avaliação epidemiológica, clínica e laboratorial de...

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Trabalho Final de Mestrado Integrado em Medicina Avaliação epidemiológica, clínica e laboratorial de doentes infetados por vírus da imunodeficiência humana tipo 2 na Consulta de Imunodepressão do Hospital de Santa Maria Ano Letivo 2015/2016 Clínica Universitária de Doenças Infeciosas e Parasitárias João Pedro Martins Domingos 12764 Orientado pela: Professora Doutora Emília de Jesus da Encarnação Valadas Coorientado pela: Mestre Ana Filipa Marques Alçada Sutre

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  • Trabalho Final de Mestrado Integrado em Medicina

    Avaliao epidemiolgica, clnica e

    laboratorial de doentes infetados por vrus

    da imunodeficincia humana tipo 2 na

    Consulta de Imunodepresso do Hospital de

    Santa Maria

    Ano Letivo 2015/2016

    Clnica Universitria de Doenas Infeciosas e Parasitrias

    Joo Pedro Martins Domingos

    12764

    Orientado pela:

    Professora Doutora Emlia de Jesus da Encarnao Valadas

    Coorientado pela:

    Mestre Ana Filipa Marques Alada Sutre

  • Pgina 1 de 82

    RESUMO

    Objetivos: Caracterizar indivduos infetados por VIH-2 (seguidos na Consulta de

    Imunodepresso do Hospital de Santa Maria) e avaliar a sua evoluo clnica e

    imunolgica. Definir a existncia de diferentes grupos de progresso clnica.

    Mtodos: Registo retrospetivo de dados demogrficos, epidemiolgicos, clnicos,

    imunolgicos e de seguimento de indivduos infetados por VIH-2.

    Resultados: Incluram-se 137 indivduos, a maioria (70,8%) do gnero feminino e natural

    da Guin-Bissau (52,6%). O seguimento estendeu-se entre 12 e 295 meses, apresentando

    o gnero feminino menor mortalidade e melhor follow-up. Registou-se uma mediana de

    471 clulas/L no diagnstico, sendo este valor superior no gnero feminino. Verificou-

    se descida mediana de 99 clulas/L entre o incio de seguimento e a ltima avaliao ou

    incio de teraputica antirretroviral. Aps incio de teraputica h uma subida mediana de

    131,7 clulas/L, com o gnero feminino a iniciar e terminar teraputica com valores

    mais elevados. Cerca de um tero dos doentes (28,5%) desenvolveu, pelo menos, uma

    doena definidora de SIDA. A maioria (57,7-74,5%) pode ser considerada como

    progressors e de 14,1 a 32,9% como long term non-progressors.

    Concluso: A infeo por VIH-2 tem repercusso imunolgica, ainda que esta parea ser

    menor e com evoluo mais arrastada comparativamente a VIH-1. O gnero feminino

    apresenta ter melhores parmetros clnicos e de prognstico.

  • Pgina 2 de 82

    ABSTRACT

    Objectives: To characterize the clinic and immunologic progression of HIV-2 infected

    individuals followed-up at Hospital Santa Marias Consulta de Imunodepresso. To

    define the existence of clinic progression groups.

    Methods: Retrospective registry of demographic, epidemiologic, clinic, immunologic

    and follow-up data of HIV-2 infected individuals.

    Results: 137 individuals were included, the majority (70,8%) being of female gender and

    having Guin-Bissau as their place of birth (52,6%). The follow-up extended from 12 to

    295 months, the female gender showing a smaller mortality rate and better follow-up.

    There was a median of 471 cells/L at the time of diagnostic, the female gender having

    higher values. It was observed a median drop of 99 cells/L from the beginning of follow-

    to the last cell count (or the beginning of antiretroviral therapy). After the beginning of

    therapy there was a median rise of 131,7 cells/L, the female gender having higher values

    both at beginning and end of therapy. A third (28,5%) of individuals developed at least

    one AIDS defining disease. Most individuals (57,7-74,5%) can be considered as

    progressors and 14,1 to 32,9% as long term non-progressors.

    Conclusion: HIV-2 infection as immunologic repercussions that seem reduced and more

    insidious by comparison with HIV-1. The female gender exhibits better clinical and

    prognostic parameters.

  • Pgina 3 de 82

    NDICE

    RESUMO.......................................................................................................................... 1

    ABSTRACT ..................................................................................................................... 2

    NDICE ............................................................................................................................. 3

    AGRADECIMENTOS ..................................................................................................... 5

    NDICE DE ABREVIATURAS ...................................................................................... 6

    INTRODUO ................................................................................................................ 8

    EPIDEMIOLOGIA ....................................................................................................... 8

    Origem e filogenia de VIH-2 .................................................................................... 8

    Distribuio geogrfica ........................................................................................... 11

    Distribuio demogrfica ........................................................................................ 12

    Transmisso ............................................................................................................. 13

    CARACTERIZAO DE VIH-2 .............................................................................. 14

    Variabilidade gentica de VIH-2............................................................................. 15

    Tropismo vrico ....................................................................................................... 16

    PATENOGNESE E HISTRIA NATURAL .......................................................... 18

    Imunopatenognese ................................................................................................. 18

    Histria natural da doena ....................................................................................... 18

    Mortalidade ............................................................................................................. 19

    Replicao vrica ..................................................................................................... 20

    Resposta imunitria ................................................................................................. 20

    Manifestaes clnicas............................................................................................. 22

    INFEO DUPLA POR VIH-1 E VIH-2 .................................................................. 23

    DIAGNSTICO ......................................................................................................... 24

    MONITORIZAO ................................................................................................... 25

    Classificao............................................................................................................ 26

    TERAPUTICA ......................................................................................................... 27

    Recomendaes de esquemas teraputicos para VIH-2 .......................................... 29

    MATERIAL E MTODOS ............................................................................................ 30

    RESULTADOS .............................................................................................................. 33

    INTRODUO .......................................................................................................... 33

    DADOS DEMOGRFICOS ...................................................................................... 33

    DADOS EPIDEMIOLGICOS ................................................................................. 36

  • Pgina 4 de 82

    DADOS DE SEGUIMENTO ..................................................................................... 40

    DADOS CLNICOS ................................................................................................... 41

    Dados gerais ............................................................................................................ 41

    Evoluo imunolgica ............................................................................................. 43

    Avaliao de efeitos imunolgicos de TARV ......................................................... 46

    Carga viral ............................................................................................................... 48

    Doenas definidoras de SIDA ................................................................................. 49

    Grupos de progresso clnica .................................................................................. 49

    DISCUSSO .................................................................................................................. 52

    Dados demogrficos.................................................................................................... 52

    Dados epidemiolgicos ............................................................................................... 53

    Dados de seguimento .................................................................................................. 55

    Dados clnicos ............................................................................................................. 56

    Evoluo imunolgica ................................................................................................ 57

    Avaliao de efeitos imunolgicos de TARV ............................................................ 58

    Carga viral ................................................................................................................... 59

    Doenas definidoras de SIDA ..................................................................................... 60

    Grupos de progresso clnica ...................................................................................... 60

    ANEXOS ........................................................................................................................ 63

    ANEXO 1 - Condies que definem as vrias categorias clnicas para estadiamento

    da infeo por VIH105.................................................................................................. 63

    ANEXO 2 Tabela de correlao e teste Qui-Quadrado de Pearson entre o Gnero e

    Estratificao por Contagem de Linfcitos T CD4+ na baseline ................................ 64

    ANEXO 3 Teste T de Wilcoxon pareado Treatment-naive: Baseline, Nadir e

    Endline ........................................................................................................................ 65

    ANEXO 4 Teste T de Wilcoxon pareado Grupo teraputico: Baseline, Nadir e

    Endline ........................................................................................................................ 66

    ANEXO 5 Tabela de correlao e teste Qui-Quadrado de Pearson entre o Gnero e

    Grupo de Progresso Clnica (critrios conservadores) .............................................. 67

    ANEXO 6 Tabela de correlao e teste Qui-Quadrado de Pearson entre o Gnero e

    Grupo de Progresso Clnica (critrios inclusivos) .................................................... 68

    NDICE DE TABELAS ................................................................................................. 69

    NDICE DE FIGURAS .................................................................................................. 70

    BIBLIOGRAFIA ............................................................................................................ 71

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    AGRADECIMENTOS

    Professora Doutora Emlia Valadas, por toda a disponibilidade, ateno, e alegria com

    que me acompanhou nesta jornada. Pela palavra de encorajamento e o esprito positivo

    com que sempre me desafiou a aventurar por guas ainda por descobrir e a pensar fora

    da caixa. Muito obrigado pela pacincia e ateno.

    Professora Doutora Perptua Gomes, pela amabilidade com que se disponibilizou para

    ajudar a completar este trabalho e a torn-lo mais completo.

    Ana Filipa Sutre, por j vrios anos de ajuda e apoio incansvel. Pelas longas horas de

    trabalho que dispensou para me apoiar e pelo muito que me j ensinou.

    A todos aqueles que na Consulta de Imunodepresso do Hospital de Santa Maria e Clnica

    Universitria de Doenas Infeciosas e Parasitrias me acolheram no seu local de trabalho

    e de uma forma ou outra contriburam para a concretizao deste trabalho.

    Joana Chora, pela ajuda a esclarecer a abordagem e perspetiva estatstica a seguir.

    minha famlia, por todo o suporte e amor com que sempre me rodeiam. Pela pacincia

    com as minhas ausncias e pela compreenso e acolhimento do meu cansao. Obrigado

    por serem sempre um porto de abrigo.

    Ao Guilherme, pela presena constante e permanente. Por todo um caminho de anos e

    aprendizagem mtua. Muito obrigado por estares a para mim.

    Ao Lus, ao Rafael, ao Antnio e ao Miguel, por todo o acompanhamento que fizeram

    desde o incio desta caminhada. Obrigado pelas palavras de incentivo e todos os desafios.

