruzamentos; já os sistemas econômicos combinam artefatos e competências. Apesar disso, para os
autores isso não invalida os ecossistemas biológicos como uma metáfora para a compreensão de redes multiorganizacionais. 9 Self-Organizing Holarchic Open Systems, na sigla em inglês. O termo holárquico designa sistemas onde os componentes
são, ao mesmo tempo, parte de um sistema e a totalidade do sistema, em contínua interação.
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O conceito de ecossistemas organizacionais SOHO considera que a idéia de gerentes como
agentes oniscientes de coordenação pode ser negativa para a sustentabilidade de ecossistemas
organizacionais, por criar uma inércia prejudicial ao aprendizado dinâmico e desconsiderar a
necessidade de aprendizado adaptativo, de monitoramento e de ajuste constante das estruturas
de governança. Dessa maneira, o gerenciamento eficiente de ecossistemas organizacionais
requer a identificação constante de mudanças no ambiente e nos recursos disponíveis,
planejando intervenções que facilitem a auto-organização do sistema. Em função das
características particulares de cada ator, essas intervenções devem levar em consideração as
forças que dão coesão ao grupo. Essas forças são denominadas pelos autores de atratores,10
que nada mais são que os objetivos e aspirações dos componentes de um ecossistema
responsáveis pela sua manutenção em um determinado domínio de atividades. Assim, a
criação ou manutenção de atratores é um instrumento para manter ou a mudar o estado de um
ecossistema (por exemplo, atratores para estimular cientistas focados na produção acadêmica a
dedicarem recursos e tempo para atividades empreendedoras).
Os ecossistemas organizacionais SOHO têm como característica inerente a incerteza sobre as
motivações e o comportamento dos atores, o que resulta na impossibilidade de realizar um
gerenciamento “antecipatório”, capaz de prever as conseqüências das decisões. A solução
apresentada por Kay et al (1999) é utilizar esquemas de gerenciamento que considerem as
possibilidades dos sistemas complexos, caracterizando os seguintes elementos:1. Os atores e
seus contextos; 2. as características hierárquicas do sistema; 3. os atratores que delimitam a
“órbita” do sistema, e como os atores reagem a esses atratores; 4. as entradas e saídas de
informações e recursos que organizam o ecossistema em torno dos atratores, tanto em termos
de atração como de repulsão.
Com esses conceitos em mente, os autores propõem um manual para o planejamento e
gerenciamento de ecossistemas organizacionais, composto por etapas de ação divididas em
subtarefas (Quadro 1).
Quadro 1. Passo a passo para o planejamento/gestão de ecossistemas organizacionais SOHO A. Caracterização do ecossistema
1. Definição da perspectiva de análise (econômica, gerencial, cultural) e do escopo (limites da descrição).
10 O termo atrator é uma analogia com as forças da gravidade, que mantêm os planetas circunscritos às suas órbitas.
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2. Definição dos processos que definem o ecossistema.
3. Definição dos atores e de suas relações verticais e horizontais.
B. Descrição do ecossistema como uma entidade auto-organizativa
1. Caracterização dos atratores associados aos estados organizacionais existentes.
2. Levantamento de tendências de desenvolvimento dos ecossistemas.
3. Avaliação da reação de membros dos ecossistemas a diferentes atratores.
4. Identificação das mudanças possíveis nos atratores.
5. Caracterização dos fluxos (entradas e saídas) de recursos e informações.
6. Identificação de relações sinérgicas e caracterização das trocas de recursos.
C. Avaliação da sustentabilidade do ecossistema em função de metas e objetivos propostos.
1. Identificação de estados aceitáveis do ecossistema em função dos objetivos propostos.
2. Identificação dos processos econômicos, técnicos, políticos, etc. necessários para os objetivos propostos.
3. Identificação de atratores inaceitáveis, atratores desejáveis e tradeoffs envolvidos nas escolhas de atratores.
D. Manutenção da integridade (sustentabilidade) dos ecossistemas.
1. Identificação de ações para mitigar ameaças à integridade dos ecossistemas.
2. Identificação de ações para promover atratores positivos.
3. Definição de ações de monitoramento do ecossistema visando detectar mudanças.
E. Ações para lidar com a complexidade dos ecossistemas.
1. Elaboração de esquemas de gerenciamento antecipatório que permitam a adaptação a mudanças baseados no
aprendizado organizacional.
