aulas teoria da lei penal

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Teoria da Lei Penal O primeiro ponto da matéria a ser mais desenvolvido é o do Conceito Material de Crime. Antes vamos começar a desenvolver o Conceito de Crime, mas do ponto de vista Formal. Sob o ponto vista Formal de Crime temos: A Acção, o Comportamento Típico, Ilicito, Culposo, punivel com uma Sanção do Direito Público, o Direito Penal . O que permite caracterizar o Ilicito como Criminal é a aplicação de uma Sanção como Pena, sendo previstas pelo Código Penal como Sanção específica. As Penas podem ser de três tipos: PENAS PRINCIPAIS : aquelas que estão expressamente previstas nos Tipos Legais de Crime, preceitos que descrevem o Ilicito como Criminal. A sua aplicação não depende da aplicação de qualquer outra. Estas Penas aplicam-se quando esteja em causa a Responsabilidade de Pessoas Singulares, através da Prisão ou Multa, ou quando esteja em causa a Responsabilidade de Pessoas Colectivas, através da Dissolução ou Multa (Artigo 90º, alíneas a), b) e c) do Código Penal enumeram os diferentes tipos de Penas a aplicar). O Artigo 11º do Código Penal refere quais os Crimes passiveis de punição às Pessoas Colectivas PENAS DE SUBSTITUIÇÃO : Como o próprio nome indica, estas penas são aplicadas em circunstâncias de cometimento de Crimes de Menor Gravidade, passando as Penas Principais a 1

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Page 1: Aulas Teoria da Lei Penal

Teoria da Lei Penal

O primeiro ponto da matéria a ser mais desenvolvido é o do Conceito Material de

Crime. Antes vamos começar a desenvolver o Conceito de Crime, mas do ponto de vista

Formal.

Sob o ponto vista Formal de Crime temos:

A Acção, o Comportamento Típico, Ilicito, Culposo, punivel com uma

Sanção do Direito Público, o Direito Penal.

O que permite caracterizar o Ilicito como Criminal é a aplicação de uma Sanção como

Pena, sendo previstas pelo Código Penal como Sanção específica.

As Penas podem ser de três tipos:

PENAS PRINCIPAIS: aquelas que estão expressamente previstas nos Tipos Legais de

Crime, preceitos que descrevem o Ilicito como Criminal. A sua aplicação não depende

da aplicação de qualquer outra. Estas Penas aplicam-se quando esteja em causa a

Responsabilidade de Pessoas Singulares, através da Prisão ou Multa, ou quando esteja

em causa a Responsabilidade de Pessoas Colectivas, através da Dissolução ou Multa

(Artigo 90º, alíneas a), b) e c) do Código Penal enumeram os diferentes tipos de Penas a

aplicar). O Artigo 11º do Código Penal refere quais os Crimes passiveis de punição às

Pessoas Colectivas

PENAS DE SUBSTITUIÇÃO : Como o próprio nome indica, estas penas são aplicadas

em circunstâncias de cometimento de Crimes de Menor Gravidade, passando as Penas

Principais a serem substituidas por penas de natureza diferente. O Código Penal prevê

os Tipos de Penas em que, verificados vários pressupostos, se podem substituir as Penas

Principais. Assim, enumeram-se:

- PRISÃO POR DIAS LIVRES: Artigo 45º do Código Penal

- SEMI-DETENÇÃO: Artigo 46º do Código Penal

- PRESTAÇÃO DE TRABALHO: Artigo 48º do Código Penal

- PRESTAÇÃO DE TRABALHO COMUNITÁRIO: Artigo 58º do Código Penal

- ADMOESTAÇÃO: Artigo 60º do Código Penal.

Verificados os pressupostos de Crime de Menor Gravidade, prevê-se a alternativa com a

aplicação deste tipo de Penas.

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Teoria da Lei Penal

Pode-se dar o exemplo da aplicação deste tipo de Pena à condução sob o efeito de

bebidas alcoólicas.

PENAS ACESSÓRIAS: É uma contraposição às Penas de Substituição. A Pena de

Substituição é aplicada EM VEZ DA PENA PRINCIPAL, a Pena Acessória é aplicada

CONJUNTAMENTE COM A PENA PRINCIPAL. Prevê-se Conjuntamente no Código

Penal a aplicação de:

- PROÍBIÇÃO DO EXERCICIO: Artigo 66º do Código Penal

- SUSPENSÃO DO EXERCICIO: Artigo 67º do Código Penal

- SUSPENSÃO DA ACTIVIDADE: Artigos 66º e 67º do Código Penal

- PROÍBIÇÃO DE CONDUÇÃO: Artigo 69º do Código Penal

De entre as Sanções Penais, ao lado das Penas (enquanto Sanção aplicada a quem

pratica o Acto, também é aplicavel a quem pratica o Facto) existe uma figura que

rigorosamente não é uma Pena, mas sim uma Medida de Segurança. As Medidas de

Segurança são diferentes de Medidas de Coação, por funcionarem no momento prévio.

São dois os aspectos que diferenciam as Penas das Medidas de Segurança. Assim sendo:

1. Primeira e mais importante: as Penas são aplicáveis a quem practica Factos

Típicos e Ilicitos de Forma Culposa. Pode acontecer que pessoas que pratiquem

Factos Típicos e Ilicitos, e que em relação a elas e à sua condição, não se possam

considerar como actuando de Forma Culposa: INIMPUTÁVEIS. O seu

comportamento é Crime, mas a sua perturbação na altura em comete o Facto,

não o torna Culposo. Neste caso aplica-se uma Medida de Segurança.

2. Da Pena diz-se que: “um dos fundamentos da Pena assenta na Culpa e na forma

de retribuir por essa culpa”. O fundamento da Culpa reside no Facto Passado.

Na Medida de Segurança, não há uma aplicação em função do Facto Passado,

mas pela Perigosidade do Agente para a realização de Factos Futuros.

NOTA: António, premeditadamente ou não, decide matar Bruno. Aplicar Pena para

quê? Por ter feito ou por premeditar fazer? A Perigosidade é Futura, mas a Culpa

revelada no Facto é Passado.

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Page 3: Aulas Teoria da Lei Penal

Teoria da Lei Penal

Conceito Material de Crime

Se basta a definição Formal de Crime, fico sem o critério que me possa sindicar as

opções do Legislador, no que é um Crime.

Responder que sabe o que é que é de facto um comportamento com um grau de desvalor

muito intenso, que justifique que o Legislador reaja sob o ponto de vista dos Direitos

Fundamentais das Pessoas. Do ponto de vista Formal há Crime, mas a norma a aplicar

pode ser inconstitucional. O Legislador não pode elevar à categoria de Crime o que não

tem um Grau de gravidade exigido.

NOTA: Hoje existe acordo em que toda a gente, autores afirmam que, em primeiro

lugar, o que do ponto de vista Material caracteriza o comportamento como Crime: só é

legitimo a punição de comportamentos, na medida em que se demonstre que o

comportamento leza Bens Jurídicos Fundamentais e em segundo lugar, a

susceptibilidade de colocar em perigo ou causar dano no Bem Jurídico Fundamental.

O Bem Jurídico Fundamental é um Ente individualizavel no ponto de vista ôntico e/ou

axiológico, ou valor indispensável ou pelo menos útil ao desenvolvimento ou expansão

da personalidade de cada um, ou à manutenção da situação de coesão social, na medida

em que ela própria é condição desse livre desenvolvimento.

Esta definição de Roxin pode significar o seguinte:

Só é Bem Jurídico Fundamental aquilo que pode ser específicado como o que é possivel

de cada um de nós para se realizar como pessoa. Realidade do instrumento de que cada

um se desenvolva como pessoa. Saúde, Liberdade, Vida.

Na última frase da definição podemos associar o conceito de “Paz Pública”. A situação

de “Paz” é um instrumental da possibilidade de realização.

O Direito Penal Sexual é um Bem Jurídico. A Moral sexual dominante assenta em

Comportamentos dados como correctos.

No Preâmbulo do Código Penal de 1995 existe outro modo de encarar esta realidade.

Nesta área verificam-se duas condições: a Liberdade e a Autodeterminação Sexual das

crianças (maturidade para se definirem sexualmente). Qualquer outra coisa para invocar

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Teoria da Lei Penal

a criminalização é ilegitimo. A prostituição, se não tiver em causa a dependencia, a

subsistencia, não é proibida à luz do Direito Penal.

É possivel concretizar melhor a definição de Bem Jurídico Fundamental, embora ela

tenha um grau de indeterminação muito elevado. Pode dizer-se que o critério ou

Diploma que se enuncia para identificar o Bem Jurídico Fundamental é a Constituição

da República Portuguesa. A concretização da questão de saber a Identidade, Finalidade,

Valores é dada pela CRP. Temos de recorrer a esta para os identificar como

fundamentais.

Primeira conclusão: desde que seja possível identificar o Bem Jurídico Fundamental

como algo susceptivel de perturbar o comportamento, é excluido como tal. O Objecto

tem de ser um Bem Fundamental.

Segunda conclusão: “Princípio da Ofensividade”: para que seja legitimo punir

criminalmente, não é suficiente que em algum momento o comportamento é susceptivel

de lezar o Bem Jurídico Fundamental, ou então o grau de perigosidade tem uma

intensidade forte que necessita a intervenção do Direito Penal.

NOTA: Conduzir a 140 Km/h na Auto-Estrada condiz a determinado perigo ao Bem

Jurídico Fundamental. Ligado ao comportamento, não é suficiente para intervenção do

Direito Penal.

A ideia que se fez com o “Princípio da Ofensividade” é o de que o Direito Penal deverá

punir apenas em função do Bem Jurídico Fundamental. Em princípio só o

comportamento lesivo do Bem Jurídico Fundamental pode fazer aplicar o Direito Penal.

Acontece que ao lado destes Crimes de Dano, encontra-se também o Crime de Perigo, a

suficiente demostração de perigosidade contra o Bem Jurídico Fundamental, como por

exemplo, e novamente a condução sob o efeito de bebidas alcoólicas.

O Artigo 292º do Código Penal é uma excepção a esta regra.

A Doutrina vai entendendo que a típificação dos Crimes de Perigo não é incompativel

com a punição. Demonstrar que a conduta é perigosa e que é importante o Bem Jurídico

sobre o qual houve uma acção de Comportamento Perigoso.

A discussão da Legitimidade Criminal assenta na não garantia da inconstitucionalidade.

O modo como está típificada a ilícitude sobre o Alcool é feliz. Acontece que 0,5 g/l

constitui uma Contra-Ordenação e 1,2 g/l constitui Crime. E quem conduzir com taxas

entre os 0,5 e 1,2 g/l comete Crime? Aplicação do Artigo 291º do Código Penal, não

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Teoria da Lei Penal

apenas o Artigo 292º do Código Penal. Todo o que conduzir sob o efeito do alcool,

entre estes dois valores, pratica um Crime ao abrigo do Artigo 291º do Código Penal?

Verifica-se uma condição de “Crime de Perigo Abstracto” (Artigo 292º do Código

Penal), que diz que é suficiente a realização do Acto, independentemente do perigo.

A aplicação do Artigo 291º do Código Penal não é suficiente. Só é Crime quando por

efeito do alcool se acarrete perigosidade para o Bem Jurídico Fundamental. O efectivo

perigo depende do modo como está a ser feita a condução.

Não chega, não é suficiente para que seja legítima a intervenção do Direito Penal que se

identifique a capacidade lesiva para o Bem Jurídico Fundamental. Depende de um

critério que decorre da CRP, patente no nº2, do Artigo 18º da CRP: só é legitimo

restringir Direitos Fundamentais, se se demonstrar que a restrição é necessária à

salvaguarda de outros Direitos Fundamentais (aplicação ao Direito Penal do Princípio

da Necessidade da Pena, ou Princípio da Intervenção Minima do Direito Penal ou

Princípio da Subsidiariedade do Direito Penal). Ideia de que o Direito Penal constitui o

último recurso de Política Legislativa que o Estado usa para sancionar comportamentos.

Para dissuadir, sancionar, como Direito meramente inferior ao Direito Penal, o Estado

está proibido de usar o Direito Penal. Só é legítimo quando outras medidas menos

gravosas não são suficientes para punir comportamentos.

Resumindo, aplica-se:

1. Ao comportamento que atente contra o Bem Jurídico;

2. Demonstre perigosidade longinqua, intensidade relevante e risco relevante

contra o Bem Jurídico;

3. Demonstre que o Estado não dispunha de forma alternativa menos gravosa para

dissuadir o comportamento.

No limite quem decide é sempre o Tribunal Constitucional.

NOTA: Se alguém é acusado de um Crime, e se o Juíz entender que o Facto Formal

está identificado mas não é suficiente para aplicação do Direito Penal, confrontado

com a Norma crê que não se justifica esta intervenção. Manda a CRP que o Juíz não

aplique a Norma considerada inconstitucional. Com este fundamento, em sede de

Direito Penal, o Ministério Público está obrigado a recorrer ao Tribunal

Constitucional. Em última instancia quem decide é sempre o Tribunal Constitucional.

