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SANDRA HELENA DE MESQUITA PINHEIRO

AVALIAO SENSORIAL DAS BEBIDAS AGUARDENTE DE CANA INDUSTRIAL E CACHAA DE ALAMBIQUE

Tese apresentada Universidade Federal de Viosa, como parte das exigncias do Programa de PsGraduao em Cincia e Tecnologia de Alimentos, para a obteno do ttulo Doctor Scientiae.

Orientador: Prof. Jos Bencio Paes Chaves

Co-orientadora: Dra. Deborah dos Santos Garruti

VIOSA MINAS GERAIS BRASIL 2010

SANDRA HELENA DE MESQUITA PINHEIRO

AVALIAO SENSORIAL DAS BEBIDAS AGUARDENTE DE CANA INDUSTRIAL E CACHAA DE ALAMBIQUE

Tese apresentada Universidade Federal de Viosa, como parte das exigncias do Programa de PsGraduao em Cincia e Tecnologia de Alimentos, para a obteno do ttulo Doctor Scientiae.

APROVADA EM: 20 de setembro de 2010.

_____________________________________ Profa. Valria de Paula R.Minim

_____________________________________ Profa Jos Antnio Marques Pereira

_____________________________________ Prof. Paulo Henrique A. da Silva

_____________________________________ Prof. Antnio Renato S. de Casimiro

_____________________________________ Prof. Jos Bencio Paes Chaves

(Orientador)

A Deus e Santa Virgem Maria, meu equilbrio espiritual. A meu filho, Samuel, razo de meu viver. Aos meus pais, Francisco (in memoriam) e Florisa, meu porto seguro. Aos meus irmos, Svio, Sergio, Samara e Junior, pelo apoio total e incondicional, amo vocs.

ii

AGRADECIMENTOS

A Deus e Santa Virgem Maria, por sempre me manterem equilibrada espiritualmente, principalmente nos momentos difceis Universidade Federal de Viosa, e ao Departamento de Tecnologia de Alimentos, pela oportunidade de obteno do Ttulo de Doutor em Cincia e Tecnologia de Alimentos Embrapa Agroindstria Tropical (Embrapa/Cnpat), pela disponibilizao do Laboratrio de Anlise Sensorial para efetuar as anlises das bebidas. Colonial Indstria de Bebidas, em nome do Dr. Cludio Sidrin Targino, pelo total apoio e pela disponibilizao das instalaes. Ao Instituto Tecnolgico de Pernambuco (ITEP), pela realizao das anlises fsico-qumicas das amostras de bebidas. Ao professor Dr. Jos Bencio Paes Chaves, pela orientao, pela amizade e pelo crdito em minha pessoa. Dra Deborah do Santos Garrutti, pela coorientao, pela amizade, pelo apoio e pela competncia na realizao deste trabalho Ao professor Dr. Antnio Renato Soares de Casimiro, pela amizade, pela competncia e pelo apoio de sempre. Ao professor Dr. Paulo Henrique Alves da Silva, pela sua contribuio na realizao deste trabalho. professora Dra Valria de Paula Rodrigues Minim, pelo apoio, pela competncia e pelos conhecimentos em anlise sensorial transmitidos. Fundao Cearense de Apoio e Amparo a Cincia e a Pesquisa (FUNCAP), pela concesso da bolsa de doutorado. iii

Aos meus amigos de sempre, os que conquistei e os que de alguma forma deixei de conquistar, Rosinha, Bessa, Cavour Jr., Marlene, Socorro Bastos, Maria, Otlia Mnica, Patrcia, Elizabeth, Ingrid, Lucinha, Heliofbia, Jaysa, Sr. Demstenes, Neuma, Cinthia, Bruna, Talita e Gerlndia, obrigada por tudo. Ao engenheiro de alimentos, Roney, por tanta ajuda nos dados estatsticos, durante as etapas finais deste trabalho, muito obrigada. Aos julgadores de aguardente de cana e cachaa, da Embrapa/Cnpat e da Colonial Indstria de bebidas, sem eles, este trabalho no se realizaria s marcas de aguardente de cana industrial e cachaa de alambique, cedidas e adquiridas, aos seus produtores, muito obrigada. A todos os funcionrios da UFV, principalmente os do DTA, sempre disponveis durante este trabalho. Universidade Federal do Maranho, CCSST Campus II, em nome do Diretor do Campus, professor Dr. Antnio Jeferson de Deus Moreno e de todos os professores do curso de Engenharia de Alimentos, meus alunos, pela compreenso na realizao deste trabalho. s minhas amigas, professoras do curso de Engenharia de Alimentos, UFMA/CCSST, ngela e Tatiana e professora Mrjory (UFC), obrigada pela fora incondicional.

iv

BIOGRAFIA

SANDRA HELENA DE MESQUITA PINHEIRO, filha de Francisco das Chagas Pinheiro (in memoriam) e de Florisa Maria de Mesquita Pinheiro, nasceu em Parnaba, Piau, em 3 de agosto de 1964. Em julho de 1990, graduou-se em Engenharia de Alimentos, pela Universidade Federal do Cear. Em 1999, tornou-se Mestre em Cincia e Tecnologia de Alimentos pela mesma universidade. Atualmente, Professora Assistente I, do curso de Engenharia de Alimentos da Universidade Federal do Maranho, Centro de Cincias, Sociais, Sade e Tecnologia (CCSST), em Imperatriz, Maranho. Em agosto de 2005, iniciou o curso de doutorado em Cincia e Tecnologia de Alimentos do Departamento de Engenharia de Alimentos da Universidade Federal de Viosa.

v

SUMRIO

Pgina LISTA DE QUADROS ...................................................................................... ix LISTA DE TABELAS ........................................................................................ x LISTA DE FIGURAS ........................................................................................ xii RESUMO ......................................................................................................... xiii ABSCTRAT ...................................................................................................... xv 1. INTRODUO ............................................................................................. 01 2. REVISO DE LITERATURA ........................................................................ 03 2.1. Histrico e evoluo do negcio da aguardente e cachaa................... 03 2.2. Legislao ............................................................................................. 05 2.3. Influncia das etapas de produo nas caractersticas sensoriais da aguardente e cachaa .......................................................................... 08 2.3.1. Fermentao ................................................................................. 08 2.3.2. Destilao ..................................................................................... 10 2.3.3. Envelhecimento ............................................................................. 12 2.4. Importncia dos produtos secundrios na qualidade sensorial da aguardente e cachaa ..................................................................... 18 2.5. Influncia dos contaminantes e defeitos na qualidade sensorial da aguardente e cachaa .......................................................................... 21 2.6. Anlise sensorial da aguardente e cachaa ........................................ 23 2.6.1. Anlise descritiva da aguardente e da cachaa ............................ 28 2.7. Compostos volteis da aguardente e cachaa .................................... 30 2.8. Perfil sensorial de equipes com nmero diferente de julgadores ......... 32 2.9. Anlise multivariada em anlise sensorial ........................................... 34 2.10. Anlise dos componentes principais .................................................. 36 3. MATERIAL E MTODOS ............................................................................. 39 vi

3.1. Material ................................................................................................ 39 3.2. Mtodos ............................................................................................... 40 3.2.1. Anlises fsico-qumicas ................................................................ 40 3.2.2. Anlise sensorial ........................................................................... 43 3.2.2.1. Anlise descritiva quantitativa .................................................... 43 a. Condies do teste .......................................................................... 43 b. Recrutamento e pr-seleo de julgadores ..................................... 44 c. Desenvolvimento da terminologia descritiva .................................... 49 d. Treinamento e seleo final de julgadores ...................................... 54 e. Avaliao das amostras................................................................... 55 f. Anlise estatstica ............................................................................. 55 3.2.3. Anlise do nmero diferente de julgadores ................................... 56 4. RESULTADOS E DISCUSSO ................................................................... 57 4.1. Anlises fsico-qumicas ........................................................................ 57 4.2. Anlise dos compostos volteis ............................................................. 61 4.3. Anlise descritiva quantitativa ............................................................... 65 4.3.1. Avaliao das AMOSTRAS ........................................................... 66 4.4. Anlise dos componentes principais ..................................................... 71 4.5. Anlise do nmero diferente de julgadores por equipe ......................... 75 5. Proposta para um modelo de protocolo de treinamento .............................. 78 5.1. Protocolo para julgadores de aguardente de cana e cachaa ............... 79 5.1.1. Equipamentos necessrios ............................................................. 81 5.1.2. Copos para degustao .................................................................. 81 5.1.3. Preparao da amostra................................................................... 82 5.1.4. Concentrao padro: Teor alcolico ............................................. 82 5.1.5. Preparao para degustao .......................................................... 82 5.1.6. Adio de gua - diluio da amostra ............................................. 82 5.1.7. Escala de atributos.......................................................................... 83 5.1.8. Descrio dos atributos................................................................... 83 5.1.9. Procedimentos para avaliao ........................................................ 84 a. Passo I- Aroma .................................................................................. 84 b. Passo II- Sabor: finalizao, acidez, corpo e equilbrio ..................... 84 c. Passo III- Doura: uniformidade e ausncia de defeitos.................... 85 d. Passo IV- Pontuao ......................................................................... 85 5.1.10. Componentes individuais do resultado ......................................... 85 5.1.11. Detalhamento dos atributos ......................................................... 85 i. aroma ................................................................................................. 85 ii. sabor .................................................................................................. 86 iii. finalizao ......................................................................................... 86 vii

iv. acidez ............................................................................................... 86 v. corpo.................................................................................................. 87 vi. equilbrio ........................................................................................... 87 vii. doura .............................................................................................. 88 viii. ausncia de defeitos ....................................................................... 88 ix. uniformidade .................................................................................... 88 x. impresso global ............................................................................... 89 5.1.12. Defeitos em aguardentes e cachaas ........................................... 89 5.1.13. Resultado final .............................................................................. 90 6.CONCLUSES ............................................................................................. 92 7. REFERNCIAS ........................................................................................... 94 APNDICE ..................................................................................................... 111

viii

LISTA DE QUADROS

Pgina 1 Limites mximos permitidos pelo MAPA dos compostos e contaminantes na aguardente de cana e cachaa ........................ Literatura para aguardente de cana e cachaa que utilizaram ADQ............................................................................................... Caractersticas das amostras de aguardente e cachaa ............... Material necessrio para utilizao no protocolo de treinamento de julgadores de aguardente e cachaa Descrio dos atributos aguardente e cachaa sensoriais para o protocolo de 82

07

2 3 4 5

29 39 80

ix

LISTA DE TABELAS

1 2 3 4 5 6 7 8 9

Pontos utilizados na elaborao das curvas de calibrao em (ppm). Composio das solues aquosas utilizadas no teste de gostos primrios ........................................................................................ Parmetros fsico-qumicos, MAPA 2005, das amostras de aguardente de cana e cachaa ..................................................... Compostos volteis majoritrios das amostras de aguardente de cana e cachaa Resumo da anlise de varincia dos escores sensoriais da equipe de 12 julgadores Resumo da anlise de varincia dos escores sensoriais da equipe de 7 julgadores Valores mdios dos atributos sensoriais das amostras de aguardente e cachaa para a equipe embrapa Valores mdios dos atributos sensoriais das amostras de aguardente e cachaa para a equipe colonial Coeficientes de Correlao de Pearson entre os atributos sensoriais e os dois primeiros componentes principais (12 julgadores)