Fonte: Adaptado de Kay et al (1999)
Os conceitos aqui apresentados são bastante funcionais como guias conceituais e
metodológicos para a implementação de modelos de gestão de arranjos multiorganizacionais
voltados à transferência de tecnologia para a inovação, sendo coerentes com o enfoque de
pesquisa-ação que motivou a elaboração desse artigo. Desta maneira, o item seguinte buscará
apresentar uma proposta de modelo de gestão de ecossistemas organizacionais que absorva as
contribuições desses enfoques, ilustrando a proposta com a experiência da Coordenação A.7.:
Transferência de Conhecimento para o Setor Produtivo no âmbito do INCT Namitec.
3. O modelo de gestão do INCT Namitec: Proposta de Transferência de
Conhecimento para o Setor Produtivo
O modelo de redes científico-tecnológicas vem sendo utilizado pelo MCT de forma bastante
freqüente na aplicação de recursos para o fomento de C&T: entre 2001 e 2009, onze chamadas
públicas, editais e encomendas do CNPq e da Finep estavam voltados especificamente à
promoção desse tipo de arranjo (SIGCTI, 2011). Alinhada a esse modelo, a Portaria MCT nº
429/2008, que instituiu o Programa de Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCTs),
mostra claramente que o modelo de gestão adotado para os INCTs baseia-se no conceito de
redes de ciência e tecnologia:
Art. 2º Os Institutos Nacionais serão formados por uma instituição sede, caracterizada pela
excelência de sua produção científica e/ou tecnológica, alta qualificação na formação de recursos
humanos e com capacidade de alavancar recursos de outras fontes, e por um conjunto de
laboratórios ou grupos associados de outras instituições, articulados na forma de redes científico-
tecnológicas. (Portaria MCT nº 429/2008, grifo dos autores).
Um exemplo que ilustra as possibilidades da cooperação multiorganizacional em
microeletrônica é a explicação de Saxenian (1990) para a retomada da competitividade das
empresas do Vale do Silício na década de 1980. Para a autora, não foram empresas isoladas
nem o Governo os promotores da recuperação da região, mas sim o surgimento de redes de
colaboração entre produtores especializados e um processo de aprendizado coletivo:
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A. Azevedo – A. Karina – M. Silveira
“The dynamics of Silicon Valley´s revitalization are reflected in this new wave of semiconductors
start-ups. These firms, together with hundreds of neighboring technology firms, are forging a
flexible model of production in the region. By building on the social networks and industrial
infrastructure which were created and then abandoned by the established semiconductor firms,
these small and medium-sized enterprises are pioneering a new Silicon Valley- one which fosters
collaboration and reciprocal innovation among networks of specialist producers” (Saxenian, 1990:
89-90)
No Brasil, a indústria de microeletrônica ainda é incipiente, e vem se enfraquecendo desde o
final da década de 1980, quando existiam 23 empresas atuantes no setor de semicondutores no
Brasil. Desde então, tanto as atividades de P&D como as atividades industriais sofreram uma
forte redução. Esse enfraquecimento fica evidente no déficit comercial do setor: em 2009, o
país importou o equivalente a US$ 3,2 bilhões em componentes semicondutores; por outro
lado, no mesmo ano as exportações alcançaram apenas US$ 57 milhões (Swart, 2010).
Essa fragilidade, somada à relevância estratégica e econômica da indústria de microeletrônica,
garantiu sua inclusão na agenda de políticas públicas (Swart, 2010). O Quadro 2 resume estas
iniciativas, voltadas a formar recursos humanos, criar de empresas de projeto de circuitos
integrados (design houses) e definir o marco regulatório para incentivar investimentos.
Quadro 2. Ações de incentivo à indústria microeletrônica no Brasil Ano Ação
2002 Lançado o Programa Nacional de Microeletrônica.
2004 Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior incluiu semicondutores entre suas prioridades
2005 Criação do Programa CI-Brasil.
2007 Acrescentada às prioridades da PITCE a área de dysplays eletrônicos.
Criado o Programa de Apoio ao Desenvolvimento Tecnológico da Indústria de Semicondutores (PADIS)
2008 Área de microeletrônica passou a integrar o Plano de Ação de Ciência, Tecnologia e Inovação
Criação da empresa pública Centro Nacional de Tecnologia Eletrônica Avançada (Ceitec).