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Page 6: Aulas Teoria da Lei Penal

Teoria da Lei Penal

Um exemplo que tem dividido opiniões é o do Lenocinio, que despoleta um

entendimento diverso. Também o de Abuso de Informação Priveligiada, do cosumo de

Drogas quando era proíbido. O único Diploma que contém hipotese sobre alguém que

comete algo passivel de aplicação de Contra-Ordenação, mas que pode consubstanciar

um Crime, é o referente à Toxicodependência, em que os individuos não pagam a

Coima, mas estão sujeitos a outro tipo de Sanção.

No Conceito Material de Crime, por exemplo, o pronunciar-se sobre Referendo ao

Aborto. Obrigou a que o Tribunal Constitucional se pronunciasse em função das

respostas no Referendo.

Depois de tudo o que foi dito, o Tribunal Constitucional diz que tem o cuidado de não

confundir o Juízo Político do Juízo Inconstitucional. Só deve sancionar a Norma do

ponto de vista da CRP, quando for claro que nã se verifiquem as condições

fundamentais.

O Tribunal Constitucional obriga a juízos sobre pressupostos que o Tribunal não pode

aferir. É inconstitucional quando é manifesto que não estão reunidos os pressupostos,

pois a quantificação do Acto em função do perigo é dificil de se conseguir.

02/03/10

Pode alguém ser punido pela prática de um facto do ponto de vista formal e não seja do

ponto de vista material?

Não, porque se alguém praticar um crime que se encontra tipificado na lei, mas este

comportamento não atenta contra um bem juridicamente fundamental, não é necessário

o direito penal punir este facto, recorre-se a outros tipos de direito.

Não se condena este facto penalmente, alegando que a norma é anti-constitucional,

conforme o artigo 18º, n.º 2 C.P.

Materialmente, crime é todo o comportamento humano que lesa ou ameaça de lesão

(põe em perigo) bens jurídicos fundamentais. O Direito Penal ao intervir, só deve

emprestar a sua tutela, só está legitimada a intervir para tutelar determinados bens de

agressões humanas quando essa tutela não puder ser eficazmente dada através de outros

quadros sancionatórios existentes no ordenamento jurídico. Ou seja, quando do direito

civil, do direito administrativo, não forem suficientemente eficazes para acautelar esses

bens jurídicos que as normas de Direito Penal procurem acautelar.

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Page 7: Aulas Teoria da Lei Penal

Teoria da Lei Penal

Pode alguém ser punido pela prática de um facto do ponto de vista material e não o seja

do ponto de vista formal.

Não, porque o facto não se encontra tipificado, ou seja, não se encontra tipificado

formalmente, existindo o principio da não retroactividade, quer isto dizer que mesmo

que venha a ser tipificada formalmente, a quando da prática do acto ainda não era

considerado ilícito. Estes factos são considerados lacunas da lei, pese embora o facto

seja materialmente um crime, ou seja, ouve um bem jurídico fundamental que foi

ofendido.

Para que uma acção seja considerada como ilícita, esta tem que se encontrar tipificada

em lei, quanto à forma, e também quanto ao ponto de vista material.

Artigo 332º do C.P. – Ultraje de símbolos nacionais e regionais

- É legitimo condenar alguém pela prática destes actos? Qual é o bem jurídico que se

defende?

Põem em causa a soberania, a independência e unidade nacional, ao ser queimada a

bandeira nacional, mas este facto não põem em causa nenhuns dos bens jurídicos acima

mencionados.

O facto de o fazer (queimar a bandeira) ou de verbalizar contra o estado de direito, não é

punível, uma vez que está apenas a expressar a sua opinião, e o direito de liberdade de

expressão também não pode ser ofendido, visto ser um bem jurídico fundamental.

Outro dos bens ofendidos, é o facto de as pessoas considerarem uma ofensa pessoal o

facto de se queimar a bandeira, por acreditarem nesse símbolo e aquilo que ele

representa para eles, sendo que mesmo assim não é punível, uma vez que a bandeira lhe

pertence e continuar a ter direito à liberdade de expressão.

O facto só é punível se for efectuado em público, visto a prática do acto incitar à

desordem, isto é, põem causa a paz pública, devido à crença das pessoas naquele

símbolo. Salienta-se ainda que só é alvo de punição se houver um risco relevante de a

paz pública ser colocada em causa.

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Page 8: Aulas Teoria da Lei Penal

Teoria da Lei Penal

Este tipo de crime é chamado de crime de perigo abstracto, em contra posição aos

crimes de perigo concreto.

03/03/10

FINS DAS PENAS

É necessário explicar porque é que é legitimo corresponder a quem pratica um desses

comportamentos particularmente desvaliosos com a obstrução da liberdade.

A necessidade de colocar a pergunta decorre do art. 18.º da Constituição, ou seja,

decorre da circunstância da pena ser na sua essência a restrição de um direito

fundamental, como sendo o direito à liberdade. Diz o nº 18, n.º 2 da Constituição, que a

restrição de qualquer direito fundamental, e por isso também restrição da liberdade,

através da pena só é legitima ou aceitável do ponto de vista constitucional se se

conseguir demonstrar, que com essa restrição da liberdade, consegue-se salvaguardar,

preservar, alcançar de positivo, mais do que aquilo que de negativo a pena tem em si

mesmo, que é a própria restrição da liberdade.

Portanto a questão dos fins das penas, é uma questão que procura de facto responder a

essa necessidade, procura de facto explicar, as diferentes teorias dos fins das penas, que

finalidade ou finalidades, positivas o estado consegue alcançar através da restrição da

liberdade de quem pratique crimes, que torne legítimo do ponto de vista constitucional,

que essa restrição de liberdade seja a resposta ao crime passado.

Este é o grande problema dos fins das penas.

Do ponto de vista histórico tem sido apontada ao longo dos séculos várias respostas ou

várias teorias, que procuram de facto explicar essa finalidade positiva que se alcança

através da pena de prisão.

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Fins das Penas

Teoria Absolutas

Teoria Relativas

Retributivas

Preventivas

Preventiva Geral

Preventiva Especial

Positiva

Negativa

Positiva

Negativa

Page 9: Aulas Teoria da Lei Penal

Teoria da Lei Penal

O que distingue no essencial uma teoria retributiva de uma teoria preventiva, ou seja,

porque é que das teorias retributivas se diz que são absolutas, enquanto das teorias

preventivas se diz que são relativas. Esta distinção deve-se ao facto de uma teoria que se

diz absoluta, quando ela justifica a pena exclusivamente apenas em função do facto

passado do crime, ou seja, para as teorias absolutas o simples facto de no passado ter

existido um crime, é justificação suficiente para que exista a pena. Quer isto dizer que a

razão da pena existir está apenas no facto passado, ou seja, prende-se porque existiu um

crime.

Teorias Absolutas: retributivas, são absolutas porque conseguem justificar a aplicação da pena

de prisão apenas em função daquilo que aconteceu, de ter sido praticado culposamente um

crime. Há uma expressão que diz que a pena se justifica pela razão de ser em si mesma, que é

a prática do crime, encontram fundamento suficiente para a pena, apenas naquilo que está

para trás

Características da teoria absolutas ou da retribuição: a ideia de retribuição como fim da

pena é essencialmente pelo facto da pena se justificar, ou tem fundamentalmente uma

finalidade de castigar pela prática do crime, de retribuir pela prática do crime. A

finalidade da pena é castigar pelo facto passado.

Exemplo. Prende-se aquele que mata para lhe retribuir, através da sujeição à pena, pelo

mal praticado através da prática do crime.

Teorias Relativas: preventivas, justificam a aplicação da pena de prisão na tentativa de

evitar que o comportamento se repita, a razão tem mais a ver com aquilo que se

pretende prevenir que aconteça no futuro, do que com aquilo que aconteceu no passado.

As teorias preventivas justificam a pena não em função do crime ou do facto passado,

mas em função da necessidade de prevenir novos crimes no futuro, ou seja, o objectivo

das teorias preventivas não é o crime do passado, mas antes a previsão de um novo

crime.

O entendimento predominante hoje em dia, tanto cá como lá fora, que os fins das penas

têm exclusivamente finalidades preventivas, o estado com as penas não visa castigar,

pagar ou retribuir pelo crime. A única função legitima pena é prevenir um novo crime.

Embora se defenda que as penas têm apenas funções preventivas, à quem defenda que a

pena também tem funções retributivas, que se pode descrever como uma mais valia,

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Page 10: Aulas Teoria da Lei Penal

Teoria da Lei Penal

com a preservação de bens jurídicos que no fundo a legitima. Quem internamente mais

escreve sobre este assunto, de as penas não terem apenas funções preventivas, mas

também funções retributivas, é o professor Sousa e Brito. A sua teria retributiva chama-

se a teoria da reparação do dano, sendo esta uma perspectiva da ideia de retribuição que

procura tornar compatível a ideia de retribuição com a conclusão a que se chegou, que a

pena só é legitima se se puder justificar como um bem, e não como um segundo mal que

surge como resposta ao primeiro.

No essencial, para a teoria da reparação do dano, o crime provoca danos em três

entidades diferentes, ou três bens jurídicos diferentes que são diminuídos no seu valor

pelo facto de ter existido um crime.

Em primeiro lugar, o crime provoca um dano na vítima, por isso a primeira entidade que

é ofendida pelo crime é a vítima.

O segundo bem jurídico, este não de natureza individual, mas de natureza supra

individual, que fica diminuído no seu valor, que é o chamado dano social. O dano social

é o dano que o crime provoca nesse bem jurídico supra individual, em que o próprio

ordenamento jurídico, ou a confiança que as generalidades das pessoas têm na vigência

das normas, provoca. Estamos de acordo que, para uma sociedade exista e se mantenha,

ela tem que assentar num conjunto de normas e regras, a que se chama ordenamento

jurídico. A crença ou confiança, por parte da generalidade das pessoas neste sistema de

normas e da sua eficácia, é afectada pela pelo facto de existir um crime, provocando um

dano social, diminuído na generalidade das pessoas a confiança na eficácia do sistemas

de normas que nos rege.

A terceira entidade a ficar diminuída no seu valor, e talvez o mais importante, é o

próprio criminoso, chamado o dano da culpa. As pessoas não são igualmente valiosas

ou igualmente desvaliosas, quer isto dizer, que o valor ou desvalor de cada um de nós

em quanto pessoa, se vai construindo em função do carácter mais ou menos valioso das

nossas acções. Portanto ao praticar um acto particularmente desvalioso, que é o crime, à

um bem jurídico do próprio criminoso que é diminuído no seu valor, que a sua

qualidade em quanto pessoa.

Independentemente das qualidades preventivas que tenham os fins das penas, estas são

também um instrumento apto para reparar alguns destes danos, que o crime provocou

nestes bens jurídicos, quer isto dizer, se alguns destes bens jurídicos vir o seu valor

diminuído pela prática do crime, a pena pode ser capaz de repor algum do valor perdido

em cada um destes bens jurídicos pela prática do crime, isso em si é um bem. Por este

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Page 11: Aulas Teoria da Lei Penal

Teoria da Lei Penal

facto, a pena consegue repor algum do valor perdido pela prática destes crimes, repondo

algum do valor que a prática do crime lhe retirou.

O dano que o crime provoca na vítima pode ser ou não reparável, se A matar B, a pena

não consegue, num todo ou em parte, reparar a vítima. Mas à determinados tipos de

crimes, e determinados tipos de penas, que podem reparar os danos desses crimes.

A pena também repara sempre, em alguma medida, o dano social, isto porque a

confiança da generalidade das pessoas foi afectada pelo crime, também esta é reparada

em parte com a pena que foi aplicada ao criminoso.

A pena também consegue reparar o dano da culpa do criminoso. Isto acontece devido ao

facto de o pagamento através da do cumprimento da pena, não reparar em todo o dano

causado, mas vai ressarcir a sociedade em termos de valor, de no caso de cometer o

crime sem cumprir qualquer pena. O criminoso não fica com o valor que tinha antes de

cometer o crime, mas fica com mais valor daquele que teria se não cumprisse qualquer

pena.

Teoria Preventivas

Prevenção Geral Negativa

A pena serve para dissuadir genericamente as pessoas de cometerem crimes, ou seja,

pune-se aquele que comete um crime para que os outros não o pratiquem. Portanto, do

ponto de vista constitucional que justifica a pena, é porque através da aplicação da pena

consegue-se proteger bens jurídicos, através do efeito dissuasor generalizado sobre as

pessoas que a pena é capaz de ter. As pessoas não praticam um determinado crime por

as penas terem um efeito intimidatório, por saberem que está associado ao crime o facto

de serem condenados a cumprir pena, e saberem que este facto não é algo agradável.

Prevenção Geral Positiva

A aplicação da pena é ainda realização do direito, através da aplicação da pena que a

própria norma jurídica prevê, este facto reforça a nossa convicção na eficácia do

ordenamento jurídico. Se se tiver um sistema de normas que funciona, mas que funciona

no sentido de que em primeiro lugar consegue orientar as generalidades das acções para

a não prática daquele facto, mas funciona também no sentido de que aquela acção que

não conseguiu ser orientada para a não realização do facto, a essa acção depois

corresponde a pena que a própria norma prevê. Este sistema de normas funciona não só

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Page 12: Aulas Teoria da Lei Penal

Teoria da Lei Penal

pela intimidação, mas também porque as pessoas se sentem reconfortadas por

perceberem que estão integradas num sistema de normas que funciona.