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    NDICE DE ABREVIATURAS

    ADN: cido desoxirribonucleico

    ARN: cido ribonucleico

    Clulas CD4+: clulas que expressam o recetor CD4

    Clulas CD4-: clulas que no expressam o recetor CD4

    Clulas CD8+: clulas que expressam o recetor CD8

    CDC: Center of Disease Control

    CV: carga viral

    EC: elite controlers

    ELISA: Enzyme-linked Innunosorbent assays

    env: gene que codifica o envelope vrico

    EUA: Estados Unidos da Amrica

    gag: gene do grupo antignio

    IL: interleucina

    IE: inibidores de entrada

    II: inibidores da integrase

    IP: inibidores da protease

    LTNP: long term non progressors

    LTNP-EC: long term non progressors elite controllers

    LTNP-NC: long term non progressors viremic non controllers

    LTNP-VC: long term non progressors viremic controllers

    MSM: men who have sex with men

    NK: clulas natural killer

    NITRs: nuclesidos inibidores da transcriptase reversa

    NNITRs: no nuclesidos inibidores da transcriptase reversa

    OMS: Organizao Mundial de Sade

    PBMCs: polimorfonucleares perifricos

    PCR: polimerase de reao em cadeia

  • Pgina 7 de 82

    pol: gene que codifica a polimerase

    PR: protease

    SIDA: sndrome da imunodeficincia adquirida

    SU: glicoprotena de superfcie

    TARV: teraputica antirretroviral

    TM: glicoprotena transmembranar

    TR: transcriptase reversa

    UDE: utilizador de drogas endovenosas

    VIH: vrus da imunodeficincia humana

    VIS: vrus da imunodeficincia smia

    VIScpz: vrus da imunodeficincia de chimpanz-comum

    VISmac: vrus da imunodeficincia de macacos

    VISsm: vrus da imunodeficincia de sooty mangabeys

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    INTRODUO

    Nos Estados Unidos da Amrica (EUA), incio da dcada de 1980, identificado o

    aparecimento de uma nova doena sindromtica, afetando vrios doentes e que se

    apresenta com infees e neoplasias incomuns (como a pneumonia a Pneumocystis

    jiroveci e sarcoma de Kaposi).1 Esta doena, caracterizada por um dfice imunitrio com

    marcada reduo de valores de clulas T CD4+, proliferao aumentada de clulas B e

    hipergamaglobulinmia, seria, na altura, denominada de Sndrome de Imunodeficincia

    Adquirida (SIDA)1. Na mesma dcada seria descoberto um retrovrus humano da famlia

    dos lentivrus como seu agente causal2,3,4. Esse vrus denominado de Vrus da

    Imunodeficincia Humana (VIH) e, mundialmente, em 2014, 36,9 milhes de pessoas

    encontravam-se infetadas com o vrus, tendo-se registando ainda dois milhes de novas

    infees e 1,2 milhes de mortes associadas a complicaes da mesma5.

    VIH pertence famlia Retroviridae, subfamlia Orthoretrovirinae, gnero Lentivirus,

    existindo atualmente dois tipos, o tipo 1 (VIH-1) e o tipo 2 (VIH-2). Este ltimo tipo

    identificado aps isolamentos vrios de um retrovrus humano de relao muito mais

    prxima com Vrus de Imunodeficincia Smia (VIS) do que com VIH-16. Estes dois tipos

    de VIH tm estrutura, morfologia e ciclo celular semelhantes, apresentando entre si

    respostas imunolgicas cruzadas. Porm, as infees por VIH-1 e VIH-2 diferem entre

    si, no que diz respeito evoluo natural da doena, repercusso imunolgica no

    hospedeiro, distribuio geogrfica e origem filogentica7.

    EPIDEMIOLOGIA

    Origem e filogenia de VIH-2

    As primeiras evidncias da existncia de VIH-2 surgem em 1985, em trabalhadoras

    sexuais Senegalesas, que apresentavam reao cruzada preferencial em Western blot para

    antignios de VIS, por comparao com antignios de VIH-1, o que indicava exposio

    a um vrus VIS-like8. Subsequentemente, em 1986, isolado a partir de doentes com

    SIDA de frica Ocidental (Guin-Bissau e Cabo Verde) um vrus com relao mais

    prxima de VIS do que VIH-1, e que hoje se sabe corresponder a VIH-29.

  • Pgina 9 de 82

    Assume-se, atualmente, que VIH originrio de transmisso zoontica de primatas no

    humanos infetados com SIV10. VIH-1 ser originrio da transmisso de VIS de

    chimpanz-comum (VIScpz), Pan troglodytes, enquanto VIH-2 ser proveniente da

    transmisso de VIS de sooty mangabeys (VISsm), Cercocebus atys6.

    Desde os isolamentos iniciais de VIH-2 que se verifica que, geneticamente, VIH-1

    apresenta algumas diferenas considerveis em comparao a VIH-2, nomeadamente no

    que diz respeito a sequenciao genmica e estruturas proteicas e glicoproteicas11. VIH-

    2 , filogeneticamente, mais prximo de VIS de macacos (VISmac), gnero Macaca, e de

    SIVsm, que infecta sooty mangabeys (Cercocebus torquatus atys) (Figura 1). E, apesar

    de VISmac aparentar infetar macacos apenas em cativeiro, foi demonstrado que sooty

    mangbeys encontram-se naturalmente infetados com VISsm no seu habitat natural6.

    Estes ltimos primatas referidos habitam maioritariamente a regio de frica Ocidental10,

    e so a mais provvel fonte de transmisso zoontica do VIH-2, visto que eram,

    frequentemente, caados para alimentao humana e at mantidos como animais

    domsticos pelas populaes humanas residentes nas regies de frica Ocidental6.

    A partir de anlises filogenticas de vrias estirpes de VIH-2 podero ter ocorrido cerca

    de sete a oito transmisses zoonticas independentes de sooty mangabeys para

    humanos, o que estar na origem dos oito subtipos de VIH-2 atualmente existentes (A-

    H)10,12. Apenas os subtipos A e B aparentam ter distribuio endmica12, sendo que os

    restantes subtipos (C-H) foram identificados exclusivamente associados a infees em

    Figura 1 - Relao filogentica entre lentivrus de primatas a partir de sequenciao gentica do gene que codifica a polimerase (pol) vrica de HIV-1, HIV-2 e SIVmac10.

  • Pgina 10 de 82

    apenas um indivduo, pelo que podero corresponder a transmisses zoonticas primrias

    e isoladas10.

    Lemey et al. procuraram estabelecer uma linha temporal da evoluo filogentica de VIH-

    2, sendo que os seus resultados apontam para uma origem do subtipo A (mais prevalente

    na Guin-Bissau) aproximadamente em 1940 16 anos e o subtipo B (mais prevalente

    no Mali e Costa do Marfim12) aproximadamente em 1945 14 anos13. O crescimento

    epidmico do subtipo A ter ocorrido entre 1950-1970, perodo que os autores associam

    e relacionam com o perodo abrangido pela guerra pela independncia em Guin-Bissau

    (1961-1974), estipulando esse evento como importante fator para a disseminao do

    vrus13.

    Os resultados apresentados por um estudo retrospetivo realizado na Guin-Bissau

    parecem suportar essa hiptese, identificando a prostituio, relaes extraconjugais,

    transfuses sanguneas e uso compartilhado de instrumentos perfurantes (ex.: seringas)

    em contexto de cenrio de guerra colonial como importantes fatores de risco para a

    infeo por VIH-2 e fonte da expanso epidmica observada durante esse perodo na

    Guin-Bissau14.

    Um estudo realizado em Portugal na populao de doentes infetados com VIH-2 e

    seguidos no Hospital Egas Moniz, Lisboa, verificou que apenas uma pequena

    percentagem dos mesmos era de naturalidade portuguesa, sem relaes com as antigas

    colnias portuguesas e a maioria tinha, muito provavelmente, adquirido a infeo atravs

    de transfuso sangunea. J a maioria dos doentes eram naturais de Guin-Bissau ou

    tinham ligaes diretas e/ou indiretas com o pas15. Porm, por anlise demogrfica,

    pareceu aos autores extremamente improvvel que a maioria desses doentes fossem

    sexualmente ativos durante o perodo da guerra colonial em Guin-Bissau, o que no

    parece suportar a via sexual como o principal modo de transmisso do VIH-2 durante o

    perodo de crescimento epidmico15 e est em concordncia com as evidncias de que a

    transmisso sexual de VIH-2 seja menos eficiente que a transmisso sexual de VIH-116.

    Exposio parentrica atravs de injees, campanhas de vacinao, transfuso de sangue

    e derivados, infeo nosocomial e prticas culturais tradicionais podem ter sido a via

    principal de disseminao durante o perodo epidmico15.

  • Pgina 11 de 82

    Distribuio geogrfica

    VIH-2 atualmente endmico nos pases localizados na regio da frica Ocidental, ou

    na sua periferia, sendo que vrios pases apresentam uma prevalncia de infeo da sua

    populao superior a 1%, nomeadamente: Guin-Bissau, Gmbia, Senegal, Cabo Verde,

    Costa do Marfim, Mali, Serra Leoa, Mauritnia e Nigria7,17. Estima-se que cerca de um

    a dois milhes de pessoas esto de momento infetadas com VIH-2 na frica Ocidental18.

    Apesar de no apresentarem nveis de prevalncia de infeo por VIH-2 to elevados, em

    certos pases (como Portugal, Frana, ndia, Angola, Moambique) com ligaes

    histricas, culturais e socioeconmicas com as zonas endmicas verifica-se uma

    prevalncia significativa de infeo por VIH-213,19,20,21. Por outro lado, pases

    profundamente marcados pela infeo por VIH-1, apresentam apenas alguns casos

    conhecidos de infeo por VIH-2, representando este vrus, por exemplo, apenas 0,01%

    de todas as infees por VIH nos EUA22. A maioria (95%) das infees por VIH-2

    reportadas na sia dizem respeito a infees na ndia23 e apresentam uma elevada

    proximidade filogentica com o subtipo A de VIH-2 (subtipo mais prevalente em frica

    Ocidental) o que parece confirmar uma rota direta de transmisso do vrus para a ndia

    atravs do continente africano24.

    A disseminao da infeo por VIH-2 na Europa parece ter-se estabelecido a partir da

    frica Ocidental, tomando partido das relaes entre os vrios pases europeus e as suas

    ex-colnias, nomeadamente colnias portuguesas, francesas e inglesas25. De momento,

    Portugal e Frana so os dois pases europeus com maior nmero de casos registados de

    infeo por VIH-215, sendo que entre 2003 e 2006 Frana registou um total de 186 novos

    casos, o que correspondia a cerca de 1,8% de todas as infees por VIH21.

    Portugal mantm-se, atualmente, como o pas europeu com maior prevalncia de infees

    por VIH-210,20,26,27. A 31 Dezembro de 2014 encontravam-se notificados 1735 casos de

    infeo por VIH-2, valores que correspondiam a 3,3% do total de casos notificados de

    infees por VIH. Os casos registados como infeo dupla (VIH-1 e VIH-2) (n=656;

    1,2%) correspondiam a casos de infeo por VIH em que o tipo de vrus no fora

    identificado ou, mais raramente, a casos confirmados de infeo dupla. Os casos

    acumulados de infeo por VIH2 distribuam-se, equitativamente, por gnero (875 casos

    em mulheres e 860 casos em homens), a idade mediana data do diagnstico era de 42

    anos, 52,8% residiam no distrito de Lisboa, 51,9% dos indivduos eram originrios da

  • Pgina 12 de 82

    frica subsariana e o modo de transmisso mais frequentemente referido o contacto

    heterossexual (80,1%)28.

    Atualmente, observa-se um declnio prevalncia de infeo por VIH-2 na frica

    Ocidental por comparao a VIH-1 cuja prevalncia tem vindo a aumentar19,12,29,30.

    descrito um decrscimo da infeo por VIH-2 na Guin-Bissau, sendo a sua prevalncia

    de 8,9 % em 1987, 7,4% em 1996 e 4,4% em 2006 29. Comparativamente, observa-se um

    claro aumento da infeo por VIH-1 na mesma regio, sendo que esta compreendia uma

    prevalncia inferior a 1% antes de 1993, atingindo, progressivamente, valores de 2,5%

    em 1997 e 4,8% em 2000, com previso de continuao desse aumento31. Hamel, D.J. et

    al. observou, aps um follow-up de 20 anos de uma cohort de trabalhadoras sexuais

    Senegalesas, que a prevalncia de infeo por VIH-2 decresceu de 8% em 1985 para 5,5%

    em 2003 e que, por outro lado, a prevalncia de infeo por VIH-1 aumentou de 1% para

    13,8% durante o mesmo perodo de follow-up32. Esta diminuio do nmero de infees

    por VIH-2 no parece ser explicada por migraes populacionais ou mortalidade

    associada, estando, mais provavelmente, relacionada com alteraes socio-

    comportamentais, polticas de sade para a preveno de transmisso de infeo por VIH,

    rastreio de doaes de sangue e derivados, alteraes de comportamentos sexuais de risco,

    menor taxa de transmisso de VIH-2 comparativamente a VIH-1 e por presso

    competitiva entre os dois tipos de vrus12,29,31.