Criação do INCT-Namitec
Fonte: Adaptado de Swart (2010)
Dentro do conjunto de ações tomadas para estimular o desenvolvimento da indústria de
microeletrônica no Brasil, a criação do INCT Namitec em 2008 deu continuidade ao projeto
Namitec do Programa Institutos do Milênio,11
de 2005. O Namitec conta com uma equipe de
várias instituições de ensino e pesquisa nas áreas da física, química, ciência da computação e
engenharia elétrica/eletrônica. Atualmente o Namitec é constituído por 137 pesquisadores de
27 departamentos de 23 instituições em 13 estados brasileiros (INCT Namitec, 2011).
O Namitec tem como instituição sede e de coordenação o Centro de Tecnologia da Informação
Renato Archer (CTI). É gerenciado por um comitê composto por cinco integrantes de
diferentes instituições. Suas atividades de pesquisa são organizadas em oito áreas de
coordenação, sendo cinco tecnológicas e três administrativas (Quadro 3).
Quadro 3. Áreas de Pesquisa do INCT Namitec. Área geral Área específica
Desenvolvimento
tecnológico
A.1. Redes de sensores sem fio.
A.2. Projetos de circuitos integrados e bibliotecas de propriedade intelectual.
11 O Programa Institutos do Milênio foi transformado no Programa de Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia pela
Portaria MCT no 429/2008.
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A. Azevedo – A. Karina – M. Silveira
A.3. Projetos automáticos de circuitos integrados.
A.4. Materiais semicondutores
A.5. Materiais e técnicas de fabricação.
Administrativas A.6. Formação de recursos humanos.
A.7. Transferência para o setor produtivo.
A.8. Transferência para a sociedade
Fonte: Adaptado de INCT Namitec (2010)
A rede foi concebida tendo como eixo integrador as tecnologias de rede de sensores sem fio,
correspondente à primeira área de desenvolvimento tecnológico (A.1.). As demais áreas (A.2.
a A.5.) foram concebidas para subsidiar a produção de sistemas eletrônicos autônomos (redes
de sensores inteligentes, sistemas embarcados e sistemas auto-ajustáveis), e contemplam todos
os conhecimentos em pesquisa necessários para o desenvolvimento das redes de sensores sem
fio, indo desde materiais e técnicas de fabricação a projetos de circuitos integrados e
bibliotecas de propriedade intelectual. Os mecanismos de coordenação e interação entre os
participantes do Namitec estão descritos resumidamente no Quadro 4.
Quadro 4. Mecanismos de coordenação e interação no Namitec Coordenação Coordenadores de área recebem relatórios quadrimestrais de coordenadores de projetos para
avaliação e elaboração do relatório de cada área.
Comitê gerencial recebe relatórios de área, e discute resultados em encontros quadrimestrais.
Interação Recursos para intercâmbio entre membros do Namitec e de outros INCTs.
Apoio para participar em eventos concedido só para trabalhos com co-autorias inter-
institucionais.
Bolsas de pós-doutorado são restritas a projetos colaborativos.
Fonte: Adaptado de INCT Namitec (2010)
A rede do Namitec dá uma importante contribuição para a formação e capacitação de recursos
humanos para a área de microeletrônica, que é o objeto de atuação da coordenação A6 e de
difusão da área de microeletrônica para a sociedade, objeto da coordenação A.8. Os
indicadores de produção acadêmica e formação de recursos humanos na área de pós-
graduação, são significativos e estão sintetizados no Quadro 5.
