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UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE CIÊNCIAS DEPARTAMENTO DE BIOLOGIA VEGETAL A VALIAÇÃO E CARACTERIZAÇÃO DA ATIVIDADE ANTI - HERPÉTICA DE EXTRATOS AQUOSOS DE PLANTAS DA FLORA PORTUGUESA Fernanda Pinto Resende DISSERTAÇÃO MESTRADO EM MICROBIOLOGIA APLICADA 2012

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  • UNIVERSIDADE DE LISBOA

    FACULDADE DE CIÊNCIAS

    DEPARTAMENTO DE BIOLOGIA VEGETAL

    AVALIAÇÃO E CARACTERIZAÇÃO DA ATIVIDADE ANTI-

    HERPÉTICA DE EXTRATOS AQUOSOS DE PLANTAS DA

    FLORA PORTUGUESA

    Fernanda Pinto Resende

    DISSERTAÇÃO

    MESTRADO EM MICROBIOLOGIA APLICADA 2012

  • UNIVERSIDADE DE LISBOA

    FACULDADE DE CIÊNCIAS

    DEPARTAMENTO DE BIOLOGIA VEGETAL

    AVALIAÇÃO E CARACTERIZAÇÃO DA ATIVIDADE ANTI-

    HERPÉTICA DE EXTRATOS AQUOSOS DE PLANTAS DA

    FLORA PORTUGUESA

    Fernanda Pinto Resende

    Dissertação orientada por Prof. Doutora Maria Filomena Caeiro,

    Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa

    DISSERTAÇÃO

    MESTRADO EM MICROBIOLOGIA APLICADA

    2012

  • Departamento de Biologia Vegetal

    AVALIAÇÃO E CARACTERIZAÇÃO DA ATIVIDADE ANTI-

    HERPÉTICA DE EXTRATOS AQUOSOS DE PLANTAS DA

    FLORA PORTUGUESA

    Fernanda Pinto Resende

    TESE DE MESTRADO

    2012

    Esta dissertação foi realizada no Centro de Estudos do Ambiente e do Mar

    (CESAM) da Universidade de Aveiro - polo FCUL e Departamento de Biologia

    Vegetal da FCUL, sob a orientação direta da Professora Doutora Maria

    Filomena Caeiro, no âmbito do Mestrado em Microbiologia Aplicada da

    Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa.

  • AVALIAÇÃO E CARACTERIZAÇÃO DA ATIVIDADE ANTI-HERPÉTICA DE EXTRATOS AQUOSOS DE PLANTAS DA FLORA PORTUGUESA

    AGRADECIMENTOS

    Ao Prof. Doutor Rogério Tenreiro, pelo privilégio que me proporcionou na realização deste mestrado na

    área da Microbiologia e nomeadamente na FCUL. Por toda a sua compreensão.

    À minha orientadora Prof. Doutora Maria Filomena Caeiro, por me ter aceitado no seu laboratório, me

    proporcionar a realização deste trabalho na área da virologia, vindo enriquecer a minha formação. Pela sua

    orientação teórica e prática, desde o início até à parte final da elaboração desta tese. Pelo estimável e contínuo

    apoio, incentivo e força, permanente disponibilidade, por todo o seu tempo, paciência, amizade e compreensão,

    que constituíram o maior contributo para a realização deste estudo.

    À Ana Margarida, pelo seu apoio na leitura do ensaio MTT, bibliografia cedida, pela sua sempre presente

    disponibilidade em ajudar, boa disposição e bondade, a quem desejo as maiores felicidades profissionais.

    À Prof. Doutora Lia Ascensão, pela cedência dos extratos, bibliografia e esclarecimentos adicionais.

    Ao Pedro Falé, pelos esclarecimentos sobre o ácido rosmarínico e literatura cedida.

    À Mariana, pelos esclarecimentos no tratamento estatístico dos dados e ajuda na fotografia dos géis, pela

    sua disponibilidade amiga.

    À D. Lurdes e Dra. Susana, pela ajuda na pesquisa da bibliografia (Centro do Sangue e Transplante de

    Lisboa).

    À Célia, por todo o seu apoio e amizade, logo desde o 1º ano.

    À Egídia, pelos seus momentos, partilha de sonhos e força de vencer.

    À Teresa, Granja, inspiradora de força e ânimo, pelo seu apoio e carinho.

    À família e a todos os amigos que me incentivaram nesta etapa académica e mais-valia a nível

    profissional, em especial:

    À minha colega de Mestrado, de profissão e amiga de muitos anos, Mafalda, pela sua presença, apoio e

    ajuda em muitas situações, pelo seu companheirismo e cumplicidade, espero que continuemos sempre unidas

    nos nossos valores.

    Ao meu Paulo, pelo seu esforço na colaboração no tratamento estatístico dos resultados e organização

    gráfica do trabalho, pela sua infinita paciência…, pelo seu carinho.

    Aos meus filhos, Matilde, Luis e Marta e à minha mãe, pelo tempo que lhes retirei de estarmos juntos,

    pela sua compreensão e constante preocupação.

    Sinceramente, a todos vós,

    Muito obrigada!

    Fernanda

  • AVALIAÇÃO E CARACTERIZAÇÃO DA ATIVIDADE ANTI-HERPÉTICA DE EXTRATOS AQUOSOS DE PLANTAS DA FLORA PORTUGUESA

    RESUMO

    Infecções aparentemente inócuas por vírus Herpes simplex podem levar a complicações sérias, como

    ceratoconjuntivite e encefalites.

    O aumento significativo de estirpes resistentes aos atuais antivirais, leva à procura de novas alternativas

    terapêuticas. A medicina popular, à base de plantas, tem sido assunto de interesse mundial, envolvendo estudos

    biológicos com avaliação de potencialidades terapêuticas. O presente estudo avaliou a ação anti-herpética de

    extratos aquosos (através do ensaio de redução de placas), obtidos por decocções de folhas/caules e de flores, de

    duas espécies de plantas da flora aromática Portuguesa, ambas pertencentes à Familia Astereaceae: Helichrysum

    italicum e Solidago virgaurea.

    A atividade anti-herpética dos extratos foi estudada em concentrações não tóxicas para células Vero,

    previamente determinadas pelo ensaio MTT. Fizeram-se ensaios diretamente sobre partículas virais em

    suspensão de HSV-1 e HSV-2, variando os tempos de contacto e concentrações (estudo do efeito virucida) e

    ainda visando avaliar os efeitos nos ciclos replicativos destes vírus em células Vero, quando adicionados antes da

    infecção, durante a adsorção e em diferentes tempos pós infeção. Os extratos revelaram um elevado efeito

    virucida (inativação direta das partículas virais), sendo mais eficazes contra o HSV-2 (inibições da infecciosidade

    superiores a 99%), provavelmente interferindo em proteínas estruturais, algumas das quais necessárias à

    adsorção e penetração nas células hospedeiras. Também exibiram efeitos na produção de novas partículas virais

    infecciosas em células Vero tratadas durante a adsorção viral, que variaram entre 75% e 99% para o HSV-1 e

    entre 59% e 97% para o HSV-2; quando presentes durante o período da infecção compreendido entre as 4 e as

    18 horas p.i., resultaram inibições de 71 a 99% na produção de HSV-1 infecioso e de 86 a 99% para o HSV-2.

    Não revelaram efeitos significativos quando estiveram em contacto com as células Vero antes da infecção.

    Palavras-chave: Atividade anti-herpética; HSV-1; HSV-2; Astereaceae; Citotocixidade; Células Vero.

  • AVALIAÇÃO E CARACTERIZAÇÃO DA ATIVIDADE ANTI-HERPÉTICA DE EXTRATOS AQUOSOS DE PLANTAS DA FLORA PORTUGUESA

    ABSTRACT

    Seemingly innocuous infections by herpes simplex virus can lead to serious complications, such as

    keratoconjunctivitis and encephalitis.

    The significant increase of virus strains resistant to commonly used anti-herpes virus drugs, leads to the

    search for new therapeutic alternatives. Herbal folk medicine has been a subject of global interest, involving

    biological studies with evaluation of potential therapies. This study evaluated the anti-herpetic activity against HSV-1

    and HSV-2 (through the plaque reduction assay) of aqueous extracts obtained by decoctions of leaves / stems and

    flowers of two species of the Portuguese aromatic flora, both belonging to the Astereaceae Family: Helichrysum

    italicum and Solidago virgaurea.

    The anti-herpetic activity of the extracts was studied in non-cytotoxic concentrations for Vero cells, which

    were previously determined by the MTT assay. Tests were performed directly on virus particles from suspension of

    HSV-1 and HSV-2 (study of virucidal activity), in different concentrations and contact times. Assays to evaluate the

    effects on the replicative cycle of these viruses in Vero cells were also carried out, when the extracts were added to

    Vero cells before infection, during adsorption and at different times after infection. The extracts showed a very high

    virucidal effect (direct inactivation of virus particles), being more effective against HSV-2 (reduced viral infectivity by

    > 99%) probably by interfering with structural proteins, some of which, necessary to the adsorption and / or entry

    into host cells. The extracts also exhibited inhibitory effects in the production of new infectious virus particles in Vero

    cells treated during virus adsorption, ranging between 75% to 99% for HSV-1 and between 59% to 97% for HSV-2;

    when present between 4 and 18 hours p.i, it resulted in inhibitions from 71 to 99% in the production of infectious

    HSV-1 and from 86 to 99% for HSV-2. When they were in contact with Vero cells prior the infection period no

    significant effects were revealed.

    Keywords: Anti-herpetic activity; HSV-1, HSV-2; Astereaceae; Citototoxicity; Vero cells.

  • AVALIAÇÃO E CARACTERIZAÇÃO DA ATIVIDADE ANTI-HERPÉTICA DE EXTRATOS AQUOSOS DE PLANTAS DA FLORA PORTUGUESA

    ABREVIATURAS E GLOSSÁRIO

    ATCC Americam type culture collection

    C1 Extrato aquoso de ácido rosmarínico

    CC50 Concentração que inibe a viabilidade celular em 50% ou concentração citotoxica para 50% das

    células.