    Distribuio demogrfica

    A faixa etria na qual a prevalncia de infeo por VIH-2 maior parece ser relativamente

    superior ao que verificado para a infeo por VIH-115,19. Na frica Ocidental a

    prevalncia maior entre mulheres da faixa etria dos 45-60 anos12 e, geralmente, para o

    gnero masculino esta faixa etria superior19. Estes dados parecem suportar a hiptese

    que existe uma maior taxa de infeo entre aqueles que, data da guerra colonial em

    Guin-Bissau, eram sexualmente ativos ou com idade suficiente para estarem envolvidos

    no conflito armado33. Em Portugal no final de 2014 a idade mediana data do diagnstico

    era de 42 anos28.

    A maioria dos estudos no parecem encontrar diferena significativa na progresso da

    infeo por VIH-2 entre o gnero feminino e masculino34. Porm, outros autores referem

    que as mulheres aparentam ter maior probabilidade de adquirir infeo por VIH-2,

  • Pgina 13 de 82

    enquanto que os homens, tendencialmente, procuram tratamento mdico em estdios de

    infeo mais tardios e, apesar de melhor estatuto socioeconmico, tendem a apresentar

    maior mortalidade e maior probabilidade de abandonar o follow-up que as mulheres40.

    Transmisso

    VIH-2 apresenta as mesmas vias de transmisso que VIH-1: contacto sexual, exposio

    parentrica (transfuso de sangue e derivados e partilha de objetos perfurantes) e

    transmisso vertical. Porm, VIH-2 aparenta ter menor eficcia de transmisso que VIH-

    17. Tem-se postulado a menor carga viral (CV) que se observa nos indivduos infetados

    por VIH-2 como um fator importante para a menor eficcia de transmisso do

    vrus7,10,12,33,35,36. Verifica-se que a transmisso neonatal de VIH-2, na ausncia de

    teraputica antirretroviral (TARV), a partir de mes para os seus filhos em amamentao

    menos de 4%, comparativamente a valores que atingem os 24,7% para mes infetadas

    por HIV-137,39. De igual forma, a secreo de partculas vricas de VIH-2 nas secrees

    genitais, nomeadamente smen, significativamente menor em comparao com os

    nveis observados em indivduos infetados por VIH-1, e est em relao prxima com os

    valores plasmticos de CV38. Verifica-se, assim, que a transmisso heterossexual de VIH-

    2 entre cinco a nove vezes inferior observada na infeo por VIH-1 e a transmisso

    vertical cerca de 10 a 20 vezes menor10.

    A menor eficcia de transmisso de VIH-2 parece ser a principal responsvel pela sua

    distribuio geogrfica e demogrfica restrita, em comparao com o carcter epidmico

    de VIH-17,12,35. Alguns fatores de risco para a transmisso de VIH-2 tm vindo a ser

    identificados, nomeadamente: idade avanada, histria passada de doenas sexualmente

    transmissveis, relaes sexuais com prostitutas e ausncia de circunciso19.

  • Pgina 14 de 82

    CARACTERIZAO DE VIH-2

    VIH-2, tal como VIH-1, pertence famlia Retroviridae, subfamlia Orthoretrovirinae,

    gnero Lentivirus, e constitudo por duas molculas de ARN. A sua estrutura muito

    semelhante de VIH-1, embora VIH-2 possua um gene denominado de vpx em vez do

    gene vpu que codificado por VIH-113,19,41. VIH-2 contm, desta forma, trs genes

    estruturais, o gene que codifica o envelope (env), o gene do grupo de antignios (gag) e

    o gene que codifica a polimerase (pol), codificando ainda seis genes reguladores, tat, rev,

    nef, vif, vpr e vpx. Estes genes sobrepem-se entre si em vrias regies do genoma viral41.

    Figura 2 - Organizao genmica das linhagens de lentivrus de primatas. Adaptado de 41.

    VIH-1 e VIH-2 apresentam proximidade de aminocidos em cerca de 60% das protenas

    antignicas codificadas pelos genes gag e pol e de cerca de 30-40% na protena do

    envelope vrico codificada pelo gene env19,12,42. O gene vpx, presente apenas em VIH-2,

    em VISmac e VISsm, apresenta uma sequncia semelhante ao vpr, estando ambos

    justapostos44. Esta semelhana pode ter como origem uma duplicao gentica45, apesar

    da anlise filogentica de vpx sugerir, porm, ser mais provvel que este tenha sido

    adquirido atravs da recombinao no homloga entre diferentes tipos de VIS46.

    Funcionalmente, pensa-se que vpx possa ser essencial replicao de VIH-2 nos

    macrfagos e importante para a mesma nos linfcitos T. Outras funes propostas

    incluem a promoo da acumulao de molculas de ADN vrico, importao das mesmas

    para o ncleo e atividade citopatognica por mecanismo desconhecido44.

    VIH-1 e VIH-2 apresentam, no entanto e de uma forma geral, organizao genmica,

    morfologia, funcionalidade e composio proteica semelhantes43.

  • Pgina 15 de 82

    Variabilidade gentica de VIH-2

    A variabilidade gentica de VIH em grande parte gerada pela inexistncia de

    mecanismos de proof reading da transcriptase reversa codificada por VIH, pelo rpido

    turnover do vrus in vivo, pela presso imunitria seletiva do hospedeiro infetado e por

    eventos de recombinao gentica que ocorram durante a replicao24. Porm, em termos

    genticos, VIH-2 surge com uma variabilidade limitada comparativamente ao observado

    com VIH-135.

    O envelope viral constitudo por uma bicamada fosfolipdica e por complexos

    tetrmicos de glicoprotenas codificadas a partir do gene env: gp120/gp125 (VIH-1 e

    VIH-2, respetivamente) e gp41/gp36 (VIH-1 e VIH-2, respetivamente). A gp120/gp125

    d-se o nome de glicoprotena de superfcie (SU) e a gp41/gp36 d se o nome

    glicoprotena transmembranar (TM). A glicoprotena gp120/gp125 apresenta cinco

    regies variveis (V1-V5) e cinco regies conservadas10. A regio V3 de VIH-2 tem sido

    reportada como a regio imunodominante contendo os eptetos responsveis pela

    neutralizao vrica por citotoxicidade celular dependente de anticorpos. Est ainda

    implicada na fuso da partcula vrica com a membrana celular, na formao de sinccios,

    na infetividade e tropismo do vrus10,47. Sankale et al. ao analisar a regio V3 de VIH-2

    verificou que a sua heterogenicidade mdia era de 1,4% (variao 0-4,1%), um valor

    menor ao observado em VIH-1 (cerca de 6,1%). Para alm disso, a variabilidade mdia

    de nucletidos na regio V3 entre doentes assintomticos seropositivos para VIH-2 era

    de 0,6%, enquanto que em doentes cuja doena j havia progredido clinicamente para

    SIDA essa variabilidade era de 2,0%. Desta forma os autores puderam associar a

    variabilidade gentica com a prpria progresso da doena48.

    Dos oito subtipos de VIH-2 conhecidos, apenas, os subtipos A e B so endmicos e

    patognicos, no parecendo existir diferenas significativas na progresso da doena,

    patogenicidade e transmissibilidade entre os dois12,19,24. O subtipo A responsvel pela

    maioria das infees, sendo predominante na Guin-Bissau e Europa, o subtipo B surge,

    principalmente, no Gana e Costa do Marfim12,13,49. Os subtipos restantes (C a H), como

    j fora referido, foram descritos apenas em indivduos isolados10,50. Destes, os subtipos E

    e F foram relacionados com VIS da Serra Leoa, o subtipo D com VIS da Libria e o

    subtipo G com VIS da Costa do Marfim50. A Serra Leoa, apesar da baixa prevalncia

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    comparativamente a outros pases da frica Ocidental, o pas que regista maior

    diversidade de subtipos13,19.

    Tropismo vrico

    Para a ocorrncia do ciclo infecioso e replicativo de VIH necessria a interao entre o

    complexo glicoproteico de superfcie do envelope vrico (constitudo por um tetrmero

    de uma molcula SU e trs molculas TM) e a molcula CD4, expressa nos linfcitos T

    auxiliares, macrfagos e clulas dendrticas10. Esta interao induz alteraes

    conformacionais na SU que permitem a exposio ou formao do local de ligao a

    molculas de coreceptores. Esta interao adicional determina alteraes na estrutura da

    glicoprotena transmembranar (TM) que permite a fuso do envelope vrico com a

    membrana celular da clula hospedeira e a entrada do vrus na clula agora infetada. O

    ciclo replicativo de VIH est por isso dependente, por um lado, da expresso do recetor

    (CD4) e coreceptores na membrana das clulas alvo e, por outro, pelas glicoprotenas

    codificadas por env10, 35, 51, 52.

    O tropismo de VIH pode diferir consoante as principais clulas alvo infetadas e as taxas

    de replicao vrica, sendo historicamente dividido em trs grupos. O primeiro grupo

    engloba isolados vricos que infetam in vitro clulas da linhagem T e que expressam o

    recetor CD4 (clulas CD4+), induzem a formao de sinccios e tm taxas de replicao

    elevadas. Este grupo faz principalmente uso do coreceptor CXCR4, tendo estes vrus um

    tropismo do tipo X4. O segundo grupo consiste em isolados vricos com capacidade para

    infetar eficientemente culturas de macrfagos, no induzem sinccios em clulas T

    infetadas e replicam-se muito lentamente. Estes tipos de vrus usam CCR5 como o seu

    principal coreceptor, tendo um tropismo do tipo R5. O terceiro grupo consiste em vrus

    capazes de infetar quer clulas de linhagem T, quer macrfagos. Habitualmente estes

    vrus usam indiscriminadamente quer CXCR4, quer CCR5 como coreceptores, e tm um

    tropismo do tipo R5/X4 ou duplo53. Porm, no s o uso de coreceptores como outros

    fatores parecem estar responsveis pelo tropismo de VIH, nomeadamente, a densidade de

    expresso de recetores, conformao e eventos que ocorram aps a entrada do vrus na

    clula-alvo10.

    Enquanto VIH-1 e VIH-2 partilham um nico recetor principal (CD4), a utilizao dos

    coreceptores no parece ser to consistente, tendo sido identificados, in vitro, vrios

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    coreceptores quer para VIH-1 como para VIH-2 e VIS36,52,54. No caso de VIH-1 a

    importncia do uso do coreceptor CCR5 para a infeo viral foi demonstrada pela

    descoberta de indivduos que no expressavam esse coreceptor e eram aparentemente

    resistentes infeo pelo vrus55,56. Estirpes de vrus com tropismo do tipo R5 parecem

    ser, predominantemente, transmitidas, consistem na maioria da populao vrica em

    indivduos assintomticos e permanecem presentes durante todo o decurso da infeo10.

