autopsicografia e isto-análise

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Autopsicografia Isto

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Analise dos poemas

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Page 1: Autopsicografia e Isto-análise

Autopsicografia

Isto

Page 2: Autopsicografia e Isto-análise

Autopsicografia

O poeta é um fingidor. Finge tão completamente Que chega a fingir que é dor A dor que deveras sente. E os que leem o que escreve, Na dor lida sentem bem, Não as duas que ele teve, Mas só a que eles não têm. E assim nas calhas de roda Gira, a entreter a razão, Esse comboio de corda Que se chama coração.

Page 3: Autopsicografia e Isto-análise

Autopsicografia - título

AUTO Própria

PSICO Mente/ Análise GRAFIA Escrita

Explicação o processo psíquico que nele se passa, ao

elaborar um texto poético. “Descrição do estado de espírito

do próprio” sujeito poético.

Teoria do Fingimento Poético

Page 4: Autopsicografia e Isto-análise

Autopsicografia

O poeta é um fingidor. Finge tão completamente Que chega a fingir que é dor A dor que deveras sente. E os que leem o que escreve, Na dor lida sentem bem, Não as duas que ele teve, Mas só a que eles não têm. E assim nas calhas de roda Gira, a entreter a razão, Esse comboio de corda Que se chama coração.

O poeta é um fingidor.

POETA = FINGIDOR

(metáfora – molda, transfigura a

sensação)

Page 5: Autopsicografia e Isto-análise

Autopsicografia

O poeta é um fingidor.

Finge tão completamente

Que chega a fingir que é dor

A dor que deveras sente.

E os que leem o que escreve,

Na dor lida sentem bem,

Não as duas que ele teve,

Mas só a que eles não têm.

E assim nas calhas de roda

Gira, a entreter a razão,

Esse comboio de corda

Que se chama coração.

O poeta é um fingidor.

POETA = FINGIDOR

(metáfora) Caracteriza-se pelo fingimento e finge

tão bem que consegue fingir a dor que sente na realidade.

Page 6: Autopsicografia e Isto-análise

Autopsicografia

O poeta é um fingidor. Finge tão completamente Que chega a fingir que é dor A dor que deveras sente.

a dor real, sentida,

experimentada

dor fingida, imaginária

Poeta = Fingidor

Poesia = FINGIMENTO

Page 7: Autopsicografia e Isto-análise

Autopsicografia

A poesia não está na dor experimentada, ou sentida

realmente, mas no fingimento dela. Isto é, a dor sentida,

a dor real, para se elevar ao plano da arte, tem de ser

fingida, imaginada, tem de ser expressa em linguagem

poética, o poeta tem que partir da dor real, “a dor que

deveras sente”.

Não basta, para haver poesia, a expressão

espontânea dessa dor real, tal como o faria, por

exemplo, um doente relatando a sua dor ao médico.

Não há poesia, não há arte, sem imaginação, sem

que o real seja imaginado de forma a exprimir-se

artisticamente, de forma a surgir como um objectivo

poético (artístico), de forma a concretizar-se em arte.

Page 8: Autopsicografia e Isto-análise

Autopsicografia

• A concretização da dor no poema opera na

memória do poeta o retorno à sua dor inicial,

parecendo-lhe a dor imaginada mais autêntica do

que a dor real.

• É a sobreposição do objecto artístico à realidade

objectiva que lhe serviu de base: “chega a fingir que

é dor/a dor que deveras sente”. Isto conduz-nos à

ideia de fruição artística, da parte do poeta.

Page 9: Autopsicografia e Isto-análise

Autopsicografia

O poeta é um fingidor. Finge tão completamente Que chega a fingir que é dor A dor que deveras sente. E os que leem o que escreve, Na dor lida sentem bem, Não as duas que ele teve, Mas só a que eles não têm. E assim nas calhas de roda Gira, a entreter a razão, Esse comboio de corda Que se chama coração.

“os que leem o que escreve”

leitores

(perífrase) .

Page 10: Autopsicografia e Isto-análise

Autopsicografia

1 • Dor Real

2 • Dor Fingida

4 • Dor lida (intelectualizada)

Page 11: Autopsicografia e Isto-análise

Autopsicografia

• Na segunda parte do poema, o sujeito poético alude à

fruição artística da parte do leitor. Este não sente a dor

real (inicial), que o poeta sentiu, nem a dor imaginária

(dor em imagens) que o poeta imaginou, ao ser artífice do

poema, nem a dor que eles (leitores ) têm, mas só a que

eles não têm. Isto é, o que o leitor sente é uma quarta dor

que se liberta do poema, que é interpretado à maneira de

cada leitor. Trata-se de uma dor lida (dor intelectualizada

que provém da interpretação do leitor e que é objecto da

sua fruição.