    Células Vero Linha celular de rim do macaco verde africano (Cercopithecus aethiops)

    CMNC Concentração máxima não citotóxica

    DBV Departamento de Biologia Vegetal

    DMEM Meio de Eagle modificado por Dulbecco (do inglês Dulbecco’s Modified Eagle Medium)

    DMEM-FBS10 Meio de Eagle modificado por Dulbecco e suplementado com soro bovino fetal a 10%

    DMEM-FBS2 Meio de Eagle modificado por Dulbecco e suplementado com soro bovino fetal a 2%

    DMSO Dimetilsulfóxido

    DNA Ácido Desoxirribonucleico (do inglês deoxyribonucleic acid)

    E3 Extrato aquoso de flores de Helichrysum italicum

    E4 Extrato aquoso de caules/folhas de Helichrysum italicum

    E6 Extrato aquoso de caules/folhas de Solidago virgaurea

    g Glicoproteína viral (gB, gC, gD, gE, gG, gH, gI, gJ, gl, gM)

    p.i. Pós infeção

    h.p.i. Horas pós infeção

    HIV-1 Vírus da Imunodeficiência Humana tipo1 (do inglês Human immunodeficiency virus type1)

    HSV Vírus Herpes Simples (do inglês Herpes Simplex Virus)

    HSV-1 Vírus Herpes Simples tipo 1

    HSV-2 Vírus Herpes Simples tipo 2

    IC50 Concentração inibitória em 50% (do inglês Inhibitory concentration)

    ICP Polipeptídeo expresso na célula infetada (do inglês infected cell Polypeptide)

    ICTV Comissão Internacional de Taxonomia dos Vírus (do inglês International Committee on

    Taxonomy of Virus)

    IgG Imunoglobulina G

    pb Pares de bases

    mg Miligrama

    mL Mililitro

    MTT Brometo de 3- [4,5-dimetil-tiazol-1-il] -2,5-difenil-tetrazólio (do inglês 3-(4,5-Dimethylthiazol-2-yl)-

    2,5-diphenyltetrazolium bromide)

    OMS Organização Mundial de Saúde

    P6, P12, P24, P48, P96 Placas de cultura de 6, 12, 24, 48 e 96 poços

    PBS Tampão PBS (do inglês Phosphate-Buffered Saline)

    PFU Unidades formadoras de placas (do inglês plaque-forming units)

    PI Primoinfeção

    Placa Zona de lise ou destruição celular causada por uma infecção viral

    RNA Ácido ribonucleico (do inglês ribonucleic acid)

  • AVALIAÇÃO E CARACTERIZAÇÃO DA ATIVIDADE ANTI-HERPÉTICA DE EXTRATOS AQUOSOS DE PLANTAS DA FLORA PORTUGUESA

    RNAm Ácido ribonucleico mensageiro

    FBS Soro bovino fetal (do inglês Fetal bovine serum)

    SIDA Síndrome da Imunodeficiência Adquirida

    SNC Sistema nervoso central

    TA Temperatura ambiente

    T25, T75 Frasco de cultura de 25 e 75 cm2 de área (do inglês T-Flasks)

    UL Região do genoma constituída por uma sequência única longa (do inglês unique Long)

    US Região do genoma constituída por uma sequência única curta (do inglês unique short)

    UV Ultra violeta

    vhs Proteína responsável pela inibição da síntese de DNA e de proteínas celulares (do inglês Virus

    host shut off protein)

    Virião Partícula viral infectante completa, forma extracelular do vírus

    VP Polipéptideo do virião (Proteínas estruturais) (do inglês virion Polypeptide)

    αTIF Fator indutor da transcrição α (do inglês α-trans-inducing factor)

  • AVALIAÇÃO E CARACTERIZAÇÃO DA ATIVIDADE ANTI-HERPÉTICA DE EXTRATOS AQUOSOS DE PLANTAS DA FLORA PORTUGUESA

    ÍNDICE

    AGRADECIMENTOS .................................................................................................................................................. i

    RESUMO ....................................................................................................................................................................... ii

    ABSTRACT .................................................................................................................................................................. iii

    ABREVIATURAS E GLOSSÁRIO .........................................................................................................................iv

    ÍNDICE ...........................................................................................................................................................................vi

    I. INTRODUÇÃO .......................................................................................................................................................... 1

    1.Os vírus Herpes Simplex ...........................................................................................................................................1

    1.1 HSV-Histórico e Classificação ............................................................................................................................1

    1.2 HSV-Patologias.....................................................................................................................................................3

    2. Enquadramento teórico ............................................................................................................................................5

    2.1 HSV - Morfologia e estrutura ..............................................................................................................................5

    2.2 HSV - Ciclo replicativo .........................................................................................................................................6

    2.3 Terapia atual ..........................................................................................................................................................9

    2.4 Estudos biológicos de produtos naturais ....................................................................................................... 10

    2.4.1 Helichrysum italicum (Asteraceae) ........................................................................................................................... 11

    2.4.2 Solidago virgaurea (Asteraceae) .............................................................................................................................. 12

    3. Objetivos..................................................................................................................................................................... 13

    4.Quadro metodológico ............................................................................................................................................. 13

    II. PARTE EXPERIMENTAL .................................................................................................................................. 16

    1. Materiais...................................................................................................................................................................... 16

    1.1 Ácido Rosmarínico ............................................................................................................................................ 16

    1.2 Helichrysum italicum Miller. .............................................................................................................................. 16

    1.3 Solidago virgaurea L. ........................................................................................................................................ 16

    1.4 Linha celular ........................................................................................................................................................ 16

    1.5 Vírus ..................................................................................................................................................................... 17

    2. Procedimentos/Métodos ....................................................................................................................................... 17

    2.1 Preparação de extratos aquosos.................................................................................................................... 17

    2.2 Preparação das soluções stock dos extratos ............................................................................................... 17

    2.3 Cultura celular..................................................................................................................................................... 17

    2.4 Propagação e Manutenção celular ................................................................................................................ 18

    2.5 Determinação da concentração e da taxa de viabilidade de uma suspensão celular .......................... 18

    2.6 Produção de vírus ............................................................................................................................................. 19

    2.7 Titulação de Vírus .............................................................................................................................................. 19

    2.8 Determinação da citotoxicidade dos extratos em células Vero................................................................. 20

    2.8.1 Avaliação morfológica por Microscopia ótica .......................................................................................................... 20

    2.8.2 Ensaio colorimétrico de redução mitocondrial do sal de tetrazolium (MTT). ...................................................... 20

    2.9 Estudo do efeito direto dos extratos nos vírus (efeito virucida) ................................................................. 21

    2.10 Avaliação da atividade antiviral ..................................................................................................................... 21

    2.10.1 Avaliação após tratamento das células com os extratos durante 24 horas antes da infeção. ...................... 21

  • AVALIAÇÃO E CARACTERIZAÇÃO DA ATIVIDADE ANTI-HERPÉTICA DE EXTRATOS AQUOSOS DE PLANTAS DA FLORA PORTUGUESA

    2.10.2 Avaliação após tratamento das células com os extratos durante 2 horas antes da infecção. ...................... 22

    2.10.3 Estudo do efeito da adição dos extratos em diferentes tempos do ciclo replicativo........................................ 22

    2.11 Análise das Proteínas celulares e virais. ..................................................................................................... 23

    2.11.1 Estudo do efeito dos extratos na síntese de proteínas celulares e virais em células infectadas................... 23

    2.11.2 Estudo do efeito direto dos extratos nas proteínas dos viriões. ......................................................................... 23

    III. RESULTADOS .................................................................................................................................................... 24

    1. Avaliação da Citotoxicidade ................................................................................................................................. 24

    1.1 Estudo de alterações morfológicas através de Microscopia ótica. ........................................................... 24

    1.2 Estudo da citotoxicidade através do ensaio MTT. ....................................................................................... 24

    1.2.1 Percentagens de viabilidade celular com diferentes concentrações dos extratos. ................................... 24

    1.2.2 Determinação da CMNC e da CC50......................................................................................................................... 26

    2. Atividade Anti-herpética ........................................................................................................................................ 26

    2.1. Efeito virucida - efeito direto sobre o vírus. ................................................................................................... 26

    2.1.1 Cálculo do IC50............................................................................................................................................................. 29

    2.1.2 Determinação dos índices de seletividade .............................................................................................................. 29

    2.2 Avaliação do efeito no ciclo replicativo ........................................................................................................... 30

    2.3 Estudo do efeito nas proteínas celulares e virais ......................................................................................... 32

    IV. DISCUSSÃO DOS RESULTADOS ............................................................................................................... 35

    1. Citotoxicidade dos extratos .................................................................................................................................. 35

    2. Atividade anti-herpética ......................................................................................................................................... 36

    3. Análise das proteinas ............................................................................................................................................. 40

    V. CONSIDERAÇÕES FINAIS / CONCLUSÕES ............................................................................................ 41

    VI. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................................................. 43

    VII.ANEXOS ............................................................................................................................................................... 48

  • AVALIAÇÃO E CARACTERIZAÇÃO DA ATIVIDADE ANTI-HERPÉTICA DE EXTRATOS AQUOSOS DE PLANTAS DA FLORA PORTUGUESA

    1

    I. INTRODUÇÃO

    I. INTRODUÇÃO

    As infecções em seres humanos provocadas por vírus datam de há milhares de anos, e a infecção pelos

    vírus Herpes Simples (HSV) tipos 1 e 2 continua a ser uma das mais comuns no homem (Nadal, 2003). Nos

    últimos anos tem-se verificado o aumento da infecção, nomeadamente do Herpes Simples tipo 2 (HSV-2),

    especialmente em doentes imunodeprimidos (Fleming et al., 1997). Estes vírus podem causar uma grande

    variedade de doenças nos seres humanos, cuja severidade pode ir de moderada a debilitante, ou mesmo levar à

    morte.

    Existem diversos fármacos eficazes no tratamento da infecção pelo HSV, sendo o aciclovir o mais

    utilizado devido à sua baixa toxicidade e grande eficácia (Elion et al., 1977). Ultimamente, tem-se verificado um

    aumento significativo da resistência a este fármaco, principalmente em indivíduos com infecções virais crónicas e

    doentes imunodeprimidos (Christophers et al., 1998), o que levou à procura de novos agentes anti-herpéticos que

    possam substituir ou complementar alguns dos já existentes, pois a resistência ao tratamento mais comum, faz

    das infecções herpéticas um grave problema de saúde pública mundial.

    Têm sido realizadas pesquisas de potenciais propriedades terapêuticas em produtos naturais e

    respetivos metabolitos, em plantas de várias famílias tais como Asteraceae e Lamiaceae.