    Nas infees por VIH-1, um tropismo do tipo duplo parece algumas vezes preceder a

    evoluo para um tropismo do tipo X4, o que se verifica em menos de 50% dos doentes

    com SIDA e infetados por esse vrus57,58. Para VIH-1 so raras as estirpes capazes de

    utilizar outros coreceptores para alm do CCR5 e CXCR4, sendo estes considerados

    recetores major e determinantes na sua patognese. Porm, a evoluo tpica de tropismo

    R5 para X4 no to bvia com VIH-2 e muito frequente a identificao predominante

    de estirpes de tropismo duplo, bem como o uso de outros recetores, para alm de CCR5

    e CXCR4, que VIH-2 usa de maneira to ou mais eficiente. Esta variabilidade na

    interao com os coreceptores parece ser uma caracterstica particular de VIH-2 em

    relao a VIH-110,35,51,52,54,59.

    Como acima j fora referido, a regio V3 de SU de VIH-2, parece ser altamente

    conservada por comparao a VIH-148. Tal facto parece no ser coincidente com a

    variabilidade de utilizao de coreceptores registada por VIH-2. Alguns autores afirmam

    que esta variabilidade poderia ser explicada pela hiptese de que as glicoprotenas

    codificadas por env de VIH-2 possam apresentar uma estrutura conformacional laxa,

    permitindo interagir menos especificamente com outros co-receptores35,59. Outros estudos

    postulam que mutaes ocorridas em V1/V2 e C5 podem contribuir adicionalmente para

    o uso de coreceptores independente de CCR5 e CXCR4, no entanto, este papel no est

    totalmente esclarecido52,54.

    Contrariamente ao que seria expectvel, o uso mais inespecfico de coreceptores por VIH-

    2 no parece torna-lo mais patognico por comparao a VIH-17,12,35,54. A utilizao

    generalizada de vrios tipos de coreceptores poder resultar na entrada de VIH-2 em

    clulas no ativadas e, por isso, pouco permissivas replicao vrica, no se traduzindo

    em vantagem patognica35,54,59.

    Outra das grandes diferenas entre os dois tipos de vrus a aparente capacidade que

    VIH-2 apresenta de poder infetar clulas-alvo independentemente da expresso de CD4.

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    Esta capacidade parece tambm ser partilhada com VIS60. Pelo contrrio, s muito

    raramente foram isoladas estirpes de VIH-1 com capacidade de infetar clulas que no

    expressassem CD4 (clulas CD4-)10. Esta capacidade parece estar associada a mutaes

    pontuais e alteraes das glicoprotenas codificadas por env, o que lhes confere

    flexibilidade conformacional e maior facilidade em se ligar a coreceptores na ausncia de

    CD435,36,52,54,60. Apesar de se desconhecer a prevalncia de estirpes CD4- in vivo10, estas

    estirpes parecem ser responsveis pela infeo de tecidos no hematolgicos,

    nomeadamente astrcitos13,35,61.

    PATENOGNESE E HISTRIA NATURAL

    Imunopatenognese

    A infeo em habitat natural por VIS de sooty mangabeys, chimpanzs-comuns e macacos

    no parece resultar em doena, apesar de cargas virais plasmticas elevadas serem, por

    vezes, detetadas nessas espcies10. Apenas as transmisses zoonticas de VIH-1 e VIH-2

    parecem levar a evoluo de doena, com depleo do nmero de linfcitos CD4+,

    aparecimento de infees oportunistas, evoluo para outras doenas/condies

    provocadas pela infeo viral e, eventualmente, morte precoce10,19.

    As caractersticas clnicas da infeo por VIH-2 so semelhantes a VIH-162, no entanto,

    a sua progresso clnica acontece, de maneira geral, de forma mais lenta10,51,63. VIH-2

    aparentemente menos patognico que VIH-1 revelando uma menor carga vrica10,27,51,64-

    68 e declnio mais lento dos linfcitos T CD4+13,69. Assume-se que uma menor virulncia

    e melhor controlo imunitrio por parte dos hospedeiros infetados tambm contribua para

    esta menor patogenicidade27,66-68,70.

    Histria natural da doena

    A infeo primria com VIH-2, tal como com VIH-1, resulta na induo de respostas

    imunitrias humorais e celulares detetveis, seguidas de um perodo de latncia

    assintomtico de durao varivel71. A menor patogenicidade de VIH-2 parece tambm

    ter expresso num perodo de latncia de infeo mais longo (igual ou superior a 10

    anos)10. Uma elevada percentagem de indivduos nunca progride para SIDA72, sendo que

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    muitos podero ser classificados como long term nonprogressors (LTNP)10,12,13,19,24,35.

    LTNP foram inicialmente definidos para a infeo por VIH-1, existindo alguma

    disparidade nas definies dadas, podendo-se definir ainda assim trs grupos

    principais73,117,118.

    LTNP-NC (viremic non controllers): infeo assintomtica, com contagens de

    linfcitos T CD4+ >350 (ou >500) clulas/L durante mais de 7-10 anos sem

    TARV com CVs acima de 2000 cpias/mL em mais de 50% dos registos de

    CVs;

    LTNP-VC (viremic controllers): infeo assintomtica, com contagens de

    linfcitos T CD4+ >350 (ou >500) clulas/L durante mais de 7-10 anos e com

    CVs menores ou iguais a 2000 cpias/mL sem TARV. Podem existir valores

    espordicos de CVs acima de 2000 cpias/mL desde que no correspondam

    maioria das determinaes;

    LTNP-EC (elite controllers): infeo assintomtica com contagens de linfcitos

    T CD4+ >350 (ou >500) clulas/L durante mais de 7-10 anos e com CVs

    indetetveis sem TARV. Podem existir valores espordicos de CVs acima de

    1000 cpias/mL desde que no consecutivos e no correspondam maioria das

    determinaes.

    De uma forma geral, quando assintomticos, a maioria dos indivduos infetados por VIH-

    2 apresenta CV indetetvel, sendo tal achado preditor de bom prognstico12,74. Tal no

    acontece to frequentemente com VIH-1, sendo que alguns estudos referem que o perodo

    sintomtico antes da progresso para SIDA e/ou morte parece ser, igualmente, mais

    prolongado com VIH-235,65. Apesar disso, outros autores verificam que aps incio da

    progresso da infeo no parecem existir diferenas considerveis em termos de CV,

    velocidade de declnio imunitrio e aparecimento de manifestaes clnicas entre VIH-1

    e VIH-267,68,75.

    Mortalidade

    Vrios estudos revelam que os indivduos infetados por VIH-2 apresentam mortalidade

    inferior aos infetados por VIH-1 (cerca de dois teros menor)70,76,77, mas ainda assim,

    cerca de duas vezes superior a indivduos no infetados por nenhum dos tipos de

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    VIH15,34,66. A mortalidade observada na sua maioria atribuda a faixas etrias

    superiores12. descrita uma mortalidade inferior no gnero feminino, relativamente, ao

    masculino, sendo que este ltimo apresenta cargas vricas superiores40,66.

    Quando comparados indivduos infetados por VIH-1 ou VIH-2, com nveis elevados de

    CD4+ (> 500 clulas/L ou > 28% dos linfcitos totais), os indivduos infetados por VIH-

    2 possuem maior taxa de sobrevivncia. A diferena de mortalidade que VIH-2 apresenta

    parece dever-se, principalmente, custa das fases iniciais da infeo. Porm, verifica-se

    que com imunossupresso moderada e avanada o risco de mortalidade equivalente, no

    se verificando diferena na mortalidade nos estdios avanados de SIDA (

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    A resposta celular a VIH-2 atravs de clulas T CD4+ mais intensa que a observada em

    doentes infetados com VIH-1 para contagens de clulas CD4+ nos limites normais81-83,

    existindo uma correlao inversa entre a carga de ADN provrico e a resposta montada

    contra eptetos antignicos da protena GAG codificada pelo gene gag de VIH-281. A

    manuteno da capacidade de proliferao e diferenciao dos linfcitos T CD4+, a

    capacidade de produo de citocinas (como a interleucina 2 e TNF- ) e a capacidade de

    utilizao da interleucina 7 por parte dos linfcitos T CD4+ parecem manter-se altamente

    conservadas e eficazes na infeo por VIH-212,13,35,59,81,84. Verifica-se ainda, uma menor

    taxa de apoptose dessa populao linfocitria durante o curso da infeo12,35,59,84.

    No que diz respeito resposta imune inata contra VIH-2 alguns estudos parecem apontar

    a via de TRIM5 como capaz de bloquear ou interferir com a infeo por VIH. TRIM5

    atua ligando-se a eptetos da protena do capside viral, interferindo com as fases finais do

    ciclo replicativo do vrus, nomeadamente ao nvel do transporte intracelular do virio,

    ativando processos de ubiquitaao e degradao, e limitando a acumulao de precursores

    da protena GAG durante a montagem da partcula vrica94. VIH-2 parece ser sensvel a

    restrio por TRIM5 de macacos, e o alvo da sua inibio parece ser a protena p26 da

    protena do capside vrico95. Parece ainda existir evidncia de que a famlia APOBEC das

    deaminases de citidina contribui para a inibio de VIH-212.

    A atividade de clulas natural killer (NK) apresenta-se tambm mais preservada na

    infeo por VIH-2, demonstrando uma resposta ampla e mais intensa12,13. Alguns estudos

    tm demonstrado que a resposta citotxica contra VIH-2 dependente de clulas T CD8+

    ocorre naturalmente in vivo e possvel de desencadear reatividade cruzada contra VIH-

    185. Porm, a sua produo, capacidade de proliferao e citotoxicidade semelhante nas

    infees por VIH-1 e VIH-2, apesar de alguns dados sugerirem que as clulas CD8+ so

    mais polifuncionais que os presentes na infeo por VIH-181,82.

    Cavaleiro et al. ao avaliar os efeitos imunossupressores dos envelopes proteicos de VIH-

    1, VIH-2 e SIV verificou que, no caso de VIH-2, gp105 apresenta maior capacidade

    imunossupressora. Os autores sugerem que esta imunossupresso pode ser

    potencialmente benfica j que leva a uma menor ativao imunitria e,

    consequentemente, a uma diminuio da taxa de replicao vrica, por comparao com

    gp120 de VIH-186. J outros autores descrevem ainda as regies C2, C3 e V3 do envelope

    proteico vrico como sendo o alvo major de resposta IgG mediada e, desta forma,

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    responsvel por essas propriedades imunossupressoras. Porm, verificam uma corelao

    inversa entre a resposta IgG contra essas regies e o nmero de linfcitos CD4+,

    traduzindo-se essa imunossupresso numa progresso mais acelerada da doena87.

    VIH-2 aparenta induzir uma produo de anticorpos muito mais abrangente que VIH-1 e

    parece ter menor capacidade para escapar eliminao pelos mesmos12,13,59. Alis, desde

    cedo se encontrou produo de anticorpos neutralizadores de largo espectro na infeo a

    VIH-2, mas tal extremamente raro na infeo a VIH-188. , no entanto, importante ter

    em conta que os estudos que tm descoberto essas evidncias apresentam algumas

    limitaes12. A elevada sensibilidade do vrus aos anticorpos pode dever-se

    conformao estrutural do envelope vrico e ao menor padro de glicolizao, o que pode

    tornar a regio V3 mais exposta, o que (como j acima referido) parece conferir maior

    flexibilidade na utilizao de coreceptores por parte de VIH-2, mas tambm mais

    facilmente expe o vrus ao de anticorpos59,89. A associao entre o estado imunitrio

    do doente e o padro de glicosilao de outros domnios como V1/V2, parece indicar que

    quanto menor a taxa de glicolizao desses domnios, maiores os valores de linfcitos T

    CD4+ 59.