43 47 63 64 67 68 69 70

74

10 Coeficientes de Correlao de Pearson entre os atributos sensoriais e os dois primeiros componentes principais (7 julgadores)

74

x

LISTA DE FIGURAS

1 2 3 4 5

Ficha de avaliao para o teste de reconhecimento do odor e memria sensorial ......................................................................... Referncias dos aromas utilizados no teste de reconhecimento de odor ............................................................................................... Ficha de avaliao utilizada no teste de gostos primrios Ficha de teste triangular para recrutamento de julgadores de aguardente e cachaa Grfico utilizado na anlise seqencial para a pr-seleo de julgadores

45 46 47 48 49 5051

6a Ficha de atributos para julgadores de aguardente de cana e cachaa6b

Definies para os termos descritores gerados consensualmente pelas equipes e suas concentraes. Descrio dos atributos utilizados para elaborao da ficha consensual entre os julgadores de aguardente de cana e cachaa Ficha de avaliao de aguardande e cachaa ACP dos atributos sensoriais para as amostras de aguardente e cachaa da equipe embrap

7 8 9

52 54 72 72 73 73

10 ACP dos atributos sensoriais para as amostras de aguardente e cachaa da equipe colonial 11 ACP dos atributos sensoriais para as amostras de aguardente e cachaa da equipe embrapa 12 ACP das amostras de aguardente de cana e cachaa da equipe colonial

xi

RESUMO

PINHEIRO, Sandra Helena de Mesquita, D.S. Universidade Federal de Viosa, setembro de 2010. Avaliao sensorial das bebidas aguardente de cana industrial e cachaa de alambique. Orientador: Jos Bencio Paes Chaves. Coorientadores: Deborah dos Santos Garrutti e Valria de Paula R. Minin. O objetivo deste trabalho foi avaliar o perfil sensorial de amostras de aguardente de cana industrial e cachaa de alambique por duas equipes sensoriais distintas. Foram selecionadas 16 marcas comerciais de aguardente de cana industrial e cachaa de alambique no comrcio de Viosa, MG e Fortaleza, CE. Foram realizadas anlises cromatogrficas, utilizando cromatografia em fase gasosa acoplada a espectrometria de massa (GC-MS), analises fsico-qumicas e anlise descritiva quantitativa (ADQ) das amostras de aguardente e cachaa. Para os resultados cromatogrficos e fsico-qumicos, a maioria das amostras atendeu aos Padres de Identidade e Qualidade segundo Legislao Federal do Ministrio da Agricultura, Pecuria e Abastecimento (MAPA), para parmetros: teor alcolico, alcois superiores, furfural, steres totais, cobre, aldedos totais, lcool secbutlico, lcool n-butlico, lcool metlico, acrolena e acidez voltil. Para o parmetro carbamato de etila, algumas amostras no atenderam ao padro legal exigido. Embora no sendo contemplados pela Legislao, os compostos volteis majoritrios das bebidas (acetaldedo, acetato de etila, acrolena, metanol, secbutanol, n-propanol, Isobutanol e lcool isoamlico) tambm foram analisados e mantiveram-se dentro dos nveis esperados. A ADQ foi realizada com duas equipes sensoriais treinadas (a primeira, com 12 julgadores; a segunda, com sete julgadores), considerando 14 atributos sensoriais: cor, irritao, aroma alcolico,

xii

aroma amadeirado, ardncia, sabor alcolico, sabor adocicado, gosto amargo, sabor amadeirado, sabor residual alcolico, gosto residual amargo, sabor residual amadeirado, ardncia residual e adstringncia. Os resultados, analisados segundo os critrios propostos por Stone e Sidel (1974), indicaram que os atributos cor, aroma alcolico, aroma amadeirado e sabor alcolico apresentaram as maiores mdias, sendo considerados os mais representativos pelos julgadores das duas equipes. As anlises estatsticas foram realizadas usando o software SAS 9.0, estabelecendo o perfil sensorial das duas equipes. A anlise dos componentes principais explicou os seguintes percentuais das variaes entre as amostras em relao aos 14 atributos sensoriais analisados: 91,13% - 81,48% pelo CP1 e 9,65% pelo CP2, para a equipe com 12 julgadores; 78,54% - 55,56% pelo CP1 e 22,99% pelo CP2, para a equipe com sete julgadores. O resultado da anlise para identificar o nmero mnimo de julgadores de uma equipe sensorial para aguardente e cachaa, considerou, pelo teste de Duncan p > 0,05, que uma equipecom at trs julgadores pode ser utilizada para analisar sensorialmente estas bebidas. Com base nestes resultados, proposto um modelo para um protocolo de

treinamento de julgadores para anlise sensorial de aguardente de cana e cachaa.

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ABSTRACT

PINHEIRO, Sandra Helena de Mesquita, D.S. Universidade Federal de Viosa, september, 2010. Sensory evaluation of the beverages sugar cane spirits and cachaa. Adviser: Jos Bencio Paes Chaves. Co-advisers: Deborah dos Santos Garrutti and Valria de Paula R. Minin. The goal of the present work was to develop a sensory protocol for the beverages industrial sugarcane spirit and alambique cachaa. Sixteen sugarcane spirits and alambique cachaas commercialized in Viosa (MG) and Fortaleza (CE) were selected. For samples of all of them, chromatographic analyses through Gas Phase Chromatography coupled with Mass Spectrometry (GPC-MS), physicochemical analyses and Descriptive Quantitative Analyses (QDA) were performed. Concerning the chromatographic and physico-chemical analyses, all samples complied with the Identity and Quality Standards established by the Federal Laws of the MAPA (Ministrio da Agricultura, Pecuria e Abastecimento), with regard to: Alcohol Grade, Total Superior Alcohols, Furfural, Total Esters, Copper, Ethyl Carbamate, Total Aldehydes, sec-buthyl Alcohol, n-buthyl Alcohol, Methanol, Acrolein and Volatile Acids. Although this is not a legal exigency, the major volatile compounds (Acetaldehyde, Ethyl-acetate, Acrolein, Methanol, sec-Butanol, nPropanol, Isobutanol and isoamyl-alcohol) were also analyzed and were within the expected levels. QDA analyses were performed with two trained sensory teams (the first one, with 14 assayers; the second one, with 7), by considering 14 sensory descriptors: color, irritation, alcoholic aroma, woody aroma, ardency, alcoholic taste, sweet taste, bitter taste, woody taste, residual alcoholic taste, residual bitter taste, residual woody, residual ardency and astringency. The results, analyzed

xiv

according to the criteria proposed by Stone e Sidel (1974), pointed the descriptors color, alcoholic aroma, woody aroma and alcoholic taste as those with highest averages, indicating that were the attributes more easily perceived by both assayer teams. Statistical analyses were done using the software-package SAS 9.0, by establishing the sensory profile of the two teams and the lowest number of assayers of a sensory team to sugarcane spirit and alambique cachaa evaluation. The principal component analysis explained the following percentages of the variations between the samples, considering the 14 sensory descriptors: 91,13% 81,48% by CP1 and 9,65% by CP2 for the 12 assayers team ; 78,54% - 55,56% by CP1 and 22,99% by CP2 for the 7 assayers team. The Duncan test, with p>0.05, pointed out the 3 assayers team as that with the highest average, followed by 4 assayers one. Based on these results, a protocol model to the training of assayers for sensory evaluation of sugarcane spirit and cachaa is proposed in the end of this document.

xv

1. INTRODUO

A aguardente de cana e a cachaa foram uma das bebidas que mais investiram em controle de qualidade e marketing para mudar de status, prospectar no mercado internacional, e sepultar de vez o preconceito que ameaava a bebida. As empresas tornaram as garrafas e os rtulos mais sofisticados, detalhes que surtiram efeito na estratgia de internacionalizao do produto. Segundo dados divulgados pelo Instituto Brasileiro da Cachaa (IBRAC-2009), a exportao de aguardente de cana e da cachaa em 2008 aumentou 20% em volume e 18% em valor, comparado com 2007. So produtos de importncia econmica crescentes, cuja grande aceitao no mercado nacional e internacional impe uma melhoria na qualidade destes produtos, e assim o estabelecimento de um controle qumico e sensorial bem superior ao existente. Verificando o volume de produo nacional da aguardente de cana e da cachaa, torna-se fcil entender sua importncia scio-econmica. Cerca de 1,3 bilhes de litros so produzidos anualmente (ABRABE, 2009), volume que tem sido constante durante os ltimos anos. Deste volume produzido anualmente no Brasil, 30% so de cachaa de alambique e 70% da aguardente de coluna ou industrial. A conquista de um espao no mercado externo depende, porm, do estabelecimento de padres de qualidade para essa bebida, assim como de mtodos analticos apropriados que permitam garantir a manuteno desses padres. 1

A diferena entre cachaa e aguardente, ou seja, a diferena entre a bebida produzida com tecnologia tradicional e aquela produzida com tecnologia industrial de h muito conhecida por produtores e consumidores destes destilados. Entretanto, a despeito das diversas pesquisas realizadas sobre produo e qualidade sensorial destas bebidas nos ltimos 10 a 15 anos, ainda no se tem resultados que possam consolidar ou caracterizar cientifica e tecnicamente esta diferena. A evidncia mais clara desta falta de diferenciao que o prprio Ministrio da Agricultura, em seu papel de fiscalizar a produo e a comercializao da bebida, do ponto de vista sanitrio, ainda no conseguiu estabelecer padres de identidade e qualidade diferenciados, para a cachaa e para a aguardente de cana, embora a definio das duas bebidas j esteja consumada. Em pesquisas cientficas sobre aguardente e cachaa, encontram-se estudos de composio qumica e alguns testes sensoriais simplificados, excetuando os trabalhos desenvolvidos na Universidade Estadual Paulista (GUAGLIONONI, 2009; MAATELLI, 2006; CARDELLO e FARIA, 1999; CARDELLO e FARIA, 1998), Universidade Estadual de Campinas (JANZANTTI, 2004) e Universidade Federal de Viosa (CARVALHO, 2001; YOKOTA, 2002; YOKOTA et al., 2003; YOKOTA, 2005; ARAJO, 2010). H um interesse concreto dos produtores de cachaa, manifestado por todos os movimentos de liderana do setor, tanto no Estado de Minas Gerais quanto em outros Estados do pas, nesta diferenciao de qualidade e, que os pontos positivos da cachaa em relao aguardente industrial sejam levados ao conhecimento dos consumidores. Esta diferenciao dever ser feita tendo em vista o processo e o ambiente de fabricao e os indicadores de qualidade qumica e sensorial das bebidas. Neste contexto, o objetivo desta nossa proposta contribuir com resultados de pesquisa de campo e de laboratrio, para o estabelecimento do perfil comparativo entre equipes de julgadores treinados para avaliar a qualidade sensorial das bebidas aguardente de cana industrial e cachaa de alambique, gerando desta forma um modelo para protocolo de recrutamento, seleo e treinamento de equipes de julgadores para qualificao do destilado genuinamente brasileiro.