    Sendo ainda escassos os estudos sobre extratos aquosos destas plantas, usados desde há milhares de

    anos como chás na medicina popular, e tendo em conta toda a problemática associada à infecção pelo HSV,

    considerámos de grande interesse o estudo da sua atividade antiviral, no seguimento de outros estudos, que têm

    vindo a serem realizados nos Departamentos de Biologia Vegetal (DBV) e de Química e Bioquímica (DQB) da

    Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (FCUL), (Silva, 2010 2; Rodrigues, 2011).

    1.Os vírus Herpes Simplex

    O presente trabalho insere-se no contexto de toda a problemática da infecção por HSV, pela constatação

    crescente de que estes vírus (relacionados com as feridas nos lábios e nos órgãos genitais) serem muito mais

    nocivos do que se pensava e aparecerem em grande percentagem na população. Os dois vírus fazem parte da

    Família Herpesviridae, uma das mais importantes em saúde pública, pois as doenças provocadas por estes vírus

    afetam milhões de pessoas em todo o mundo.

    1.1 HSV-Histórico e Classificação

    Erupções herpéticas são descritas desde os tempos da Grécia antiga, com inicio em descrições de

    lesões cutâneas nos escritos de Hipócrates, médico grego (460/377 A.C.). A palavra herpes deriva da palavra

    grega herpein, que significa rastejar, arrastar, devido ao aspecto das lesões vesiculares no trato bucal e ulcerações

    nos lábios. Estes sintomas caracterizavam a doença Herpes Febrilis descrita por Heródoto, historiador Grego

    (484/425 A.C.) (Whitley, 2001). Constata-se que houve uma epidemia tão grave de chagas labiais na Roma antiga

    que o imperador Tibério (14/26 D.C) proibiu os beijos nas cerimónias públicas (Leo,1982).

    No século XVIII, Jean Astruc, relacionou as lesões herpéticas na pele com as infecções genitais e nos

    princípios do Sec. XIX, a natureza das lesões vesiculares associadas a infecções herpéticas foram caracterizadas,

    mas só em 1893 foi reconhecida a transmissão humana da infecção por HSV de individuo a individuo. (Whitley,

    2001).

  • AVALIAÇÃO E CARACTERIZAÇÃO DA ATIVIDADE ANTI-HERPÉTICA DE EXTRATOS AQUOSOS DE PLANTAS DA FLORA PORTUGUESA

    2

    I. INTRODUÇÃO

    Em 1930, foi descrita pela 1ª vez a resposta imunológica do hospedeiro ao HSV. Os primeiros estudos

    foram realizados por Andrews e Carmichael que identificaram a presença de anticorpos neutralizantes para o HSV

    no soro, em doentes previamente infectados. Alguns destes doentes desenvolveram lesões labiais recorrentes e a

    observação destes acontecimentos levou ao reconhecimento de uma propriedade biológica única do HSV, a

    capacidade que o próprio vírus tem em recorrer mesmo na presença de imunidade humoral – reativação da

    infecção latente – conduzindo assim, ao conceito de latência vírica (Whitley, 2001).

    No entanto, as infecções por herpes eram pouco frequentes e passavam um pouco despercebidas. Só

    desde o final da década de 60, com a revolução sexual, é que a doença tem tido efeitos devastadores entre

    pessoas sexualmente ativas (Leo, 1982).

    Nos últimos 30 anos, com o desenvolvimento da Biologia molecular e da sua aplicação ao estudo das

    doenças humanas, ocorreram grandes avanços científicos que permitiram a deteção de diferenças biológicas e

    antigénicas entre os tipos de HSV, as quais foram demonstradas por Nahmias e Dowdle em 1968. Estes

    investigadores demonstraram que o HSV-1 estava associado a infecções não genitais enquanto o HSV-2 estava

    associado a infecções genitais (Whitley, 2001).

    O grupo de estudo dos vírus Herpes da Comissão Internacional de Taxonomia dos Vírus (ICTV),

    classificou o HSV-1 e o HSV-2 como pertencendo à Família Herpesviridae. Os membros desta família foram

    divididos em 3 subfamílias: Alphaherpesvirinae, Betaherpesvirinae e Gammaherpesvirinae, que se distinguem

    umas das outras por diferentes características virais (estrutura genómica, tropismo celular, citopatologia e

    localização da infecção latente) e pelo poder patogénico e quadros clínicos que provocam. Por sua vez, as

    subfamílias foram divididas em géneros com base nas suas características imunológicas e as especificidades do

    hospedeiro e de acordo com parâmetros mais objetivos (sequência genómica). Assim, os HSV foram classificados

    na subfamília Alphaherpesvirinae e género Simplexvirus (Cleator & Klapper, 2004) a

    Em 2002, o ICTV acordou que os vírus seriam descritos e identificados por números seriados e pela

    família ou subfamília na qual o hospedeiro natural do vírus é classificado (ex: herpesvírus humano 1, herpesvírus

    bovino 1). Os herpes estão altamente disseminados na natureza, encontrando-se em quase todas as espécies e

    foram até ao momento identificadas cerca de 130 vírus, dos quais nove são patogénicos para o homem (quadro

    1)

    Quadro 1 Classificação dos Vírus Herpes humanos (Adaptado de Cleator & Klapper, 2004)

    Nome Oficial Subfamília Género Nome comum / Abreviatura

    Herpesvírus humano 1 Alphaherpesvirinae Simplexvirus Vírus Herpes simples tipo 1 (HSV-1)

    Herpesvírus humano 2 Alphaherpesvirinae Simplexvirus Vírus Herpes simples tipo 2 (HSV-2)

    Herpes vírus humano 3 Alphaherpesvirinae Varicellovirus Vírus Varicela Zóster (VZV)

    Herpesvírus humano 4 Gammaherpesvirinae Lymphocryptovirus Vírus Epstein-Barr (EBV)

    Herpesvírus humano 5 Betaherpesvirinae Cytomegalovirus Cytomegalovirus Humano (CMV)

    Herpesvírus humano 6A Betaherpesvirinae Roseolovirus HHV-6A

    Herpesvírus humano 6B Betaherpesvirinae Roseolovirus HHV-6B

    Herpesvírus humano 7 Betaherpesvirinae ------ HHV-7

    Herpesvírus humano 8 Gammaherpesvirinae Rhadinovirus Sarcoma de Kaposi associado ao vírus herpes

    (KSHV)

  • AVALIAÇÃO E CARACTERIZAÇÃO DA ATIVIDADE ANTI-HERPÉTICA DE EXTRATOS AQUOSOS DE PLANTAS DA FLORA PORTUGUESA

    3

    I. INTRODUÇÃO

    1.2 HSV-Patologias

    A história natural e a patogénese da infecção pelo HSV têm sido entendidas paralelamente com as

    grandes descobertas, nomeadamente com os testes serológicos específicos que distinguem o HSV-1 do HSV-2,

    com drogas antivirais, já que algumas têm provado ser seletivas e especificas na inibição da replicação viral, e na

    técnica do PCR (amplificação em cadeia, do ácido desoxirribonucleico (DNA) Viral) que contribuiu para o

    conhecimento da patogénese e para o diagnóstico desta doença, particularmente no cérebro (Whitley, 2001).

    O HSV-1 e o HSV-2 estão distribuídos mundialmente, mas em países subdesenvolvidos, onde as

    condições de higiene são muito limitadas, a presença de anticorpos HSV-1 é superior a 90% nas crianças com 2

    anos de idade (Lourenço, 2002). O homem é o seu único reservatório e podem causar uma grande variedade de

    doenças. A infecção é caracterizada por fenómenos de latência e recorrência. As suas causas são provavelmente

    múltiplas e o seu mecanismo preciso está ainda por esclarecer.

    A primoinfeção (PI) e a forma recorrente podem ser acompanhadas ou não de manifestações clínicas. A

    forma recorrente, sintomática ou inaparente ocorre apesar de estarem presentes anticorpos específicos, e constitui

    a principal fonte de disseminação dos vírus (Lourenço, 2002).

    Os HSV 1 e 2 estão geralmente associados ao herpes labial e ao herpes genital, respetivamente. Mas o

    herpes genital também pode ser consequência de uma infecção por HSV-1 e o herpes labial de uma infecção por

    HSV-2. As infecções ocorrem após contacto com lesões herpéticas. As partículas virícas transmitem-se por

    contacto direto entre indivíduos, através da saliva, fluidos vesiculares e secreções genitais. As primeiras células

    “alvo” são as epiteliais junto à porta de entrada do vírus, que aí inicia a sua multiplicação. A lesão herpética inicia-

    se com uma pequena mancha pápula-eritematosa que se torna vesiculosa e cujo líquido é rico em partículas virais

    infecciosas.

    O HSV-1 infecta as células epiteliais principalmente ao redor da boca e dos lábios-

    herpes labial (“fever blisters” ou “cold sores”) ou ocasionalmente a região ano-genital.

    Prescott, 2002) a.. É uma doença contraída maioritariamente durante a infância e na maioria

    dos casos a PI é inaparente. Em certos indivíduos a severidade da doença pode ir de

    ligeira, envolvendo a mucosa bucal e gengival (gengivoestomatite), a severa, com dores,

    ulceração na boca, na língua, nas gengivas e face.

    O Herpes ocular geralmente resulta de uma PI ou de uma infecção recorrente geralmente por HSV-1. A

    complicação mais frequente é a ceratoconjuntivite, úlcera da córnea. Em países desenvolvidos, nomeadamente

    nos EUA, é a maior causa de cegueira (Prescott, 2002) a.

    O HSV-1 também pode originar infecções no sistema nervoso central (SNC), encefalite, que na maior

    parte das vezes é mortal; os sobreviventes, na maioria dos casos, ficam com graves sequelas neurológicas.

    (Nazareth et al., 2011).

    Estudos também evidenciam a associação entre o HSV-1 e a doença de Alzheimer (Itzhaki & Wozniak,

    2008).