Uma das críticas que é apontada à prevenção geral, é que os crimes não deixam de

acontecer por haver penas, ou seja, a cada novo crime é uma prova que a pena não tem

uma eficácia preventiva geral. Esta critica não é correcta, uma vez que a eficácia

preventiva geral não se mede pela quantidade de crimes cometidos, mas sim por aqueles

que conseguiu dissuadir de serem praticados devido à pena.

04/03/2010

Teoria da Prevenção Especial:

Porque é que se pune, qual é a finalidade positiva que se tira da privação da

liberdade ao agente do crime?

- Aquilo que se alcança com a aplicação da pena de prisão, é o evitar da prática de

mais crimes por parte daquele a quem se está a aplicar a pena, ou seja, a pena é aplicada

para evitar a reincidência.

Mas de que forma é que através da pena de prisão, se consegue evitar que o

delinquente volte a cometer crimes no futuro?

1. Pode ressocializar, corrigir o agente, pode ser um instrumento adequado para

repor no agente os valores dominantes na sociedade, corrigir a deficiência dos valores

revelados pelo comportamento. Esta é a ideia de prevenção especial positiva, com a

tentativa de reintegração do criminoso, através do aproveitamento do tempo ou

momento, e do espaço, para ressocializar o criminoso.

Mas nem todos os criminosos são ressocializáveis, integráveis nos valores

dominantes, mas podem ser Intimidáveis, ou seja, aqueles que não sejam recuperáveis

através da pena, serão intimidáveis por efeito da pena. Ao mostrar aquilo que

desagradável acontece, por efeito da prática do crime, acredita-se que alguns não

voltaram a repetir, com medo de sofrerem as mesmas consequências desagradáveis. Isto

é chamado de prevenção especial negativa ou de intimidação.

Mas, há depois aquelas que não são nem ressocializáveis, corrigíveis, nem são

intimidáveis. Em relação a estas, como é que se pode justificar ainda assim, a pena de

prisão? Subtraindo-os aos locais onde praticaram tal crime, subtrai-os do contacto com

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Page 13: Aulas Teoria da Lei Penal

Teoria da Lei Penal

os bens jurídicos que podiam lesar, ou seja, durante o tempo que estão presos, não têm

contacto com bens jurídicos, logo não os podem lesar.

1.º Crítica: À ideia de prevenção especial e à de que, se o pressuposto é a

ressocialização, a experiência demonstra-nos o contrário, a prisão está muito mais

próxima de uma escola do crime do que de urna escola de valores. E a própria sociedade

estigmatiza aqueles que cumpriram pena de prisão. A sociedade não acolhe bem os

criminoso também devido ao facto de saberem que as penas não conseguem

ressocializar o criminoso, mas antes pelo contrário, este em quanto esteve preso apenas

aprendeu mais formas e melhores de lesar o bem jurídico pelo qual foi preso ou outro.

Não se pode continuar a dizer (art°40° e 43° CP) que a aplicação das penas visa a

reintegração do agente na sociedade.

Sempre que se vê referida a prevenção especial no CP, está ligada a esta

característica da reintegração/ressocialização, e por isso não se pode dizer que esta

finalidade é apenas uma das hipóteses, que caso não seja possível, se passa à

intimidação ou ao afastamento do contacto com os bens jurídicos.

Estamos é a criticar o sistema de execução de penas e não a ideia de prevenção

especial como finalidade, porque uma das coisas que justifica na CRP esta privação de

liberdade, é precisamente, a tal reessocialização.

Para que isto conduza a uma alteração do sistema de execução de penas, logo, isto

não significa que esta finalidade positiva seja abandonada.

2.ª Crítica: Esta teoria, não consegue por um limite à pena em relação aqueles que não

fossem nem reintegráveis, nem intimidáveis, deviam então ser subtraídos do contacto

com a sociedade, mas até quando? Não nos dá o limite.

Hoje toda a gente mistura as diferentes finalidades, das diferentes teorias para ter

uma solução mais adequada ao fim das penas.

E importante ter presente, que na perspectiva da CRP, é condição de legitimidade

da pena que esta sirva de ressocialização ao agente.

Hoje em dias o que todos os autores fazem é construir uma teoria dos fins das penas

que combina as diferentes finalidades da pena.

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Page 14: Aulas Teoria da Lei Penal

Teoria da Lei Penal

Por este facto, nem todos os autores atribuem a mesma importância relativa a toas estas

finalidades. Existe uma diferença essencial de pensamento entre Roxin e o Prof.

Figueiredo Dias por um lado, e entre Figueiredo Dias e Sousa Brito por outro.

Para Roxin e Figueiredo Dias a pena tem exclusivamente finalidades preventivas,

prevenção geral e prevenção especial, para Sousa Brito, ao lado das partes preventivas,

a pena tem também uma finalidade retributiva.

Roxin

Teoria Unificadora Dialéctica de Roxin

Parte do pressuposto que o Estado, através do seu instrumento que é o direito penal,

se relaciona com o indivíduo, em três momentos diferentes:

1º Momento: o Estado como Legislador

E o momento da Cominação da Pena, da ameaça. Para dissuadir as pessoas de

praticar um facto, o momento da ameaça é aquele em que tem de se ter em conta as

considerações de prevenção geral positiva. O estado tem que decidir que

comportamentos vai tipificar como crime, e fundamentalmente, que pena é que vai

ameaçar quem os pratique. Neste momento e estado da especial importância a

considerações de prevenção geral, ou seja, deve pensar quais os tipos de

comportamentos que deve considerar lesivos da sociedade, e que penas aplicar a cada

um destes comportamentos.

2º Momento : o Estado como Juiz

E o momento da Aplicação da Pena. Saber qual é a concreta culpa revelada por

aquele agente na prática do facto (teoria retributiva), e qual é no caso concreto, a

medida da pena a aplicar, mais curta ou mais longa (prevenção especial), para que a

ressocialização seja possível.

3º Momento : o Estado como Administração.

È o momento da Execução da Pena. O art. 43° CP, di-lo explicitamente (prevenção

especial), “a execução da pena de prisão, servindo a defesa da sociedade e prevenindo a

prática de crimes, deve orientar-se no sentido da reintegração social do recluso, que

direitos tem, se o deixa trabalhar, se tem acesso a jornais, se tem acesso a saídas

precárias, preparando-o para conduzir a sua vida, de modo socialmente responsável,

sem cometer crimes.”

14

Page 15: Aulas Teoria da Lei Penal

Teoria da Lei Penal

Teoria do Prof. Figueiredo Dias

A teoria caracteriza-se pelo facto de a pena visar apenas finalidades exclusivamente

preventivas, prevenção geral e prevenção especial, ou seja, pune-se apenas para prevenir

novos crimes, dos outros e do próprio. Para este autor não se pune para castigar, não se

pune para retribuir pela culpa. A culpa para o autor tem apenas uma função, que é

limitar a pena, quer isto dizer, não se pode por razões de prevenção geral e especial,

punir para além daquilo que seja a culpa concreta do agente revelada na prática do facto.

A pena não serve castigar pela culpa, não tem essa finalidade, a finalidade é prevenir

novos crimes, mas não se pode prevenir novos crimes a todo o custo, portanto a culpa

não permite puni-lo até ao fim da vida, porque a culpa concreta revelada no facto que

esta para trás assim o não permite. O papel da culpa é limitador, ou seja, serve para,

dentro da moldura penal do crime que cometeu, se lhe atribuir a pena óptima.

As finalidades de prevenção geral prevalecem sobre as finalidades de prevenção

especial neste sentido, para se chegar à pena a aplicar.

Por exemplo partindo do homicídio qualificado, que tem uma moldura penal de 16 a 25

anos, como é que se chega à pena concreta a aplicar ao criminoso? A primeira coisa a

fazer pelo juiz é procurar construir a partir moldura penal tipificada, uma nova moldura

de pena, encontrada em função de considerações de prevenção geral, o chamado ponto

óptimo. A forma de o achar é, o juiz deve perguntar-se, para que as pessoas ficassem

completamente satisfeitas com a pena aplicada ao criminoso, aquilo que as pessoas

acham que o criminoso devia ser punido pelos factos que pratica, que pena é que tenho

que aplicar a este criminoso? e acha que para as pessoas ficarem completamente

satisfeitas deve-lhe aplicar um máximo de 20 anos, que o máximo de prevenção geral a

aplicar, sendo este o ponto óptimo. Depois vai descobrir o limite mínimo dessa nova

moldura de prevenção geral, perguntando-se abaixo que limite as pessoas não

compreenderiam a pena aplicada aquele criminoso, chegando à conclusão que as

pessoas não compreenderiam que abaixo de 18 anos não seria justo para os factos por

ele cometidos, porque abaixo daquela punição as pessoas ficariam a pensar que valeria a

pena cometer aquele crime. Portanto, o juiz chegou, dentro de moldura tipifica, a uma

nova moldura penal, entre 18 e 20 anos, apenas a partir de considerações de prevenção

geral. Dentro desta nova moldura, achada através de considerações de prevenção geral,

vai escolher a pena para o agente a partir de considerações de prevenção especial,

escolhendo qual a melhor pena aplicar para facilitar a recuperação, ressocialização,

reintegração do criminoso.

15

Page 16: Aulas Teoria da Lei Penal

Teoria da Lei Penal

O que é importante para este autor é que os considerações de prevenção especial, pensar

na pena de forma de como é melhor para o criminoso, só é relevante dentro de uma

moldura previamente determinada em função de considerações de prevenção geral.

Princípio da Legalidade

Grandes linhas, consequências práticas do Princípio da Legalidade no DP.

E frequentemente referido através de uma máxima latina: NULLUM CRIMEN,

NULLA POENNA, SINE LEGE: ART° 29° CRP.

Não há crime, nem pena, sem lei.

Este principio da legalidade pode depois ser decomposto em quatro sub-

principios:

1. Não há crime, nem pena, sem lei escrita (Não há crime, nem pena sem

lei escrita = influencia o problema das fontes de DP, são parcialmente

diferentes das fontes dos outros ramos de direito. Em matéria de

criação de normas, são da competência relativa da AR: art. 165º, 1, c)

CRP, ou através de Dec.-Lei autorizando (Governo), é que poderão ser

criados crimes e penas. O Costume pode ou não ser fonte de DP)

2. Não há crime, nem pena, sem lei certa (Não há crime, nem pena sem

lei certa (é o P. Tipicidade em sentido restrito) = condiciona o

problema da formulação da lei penal, dirige-se ao Legislador, este está

sujeito a regras muito mais exigentes)

3. Não há crime, nem pena, sem lei estrita (Não há crime, nem pena sem

lei estrita = condiciona o problema da interpretação e integração de

normas penais, são limites diferentes daqueles que resultam do art. 9°

CC)

4. Não há crime, nem pena, sem lei prévia (Não há crime, nem pena sem

letra prévia = condiciona a aplicação da lei no tempo das leis penais.

Faz-se em termos substancialmente diferentes, dos do art.12° CC)

Estes quatro sub-principios da legalidade projecta a sua influência em quatro áreas

diferentes da teoria da lei penal, e por isso têm especificidades diferentes.

Não há crime, nem pena sem lei escrita, condiciona o problema das fontes de

16

Page 17: Aulas Teoria da Lei Penal

Teoria da Lei Penal

direito penal.

Não há crime, nem pena, sem lei prévia, condiciona a matéria da aplicação da lei

penal no tempo.

Não há crime, nem pena sem lei certa, que projecta as suas consequências em

matéria de formulação da lei penal, ou elaboração.

Não há crime, nem pena sem lei estrita, condiciona a matéria da interpretação e

aplicação da lei penal.

Todo o sentido fundamental do Princípio da Legalidade, é garantístico, tem por

objectivo a defesa do arguido contra eventuais abusos.

Todas as consequências que o Principio da Legalidade tem, são consequências que

se traduzem em direitos para o arguido, ou das pessoas em geral face ao poder

punitivo do estado. O Principio da legalidade é um principio garantistico, significa

que nos salvaguarda, nos assegura, nos garante que de facto estamos a salvo de um

certo tipo de abusos que o estado se podia permitir na aplicação do direito penal, e

não o pode porque está restringido pelo principio da legalidade.

O Principio da legalidade é um instrumento de defesa contra o estado, quando o

estado nos pretende aplicar o direito penal.

Salvaguarda-nos, assegura-nos, garante-nos de abusos do estado, quanto ao estado

legislador em criador de normas penais, e quanto ao estado como aplicador.

Os riscos fundamentais que o princípio da legalidade nos pretende salvaguardar,

são fundamentalmente duas coisas. A primeira é que quem decide o que é crime em

Portugal é a Assembleia da República e não são os juízes, salvaguardando que o

poder de definir porque factos é que as pessoas podem ser responsabilizadas

criminalmente é poder que reside no estado, no legislador, e mais concretamente na

assembleia da república.