Quadro 5. Namitec: indicadores de formação de RH e difusão para a sociedade Indicadores Número
Livros 14
Capítulos de Livros 34
Interação e alinhamento de organizações para a inovação em ecossistemas organizacionais: O caso do INCT Namitec
A. Azevedo – A. Karina – M. Silveira
Artigos em periódicos nacionais 22
Artigos em periódicos internacionais 175
Conferências nacionais 270
Conferências internacionais 274
Resumos nacionais 46
Resumos internacionais 30
Softwares 1
Patentes de produtos 7
Patentes de processos 1
Boletins técnicos 1
Iniciações científicas concluídas 59
Mestrados concluídos 103
Doutorados concluídos 30
Pós-docs concluídos 12
Iniciações científicas em andamento 102
Mestrados em andamento 138
Doutorados em andamento 123
Pós-docs em andamento 22
Graduações orientadas concluídas 35
Conferências científicas organizadas 12
Colóquios NAMITEC 6
Cursos de curta duração organizados 8
Cursos ministrados em eventos 8
Notícias na mídia aberta 9
Palestras convidadas/mesas redondas 71
Participações em feiras e workshops 11
Fonte: INCT Namitec (2011)
A coordenação A.7. (Transferência de Conhecimento para o Setor Produtivo) tem como
objetivo desenvolver estratégias e ações visando potencializar a transferência ao setor
produtivo das tecnologias desenvolvidas no âmbito do Namitec. Para isso, utiliza diversas
estratégias, incluindo contatos diretos com empresas, organização de encontros com
associações empresariais e participação em eventos. Como resultado, foram realizados
arranjos de cooperação com as vinte e oito empresas listadas no Quadro 6.
Quadro 6. Projetos cooperativos entre empresas e instituições participantes do INCT Namitec. Empresa Instituição do Namitec
Pronatus Amazônia Centro de Ciência, Tecnologia e Inovação do Pólo Industrial de
Manaus (CT-PIM)
Interação e alinhamento de organizações para a inovação em ecossistemas organizacionais: O caso do INCT Namitec
A. Azevedo – A. Karina – M. Silveira
Datacheck Centro de Tecnologia da Informação Renato Archer (CTI)
Centro Internacional de Tecnologia do
Software de Curitiba
CTI
Universidade do Vale do Rio Doce (Univale) CTI
Transpetro/Petrobras Universidade Federal do Rio Grande do Sul/Escola de
Engenharia (UFRGS/EE)
ARM UFRGS/EE
Texas Instruments (EUA) UFRGS/EE
Amplivox Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)
Potychip UFSC
Tydex (Rússia) Universidade Mackenzie
INO (Canadá) Universidade Mackenzie
Embú Cientifica Laboratório de Sistemas Integráveis/Universidade de São Paulo
(LSI/USP)
Dixtal Tecnologia LSI/USP
KBA do Brasil LSI/USP
High Comm do Brasil LSI/USP LG Electronics do Brasil LSI/USP Novus Produtos Eletrônicos LSI/USP Treetech Sistemas Digitais LSI/USP Digicrom Analítica LSI/USP Tecnologia Brasília Universidade de Brasília (UNB)
Z Tecnologia Laboratório de Circuitos e Dispositivos Integrados (LDCI)/UNB
Wise Informática LDCI/UNB Tipo D serviços de engenharia LDCI/UNB Sistema técnicos digitais LDCI/UNB DFChip LDCI/UNB Hewlett-Packard Laboratories LDCI/UNB
Companhia Hidro Elétrica do São Francisco Departamento de Engenharia Elétrica/Universidade Federal de
Campina Grande (DEE/UFCG)
Companhia de Energia Elétrica de Tocantins DEE/UFCG
Fonte: Adaptado de INCT Namitec (2010)
As interações com o setor produtivo ocorrem através de convênios estabelecidos entre as
instituições participantes do Namitec e as empresas, visando transferir tecnologia e
conhecimento. Essas interações podem ser classificadas de acordo com o Quadro 7, que
mostra a distribuição das interações nos 41 projetos cooperativos com empresas.
Quadro 7. Tipos de interações: Instituições do Namitec com o setor produtivo Tipos de Interações Nº de casos
Transferência de know-how sobre fabricação de produtos 19
Transferência de processos e equipamentos para para o setor produtivo 15
Bibliotecas de propriedade intelectual (IP) analógicas, digitais e de rádio frequência 1
Realização de workshops 6
Fonte: Adaptado de INCT Namitec (2010, 2011)
As interações com as empresas podem ser consideradas periféricas, pois estas não são
instituições integrantes da rede Namitec. Apesar das cinco áreas técnicas do INCT Namitec
estarem integradas numa lógica de cadeia produtiva, cada instituição desenvolve a interação
com a empresa de forma isolada, não envolvendo as demais instituições do Namitec.