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2. REVISO DE LITERATURA

2.1. Histrico e evoluo do negcio da aguardente e da cachaa A histria da cachaa se confunde com a prpria histria do Brasil. Foi a primeira bebida destilada na Amrica Latina, descoberta entre os anos de 1534 e 1549, a partir do processo de produo do acar de cana. Ali surgia a aguardente de cana genuinamente brasileira, denominada cachaa. Hoje, a terceira no mundo, com cerca de 5 mil marcas, 30 mil produtores no Brasil e volume anual em torno de 1,3 bilho de litros/ano. A aguardente de cana e a cachaa so considerados o terceiro destilado mais consumido no mundo e no mercado nacional tem 86% do market share do mercado de destilados. Estima-se que no Brasil existam 1,2 milho de pontos de vendas de cachaa (ABRABE, 2009). Hoje ocupam as gndolas dos supermercados e hipermercados e delikatessem aguardentes e cachaas que variam de R$3,00 a R$250,00. Estima-se, tambm; que atualmente j temos cerca de 5.000 marcas registradas e disputando espao no mercado o que torna a competio por espao nas gndolas uma luta acirrada. A mdia de crescimento desse mercado vem se mantendo em torno de 10% ao ano, desde a dcada de 1990. Em 1980, o consumo nacional per capita foi da ordem de 4,8 litros; em 1990 subiu para 7,0 litros; em 2000, chegou a 11,0 litros; havendo estimativas de que em 2015 alcance a marca de 15,0 litros anuais por consumidor. Alguns

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institutos indicam, todavia, um consumo na faixa de 5,2 litros per capita (IBRAC, 2009) Segundo o Decreto no 6.871, de 4 de Junho de 2009, que regulamenta a Lei no 8.918, de 14 de julho de 1994 e que dispe sobre a padronizao, a classificao, o registro, a inspeo, a produo e a fiscalizao de bebidas:Aguardente de cana a bebida com graduao alcolica de 38 a 54% vol a 20 C, obtida de destilado alcolico simples de cana-de-acar ou pela destilao do mosto fermentado de cana-de-acar, podendo ser adicionada de acares at 6 g/L, expressos em sacarose. Cachaa a denominao tpica e exclusiva da aguardente de cana produzida no Brasil, com graduao alcolica de 38 a 48% vol a 20 C, obtida do mosto fermentado de cana-deacar com caractersticas sensoriais peculiares (BRASIL, 2009).

As exportaes brasileiras da aguardente de cana e da cachaa ganharam forte impulso nos ltimos anos. Em 2003 e 2004, somados, foram negociados 17 milhes de litros com o exterior gerando uma renda de aproximadamente U$ 20 milhes. Apenas nos oito primeiros meses de 2005 o volume de negcios chegou a aproximadamente 7 milhes de litros. O Brasil exporta este produto para 45 pases, mas essas vendas no atingem 1% da produo nacional que varia de 1,3 bilho a 2 bilhes de litros. Apesar desses nmeros, o Brasil exporta pouco e de forma inadequada, pois se estima que um tero do produto vendido a granel, o que torna difcil o controle de origem e a agregao de valor ao produto. Os principais clientes destas bebidas no mercado internacional so: Alemanha, Paraguai, Uruguai, Portugal, Angola, Estados Unidos, Argentina, Itlia, Blgica, Espanha, Chile, Frana e Holanda. A Alemanha nossa principal importadora de destilado com 2 milhes de litros em 2004 (RODRIGUES; OLIVEIRA, 2006). Em geral, os produtores de aguardente de cana e cachaa tentam impor suas marcas e lay out aos consumidores estrangeiros em vez de, a partir de uma pesquisa de tendncias do mercado, comportamento e expectativas dos consumidores, estabelecerem um padro nico para o produto. Isso decorre da errnea hiptese de que aquilo que nos agrada 4

automaticamente agradar a qualquer um em qualquer lugar. Mesmo sendo um preceito bsico em marketing, a maioria das empresas que se aventura no mercado externo no dispe dos recursos ou mesmo motivao necessria para construir adequadamente o perfil e imagem de seus produtos. 2.2. Legislao O Ministrio da Agricultura, Pecuria e Abastecimento (MAPA) publicou em junho de 2005 a Instruo Normativa no 13 que reitera a definio de cachaa e de aguardente e estabelece novas classificaes para o produto envelhecido. A cachaa Premium deve conter 100% de cachaa, ou aguardente, envelhecida por um perodo no inferior a um ano. J a Extra Premium tambm deve conter 100% de cachaa, ou aguardente, mas com envelhecimento mnimo de trs anos. A terceira categoria a envelhecida, que contem pelo menos 50% de cachaa reservada por um perodo no inferior a um ano. As normas exigem controle sobre contaminantes como carbamato de etila, acroleina, lcool sec-butlico, lcool n-butlico, chumbo, arsnio, cobre e metanol (BRASIL, 2005). No dia 21 de dezembro de 2001, o ento Presidente da Repblica Fernando Henrique Cardoso, assinou um Decreto no 4.062, reconhecendo a exclusividade de uso da indicao geogrfica cachaa por parte do Brasil. Essa medida impe patente sobre a expresso cachaa, preservando o produto nacional. Outra medida tomada pelo governo federal foi proteger a identidade da bebida no pas regulamentando uma definio legal para a cachaa estabelecida no Decreto Federal no 4.072, de janeiro de 2002. Agora o Brasil aguarda a definio da Organizao Mundial das Aduanas (OMA) para solicitao de um cdigo de enquadramento da cachaa ou da aguardente, sendo este diferente do rum. Na ltima dcada algumas leis foram regulamentadas para padronizar as condies tcnicas e higinicas de trabalho para a produo da bebida, bem como dar carter empresarial ao setor. A Lei Federal no 8.918, de 14 de julho de 1994, dispe sobre padronizao, registro, inspeo, produo e fiscalizao de todas as 5

bebidas alcolicas, inclusive a cachaa, alm de sucos produzidos no Brasil. Esta lei, regulamentada pelo Decreto Federal no 2.314, de 4 de setembro de 1997, traz indicaes de caractersticas tcnicas e responsabilidades de fiscalizao de bebidas em geral. O licenciamento do produto para comrcio est a cargo do Ministrio da Agricultura e do Abastecimento, por intermdio da Secretaria Nacional de Defesa Agropecuria (SDA). A Instruo Normativa no 13/2005 dispe sobre os padres de identidade e qualidade da aguardente de cana e cachaa, mencionando especificamente os seguintes itens: grau alcolico e teores de acares totais, acidez voltil em cido actico, alcois superiores (expressos pela soma do lcool n-proplico, lcool isobutlico e alcois isoamlicos), furfural somado a hidroximetilfurfural, aldedos em acetaldeido e steres totais em acetato de etila. Em Minas Gerais a cachaa tambm foi regulamentada com a edio da Lei da Cachaa de Minas, Lei Estadual no 11.949, de 11 de julho de 2001, que estabelece o padro de identidade e as caractersticas do processo de elaborao da Cachaa de Minas. Com esta lei, o produtor pode vislumbrar a profissionalizao e a remodelagem dos estabelecimentos tradicionais, maiores facilidades de comercializao do produto e legitimao dos padres de identidade e qualidade da cachaa mineira. (SEBRAE, 2005). Outra iniciativa adotada pelo governo mineiro foi a criao do Programa Mineiro de Incentivo Produo de Aguardentes de Qualidade (PrCachaa), Lei no 10.853/1992, regulamentada pelo Decreto Estadual no 34.645/1993, que estimulou a organizao e mobilizao dos produtores de cachaa em entidades ou cooperativas. Esta medida proporcionou aos pequenos produtores algumas facilidades de comercializao do produto e de difuso de conhecimentos para melhorar e/ou aprimorar a qualidade do destilado produzido (AMPAQ, 2007) Observa-se no Quadro 1, os Padres de Identidade e Qualidade exigidos pela MAPA, para as bebidas aguardente de cana e cachaa.

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Quadro 1 - Limites mximos permitidos pelo MAPA dos compostos e contaminantes da aguardente de cana e cachaaCompostos Grau alcolico real (%v/v) Acidez voltil (mg/100 mL de AA) steres em acetato de etila (mg/100 mL de AA) Aldedos em aldedo actico (mg/100 mL de AA) Furfural e hidroximetilfurfural (mg/100 mL de AA) Soma dos lc. superiores: isoamlico, isobutlico e 1-propanol (mg/100mL de AA) Coef. de congneres (mg/100mL AA) Cobre (mg/L) lcool metlico (metanol) (mg/100 mL de AA) Carbamato de etila (g/L) Acrolena (mg/L de AA) lcool sec butlico (mg/100 mL de AA) lcool n-butlico (mg/100 mL de AA)Fonte: BRASIL, 2005

Limite mximo 38 - 54 150,0 200,0 30,0 5,0 360,0 200,0 650,0 5,0 25,0 150,0 5,0 10,0 3,0

Segundo a metodologia do instituto ADOLFO LUTZ (2007), a anlise sensorial realizada em funo das respostas transmitidas pelos indivduos s vrias sensaes que se originam de reaes fisiolgicas e so resultantes de certos estmulos, gerando a interpretao das propriedades intrnsecas aos produtos. Para isto preciso que haja entre as partes, indivduos e produtos, contato e interao. O estmulo medido por processos fsicos e qumicos e as sensaes por efeitos psicolgicos. As sensaes produzidas podem dimensionar a intensidade, extenso, durao, qualidade, gosto ou desgosto em relao ao produto avaliado. Nesta avaliao, os indivduos, por meio dos prprios rgos, numa percepo somato-sensorial, utilizam os sentidos da viso, olfato, audio, tato e gosto. No Regulamento Tcnico para a Fixao de Padres de Identidade e Qualidade para Cachaa (BRASIL, 2005), referente aos mtodos oficiais de anlises para destilados alcolicos, destilados retificados e alcolicos por mistura, a anlise sensorial segue os seguintes procedimentos: I) Antes da abertura da embalagem da amostra, observar: a) aspecto, colorao, limpidez, presena de corpos estranhos; b)vazamentos (sistema de vedao); c) estufamento (gases) estado da embalagem; II) No ato de abertura da embalagem, verificar: a) imediatamente: o odor e a presena de 7

gases (adicionados propositalmente ou devido a alguma anormalidade); b) por degustao: possvel alterao da amostra; III) Aps abertura da embalagem: a) Para eliminar interferentes (lcool, acidez e outros), submeter a amostra ebulio moderada e, se necessrio prosseguir a ebulio at obteno de um resduo, dissolver com um pouco de gua e realizar a degustao: b) Para isolar componentes especficos, realizar extraes com ter etlico (com meio cido e meio neutro) e evaporar o solvente em banho-maria. Degustar, ento, o resduo ou soluo aquosa do mesmo. 2.3. Influncia das etapas de produo da aguardente e cachaa nas caractersticas sensoriais O controle de qualidade das etapas de produo da aguardente de cana e da cachaa tem fundamental importncia, para agregar valor s caractersticas sensoriais do produto. Alm disso, necessrio que os produtores, principalmente os pequenos, atualizem seus conhecimentos tecnolgicos e introduza novas tcnicas de anlises de controle, como a anlise sensorial, garantindo que a bebida chegue ao consumidor conforme as exigncias legais. necessrio que o controle de qualidade seja mantido durante todo o processo produtivo das bebidas, seguindo passos de um fluxograma de produo, tanto seja numa grande indstria como num pequeno alambique. Pode-se dizer ainda que, a identidade de um determinado produto, ou as caractersticas fsico-qumicas e sensoriais que o tornam distinto de outros produtos similares, dependem fundamentalmente, de quatro aspectos bsicos: da matria-prima utilizada na sua obteno; das caractersticas do processo utilizado; das caractersticas do produto final e, de como o produto final percebido pelos sentidos humanos, ou seja, de seu perfil sensorial. 2.3.1. Fermentao da aguardente e cachaa O aroma e o sabor so caractersticas que diferenciam, identificam e oferecem qualidade a alimentos e bebidas. Vrios so os fatores que