A segunda razão pelo que o princípio da legalidade existe e explica muita das suas

consequências tem a ver com a constituição pretender salvaguardar que as pessoas

não sejam surpreendidas com a tipificação de crimes de comportamentos, que não

poderiam contar antes da prática desses comportamentos. As pessoas têm que saber

que factos é que não podem praticar sobe pena de poderem ir para a cadeia por

praticarem esses factos, e não podem ser surpreendidas com a punição de um

17

Page 18: Aulas Teoria da Lei Penal

Teoria da Lei Penal

comportamento com cuja punição não podiam contar no momento em que o

praticaram. Por isso se proíbe leis penais retroactivas desfavoráveis ao arguido, é

também por isso que se proíbe a analogia e a interpretação extensiva, porque quer a

aplicação retroactiva de leis penais, quer a interpretação extensiva, quer a

elaboração de leis penais com conceitos vagos ou indeterminados, comportam o

risco de as pessoas serem punidas por factos que não poderiam saber antes de os

praticar.

Em resumo é garantir a separação de poderes, o poder de definir crimes está no

poder legislativo e não no poder judicial, e segurança jurídica.

Não há crime, nem pena, sem lei escrita

(art. 29º, n.º 1 do CP; art. 165º, n.º 1, al) c, da CRP)

Este sub-princípio introduz especificidades em matéria de fontes de direito penal.

Fontes de direito são modos de criação e revelação de normas jurídicas. As fontes

imediatas de direito são a lei e o costume em geral, pelo menos para todos s outros

ramos de direito.

A lei: quando se diz que a lei é fonte de direito, e quando se diz que a lei é fonte de

direito penal, não estamos exactamente a falar da mesma coisa, quer isto dizer, a

palavra lei que surge nas duas frases, não tem em ambas o mesmo sentido. Quando

se diz que a lei é fonte de direito em geral, estamos a falar de lei em sentido

material, quer isto dizer, qualquer acto do estado intencionalmente criador de

normas jurídicas (lei, decreto-lei, etc). Quando se diz que a lei é uma das fontes

possíveis de direito penal, a palavra lei já não é sentido material, mas em sentido

formal, quer dizer, já se está a referir apenas a actos da função legislativa,

aprovados pela assembleia da república (leis) ou pelo governo (decreto-lei),

aquando da autorização da assembleia da república.

Costume: admitindo que ele também é fonte de direito em geral (prática reiterada

com convicção de obrigatoriedade), será que também o é em direito Penal? Não

como fonte de direito penal no sentido que não poder criar crimes. Poderá ser fonte

de direito o costume despenalizando um crime, ou seja, se a superveniência de um

costume faz cessar a vigência de uma norma penal que do ponto de vista formal

tipifica um facto como crime. Pode efectivamente ser o costume fonte de direito

18

Page 19: Aulas Teoria da Lei Penal

Teoria da Lei Penal

penal.

Não há crime, nem pena, sem lei certa

Este sub-princípio do princípio da legalidade tem a ver com o problema da

formulação da lei penal. Este é um princípio claramente dirigido ao legislador,

impondo a este rigor, clareza e precisão, na tipificação do comportamento que se

pretende punir como crime. Quando o legislador pretende tipificar o facto como

crime, está obrigado a descrever esse facto que pretende tipificar como crime, de

forma rigorosa, clara, precisa, de forma a que aquilo que pretende dizer seja

compreensível pela generalidade das pessoas. O significado é que o legislador está

proibido de se socorrer a conceitos vagos, imprecisos, indeterminados, para

descrever as condutas que pretende tipificar como crime. Mas o CP está cheios de

normas que recorrem a conceitos vagos e indeterminados, como o conceito de

veneno, noite, quem praticar acto sexual de relevo, para descrever um

comportamento punível. Estes conceitos são os actos de rigor possíveis, isto é, o

legislador não deve por questão de facilitismo ou preguiça, recorrer a um conceito

indeterminado quando tenha ao seu dispor uma forma mais clara de descrever o

comportamento que pretende punir. O que é exigido ao legislador que explicite até

ao ponto onde for tecnicamente possível essa explicitação.

Partindo desta norma que tem alguns conceitos imprecisos, o legislador vai julgar

da seguinte forma, quanto mais grave for o crime, maior serão em princípio as

exigências que se devem colocar do ponto de vista da clareza da descrição da

conduta que se pretende punir, e pode-se ser um bocado mais flexível quando o

legislador está tipificar comportamentos punidos com penas mais baixas. A medida

que aumenta a gravidade do facto, e portanto a pena que o legislador lhe faz

corresponder, deve aumentar também a exigência sobre o legislador do ponto de

vista da descrição do comportamento. Por outro lado, quanto maior for o grau de

indeterminação da norma penal, quer isto dizer, quanto maior for a flexibilidade

que se concedeu ao estado no momento da determinação da norma, da elaboração

da norma, maior vão ser as exigências que se colocam a esse estado (juiz), no

momento da sua aplicação em termos de fundamentação da decisão. Quanto maior

for o grau de indeterminação da norma, maior deve ser a exigência que se coloca na

19

Page 20: Aulas Teoria da Lei Penal

Teoria da Lei Penal

fundamentação da decisão judicial que pretende aplicar aquela norma.

17.03.2010

18.03.2010

Normas Penais em Branco

O legislador, na própria norma penal, não concretiza de forma completa, o

comportamento que pretende sancionar, mas remete para outras normas a

concretização de parte dos pressupostos da conduta que pretende punir. O artigo

277º, 278º ou 279º do C.P., são exemplo de normas penais em branco. Este artigos

não são normas penais completas, porque para se saber se é crime, tem que se

socorrer de normas regulamentares ou técnicas, nas quais se concretiza o que se

pode ou não fazer. A norma que prevê e pune o tráfico de estupefacientes é uma

norma penal em branco, pois a lei não define o que é estupefaciente, remete para

uma portaria a concretização do que é estupefaciente. Uma norma penal em branco

é aquela que não é completa, no sentido que remete para outras, de valor inferior,

parte do comportamento que pretende punir.

Estas normas em branco têm dois problemas de compatibilização como princípio da

legalidade.

O primeiro tem a ver com a primeira exigência do princípio da legalidade, que diz

que não há crime nem pena sem lei formal, pois parece que quem está a punir o

facto não a lei penal, mas sim a entidade competente para elaborar os regulamentos

que vão concretizar a norma penal.

Estas normas também levantam problemas relativamente à certeza da lei penal, pois

não se consegue através da observação da norma penal, saber que factos se podem

fazer ou os que não se podem fazer. O problema é que a norma penal não define o

facto que é susceptível de corresponder aquela pena.

O tribunal constitucional já se pronunciou sobre estas matérias, dizendo

fundamentalmente que à que distinguir dois tipos de normas penais em branco, as

normas absolutas ou totalmente em branco e as que são relativa ou parcialmente em

branco. Aquelas que forem de considerar absolutas ou totalmente em branco, são de

facto anticonstitucionais por violação destes dois sub-princípios do princípio da

legalidade. As que sejam relativas ou parcialmente em branco, ainda são

20

Page 21: Aulas Teoria da Lei Penal

Teoria da Lei Penal

compatíveis com a constituição.

O que distingue uma das outras é, se a conduta punível consta da própria norma

penal, e aquilo para que a norma penal remete é apenas para a concretização técnica

de um conceito que a própria norma penal já utiliza, é compatível com a

constituição. Uma norma relativa ou parcialmente em branco, é uma norma que ela

própria define, nos seus aspectos essenciais o comportamento punível, só que

define esse comportamento punível através da utilização de um conceito com

algum grau de indeterminação.

A norma regulamentar não pode inovar, ou seja, não pode tipificar como crime um

facto diferente daquele que já está descrito na norma penal, não sendo este facto

admissível constitucionalmente.

NÃO HÁ CRIME, NEM PENA SEM LEI ESTRITA

(Condiciona o problema da interpretação e integração de normas penais, são limites diferentes

daqueles que resultam do art. 9º CC)

Este sub-princípio tem a ver com os limites em matéria de aplicação e interpretação da lei penal.

Tem a ver com a admissibilidade da analogia e o problema dos limites à interpretação, e mais

concretamente da interpretação extensível.

A primeira distinção a fazer é saber se é possível, ou não é possível aplicar por analogia normas

penais, se é ou não possível integrar lacunas por analogia, está dependente disto, é permitida a

aplicação analógica favorável ao arguido, e é proibida a aplicação analógica de normas penais

desfavoráveis ao arguido (artigo 1º do C.P.).

A interpretação extensível é bastante mais problemática, sendo que a interpretação extensível é

uma situação em que o intérprete constata que a situação não cabe na letra da lei, mas cabe no

pensamento legislativo, ou seja, o legislador pensou naquela hipótese, mas expressou-se mal,

querendo dizer menos do que aquilo que queria dizer, portanto à que estender a letra da lei para

alcançar o pensamento legislativo.

Não existe qualquer dúvida que é permitida a interpretação extensiva favorável ao arguido, resta

saber se é permitida a interpretação extensível desfavorável ao arguido.

O Prof. Figueiredo Dias diz que é permitida a interpretação extensível em direito penal, ainda

que desfavorável ao arguido, sendo que apenas é proibida a interpretação analógica.

Todos os autores estão de acordo que a interpretação extensível desfavorável tem como limite

máximo, o limite do sentido possível das palavras, quando se excede o limite possível das

palavras já é analogia. A interpretação em que o pensamento legislativo ainda cabe no sentido

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Page 22: Aulas Teoria da Lei Penal

Teoria da Lei Penal

possível das palavras, é interpretação extensível.

O Prof. Galvão Teles diz que quando letra e espírito coincidem, se for adoptada na letra da lei,

um sentido mais amplo, mas é um sentido que as palavras que o legislador escolheu ainda

comportam, isto ainda não é interpretação extensível, é interpretação declarativa lata.

Independentemente daquilo que um ou outro autor lhe chama, seja interpretação extensiva ou

interpretação extensiva lata, o que se fixar, é que o limite à interpretação extensiva em direito

penal é dado pelo sentido possível das palavras, ou seja, pode-se aplicar a norma a uma situação

que ainda se contenha num dos sentidos possíveis da algumas das palavras do legislador. Já não

se pode aplicar essa norma a hipóteses que já não caibam ou estejam fora do sentido possível

das palavras ou dos conceitos que o legislador escolheu.

24.03.2010

APLICAÇÃO DA LEI PENAL NO TEMPO

A regra geral está enunciada no n.º 1 do artigo 2.º do C.P., onde é referido que os factos são

julgados à luz da lei que vigora quando são praticados.

Por vezes existem factos tipificados como crime, mas são complexos, onde é possível separar o

momento da acção do momento do resultado (bento da um tiro no António e este só morre cinco

anos depois), ficando sem se saber quando é que é o momento da prática dos factos. Esta dúvida

é respondida pelo artigo 3º do C.P, onde diz que quando existe uma divergência entre o

momento da prática da acção e o momento da verificação do resultado, o que é relevante para a

aplicação da lei no tempo é o momento da prática da acção e não o momento da prática do

resultado. O problema só existe quando uma lei penal posterior ao facto pode ou não ser

considerada em termos de aplicação ao arguido. O problema é resolvido pelo princípio de que

se a lei penal posterior ao facto for mais favorável para o arguido aplica-se retroactivamente, se

a lei penal posterior ao facto for mais desfavorável ao arguido, nunca se pode aplicar

retroactivamente (estes dois princípios, o da não retroactividade de lei desfavorável, e

retroactividade de lei favorável, têm consagração constitucional no artigo 29º, e artigo 2º do

C.P.).

A aplicação prática destes princípios suscita alguns problemas, e para os compreender é

necessário fazer uma outra distinção: uma lei posterior ao facto mais favorável ao arguido, só

pode selo por uma de duas razões, ou porque á luz dessa nova lei o facto deixa de ser crime, ou

porque à luz da nova lei, o facto continua a ser crime, mas passa ser punido de uma forma mais

leve. O carácter mais favorável de uma lei posterior ao facto, só pode decorrer de uma destas

duas circunstâncias, sendo que esta distinção é fundamental para delimitar depois o campo de

aplicação do n.º 2 do n.º 4 doa artigo 2.º do C.P. o n.º 2 aplica-se quando um facto é crime à luz

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Page 23: Aulas Teoria da Lei Penal

Teoria da Lei Penal

da lei do momento e deixa de ser crime à luz de uma lei posterior. O n.º 4 aplica-se às hipóteses

em que o facto era crime, quer à luz da lei da prática do facto, como á luz da lei posterior, mas

esta última pune de uma forma concretamente mais leve.

O n.º 2 aplica-se aquelas hipóteses em que o facto deixa de ser crime, no entanto dentro desta

hipótese cabem ainda outras sub-hipóteses. A primeira é quando o tipo legal de crime pelo qual

o agente foi condenado em abstracto desapareceu; a segunda é quando o legislador não elimina

em abstracto aquele tipo legal de crime, mas apenas da uma nova alteração ao tipo, de forma a

que o comportamento que cabia na descrição tipo anterior, deixou de caber na nova descrição

tipo; a terceira é que o legislador não mexe no tipo de crime, mas alarga o âmbito de aplicação

de causas de exclusão de responsabilidade, de causas de exclusão da culpa, de causas de

exclusão da ilicitude e de causas de exclusão da punibilidade, de tal forma que o

comportamento que era crime à luz da lei antiga, deixa de ser crime à luz da lei nova, porque

passou a estar abrangido por esse âmbito mais alargado da nova causa de exclusão da ilicitude,

da culpa ou da punibilidade. Em concreto, o que unifica todas estas hipóteses do n.º 2, é olhar-

se, não para o tipo legal de crime em abstracto, mas olhar-se para o facto que está a ser julgado,

se o facto que está a ser julgado, sendo julgado à luz da lei nova deixou ou não deixou de ser

crime, seja porque razão for. Nestes casos do n.º 2, a nova lei é aplicação retroactiva, mesmo

abrangendo os casos já transitados em julgado.