A rede formada pelo Namitec é essencialmente uma rede acadêmica, uma vez que a grande
maioria das instituições participantes são instituições públicas de ensino e pesquisa,
Interação e alinhamento de organizações para a inovação em ecossistemas organizacionais: O caso do INCT Namitec
A. Azevedo – A. Karina – M. Silveira
promovendo uma importante cooperação de caráter científico, tanto na formação de recursos
humanos como na produção científica e tecnológica (artigos, patentes e softwares) (Quadro 5).
Estas características indicam que no Namitec, como conceituado por Callon (1992), é
enfatizado o pólo científico (produção de conhecimento) e o pólo tecnológico (aplicação do
conhecimento). Falta, contudo, a participação efetiva do pólo de mercado, compreendendo as
empresas e os usuários que materializam a inovação. Na rede INCT Namitec, a maioria dos
intermediários trocados entre os pólos (que mediam as interações dos atores) são documentos
acadêmicos, palestras e cursos objetivados para a formação de recursos humanos e vinculados
a eventos direcionados para a produção científica.
Para que o Namitec promova a atividade inovativa é necessário que as empresas privadas
assumam um papel de maior destaque nessa rede, como proposto por Castells (1996, apud
Corallo e Protopapa, 2007). Mais ainda, é necessária a atuação coordenada com Governo e
Instituições de Ensino e Pesquisa, a fim de que as diversas organizações que compõe o
ecossistema organizacional do setor de microeletrônica brasileiro12
adquiram uma
convergência benéfica para a geração de inovações úteis para a sociedade como um todo. Seja
na forma de uma Rede Horizontal de Inovação Induzida (Pellegirn et al, 2007) ou uma hélice
tripla (Leydesdorf e Etzkowitz,1996), é necessária uma maior interação entre os atores.
Na indústria brasileira de microeletrônica, os desafios são ainda maiores, dada a fraqueza das
empresas. Atualmente existem no Brasil sete empresas de projetos de circuitos integrados
(Design Houses) e dois centros de treinamento de projetistas criados no âmbito do Programa
CI-Brasil. Projeta-se que no futuro o Ceitec se tornará uma foundry (fábrica de chips) tipo 1.13
Nos demais segmentos da cadeia produtiva de semicondutores, principalmente as empresas
participantes do setor, o Brasil ainda engatinha:
“No entanto, não há nenhuma empresa fabricante de semicondutores beneficiada com o incentivo
da Lei de Informática. Essa constatação, combinada com o fato de que o segmento de
semicondutores conta hoje com apenas uma fábrica de encapsulamento de memórias SDRAM,
duas de semicondutores discretos (componentes isolados, não circuitos integrados, tais como
diodos, transistores,etc, por exemplo, na fabricação de fontes de alimentação) e uma empresa de
projeto de circuitos integrados pertencente a uma empresa multinacional, mostra claramente o
esforço que o país precisou e precisará para criar e desenvolver um ecossitema microeletrônico
no Brasil” (Swart,2010: 276; grifo dos autores).
Visando superar as dificuldades de criação de um ecossistema de microeletrônica no Brasil, a
Coordenação A.7. do Namitec estabeleceu um conjunto de objetivos, que se desdobram em
três macro-funções, cujo objetivo é balizar a gestão das atividades de transferência de
tecnologia na rede Namitec (Quadro 8). Essencialmente, essas macro funções têm como
finalidade atuar sobre o ecossistema em que as instituições públicas e privadas do Namitec
estão inseridas, criando atratores que estimulem a cooperação para a inovação e mecanismos
que permitam o planejamento e a gestão eficiente do ecossistema organizacional delimitado
pelas instituições integrantes do INCT Namitec (Kay et al, 1999).
Quadro 8. Macro funções da Coordenação A.7. do Namitec Macro Função Ações
12 Os desafios de se integrar os múltiplos atores para uma ação inovadora no Brasil, principalmente o setor produtivo, fazem
parte das características do nosso Sistema Nacional de Inovação. A integração entre universidades/institutos de pesquisa e
empresas são especialmente problemáticas (Velho, 2004; Rapini, 2007; Lotufo, 2009). 13 Fábrica de produção em pequena escala de protótipos de semicondutores.