    Apesar destas diferenas, com a progresso da infeo para estdios de imunossupresso

    marcada, o diferencial de ativao imunitria entre os dois tipos de VIH deixa de existir12.

    Manifestaes clnicas

    Como j referido, observa-se um maior perodo assintomtico na infeo por VIH-2.

    Porm, com o passar do tempo, declnio do nmero de linfcitos CD4+ e na ausncia de

    teraputica antirretroviral tambm estes doentes desenvolvem manifestaes da doena,

    tal como acontece com os doentes infetados por VIH-124 Quando presentes, as

    manifestaes clnicas da infeo por VIH-2, so semelhantes s de VIH-1 13,24,35.

    Condies como tuberculose, candidase esofgica, toxoplasmose cerebral, doena

    disseminada a Mycobacterium avium intracellulare, criptococcicose, criptosporidase,

    doena a citomegalovrus, sarcoma de Kaposi, demncia associada a VIH, pneumonia

    bacteriana recorrente e leucoencefalopatia multifocal progressiva tm sido descritas em

    doentes com VIH-2, sendo que a maioria so atualmente doenas/manifestaes

    definidoras de SIDA90,91.

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    Observam-se, no entanto, algumas diferenas por comparao a VIH-1, nomeadamente,

    uma menor incidncia de sarcoma de Kaposi12,19,35,78 e nefropatia associada a VIH92.

    Verifica-se ainda uma maior incidncia de encefalite93, apesar de no ser claro se tal

    devido maior sobrevida destes indivduos ou ao facto de VIH-2 ser mais

    neurotrpico13,24,35, uma maior incidncia de tuberculose90 e de sndrome de emaciao78.

    INFEO DUPLA POR VIH-1 E VIH-2

    Compreende-se infeo dupla como a presena conjunta, no mesmo individuo, de ADN

    de VIH-1 e VIH-212. Considerando a elevada prevalncia de VIH-1 no mundo inteiro e o

    aumento da sua incidncia em pases nos quais a infeo por VIH-2 era mais prevalente

    (principalmente em frica Ocidental)19,12,29,30, torna-se importante considerar o risco

    aumento de desenvolver infeo dupla nessas regies e as suas implicaes imunitrias e

    de evoluo de doena. Nesta regio estima-se que a infeo dupla afete entre 0,3 a 1 %

    da populao, sendo, particularmente, frequente na Guin-Bissau13,22,64,96.

    Vrios estudos verificaram que a infeo dupla mais frequente no gnero feminino,

    relativamente, ao masculino e que a sua prevalncia aumenta com o aumento da idade

    das mulheres enquanto a prevalncia tem uma relao inversa com a idade dos homens64.

    Em 1995, um estudo cohort com trabalhadoras sexuais Senegalesas sugeria a hiptese de

    que VIH-2 conferia algum grau de proteo contra a coinfeco por VIH-1, com mulheres

    infetadas com VIH-2, a revelarem menor incidncia de VIH-1 que mulheres

    seronegativas, com um risco relativo de 0,32, apesar de maior incidncia de outras

    doenas sexualmente transmissveis97. Porm, os outros estudos cohort realizados na

    frica Ocidental no pareceram demonstrar tal evidncia, alguns at descrevendo um

    maior risco de infeo por VIH-1 em doentes infetados por VIH-298.

    Estudos in vitro, por outro lado, descrevem a ocorrncia de reao de neutralizao

    cruzada de VIH-1 quando exposto a soro de indivduos infetados por VIH-2 e a resistncia

    de clulas polimorfonucleares perifricas (PBMCs) de doentes com VIH-2 infeo por

    estirpes de VIH-1. Alguns mecanismos sugeridos para tais achados sero uma maior

    secreo de -quimiocinas e inibio da replicao de VIH-1 a nvel molecular (quer por

    competio pelo uso do limitado fator transcripcional ou por influncia na montagem e

    libertao de partculas vricas de VIH-1)12.

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    Apesar destas evidncias in vitro, os dados existentes no parecem apoiar a hiptese de

    um efeito protetor contra VIH-1 exercido por VIH-2 in vivo12,99.

    Quando comparados indivduos com infeo dupla estes apresentam uma mortalidade e

    evoluo clnica semelhante da infeo por VIH-1, o que permite admitir um

    prognstico semelhante a esta ltima12,64. Outros estudos sugerem que, quando VIH-1 e

    VIH-2 coexistem VIH-1 supera VIH-2, verificando-se valores de CV de VIH-1 superiores

    a VIH-2 (que se mantm extremamente baixos ou indetetveis)12. De referir que a infeo

    dupla no tem qualquer impacto na carga vrica de VIH-1 relativamente infeo isolada

    por VIH-1100.

    DIAGNSTICO

    O diagnstico diferencial da infeo por VIH efetuado com base na demonstrao da

    existncia de anticorpos dirigidos a antignios do vrus e dos seus tipos. As

    recomendaes do Center of Disease Control (CDC) atualizadas em 2014 para o

    diagnstico de VIH consideram um conjunto de fases e procedimentos para a

    identificao mais sensvel e especfica101:

    - Inicialmente dever ser realizado um teste diagnstico para VIH usando um teste

    imunoenzimtico antignio/anticorpo de 4 gerao, que detetar quer anticorpos

    contra VIH-1, como contra VIH-2 e ainda o antignio p24 de VIH-1. Esta primeira

    fase tem por objetivo testar para a existncia de infeo estabelecida por VIH-1 e/ou

    VIH-2 ou para a existncia de primoinfeo por VIH-1. Se este teste for no reativo

    no so necessrios outros testes101;

    - Se o teste imunoenzimtico de 4 gerao for reativo (ou repetitivamente reativo)

    recomendada a realizao de um teste imunoenzimtico de diferenciao de anticorpos

    de VIH-1/VIH-2, que poder ser negativo, isoladamente positivo para anticorpos de

    s um dos tipos de VIH ou duplamente positivo (considerando-se um resultado

    indiferenciado e, portanto, no conclusivo) 101;

    - Uma terceira fase aplicada, nos casos de resultado negativo ou indiferenciado na

    fase prvia, na qual recomendada a utilizao de um teste de deteo de cidos

    nucleicos vricos de VIH-1. Um teste reativo confirmar a infeo por VIH-1 (em fase

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    aguda ou j cronicamente estabelecida) e um teste no reativo provavelmente indicar

    um resultado falso-positivo no teste imunoenzimtico de primeira fase101.

    Apesar destas recomendaes outros testes podem e so atualmente utilizados para

    diagnstico de VIH visto alguns testes recomendados pelo CDC (nomeadamente o teste

    de cidos nucleicos vricos e imunoensaios de 4 gerao) apresentarem custos elevados

    e disponibilidade reduzidas em muitos contextos e regies geogrficas101. De outras

    alternativas recomendadas inclui-se o uso de testes imunoenzimticos, Enzyme-Linked

    Immunosorbent Assay (ELISA) (que no pesquisam o antignio p24 de VIH-1) em

    alternativa a imunoensaios de 4 gerao e o uso de Western Blot em alternativa aos testes

    de cidos nucleicos vricos12,101.

    importante referir que existe uma clara limitao nos atuais mtodos diagnsticos de

    VIH, visto que nos casos de possvel infeo dupla, face possibilidade de reao

    humoral cruzada entre VIH-1 e VIH-2, no se podem considerar como infeo dupla

    todos os resultados positivos, simultaneamente, para VIH-1 e VIH-2 de testes baseados

    na deteo de anticorpos7,24,101. Idealmente, o seu diagnstico seria efetuado pelo

    isolamento de ambos os vrus no mesmo indivduo ou pela demonstrao da presena do

    ADN provrico de VIH-1 e VIH-2 (teste de deteo de cidos nucleicos vricos), pela

    reao em cadeia da polimerase (PCR)7,24. No entanto, o uso desse tipo de testes para

    identificar VIH-2 extremamente limitado, face baixa taxa de deteo do ADN

    provrico e ARN plasmtico pelas tcnicas de PCR, e visto no existirem testes

    comercialmente disponveis e aprovados para uso geral. A inexistncia de um teste

    aprovado para a quantificao de CV de VIH-2 torna difcil a criao de evidncia

    cientfica para aplicao destes testes no diagnstico dos casos dbios de infeo dupla e

    na monitorizao das infees por VIH-27,24,101. Verifica-se uma dependncia atual de

    testes caseiros criados e usados em centros mdicos ou de investigao, mas cuja

    aplicao limitada7,24.

    MONITORIZAO

    De uma forma geral, a monitorizao da infeo por VIH-2 deve ser baseada em critrios

    clnicos, imunolgicos e vricos, semelhana do que realizado com a infeo por VIH-

    1102. Os principais marcadores da infeo so a CV e a contagem de linfcitos T CD4+66.

  • Pgina 26 de 82

    Outros indicadores de doena parecem existir, como os nveis elevados de 2-

    microglobulina e neopterina, mas so muito pouco usados na prtica clnica103.

    A CV de VIH-2 , em mdia, cerca de 28 vezes inferior de VIH-166, sendo, geralmente,

    indetetvel at que a contagem de linfcitos T CD4+ seja inferior a 300 106 clulas/L.

    Quando detetvel, o seu valor parece prever, em parte a progresso da doena e relaciona-

    se com a mortalidade. Os indivduos com CV elevada, possuem um risco elevado de

    reduo da contagem de linfcitos T CD4+ e morte65,74,103,104. Relativamente carga

    provrica, como j foi referido, no se estabelecem diferenas entre as infees por VIH-

    1 e VIH-279. A relao que se estabelece entre a carga provrica e a contagem de linfcitos

    T CD4+ pouco clara, sendo que alguns estudos estabelecem uma relao inversa

    enquanto outros no79,82.

    J a contagem de linfcitos T CD4+ correlaciona-se, inversamente, com a progresso da

    doena e a CV103,104.

    A CV e a contagem de linfcitos T CD4+ devem ser, idealmente, interpretadas no seu

    conjunto para avaliar o estadio imunitrio do doente, sendo a contagem de linfcitos T

    CD4+ o nico marcador laboratorial quando a CV indetetvel (o que ocorre muito

    frequentemente na infeo por VIH-2)104.

    Classificao

    Atualmente esto em vigor dois sistemas de classificao dos vrios estdios de infeo

    por VIH (independentemente do tipo): o sistema de classificao do CDC e o sistema de

    classificao da Organizao Mundial de Sade (OMS).

    O sistema de classificao do CDC (revisto, pela ltima vez, em 1993) avalia a gravidade

    da infeo por VIH com base em contagem de linfcitos T CD4+ e pela presena de

    condies/manifestaes especficas relacionadas com a infeo. A definio de SIDA

    compreende todos os indivduos com contagens de linfcitos T CD4+

  • Pgina 27 de 82

    Tabela 1 - Sistema de classificao do CDC para infeo por VIH em adultos e adolescentes. Adaptado de 105.