No n.º 4 do artigo 2º do C.P., estão aqueles casos em que o facto era crime á luz da lei da prática

dos factos e continua a ser crime á luz da lei posterior, mas com punível de uma forma

concretamente mais favorável, sendo que o concretamente é decisivo. O concretamente significa

que, para se saber se se aplica a lei nova ou a lei antiga, a que comparar não as molduras

abstractas previstas pela lei antiga e pela lei nova, mas as penas concretas a que se chegaria se

fosse julgado por uma e outra lei, aplicando-se aquela que fosse mais favorável. Mesmo que as

penas em abstracto sejam idênticas, o juiz tem que aplicar a pena nas duas leis, porque uma

pode ter critérios diferentes da outra, e com isso a medida da pena possa ser diferente,

continuando a aplicar a mais favorável.

Nas hipóteses do n.4 do artigo 2º do C.P., a lei mais favorável não se aplica retroactivamente a

penas já transitadas em julgado, apenas tem o efeito de o agente não poder cumprir mais do que

aquilo que é o limite máximo do estabelecido na nova lei. Embora o artigo 371-A do C.P.P.

permita que haja um recurso extraordinário de revisão de sentença para que seja considerado a

entrada de uma nova lei penal mais favorável.

25.03.2010

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Page 24: Aulas Teoria da Lei Penal

Teoria da Lei Penal

O artigo 3º do C.P. resolve o problema relativamente de quando existe uma divergência

entre o momento da prática da acção e o momento da verificação do resultado, o que é relevante

para a aplicação da lei no tempo é o momento da prática da acção e não o momento da prática

do resultado, mas existe o problema de quando uma acção se prolonga no tempo, acontecendo

isto em dois tipos de crimes, crimes de execução permanente (acção prolonga-se no tempo e

todos os momentos a privação do bem jurídico é colocado em causa), e crimes continuados (a

repetição do mesmo comportamento durante um determinado período de tempo). Acontece, ou

pode acontecer que, devido aos crimes serem num determinado período de tempo, possa existir

uma alteração legislativa, não se sabendo qual lei se aplica, se a lei aquando do início da prática

do facto, ou se a lei aquando do fim da prática do facto.

Se a lei posterior, ou se a lei que está em vigor no momento da cessão do facto ou do

julgamento, for mais favorável do que a lei que estava em vigor no momento que o facto teve

inicio, é sempre esta que é aplicada, visto ser a mais favorável para o arguido e ser de aplicação

retroactiva.

Quando a lei posterior, ou seja, a lei que está em vigor no momento da cessão do facto é mais

gravosa do que aquela que estava em vigor no inicio da prática do facto, diz o artigo 3º do C.P.

que a lei que se deve aplicar é aquela que está em vigor no momento da prática do facto, o

problema é que existem duas leis que estavam em vigor no momento da prática do facto.

O Dr. Silva Dias refere que se deve aplicar aquela que for mais favorável ao arguido,

aplicando-se o princípio do tratamento mais favorável para o arguido, embora não seja

este o entendimento dominante na comunidade jurídica. O que predomina é que, nestes

casos, o juiz deve aplicar a segunda lei, aquela que está em vigor aquando da cessão da

prática do facto, ainda que esta seja mais desfavorável, mas com a condição que todos

os pressupostos que essa lei faz depender de possibilidade de aplicação da pena mais

gravosa, que ela própria prevê, tenham acontecido já no domínio da sua vigência.

Um segundo problema é o que fazer nas hipóteses em que o legislador descriminaliza

um comportamento, ou seja, em que um facto deixa de ser crime, mas em que o

legislador passa a prever, para que pratica esse facto, a possibilidade de aplicação de

uma coima. Um facto que deixa de ser crime e passa a contra-ordenação. Aqueles que

praticaram o facto na vigência da lei criminal, mas vão ser julgados já na vigência da lei

contra-ordenacional, o que lhes pode acontecer? Não pode aplicar pena de prisão devido

ao n.º 2 do artigo 2º do C.P., pois continua a ser punido, mas não como uma infracção

criminal. Quer agora saber-se se se pode aplicar a coima? E é um problema porcausa do

artigo 2º do regime geral das contra-ordenações, que diz que só é possível aplicar uma

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Page 25: Aulas Teoria da Lei Penal

Teoria da Lei Penal

coima a um facto que já estava descrito como contra-ordenação e declarado possível de

coima no momento em que foi praticado, e neste caso isso não acontece. O que

acontecia é que os tribunais aplicavam coimas e outras não, chegando este facto ao

tribunal constitucional. O acórdão deste tribunal diz em primeiro lugar que, não existe

nada na constituição que proíba a aplicação retroactiva de uma lei contra-ordenacional

que suceda a uma lei penal. O que diz o TC, é que existe na legislação ordinária (lei

geral das contra-ordenações), por isso, ou na lei que descriminaliza e passa a punir

como contra-ordenação, existe uma norma transitória, que prevê a própria aplicação

retroactiva dessa nova lei contra-ordenacional, aos factos praticados no domínio da lei

penal, mas ainda não julgados, e então a nova lei contra-ordenacional pode aplicar-se

retroactivamente, ou a lei que descriminaliza e passou a punir como contra-ordenação

não tem essa norma transitória. Se não tem essa norma transitória, vale o princípio

geral, o n.º 2 do regime geral das contra-ordenações.

Outro dos problemas é quando, uma lei pune um facto com pena de prisão até 10 anos, a

esta sucede outra que pune o mesmo facto até 2 anos, e a esta sucede outra que pune

esse mesmo facto até 5 anos. Que lei aplicar a quem praticou o facto na vigência da

primeira lei, mas vai ser julgado na vigência da última lei?

A lei do meio chama-se leis intermédias, que tem a característica de não ser a lei que

está em vigor na altura da prática dos factos e de não ser aquela que está em vigor na

altura do julgamento, mas pode acontecer que seja a mais favorável, que é como

acontece neste caso. Faz sentido aplicar uma lei que não está em vigor na altura da

prática dos factos, nem na altura do julgamento, mas que é a mais favorável? O que a

constituição pretende evitar quando manda aplicar retroactivamente uma lei penal mais

favorável, é que as pessoas que estejam a ser condenadas, tenham penas superiores

aquelas que no momento do julgamento se acham necessárias, e nesta caso, o legislador

acha que no momento do julgamento a pena aplicável é de 5 anos. Então deve-se aplicar

a lei intermédia devido ao princípio da igualdade, pois é a única forma de garantir que

todos são julgados à luz da mesma lei, sendo que esta tem que ser mais favorável.

Outro dos problemas que se coloca é relativamente a leis temporárias ou de emergência.

Este tipo de lei é para vigorar num determinado período de tempo, e tem a característica

de ser excepcional, e por isso o agente que praticou o facto nesse período vai ser julgado

por essa lei, embora à data do julgamento já não esteja em vigor, podendo até já não ser

crime e meramente contra-ordenacional (n.º 3 do artigo 2º do C.P.).

14/04/2010

25

Page 26: Aulas Teoria da Lei Penal

Teoria da Lei Penal

LEI PENAL NO ESPAÇO

Um conjunto de princípios e regras que procuram responder à questão de saber, para

que factos, do ponto de vista da competência espacial, a lei penal portuguesa se aplicam.

A lei penal no espaço procura responder até que ponto se estende a lei penal portuguesa

para julgar factos.

1.º Este conjunto de princípios e regras só se aplicam na falta de tratado ou convenção

em contrário, sendo que para o estudo da cadeira se pressupõem que não existe qualquer

tratado ou convenção.

2.º Este conjunto de normas e princípios pretendem responder à questão de saber se a lei

penal portuguesa é ou não competente para julgar os factos, mas isso não quer dizer que

outro ordenamento jurídico estrangeiro não se ache também competente para o julgar,

sendo que não se pode condenar duas vezes os mesmos factos.

Este conjunto de princípios e regras encontram-se expressos do artigo 4º ao 7º do C.P.

O princípio geral, artigo 4º (princípio da territorialidade), é que em princípio, a lei penal

portuguesa é competente para julgar por factos cometidos em território português.

Excepcionalmente a lei portuguesa è competente para julgar factos praticados fora do

território português. As excepções ao princípio geral constam do artigo 5º, e apenas nas

situações em que estejam reunidos os pressupostos de uma das alíneas do artigo 5º é que

se pode aplicar a lei penal portuguesa fora do território português.

A lei penal no espaço procura responder à pergunta de saber à luz de que critério ou de

que critérios é que se decide quando é que um facto se considera ou não considera

praticado em território português? Ou seja, o que é que tem que ter acontecido para que

o facto se considere praticado em Portugal. O artigo 7º responde a esta pergunta (eu

acho que não responde, apenas complica ainda mais).

Este artigo 7º consagra o princípio da ubiquidade, que significa que nos termos do

artigo 7º n.º 1, o facto considera-se praticado em território português, quando em

território português tenha acontecido uma de três coisas:

A acção típica, em todo ou em parte (cometer a acção criminosa).

26

Page 27: Aulas Teoria da Lei Penal

Teoria da Lei Penal

Ou foi em Portugal que se verificou o resultado típico (o resultado da acção

criminosa ter acontecido em Portugal, mesmo que a acção tenha acontecido em

território estrangeiro).

Ou foi em Portugal que se verificou o resultado não compreendido no tipo legal

de crime.

Explicação do ponto dois e três:

Para esta explicação é necessário classificar os tipos legais de crimes em função dos

elementos que contêm ou não.

Existem os crimes – Formais

- Materiais/resultado

Formais – quando olhando para o preceito que tipifica esse facto como crime, conclui-se

que, naquele preceito se descreve um comportamento, e é suficiente a realização desse

comportamento, acção ou omissão, para que o tipo esteja completamente consumado,

não necessita do resultado.

Exemplo: A condução com excesso de álcool, que visa a protecção de bens jurídicos

como a vida e bens patrimoniais, não se encontrando expresso no artigo os bens

jurídicos que visa proteger, e basta para ser crime o facto de se conduzir com excesso de

álcool, não necessitando que se verifique uma ofensa a qualquer bem jurídico. O crime é

formal porque basta o comportamento descrito, não necessitando do resultado.

Materiais/Resultado – pela análise da descrição típica, que o facto só esta consumado,

quando se demonstre que o comportamento produziu uma consequência, quer do ponto

e vista lógico, quer do ponto de vista espaço e do tempo, destacável da acção.

Exemplo: Homicídio, a letra da lei diz “quem matar outra pessoa”, esta expressão não

descreve apenas uma acção, descreve também a sua consequência. Para ser um crime

material tem que existir a acção de matar, e tem que existir o resultado, a morte, porque

senão não é homicídio, mas sim tentativa de homicídio ou ofensas à integridade física.

15/04/2010

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Teoria da Lei Penal

Para resolver problemas de aplicação da lei no espaço, a primeira coisa que à que

determinar é o lugar da prática do facto, e isso faz-se através da aplicação do princípio

da ubiquidade, artigo 7º, nas suas três diferentes partes, concluindo que se algumas

dessas coisas acontecer em Portugal, o facto pode ser julgado em Portugal, por força do

princípio da territorialidade.

No caso da totalidade do facto tiver acontecido fora de Portugal, serão os tribunais

competentes para julgar?

A resposta a esta pergunta é nos dada pelo artigo 5º do C.P.

Sempre que for concluído que o facto foi totalmente praticado fora de Portugal, o

princípio é de que não se tem competência para julgar, excepcionalmente pode

acontecer que a justiça portuguesa tenha competência para julgar factos ocorridos fora

de Portugal. Estas excepções vêm enumeradas no artigo 5º, nas suas sete alíneas e no n.º

2 do mesmo artigo, enunciando os casos em que a justiça portuguesa é competente para

julgar.

1.ª Alínea a) – sempre que esteja em causa um dos crimes enunciados nesta alínea,

Portugal é competente para julgar os factos tipificados como crime, ainda que tenham

sido praticados totalmente fora de Portugal (princípio da protecção os interesses

nacionais).

2.ª Alínea b) – Portugal é competente para julgar factos praticados contra portugueses,

por portugueses que vivam habitualmente em território português, e que aqui sejam

encontrados, ou seja, para que Portugal seja competente para julgar pelos factos

descritos nesta alínea, é necessário que, quer o autor do crime, quer a vítima do crime

sejam portugueses, e a última parte, apenas se refere ao autor do crime. Esta alínea

pretende evitar situações de fraude à lei, ou seja, pretende-se salvaguardar, quando o

autor e a vítima são portugueses, que estes fossem a um país estrangeiro, e á luz de lei

desse país que permitia o crime que eles queriam cometer, por exemplo bigamia, o

concretizassem, e ficassem impunes, voltando a Portugal impunemente.