Interação e alinhamento de organizações para a inovação em ecossistemas organizacionais: O caso do INCT Namitec
A. Azevedo – A. Karina – M. Silveira
Aumentar a
cooperação e o
alinhamento
interno do
Namitec.
Mapear conhecimentos/tecnologias finalísticas e de suporte.
Identificar relações atuais e potenciais entre pesquisadores e tecnologias.
Estimular cooperações e novos projetos de interesse comum.
Identificar as áreas tecnológicas com maior potencial de integração.
Compreender as sinergias potenciais existentes entre os grupos que podem facilitar a difusão
de conhecimento e a aprendizagem organizacional.
Desenvolver meios para estimular maior nível de cooperação entre os grupos de pesquisa.
Aumentar a compreensão das complexas relações entre aprendizagem organizacional,
desenvolvimento tecnológico e inovação em INCTs.
Identificar mecanismos para aumentar a difusão de conhecimento.
Aumentar o
alinhamento das
tecnologias do
Namitec com
demandas das
empresas.
Fazer um levantamento inicial das aplicações potenciais das tecnologias existentes.
Verificar áreas tecnológicas com maior potencial de aplicação/transferência a empresas.
Proporcionar condições para que as tecnologias do Namitec alavanquem empresas.
Identificar demandas empresariais que mobilizem novas pesquisas no Namitec.
Identificar tecnologias do Namitec mais demandadas por empresas (finalísticas e de suporte).
Visualizar o papel estratégico dos vários grupos de pesquisa no âmbito do Namitec.
Desenvolver
meios para
potencializar o
processo de
assimilação das
tecnologias
Namitec pelas
empresas.
Mapear demandas das empresas.
Aumentar o entendimento sobre as relações entre aprendizagem organizacional,
desenvolvimento tecnológico e inovação nos processos de cooperação com as empresas.
Desenvolver mecanismos para melhorar os processos de aprendizagem organizacional dentro
do Namitec e nas atividades de transferência de tecnologia para empresas.
Disponibilizar meios para integração da aprendizagem organizacional às atividades laborais
das organizações-alvo (do setor produtivo).
Divulgar as tecnologias do Namitec.
Identificar mecanismos para aumentar a difusão de conhecimento fora do Namitec.
Estimular cooperação universidade-empresa.
Contribuir para um maior nível de cooperação entre os grupos de pesquisa (ofertantes) e o
setor produtivo (demandantes).
Fomentar projetos complementares.
Estudar mecanismos de transferência mais efetivos.
Estudar mecanismos para proteção do capital intelectual.
Fonte: Coordenação A.7./Namitec (2009)
Com isso, busca-se induzir os diversos atores do ecossistema ao estado desejado pela
Coordenação A.7., estimulando o aprendizado coletivo e interativo das instituições
participantes (acadêmicas e empresariais) com o objetivo de fazer circular o conhecimento
com potencial para a geração de inovações tecnológicas que fortaleçam a indústria
microeletrônica brasileira. Na concepção de ecossistemas organizacionais adotada no modelo
de gestão proposto pela coordenação A.7., não se consideram as atividades de transferência de
tecnologia uma relação unilateral, em que o conhecimento flui de Instituições de Ensino e
Pesquisa para o setor produtivo. A coordenação A.7. enxerga a rede Namitec como um
ecossistema auto-organizativo (Kay et al, 1999), cuja mudança de estado para uma situação
desejável depende de processos de aprendizado coletivo, destacando-se o aprendizado
organizacional contínuo de todos os componentes do ecossistema: gestores da rede,
pesquisadores, empresas demandantes de tecnologias do Namitec e instituições de governo.
4. Conclusões
As características de complexidade, a diversidade de competências requeridas e os altos custos
dos processos de inovação contemporâneos têm levado instituições públicas e privadas a
adotarem a cooperação multiorganizacional como uma ferramenta para a viabilização do
desenvolvimento de inovações. Tais arranjos, todavia, não garantem a consecução de tais
objetivos, devido a dificuldades de interação e alinhamento entre instituições heterogêneas.