    A infecção por HSV-2 associa-se principalmente às zonas ano-genitais onde o vírus pode causar

    dolorosas vesiculas, no pénis do homem, na vulva, vagina, cérvix e períneo na

    mulher. As lesões podem ser acompanhadas por uretrite, cistite e adenopatias

    inguinais. Pode haver complicações mais graves como a meningite e

    Fig1: Herpes labial. Fonte: http://jornalvezevoz.blogspot.pt/

    2010/05/herpes-verdades-e-

    mitos-sobre-doenca.html

    Fig.2: Herpes genital (Fonte: http://saudept.com)

    http://jornalvezevoz.blogspot.pt/2010/05/herpes-verdades-e-mitos-sobre-doenca.htmlhttp://jornalvezevoz.blogspot.pt/2010/05/herpes-verdades-e-mitos-sobre-doenca.htmlhttp://jornalvezevoz.blogspot.pt/2010/05/herpes-verdades-e-mitos-sobre-doenca.htmlhttp://saudept.com/

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    4

    I. INTRODUÇÃO

    retenção urinária. O HSV-2 é principalmente transmitido por contacto sexual, por isso a infecção primária ocorre

    geralmente após adolescência. As recorrências podem ser silenciosas ou sintomáticas, numa população adulta

    com seroprevalência de 90 a 95% de pessoas infectadas apenas foram reportadas 38 a 45% de recorrências; por

    isso é grande a disseminação deste vírus, uma vez que a maioria das pessoas desconhecem estar ou haver sido

    infetadas (Cleator & Klapper, 2004) b.

    A Organização Mundial de Saúde (OMS), estima que 536 milhões de pessoas em todo o mundo sejam

    portadoras de HSV-2, herpes genital, doença infecciosa, dolorosa e incurável, que pode causar a morte a recém-

    nascidos e a imunocomprometidos (WHO, 2003).

    Recentemente, verificou-se o aumento da sua incidência em indivíduos infetados com o vírus da

    Imunodeficiência humana tipo 1 (HIV1), onde a presença de HSV-2 aumenta o risco de aquisição e transmissão

    do HIV1 (Freeman et al., 2006; Reynolds et al., 2001; Fleming et al., 1997), e pode acelerar a progressão da

    doença causada por este vírus (síndrome da imunodeficiência humana adquirida - SIDA) – considerada a doença

    emergente mais importante do século XX (Schatzmayr, 2001).

    Estudos epidemiológicos mostram uma interação importante entre HSV e vírus do papiloma humano

    (HPV), sendo a infecção por HSV-2 associada a um aumento de risco para carcinoma cervical invasivo em

    mulheres positivas para DNA do HPV (Smith et al., 2002).

    Em casos de herpes neonatal (por HSV-1 mas predominantemente por HSV-2), a infecção pode ser

    adquirida no útero, durante o parto, ou logo após o nascimento. A doença é grave, pois os recém- nascidos

    apresentam baixa imunidade. Pode haver lesão na pele, olhos, boca, encefalite e doença disseminada em

    múltiplos órgãos. Geralmente leva à morte.

    A gravidade e duração das infecções por HSV, depende do estado imunitário do doente. Em doentes

    imunodeprimidos (doentes com SIDA, doentes com alto deficit de nutrição, doentes submetidos a transplantes e

    tratamentos neoplásicos), em recém-nascidos, em doentes com distúrbios cutâneos, como eczema ou

    queimaduras que permitem a extensa replicação e disseminação do vírus, tanto a infecção primária como a

    recorrente podem ser muito graves e originar complicações resultantes da disseminação visceral do vírus,

    incluindo no SNC.

    Após a PI, o HSV como todos os Herpesvírus permanece no organismo durante toda a vida. Ele difunde-

    se através dos axónios até aos gânglios nervosos sensitivos, onde persiste num estado não replicativo, compatível

    com a sobrevivência celular (estado de latência). Provavelmente o seu genoma integra-se no genoma da célula

    hospedeira, tornando-se o vírus menos antigénico e por isso menos suscetivel ao ataque da resposta imunitária.

    As recidivas (estimativas de 40% Herpes labial e 60% Herpes genital) podem ocorrer devido a situação

    de stress, febre, fadiga, baixa imunidade, infeção respiratória, exposição a luz ultra violeta (UV); os vírus voltam a

    migrar pelos axónios dos gânglios até à mucosa onde há produção de novos vírus por infecção celular (Cleator &

    Klapper, 2004) b.

    A grande importância da infecção por HSV em saúde pública baseia-se, como tal, em termos de

    morbilidade, que pode ser caracterizada por uma longa incidência ou pela sua gravidade. Podem provocar

    infecções neonatais altamente letais ou diminuições físicas e mentais, malformações mais ou menos graves no

    feto. Malformações estas, que podem exigir cuidados diferenciados para toda a vida, obrigando a adoção de

    medidas de carácter social para auxilio daqueles que sofrem e das suas famílias. Estas doenças também podem

    afetar emocionalmente as pessoas que as padecem, levando a sentimentos de culpabilidade, desespero e

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    5

    I. INTRODUÇÃO

    desgosto, provocando distúrbios entre casais e nas pessoas que as rodeiam. Há também a salientar os elevados

    custos que estas doenças acarretam para a sociedade, não apenas em termos de sofrimentos e perda de vida

    mas também em custos económicos. Logo se compreende a grande importância do controlo e tratamento das

    infecções pelo vírus Herpes, incidência do nosso trabalho.

    2. Enquadramento teórico

    Ao longo destes anos de confronto com o HSV, tem-se evoluído no conhecimento do vírus e do

    hospedeiro, desde a genética e morfologia do primeiro, à imunologia e fisiopatologia do segundo.

    Só os compostos que afetam principalmente as vias especificas da replicação do vírus ou os seus

    componentes estruturais são uteis para tratar as infecções; por isso durante muito tempo foi difícil encontrar

    compostos que interferissem especificamente com a atividade viral sem causar prejuízos significativos para a

    atividade celular. A principal razão para a falta de sucesso no desenvolvimento destes fármacos é devido à própria

    natureza dos vírus (são parasitas intracelulares obrigatórios), que são totalmente dependentes dos processos

    metabólicos das células hospedeiras para a sua multiplicação e sobrevivência e muitas vezes os fármacos que os

    controlam são tóxicos para estas células (Madigan et al., 2002) b.

    Por isso é de grande importância o conhecimento da sua estrutura e da interação biológica vírus-célula

    (mecanismo de infeção), para melhor compreender e ajudar na pesquisa e desenvolvimento de tratamentos

    eficazes contra estas infecções.

    2.1 HSV - Morfologia e estrutura

    O vírus Herpes Simples é um vírus de grandes dimensões, a sua

    morfologia observada ao microscópio eletrónico é similar para todos os membros

    da família, revelando uma partícula viral esférica, com cerca de 150 a 200 nm de

    diâmetro. É constituído por quatro elementos estruturais: um core, zona densa de

    eletrões, que contem o genoma viral; uma cápside icosaédrica com 162

    capsómeros rodeando o core (o genoma juntamente com a cápside formam

    a nucleocápside); um tegumento de constituição amorfa e assimétrica, que

    envolve a nucleocápside e um invólucro lipídico, elemento externo do vírus

    com projeções glicoproteicas na sua superfície (Cleator & Klapper, 2004b; Roizman & Knipe, 2001

    a; Prescott, 2002

    b; Madigan, et al., 2002

    c).

    O core contém DNA linear de cadeia dupla com cerca de 150 kpb, que contem pelo menos 50 a 100

    genes. Existem sequências para a codificação de pelo menos 80 proteínas diferentes. A sequência completa do

    genoma do HSV-1 consiste em 152.260 pb e a do HSV-2 em 154.746 pb. O DNA dos viriões contém 68% de

    G+C no HSV-1 e 69% no HSV-2 (Roizman & Knipe, 2001a; Madigan et al., 2002

    a).

    O genoma é constituído por 2 segmentos ligados covalentemente, um longo (L) e um Curto (S). Cada um

    contém sequências únicas e são flanqueados por sequências repetidas invertidas. O DNA está empacotado

    Fig 4: Regiões do genoma HSV-1. (Fonte: Carter.& Saunders, 2007)

    Fig.3: Imagem da Estrutura do HSV obtida por M.E. Observa-se a nucleocápide, tegumento e o invólucro

    com as glicoproteínas. adaptado de :

    http://Darwin.bio.uci.edu/~faculty/wagner/hsv2f.html

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    6

    I. INTRODUÇÃO

    numa forma em que as extremidades do genoma estarão muito próximas pois ele circulariza muito rapidamente

    após libertação da cápside e entrada no núcleo da célula hospedeira.

    A cápside, de natureza proteica, apresenta simetria icosaédrica, medindo cerca de 100 nm de diâmetro.

    É constituída por 162 capsómeros (150 hexâmeros nas faces e bordos e 12 pentâmeros nos vértices) que

    envolvem e estabilizam fisicamente o DNA, cada um dos quais compreende várias proteínas. Fazem parte da

    cápside as proteínas VP5, VP19c, VP21, VP23, VP24 e VP26, denominadas polipétideos do vírião (codificados

    na região UL) (Roizman & Knipe, 2001) a.

    O Tegumento é a estrutura amorfa entre o invólucro e a nucleocápside. Está distribuído

    assimetricamente, dependendo da localização do virus na célula infectada. É constituído também por proteínas:

    vhs (vírus host shut off), VP16 (-TIF, ICP25), VP11-12, VP13-14, VP1-2. Algumas destas proteínas apresentam

    funções importantes nas fases iniciais da replicação viral, logo a seguir à penetração do virião na célula. A vhs é

    responsável pela degradação do RNAm celular e a -TIF é responsável pela formação do complexo pré-inicial,

    dando origem ao processo de transcrição viral (Roizman & Knipe, 2001) a.

    O invólucro, de natureza lipoproteica é a estrutura externa do vírus. Consiste numa bicamada lipídica de

    natureza celular que contem na sua superfície espiculas (glicoproteínas do vírus), que são mais numerosas e

    pequenas que aquelas que aparecem na superfície de outros vírus com invólucro (Cleator & Klapper, 2004) a.

    Estudos de microscopia eletrónica mostram que o invólucro viral tem a típica aparência trilaminar e parece derivar

    das membranas celulares, modificado pela inserção das glicoproteínas virais. Das cerca de 30 proteínas

    diferentes, conhecidas do vírião, pelo menos 11 encontram-se na superfície externa do invólucro e pelo menos 10

    são glicosiladas, (glicoproteínas, gB, gC, gD, gE, gG, gH, gI, gK, gL, gM), que estão diretamente envolvidas na

    adsorção e penetração dos vírus à célula hospedeira e resposta imunológica. As maiores diferenças antigénicas

    entre HSV-1 e HSV-2 encontram-se em algumas destas proteínas de superfície, nos seus epítopes específicos.