3.ª Alínea c) – Portugal é também competente para julgar factos praticados fora de

Portugal quando constituam os crimes previstos nos artigos aqui constantes, até aqui

nada de novo, desde que o agente seja encontrado em Portugal, nada de novo na mesma,

e não possam ser extraditados ou entregues em resultado de execução de mandado

de detenção europeu ou de outro instrumento de cooperação internacional que

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Page 29: Aulas Teoria da Lei Penal

Teoria da Lei Penal

vincule o Estado Português. Esta última parte quer dizer que, Portugal só pode julgar

nestas hipóteses da alínea c), se o agente não puder, ao abrigo de um destes

mecanismos, extradição e mandado de detenção europeu, ser reencaminhado para o

local da prática dos factos para que seja julgado lá. As razões de fundo desta expressão,

é para que se o facto foi praticado fora de território português, toda a prova está no local

onde foram praticados os factos e logo será muito difícil julga-los em território

português, e só no caso em que não possam ser extraditados ou entregues em virtude de

um mandado de detenção europeu, é que são julgados em território português, para que

a prática do crime não fique impune (princípio da universalidade).

4.º Alínea d) – repete exactamente a estrutura da alínea c), mas mudam os crimes, aqui

são os crimes praticados contra menores (princípio da protecção de menores).

5.º Alínea e) – “por portugueses, ou por estrangeiros contra portugueses, sempre que:”.

Para se aplicar esta alínea é necessário que se verifiquem cinco requisitos

cumulativamente, embora pareçam que são três.

1.º É necessário que seja praticado por portugueses, ou por estrangeiros contra

portugueses, sendo que aqui se encontra uma diferença da alínea b), por ser

por português ou contra português, neste caso, o requisito apenas não fica

preenchido quando os factos cometidos entre estrangeiros. Aqui nesta alínea

basta que um dos intervenientes seja português.

2.º O agente tem que ser encontrado em Portugal.

3.º O facto pelo qual se pretende julgar o agente, também tem que ser crime à luz

da lei do lugar onde foi praticado, até aqui é pacífico, depois diz, salvo

quando nesse lugar não se exerça poder punitivo, ou seja, visa salvaguardar

que os factos serão punidos mesmo que praticados em lugar em que não

existe lei para os punir, em que nenhum estado reclama poder de soberania,

como por exemplo a bordo de uma jangada em alto mar.

4.º Constitua crime que não admita extradição…, ou seja, existe uma lei, 144/99

de 31 de Agosto, que no seu artigo 31º, que diz que, em regra os crimes que

admitem extradição, são aqueles que são puníveis em Portugal e no país onde

se praticaram os factos, com pena superior a um ano, mas que não possa a

extradição ser concedida. Um exemplo é o homicídio, em que é admitida a

extradição. Para que este requisito esteja preenchido apenas tem que se ver se

o crime em abstracto tem uma moldura penal superior a um ano, e a partir dai

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Page 30: Aulas Teoria da Lei Penal

Teoria da Lei Penal

o requisito está preenchido, pois pode ser extraditado, a razão pela qual não

pode ser extraditado é o ponto 5º.

5.º “…e esta não possa ser concedida ou seja decidida a não entrega do agente em

execução de mandado de detenção europeu ou outro instrumento de

cooperação internacional que vincule o estado Português”, ou seja, pode

haver razões de natureza substantiva ou processual que impeçam a extradição,

como por exemplo (razões de natureza substantiva), um país onde o facto foi

praticado e peça a extradição do agente, punir esse facto com pena de morte,

pena de prisão perpétua, penas desumanas ou degradantes. Ainda assim a

razão mais importante pelo qual pode não se extraditar um cidadão português,

é pelo facto de em princípio o estado português não extraditar cidadãos

portugueses (artigo 33º da CRP). Em princípio, porque se podem extraditar

portugueses, mas em hipóteses muito limitadas, como sendo para serem

julgados por crimes de participação em organização terrorista internacional,

genocídio, etc. Pode também ser entregue em virtude de mandado de

detenção europeu, como por exemplo para ser julgado pelo Tribunal

Internacional Penal, encontrando-se esta matéria regulada na lei 65/2003 23

de Agosto.

Alínea f) – Por estrangeiro que tenha sido encontrado em Portugal e cuja extradição

tenha sido requerida…, ou seja, um crime cometido por um estrangeiro fora do território

nacional só pode ser julgado em Portugal se, e voltam-se a aplicar apenas os dois

últimos requisitos da alínea anterior, sendo que agora não existe a razão de ele ser

português para não ser extraditado, apenas se aplica o facto de o crime admitir

extradição (mais de um ano), e que o país que solicita a extradição punir esse facto com

pena de morte, pena de prisão perpétua, penas desumanas ou degradantes. O crime que

foi cometido por estrangeiro fora do território nacional e ele foi encontrado em Portugal,

e o país onde foi cometido o facto pede a sua extradição, Portugal só não o extradita se,

o crime não tiver em abstracto uma moldura penal superior a um ano, cá ou no país

onde foi cometido o facto, e não o entrega se tiver penas para esse crime como a pena

de morte, pena de prisão perpétua, penas desumanas ou degradantes, etc., fora destes

casos entrega sempre o animal.

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Page 31: Aulas Teoria da Lei Penal

Teoria da Lei Penal

TEORIA GERAL DA INFRACÇÃO

28/04/2010

A teoria geral da infracção é uma técnica de análise ou método para a resolução de

casos práticos, independentemente do facto em causa, ou seja, quando o objectivo for

decidir se esse comportamento é ou não é susceptível de gerar responsabilidade criminal

para o seu autor, seja ele qual o crime que está em causa, passa necessariamente por

uma metodologia de análise.

O método de análise diz-nos que um crime é toda a acção típica, ilícita, culposa e seja

punível (pressupostos da responsabilidade criminal), ou seja, o crime é algo que é

susceptível de ser decomposto nestas cinco valorações, ou seja, só existe crime, seja ele

qual for, se estiver perante algo que possa dizer que é um comportamento humano, e

que seja típico, ilícito, culposo e seja punível.

Se um facto passar por estes cinco crivos, no final tem se do ponto de vista jurídico,

algo a que se pode chamar crime. Se algum destes cinco crivos não for preenchido não

se tem um crime, tem se outra coisa qualquer, mas crime não é.

O método a seguir para a resolução de um CASO PRÁTICO é seguir a grelha acima

descrita, acção humana, típica, ilícita, culposa e seja punível, se se quiser preencher um

destes quesitos antes de ter preenchido o outro, pode acontecer que nunca se consiga

chegar à conclusão correcta, é como contar uma história, tem de que haver um

encadeamento, uma acção leva a outra que por sua vez leva à conclusão.

Por outro lado, todas as pessoas são capazes de dizer que uma acção não é crime, por

isso é muito importante dizer porque é que não pode ser crime, ou seja, qual daqueles 5

elementos de crime não existe.

1º - Toda a responsabilidade criminal supõe que estejamos perante um comportamento

humano, ou uma acção em sentido amplo (seja lá o que isto quer dizer), só existe

responsabilidade criminal se na base do facto, gerador dessa responsabilidade criminal,

estiver um comportamento humano. Significa que tem que se começar por encontrar um

conceito de comportamento humano que permita concretizar um conteúdo deste

primeiro quesito ou pressuposto.

Conceito de comportamento humano – face a uma situação com que um

agente se confronta, ser objectivamente possível a opção de um de dois ou mais

comportamentos alternativos, ou seja, só existe comportamento humano quando,

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Page 32: Aulas Teoria da Lei Penal

Teoria da Lei Penal

aquilo que o agente fez ou deixou de fazer, signifique uma opção daquele agente

por uma de duas respostas possíveis face à situação que se confrontou. O agente

perante uma situação, só tem um comportamento humano quando tiver mais de

que uma escolha, se apenas tiver uma, já não é um comportamento humano.

Existem comportamentos humanos, definido neste termos, que se excluem à partida de

terem responsabilidade criminal por uma serie de factos, que face aos quais, não é

possível identificar a voluntariedade no sentido descrito.

Exemplo:

Actos puramente reflexos, em que existe uma resposta puramente somática, que são

humanamente incontroláveis, como sendo o facto de se fechar os olhos quando se

espirra, logo não são um comportamento humano, visto não ser controlável pela

vontade. Pode acontecer que uma pessoa espirre quando está a conduzir e por esse facto

fecha os olhos, e por isso não viu a pessoa que ia a atravessar a estrada, logo não existe

responsabilidade criminal, claro está que tem que se provar que isto aconteceu, o que é

bastante difícil. Outros exemplos são acções praticadas quando se leva um choque

eléctrico, acções praticadas durante um ataque de epilepsia. Este conceito faz todo o

sentido com o próprio objectivo do direito penal, pois o direito penal procura orientar os

comportamentos das pessoas.

Actos praticados em estado de inconsciência, são também considerados como não

sendo comportamento humano, logo não existe responsabilidade criminal, como sendo

sob efeito de hipnose e ainda sonambulismo.

Actos praticados sob coação física ou absoluta, aqui existe um comportamento

humano, pois tem escolha, mas não pode ser censurado pelo facto de não ter optado por

uma outra resposta possível, logo não tem responsabilidade criminal. Ex: A coage B,

dizendo-lhe, com uma pistola apontada, ou falsificas um documento ou levas um tiro. B

tinha opção, mas a sua acção não pode ser censurada por esse facto. Neste caso já não é

um problema da acção, mas sim da culpa, o agente (B) age sem culpa.

Passado este primeiro momento, é importante fazer uma segunda distinção, porque pode

ser decisiva para aferir os termos da responsabilidade do agente, que é decidir se o

comportamento humano é activo ou omissivo, se age por acção ou por omissão.

Decidido que existe comportamento humano naquele facto, vai-se agora ver se age por

acção ou por omissão.

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Page 33: Aulas Teoria da Lei Penal

Teoria da Lei Penal

Características de um comportamento activo – está-se perante um comportamento activo, quando esse comportamento do agente, aumentou a situação de risco ou criou um novo, para o bem jurídico, face à situação de risco em que a vítima se encontrava antes da intervenção do agente.

Características de um comportamento omissivo – o comportamento do agente, não criou a situação de risco nem aumenta a situação de risco que encontra, limita-se a não diminuir uma situação de risco que já encontrou; o agente não fez retroceder uma situação de risco já existente, mas não criou um novo, nem aumentou o risco já existente.

Hipótese: “A” passa numa estrada e verifica que existe um acidente de viação e “B” está em risco de vida, “A” pára para ajudar e quando chega junto de “B”, verifica que é uma pessoa de quem não gosta, sendo que por esse facto “A” coloca-se dentro do seu carro e continua a viagem.

- “A” age por omissão, visto não ter aumentado o risco nem criou um novo, mas também não o fez diminuir.

Hipótese: “A” passa numa estrada e verifica que existe um acidente de viação e “B” está em risco de vida, “A” pára para ajudar e quando chega junto de “B”, verifica que é uma pessoa de quem não gosta, entretanto pára uma viatura para ajudar e “C” sai. “A” como não gosta de “B”, diz a “C” que não existe qualquer problema pelo que se pode ir embora.

- “A” age por acção, visto não ter diminuído o risco que encontrou, mas aumenta essa situação de risco, eliminando uma outra possibilidade de a vítima se salvar, através da intervenção de “C”.

29/04/2010

TIPICIDADE – demonstrar que um comportamento corresponde à previsão de uma norma da parte especial do C.P. O juízo de tipicidade é a demonstração de que aquele comportamento realiza, preenche a previsão, o preceito da parte especial.

Para facilitar a demonstrar que um comportamento corresponde à previsão de uma norma da parte especial do C.P, é que se faça uma decomposição do tipo legal de crime, ou seja, que se parta de uma composição da previsão do preceito a que se pretende subsumir o comportamento, num conjunto de elementos de natureza objectiva e subjectiva, em que essa previsão, em que essa descrição do tipo, é susceptível de ser decomposta.

Que elementos objectivos e subjectivos que são susceptíveis de serem decomposta uma previsão de uma norma da parte especial:

Elementos objectivos do tipo:

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Page 34: Aulas Teoria da Lei Penal

Teoria da Lei Penal

1.º Elemento - Identificação do Autor ou Agente - Primeiro aspecto da realidade típica

descrita por qualquer norma é o Autor — “Quem” todos os tipos começam por

identificar quem pode ser autor do tipo descrito. A propósito deste elemento, é frequente

distinguir os crimes em:

- Crimes Comuns: “Quem” - pode ser autor qualquer pessoa, o tipo não

exige uma especial qualidade de autor.

- Crimes Específicos: O tipo legal exige uma determinada especial

qualidade de autor (o médico que…; o solicitador que..). Estes ainda se

distinguem em:

- Crimes Específicos Próprios: da qualidade de autor depende a

própria tipicidade e ilicitude do comportamento, ou seja, aquele

comportamento que está descrito no tipo, quando praticado por quem

tem aquela qualidade de autor é crime, quando praticado por quem

não tem aquela qualidade de autor, é penalmente irrelevante, não

constitui ilícito penal.