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influenciam nestas caractersticas. Neste sentido, mais de 100 compostos j foram identificados em vinhos e bebidas destiladas. Em vinhos e brandies, foi demonstrado que os steres e alcois superiores produzidos durante o processo fermentativo das leveduras contribuem para o aroma destas bebidas. O aroma de frutas presente no vinho, brandy, saqu e em outras bebidas atribudo a compostos como o caproato de etila (ma), acetato de isoamila (banana) e acetato de 2-feniletil (frutas, flores e mel) (YOSHIZAWA, 1999; FALQU et al., 2001; NONATO et al., 2001; LILLY et al., 2006). Estudos sobre a produo de compostos aromatizantes pelas leveduras utilizadas na produo de bebidas, tm tido grande impulso nos ltimos anos, como uma estratgia de melhoria da qualidade sensorial do produto. Isto tambm se explica pelo fato de que o consumo da cerveja, vinho e destilados tem aumentado significativamente. Na produo da aguardente de cana e cachaa, a fermentao produz alm do etanol, seu principal componente, uma variedade de outros compostos denominados secundrios que so, juntamente com outros compostos formados durante a destilao e o envelhecimento, os principais responsveis pelo aroma e sabor tpicos destas bebidas (FARIA, 2003). Em estudo desenvolvido por (OLIVEIRA e ROSA, 2005) foram produzidas 10 aguardentes utilizando-se 10 diferentes linhagens de leveduras, uma para cada aguardente, sendo 6 Saccharomyces cerevisiae, alm de Cndida apicola, Kloeckera javanica, Pichia subpelliculosa e Schizosaccharomyces pompe. As aguardentes foram padronizadas com teor alcolico de 38-39GL e submetidas a teste de aceitao, utilizando-se escalas hednicas de nove pontos. Atravs dos resultados obtidos os autores verificaram que as aguardentes produzidas apresentaram variaes nos teores e nas relaes entre os principais compostos volteis, mas estas no resultaram em diferenas perceptveis em relao ao aroma, sabor e impresso global. A aguardente produzida pela S. pombe foi uma exceo, com aroma considerado pior em relao a uma linhagem de Saccharomyces que mostrou tendncia para melhores atributos, o que indica que as leveduras no-Saccharomyces estudadas, presentes nas fermentaes artesanais de caldo de cana, no exercem influncia negativa sobre a qualidade sensorial da cachaa. 9

2.3.2. Destilao da aguardente e cachaa O conhecimento de substncias de impacto sensorial que compem uma bebida destilada fundamental no monitoramento da produo, na modificao de suas caractersticas e/ou no controle de qualidade da bebida. Na destilao ocorre a separao, a seleo e a concentrao destas substncias. Segundo Faria (2000), o mosto, que aps a fermentao passa a ser denominado vinho, apresenta uma composio varivel de substncias gasosas, slidas e lquidas. O gs carbnico, dissolvido em pequena proporo no vinho, seu principal componente gasoso. Os slidos so basicamente constitudos pelas clulas de leveduras e bactrias, sais minerais, acares que no fermentaram e impurezas mecnicas em suspenso. A fase lquida do vinho constituda pela gua e pelo etanol, componentes mais importantes do ponto de vista quantitativo, e em quantidades menores pelos chamados compostos secundrios, principais responsveis pelas caractersticas sensoriais das bebidas destiladas. Quando o vinho de cana submetido ao processo de destilao, resultam duas fraes denominadas flegma e vinhaa. A primeira, que o produto principal da destilao do vinho, constituda de uma mistura hidroalcolica impura, cuja graduao depende do aparelho utilizado na destilao do vinho de cana. A vinhaa, que recebe vrias denominaes regionais, tais como vinhoto, garapo, restilo, etc., o resduo da destilao do vinho de cana. Sua riqueza alcolica deve ser nula, porm, nela se acumulam todas as substncias fixas do vinho de cana, bem como uma parte das volteis (NOGUEIRA & FILHO, 2005). O material de construo do alambique influencia o teor de compostos volteis. Segundo estudos realizados por (FARIA; POURCHET, 1989) e (NASCIMENTO et al., 1998), aguardentes destiladas em alambiques de cobre apresentaram teores de aldedos e metanol superiores s aguardentes destiladas em alambique de ao inox, que por sua vez continham teores maiores de dimetilsulfeto, alcois superiores e steres. Segundo (FARIA et al. 1993), a utilizao de ao inoxidvel na construo de alambiques afeta as caractersticas sensoriais da aguardente, reduzindo

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a qualidade sensorial e produzindo um odor de enxofre desagradvel no produto final. Uma alternativa a utilizao de cobre nos alambiques, capaz de reduzir significativamente os teores de dimetilsulfeto, o principal composto responsvel pelo defeito sensorial das aguardentes de cana destiladas na ausncia de cobre (FARIA, 2000). A bidestilao, como o prprio nome diz, consiste em realizar, no mnimo, duas destilaes sucessivas, podendo esta ser efetuada tanto em alambiques intermitentes como em colunas contnuas. Este processo permite a obteno de uma aguardente de qualidade superior a qualquer outra proveniente de uma nica destilao, apresentando teor alcolico, acidez, sabor e aroma agradveis. (NOGUEIRA & FILHO, 2005) A bidestilao da aguardente de cana, prtica normalmente adotada na produo de outras bebidas destiladas, como o whisky, o conhaque e o rum, foi proposta pela primeira vez por NOVAES (1994), visando a obteno de um destilado mais leve para ser posteriormente envelhecido. Recentemente, vem sendo implementada a tcnica de bidestilao, visando a reestruturao do perfil dos compostos orgnicos secundrios das aguardentes de cana produzidas em alambiques, com o objetivo de obter uma bebida sensorialmente diferenciada, pela seletividade de fraes volteis desejadas, reduo de acidez voltil, do teor de cobre e de steres e visando ainda possibilitar o controle, reduo ou eliminao de compostos no permitidos pela legislao, como metanol, furfural e carbamato de etila (FORLIN, 2005) ROTA (2008) avaliou e comparou atravs de testes de amostras aceitao de cachaa tradicionalmente destiladas e bidestiladas, em

alambiques de cobre e, verificou o efeito do processo de bidestilao em relao aos teores de cobre, carbamato de etila e dimetilsulfeto. Com base nos resultados referentes s amostras destiladas no alambique de cobre, constatou que o processo de bidestilao melhorou a aceitao em relao ao sabor, a impresso global, aroma alcolico, sabor de lcool e sabor residual. J nas amostras obtidas em alambique de ao inoxidvel, a bidestilao somente apresentou efeitos positivos na aceitao em relao aos atributos aroma, aroma alcolico e sabor residual. Com base, portanto, nos resultados obtidos, foi possvel afirmar que o processo de bidestilao 11

aponta para resultados positivos do ponto de vista sensorial principalmente quando na segunda destilao for utilizada alambiques de cobre. Os resultados obtidos revelaram tambm que tanto do ponto de vista sensorial quanto em relao contaminao por cobre e outros compostos indesejveis eventualmente presentes, a bidestilao pode representar opo vlida para um melhor controle da produo e da padronizao da aguardente de cana e cachaa. 2.3.3. Envelhecimento da aguardente e cachaa A aguardente de cana e cachaa recm-destilada, de colorao branca, apresenta um sabor agressivo e levemente amargo. O envelhecimento, alm de melhorar o aroma e o sabor, pode modificar a colorao, de branca para amarelada, e tornar a bebida macia, aveludada, atenuando a sensao secante do lcool. O envelhecimento em tonis de madeira mais recomendvel, no havendo a necessidade de prvio arejamento, j que a porosidade da madeira permite o fluxo do oxignio. A madeira internacionalmente admitida como sendo a melhor para bebidas o carvalho, seja de origem francesa ou americana. As madeiras nacionais mais usadas para envelhecimento de aguardente e cachaa so: blsamo, jatob, freij, ip, amburana, peroba, jequitib, louro, grpia, e outras, de acordo com as disponibilidades regionais. As condies climticas sugeridas para o envelhecimento so: o uso de local fresco, com temperatura entre 15 e 20 C, umidade relativa de 70 a 90%, e com arejamento adequado (CAMPOS, 2000; YOKOYA, 1995). O envelhecimento em tonis de madeira considerado uma das etapas mais importantes no processo de fabricao da aguardente de cana e cachaa, porm ainda considerado etapa opcional pela Legislao Brasileira (BRASIL, 2003). Esta, define cachaa envelhecida como a bebida que contm, no mnimo, 50% de cachaa ou aguardente de cana envelhecida em recipiente de madeira apropriado, por um perodo no inferior a um ano, podendo ser adicionada de caramelo para a correo da cor. Por outro lado, a realizao do blend ou misturas entre bebidas envelhecidas e bebidas recm destiladas um procedimento tradicionalmente