    (Cleator & Klapper, 2004) b. Apresentam diferentes massas moleculares, capazes de conferir identidade

    antigénica e biológica aos vírus (Lupi, 2003). A gG apresenta diferenças a nível da sequência de aminoácidos

    suficientes para ser utilizada como marcador na serotipagem do HSV-1 e HSV-2 (Cheshenko & Herold, 2002). As

    gB, gC e gD apresentam importância crítica em relação à resposta imunológica anti-HSV, sendo indispensáveis

    para a replicação viral nas células infectadas. As gB e gC participam na adsorção inicial à célula, por ligação com o

    recetor sulfato de heparina e a gD participa na adsorção logo a seguir, por ligação com outros recetores e na

    penetração e libertação posterior do virião. As gE e gI são recetores para as IgG, a gH e gC para a fração C3b do

    complemento. Por isso os anticorpos anti-HSV não protegem uma infeção por estes vírus (Lupi, 2003; Rux, 2002).

    A gB do HSV-2 e outras glicoproteínas (gD e gH-gL) são alvos importantes no desenvolvimento de terapias, tais

    como microbicidas tópicos que poderão prevenir a transmissão sexual e perinatal do HSV-2 (Cheshenko &

    Herold, 2002).

    Por outro lado a existência do invólucro confere grande fragilidade às partículas virais e condiciona o seu

    modo de replicação e propagação (Lourenço, 2002).

    2.2 HSV - Ciclo replicativo

    Toda a interação do vírus com a célula, nomeadamente a sua ligação, a sua entrada, a desagregação da

    cápside, transcrição e síntese proteica, replicação do DNA, montagem do vírião e saída da célula são os pontos

    essenciais na replicação viral e alvos importantes no desenvolvimento de terapias.

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    7

    I. INTRODUÇÃO

    Os vírus HSV são caracterizados por apresentarem um ciclo replicativo curto, citolítico (em culturas

    celulares totalmente permissivas todo o processo leva cerca de 18 a 20 horas (Roizman, & Knipe, 2001) a,b

    ). A

    infecção começa quando o vírus é introduzido numa lesão da pele ou

    membrana mucosa (oral ou genital). A sua entrada nas células envolve

    várias interações entre as glicoproteínas da superfície externa do invólucro

    viral e os componentes (recetores) da superfície das células permissíveis.

    Esta entrada é realizada em três etapas (Carter & Saunders, 2007):

    ▪ Ligação inicial do virião à superfície celular, mediada pela fixação

    das glicoproteínas virais gC e gB a proteoglicanos, principalmente

    moléculas de sulfato de heparina. Estas moléculas são normalmente

    recetores para a adsorção inicial às células, comum para os dois vírus,

    existindo diferenças nos diferentes tipos de células e na suscetibilidade. As

    células epiteliais da zona genital expressam uma sequência de sulfato de

    heparina que reconhece preferencialmente a gB do HSV-2, por isso, esta

    glicoproteína é essencial na adsorção inicial à célula, sendo maior a taxa

    de adsorção com esta proteína que com a proteína gC. Enquanto as

    células da mucosa oral expressam uma sequência de sulfato de heparina que reconhece preferencialmente a

    proteína gC do HSV-1; gB também é importante na adsorção inicial mas a gC é essencial (Cheshenko & Herold,

    2002). As células que não têm estes glicosaminoglicanos expressam outros, e também podem ser infectadas mas

    com menor eficiência.

    ▪ Interacções específicas da proteína gD com outros recetores celulares (superfamília das

    imunoglobulinas; família dos fatores de necrose tumoral), logo a seguir à adsorção de gB e gC (Spear & Martinez,

    2002).

    ▪ Fusão do invólucro com a membrana citoplasmática, (Roizman & Knipe, 2001) b.

    Nesta 3ª e última fase, o invólucro viral funde-se com a membrana celular, com libertação da

    nucleocápside e do tegumento no citoplasma da célula (envolvendo também a ação de algumas glicoproteínas

    virais (gB, gH/gL) (Carter & Saunders, 2007; Roizman & Knipe, 2001b).

    A fase de adsorção e penetração do vírus na célula hospedeira é bastante importante e pode ser alvo de

    drogas antivirais, pois requerem interações entre estruturas específicas do vírus e recetores da membrana

    plasmática.

    Uma vez no citoplasma, a nucleocápside, juntamente com algumas proteínas do tegumento migram

    através do citoesqueleto (microtúbulos) para os poros da membrana nuclear. O DNA viral e uma proteína do

    tegumento, a -TIF, também designada por VP16 ou ICP25 são libertados no núcleo. A VP1-2 (do tegumento)

    terá um papel importante nesta libertação. Uma outra proteína do tegumento, a vhs permanece no citoplasma

    onde causa a desagregação dos polirribossomas da célula e do RNA celular, inibindo assim, a síntese de

    proteínas e o metabolismo celular.

    A transcrição do genoma viral, replicação do DNA e montagem das novas cápsides ocorre no núcleo. O

    DNA ao ser libertado no núcleo circulariza imediatamente e vai ser transcrito pela polimerase celular de RNA tipo

    II, com participação de fatores virais.

    Fig 5: Fases iniciais da infecção: adsorção, fusão e

    penetração (Fonte: http://darwin.bio.uci.edu/~faculty/wagner)

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    8

    I. INTRODUÇÃO

    A síntese de produtos

    génicos é altamente regulada numa

    ordem sequencial em forma de

    cascata (mais de 80 proteínas são

    expressas) e pode ser dividida em 3

    fases: α ou imediata precoce, β ou

    precoce e γ ou tardia. Os produtos

    resultantes de cada fase levam à

    expressão dos genes da fase

    seguinte. A expressão dos genes

    imediatos precoces é ativada pela α-

    TIF por ligação a proteínas celulares

    incluindo a OCT-1 e C1. Formam um complexo ativador transcricional com ligação aos promotores desses genes

    (Roizman & Knipe, 2001a; Cleator & Klapper, 2004

    b). A síntese proteica dos produtos imediatos precoces atinge

    máximos entre as 2 e as 4 horas pós infecção (h.p.i.). Nesta fase são transcritos 5 genes α, os RNAm

    correspondentes são transportados para o citoplasma onde ocorre tradução das 5 proteínas α, (ICP0, ICP4,

    ICP22, ICP27 e ICP47), que são transportados para o núcleo onde vão desempenhar funções regulatórias e

    ativação dos genes β. Da expressão dos genes β (precoces) resulta a síntese de enzimas envolvidas no

    metabolismo do DNA (redutase de ribonucleótidos, cinase de timidina, desoxirribonuclease (DNase), etc), e na

    sua própria síntese, (polimerase de DNA e helicase / primase). A cinase de timidina e a polimerase de DNA são os

    principais alvos terapêuticos atuais, uma vez que são diferentes das enzimas celulares. Esta síntese é observada

    entre as 4 e as 8 h.p.i iniciando-se então a replicação do DNA e a transcrição dos genes γ (tardios). Estes genes

    têm a informação para a síntese de proteínas estruturais da cápide, necessárias à sua montagem, e outras,

    nomeadamente proteínas do tegumento e glicoproteínas (Roizman & Knipe, 2001) a.

    A replicação do DNA é realizada através de um mecanismo de círculo rolante. (Cleator & Klapper, 2004b;

    Roizman & Knipe, 2001a; Carter & Saunder, 2007). É iniciada numa origem de replicação, por interação de

    proteína UL9, o complexo helicase / primase associa-se para criar a bolha de

    iniciação onde depois o complexo polimerase de DNA / UL42 inicia a síntese de DNA.

    A redutase de ribonucleótidos reduz ribonucleótidos a desoxirribonucleótidos criando

    uma pool de substrato para a síntese de DNA. A cinase de timidina fosforila

    pentosidos de purinas e análogos de nucleósidos. O resultado é a síntese de DNA

    numa forma longa concatemérica, que vai sendo clivada em monómeros, e estes,

    são empacotadas em cápsides pré-formadas (montagem das nucleocápsides).

    Proteínas do tegumento associam-se à nucleocápside na membrana nuclear e por

    fusão com a membrana interna adquirem um invólucro temporário. Ao fundirem-

    se com a membrana nuclear externa perdem este invólucro. No citoplasma as

    nucleocápsides são reenvelopadas por vesiculas derivadas do complexo de

    Golgi, já com as glicoproteínas virais. Os novos viriões são transportados para o exterior da célula infectada. Esta

    infecção produtiva da célula produz cerca de 50.000 a 200.000 vírus, resultando na sua destruição devido a todas

    Fig.6: Ciclo replicativo do HSV. (Adaptado de Carter & Saunders, 2007)

    Fig.7: Aquisição, perda, e nova aquisição do invólucro do vírus através da passagem

    pelas membranas. (Fonte: Http://darwin.bio.uci.edu/~faculty/wagner)

    4

    5

    6

    7

    3

    1 2

    4 4 4

    1-Adsorção 2-Penetração 3-Transcrição 4- Tradução 5-Replicação do genoma 6- Montagem 7- Saída da célula

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    9

    I. INTRODUÇÃO

    as alterações estruturais e bioquímicas induzidas por esta replicação do vírus. Quando há sintomatologia

    observam-se feridas labiais, genitais que são o resultado desta lise celular e da resposta inflamatória local, uma

    vez que o fluido presente nas feridas contém grandes quantidades de vírus, resto de células e células de defesa

    (Prescott, 2002) a.

    2.3 Terapia atual

    A terapia antiviral no geral engloba, virucidas, compostos que atuam na partícula viral intacta, antivirais

    que inibem a replicação do vírus e imunomoduladores que são uma classe de compostos que potencia a resposta

    imunológica do hospedeiro.

    Pretende-se que um antiviral tenha um amplo espectro, uma inibição completa da replicação viral, tenha

    capacidade de atingir o alvo sem interferir com o sistema imune do hospedeiro, toxicidade mínima e atividade

    frente a mutantes resistentes.

    Desde a descoberta em 1959 do primeiro composto, que análogos de nucleósidos dominam a terapia

    antiviral. Estes fármacos atuam por competição com nucleósidos naturais pela incorporação no DNA viral

    tornando-se impossível o alongamento da cadeia, interrompendo o processo da replicação viral. A 1ª geração

    destes nucleósidos, inicialmente usados no tratamento da infecção por HSV incluindo a iodoxuridina, a

    trifluorotimidina, a vidarabina e a citarabina, inibem a replicação viral com diferentes graus de eficácia. A sua

    utilização sistémica é limitada devido à sua alta toxicidade, por isso o seu uso é tópico (De Clercq & Field, 2006).

    Os avanços no conhecimento da biologia molecular possibilitaram a identificação de enzimas

    necessárias à replicação viral conseguindo-se diferenciar as funções celulares do hospedeiro.