- Crimes Específicos Impróprios: da qualidade de autor não depende

a tipicidade nem a ilicitude. Há sempre um crime comum, que prevê o

mesmo comportamento para quem não tem aquela qualidade de autor,

o que acontece é que se for praticado por quem tem essa qualidade, o

crime é agravado na pena.

Ex: Crime específico impróprio: art. 378° CP — crime de violação de

domicílio por funcionário, cuja pena pode ir até 3 anos (agravado).

Ex: Crime comum: art. 190º CP — crime de violação de domicílio,

pena até 1 ano.

2º Elemento – Descrição de um determinado comportamento ou acção

Depois de descrever o autor, os tipos legais de crime descrevem a Acção Típica (em

sentido amplo! comportamento).

Há crimes que apenas descrevem alguém que tem um determinado comportamento, seja

um comportamento activo ou omissivo (crimes formais)

Há outros tipos legais de crime em que, nos termos em que está descrita a conduta em

sentido amplo, é possível logicamente separar dois momentos: o comportamento do seu

efeito (crimes materiais).

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Page 35: Aulas Teoria da Lei Penal

Teoria da Lei Penal

Esse efeito do comportamento que em alguns casos o tipo exige para que esteja

consumado, em DP chama-se: Resultado Típico.

Resultado Típico: há crimes que utilizam expressões em que, nessa expressão, é

possível lógica e temporalmente separar realidades diferentes: Homicídio - art. 131º CP

- o comportamento que provoca a morte é a própria morte, que é consequência do

comportamento. Mas há outros tipos legais de crime em que, pela forma como

descrevem a conduta, não é possível separar a conduta do seu efeito, porque o tipo não o

exige.

Ex: Violação de domicílio: não é pensável um evento logicamente separável da acção:

introduzir-se, que o tipo exija para o crime estar consumado.

Quando nós temos um crime de resultado, quando temos um resultado típico, há sempre

no meio um outro elemento: o Nexo de Imputação Objectiva.

Para demonstrar que A matou B no sentido do art. 131º CP, não basta demonstrar que A

praticou uma acção que, em abstracto, era idónea a produzir a morte, é necessário

demonstrar que a morte foi causada por aquela acção (nexo de causalidade ou de nexo

imputação objectiva). Nexo de causalidade, tem que se demonstrar entre o

comportamento do agente e o resultado, para que esse resultado seja objectivamente

imputado ao agente, em termos de o comportamento do agente poder ser subsumido a

previsão da norma que o prevê.

Quando seja de concluir que a realização integral do facto descrito no tipo importa a

verificação de efeitos que são consequência da acção, então o facto só é típico se o

resultado puder ser imputado à acção. O problema da imputação objectiva é talvez o

problema mais complicado do DP.

Distinção entre Crimes Formais e Crimes Materiais

Crime Formal: O tipo legal de crime apenas descreve uma conduta, não é exigido

um resultado. São aqueles em que a previsão da norma só descreve uma conduta,

mas pode ser uma conduta activa (crime de mera actividade) ou omissiva (crime de

omissão própria). Exemplos: art. 190°; art. 292° e 293° CP.

- Crimes de mera Actividade: quando se conclui que se está perante um

crime formal, em que o tipo legal de respectivo se limita a descrever um

comportamento, se o comportamento descrito no tipo for uma acção em sentido

estrito, comportamento activo. Nestes crimes o tipo pune a mera actividade -

“Quem conduzir…; Quem fizer… (condução com excesso de álcool).

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Page 36: Aulas Teoria da Lei Penal

Teoria da Lei Penal

- Os crimes de Omissão Pura ou Própria: São crimes formais (200° CP). O

comportamento está explicitamente descrito no tipo legal — “Quem não

fizer...”, e é suficiente para que o crime esteja consumado, dispensam o

resultado. São crimes em que o tipo de limita a descrever um comportamento

omissivo e basta para o tipo estar integralmente preenchido ou consumado.

Crime Material: São crimes de resultado, na descrição típica é possível distinguir

não só a acção mas também o resultado. O tipo está descrito em função do

resultado, está lá quer a acção, quer a omissão, por exemplo: art. 131° CP —

Homicídio.

Resultado: evento que, em termos lógico-temporais, é separável da acção e exigido

pelo tipo.

- Os crimes de Omissão Imprópria ou Impura: São crimes materiais, crimes

de resultado, com a particularidade de que o resultado é consequência de uma

omissão, da não evitação do resultado, por isso é que são crimes comissivos

por omissão. Em princípio quando se está perante um tipo legal de crime de

resultado, só se pode subsumir à previsão desse tipo legal de crime, o

comportamento activo que provoca esse resultado, e não a omissão de evitar

esse resultado

O art. 131° CP diz: “Quem matar outra pessoa”, é um crime material ou de

resultado. A questão é a de saber se também cabe o acto de deixar morrer.

Em princípio ou a excepção é quando aquele que omite estava investido no

dever jurídico que pessoalmente o obrigava a ter agido naquela situação para

evitar aquele resultado. Sempre que aquele que omite tenha um dever jurídico

que pessoalmente o obrigava a evitar o resultado: art. 10°, 1 + 100, 2 CP = a

sua omissão é equiparada à acção.

Art. 10°, 2 CP: Quando é que a omissão da acção que podia evitar o resultado é

equiparada à acção?

Quando alguém tem o dever jurídico que pessoalmente o obriga a agir para

evitar o resultado, diz-se que está investido numa posição de garante, numa

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Page 37: Aulas Teoria da Lei Penal

Teoria da Lei Penal

posição de garantia de evitar o resultado.

O art. 100, 2 CP não explicita em que casos é que existe o dever jurídico de

agir de forma a evitar o resultado, tem sido a doutrina e a jurisprudência que

têm identificado as hipóteses em que existe posição de garante. Procuram

identificar quais são as fontes da posição de garante.

Teoria Material das Fontes da Posição de Garante, que vem dizer que a

questão é a de saber em que relação material é que se funda a possibilidade de

exigir Aquela pessoa um dever mais forte do que se exige à generalidade das

pessoas.

Então, no caso em que se aponta como fonte da posição de garante um

contrato, a Teoria Material vem dizer que, aquilo em que verdadeiramente se

funda a posição de garante, que materialmente onera a pessoa a ter um especial

dever, não é a circunstância formal do contrato, é antes o requisito em que

substancialmente o contrato se traduz.

Em termos substanciais, o contrato é uma assunção voluntária, perante outra

pessoa, de um dever, é na criação da expectativa na outra pessoa que se funda a

posição de garante.

Os critérios ou fontes da posição de garante são:

- Lei – existe preceito legal que obriga a intervir em determinadas

hipóteses, como sendo os pais em relação aos filhos, os cônjuges

reciprocamente.

- Contracto – babysitter, guarda-costas

- Ingerência – quem através de um comportamento ilícito precedente, cria

uma situação de perigo para outra pessoa, fica investido no dever de

evitar que esse perigo que criou se concretize e se transforme num

dano.

05/05/2010

Quando estejamos perante um tipo legal de crime de resultado, em que a consumação

dependa a demonstração da verificação de um resultado, não é suficiente para que se

possa auferir o comportamento ao tipo, que se demonstre que à uma acção do agente e o

resultado acontece, é ainda necessário demonstrar que esse resultado pode ser atribuído,

ou na linguagem que se utiliza em direito penal, que esse resultado pode ser

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Page 38: Aulas Teoria da Lei Penal

Teoria da Lei Penal

objectivamente imputado ao comportamento.

O método que tem que existir, entre o resultado e a acção, para que se possa dizer que o

comportamento corresponde à descrição objectiva de um crime de resultado. Este nexo

aparece normalmente designado por Nexo de Causalidade ou Nexo de Imputação

Objectiva. A imputação objectiva pressupõem a demonstração uma relação de

causalidade entre o comportamento e o resultado, mas não se basta com ela, ou seja, a

imputação objectiva, ou os critérios de imputação objectiva, são critérios normativos em

função dos quais se escolhe a causalidade relevante. Quando se tem uma serie de

comportamentos que são causais de um determinado resultado, não significa que do

ponto de vista penal, se vá atribuir ou imputar esse resultado, a qualquer dos

comportamentos que com ele estão numa relação de causalidade. Parte-se da relação de

causalidade, mas depois tem-se que escolher de entre os comportamentos em relação

aos quais se verifica essa relação de causalidade com o resultado, tem-se que escolher

aquele ou aqueles, a quem de facto se atribui ou imputa, esse resultado para efeitos de

culpabilizar o autor.

Imputação objectiva é um critério normativo ou de valor, de escolha, de selecção, de

entre os comportamentos que estão numa relação de causalidade com o resultado, a que

esse resultado vai ser imputado ou atribuído.

Estes critérios não se excluem, antes vão funcionando como uma malha mais apertada

ou como um funil, se passar no primeiro, pode não passar no segundo e passando o

segundo pode não passar no terceiro, e todos em princípio têm que se verificar para ser

imputado o resultado ao agente.

Em direito penal trabalha-se esta matéria com três teorias ou com três critérios:

- Critério da conditio sine qua non/equivalência de condições (critério de

causalidade pura): Na prática o que a teoria propõe é que eliminemos

mentalmente a acção, que imaginemos que a acção não teve lugar, e

perguntemos se nessa hipótese ainda assim o resultado subsistira ou não. Se ao

eliminarmos mentalmente a acção o resultado também desaparecesse então está

demonstrado, que a acção foi condição sem a qual não teria havido o resultado,

ou seja, foi condição sine qua non do resultado.

Se imaginado que a acção não aconteceu o resultado se mantém, então está

demonstrado que a acção não foi causa do resultado, ou seja que o resultado não

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Page 39: Aulas Teoria da Lei Penal

Teoria da Lei Penal

foi causado pela acção.

Se eliminando a acção continuo com o mesmo resultado então é porque aquele

resultado foi produzido por outra coisa que não aquela acção.

- Critério da causalidade adequada: tem um critério de juízo de prognose

póstuma. O Juiz deve imaginar colocado no lugar de um homem médio, no lugar

do agente, no momento em que o agente actuou dotado de específicos

conhecimentos do agente para um homem médio e que pergunte: era previsível

para um homem médio que daquela acção pudesse decorrer aquele resultado tal

como ele se produziu ou não?

Se a resposta for sim, há imputação objectiva, se a resposta for não, não há

imputação objectiva.

Juízo de previsibilidade, feito a posterior mas reportado ao momento da acção.

O que tem de ser previsível é não apenas o resultado mas o resultado tal como ele

se produziu. Tem de ser previsíveis também as concretas circunstâncias que

conduziram ao resultado, ou o processo causal concreto que conduziu ao

resultado.

O objecto do juízo de previsibilidade tem de ser não apenas do resultado, também

do processo causal que a ele conduziu, se alguma destas coisas for imprevisível ou

atípica, então o resultado não deve ser objectivamente imputável à acção.

- A atira B ao Rio Tejo com a intenção que B morra afogado, porque sabe que B

não sabe nadar. B morre porque entretanto apareceu um tubarão no Tejo que o

comeu. Podemos imputar a morte do B ao comportamento do A ou não? Não

podemos, pela teoria da causalidade não podemos.

A morte de B era uma consequência previsível da acção do A mas não os

concretos termos em que esta morte se deu. Porque é completamente imprevisível

que existam tubarões no Tejo.

Para a teoria da causalidade adequada é necessário que o próprio processo que

conduziu ao resultado seja previsível.

- Outro exemplo: A dá um tiro no B e enquanto B está no chão à espera da

ambulância, há um raio que lhe cai em cima da cabeça e que o mata. Neste caso a

morte do B pode ser imputada ao comportamento do A?

Não, não porque a morte do B não fosse uma consequência previsível da acção do

A, mas porque o processo causal que conduziu àquela morte não é o processo

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Page 40: Aulas Teoria da Lei Penal

Teoria da Lei Penal

causal que previsivelmente produz a morte em consequência da acção do A.

A tentativa de homicídio é precisamente consequência da impossibilidade de se

responsabilizar o A pelo resultado. Porque não podemos imputar à acção.

Na linguagem da teoria da causalidade adequada neste exemplo do raio, chama-se

uma interrupção do processo causal.

Há um processo causal que é desencadeado pelo tiro, mas esse processo causal é

interrompido por outro processo causal que é desencadeado pelo raio e que é esse

que efectivamente vai provocar a morte.

- Critério do risco (teoria da moderna imputação objectiva): (cria, ou

aumenta, ou não diminui, um risco proibido e ainda a concretização de

risco/conexão de risco) para haver imputação objectiva - cria ou aumenta ou não

diminua nos casos de omissão, o risco proibido, de forma proibida para o bem

jurídico mais a chamada materialização do risco ou concretização do risco.

Crie ou aumente o risco proibido e é necessário que o resultado seja a

concretização do risco que o agente criou ou do risco que o agente produziu.

A ao disparar sobre B, cria o risco para a vida de B, mas a morte não foi a

concretização ou materialização do risco gerado pelo tiro, a morte foi a

concretização do risco gerado pelo raio que lhe caiu em cima da cabeça.

A morte que lhe aconteceu não foi o desenvolvimento do factor de risco em

virtude do tiro, houve um outro factor, e o resultado tem de ser a materialização

ou concretização desse outro factor de risco, e não do factor de risco gerado pelo

tiro.