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empregado por tradicionais produtores de vrias regies do mundo, chegando inclusive a ser um diferencial entre uma ou outra marca de destilado. Esta operao a nica empregada em escala industrial e descrita oficialmente para a aguardente brasileira, o que feito inclusive com a adio de acar e caramelo. Isto resulta em graves problemas para a nossa bebida que contribuem na conduo incorreta dos cortes, no atesto dos tonis mais antigos provocando alteraes no padro e no tempo de envelhecimento, o que ainda piorado pela capacidade excessivamente elevada dos tonis utilizados que variam de 2 000 a 50 000 litros, diminuindo a relao rea de contato/volume (CAMPOS, 2000). A Instruo Normativa no 13, de 29 e junho de 2005 acrescenta na definio, que o recipiente para o envelhecimento da aguardente deve ter capacidade mxima de 700 litros (BRASIL, 2005). De acordo com PIGGOTT et al. (1989), o envelhecimento de bebidas consiste em armazen-las adequadamente em barris de madeira por um tempo determinado, ao que produz mudanas na composio qumica, no aroma, no sabor e na cor da bebida e, portanto, na qualidade sensorial. Durante o envelhecimento ocorrem inmeras transformaes, incluindo as reaes entre os compostos secundrios provenientes da destilao, a extrao direta de componentes da madeira, a decomposio de algumas macromolculas da madeira (lignina, celulose e hemicelulose) e sua incorporao bebida e ainda as reaes de compostos da madeira entre si e com os componentes originais do destilado. Diferentes estudos j demonstraram que o envelhecimento da aguardente de cana em tonel de carvalho promove o aumento da aceitao e mudanas favorveis no perfil sensorial (CARDELLO e FARIA, 1997). Com o decorrer do tempo de envelhecimento, novas caractersticas sensoriais so desenvolvidas, como aroma e sabor de madeira, aumento da intensidade e durao da doura, colorao amarela e a diminuio significativa da agressividade e do aroma e sabor alcolico (CARDELLO; FARIA, 1998). O carvalho uma madeira importada e seu custo torna-se 13

dispendioso ao setor produtivo da aguardente de cana e cachaa envelhecida. Dada a grande variedade de madeiras brasileiras e a dependncia externa relacionada com o uso do carvalho, vrios estudos tm sido feitos para avaliar a viabilidade do uso de espcies de madeiras brasileiras para este fim. Um estudo desenvolvido por FARIA et al. (1996), revelou que madeiras nacionais podem proporcionar a obteno de aguardentes com aceitao sem diferenas significativas do carvalho. Madeiras como pereiro, jatob, blsamo, pau darco e amendoim no apresentaram diferenas significativas em relao ao aroma; amendoim e pereiro em relao ao sabor e amendoim e louro em relao cor quando comparadas ao carvalho. Em contrapartida, um estudo realizado por Boscolo (1996) comparando aguardentes envelhecidas por 12 meses em tonis (8 L) de carvalho, amendoim e pereiro, a madeira de maior aceitao foi o carvalho. (BORRAGINI e FARIA 2010) avaliaram a reduo do tempo de envelhecimento da cachaa, utilizando a circulao forada da bebida em ancorotes de carvalho (Quercus sp) e verificaram o efeito da presena de ar no sistema introduzindo uma etapa de aerao, realizada diariamente durante doze minutos. As amostras assim obtidas foram comparadas com amostras do mesmo lote, submetidas, porm, ao processo tradicional de envelhecimento. Os resultados revelaram que as amostras de cachaa submetidas ao processo de envelhecimento forado sob aerao apresentaram, ao longo de seis meses, menor extrao dos componentes da madeira, menor teor de acidez e aceitao ligeiramente superior em relao aos atributos cor, aroma, sabor, impresso global, sabor adocicado, sabor amadeirado e agressividade, quando comparadas s amostras submetidas ao envelhecimento tradicional, revelando que a injeo de ar no sistema de circulao forada pode influenciar positivamente algumas caractersticas fsico - qumicas e sensoriais. YOKOTA (2002) tambm realizou estudos envolvendo a aceitao de cachaa envelhecida 24 meses em vrios tipos de madeira (angelim, amendoim, jequitib, cedrinho, canela, amburana e blsamo), utilizando-se dois grupos de consumidores, um de consumidores de cachaa envelhecida e outro de consumidores comuns. Foi observada a aceitao pela amostra 14

envelhecida em barril de carvalho pelo primeiro grupo, enquanto para o segundo grupo, a cachaa envelhecida em carvalho no diferiu sensorialmente das amostras de cachaa envelhecida em tonis de amendoim e angelim. A aguardente envelhecida apresenta aspecto, cheiro, cor, gosto e sabor de melhor qualidade. Por isso e pelo seu maior custo de produo, seu preo no mercado tambm maior. evidente que a aguardente envelhecida ser de alta qualidade sensorial se apresentar esta caracterstica quando nova. Uma aguardente de baixa qualidade continuar ruim aps o envelhecimento. O perodo mnimo para o envelhecimento deve ser de doze meses. H tambm processos acelerados, como o tratamento com oznio e outras substncias para conferir aguardente as caractersticas de produto envelhecido. Em trabalho realizado por CARDELLO E FARIA (1997) com o envelhecimento da cachaa em carvalho, foi demonstrado que a aceitao da bebida teve aumento crescente para atributos como: cor, aroma, impresso global. O envelhecimento total foi de 48 meses. Segundo CARDELLO E FARIA (1998), aps este perodo em tonel de carvalho, a cachaa apresentou aroma de madeira, doura inicial e residual, aroma de baunilha, colorao amarela, gosto inicial e residual de madeira pronunciados, sabor inicial e residual de lcool, significativamente inferior aos das amostras obtidas com o tempo de envelhecimento inferior e submetido mesma anlise. Alteraes com os valores de extrato seco ocorrem durante o envelhecimento. Extrato seco o produto resultante da evaporao dos constituintes volteis dos destilados. Este resduo constitudo de material no voltil e compostos inorgnicos das bebidas recm-destiladas e envelhecidas. Uma cachaa recm-destilada apresenta teores de extratos menores que a mesma cachaa quando envelhecida, que tm seus extratos primitivos somados com os valores adquiridos durante o envelhecimento. Deste modo, medida que ocorre o envelhecimento de um destilado em condies normais, o teor de extrato vai aumentando. Porm, este aumento por si s no serve de parmetro de envelhecimento de uma bebida, uma vez que diferentes teores de extratos podem ser encontrados em diferentes bebidas de qualidade renomada. Outros fatores devem ser levados em 15

considerao como: a madeira usada na conservao do reservatrio, o teor alcolico inicial da bebida a ser envelhecida., a temperatura e umidade do ambiente, tipo de tratamento dado madeira e o tempo de envelhecimento (CAMPOS, 2000). De acordo com CARDOSO et al. (2006), 15 a 20 espcies de madeira esto sendo comparadas com o carvalho. Munidos de um espectrmetro de massas de mltiplo estgio, capaz de verificar, por exemplo, a estrutura e o peso molecular de compostos qumicos, os pesquisadores esto analisando substncias chamadas de polifenis extradas da madeira pela bebida. (AQUINO, 2004) Analisou por cromatografia lquida de alta eficincia - CLAE, compostos fenlicos de baixo peso molecular (cido Glico, 5-hidroximetilfurfural, Furfural, cido Vanlico, cido Sirngico, Vanilina, Siringaldedo, Coniferaldedo, Sinapaldedo e Cumarina) em cachaas envelhecidas, originadas das regies produtoras do Estado do Cear e em extratos de Amburana cearensis. O objetivo foi o de estabelecer o perfil destes compostos na cachaa cearense e de avaliar o potencial dos extratos de Amburana como fonte destes compostos para cachaas no perodo de envelhecimento. a conduo O trabalho forneceu importantes informaes para do envelhecimento de

cachaas, com ou sem o emprego de extratos, e ainda para a avaliao da veracidade, ou no, do envelhecimento atribudo a uma cachaa. O tempo de armazenamento ideal deve variar de acordo com as caractersticas do barril (tipo de madeira, idade e tamanho) e com as condies ambientais do local de armazenamento (temperatura e umidade). No , portanto, correto dizer que a bebida melhora de qualidade indefinidamente com o tempo de armazenamento. Quanto maior o tempo de contato do destilado com a madeira, maior ser a extrao de componentes, que, em excesso, podem incorporar um sabor amargo bebida. O contato exagerado com a madeira tambm pode acarretar um aumento indesejvel da acidez voltil, dependendo das condies do barril ou tonel (AQUINO et al., 2006). A literatura internacional, principalmente a referente ao usque e ao vinho, aponta vrios compostos que podem ser utilizados como marcadores 16

de envelhecimento em bebidas. Entre eles, temos os compostos fenlicos de baixo peso molecular (cido Glico, 5-hidroximetilfurfural, Furfural, cido Vanlico, cido Sirngico, Vanilina, Siringaldedo, Coniferaldedo, Sinapaldedo e Cumarina), que so extrados da madeira durante o seu perodo de envelhecimento por vrios mecanismos de degradao da celulose, hemicelulose e da lignina, que se constituem nos componentes majoritrios da madeira (AQUINO et al., 2006). Durante o envelhecimento so gerados outros congneres que agregam valores sensoriais e, consequentemente, financeiros aos destilados. Em funo das peculiaridades existentes no processo de envelhecimento, como: os aspectos da tanoaria (capacidade do recipiente, tipo de madeira, intensidade da sua queima, utilizao do tonel, etc.), os aspectos ambientais (temperatura e umidade) e o tempo de guarda propriamente dito; um destilado pode ser detentor de caractersticas singulares que o valorize e o destaque em relao aos demais. Embora no seja ainda possvel determinar, com exatido o tempo de envelhecimento de uma bebida apenas com base na quantificao dos compostos fenlicos de baixo peso molecular, sua determinao pode ser utilizada como indicativo de sua autenticidade, uma vez que estes compostos no so encontrados em aguardentes no envelhecidas. Esta anlise bastante til no controle de qualidade da bebida, j que a legislao brasileira permite a adio de corante caramelo para correo de cor de cachaas envelhecidas. Entretanto a adio deste corante em cachaas no envelhecidas pode levar o consumidor a crer que est adquirindo um produto envelhecido. Dessa forma, a presena ou ausncia de marcadores de envelhecimento na bebida pode revelar fraude ou atestar sua qualidade (AQUINO et al., 2006). 2.4. Importncia dos produtos secundrios na qualidade sensorial da aguardente de cana e cachaa Produtos secundrios so todas as substncias formadas durante a fermentao alcolica, excetuando, os produtos principais (lcool e gs carbnico). Estes produtos, normalmente, so encontrados em pequenas quantidades e muitas vezes so difceis de serem determinados ou 17

quantificados (YOKOYA, 1995). Considerando-se a aguardente de cana e a cachaa, seu aroma e sabor caractersticos so derivados dos seus compostos secundrios, produtos derivados principalmente da fermentao alcolica que acompanham o destilado e, como todas as bebidas fermento - destiladas, so constitudos basicamente por alcois, aldedos, cidos graxos e steres (FARIA et al., 2003). A acidez de uma cachaa de grande importncia, constituindo um fator de qualidade, uma vez que durante sua produo os cidos reagem com os alcois presentes, aumentando a formao dos steres, que so um dos constituintes responsveis pelo aroma da bebida. O excesso de acidez promove sabor indesejado e ligeiramente agressivo em aguardente de cana, depreciando a qualidade da bebida (CHERUBIN, 1998). Os principais cidos presentes em bebidas destiladas so: frmico, actico, propinico, butrico, cido hexanico, cido decanico, lurico, mirstico e succnico. O cido actico quantitativamente predominante e sua concentrao varia de 60-95% da acidez total (NYKANEN & NYKANEN, 1991). LEHTONEM & JOUNELA-ERIKSON (1983) tambm afirmam que o cido actico constitui 75-85% da quantidade total de cidos presentes nas bebidas alcolicas. Apesar do cido actico ser predominante, o principal cido formado pela levedura o succnico e pode ser obtido por duas vias: a redutiva e a oxidativa, esta, prioritria em leveduras (ALVES, 1994). Muitos produtos secundrios so oriundos de substncias que constituem impurezas do caldo ou de componentes celulares da levedura. Assim, os alcois superiores e parte do cido succnico so resultantes do metabolismo de aminocidos. Responsvel por atuar no aroma de bebidas alcolicas, os alcois superiores, so produzidos, a partir da degradao de alguns aminocidos e sua produo tende a aumentar quando h lentido no processo fermentativo. Variveis como armazenamento prolongado da cana, temperatura no controlada durante a fermentao, pH do mosto, nveis de inoculao, linhagem da levedura, quantidade de nitrognio presente, grau de aerao durante a fermentao, etc., aumento desses alcois superiores (CARUSO et al, 2008) influenciam no