Page 12: Autopsicografia e Isto-análise

Autopsicografia

na hora de pôr a mesa, éramos cinco:

o meu pai, a minha mãe, as minhas irmãs

e eu. depois, a minha irmã mais velha

casou-se. depois, a minha irmã mais nova

casou-se. depois, o meu pai morreu. hoje,

na hora de pôr a mesa, somos cinco,

menos a minha irmã mais velha que está

na casa dela, menos a minha irmã mais

nova que está na casa dela, menos o meu

pai, menos a minha mãe viúva, cada um

deles é um lugar vazio nesta mesa onde

como sozinho. mas irão estar sempre aqui.

na hora de pôr a mesa, seremos sempre cinco.

enquanto um de nós estiver vivo, seremos

sempre cinco.

José Luís Peixoto

PARA PERCEBER MELHOR

1 – dor real da perda

2 – dor fingida/lembrada no momento

da escrita

3 – dor efetiva de cada leitor

4 – dor que cada leitor tem no ato

de receção do texto

Page 13: Autopsicografia e Isto-análise

Autopsicografia

O poeta é um fingidor.

Finge tão completamente

Que chega a fingir que é dor

A dor que deveras sente.

E os que leem o que escreve,

Na dor lida sentem bem,

Não as duas que ele teve,

Mas só a que eles não têm.

E assim nas calhas de roda

Gira, a entreter a razão,

Esse comboio de corda

Que se chama coração.

Page 14: Autopsicografia e Isto-análise

Autopsicografia

E assim nas calhas de roda

Gira, a entreter a razão,

Esse comboio de corda

Que se chama coração.

Page 15: Autopsicografia e Isto-análise

Autopsicografia

• A terceira parte do poema, como a própria expressão "E

assim" prenuncia, constitui uma espécie de conclusão: o

coração (símbolo da sensibilidade) é um comboio de

corda sempre a girar nas calhas da roda (que o destino

fatalmente traçou) para entreter a razão.

• Há aqui uma referência à função lúdica da poesia, que começa na fruição de que o próprio poeta goza, no ato da criação artística.

• São marcados os dois pólos em que se processa a criação do poema:

• o coração (as sensações donde o poema nasce)

• e a razão (a imaginação onde o poema é inventado).

Fecha-se neste fim do poema como que um círculo cuja linha limite marca uma pista sem fim em que nunca se esgota a dinâmica do jogo sensação-imaginação.

Page 16: Autopsicografia e Isto-análise

Autopsicografia

O poeta é um fingidor.

Finge tão completamente

Que chega a fingir que é dor

A dor que deveras sente.

E os que leem o que escreve,

Na dor lida sentem bem,

Não as duas que ele teve,

Mas só a que eles não têm.

E assim nas calhas de roda

Gira, a entreter a razão,

Esse comboio de corda

Que se chama coração.

Os verbos, à exceção da forma

teve (pretérito perfeito), encontram-se

no presente, o que está de acordo com

a natureza teórica do poema, que é

anunciada pelo título "Autopsicografia"

(estudo que o poeta faz do fenómeno

psicológico que nele se passa, no acto

de criação artística, portanto no

presente).

A forma do perfeito "teve" explica-

se porque é exigida para marcar a

prioridade temporal em que o poeta

experimentou as suas dores em relação

ao tempo (presente) em que o leitor

experimenta a dor lida.

A expressão infinitiva "a entreter" apresenta-se

com um nítido aspecto durativo, insinuando a

repetição continuada do processo criativo.

Page 17: Autopsicografia e Isto-análise

Autopsicografia

O poeta é um fingidor.

Finge tão completamente

Que chega a fingir que é dor

A dor que deveras sente.

Note-se a insistência do poeta no processo mais importante da criação poética :

o fingimento. Este processo é marcado pelas formas verbais "finge" e "fingir" e pelo

nome "fingidor".

O verbo fingir (do latim "fingere " = fingir, pintar, desenhar, construir) aponta

não apenas para o disfarçar, mas também para construir, modelar, envolvendo,

assim, todo o processo criativo desenvolvido pelo poeta na produção do poema: o

poeta é um artífice.