Interação e alinhamento de organizações para a inovação em ecossistemas organizacionais: O caso do INCT Namitec
A. Azevedo – A. Karina – M. Silveira
Diversos estudos e conceitos trataram das virtudes e dificuldades dos arranjos
multiorganizacionais. Os conceitos examinados no presente artigo são uma pequena parte
desses estudos. No entanto permitem esclarecer algumas das dificuldades do arranjo
multiorganizacional escolhido como estudo de caso: o INCT Namitec.
O arranjo multiorganizacional criado pelo Namitec tem papel fundamental na capacitação de
recursos humanos e na geração de conhecimentos científicos e tecnológicos, já que é formado
pelas principais universidades e institutos de pesquisa do Brasil. Todavia, o conceito de redes
técnico-científicas de Callon (1992) permite apontar uma fraqueza dessa rede: a falta de um
pólo de mercado, onde se efetive a inovação. Na concepção de rede de Castells (1996, apud
Corallo e Protopapa, 2007) essa fraqueza é a posição periférica que a empresa privada ocupa
no Namitec. Falando-se em termos de Sistemas de Inovação (Edquist, 2001; Malerba, 2002), a
fraqueza reside no próprio Sistema Setorial de Inovação em microeletrônica do Brasil: a
fragilidade da indústria nacional nessa área14
(Swart, 2010). Por fim, o conceito de hélices
triplas (Leydesdorf and Etkowitz, 1996; Etkowitz and Leydesdorf, 2000) revela que o arranjo
multiorganizacional criado pelo Namitec remete-se a uma hélice tripla do tipo I, onde as
empresas são vistas como usuárias da tecnologia gerada nas Instituições de Ensino e Pesquisa,
sem uma participação ativa no processo de inovação, o que dificulta a apropriação das
tecnologias pelo setor produtivo nos processos de transferência.
Por outro lado, as teorias consultadas nesse artigo não permitem apenas apontar problemas.
Permitem apontar caminhos de melhoria para a gestão do Namitec. A proposta de Pellegrin et
al (2007) indica que seria desejável a presença de um ou mais agentes indutores (“âncoras”)
para estimular a cooperação entre os agentes, que assim atuariam de forma convergente
(Callon, 1992) na geração de inovações. Nas palavras de Hekkert et al, (2007), trata-se de criar
estímulos para os componentes (atores) do sistema setorial de inovação brasileiro em
microeletrônica a cumprir as funções necessárias à completude do processo inovativo.
As teorias apresentadas sugerem ações no sentido de aprimorar a interação e o alinhamento
entre os diversos componentes atuantes no arranjo multiorganizacional criado pelo Namitec.
Essas sugestões alinham-se ao conceito de ecossistemas organizacionais (Kay et al, 1999),
sistemas complexos formados de atores heterogêneos, nos quais as mudanças para um estado
desejável prescindem de ações de coordenação. Contudo, o conceito de ecossistemas
organizacionais vai além, ao caracterizar tais sistemas como sistemas auto-organizativos, onde
o aprendizado adaptativo de todos os envolvidos permite lidar com mudanças constantes, tanto
dos componentes como do ambiente no qual o ecossistema está inserido. Tal aprendizado
representa a mudança de um esquema de gerenciamento “antecipatório” para um esquema de
gerenciamento “adaptativo”.
Com essa visão de ecossistema organizacional, a coordenação A.7. gerou uma proposta
visando promover a interação e o alinhamento entre os atores atuantes nos processos de
transferência de tecnologia que ocorrem no INCT Namitec. A proposta envolve um conjunto
de atividades em três macro-funções: incrementar a cooperação e o alinhamento entre as
instituições participantes do Namitec; incrementar o alinhamento das tecnologias geradas no
Namitec com as demandas do setor produtivo; criar mecanismos que permitam a assimilação
pelo setor produtivo das tecnologias geradas pela rede Namitec.
14 Na verdade, a indústria brasileira de microeletrônica monta equipamentos “nacionais” compostos por componentes
importados (Gutierrez e Alexandre, 2003).
Interação e alinhamento de organizações para a inovação em ecossistemas organizacionais: O caso do INCT Namitec
A. Azevedo – A. Karina – M. Silveira
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