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Os alcois superiores na destilao passam para o destilado juntamente com os steres, que tambm so responsveis pelo aroma caracterstico da aguardente. Em uma aguardente de boa qualidade, os alcois superiores e steres devem estar numa proporo de 1:1 entre esses grupos. O leo fsel, que representa alcois superiores: amilico, isoamilico, propilico, isopropilico e butilico, em teor elevado desvaloriza aguardente. Os alcois hexilico, heptilico e octilico so produzidos em quantidades mnimas. A formao de alcois superiores a partir de aminocidos feita atravs da reao de desaminao e descarboxilao. Assim, a isoleucina resulta em lcool amilico (lcool amilico ativo), a leucina em lcool isoamilico e a valina em lcool isobutlico. A formao de alcois superiores maior quando a fermentao mais demorada resultante da atividade de fermento mais fraco.(YOKOYA, 1995; SOUZA,2006) Os steres podem ser oriundos da reao de esterificao entre um cido e um lcool. Essa reao pode ser catalisada por enzimas, esterase, ou pode ser efetuada quimicamente sem a interferncia de enzimas. Os cidos graxos e alcois liberados das clulas podem sofrer esterificao no vinho e na aguardente dando steres que normalmente possuem aromas bem intensos. O aroma tpico, agradvel, pungente e suave que a aguardente adquire com o envelhecimento, deve-se principalmente formao de steres relativamente aromticos, os quais contribuem para a formao do buqu. So formados em reaes de esterificao entre alcois e cidos carboxlicos durante o processo oxidativo PIGGOTT (1989). O principal ster encontrado na cachaa o acetato de etila que, em pequenas quantidades na aguardente, incorpora um aroma agradvel de frutas; no entanto, em grandes quantidades, confere cachaa um sabor indesejvel e enjoativo. O furfural, um aldedo presente em algumas aguardentes, um composto oriundo das pentoses da madeira, tambm um produto de pirogenao pela queima do material orgnico depositado no fundo das caldeiras dos aparelhos aquecidos a fogo direto, sobretudo de clulas de leveduras. Seu teor varia em funo do contedo desse material no vinho e da intensidade da aplicao do fogo para destilar. O envelhecimento tende a aumentar a concentrao de furfural, devido extrao e modificaes dos componentes da madeira (SINGLETON, 1995; LIMA, 19

1992). A sua formao evitada pela destilao do vinho limpo, livre de substncias orgnicas em suspenso. Nas aguardentes envelhecidas, onde aroma e sabor esto mais suavizados, o furfural pode ser oriundo da ao de cidos sobre as pentoses e seus polmeros (hemicelulose) e portanto, pode ser, pelo menos em parte, proveniente da madeira usada na construo de tonis.(FARIA, 2003) Durante a fermentao alcolica, o gs carbnico formado no citossol (parte lquida do citoplasma) pela reao de descarboxilao do cido pirvico. Essa reao, conduzida por caboxilase do acetaldedo, que produz gs carbnico e acetaldedo (aldedo actico) que reduzido para etanol por uma desidrogenase. O aldedo actico pode ser liberado no vinho em casos excepcionais dando um dos produtos secundrios. Este, e outros aldedos (frmico, butrico, isobutrico, valrico e caprico) participam na composio do aroma e sabor da aguardente. (YOKOYA, 1995). 2.5. Influncia dos contaminantes e defeitos da aguardente e cachaa na qualidade sensorial A Instruo Normativa no 13, de junho de 2005, que reitera a definio de aguardente de cana e cachaa, exige controle sobre contaminantes como carbamato de etila, acroleina, lcool sec-butlico, lcool n-butlico, chumbo, arsnio, cobre e metanol (BRASIL, 2005). Nas cachaas, o cobre aparece com frequncia, principalmente nas destiladas em alambique de cobre. No Brasil permitido atualmente um limite mximo de 5 mg/L (BRASIL, 2005) porm, o mesmo no ocorre quando se trata do mercado internacional, pois o excesso deste metal considerado nocivo sade pblica (NATIONAL RESEARCH COUNCIL, 1992). A reduo ou eliminao do cobre pode ser obtida com a substituio do cobre dos alambiques por outro material, como o ao inoxidvel, desde que se use o cobre na parte ascendente. O uso deste dispositivo de cobre se faz necessrio para a manuteno das caractersticas sensoriais da bebida, evitando o aparecimento de odor de enxofre quando a destilao realizada em alambiques de outros materiais (FARIA, 2003) H correlao negativa entre os teores de enxofre das aguardentes de cana e sua aceitabilidade (ISIQUE et al., 1999). O defeito da qualidade de 20

aguardentes destiladas na ausncia de cobre foi relacionado primeiramente com altos teores de enxofre (FARIA et al., 2004) e mais recentemente com a presena de dimetil sulfeto, que em concentrao acima de 5,0 ppm pode causar o defeito sensorial de enxofre (TOLEDO & FARIA, 2004). Alguns dos compostos presentes nos destilados podem ser consumidos nas reaes qumicas que ocorrem durante o envelhecimento. A acrolena, que tem um forte odor pungente, transformada aps dois a trs anos em 1,1,3 - trietoxipropano. Alguns compostos sulfurados tambm decrescem durante o envelhecimento. A extrao da madeira indispensvel para o decrscimo de compostos dimetilsulfeto (FARIA et al., 2000). Considerando-se as indesejveis caractersticas sensoriais dos compostos sulfurados e o papel negativo que podem representar na qualidade das aguardentes, ISIQUE, CARDELLO e FARIA (1998) submeteram amostras de aguardentes de cana, de quatro diferentes marcas comerciais, a testes de aceitabilidade quanto ao aroma, sabor e impresso global, realizados por uma equipe de 30 julgadores, em cabines individuais, utilizando-se escala hednica de 9 centmetros. Os autores verificaram que h uma correlao negativa e significativa (p0,05) entre os teores de enxofre e a aceitabilidade das amostras de aguardentes. Outros contaminantes relacionados com a produo de aguardente so a presena de etil carbamato e de hidrocarbonetos aromticos policclicos (BETTIN et al., 1999). O etil carbamato, que ocorre naturalmente em baixas concentraes na fermentao de bebidas alcolicas, apesar de no ser voltil, pode contaminar a bebida atravs da destilao de seus precursores (uria e lcool etlico) (BOSCOLO et al., 2002). A uria pode ser produzida durante o processo fermentativo, devido ao metabolismo das leveduras ou ser adicionada, atravs da suplementao, dorna de fermentao (POLASTRO et al., 2001). No caso de hidrocarbonetos aromticos policclicos, a contaminao pode ocorrer no caldo durante a extrao nas moendas, por contaminao dos leos lubrificantes ou durante a destilao em colunas. O envelhecimento em barris de madeira uma etapa importante na produo de bebidas destiladas, pois afeta acentuadamente na composio 21 sulfurados como o

qumica e na formao do aroma, do sabor e da cor (DIAS et al., 2002). Alm deste fato, o armazenamento em madeira pode funcionar como um impedimento da passagem de luz para a cachaa, visto que a luz pode ser um fator que contribui para a formao do carbamato de etila (BATTAGLIA et al., 1990; NAGATO et al., 2003). Tambm se deve ter uma preocupao com a presena de metais nas cachaas. Foram analisados 15 ons metlicos (ferro, cobalto, potssio, sdio, clcio, magnsio, zinco, mangans, cobre, cromo, nquel, ltio, cdmio, chumbo e mercrio) em 56 aguardentes industriais, 12 cachaas artesanais e 9 bebidas importadas. Os metais considerados txicos, como mercrio e cdmio, no foram detectados ao nvel de mg/L. Chumbo, zinco e cobre estavam presentes em concentraes muito baixas, no constituindo risco para a sade dos consumidores de cachaas. Porm, algumas cachaas artesanais apresentaram teores elevados de alguns metais, ultrapassando os limites de concentrao previstos por lei; isto se deve falta de controle qumico e sensorial dos produtos obtidos por pequenos produtores (NASCIMENTO et al., 1999). Os aminocidos, juntamente com os polissacardeos, as dextranas e os polifenis podem participar do processo de formao de precipitados em bebidas fermentadas e destiladas, denominados de flocos, que no so prejudiciais sade ou ao sabor, mas depreciam o aspecto visual da bebida e concomitante sua qualidade sensorial. Alm disso, os aminocidos so possveis precursores do carbamato de etila, como no caso da arginina, cuja degradao pelas leveduras produz ornitina e uria (POLASTRO et al., 2001). 2.6. Anlise sensorial da aguardente e da cachaa No mercado brasileiro, convivem atualmente, dois produtos que apesar de terem o mesmo nome cachaa e a mesma matria prima: a cana-de-acar tem processos de produo diferenciados e so sensorialmente produtos distintos, estamos falando da aguardente de coluna ou industrial e a cachaa de alambique. Uma cachaa de qualidade necessita de cuidados desde a colheita

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da cana destilao do vinho. Bem conduzidas todas as etapas do processamento, esta apresentar, caractersticas qumicas dentro das especificaes legais. Porm, a falta de tempo necessrio para o descanso pode frustrar as expectativas sensoriais dos consumidores mais exigentes, em funo da presena de substncias de odor e sabor desagradveis (NOGUEIRA; VENTURINI FILHO 2005). A aguardente de cana e a cachaa so muito apreciadas por seu sabor e aroma caractersticos, que so decorrentes dos processos de fermentao, destilao e envelhecimento em tonis de madeira, sendo denominada de bebida envelhecida a que contiver no mnimo 50% de aguardente de cana e/ou cachaa envelhecida em barris de madeira, por um perodo no inferior a um ano, podendo ser adicionada de caramelo para a correo da cor. Claramente impulsionado pela necessidade de conquista do mercado externo, existe um esforo do setor produtivo e dos laboratrios de pesquisa para a melhoria da qualidade da cachaa. A descrio qualitativa e quantitativa dos compostos qumicos presentes em cachaa tem recebido constante ateno por parte de diversos centros de pesquisa. No entanto, a caracterizao da cachaa somente sobre o ponto de vista qumico, apesar de extremamente relevante, no suficiente, necessitando ser complementada pelo conhecimento dos atributos sensoriais da bebida. A definio das substncias de impacto sensorial que compem uma bebida destilada fundamental no monitoramento da produo, na modificao de suas caractersticas e para o controle de sua qualidade. A correlao entre os componentes responsveis pelo aroma, sabor e aspecto visual com a qualidade da bebida so objetos da anlise sensorial. Essa continua sendo a principal forma de avaliar a aceitao das mesmas pela percepo humana. Os testes sensoriais so includos como garantia da qualidade nas indstrias de alimentos e bebidas por diversas razes. Podem identificar a presena ou ausncia de diferenas perceptveis, definirem caractersticas sensoriais importantes de um produto, serem capazes de detectar particularidades que no podem ser detectadas por procedimentos analticos e serem capazes de avaliar a aceitao de produtos (MUOZ et al., 1992). A literatura sobre a qualidade sensorial de cachaa escassa (CARDELLO e 23