    O maior avanço na terapêutica foi a síntese do aciclovir (9- (2-hydroxyethoxymethyl) guanine, análogo da

    desoxiguanosina) por Schaeffer, o primeiro de uma segunda geração de análogos de nucleósidos (Elion et

    al.,1977). Foi a primeira droga específica e seletiva a ser comercializada, servindo de protótipo para futuras drogas

    antivirais. Desde então, o aciclovir (nome comercial Zovirax) tem sido utilizado como o agente antiviral mais

    importante no tratamento da infecção pelo HSV, tanto de forma profilática em doentes com risco de reativação do

    vírus, quanto no tratamento. Apesar de não erradicar o vírus é seletivo (apresenta alta afinidade seletiva para a

    cinase de timidina viral) porque a primeira fosforilação que ele sofre é catalisada pela cinase de timidina viral

    garantindo a sua eficácia e segurança. Seguidamente cinases celulares executam as fosforilações subsequentes

    produzindo o aciclovir trisfosfatado, a forma biológica ativa que atua como inibidor competitivo da polimerase de

    DNA, e ao ser incorporado no DNA não permite o seu alongamento (Cleator & Klapper, 2004b; De Clercq, 2001;

    Lourenço, 2002). Contudo, o aciclovir apresenta baixa solubilidade aquosa e baixa biodisponibilidade por

    administração oral (De Clercq & Field, 2006).

    Com a emergência da SIDA na década de 80, houve grande esforço para encontrar medidas eficazes

    para o controlo desta doença, e em muito pouco tempo se conseguiu avanços importantes no controlo do vírus,

    com agentes eficazes (Madigan, et al., 2002) b.

    Nos anos 90, novas drogas, análogas dos nucleósidos, relacionadas com o aciclovir foram lançadas no

    mercado, constituindo até hoje o grupo de compostos mais usados. Vieram solucionar o problema da

    biodisponibilidade do aciclovir, são bem absorvidas no trato gastrointestinal e rapidamente metabolizadas. (De

    Clercq & Field, 2006; Cleator & Klapper, 2004b).

    São eles o ganciclovir, valaviclovir, famciclovir e o penciclovir,

  • AVALIAÇÃO E CARACTERIZAÇÃO DA ATIVIDADE ANTI-HERPÉTICA DE EXTRATOS AQUOSOS DE PLANTAS DA FLORA PORTUGUESA

    10

    I. INTRODUÇÃO

    análogos da guanosina como o aciclovir, constituindo juntamente com este, o tratamento de primeira

    escolha contra a infeção pelo HSV.

    Existe um outro fármaco que também inibe a síntese de DNA viral, o foscarnet que é um análogo não

    nucleósido (análogo do pirofosfato inorgânico) e não precisa de fosforilação. Apresenta toxicidade considerável, o

    seu uso é somente em casos de infecções por estripes resistentes aos análogos dos nucleósidos – constituindo o

    tratamento de segunda linha (Swierkosk, 2004; Cleator & Klapper, 2004b).

    Apesar do aciclovir e respetivos pró-fármacos serem drogas seletivas tem-se verificado o

    desenvolvimento de resistência em doentes sujeitos a esta medicação durante longos períodos e em doentes

    imunodeprimidos, a qual deverá estar ligada ao surgimento de mutações nos genes que codificam as enzimas

    necessárias à replicação viral (Christophers et al., 1998).

    No HSV a resistência aos análogos de nucleósidos está relacionada com mutações nos genes da cinase

    de timidina viral e / ou da polimerase de DNA viral, (Suzutani et al., 2003; Andrei et al., 2005 a).

    Independentemente destes fármacos se tornarem ineficazes quando é estabelecida a resistência aos

    mesmos, os seus efeitos secundários também devem ser considerados. A Idoxuridina e a trifluorotimidina (usadas

    na ceratite herpética) possuem grandes efeitos tóxicos. Tanto o ganciclovir (o mais tóxico), o foscarnet e o aciclovir

    podem levar a alterações renais e consequentemente falha no funcionamento renal e também estão relacionados

    com neurotoxicidade (Olin & Gugliota, 2003; Smith et al., 2010).

    Estes, tal como outros antivirais, não eliminam a infeção viral do organismo, mas atuam reduzindo a

    virulência ou retardando o seu desenvolvimento ao inibir a produção do vírus (inibindo a síntese de DNA), não

    tendo também por isso, qualquer ação na fase latente.

    Um tratamento antiviral ideal deveria reconhecer e inibir o mais especificamente possível a replicação

    viral, sem no entanto afetar as células do hospedeiro, atuar na partícula viral e no mecanismo que permite a

    latência.

    O aumento significativo de estirpes resistentes a estes fármacos (principalmente em doentes com

    infecções virais crónicas), e a toxicidade dos antivirais conhecidos, leva à procura de novos agentes que atuem

    por outro processo, os substituam ou complementem. É necessário a descoberta de novas alternativas

    terapêuticas efetivas para a infecção por HSV, à base de substâncias com potente ação antiviral e com um

    mínimo de efeitos secundários nomeadamente a toxicidade para a célula hospedeira.

    Atualmente, são numerosos os estudos nesta área, de novos produtos, principalmente naturais (Kuo et

    al., 2002; Cheng et al., 2004).

    2.4 Estudos biológicos de produtos naturais

    Nos últimos anos tem-se verificado um grande avanço científico envolvendo estudos químicos,

    farmacológicos e avaliação do potencial terapêutico de certas plantas medicinais e de seus constituintes, onde já

    foram comprovadas ações farmacológicas (Filho & Yunes, 1998).

    Apesar da Medicina moderna estar disponível, a medicina tradicional, à base de plantas tem sido assunto

    de interesse mundial, como alternativa. Os produtos naturais, tanto compostos purificados, quanto os extratos de

    plantas são uma grande fonte de novas moléculas com possíveis efeitos farmacológicos devido à sua grande

    diversidade química. Muitos destes produtos já são explorados há milhares de anos, incluindo o seu uso em

    alimentos, fragâncias, inseticidas, e na medicina popular como analgésicos, antipiréticos, anti-inflamatórios etc.

  • AVALIAÇÃO E CARACTERIZAÇÃO DA ATIVIDADE ANTI-HERPÉTICA DE EXTRATOS AQUOSOS DE PLANTAS DA FLORA PORTUGUESA

    11

    I. INTRODUÇÃO

    Para além deste seu uso é importante salientar a sua contribuição ao longo dos anos para a obtenção de

    vários fármacos utilizados na clinica, como por exemplo a morfina, emetina, colchicina, rutina, etc. Outro aspeto a

    ressaltar é a quantidade de plantas existente no planeta, sendo a maioria desconhecida sob o ponto de vista

    científico. Entre 250 a 500 mil espécies conhecidas só 5% têm sido estudadas fitoquimicamente e uma

    percentagem menor avaliada sob os aspetos biológicos (Filho &Yunes, 1998).

    A organização mundial de saúde (OMS) estima que 80% da população asiática e africana dependam

    deste sistema tradicional de saúde para cuidados de saúde primários, e em países desenvolvidos 70% a 80% da

    população usam este sistema como alternativa ou complemento da medicina clássica (WHO, 2008). Por isso é de

    grande importância a validação científica do potencial terapêutico destes remédios tradicionais.

    O acesso a uma grande diversidade de compostos antioxidantes e anti-inflamatórios de fontes naturais

    tornou-se bastante significativo, o seu conhecimento encorajou o estudo na prevenção e tratamento de algumas

    doenças humanas, nomeadamente infeções. Extratos de plantas e seus componentes, tem sido objeto de estudo

    com o objetivo de encontrar produtos menos tóxicos e com atividade antiviral. Esta atividade já foi demonstrada

    em alguns trabalhos: (Appendino et al., 2007; Cheng et al., 2004; Swarup et al., 2007; De Logu et al., 2000). Em

    Portugal temos os estudos de Batista et al. (1995) e Gaspar-Marques et al. (2008) que estudaram a atividade anti-

    herpética de duas espécies do género Plectranthus (Família Lamiaceae).

    Estudos biológicos com plantas da flora portuguesa são ainda relativamente limitados. Apenas a partir de

    1999, com o projeto “Aromátic and / or Medicinal Plants in the National Network of Protected Areas”, desenvolvido

    pelo Instituto da Conservação da Natureza, se iniciou a investigação etnobotânica de espécies da flora Portuguesa

    com interesse industrial (Camejo-Rodrigues, 2003; 2007).

    A introdução de medicamentos à base de plantas para uso humano está regulamentada na legislação

    Portuguesa pelo Decreto-Lei nº 176/2006 de 30 Agosto.

    É muito comum em Portugal, como no mundo inteiro a utilização de plantas em chás, emplastros e

    fumigatos, nos tratamentos de diversas doenças. Esta utilização vem por indicação de familiares, vizinhos e

    amigos, sendo esse conhecimento transmitido de geração em geração. Dados da literatura revelam que é muito

    mais provável encontrar atividades biológicas em plantas orientadas pelo seu uso na medicina popular do que em

    plantas escolhidas ao acaso (Filho,V.C. & Yunes, R.A.,1998) e as modernas tecnologias permitem identificar os

    seus compostos ativos e dar explicações sobre seus efeitos benéficos.

    Espécies das Famílias Asteráceae e Lamiaceae são das mais usadas na medicina popular portuguesa,

    merecendo por isso da parte da ciência, a verificação da sua segurança, eficácia, qualidade e potencialidades

    terapêuticas, nomeadamente estudos de ação antiviral, objeto de estudo do presente trabalho.

    2.4.1 Helichrysum italicum (Asteraceae)

    O género Helichrysum Miller pertence à Família Asteraceae, e

    Subfamília Asteroideae, contém cerca de 500 a 600 espécies, distribuídas pelo

    sul da Europa, sudoeste da Asia, sul da India, Austrália e Africa (Lourens et al.,

    2008). O nome Helichrysum deriva das palavras gregas hélios (sol) e chreysos

    (ouro), devido às suas atrativas flores amarelas. Pertencem a este género

    espécies aromáticas, ocorrendo em Portugal a subespécie Helichrysum italicum

    ssp. picardi Boiss & Reuter, conhecida vulgarmente por perpetua-das-areias .