E possível que de acordo com a teoria do risco teríamos que concluir que a morte

não poderia ser objectivamente imputada ao comportamento que o A tinha tido

sobre o B.

O art. 131° diz: “Quem matar outra pessoa...”

Quem é que matou aqui o B?

Aqui a morte já não é imputada ao A.

O risco que se materializou no resultado foi o risco que se concretizou com o

raio na cabeça.

Nunca se resolve o problema com a teoria da condição sine qua non, esta diz-lhe

que há uma relação de causalidade entre o resultado e a acção, mas nem todo o

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Page 41: Aulas Teoria da Lei Penal

Teoria da Lei Penal

comportamento que é causal em relação ao resultado é um comportamento que se

pode imputar um resultado em direito penal.

O art. 131° CP diz: aquele que matar. Então há que perguntar: qual foi de

facto a causa da morte?

A causa da morte aqui é o raio que lhe cai em cima da cabeça, ou é o agravamento

da situação provocada pelo acidente, ou é na sala de operações o médico que corta

o que não devia cortar.

O resultado deve ser imputado a quem tem a responsabilidade.

Por exemplo a morte deixa de ser imputada a quem deu o tiro e passa a ser

imputada à omissão do médico que estava embriagado e não tratou o doente.

Homicídio negligente por omissão.

A dá um tiro em B, acerta um centímetro mais em cima mata, acerta um

centímetro mais em baixo não mata. A sua intenção é exactamente a mesma, mas

vai ser punido de forma completamente diferente. E porquê? Porque há apenas a

acção não há o resultado, e no primeiro caso há o resultado e mais há o resultado

como o efeito da acção que ele praticou e não como efeito da negligência de uma

outra pessoa qualquer.

Se eu punisse aqui por homicídio o A, na hipótese de provar que se o médico,

como tem obrigação, realizasse a intervenção, não havia a morte do B, se eu

punisse ainda assim o A por homicídio, estaria a fazer recair sobre o A as

consequências da violação do dever de cuidar por parte do médico, que tendo

obrigação de evitar a morte, não o fez.

Agora se a morte acontece, tendo todas as outras pessoas feito o que poderiam ter

feito para evitar essa morte e não foi possível, então não se interrompe o processo

causal e o resultado é o desenvolvimento da acção.

O que nós estamos a tentar ainda é procurar interpretar a expressão “matar” do art.

131° CP.

“Matar” significa acção, morte e morte provocada pela acção. O que nós estamos

a dizer é que nestas hipóteses há uma acção que poderia provocar a morte mas a

morte não foi verdadeiramente a consequência daquela acção, a morte foi

consequência de um outro factor que entretanto se interpôs ali naquele processo

causal.

O exemplo mais evidente de todos: A dá um tiro em B. B fica em risco de vida

deitado no chão. Alguém vê B no chão não gosta dele e passa-lhe com o carro por

41

Page 42: Aulas Teoria da Lei Penal

Teoria da Lei Penal

cima. E obvio que a morte não pode ser imputada objectivamente ao

comportamento de A, por mais dolo que A tivesse de morte, mas a verdade é que

não foi ele que matou B.

Não foi o risco que ele criou que se materializou na morte, mas o risco que foi

aumentado por aquele que vendo a pessoa que está em risco de vida decide

passar-lhe por cima.

Hipótese 1

A e B, sem saberem um do outro (sem estarem a actuar num contexto de

comparticipação criminosa) colocam veneno num copo que C vai tomar, que toma o

veneno e morre.

Sub-hipóteses:

1°: Nenhuma das doses era suficiente só por si para provocar a morte

2°: Nenhuma é suficiente para matar, mas quando o B coloca a 2ª dose já sabe que no

copo está a dose colocada pelo A

3°: Qualquer das doses é suficiente para matar.

4º: Ambas são suficientes para matar mas o veneno colocado pelo B é uma dose de um

veneno que actua mais rapidamente.

Hipótese II

A vai à Farmácia e pede um medicamento que é mortal em determinadas pessoas, os

farmacêuticos devem ter um especial cuidado porque há um risco para certas pessoas

que podem causar a morte. O farmacêutico está com pressa porque quer ir ver o futebol

e esqueceu-se. Vendeu o medicamento e negligentemente esqueceu-se de pedir a

receita.

O A tomou o medicamento e morreu.

O problema é que depois constatou-se que o A tinha a receita no bolso.

Pergunto: a morte do A pode ser objectivamente imputada ao comportamento do

farmacêutico?

Hipótese 1

A e B, sem saberem um do outro (sem estarem a actuar num contexto de

comparticipação criminosa) colocam veneno num copo que C vai tomar, que toma o

veneno e morre.

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Page 43: Aulas Teoria da Lei Penal

Teoria da Lei Penal

Sub-hipóteses:

1°: Nenhuma das doses era suficiente só por si para provocar a morte

2°: Nenhuma é suficiente para matar, mas quando o B coloca a 2ª dose já sabe que no

copo está a dose colocada pelo A.

3°: Qualquer das doses é suficiente para matar.

4º: Ambas são suficientes para matar, mas o veneno colocado pelo B é uma dose de um

veneno que actua mais rapidamente.

1ª Sub-hipótese: Nenhuma das doses era suficiente só por si para provocar a morte

Teoria da Causalidade Adequada: Não se pode imputar a morte de C nem a A, nem a B,

porque neste caso concreto a intervenção do outro no processo causal, afasta essa

possibilidade, a intervenção de qualquer um no processo causal é um factor decisivo

para a morte de C, mas é imprevisível para o homem médio.

No processo causal em concreto, a intervenção de B obsta à imputação objectiva do

comportamento de A à morte do C.

Quando, entre a acção do agente e o resultado, intervém uma acção de um 3°, obsta-se à

imputação objectiva do resultado ao comportamento do agente.

Teoria do Risco: Podemos imputar objectivamente a morte de C ao A?

A, ao colocar no copo uma dose de veneno cria, de forma proibida, um risco para a vida

de C, mas a morte de C não foi a materialização desse risco.

O risco criado pelo A não é suficiente para se materializar na morte, imputar ao A seria

responsabilizá-lo pelo aumento do risco criado por B:

Não se pode imputar a totalidade o facto a um dos agentes: causalidade cumulativa. Se

houver dolo por parte de A ou de B, são punidos por tentativa de homicídio.

2ª Sub-hipótese: Nenhuma é suficiente para matar, mas quando o B coloca a 2ª

dose já sabe que no copo está a dose colocada pelo A.

Para A nada muda, não há imputação objectiva para nenhuma das teorias.

Para B:

Teoria da causalidade adequada: pede que se faça uni juízo de prognose póstuma, a

pergunta pela previsibilidade, varia em função dos conhecimentos do agente ou dos que

ele deveria ter.

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Teoria da Lei Penal

A pergunta, na teoria da causalidade adequada, varia em função dos conhecimentos que

o agente, em concreto, tem, ou tinha obrigação de ter.

Neste caso, era previsível que aquele resultado se verificasse porque B já sabia que a

dose de A lá estava e que, em conjunto com a sua, seria idónea para provocar o

resultado morte.

Aqui já podemos responsabilizar B pela situação de risco, há imputação objectiva do

comportamento de B ao resultado morte.

Teoria do Risco: B aumenta o risco criado pelo A e a morte é a materialização desse

aumento de risco, por isso há imputação objectiva.

3ª Sub-hipótese: Qualquer das doses é suficiente para matar.

Teoria da Causalidade adequada: podemos esquecer o comportamento de B, porque

temos tudo para explicar a imputação objectiva ao comportamento do A e do B.

Qualquer deles era suficiente para se materializar na morte de C, não há necessidade de

transferência de riscos, qualquer das condutas é, não só em abstracto, mas em concreto

possível de se materializar no resultado.

A morte é objectivamente imputada a A e a B: causalidade alternativa, há um homicídio

praticado em autoria paralela por A e B.

4ª Sub-hipótese: Ambas são suficientes para matar, mas o veneno colocado pelo B é

uma dose de um veneno que actua mais rapidamente.

Teoria do Risco: A cria de forma proibida perigo para a vida de C, mas a morte deste

não foi a materialização desse comportamento de A — Tentativa de homicídio.

É o comportamento de B que realmente produz a morte de C, só imputamos

objectivamente a morte a B.

Teoria da causalidade adequada: B interrompe o processo causal de A, só a B é que se

imputa objectivamente o resultado.

O comportamento de A aqui é uma causa virtual, é susceptível de produzir o resultado,

mas este não se verifica.

Mas há sempre uma irrelevância negativa em DP., nunca o resultado lhe pode ser

imputado, e o autor da causa real nunca pode invocar a causa virtual.

E tendencialmente irrelevante.

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Teoria da Lei Penal

Há fundamentalmente 4 grupos de hipóteses em que a Teoria da Causalidade

Adequada conduz à imputação objectiva e a Teoria do Risco não:

1º Grupo – Diminui o Risco: A está no meio da estrada e é surdo, não ouve o carro

que se prepara para o atropelar e B empurra-o para o desviar, provocando-lhe

uma ofensa corporal, partiu-lhe um braço.

Teoria da Causalidade Adequada: a ofensa corporal pode ser objectivamente

imputável a B.

Teoria do Risco: Não pode ser objectivamente imputável, porque diminui o risco,

logo, não há imputação objectiva, não cabe sequer no art. 143° CP.

Para a teoria do risco, o comportamento tem de criar, aumentar ou não diminuir o risco

proibido/ilícito e tem de se materializar no resultado, para haver imputação objectiva.

2º Grupo – Risco Permitido: A e B são irmãos e A sabe que B é doido por motas, que

mais dia, menos dia se estampa e morre. A quer herdar sozinho e oferece uma

mota a B.

B estampa-se e morre.

Teoria da Causalidade Adequada: a morte de B era previsível a partir do

comportamento de A, logo, haveria imputação objectiva.

Teoria do Risco: não pode ser imputada a A a morte do seu irmão B, porque é um risco

permitido, a ordem jurídica não nos proíbe de oferecermos motas, há comportamentos

que criam factores de risco, mas que são permitidos, logo, não faz sentido imputar

resultados a comportamentos permitidos.

Se um sobrinho oferece um bilhete de avião a um tio, na esperança que seja morto em

Israel e o tio morrer, não é possível imputar nada, porque é um comportamento

permitido.

3º Grupo – comportamento lícito alternativo:

Sempre que se demonstre que alguém age ilicitamente, mas sempre que seja possível

fazer a demonstração, que mesmo que o agente tivesse actuado licitamente, o resultado

era exactamente o mesmo, então diz a teoria do risco que esse resultado não pode

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Page 46: Aulas Teoria da Lei Penal

Teoria da Lei Penal

objectivamente ser imputado ao comportamento do agente.

Hipótese II

A vai à Farmácia e pede um medicamento que é mortal em determinadas pessoas,

os farmacêuticos devem ter um especial cuidado porque há um risco para certas

pessoas que podem causar a morte. O farmacêutico está com pressa porque quer ir

ver o futebol e esqueceu-se. Vendeu o medicamento e negligentemente esqueceu-se

de pedir a receita.

O A tomou o medicamento e morreu.

O problema é que depois constatou-se que o A tinha a receita no bolso.

Pergunto: a morte do A pode ser objectivamente imputada ao comportamento do

farmacêutico?

Teoria da Causalidade Adequada: imputação objectiva

Teoria do Risco: a doutrina inclui esta situação dentro das hipóteses de comportamento

lícito alternativo.

Há um comportamento ilícito, mas prova-se que se o agente tivesse adoptado o

comportamento o comportamento lícito, demonstra-se, que o resultado se teria

verificado na mesma.

O resultado não teve nada a ver com as consequências do comportamento negligente,

foi outro o factor de risco, neste caso a consequência da prescrição médica.

Se o agente tivesse adoptado o comportamento lícito, o resultado dava-se na mesma,

então não há imputação objectiva.

4 Grupo - Âmbito/ esfera de protecção da norma:

A negligentemente atropela B, matando-o. A Mãe ou a namorada de B eram

cardíacas e morrem de desgosto.

Ou

A dispara sobre B à frente da mãe deste e ela era cardíaca e morreu.

Teoria da Causalidade Adequada: há imputação objectiva.

Teoria do Risco: não há imputação objectiva.

A de1imitação da imputação objectiva é feita em função da delimitação do âmbito da

norma que o agente violou.

Quando a lei proíbe disparar sobre outras pessoas, qual é o seu âmbito?

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Teoria da Lei Penal

Só a morte das pessoas contra as quais se disparou.

A morte de terceiros não pode ser imputada ao comportamento do A, porque a vida

destes não é abrangida pelo âmbito da norma violada, são os chamados: riscos

indirectos.

Temos de perguntar sempre se o resultado se dá num dos bens jurídicos abrangidos pela

norma violada.

Conclusão:

Em todos estes casos se imputa objectivamente pela Teoria da Causalidade Adequada.

Mas não há imputação pela Teoria do Risco nos caso em que:

- Há diminuição do risco

- Risco permitido

- Comportamento lícito alternativo

- Âmbito/ esfera de protecção da norma.

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