FARIA, 1998; YOKOTA, 2005), porm, as crescentes exigncias do mercado tm feito crescer a preocupao com a qualidade dessa bebida. CARDELLO & FARIA (2000) analisaram 11 amostras de aguardentes de cana envelhecidas e no envelhecidas por testes sensoriais afetivos e anlises estatsticas uni e multivariada. As aguardentes estudadas compreenderam seis amostras comerciais de diferentes marcas, (sendo trs no envelhecidas e trs envelhecidas) e ainda outras cinco amostras correspondentes a zero, 12, 24, 36 e 48 meses de envelhecimento em um tonel de carvalho de 200L. As amostras foram avaliadas por 100 julgadores consumidores do produto, recrutados por questionrio de avaliao quanto afetividade. Para os testes afetivos foi utilizada escala hednica no estruturada de 9 cm, sendo os dados obtidos avaliados por dois mtodos estatsticos distintos: o Mapa de Preferncia Interno (MDPREF) e a anlise de varincia univariada (ANOVA) com comparao de mdias pelo teste de Tukey e anlise de correlao. As amostras de aguardente envelhecidas por 12, 36 e 48 meses obtiveram maior aceitao, com mdias ao redor de 7,0 na escala hednica. A amostra com menor aceitao foi a correspondente ao tempo zero de envelhecimento (controle). As demais amostras obtiveram aceitao intermediria. O MDPREF confirmou os resultados da ANOVA, indicando uma maior preferncia dos julgadores pelas amostras de aguardentes envelhecidas. Os resultados sugeriram tambm que aguardentes envelhecidas por mais de 24 meses em tonel de carvalho de 200L so preferidas pelos consumidores, em detrimento das comerciais no envelhecidas e mesmo das comerciais envelhecidas, que podem ser adicionadas de aguardente no envelhecida (processo denominado corte) e tambm ter correo da cor, conforme permite a Legislao Brasileira. (ODELO et al, 2009) analisando o perfil sensorial de 20 amostras de cachaas comerciais, 8 no envelhecidas e 12 envelhecidas, concluram atravs de testes de aceitao e anlise descritiva, utilizando os atributos: oleosidade, intensidade de cor amarela, calor, ardor, doce, acidez, maciez/suavidade, amargor, floral, frutado, madeira e lcool, indicaram que as cachaas melhores classificadas foram as envelhecidas em barris de carvalho por um perodo no inferior a 24 meses. Em contrapartida, as piores cachaas apresentaram como principais caractersticas o no 24

envelhecimento, elevada porcentagem alcolica e elevado teor de dimetilsulfeto. Anlises quimiomtricas de ACP (anlise de componentes principais) e HCA (anlise de agrupamento hierrquico) foram capazes de distinguir as cachaas analisadas por meio das variveis sensoriais. Da anlise de componentes principais (ACP) resultou a identificao de trs grupos distintos formados por amostras envelhecidas em carvalho, envelhecidas em jequitib e no envelhecidas. Confirma-se, portanto, que o envelhecimento da cachaa um importante parmetro para a melhoria da sua qualidade sensorial, uma vez que esta etapa afeta a intensidade da cor amarela, o sabor de madeira, o gosto doce e o aroma de frutas, e diminui os aromas considerados negativos, como acidez, sabor de lcool e amargor. (DORNELLES et al, 2009) Determinando o perfil sensorial e a aceitao da aguardente de cana produzida atravs da fermentao alcolica com grnulos de Kefir e comparando-a ao produto obtido tradicionalmente, concluram que, pelo mtodo de ADQ, utilizando 8 provadores treinados, atravs dos descritores: aroma alcolico e de cachaa, sabor alcolico e de cachaa, gosto amargo e ardncia e pelo teste de aceitao, utilizando 57 consumidores de aguardente, atravs de uma escala hednica estruturada de 9 cm, que a cachaa com Kefir apresentou maior intensidade de aroma alcolico e gosto amargo, obtendo menor aceitao global que a cachaa de levedura. Atriburam essa menor aceitao, da cachaa produzida com Kefir, por esta ser um produto novo com sabor diferenciado do produto tradicional. Entretanto concluram ainda que o produto foi considerado de grande potencial visto que apresentou satisfatrio percentual de aprovao entre os consumidores e que resultados melhores poderiam ter sido obtidos, atravs do envelhecimento da cachaa de Kefir. (ROTA & FARIA, 2009) Com base nos resultados referentes s amostras de cachaa destiladas em alambique de cobre, constataram que o processo de bidestilao apresentou efeitos positivos na aceitao da bebida em relao ao sabor, impresso global, aroma alcolico, sabor de lcool e sabor residual. No caso das amostras obtidas em alambique de inox, a bidestilao somente apresentou efeitos positivos na aceitao em relao aos atributos aroma, aroma alcolico e sabor residual. De acordo com os resultados obtidos, foi possvel afirmar que o processo de 25

bidestilao aponta para resultados positivos do ponto de vista sensorial, principalmente quando se utiliza alambiques de cobre. (MAGNANI, 2009) realizou um estudo comparativo entre amostras de rum e de cachaa obtidas em laboratrio sob condies praticamente idnticas, visando estabelecer seus perfis sensoriais e descrever similaridades e diferenas entre essas bebidas. Obteve quatro amostras, sendo uma de aguardente de melao, outra de cachaa e mais duas envelhecidas, sendo uma de rum e outra de cachaa envelhecida, que tiveram seus perfis sensoriais determinados por Anlise Descritiva Quantitativa (ADQ), por uma equipe de 7 julgadores treinados e selecionados de acordo com seu poder discriminativo, reprodutibilidade dos julgamentos e consenso com a equipe. Para descrever e comparar os perfis sensoriais das diferentes amostras foram levantados e quantificados 17 atributos sensoriais. Os dados obtidos foram submetidos anlise de varincia (ANOVA), testes de mdia de Tukey e anlise de componentes principais (ACP). Os resultados revelaram haver diferenas significativas (p 0,05) entre as caractersticas sensoriais das amostras e onde os dois primeiros componentes principais explicaram juntos 98,49% (ACP) das variaes entre as amostras em relao aos seus atributos sensoriais. Os atributos que contriburam para a diferenciao do rum e da cachaa envelhecida foram cor dourada, corpo, turbidez, aroma amadeirado, sabor amdeirado, sabor adocicado e viscosidade, enquanto que as amostras de aguardente de melao e cachaa sem envelhecer foram diferenciadas pelos atributos aroma metlico, sabor metlico e pungncia. Os resultados mostraram ainda que o processo de envelhecimento proporcionou aumento maior da intensidade dos atributos sensoriais mais favorveis na cachaa envelhecida. (SOUZA, 2006) Identificando as substncias qumicas responsveis pelo aroma de amostras de cachaa de alambique e de rum comercial tratadas pelo processo de irradiao, por meio de anlises instrumentais e sensoriais, afirmou haver forte correlao entre a concentrao dos compostos volteis analisados com a dose de radiao aplicada (0,150 e 300Gy), em todas as amostras. De acordo com os testes triangulares, apenas para aroma, todos os julgadores puderam distinguir nas amostras no irradiadas e irradiadas com 300 Gy, a cachaa envelhecida do rum e a cachaa no envelhecida do rum, porm, no foram observadas diferenas entre a cachaa no envelhecida e a 26

envelhecida. Os resultados da Anlise Descritiva Quantitativa mostraram que as amostras no irradiadas de cachaa no envelhecida e as do rum diferiram entre si em relao aos atributos de aroma definidos como lcool, vinagre, baunilha, citros, melo, condimento, vegetal e grama, mas no em relao aos atributos caramelo e ma. As amostras de cachaas no envelhecidas no irradiadas e irradiadas (300Gy) e as de rum no irradiadas e irradiadas (300Gy) diferiram entre si em relao aos atributos de aroma definidos como ma, caramelo, vinagre, baunilha, citros, melo, condimento, vegetal e grama, mas no em relao ao aroma de lcool. MIRANDA et al.(2006) avaliou e submeteu amostras de cachaa (43 GL) acondicionadas em tonis de carvalho de 20L, a dois tratamentos: com e sem irradiao(150Gy), com o objetivo de acelerar o processo de envelhecimento da bebida. Esses tratamentos foram divididos em dois subtratamentos: com e sem contato com a madeira. O tratamento com irradiao foi ainda subdividido em: irradiao da cachaa e posterior introduo no tonel ; irradiao do tonel e posterior introduo da cachaa; e introduo da cachaa no tonel e irradiao do conjunto (tonel e cachaa). Anlises fsico-qumicas, cromatogrficas foram realizadas periodicamente ao longo de 390 dias do perodo de envelhecimento da bebida. A irradiao da cachaa e do tonel no alterou a maioria dos componentes volteis do coeficiente de congneres como acidez voltil, steres, lcoois superiores e furfural durante os 390 dias. H evidncias, entretanto, de que os parmetros de alguns componentes como aldedos, taninos, cor e teor de cobre so de alguma foram influenciados, resultando em acelerao parcial do processo de maturao ou envelhecimento. Ao final do perodo de envelhecimento, realizou-se um teste de aceitao, com 30 julgadores. A acelerao do processo de envelhecimento foi confirmada pela avaliao sensorial, que a cachaa e/ou tonel irradiados receberam maior indicao de aprovao em todos os parmetros analisados (aroma, sabor e aparncia). 2.6.1. Anlise descritiva da aguardente e da cachaa Um consumidor pode facilmente perceber que duas bebidas so distintas, simplesmente provando-as, porm descrever as sensaes

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percebidas no ato de consumir determinado produto e mesmo quantific-las uma tarefa mais trabalhosa (MAGNANI, 2009). A percepo sensorial que acompanha o consumo de uma bebida ou alimento segue de um modo geral a seguinte seqncia: impresso visual, impresso causada pelo aroma, impresso gustativa, impresso da consistncia ou textura e por ltimo, a impresso causada pelo aroma durante a gustao (MORAES, 1989). Um dos mtodos de grande aplicao na avaliao sensorial a anlise descritiva quantitativa (ADQ), uma tcnica desenvolvida na dcada de 1970. Hoje, pode ser considerado um dos mtodos mais sofisticados para avaliao de produtos utilizando uma equipe de julgadores que desenvolve descritores e emprega escalas para medida de suas intensidades, caracterizando sensorialmente as amostras estudadas por STONE et al. (1974). O principal objetivo da ADQ obter a descrio da qualidade sensorial do produto em funo dos seus atributos (DAMSIO; COSTELL, 1991). Os atributos avaliados incluem o aroma, a aparncia, o sabor e a textura, dentre outros. Pesquisas sugerem que o uso e aplicao de testes sensoriais descritivos tm aumentado, e continuaro dessa forma nos prximos anos (MURRAY et al., 2001). A seguir, esto citados alguns dos trabalhos que utilizaram a anlise descritiva quantitativa para a determinao do perfil sensorial de bebidas como: aguardente de cana e cachaa (CARDELLO; FARIA, 1998; CARDELLO; FARIA, 2000; MARCELLINI, 2000; JANZANTTI, 2004; MORAES, 2004; YOKOTA, 2005; MAATELLI, 2006; SOUZA, 2006; ARAJO, 2010); vinhos (BEHRENS; SILVA, 2000), champagne (VANNIER et al., 1999). Na Tabela 2, pode-se observar a literatura sobre ADQ para aguardente de cana e cachaa. Quadro 2 - Literatura para aguardente de cana e cachaa que utilizaram ADQProduto Aguardente Aguardente Aguardente Cachaa Objetivos Comparar aguardentes obtidas por destilao intermitente e contnua Descrever o desenvolvimento sensorial de aguardente envelhecida at 48 meses em barris de carvalho Obter o perfil sensorial da bebida estocada durante 12 meses em tonis de carvalho jequitib e Angelim Efetuar a caracterizao sensorial de cachaas Referncia Furtado (1995) Cardello e Faria (1998) Carvalho (2001) Yokota