    Fig.8: Helichrysum italicum, Dunas da lagoa de Albufeira (Julho, 2012 )

  • AVALIAÇÃO E CARACTERIZAÇÃO DA ATIVIDADE ANTI-HERPÉTICA DE EXTRATOS AQUOSOS DE PLANTAS DA FLORA PORTUGUESA

    12

    I. INTRODUÇÃO

    Encontra-se principalmente nas areias da costa do Baixo Alentejo e barlavento Algarvio. Pelo seu aroma

    intenso a caril os ingleses batizaram-na de Curry plant, sem nada ter relacionado com o caril da cozinha indiana. É

    uma das plantas medicinais mais conhecidas na zona da bacia mediterrânica, crescendo em solos arenosos nas

    dunas do litoral. Este género é bastante usado na medicina popular em todo o mundo devido às suas

    propriedades anti-inflamatórias atribuídas principalmente à presença de flavonoides (Sala et al., 2001, 2003;

    Appendino et al., 2007).

    No sul de África é muito usado na medicina tradicional, datando já de 1727 os primeiros manuscritos

    onde é referido como tratamento de crises nervosas e histeria. Também é usado no tratamento de distúrbios

    gastrointestinais, dores abdominais, dores de cabeça e principalmente no tratamento de infeções respiratórias.

    Toda a parte da planta é usada e pode ser administrada através de chás, inalação e fumigatos (Lourens et al.,

    2008).

    Estas espécies são constituídas de um modo geral por flavonoides, diterpenos, sesquitepernos,

    acetofenonas, floroglucinol responsáveis pelas suas propriedades medicinais (Lourens et al., 2008). Mas há que

    ter prudência no seu uso pois estudos realizados por Eroğlu et al. (2009), indicaram efeitos genotóxicos e

    mutagénicos de algumas espécies de Helichrysum em culturas de linfócitos humanos.

    Vários estudos têm sido realizados em várias espécies demonstrando atividades antioxidantes (Tepe et

    al., 2005; Albayrak et al., 2010) e antibacteriana (Albayrak et al., 2010). Foi demonstrada atividade anti-HSV na

    espécie Helichrysum aureonitus (Meyer et al., 1996) e na espécie Helichrysum italicum atividades anti-HIV1

    (Appendino et al., 2007), atividades anti-inflamatórias (Appendino et al., 2007; Sala et al., 2001, 2003), e atividades

    antibacterianas (Nostro et al., 2002, 2004). As atividades biológicas de espécies de Helichrysum têm sido

    estudadas em diferentes países, mas são muito poucos os estudos com plantas da flora Portuguesa. Palmeira-

    de-Oliveira e colaboradores em 2011, desenvolveram um lápis medicamentoso de Helichrysum italicum para o

    tratamento do Líquen escleroso. Rodrigues, (2011) realizou um estudo sobre as propriedades biológicas de

    extratos aquosos desta espécie.

    2.4.2 Solidago virgaurea (Asteraceae)

    É uma planta elegante com folhas lanceoladas e flores, cresce até

    1 m de altura, preferindo os ares da montanha. As suas flores dispostas em

    espiga, apresentam uma inflorescência de cor amarela intensa. A espécie

    Solidago virgaurea é a única espécie nativa da Europa, vulgarmente

    conhecida por Vara-de-ouro (Johnson et al., 2007). Floresce de Junho a

    Setembro. É muito usada na medicina popular, como anti-inflamatório,

    antimicrobicida,antineoplásica, analgésica e antipirética (Thiem & Goslinska,

    2002). Há quase 700 anos que algumas espécies de Solidago na Europa, são usadas na fitoterapia, no

    tratamento do trato urinário, em nefrites crónicas, cistites, urolitíase e problemas da próstata (Apati et al., 2003;

    Thiem & Goslinska, 2002). No Brasil, Bagatini et al. (2009) referem o uso de Solidago microglossa, em desordens

    estomacais. Sung et al. (1999) referem o uso da espécie Solidago virgaurea no tratamento de bronquites, úlceras

    e laringites.

    Plantas do género Solidago contêm saponinas, diterpenos, terpenoides, ácidos fenólicos, óleo essencial

    e grandes quantidades de flavonóides nomeadamente rutina e quercetina (Tamura et al., 2009).

    Fig.9: Solidago Virgaurea. (Fonte: http://www.pbase.com/ceya/image/136275385

  • AVALIAÇÃO E CARACTERIZAÇÃO DA ATIVIDADE ANTI-HERPÉTICA DE EXTRATOS AQUOSOS DE PLANTAS DA FLORA PORTUGUESA

    13

    I. INTRODUÇÃO

    Vários estudos têm sido feitos para validar os seus usos na medicina popular. Apati et al. (2003)

    demonstraram propriedades antioxidantes deste género. No Brasil Morel et al. (2006), demonstraram a atividade

    antimicrobiana do extracto metanólico da espécie Solidago microglossa, do seu óleo extraído das partes aéreas e

    de outros componentes isolados frente a várias estirpes de bactérias e leveduras. Foi também demonstrado o

    poder cicatrizante de Solidago microglossa por Neto et al. (2004). Foram demonstradas propriedades analgésicas

    por Silva et al. em 2010 1 no tratamento da dor lombar assim como propriedades anti-inflamatórias por Tamura et

    al., (2009) em extratos de Solidago chilensis. Também foram realizados estudos de citotoxicidade por Bagatini et

    al., (2009) em Solidago microglossa e por Sung et al., (1999) em Solidago virgaurea var. gigantea. Thiem &

    Góslinsk na Polonia, em 2002, evidenciaram a atividade antimicrobiana de extratos etanólicos e metanólicos de

    culturas in vitro de Solidago virgaurea, também Demir et al., em 2009 demonstraram a mesma atividade

    juntamente com a antioxidante de extratos de Solidago virgaurea.

    3. Objetivos

    Tendo em conta o enquadramento teórico atrás referido, o objetivo geral deste trabalho foi:

    Avaliar e caracterizar in vitro, a atividade anti-herpética (anti-HSV-1 e anti-HSV-2) de extratos aquosos obtidos por

    decocções de folhas/caules e flores de duas espécies de Asteraceae da flora Portuguesa:

    Helichrysum Italicum L.SSP.Picardi Boiss & Renter

    Solidago virgáurea L.

    Os objetivos específicos na avaliação desses extratos aquosos foram:

    Estudo da sua citotoxicidade em células Vero.

    Estudo do seu efeito virucida (efeito direto na partícula viral).

    Estudo do seu efeito no ciclo replicativo.

    4.Quadro metodológico

    A avaliação da atividade anti- herpética dos compostos efetuou-se diretamente sobre suspensões virais e

    em células infectadas.

    A fase inicial de pesquisa de novos antivirais geralmente envolve rastreio relativamente à sua

    interferência na replicação viral em culturas celulares. Dado que os HSV, como todos os vírus, só se replicam no

    interior de células vivas, a sua replicação requer o uso de hospedeiros adequados. Apesar do homem ser o seu

    único reservatório natural, os vírus Herpes simplex são facilmente cultiváveis e propagáveis em laboratório,

    podendo infetcar culturas celulares permissivas.

    As células utilizadas neste trabalho foram células Vero, de linhagem continua. Esta linhagem celular é

    normalmente utilizada em estudos in vitro de replicação viral e ensaios em placa, pois são sensíveis à infeção por

    vários vírus, nomeadamente os herpes. Mantêm-se viáveis após sucessivas passagens, crescendo em

    monocamada a 37ºC, aderentes às paredes de frascos ou placas, em meio líquido que contenha aminoácidos e

    fatores de crescimento, necessários ao seu metabolismo, e ao qual se adiciona antibióticos para evitar

    contaminações.

    Estes estudos também envolvem a incubação de células não infectadas com os compostos, para análise

    de danos celulares (morte ou inibição da replicação celular), de modo a evitar escolher compostos e ou

  • AVALIAÇÃO E CARACTERIZAÇÃO DA ATIVIDADE ANTI-HERPÉTICA DE EXTRATOS AQUOSOS DE PLANTAS DA FLORA PORTUGUESA

    14

    I. INTRODUÇÃO

    concentrações que inibam a replicação viral devido aos seus efeitos tóxicos nas células. Por outro lado, pretende-

    se que qualquer candidato a fármaco apresente toxicidade mínima ou nenhuma para a célula hospedeira.

    A citotoxicidade foi avaliada por observação da morfologia celular até 72 horas de incubação através de

    um invertoscópio com objectivas de contraste de fase, e através do ensaio quantitativo de redução mitocondrial do

    sal de tetrazolium (MTT). Este ensaio baseia-se na redução do sal Tetrazólio – MTT (Composto hidrossolúvel que

    apresenta cor amarelada em solução) por redutases (desidrogenases) mitocondriais de células metabolicamente

    ativas, formando-se cristais azuis de formazano, insolúveis em água que se depositam no citoplasma celular.

    Estes cristais são solubilizados através de um solvente orgânico, por exemplo o dimetilsulfóxido (DMSO) e

    posteriormente analisados por espectrofotometria, com leitura a 570 nm. As desidrogenases mitocondriais são

    enzimas apenas ativas em células com metabolismo e cadeia respiratória intacta. Deste modo, quanto menor for

    a viabilidade celular menor será a redução do MTT e menor a coloração (menos cristais de formazano formados),

    logo menor o sinal espetrofotométrico. O teste MTT foi efetuado de acordo com o descrito por Mosmann (1983),

    com algumas modificações.

    Através deste ensaio determinamos a concentração máxima não citotóxica (CMNC), a que corresponde

    à quantidade máxima do extrato tolerado pelas células sem lhes provocar a morte, isto é, a que apresenta uma

    viabilidade perto da do controlo (100%). Foi determinada também a concentração que inibe em 50% a viabilidade

    celular (CC50). Estas concentrações foram obtidas por regressão linear, relacionando as percentagens de

    viabilidade celular em função das concentrações testadas.

    O primeiro ensaio para avaliar a atividade anti-herpética dos extratos foi a determinação do efeito virucida,

    isto é, estudou-se o efeito dos produtos diretamente sobre as partículas virais através de incubações em diferentes

    tempos, seguindo-se as respetivas titulações.

    Quando os compostos apresentam um efeito virucida observa-se um aumento na taxa de inibição da

    infecciosidade como consequência da diminuição do título do vírus. O título do vírus, isto é, a sua quantificação, foi

    realizado através do ensaio da redução da infecciosidade em placa. Este, é o ensaio biológico quantitativo mais

    utilizado para vírus. É um ensaio de infecciosidade em culturas celulares. Foi originalmente desenvolvido para

    estudo de bacteriófagos por d’Herelle em 1900, e foi adotado para vírus animais por Dulbecco e Vogt em 1953,

    baseado na capacidade que uma partícula viral infecciosa tem em originar uma área macroscópica de

    citopatologia numa cultura de células em monocamada (Condit, 2001).