    CATEGORIAS DE

    CONTAGEM DE

    LINFCITOS T

    CD4+

    CATEGORIAS CLNICAS

    A

    Assintomticos, Primoinfeo, ou

    Linfoadenopatia generalizada

    persistente

    B

    Sintomticos

    Condies no A

    ou C

    C

    Condies

    definidoras de

    SIDA

    (1) 500 clulas/L A1 B1 C1

    (2) 200-499 clulas/L A2 B2 C2

    (3)

  • Pgina 28 de 82

    O uso de teraputica antirretroviral (TARV) altamente ativa, higly active antirretroviral

    therapy, envolve o uso de pelo menos trs agentes farmacolgicos antirretrovirais e

    atualmente preconizada para a infeo por VIH-212,24,104,108. Os antirretrovirais existentes

    podem-se agrupar da seguinte forma: Nuclesidos Inibidores da Transcriptase Reversa

    (NITRs), No-nuclesidos Inibidores da Transcriptase Reversa (NNITRs), Inibidores da

    Protease (IPs), Inibidores da Integrase (IIs) e Inibidores de Entrada (IEs)24,104.

    Apesar de VIH-1 e VIH-2 partilharem cerca de 60 % dos aminocidos codificados no

    gene pol e 50% dos aminocidos codificados nos genes da protease, sendo a sua

    transcriptase reversa (TR) e protease (PR) semelhantes109,110, verifica-se que VIH-2

    apresenta diferenas significativas na suscetibilidade aos agentes antirretrovirais12. j

    largamente conhecida a resistncia natural de VIH-2 a NNITRs, caracterstica atribuda

    por mutaes com substituio de aminocidos na TR de VIH-2111,112. De igual forma,

    VIH-2 aparenta ser resistente aos inibidores de entrada, nomeadamente a Enfuvirtide, o

    primeiro frmaco a ser desenvolvido desta classe, demonstrando uma sensibilidade entre

    20 a 100 vezes menor que VIH-1104. O facto de VIH-2 usar um conjunto mais abrangente

    de coreceptores parece limitar o benefcio clnico deste tipo de frmacos110. Observa-se

    tambm menor suscetibilidade a alguns IPs (como amprenavir, atazanavir, tipranavir,

    indinavir e nelfinavir) por comparao a VIH-1113. No entanto, a suscetibilidade de base

    a lopinavir parece ser equivalente12. O uso de frmacos que potenciem a ao dos IPs,

    como o ritonavir, parece em parte colmatar a esta eventual suscetibilidade e melhorar a

    resposta teraputica ao ponto de se sugerir a introduo destes frmacos em regimes de

    TARV114.

    Para alm destas diferenas de suscetibilidade, a resposta de VIH-2 teraputica inferior

    esperada e tal reflete-se, principalmente, na recuperao imunolgica, a nvel de

    contagem de linfcitos T CD4+, que se demonstra menor ou mais lenta63,104,108,114. Um

    estudo recente procurou, atravs de uma colaborao europeia de mltiplos cohorts,

    averiguar qual a resposta da contagem de linfcitos T CD4+ TARV de primeira linha

    para VIH-1 e VIH-2. Os autores observaram que a mediana de contagem de linfcitos T

    CD4+ em que se iniciava TARV era menor nos indivduos infetados com VIH-2 (182

    clulas/mm3 versus 224 clulas/mm3 para VIH-1) e a subida desses valores ao fim de 12

    meses de teraputica tambm era menor, cerca de 31 clulas/mm3 a menos que nos

    indivduos infetados com VIH-1. Esta menor resposta de VIH-2 TARV era consistente

    independentemente dos valores de CV observados115 e pode recomendar o incio mais

  • Pgina 29 de 82

    precoce de TARV, nomeadamente a partir de contagem de linfcitos T CD4+ entre os

    350-500 clulas/L104, sendo que a OMS atualmente recomenda o incio de TARV em

    doentes infetados com VIH (independentemente do tipo) a partir de contagens

  • Pgina 30 de 82

    MATERIAL E MTODOS

    Neste trabalho prope-se realizar um estudo retrospetivo de uma cohort de indivduos

    infetados por VIH-2, com idade superior a 18 anos, seguidos, durante um perodo de

    tempo varivel, na Consulta de Imunodepresso do Hospital de Santa Maria. Parte dos

    indivduos j haviam sido includos e os seus dados introduzidos numa base de dados em

    Microsoft Office Excel 2016. Para realizar esta anlise, foram, em primeiro lugar,

    includos mais doentes infetados com VIH-2, no previamente includos nessa base

    dados, e atualizados os dados da mesma at Maro de 2016. Foram recolhidos/atualizados

    os seguintes dados demogrficos, epidemiolgicos, clnicos e teraputicos: data de

    nascimento, gnero, naturalidade, tempo de permanncia em Portugal, data de

    diagnstico da infeo por VIH-2, motivo do teste que levou ao diagnstico, modo de

    transmisso da infeo, existncia de coinfeces com vrus de hepatites ou VIH-1, data

    de primeiro e ltimo registo clnico, diagnstico de doenas oportunistas e relao com

    frica. Assumiu-se como relao com frica os seguintes contextos: participao na

    guerra da independncia das anteriores colnias portuguesas, estadia e/ou viagem a pases

    africanos (em particular, aqueles como elevada incidncia de infeo por VIH-27,17),

    contactos sexuais ou comportamentos de risco em pases africanos e/ou com indivduos

    provenientes dos mesmos e relao familiar e/ou conjugal com indivduos naturais ou

    com perodo de estadia em pases africanos.

    Foram tambm compilados/atualizados os resultados laboratoriais de contagem de

    linfcitos T CD4+ (clulas/L) e as determinaes de CV de VIH-2 (nmero de cpias de

    RNA de VIH-2/mm3), juntamente com as respetivas datas de determinao. O teste de

    determinao de CV de VIH-2, usado no seguimento dos doentes apresentou valores

    mnimos de deteo de cpias de RNA de VIH-2 com limites variveis. De uma forma

    aproximada, o limite de deteo de cpias variou do seguinte modo, considerando-se CV

    indetetvel para:

    - Valores

  • Pgina 31 de 82

    Nos indivduos que iniciaram TARV, esta foi registada paralelamente aos registos de

    contagens de linfcitos T CD4+ e de CV, registando-se os frmacos anti-retrovricos

    usados e a data de incio e interrupo de cada esquema teraputico. Para efeitos deste

    estudo, apenas se registou o uso de determinado esquema de TARV aps um perodo

    mnimo de dois meses a realizar o mesmo.

    Para realizar o estadiamento da infeo foi usado o sistema de classificao do CDC para

    a infeo por VIH105. Os indivduos foram estadiados (se possvel) data do diagnstico

    de infeo por VIH-2 e divididos nas seis categorias consoante as manifestaes clnicas

    e a contagem de linfcitos T CD4+ (Tabela 1). Os doentes foram, ainda, diagnosticados

    com SIDA aquando o aparecimento de doenas definidoras (Anexo 1) ou quando

    apresentavam valores de linfcitos T CD4+

  • Pgina 32 de 82

    prescrita ou abandono muito precoce da mesma, bem como a existncia de mulheres que

    so submetidas a teraputica por perodos curtos para diminuio da transmisso vertical,

    apenas se incluram no grupo sob teraputica os indivduos a realizar um esquema

    teraputico durante pelo menos um ano de evoluo. No grupo sem teraputica

    (treatment-naive), incluram-se os doentes nunca submetidos a nenhum esquema

    teraputico ou submetidos por perodos de tempo inferiores a um ano.

    O registo e tratamento de dados foi realizado recorrendo a Microsoft Office Excel 2016

    e a anlise estatstica recorrendo a IBM SPSS Statistics 23. As variveis categricas

    foram avaliadas usando percentagens, e as variveis contnuas atravs de mdia e/ou

    mediana, desvio padro, amplitude entre quartis, valor mnimo e valor mximo. Definiu-

    se um intervalo de confiana de 95% para a mdia. As diferenas entre variveis foram

    aferidas utilizando o teste Qui-Quadrado de Person, para as variveis categricas, e o teste

    de Mann-Whitney, para as variveis contnuas. Para avaliao de diferenas entre valores

    de contagens de linfcitos T CD4+ durante o tempo de seguimento sem estar sob TARV

    e aps incio de TARV utilizou-se o teste T de Wilcoxon para amostras pareadas. O limite

    para significncia estatstica foi estabelecido nos 5%, correspondendo a um p-value <

    0,05.

  • Pgina 33 de 82

    RESULTADOS

    INTRODUO

    Foram recolhidos dados de 166 indivduos infetados por VIH-2. Aps a aplicao dos

    critrios de excluso, 29 indivduos foram excludos da anlise final:

    Oito indivduos foram excludos por apresentarem tempo de seguimento inferior

    a 12 meses. Destes, trs (37,5%) eram homens e cinco (62,5%) eram mulheres;

    Um indivduo do gnero feminino foi excludo por apresentar menos de dois

    registos de contagem de linfcitos T CD4+;

    19 indivduos foram excludos por apresentarem, simultaneamente, um tempo de

    seguimento inferior a 12 meses e menos de dois registos de contagem de linfcitos

    T CD4+. Destes, seis (31,6%) eram homens e 13 (68,4%) eram mulheres;

    Um indivduo do gnero masculino foi excludo por apresentar infeo dupla por

    VIH-1 e VIH-2.

    Foram, desta forma, includos 137 indivduos infetados por VIH-2 neste estudo.

    DADOS DEMOGRFICOS

    Dos 137 indivduos infetados por VIH-2, 97 eram do gnero feminino (70,8%) e 40 eram

    do gnero masculino (29,2%), com uma razo mulher/homem de 2,425.

    A mdia de idade data da realizao deste estudo foi de 56,54 2,06 anos, com um

    desvio padro de 12,185, um mnimo de 23 anos, um mximo de 87 anos e uma mediana

    de 56 anos, observando-se, na Figura 3, a distribuio de idades por faixa etria. No

    gnero masculino, a mdia de idade foi de 60,3 4,0 anos, com um desvio padro de

    12,511, um mnimo de 33 anos, um mximo de 87 anos e uma mediana de 63,5 anos. No

    gnero feminino a mdia de idade foi de 54,99 2,37 anos, com um desvio padro de

    11,766, um mnimo de 23 anos, um mximo de 80 anos e uma mediana de 54 anos. Pelo

    teste de Mann-Whitney conclui-se com significncia estatstica que a idade data de

    realizao do estudo maior nos indivduos do gnero masculino do que nos indivduos

    do gnero feminino (U = 1418,5; p = 0,013509).

  • Pgina 34 de 82

    Figura 3 - Frequncias de idades data de realizao do estudo por faixas etrias

    A mediana de idades, data de diagnstico de infeo por VIH-2, foi de 40,68 2,04

    anos, com um desvio padro de 12,067, um mnimo de seis anos, um mximo de 67 anos

    e uma mediana de 40 anos, observando-se, na Figura 4, a distribuio de idades por faixa

    etria. No gnero masculino, a mdia de idade foi de 43,38 3,89 anos, com um desvio

    padro de 12,133, um mnimo de seis anos, um mximo de 63 anos e uma mediana de

    45,5 anos. No gnero feminino, a mdia de idade foi de 39,57 2,41 anos, com um desvio

    padro de 11,925, um mnimo de 14 anos, um mximo de 67 anos e uma mediana de 38

    anos. Pelo teste de Mann-Whitney conclui-se com significncia estatstica que a idade

    data de diagnstico de infeo por VIH-2, maior nos indivduos do gnero masculino

    do que nos indivduos do gnero feminino (U = 1503; p = 0,038431).