Page 18: Autopsicografia e Isto-análise

Autopsicografia

Além da reiteração (repetição), já apontada, do

verbo "fingir", há ainda a do verbo ("sente",

"sentem"), que não se deve desligar da repetição

do substantivo "dor" (três vezes), além de outras

três vezes que se repete por intermédio de

pronomes, ou expressões ("que", "as duas", "a

que"). A insistência na "dor" e no "sentir" está

de acordo com o facto de o poeta ter tomado a

dor como tema exemplificativo da criação

poética e pelo facto de as sensações (o sentir)

serem o ponto de partida dessa criação.

O poeta é um fingidor.

Finge tão completamente

Que chega a fingir que é dor

A dor que deveras sente.

E os que leem o que escreve,

Na dor lida sentem bem,

Não as duas que ele teve,

Mas só a que eles não têm.

E assim nas calhas de roda

Gira, a entreter a razão,

Esse comboio de corda

Que se chama coração.

Page 19: Autopsicografia e Isto-análise

Autopsicografia

O poeta é um fingidor.

Finge tão completamente

Que chega a fingir que é dor

A dor que deveras sente.

Advérbios: "Finge tão completamente" (poeta); "...deveras

sente" (poeta); "...sentem bem" (leitores). Estes advérbios

sugerem a veemência, o rigor com que a sensação da dor se

impõe, quer ao poeta, quer aos leitores. Os advérbios estão, pois,

a marcar a intenção do autor: expor a sua teoria poética com

rigor. O ato de fingir é tão importante que o poeta o superlativou

não apenas pela expressão adverbial "tão completamente", mas

também por meio da subordinada consecutiva "...que chega a

fingir...".

Page 20: Autopsicografia e Isto-análise

Autopsicografia

E assim nas calhas de roda RAZÃO

Gira, a entreter a razão,

Esse comboio de corda SENSIBILIDADE / EMOÇÃO

Que se chama coração.

Duas metáforas, de valor altamente simbólico,

que se encontram na última estrofe: "calhas de

roda" e "comboio de corda".

Esse comboio de corda (o coração), ultrapassando o significado denotativo de

brinquedo, aponta sobretudo para um sentido simbólico relacionado com a função lúdica

da poesia., e assim, gira nas calhas de roda. Também essas calhas de roda ultrapassam

o significado de carris (correspondente ao sentido de comboio de corda) para apontarem

simbolicamente para um rumo necessário, marcado pelo destino, qualquer coisa que

sucede por fatalidade, na vida (na roda da vida).

Page 21: Autopsicografia e Isto-análise

Fingir é também possibilitar "sentir as coisas de todas as maneiras",

como dizia o heterónimo Campos. Só se pode sentir tudo de todas as

maneiras, se não se sentir nada de maneira nenhuma - ou seja, se não

estivermos presos pelo sentir as coisas, é possível descobrir (talvez) a

verdade por detrás delas.

Isto é sobretudo um processo filosófico (gnosiológico), ligado ao

conhecimento humano através da linguagem. Mas de maneira simples,

diremos que Pessoa nem tem de se defender de fingir, pois fingir não é

para ele uma fraqueza, mas antes um método de conhecer (e alcançar) a

verdade das coisas, não se envolvendo demasiado nelas. Afastando-se,

Pessoa observa, e apenas afastado consegue ver mais claramente tudo o

que o rodeia. Ele deixa o "sentir" para os outros, para "quem lê".

A defesa do poeta…

Page 22: Autopsicografia e Isto-análise

ISTO

Dizem que finjo ou minto

Tudo que escrevo. Não.

Eu simplesmente sinto

Com a imaginação.

Não uso o coração.

Tudo o que sonho ou passo,

O que me falha ou finda,

É como que um terraço

Sobre outra coisa ainda.

Essa coisa é que é linda.

Por isso escrevo em meio

Do que não está ao pé,

Livre do meu enleio,

Sério do que não é.

Sentir? Sinta quem lê!

Page 23: Autopsicografia e Isto-análise

ISTO

Dizem que finjo ou minto

Tudo que escrevo. Não.

Eu simplesmente sinto

Com a imaginação.

Não uso o coração.

Tudo o que sonho ou passo,

O que me falha ou finda,

É como que um terraço

Sobre outra coisa ainda.

Essa coisa é que é linda.