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comercializadas envelhecidas por 24 meses Cachaa Cachaa Cachaa Cachaa Cachaa Cachaa Descrever diferenas sensoriais entre cachaas comerciais orgnicas ou convencionais Determinao de compostos volteis e qualidade de sabor da cachaa Avaliao sensorial descritiva de cachaa envelhecida por 18 a 24 meses: contribuio para um protocolo de qualidade da bebida Determinao do perfil sensorial de amostras comerciais de cachaa Identificao, quantificao e comparao das substncias qumicas responsveis pelos aromas da cachaa de alambique e do rum comercial tratados pelo processo de irradiao Anlise sensorial descritiva de cachaa: proposta de um protocolo preliminar para avaliao da qualidade da bebida

(2002) Yokota (2003) Janzantti (2004) Yokota (2005) Maatelli (2006) Souza (2006) Arajo (2010)

Adaptado Yokota (2005).

As etapas que envolvem a anlise descritiva quantitativa so: recrutamento de provadores, pr-seleo dos provadores, levantamento dos termos descritores, treinamento e seleo dos provadores e avaliao das amostras. Este mtodo estabelece os perfis sensoriais das diferentes amostras aps os dados serem avaliados estatisticamente por anlise de varincia, teste de mdias e Anlise de Componentes principais (STONE; SIDEL,1993). O primeiro trabalho de ADQ realizado em aguardentes foi o de Furtado (1995). Foram avaliadas 11 amostras, sendo cinco obtidas de destilao fracionada em alambiques de cobre, duas obtidas de destilao no fracionada (alambique de cobre, alambique de ao inoxidvel e bandeja de cobre), duas amostras comerciais por nove provadores treinados. Os atributos levantados para aroma foram: lcool, melao de cana, melao de cana fermentado, madeira, erva, frutas, compostos orgnicos e perfume. Para o sabor foram: lcool, amargo, gosto doce, madeira, erva, adstringente e encorpado. PIGGOTT E JARDINE (1979) compilaram atravs de anlise descritiva quantitativa 35 termos descritivos para amostras de whisky com diferentes tempos de envelhecimento. Estudos relacionados com a aguardente de cana se fazem to necessrios quanto urgentes, considerando-se por um lado a crescente exigncia do mercado externo se quisermos aumentar sua expor-tao, e por outro, a necessidade de investirmos na sua qualidade e assim resgatar a importncia dessa bebida tipicamente brasileira. 29

2.7. Compostos volteis da aguardente de cana e Cachaa O sabor das bebidas alcolicas formado por inmeros compostos orgnicos volteis que lhes conferem odor e gosto tpico. Esses compostos podem ser divididos em vrios grupos de acordo com sua natureza qumica. Alcois superiores, cidos graxos e steres quantitativamente e qualitativamente os grupos mais importantes presentes nas bebidas alcolicas, sendo os alcois superiores os mais abundantes (LEHTONEN; JOUNELA-ERIKSSON, 1983; BERRY,1995; MORS, 2009). Uma boa aguardente, segundo JANZANTTI (2004), alm de atender s exigncias legais com relao sua composio, deve tambm apresentar qualidades sensoriais capazes de satisfazer ou mesmo ultrapassar as expectativas de seus consumidores. A aguardente de cana e a cachaa so muito apreciadas por possurem aroma e sabor caractersticos, muitas vezes modificados pela sua estocagem em recipientes de madeira, atravs de reaes que transferem compostos existentes em sua estrutura bebida, melhorando sua qualidade sensorial. Poucos trabalhos foram realizados at o momento com o objetivo de identificar compostos volteis com potencial impacto no aroma da cachaa (MORS, 2009). O aprimoramento da qualidade e da padronizao de aguardentes essencial, para que essas bebidas atendam aos padres internacionais, proporcionando condies de abertura e manuteno do mercado de exportao. Alm disso, pode proporcionar maior aceitao no prprio mercado interno, pelas classes de maior poder aquisitivo (MIRANDA et al., 2006). Alguns estudos j realizados sobre a composio da aguardente de cana referem-se apenas aos componentes volteis majoritrios, por injeo direta da amostra e descritos na legislao, sem procurar estabelecer o papel que esses compostos exercem no aroma da bebida. As variaes na composio de aguardente de cana de diversos fabricantes brasileiros so grandes. Essa variao no s reside no teor alcolico, mas principalmente nos componentes secundrios responsveis pelo aroma e sabor do produto SOUZA, 2006).

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NBREGA (2003) analisou quatro aguardentes de cana (marca lder de So Paulo, uma envelhecida de Minas Gerais, uma do Cear e uma de procedncia clandestina sem marca) foram avaliadas quanto ao seu grau alcolico, acidez voltil, steres, lcool isoamlico e teor de cobre. As amostras de aguardente envelhecida tinham teor de cobre acima do permitido pela legislao. A quantidade de lcool isoamlico foi maior nas aguardentes de So Paulo e do Cear, enquanto o teor de steres foi maior na aguardente envelhecida, como esperado. Considerando-se que a cachaa uma soluo hidroalcolica, com contedo que oscila entre 38 a 48% de etanol v/v e esse composto dificulta a extrao dos compostos volteis importantes para o aroma da bebida, atuando como solubilizante das substncias apolares e como fixador das substncias volteis, a escolha da tcnica de isolamento de grande importncia. O mtodo de isolamento utilizado para alimentos e bebidas baseia-se na anlise de headspace ou na anlise total. A anlise de headspace envolve apenas a anlise da fase gasosa em equilbrio com a fase lquida ou slida do alimento, em sistema fechado determinada temperatura, enquanto a anlise total compreende a anlise de todos os compostos volteis presentes na amostra. (MORS, 2009) Existem bons trabalhos desenvolvidos na rea de bebidas CG-FID ou CG-MS. NONATO et al. (2001) extraiu compostos volteis do headspace da cachaa por SPME com libra PA, analisou por CG-MS e foi capaz de detectar um grande nmero de compostos. Dos 38 compostos identificados, 11 eram steres. CASTRO (2004) analisou os compostos do headspace de vinho, por SPME-CG-FID, determinou 36 compostos, destes 13 eram steres. DEMYTTENAERE (2003) determinou 21 compostos volteis em usque, utilizando a mesma tcnica CG-MS. O nmero de trabalhos vem aumentando, pois existe um grande interesse na qualificao e tambm na quantificao destes compostos para que seja possvel uma padronizao e assim evitar adulteraes. 2.8. Perfil sensorial de equipes com nmero diferente de julgadores Uma equipe sensorial pode ser utilizada para medir a qualidade de um produto, de maneira similar ao uso de um instrumento; mas para isso, a 31

seleo e o treinamento dos julgadores se fazem necessrios. Assim, os integrantes de uma equipe sensorial devem ser treinados atravs de experincias diretas com referncias para aperfeioar sua habilidade em reconhecer, identificar e diferenciar estmulos especficos, obtendo desta forma preciso e consistncia nos testes sensoriais (MEILGAARD, 1999; CHAVES, 1990). A bibliografia existente sobre experimentos usando anlise sensorial mostra uma variao muito grande na quantidade de julgadores que so utilizados nos testes sensoriais, bem como o uso de diferentes procedimentos estatsticos. (ARAJO, 2010) Avaliou 15 atributos sensoriais, colorao amarela, oleosidade, aroma alcolico, aroma de cana, aroma de baunilha, aroma de compostos qumicos, aroma de madeira, aroma de caramelo, gosto doce, gosto cido, gosto amargo, sabor alcolico, sabor de madeira, adstringncia e pungncia, considerados relevantes na caracterizao de 21 marcas de cachaa e aguardente de cana, nova e envelhecida, de diferentes regies. Determinou o nmero mnimo de julgadores que possibilitasse uma avaliao sensorial descritiva confivel da bebida. Realizou a reduo do nmero de atributos sensoriais e, atravs de 10 julgadores treinados selecionou quatro marcas de cachaas para a determinao do nmero mnimo de julgadores por equipe. (GUAGLIANONI, 2009) Atravs de um teste de aceitao, avaliou o atributo Impresso Global de quatro amostras de cachaas por 120 julgadores. O objetivo fundamental foi realizar comparaes entre os procedimentos estatsticos, paramtricos ou no-paramtricos, com vistas a compar-los e estabelecer o nmero mnimo de julgadores. Com base nos dados dos testes sensoriais foram criadas 5400 amostras sistemticas com nmeros diferentes de julgadores, sobre as quais foram aplicados os procedimentos estatsticos estabelecidos. Os resultados assim obtidos mostraram ser possvel a utilizao de um nmero menor de julgadores. Revelou ainda que, na maioria dos casos, o ndice de concordncia o fator mais importante na determinao do nmero mnimo de julgadores, sendo que, para valores de concordncia de Kendall maior ou igual a 0,18, o nmero de 60 julgadores mostrou-se suficiente. 32

YOKOTA

(2005)

quantificou

sensorialmente

os

atributos

freqentemente percebidos pelos consumidores de 14 amostras de cachaa envelhecida por perodos entre 18 e 24 meses em tonis de carvalho, amburana, jequitib e angelim e determinou o nmero mnimo de julgadores treinados que possibilitasse uma avaliao sensorial descritiva confivel. Realizou Anlise Descritiva Quantitativa das 14 amostras de cachaa envelhecidas e utilizou 13 atributos sensoriais para a caracterizao do perfil das bebidas: aroma alcolico, aroma de madeira, aroma de baunilha, gosto doce, gosto cido, gosto amargo, sabor alcolico inicial, sabor alcolico residual, sabor de madeira inicial, sabor de madeira residual, adstringncia, colorao amarela e viscosidade. Nesse mesmo estudo, avaliou a eficincia dos resultados obtidos com a diminuio do nmero de julgadores na equipe Os grupos variaram mais para a equipe de 3 julgadores. Em sua concluso, o estudo considerou ser trs o nmero mnimo de julgadores para uma equipe treinada, que poderia ser estudada posteriormente para utilizao na indstria da cachaa. 2.9. Anlise Estatstica Multivariada em Anlise Sensorial A extrao de informaes dos resultados de um experimento qumico envolve a anlise de grande nmero de variveis. Muitas vezes, um pequeno nmero destas variveis contm as informaes qumicas mais relevantes, enquanto que a maioria das variveis adiciona pouco ou nada interpretao do