    Figura 4 - Frequncias de idades data de diagnstico de infeo por VIH-2 por faixas etrias

  • Pgina 35 de 82

    Relativamente naturalidade dos indivduos em estudo, era desconhecida a naturalidade

    de 10 indivduos (7,3%), 72 eram naturais de Guin-Bissau (52,6%), 36 de Portugal

    (26,3%), 13 de Cabo Verde (9,5%), trs de Angola (2,2%) e trs de Moambique (2,2%).

    Figura 5 - Pas de origem dos indivduos infetados por VIH-2

    Dos 36 indivduos de naturalidade portuguesa, cerca de 12 (33%) apresentam algum tipo

    de relao (direta ou indireta) com a regio africana, desconhecendo-se essa relao nos

    restantes.

    Dos 91 indivduos de naturalidade no portuguesa e no desconhecida, desconhece-se a

    data de vinda ou de permanncia mais fixa em Portugal em 16 indivduos (17,6%). Dos

    75 indivduos (82,4%) em que se conhece uma data aproximada para a vinda para

    Portugal, a data mediana 1998, com o primeiro indivduo a vir para Portugal em 1958 e

    o ltimo em 2011.

  • Pgina 36 de 82

    DADOS EPIDEMIOLGICOS

    Relativamente ao ano de diagnstico de infeo por VIH-2, verifica-se que a data mediana

    de diagnstico se situa perto do ano 2001, com o primeiro diagnstico em 1989 e o ltimo

    diagnstico em 2010. Para os indivduos provenientes de pases africanos (n=91; 66,4%)

    a data mediana de diagnstico situou-se no ano 2002, enquanto que para os indivduos

    naturais de Portugal (n=36; 26,3%) a data mediana de diagnstico situou-se no ano 1996

    e para os indivduos naturais de Guin-Bissau (n=72; 52,6%) a data mediana de

    diagnstico situou-se no ano 2003.

    Na Figura 6 possvel observar a distribuio de diagnsticos da infeo por VIH-2 ao

    longo dos anos, discriminando para os trs pases com maior incidncia de diagnstico,

    Portugal, Guin-Bissau e Cabo Verde, agrupando os restantes pases com uma

    percentagem de diagnsticos igual ou menor a 10% do total e ainda representando os

    diagnsticos de indivduos cuja naturalidade desconhecida. Na Figura 7 possvel

    observar a distribuio de diagnsticos da infeo por VIH-2 ao longo dos anos, apenas

    representando os diagnsticos de indivduos com origem em Portugal e Guin-Bissau.

    Figura 6 - Distribuio temporal de diagnsticos de infees por VIH-2 por ano e por pas de origem.

  • Pgina 37 de 82

    Procurou-se, ainda, avaliar a mais provvel via de transmisso da infeo, tendo sido

    possvel estabelecer uma causa provvel em 106 indivduos. A forma mais comum de

    transmisso foi por contacto heterossexual, com 90 indivduos (65,7%), seguindo-se as

    transfuses no relacionadas com hemofilia, com nove indivduos (6,6%) e a transmisso

    vertical, com trs indivduos (2,2%). (Figura 8)

    Figura 8 - Via de transmisso mais provvel, nos indivduos infetados por VIH-2.

    Figura 7 - Distribuio temporal de diagnsticos de infees por VIH-2 por ano de indivduos naturais de Portugal e Guin-Bissau.

  • Pgina 38 de 82

    Outras causas menos comuns foram: transfuses no relacionadas com doentes

    hemoflicos, com dois indivduos (1,5%), contacto homossexual/bissexual (men who have

    sex with men, MSM) com apenas um indivduo (0,7%) e transmisso em utilizador de

    drogas por via endovenosa (UDE), com apenas um indivduo (0,7%) (Figura 8). Em 31

    indivduos (22,6%) a via de transmisso da infeo por VIH-2 desconhecida.

    Muitas das infees foram diagnosticadas aps avaliaes de rotina (23 indivduos,

    16,8%), por gravidez (18 mulheres, 13,1%) ou pela seropositividade de

    cnjuge/parceiro(a) (17 indivduos, 12,4%). Entre outros motivos para o diagnstico

    incluem-se: tuberculose (oito indivduos, 5,8%), ddiva de sangue (sete indivduos,

    5,1%), trombocitopenia (cinco indivduos, 3,6%), anemia (trs indivduos, 2,2%) e

    transfuso sangunea (trs indivduos, 2,2%).

    Os restantes motivos perfazem um total de 19,7% dos casos (27 indivduos),

    desconhecendo-se o motivo de teste em 26 indivduos (19,0 %). Na Tabela 4 observa-se

    a listagem de motivos para a realizao de teste de diagnstico para a infeo por VIH-2,

    contabilizando-se o nmero correspondente de indivduos.

  • Pgina 39 de 82

    Tabela 4 - Motivo para realizao de teste de diagnstico para infeo por VIH-2.

    Motivo do teste Frequncias

    N %

    Adenopatias 1 0,7%

    Anemia 3 2,2%

    Acidente vascular cerebral 1 0,7%

    Cnjuge/parceiro(a) positivo(a) 17 12,4%

    Ddiva sangue 7 5,1%

    Desconhecido 26 19,0%

    Diarreia 2 1,5%

    Gravidez 18 13,1%

    Hemofilia 2 1,5%

    Herpes simplex disseminado 1 0,7%

    Zona 1 0,7%

    Infeo urinria 1 0,7%

    Interrupo voluntria da gravidez 1 0,7%

    Leses cutneas 1 0,7%

    Leucopenia 2 1,5%

    Meningite 1 0,7%

    Progenitor infetado por VIH-2 2 1,5%

    Pancitopenia 1 0,7%

    Pneumonia 1 0,7%

    Cirurgia 1 0,7%

    Prostituio 1 0,7%

    Rotina 23 16,8%

    Sndrome de Loeffler 1 0,7%

    Sarcoma clulas dendrticas 1 0,7%

    Sfilis 1 0,7%

    Sndrome febril 1 0,7%

    Toxoplasmose cerebral 1 0,7%

    Transfuso 3 2,2%

    Trombocitopenia 5 3,6%

    Tuberculose 8 5,8%

    Uvete 1 0,7%

    Violao 1 0,7%

    Em relao presena de coinfeces, avaliou-se a presena ou no de infeo por vrus

    de hepatites, no sendo possvel obter essa informao em cerca de 71 indivduos

    (51,8%). Dos restantes 66 indivduos (48,2% do total), 25 (37,9%) no apresentavam

    qualquer coinfeco, 29 (43,9%) apresentavam infeo pelo vrus de hepatite B e 12

    (18,2%) apresentavam infeo pelo vrus de hepatite C.

  • Pgina 40 de 82

    DADOS DE SEGUIMENTO

    O tempo de seguimento dos indivduos infetados por VIH-2 e introduzidos neste estudo

    variou entre 12 meses (um ano) e 295 meses (24 anos e sete meses), com uma mdia de

    122,6 1,6 meses, um desvio padro de 74,3 meses (seis anos e dois meses), uma mediana

    de 114 meses (nove anos e seis meses) e uma amplitude interquartil de 64 a 169 meses

    (cinco anos e quatro meses a 14 anos e um ms).

    Em relao aos 40 indivduos do gnero masculino, o seu tempo de seguimento variou

    entre os 12 meses (um ano) e os 291 meses (24 anos e trs meses), com uma mdia de

    110,7 23 meses, com um desvio padro de 71,9 meses (cinco anos e 11 meses) e uma

    mediana de 90 meses (sete anos e seis meses). Relativamente aos 97 indivduos do gnero

    feminino, o seu tempo de seguimento variou entre os 12 meses (um ano) e os 295 meses

    (24 anos e sete meses), com uma mdia de 127,5 15,1 meses, com um desvio padro de

    75,1 meses (seis anos e trs meses) e uma mediana de 118 meses (nove anos e 10 meses).

    Pelo teste de Mann-Whitney conclui-se que no h diferena estatstica significativa entre

    o tempo de seguimento dos indivduos do gnero feminino com o gnero masculino (U =

    1692; p = 0,240371)

    Em relao ao estado atual de seguimento, 71 indivduos (51,8%) encontravam-se em

    follow up, 51 indivduos (37,2%) apresentavam o seu ltimo registo clnico previamente

    a 2014 e, portanto, foram considerados como lost to follow up, e 15 indivduos (10,9%)

    haviam falecido.

    Tabela 5 - Frequncia do estado atual de seguimento dos 137 indivduos infetados com VIH-2, discriminando para o gnero.

    Gnero

    Total Masculino Feminino

    Estado atual de

    seguimento

    Follow up N 12 59 71

    % 30,0% 60,8% 51,8%

    Lost to follow up N 19 32 51

    % 47,5% 33,0% 37,2%

    Falecido N 9 6 15

    % 22,5% 6,2% 10,9%

  • Pgina 41 de 82

    Discriminando para o gnero dos indivduos (tabela 5), dos 40 homens, 12 (30%)

    encontravam-se em follow up, 19 (47,5%) encontravam-se em lost to follow up, e nove

    (22,5%) haviam falecido. Das 97 mulheres, 59 (60,8%) encontravam-se em follow up, 32

    (33%) encontravam-se em lost to follow up, e seis (6,2%) haviam falecido (Tabela 5).

    Para anlise por teste de Qui-Quadrado de Pearson comparou-se o estado atual de

    seguimento (considerando os indivduos mortos como lost to follow up) com o gnero

    dos indivduos e verificou-se que o gnero do indivduo e o estado atual de seguimento

    so duas variveis correlacionadas entre si com significncia estatstica (p = 0,001027).

    Comparou-se ainda (pelo mesmo teste estatstico) a mortalidade com o gnero dos

    indivduos verificando-se, igualmente, uma correlao estatisticamente significativa (p =

    0,005428).

    Dos indivduos falecidos apenas se conhecia, com algum grau de certeza, a causa de morte

    em quatro indivduos (2,9%): trs faleceram por complicaes de patologia oncolgica

    em estadio terminal e um faleceu por choque sptico com isolamentos bacterianos

    mltiplos.

    DADOS CLNICOS

    Dados gerais

    A mdia da primeira contagem (baseline) de linfcitos T CD4+ foi de 544,7 65,7

    clulas/L, com uma mediana de 471 clulas/L, uma amplitude interquartil de 249,5 a

    767 clulas/L, um desvio padro de 388,9 clulas/L, um mnimo de 13 clulas/L e

    um mximo de 1925 clulas/L.

    Agrupando estes dados em funo do gnero do indivduo verificamos que o gnero

    masculino apresenta uma mdia na baseline de linfcitos T CD4+ de 398,4 101,1

    clulas/L, com uma mediana de 312 clulas/L, uma amplitude interquartil de 162,8 a

    609,8 clulas/L, um desvio padro de 316 clulas/L, um mnimo de 15 clulas/L e

    um mximo de 1440 clulas/L. J para o gnero feminino, verificamos uma mdia na

    baseline de linfcitos T CD4+ de 605 80,9 clulas/L, com uma mediana de 520

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    clulas/L, uma amplitude interquartil de 289,5 a 829 clulas/L, um desvio padro de

    401,3 clulas/L, um mnimo de 13 clulas/L e um mximo de 1925 clulas/L.