Por isso escrevo em meio

Do que não está ao pé,

Livre do meu enleio,

Sério do que não é.

Sentir? Sinta quem lê!

Assunto: o fingimento e a criação artística;

a racionalização dos sentimentos (sentir com a

imaginação, não usando o coração).

Page 24: Autopsicografia e Isto-análise

ISTO

Dizem que finjo ou minto

Tudo que escrevo. Não.

Eu simplesmente sinto

Com a imaginação.

Não uso o coração.

Tudo o que sonho ou passo,

O que me falha ou finda,

É como que um terraço

Sobre outra coisa ainda.

Essa coisa é que é linda.

Por isso escrevo em meio

Do que não está ao pé,

Livre do meu enleio,

Sério do que não é.

Sentir? Sinta quem lê!

argumentação de que ao escrever se distancia

da realidade, intelectualizando os sentimentos

e elaborando uma nova realidade - a arte.

negação de que finge ou mente; justificação de

que o que faz é a racionalização dos

sentimentos na busca de algo mais belo mas

inacessível;

Page 25: Autopsicografia e Isto-análise

ISTO

Dizem que finjo ou minto

Tudo que escrevo. Não.

Eu simplesmente sinto

Com a imaginação.

Não uso o coração.

Tudo o que sonho ou passo,

O que me falha ou finda,

É como que um terraço

Sobre outra coisa ainda.

Essa coisa é que é linda.

reconhecimento do que dizem e negação de

que finge ou mente "sinto com a

imaginação/ Não uso o coração" - expressão

da intelectualização do sentimento.

o mundo real ("terraço") é reflexo de ("Sobre

outra coisa ainda") um mundo ideal ("essa

coisa é que é linda" - conceito oculto ou

platónico, mundo que fascina o sujeito

poético).

Page 26: Autopsicografia e Isto-análise

ISTO

Tudo o que sonho ou passo,

O que me falha ou finda,

É como que um terraço

Sobre outra coisa ainda.

Essa coisa é que é linda.

Todo os passos da poesia Pessoana - há que

compreendê-lo - são terraços (como ele diz),

são passos intermédios entre uma coisa e o seu

significado.

Pessoa quer acima de tudo a verdade das

coisas, mas para a alcançar, e sabendo como é

difícil, ele desenha degraus, pouco a pouco,

para a atingir. Deste modo se pode perceber

um pouco o porquê do afastamento das coisas,

e sobretudo do fingimento.

Page 27: Autopsicografia e Isto-análise

ISTO

Por isso escrevo em meio

Do que não está ao pé,

Livre do meu enleio,

Sério do que não é.

Sentir? Sinta quem lê!

há um acto de fingimento de pura

elaboração estética e o leitor que sinta o

que ele comunica apesar de não sentir

("Sentir? Sinta quem lê!")

Page 28: Autopsicografia e Isto-análise

ISTO

O poema "Isto" apresenta-se como uma espécie de esclarecimento em relação

à questão do fingimento poético enunciada em "Autopsicografia" - não há

mentira no ato de criação poética; o fingimento poético resulta da

intelectualização do "sentir" da racionalização.

Aqui, o sujeito poético vai mais longe já que, negando o "uso do coração",

aponta para a simultaneidade dos actos de "sentir" e "imaginar",

apresentando-nos a obra poética como uma espécie de síntese onde a sensação

surge filtrada pela imaginação criadora.

A comparação presente na 2ª estrofe (vv.6-9) evidencia o facto de a realidade

que envolve o sujeito poético ser apenas a "ponte" para "outra coisa": a obra

poética, expressão máxima e absoluta do Belo.

Na 3ª estrofe, introduzida pela expressão "Por isso" de valor conclusivo/

explicativo, o sujeito poético recusa a poesia como expressão imediata das

sensações. O sentir, no sentido convencional do termo, é remetido para o

leitor.

Page 29: Autopsicografia e Isto-análise

ISTO

"Fingir" não é o mesmo que "mentir" é a tese defendida. Não há mentira no acto

de criação poética; o fingimento poético resulta da intelectualização do "sentir",

da racionalização dos sentimentos vividos pelo sujeito poético.

O sujeito poético vai mais longe já que, negando o "uso do coração", aponta para

a simultaneidade dos actos de "sentir" e "imaginar", apresentando-nos a obra

poética como uma espécie de síntese onde a sensação surge filtrada pela

imaginação criadora.