    Os vírus Herpes podem ser quantificados através dos seus efeitos nas células hospedeiras que infectam.

    Neste contexto uma unidade vírica infecciosa é a unidade mais pequena que causa um efeito detetável num

    hospedeiro suscetivel (Madigan et al., 2002) c. Mediante a detecção do número de unidades infecciosas por

    volume de amostra pode-se obter uma estimativa da quantidade de vírus. Esse efeito detetável em células que

    crescem em monocamada, é geralmente uma zona de lise, zona de destruição de células devido à infeção viral,

    que se traduz no aparecimento de uma área clara chamada placa. Assume-se que cada placa é originada a partir

    da replicação de um único virião. Para tal acontecer é adicionado, a seguir à infecção um meio tal, em que os vírus

    libertados de uma só célula apenas se possam propagar às células vizinhas, permitindo conter estes vírus só nas

    vizinhanças da primeira célula infectada e assim possam formar focos de infecção ou placas. Após um período

    conveniente de incubação, podem-se contar as placas formadas (zonas claras) depois de coloração das células

    viáveis. O poder infectante é expresso pelo número de unidades formadoras de placas por mililitro (PFU/ml).

  • AVALIAÇÃO E CARACTERIZAÇÃO DA ATIVIDADE ANTI-HERPÉTICA DE EXTRATOS AQUOSOS DE PLANTAS DA FLORA PORTUGUESA

    15

    I. INTRODUÇÃO

    A evidência que o composto interfere com a partícula viral pode ser quantificada através do ensaio de redução de

    placas ou seja, pela inibição da formação de placas virais devido à redução da sua infecciosidade em

    consequência da incubação com o agente antiviral. É o ensaio de referência de testes de suscetibilidade do HSV

    (Swierkosz et al., 2004).

    Realizamos também o estudo da atividade anti-herpética utilizando os extratos na sua CMNC nos ciclos

    replicativos dos vírus em estudo. Estes ensaios foram realizados em diferentes estágios de infecção viral. Esta

    abordagem permite verificar se a produção de novas partículas virais é afetada quando se adicionam as

    substancias a estudar a células infectadas ou anteriormente à infecção, e poderá também elucidar sobre a fase do

    ciclo replicativo do vírus em que os extratos poderão atuar, comparando os resultados com os das células

    infectadas nas mesmas condições, mas não tratadas com osextratos.

    Nos casos em que se verificou um efeito antiviral (houve uma redução significativa dos títulos dos vírus

    produzidos naquelas condições experimentais) foi avaliada a sua ação na síntese e processamento de proteínas

    virais por análise eletroforética de proteínas virais e de células infectadas.

    Durante os procedimentos realizaram-se vários controlos: células não tratadas com os extratos e não

    infectadas, células tratadas e não infectadas, células infectadas e não tratadas, células incubadas com DMSO,

    vírus incubados com DMSO e células infectadas e tratadas com um composto de síntese química (ácido

    rosmarínico), que foi identificado como sendo o componente principal da atividade anti-herpética de extratos de

    Melissa officinalis usados para tratar lesões cutâneas provocadas por infeções por Herpes Simplex (Tóth et al.,

    2003, Gaby, 2006; Mazzanti et al., 2008; Sanchez-Medina et al., 2007); está presente na maior parte das espécies

    da família das Lamiaceae e apresenta interessantes propriedades biológicas: antivírica (Swarup, et al., 2007),

    antibacteriana, anti-inflamatória e antioxidante (Petersen & Simmonds, 2002; Falé et al., 2009) e ainda

    antiacetilcolinesterase (Falé et al., 2009).

    A B

    Fig.10 Placas virais. A - Vírus não

    tratado (controlo). B - Vírus tratado. É visível a redução de placas na presença

    do agente antiviral.

  • AVALIAÇÃO E CARACTERIZAÇÃO DA ATIVIDADE ANTI-HERPÉTICA DE EXTRATOS AQUOSOS DE PLANTAS DA FLORA PORTUGUESA

    16

    II. PARTE EXPERIMENTAL

    II. PARTE EXPERIMENTAL

    Todos os procedimentos que envolveram o manuseamento de culturas celulares e de vírus foram

    realizados em condições de assepsia e segurança. Trabalhou-se numa câmara de fluxo laminar classe II

    (Biohazard) mantendo assim o ambiente estéril de modo a evitar qualquer de tipo de contaminação, do produto,

    do operador e do ambiente. A bancada de trabalho era desinfetada no início e no final do trabalho e irradiada com

    luz UV durante 15 minutos. O material utilizado (pipetas, microtubos, tubos Falcon, pontas com filtro) era estéril e

    descartável. O material de vidro era lavado e esterilizado em autoclave (121ºC). Reagentes, armazenados a 4ºC

    foram pré aquecidos a 37ºC (meios de cultura, PBS, Tripsina), antes de cada utilização.

    1. Materiais

    Neste trabalho foram estudadas substâncias naturais, extratos aquosos de folhas/caules e de flores, de

    plantas portuguesas, e uma substância de síntese química.

    Estes extratos, na forma liofilizada, foram cedidos pela Professora Doutora Lia Ascensão (DBV- FCUL e

    Centro de Biotecnologia Vegetal). Estes liofilizados e a substância de síntese química foram denominados de C1,

    E3, E4 e E6, de modo a permitir uma identificação e designação mais simples nas experiências realizadas.

    1.1 Ácido Rosmarínico

    C1- Substância de síntese química adquirida à Sigma Aldrich, ref: 536954; PM 360,31 g/mol. Fórmula

    química: C18H16O8.

    1.2 Helichrysum italicum Miller.

    E3- Ramos florais

    E4- Ramos vegetativos (caules/folhas)

    Foram colhidos em populações naturais que crescem em terrenos arenosos entre a Comporta e Melides,

    em Maio e Junho de 2010 e de 2011, dos quais se prepararam extratos aquosos.

    Foi feita um excicata que se encontra depositada no Herbário do Jardim Botânico da Universidade de

    Lisboa, com o seguinte código: H. italicum (LISU 236684)

    1.3 Solidago virgaurea L.

    E6- Ramos vegetativos (caules e folhas)

    Foram colhidos em populações naturais, em Alcobaça, em Maio e Junho de 2010 e de 2011, a partir dos

    quais se preparam extratos aquosos.

    Foi feita uma excicata que se encontra depositada no Herbário do Jardim Botânico da Universidade de

    Lisboa, com o seguinte código: S. virgaurea (LISU…,)

    1.4 Linha celular

    Neste trabalho foram utilizadas células Vero, referência CCL-81 da American Type Culture Collection

    (ATCC). São fibroblastos de linhagem contínua, com origem em rim de macaco verde africano (Cercopithecus

    acthiops).

  • AVALIAÇÃO E CARACTERIZAÇÃO DA ATIVIDADE ANTI-HERPÉTICA DE EXTRATOS AQUOSOS DE PLANTAS DA FLORA PORTUGUESA

    17

    II. PARTE EXPERIMENTAL

    1.5 Vírus

    Neste trabalho foram utilizados vírus de estirpes selvagens Herpes Simples tipo 1 SC 16 (HSV-1) e

    Herpes Simples tipo 2 HD (HSV-2). Foram adquiridos à ATCC.

    Os vírus foram mantidos a 4ºC ou a -80ºC, em suspensões em meio de Eagle modificado por Dulbecco

    (DMEM) suplementado com soro bovino fetal (FBS) a 2% e com sulfato de gentamicina a 0,1% (v/v) – (DMEM –

    FBS2), e foram multiplicados em células Vero.

    2. Procedimentos/Métodos

    2.1 Preparação de extratos aquosos

    Os extratos aquosos foram preparados através de decocções. Previamente, o material vegetal fresco foi

    separado em caules/folhas e flores de Helichrysum italicum e caules/folhas de Solidago virgaurea.

    Utilizou-se 20 g desse material que foi cortado e colocado em 200 mL de água destilada em ebulição

    durante 10 minutos (decocção). As decocções foram arrefecidas e posteriormente filtradas em papel Whatman1.

    Estes extratos aquosos foram congelados a -20ºC e posteriormente liofilizados.

    A preparação e liofilização dos extratos aquosos foi efetuada por Rodrigues (2011).

    2.2 Preparação das soluções stock dos extratos

    A partir dos extratos liofilizados guardados a -20ºC e do composto de síntese química, foram sendo

    preparadas soluções stock a 100 mg/mL em DMSO e guardadas a 4ºC.

    A partir delas, prepararam-se as concentrações apropriadas de cada produto, no próprio dia de

    cada ensaio, por diluição em DMEM-FBS2.

    2.3 Cultura celular

    A cultura das células Vero foi realizada em DMEM, suplementado com FBS a 10% e sulfato de

    gentamicina a 0,1% (v/v) – (DMEM-SBF10). Foi realizada maioritariamente em frascos T25 (Nunc). Todos os

    reagentes foram adquiridos à Gibco (Life Technologies).

    Os frascos permitem a multiplicação celular, após a aderência da membrana plasmática das células à

    sua superfície, onde estas proliferam formando uma monocamada.

    Para a cultura inicial partimos de uma alíquota de células guardada a -80ºC. Fez-se uma descongelação

    rápida a 37ºC, centrifugou-se a 1000g durante 2 minutos e decantou-se o sobrenadante. Ressuspendeu-se o

    sedimento em 1 ml de DMEM-FBS10, o qual foi colocado num T25 com 5 ml de meio com FBS a 10%. O frasco,

    para cultivo celular foi mantido a 37ºC em atmosfera húmida com 5% de CO2 (estufa de CO2), deixando a rolha do

    frasco em posição que permite a ventilação, até confluência celular.

    Um ciclo de replicação celular é de cerca de 24 horas com uma taxa de crescimento de 1,25x no 1º dia.

    Uma cultura confluente tem cerca de 2,5x105 células/cm

    2 (Caeiro, 1998). Sempre que a monocamada estava

    confluente realizaram-se subculturas.

  • AVALIAÇÃO E CARACTERIZAÇÃO DA ATIVIDADE ANTI-HERPÉTICA DE EXTRATOS AQUOSOS DE PLANTAS DA FLORA PORTUGUESA

    18

    II. PARTE EXPERIMENTAL

    2.4 Propagação e Manutenção celular

    A propagação celular foi