    Pelo teste de Mann-Whitney conclui-se com significncia estatstica que a primeira

    contagem de linfcitos T CD4+ mais elevada nos indivduos do gnero feminino do que

    nos indivduos do gnero masculino (p = 0,002447).

    Estratificando os 137 indivduos a partir da contagem de linfcitos T CD4+ na baseline

    verifica-se que a maioria relativa, 64 indivduos (46,7%), apresenta valor superior a 500

    clulas/L, 48 indivduos (35%) apresenta valor entre 200 e 500 clulas/L, e 25

    indivduos (18,5%) apresenta valor inferior a 200 clulas/L (Tabela 6).

    Pelo teste de Qui-Quadrado de Pearson, verifica-se que existe uma associao

    estatisticamente significativa entre o gnero do indivduo e a sua estratificao por

    contagem de linfcitos T CD4+ na baseline (p = 0,003790) (Anexo 2).

    Tabela 6 - Estratificao dos indivduos infetados por VIH-2 por contagem de linfcitos T CD4+ na baseline e por gnero.

    Gnero

    Total Masculino Feminino

    Contagem Linfcitos T

    CD4+ (baseline)

    500 clulas/L N 11 53 64

    % 8,0% 38,7% 46,7%

    200 a 499 clulas/L N 16 32 48

    % 11,7% 23,4% 35%

    199 clulas/L N 13 12 25

    % 9,5% 8,8%% 18,2%

    Avaliando os registos clnicos dos indivduos em estudo e aplicando o sistema de

    classificao do CDC para a infeo por VIH, j acima referido, foi possvel saber o

    estadio de infeo por VIH-2, aquando do diagnstico da mesma, em apenas 47

    indivduos (29,9%) dos 137 includos neste estudo. A frequncia de distribuio pelos

    vrios estdios e a respetiva percentagem pode ser lida na Tabela 7.

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    Tabela 7 - Estadio de infeo por VIH-2 aquando do diagnstico com base no sistema de classificao do CDC 104.

    Frequncias

    N %

    A1 18 13,1%

    A2 5 3,6%

    A3 1 0,7%

    B1 0 0%

    B2 6 4,4%

    B3 3 2,2%

    C1 1 0,7%

    C2 3 2,2%

    C3 4 2,9%

    Desconhecido 96 70,1%

    137 100,0%

    Destes 137 indivduos includos no estudo, 76 (55,5%) foram agrupados no grupo

    submetido a TARV e 61 (44,5%) foram agrupados no grupo no submetido a TARV

    (treatment-naive). No grupo treatment-naive incluram-se 11 mulheres (18%) que

    realizaram TARV por um perodo de tempo inferior a um ano no contexto de gravidez.

    Evoluo imunolgica

    Para avaliar a histria natural da doena do ponto de vista imunolgico procedeu-se

    observao dos dados de contagens de linfcitos T CD4+ dos indivduos submetidos a

    teraputica antirretroviral (desde a data de incio de seguimento at data de incio da

    teraputica) e dos indivduos considerados treatment-naive. Analisaram-se, assim, os

    dados de 105 indivduos (excluindo-se aqueles que iniciaram imediatamente TARV),

    com um total de 1818 observaes (Figura 9).

    O tempo mediano de seguimento sem teraputica destes 105 indivduos nesta anlise foi

    de 86,8 meses, com uma amplitude interquartil de 25 a 152,1 meses. Se analisarmos

    unicamente os 61 indivduos treatment-naive verificamos que estes tm um tempo

    mediano de seguimento de 105,7 meses, com uma amplitude interquartil de 58,7 a 173,6

    meses. J os 44 indivduos que eventualmente realizaram TARV, tiveram um tempo,

    tempo mediano de seguimento de 32,5 meses, com uma amplitude interquartil de 10,3 a

    99,3 meses at incio de teraputica. Por recurso a teste de Mann-Whitney verifica-se que

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    o tempo de seguimento estatisticamente e significativamente maior nos indivduos

    treatment-naive (U = 697; p = 0,000028).

    Na Tabela 8 compara-se a contagem de linfcitos T CD4+ destes 105 indivduos, durante

    o seu seguimento sem TARV, na baseline, com o valor mais baixo de contagem de

    linfcitos T CD4+ (nadir) atingido e o ltimo valor registado (endline), discriminando

    para o gnero dos indivduos. Por teste T de Wilcoxon (Anexo 3) verifica-se que:

    63 indivduos (60%) tm um valor de baseline superior ao valor de endline, 40

    (38,1%) tm um valor de baseline inferior ao valor de endline e dois (1,9%) tm

    contagens semelhantes. Existe uma descida estatisticamente significativa entre o

    valor de baseline e o valor de endline (Z = -2,298 / p = 0,021561);

    Quase a totalidade dos indivduos (83,7%) tem um valor de baseline superior ao

    valor de nadir, sendo que em 15 (14,3%) o valor de baseline corresponde ao seu

    valor de nadir;

    70 indivduos (66,7%) tm um valor endline superior ao valor de nadir e 35 (33,3%)

    o seu valor de endline corresponde ao seu valor de nadir.

    Figura 9 - Evoluo das contagens de linfcitos T CD4+ ao longo do tempo de seguimento sem realizar teraputica antirretroviral. Cada linha representa um indivduo.

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    Tabela 8 - Anlise descritiva e comparativa entre o valor de baseline, de nadir e de endline dos 105 indivduos que durante o seu seguimento estiveram treatment-naive, discriminando para o gnero.

    Baseline

    (clulas/L)

    Nadir

    (clulas/L)

    Endline

    (clulas/L)

    Masculino

    N 27 27 27

    Mdia 489,1 331 442,3

    Mediana 438 276 370

    Desvio Padro 332,5 203,1 269

    Mnimo 43 43 43

    Mximo 1440 847 1058

    Feminino

    N 78 78 78

    Mdia 692,8 449,9 608,3

    Mediana 608,5 388,3 479,7

    Desvio Padro 393,7 288 437,1

    Mnimo 61 50 54

    Mximo 1925 1409 1862,6

    Total

    N 105 105 105

    Mdia 640,4 419,3 565,6

    Desvio Padro 387,8 272,9 406

    Mnimo 43 43 43

    Quartil 25 334 226 268

    Mediana 567 360 468

    Quartil 75 861,5 567,2 781,2

    Mximo 1925 1409 1862,6

    Discriminando para os dois grupos de indivduos (treatment-naive e sob TARV), e por

    recurso a teste de Mann-Whitney, verifica-se que os valores de contagens de linfcitos T

    CD4+ so mais elevados nos indivduos treatment-naive do que nos indivduos que iro

    iniciar TARV, na baseline (U = 608,5; p = 0,000002), nadir (U = 385,5; p = 0,000000) e

    endline (U = 295; p = 0,000000), com significncia estatstica.

    Pela avaliao dos dados da Tabela 8, e por recurso a teste de Mann-Whitney, verifica-se

    que os valores de contagens de linfcitos T CD4+ so, de uma forma geral, mais elevados

    nos indivduos do gnero feminino por comparao ao gnero masculino, na baseline (U

    = 702,5; p = 0,010175), nadir (U = 807; p = 0,071288) e endline (U = 856; p = 0,148635).

    Porm, apenas a diferena observada na baseline estatisticamente significativa.

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    Avaliao de efeitos imunolgicos de TARV

    Para avaliao do efeito da teraputica antirretroviral sob a evoluo imunolgica

    procedeu-se observao dos dados de contagens de linfcitos T CD4+ dos indivduos

    submetidos a teraputica antirretroviral desde o momento em que a iniciaram at ao final

    do seu seguimento, no discriminando para o esquema teraputico utilizado.

    Considerou-se, assim, os dados de 76 indivduos, com um total de 1867 observaes

    (Figura 10).

    Figura 10 - Evoluo das contagens de linfcitos T CD4+ ao longo do tempo de seguimento aps incio de teraputica

    antirretroviral. Cada linha representa um indivduo.

    Na Tabela 9 compara-se a contagem de linfcitos T CD4+ destes 76 indivduos, durante

    o seu seguimento a partir do momento em que iniciaram TARV. Considerou-se como

    baseline o primeiro valor obtido imediatamente antes do incio de TARV, como nadir o

    valor mais baixo de contagem de linfcitos T CD4+ atingido, e como endline o ltimo

    valor registado discriminando para o gnero dos indivduos. Por teste T de Wilcoxon

    (Anexo 4) verifica-se que:

    52 indivduos (68,4%) tm um valor de endline superior ao valor de baseline e 24

    (31,6%) tm um valor de baseline superior ao valor de endline. Existe uma subida

    estatisticamente significativa entre o valor de baseline e o valor de endline (Z = -

    4,308 / p = 0,000017);

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    57 indivduos (75%) tm um valor de baseline superior ao valor de nadir, sendo que

    para 19 (25%) o valor de baseline corresponde ao seu valor de nadir;

    67 (88,2%) indivduos tm um valor endline superior ao valor de nadir e, para 9

    (11,8%) o seu valor de endline corresponde ao seu valor de nadir.

    Tabela 9 - Anlise descritiva e comparativa entre o valor de baseline, de nadir e de endline dos 76 indivduos

    submetidos a teraputica antirretroviral, discriminando para o gnero.

    Baseline

    (clulas/L)

    Nadir

    (clulas/L)

    Endline

    (clulas/L)

    Masculino

    N 24 24 24

    Mdia 207,0 127,2 269,5

    Mediana 178 99,5 194,4

    Desvio Padro 137,8 88,8 240,4

    Mnimo 15 13 57

    Mximo 624 376 879,8

    Feminino

    N 52 52 52

    Mdia 291 207,7 488,2

    Mediana 253,5 175,3 476,7

    Desvio Padro 162,8 148,1 286,9

    Mnimo 13 5 39

    Mximo 676 561 1158,4

    Total

    N 76 76 76

    Mdia 264,5 182,3 419,1

    Desvio Padro 159,3 136,9 290,1

    Mnimo 13 5 39

    Quartil 25 144 76,5 155,6

    Mediana 232 164 363,7

    Quartil 75 374,5 239,3 703,2

    Mximo 676 561 1158,4

    Pela avaliao dos dados da Tabela 9 e por recurso a teste de Mann-Whitney verifica-se

    que os valores de contagens de linfcitos T CD4+ so, de uma forma estatisticamente

    significativa, mais elevados nos indivduos do gnero feminino por comparao ao gnero

    masculino, na baseline (U = 424,5; p = 0,025779), nadir (U = 419,5; p = 0,022289) e

    endline (U = 340; p = 0,001505).

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    Entre os 76 indivduos introduzidos no grupo teraputico, o tempo de seguimento,

    mediano, desde o incio de seguimento at ao incio de TARV foi de 4,5 meses, com um

    mnimo de 0 meses, um mximo de 194 meses, quartil 25 de 0 meses e quartil 75 de 47,25

    meses. Verifica-se que 32 indivduos (42,1%) iniciaram TARV aquando do incio do s